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á sítios no mundo que são como certas existências humanas: tudo se conjuga para que nada falte à sua grandeza e perfeição. Este Gerês é um deles. Miguel Torga H

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á sítios no mundo que são como certas existências humanas: tudo se conjuga para

que nada falte à sua grandeza e perfeição. Este Gerês é um deles.

Miguel Torga

H

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A Peneda-Gerês® Trail Adventure é uma prova de trail recente mas que capultou como referência na modalidade desde a primeira edição. Não somente pela beleza ímpar da Serra, pelo acolhimento das gentes, pela exigência do percurso, pela tecnicidade dos trilhos, pela singularidade dos programas da prova, mas também por toda “a máquina” organizacional que o Carlos Sá, diretor da prova, conseguiu estruturar. A visibilidade não é continental. Têm uma projeção internacional valiosa. Como portuguesa é um orgulho ver um recanto como o Gerês acolher atletas internacionais e ouvi-los dizer que tencionam regressar pois ficaram fascinados com a qualidade do Trail em Portugal. Os meus mais sinceros parabéns ao Carlos Sá e a toda a equipa por criarem esta pérola. A prova é que o Campeonato Mundial de Trail ocorrerá precisamente na Serra de Miguel Torga, sob a direção do Carlos Sá, em Novembro deste ano. A par disto, acredito que a PGTA também pode tornar-se uma referência mundial. A Peneda-Gerês® (PGTA) integra 6 tipos de provas: o programa de 8 dias, o programa de 5 dias, o programa de 3 dias, a maratona, o trail solidário e a caminhada solidária.

O Programa de 8 dias decorreu de 24 de Abril a 1 de maio e integrava 2 tipos de desafios: o Starter com 146K e o Extreme com 274K

O Programa de 5 dias decorreu de 24 a 28 de Abril e integrava 2 tipos de desafios: o Starter com 102K e o Extreme com 173 Kms

O Programa de 3 dias decorreu de 29 de Abril a 1 de Maio e integrava 3 tipos de desafios: o Starter com 57K, o Advanced com 86K e o Extreme com 115K

A Maratona decorreu no dia 24 de Abril, uma distância de 42K com 1800+ O Trail Solidário decorreu no dia 24 de Abril, uma distância de 21K com 500+ A Caminhada de 9K realizou-se igualmente no dia 24 de Abril

O Clube MillenniumBCP fez-se representar com duas equipas no programa de 3 dias extreme, o que significava completar 115K D+7000 em 3 etapas. Formava equipa com o atleta Eduardo Ferreira porém nove dias antes da prova realizei que a prova extreme seria demasiado penosa para o meu corpo, em virtude de a segunda etapa anunciar 62K D+4000. Optei por solicitar a mudança para a prova advanced a solo (anunciados 86K D+5000) e o Eduardo manteve-se na extreme, igualmente a solo.

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PGTA 3 DIAS ADVANCED – ETAPA 1 29 de Abril de 2016

Às 8h30 entrámos no autocarro que nos levou até à vila de Lapela, de onde iniciava a 1ª etapa do programa de 3 dias e a 6ª etapa do programa de 8 dias. Chegámos pelas 10h25. A estrada é estreita, com muitas curvas e contra-curvas e obriga a alguma perícia para manobrar o autocarro em alguns troços. A vista…imaginem um rio azul largo e possante a brilhar com a intensidade do sol, no meio de duas serras florestadas com várias tonalidades de verde.

Tivemos uns minutos para “recuperar” da viagem (uns cansados, outros maldispostos) e ultimar os preparativos para a partida. Assim que o drone levantou voo e conseguiu captar imagens dos atletas, o speaker iniciou a contagem regressiva.

10h44 inicia a contagem decrescente para mim. O meu objetivo era efetuar os 38K com desnível positivo de 2000 metros, em 6 horas. Não era um objetivo, era um desafio. E foi! No primeiro dia dei tudo de mim. Espremi tudinho. Tanto nas subidas como nas descidas. A distância preocupava-me pois desde novembro não fazia um treino tão longo. Teria de gerir o esforço, o cansaço, a alimentação, a hidratação, o cérebro nas descidas, o cardio e a resiliência nos “planos” para nunca parar. Se foi fácil? Não! Foi brutalmente duro! Foi um estrangular todas as células do corpo para aguentar o red line o tempo todo, uma necessária e escrupulosa ingestão hídrica e calórica (que falhou nos 10 kms finais) e uma constante motivação e resiliência neuronal. Terminei rota! A meta era o éden! E a água gelada da fonte que se situava em frente ao pórtico, uma bênção dos deuses!

