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Inclusão Drogas Intoxicação Copa da inclusão, novos canais para a promoção de saúde mental Pág. 3 Debate sobre a liberação da maconha para uso medicinal Pág. 6 Aumento dos acidentes causados por cigar- ros eletrônicos Pág. 7 CONFIRA TAMBÉM ANO 07 IMPRESSO E ON-LINE - BOLETIM Nº 25 ABR/MAI/JUN - 2014 Há uma população marginalizada nos porões de nossa sociedade

Há uma população marginalizada nos porões de nossa sociedade · Médica, a de Revisão de Óbitos, de Revisão de Prontuário e a de Controle de ... Federal da Ordem dos Advogados

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Inclusão Drogas IntoxicaçãoCopa da inclusão, novos canais para a promoção de saúde mental Pág. 3

Debate sobre a liberação da maconha para uso medicinal Pág. 6

Aumento dos acidentes causados por cigar-ros eletrônicos Pág. 7

CONFIRA TAMBÉM

ANO 07 IMPRESSO E ON-LINE - BOLETIM Nº 25ABR/MAI/JUN - 2014

Há uma população marginalizadanos porões de nossa sociedade

Em pleno 2014, ainda não evoluímos para uma sociedade ideal. Já chegamos à Lua e estamos a um passo de fazer um paraplégico se movimentar por meio de um exoesqueleto, mas ainda não aprendemos a inverter a ordem das coisas e priorizar o que realmente faz sentido. Priorizar as prioridades, para ser redundante e incisivo.

Vivemos num mundo que reverencia os ídolos do futebol, impulsionados pelo marketing milionário do esporte. Enquanto nossos professores estão em greve por tempo indeterminado aguardando o anúncio