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Os 36K que separam a aldeia de Lapela da vila do Gerês

A aldeia de Lapela pertencente à freguesia de Cabril do concelho de Montalegre, encaixada entre montes graníticos a olhar para a Serra do Gerês, testemunhou o “tiro de partida” na praça do município.

A primeira etapa deste evento de trail running contou com um enquadramento paisagístico único de vários locais do concelho. O percurso passou por alguns dos mais emblemáticos locais naturais do território barrosão. E fomos agraciados com bom tempo e temperaturas amenas.

Os primeiros 2K foram a subir, inicialmente em calçada, atravessámos uma ponte romana e entrámos num trilho de pastores onde era possível manter um trote ligeiro. De seguida entramos num single estreito que contornava a serra num sobe e desce constante. O piso era composto por raízes, pedras, pedregulhos e pequenos cursos de água. A paisagem granítica envolvente, esmagadora.

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A partir do Km 6 começamos a descer até à Vila de Cabril, sita ao Km 14. Uma descida moderadamente técnica que obriga a um foco constante. Entre o Km 8 e 10 a inclinação é

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mais acentuada e a progressão mais lenta. Nos restantes quilómetros apesar da irregularidade do terreno consigo forçar o corpo a “soltar-se”. Atravessamos um trilho florestal que me recorda certos locais da Madeira Ultra Trail.

Já na vila, corremos em calçada romana e atravessamos uma ponte que nos leva ao primeiro abastecimento. Um autêntico banquete. O município oferece aos atletas dois tipos de sopa, sandes de carne assada, charcutaria, pão regional, fruta, marmelada, vários doces típicos, presunto, vinho e café (de máquina). Muita fartura, simpatia e boa disposição. Em boa verdade, este foi o melhor abastecimento dos três dias / etapas.

Saímos do abastecimento, a descer, e uns metros à frente surge uma subida com inclinações entre os 15 e os 24% em estrada, de aproximadamente 2K. Entramos num estradão largo arenoso “em plano” e em menos de 1K retomamos uma subida em que a inclinação ultrapassa os 30%. A temperatura aqueceu bastante. Prevejo esgotar os meus soft flask antes de chegar ao 2º abastecimento.

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Felizmente na subida surge uma “fonte de água” a brotar de uma pedra. Parecia imaginação mas não, era real. Finda esta subida iniciamos a descida até à Aldeia de Fafião, onde se situava o 2º abastecimento do percurso. Neste abastecimento tínhamos um controle de chip.

Depois de atestar os reservatórios, comer melão fresco e presunto, retomei o trilho. Continuava a descer “a pique” mais um quilómetro. E depois seguia-se uma subida de 9K com passagem na Cascata do Arado, onde se situava o 3º e último abastecimento.

A Cascata do Arado é uma das belezas paisagísticas do território barrosão. Depois de sair do 3º abastecimento subíamos uma centena de degraus esconsos, irregulares e de vários tamanhos.

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Por esta altura já não sabia o que comer, quando comer, bem como, o que ingerir e quando ingerir. Tinha ultrapassado a barreira de treinos. Obriguei-me a comer uma barra mas ia vomitando-a de seguida. Optei por me manter hidratada até ao fim da etapa e obriguei o cérebro a manter-me alerta de 30 em 30 minutos. A custo consegui. Só faltavam 6K a descer até ao Campo do Gerês. Era o tudo ou nada. Ou melhor, o resto do pouco tudo que ainda tinha. Desci sem receios, sem travões, sem me preocupar com entorses ou quedas. Tinha de chegar o mais rápido possível à meta. A cabeça estava a desesperar e o corpo a necessitar de se nutrir. No último quilómetro já ouvia o speaker ao longe. Até que enfim!! Abri os braços, como se fosse voar, e desci “abrir” no estradão. Descemos em calçada romana junto à zona do secretariado. Remanesciam uns meros 500 metros até ao pórtico. Pensava que já não havia força para sprint mas havia! Era a subir mas eu queria lá saber. Era uma inclinação “de nada” perto de outras pelas quais já tinha passado neste dia. Fui a dar o máximo. Subi a rampa da meta como se não houvesse amanhã. Sentia o coração a bater forte. Atingi as 170bpm em apenas 500 metros mas estava feliz. Muito feliz!

A foto é ilustrativa dos sentimentos experienciados. Estava exausta, morta, rota, sem mais forças. A fonte de água gelada em frente ao pórtico foi a minha crioterapia. Estive 10 minutos “em banho-maria” e a brincar com os repuxos de água. Depois alonguei calmamente e dirigi-me ao hotel para tomar o merecido banho e preparar-me para a pasta party.

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A caminho do Hotel só me questionava como seria eu capaz de efetuar os 35K do dia seguinte. Estava tão cansada, sabia que tinha atingido o meu limite, que não havia um sopro sequer que tivesse reservado para o dia seguinte. Mas o objetivo inicial tinha sido cumprido e com uma margem de 15 minutos. Tinha completado a primeira etapa do programa em 05:43:50, ocupando a 1ª posição da geral.

Jantámos no Restaurante Pedra Bela, uma sopa de legumes e um prato de massa com carne picada. Acho que nunca comi um prato de massa tão grande na vida! Mas quiçá não terá sido este que me deu força para a etapa do dia seguinte.

O gráfico final desta etapa é demonstrativo de “algumas paredes” tanto a subir como a descer.

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PGTA 3 DIAS ADVANCED – ETAPA 2 30 de Abril de 2016

Às 6h45 efetuámos o controlo zero (verificação de telemóvel com GPS, manta térmica e frontal) e pelas 7h08 foi dada a partida da 2ª etapa do programa de 3 dias e a 7ª etapa do programa de 8 dias. Corremos 1.5K em estrada até entrar num trilho florestal que nos conduziu numa subida de 3K (com uma inclinação bastante significativa) até à Pedra Bela. Seguiram-se quase 7K a descer num terreno de elevada tecnicidade até à Cascata do Tahiti com passagem na Ermida. Em dois troços não existia quase trilho. A organização tinha cordas em sítios estratégicos para auxiliar a passagem dos atletas e elementos do GIBS controlavam a “perigosidade” e segurança nos troços em questão.

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Em alguns locais parecia quase impossível descer face à inclinação e à secura do terreno. Pura areia escorregadia. Então a minha decisão foi sentar o rabo no chão e deslizar Infalível! E zero quedas. A passagem na Cascata do Tahiti foi a minha primeira queda. Mas para dentro de água. E felizmente sem mazelas relevantes. A força da água era superior à que tinha imaginado e as pedras polidas eram bastante escorregadias. Segui segura nas cordas e a rezar para não tombar de novo. Ultrapassado este troço, reiniciámos a subida em terreno técnico desta vez, de quatro. Até ao K14, onde se situava a Cascata do Arado, encontramos uma mão cheia de “paredes” rochosas com inclinações superiores a 30%. Rapidamente percebi que a primeira etapa do programa tinha sido “um cheirinho” da etapa do segundo dia. Se achei o primeiro dia moderadamente técnico, então o segundo, foi, indubitavelmente, altamente técnico e duro. Qual Km vertical ou garganta de Loriga! Ali tivemos uma duplicação e triplicação destes “assombros”! Do K11 ao K21 foi sempre a subir. Pedras, pedregulhos, rochas, blocos e quase sempre com as mãos na rocha para auxiliar a progressão e estabilização do corpo.

Do K21 ao K23 a tecnicidade subiu de fasquia! Não era possível? Era pois! Tinha de saltar de pedra em pedra mas com aquela inclinação era impossível. Fui bem regrada e desci da melhor forma que consegui. Uma mini garganta antes de conseguir repor energias. O abastecimento de Leonte surge ao K23.

Sinto novamente incapacidade para decidir o que comer e perco a capacidade de regular os tempos de ingestão calórica e hídrica. Sinto os joelhos a doerem-me e o nível de cansaço físico e mental a aumentar consideravelmente.

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Como banana, como é possível constatar na foto, e levo outra para o caminho. Coloco isotónico num softflask e redrat na água do outro. Sigo. É novamente a subir. Mais 2K até iniciar a descida que me fará atravessar o pórtico da meta no Gerês. Pode ser que seja uma descida corrível, pensava eu na minha santa ingenuidade. Pois é, de corrível só teve o último Km. A descida era técnica, técnica, técnica…polvilhada de calhaus…pedragulhos…pedras…raízes…enfim…perigo atrás de perigo. E a 3K da meta ponho mal o pé e faço uma entorse. Tau! O pé torce totalmente para a direita e as dores explodem. Pensei automaticamente “já estás!”. Tentei continuar a correr, não consegui. Parei uns segundos para ver se conseguia pelo menos caminhar. A dor era muito aguda mas lá consegui caminhar uns passos. Pensei “não podes parar, só páras na meta”. E começei a trotar. Com muito medo confesso mas lá fui esforçando-me para não pensar nas dores e para “cortar” este novo bloqueio que o meu cérebro estava de novo a criar. No último quilómetro oiço um barulho e quando vejo uma vedacção e uma casa percebo que já estou na vila. Devia faltar muito pouco para visualizar a meta. Oiço o speaker. Deve estar a anunciar o atleta que me tinha ultrapassado quando fiz a entorse. Entro em calçada. Sim, já falta pouquinho. Ao fundo vejo um voluntário a sorrir para mim. Indica-me para proseguir pelo passeio. Faltam 200 metros. Esqueço todas as dores, a meta está à minha frente. Volto a tentar sprintar. Aquele é o meu éden! Não tenho uma imagem ilustrativa do término da segunda etapa mas imagino o meu ar. Depois de atravessar o pórtico, atirei-me” para dentro da fonte de sapatos e mochila. Uns segundos depois é que despi a mochila. Não sei quanto tempo lá estive porque entretanto estive a falar com uns amigos que tinham terminado a etapa um pouco antes de mim. Face à dureza desta etapa, muitos atletas que estavam inscritos no programa extreme optaram por efetuar a etapa do programa advanced.

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Aqui ressalvo a resiliência e força de vontade do Eduardo Ferreira que sabendo que teria mais 30K com D+2000, com a mesma dureza dos primeiros 30K, decidiu cumprir a totalidade do desafio ao qual se comprometeu. As mudanças do programa extreme (117K 7000+) para o programa advanced (86K 5000+) originaram alterações na classificação geral. Ao entrarem 4 “novos” atletas na classificação da PGTA Advanced, passo de 1ª classificada a 5ª classificada da geral e 2ª da classificação feminina, na etapa do 1ª dia. E com o término da etapa do 2º dia fico na 6ª posição da geral, mantendo o 2º lugar na classificação feminina. Caso não tivesse ocorrido integração de 4 atletas, ocuparia a 2ª posição da geral e mantinha-me com 1ª sénior feminina. Depois da crioterapia regressei ao Hotel, troquei-me e fui almoçar uma magnífica posta mirandesa. Findo o almoço dirigi-me às massagens para que um profissional pudesse avaliar o grau da minha lesão. Uma menina fazia a massagem terapêutica enquanto a outra avaliava o pé. Confirmou que não existia ruptura.

Fui aconselhada a fazer gelo e repousar durante a tarde. Como precavida que sou, já tinha levado um pé elástico calçado. E mantive-o o resto da tarde. Passei na meta para ver alguns amigos e fui fazer uma sesta para o hotel. Dormi 2h. Reparador! Sentia-me fresca quando despertei. Inquiri o Eduardo pela sua localização e fui esperá-lo à meta.

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PGTA 3 DIAS ADVANCED – ETAPA 3

Último dia! Última etapa! 15K com 1000+…”está quase…falta pouco para seres finisher Filipa”. É desta singela forma que energizo o meu cérebro nos minutos que antecedem a partida. O sino da igreja toca. São 9h em ponto! O speaker solicita aos atletas dos 8 dias que se posicionem em frente à linha de partida pois usufruirão de 5 minutos de avanço. Merecidos! Findo o tempo de beneficiação, começa a contagem decrescente. Todos em uníssono a contar 10...9...8...7...6...5...4...3...2...1...e o apito da partida ressoa na praça. Partimos a subir. Ninguém caminha. Todos correm. Devia estar a custar a todos mas ninguém desarmou. Uns mais fortes que outros. Sigo sempre a correr num passo ligeiro em jeito de aquecimento. Quando a subida empina um pouco mais (inclinação de 18%), caminho rápido e uns segundos à frente volto a correr até à entrada no trilho. Foram 800 metros mas tenho a certeza que custou a todos! Eu pelo menos senti as perninhas a queixar Nos primeiros metros o trilho florestal é largo e permite recuperar posições. Menos de um quilómetro depois, começa a afunilar ao ponto de seguirmos em fila indiana sem

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conseguir ultrapassar o atleta da frente nos 2K seguintes. Em dois quilómetros subimos 330 metros com inclinações abruptas num trilho de terra ora seca ora molhada com raízes e troncos traiçoeiros, mas com uma vista sobre o Gerês soberba.

Finda esta subida temos um trilho de cascalho "em plano" que permite ultrapassar alguns atletas até que desembocamos numa descida de 2K de areia fina onde as sapatilhas derrapam. Como me tinham dito que seriam 15K técnicos, optei por trazer os Cascadia pois permitir-me-iam controlar melhor os movimentos do pé, protegendo a zona da entorse. Fiz mal. Estas sapatilhas não são adequadas para areia. Fiz a descida de forma regrada e fui largamente ultrapassada pelos outros atletas. Felizmente regressa a subida. Em estradão largo. Recupero posições e sigo num passo acelerado. Chego ao primeiro abastecimento, no final da subida, atesto os softflask, como uma banana e introduzo o isotónico na água. Agradeço aos voluntários e sigo. Segue-se um sobe e desce corrível até ao K10. E para terminar, 2.5K com um desnível negativo de 475 metros, inicialmente pelo meio da mata e na parte final, uma zona de pedras soltas e areia. Nestes últimos dois quilómetros aparece um atleta que segue copiosamente todos os meus passos e vamos a conversar até à meta. Algo impressionante para mim pois raramente converso com alguém no decorrer de uma prova. Não é verdade Eduardo?

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Começo a reconhecer a descida e sei exatamente onde vai desembocar o trilho. No mesmo local que terminou a primeira etapa.

Abro os braços e desço “abrir”.

Seguiram-se 500 metros em que subi de 140 a 167bpm

A meta! A tão desejada meta! O Éden!

Sou finisher das 3 etapas da Peneda-Gerês® Trail Adventure – programa advanced em 14h08 sem bastões!

Crioterapia time! Yupii!! Mas dura pouco. Temos de ir ao Hotel fazer check-out com brevidade para as 12h30 subir ao pódio

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SÚMULA

Como referi no início deste relato, esta foi a minha terceira participação em provas por etapas. A primeira no Atlas Toubkal, um challenge de 68K 4000+ em dois dias (14h28) e a segunda nos Açores, o Triangle com 95K 5500+ em três dias (15h15), ambas com bastões. A Peneda-Gerês com 81K 4800+ foi concluída em 14h08, sem bastões, na 8ª posição da geral. Como resumir o avassalador sentimento que é esta prova…bem…vou por nestes termos: existe a garganta de loriga, o km vertical da Serra da Estrela, a demolidora subida final no Atlas Toubkal, as intermináveis subidas da TDS (prova mais selvagem do UTMB) e depois existe o Gerês! Só tenho 4 palavras para o descrever…brutalmente duro e implacavelmente técnico! Trilhos lindíssimos, vales grotescos, cascatas de assombro, subidas de quatro, descidas de sku, passagens com cordas, florestas verdejantes, uma serra granítica com uma impressionante beleza paisagística, penhascos e precipícios gritantes, muros e cercanias de pedra, gado que pastoreia, um coberto vegetal rico e variado, matas com um tipo de paisagem sem comparação com as restantes serras de Portugal, água fresca para retemperar energias, uma aragem serena, uma temperatura elevada, voluntários prestáveis, uma organização impecável, amigos fantásticos…uma prova única! Não é só uma prova, aquela em que acordamos cedo, a completamos e regressamos a casa ao final do dia. É uma aventura, um desafio magnânime! Confesso que nunca imaginei descobrir este Gerês. É deveras estranho. Parece que ficamos extasiados pela sua beleza. Somente o ruído do rio entrecorta o silêncio que habita no coração desta Serra. Quanto a mim...dei tudo! Não ficou nem uma célula para espremer, nem um músculo por utilizar...todo o meu corpo relata uma história. Há marcas nas mãos, nos braços, nas pernas e inclusivé uma entorse para recordar. O meu corpo tem vestida a roupa de trailer...o sorriso, o orgulho na minha capacidade. Se há provas que nos marcam e cativam, esta é, indubitavelmente, uma dessas. Estejam na partida em 2017!!!

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PROGRAMA 3 DIAS / 3 ETAPAS

ADVANCED 81K D+4790 D-5085

14:08:11

Classificação Geral: 8/18 Classificação Feminina: 2/4

Etapa 1 Data: 29.04.2016 Hora Início: 10:44 Distância: 36.35K Tempo Total: 5:43:29 Ritmo: 9:27/km Acumulado: D+1850/ D-2160

Etapa 2 Data: 30.04.2016 Hora Início: 7:08 Distância: 32.20K Tempo Total: 6:15:41 Ritmo: 11:40/km Acumulado: D+2075/ D-2062

Etapa 3 Data: 01.05.2016 Hora Início: 9:07 Distância: 12.70K Tempo Total: 2:04:43 Ritmo: 9:49/km Acumulado: D+865 / D-863

PROGRAMA 3 DIAS /

3 ETAPAS

EXTREME 113K D+6790 D-7085

20:19:32

Classificação Geral: 8/15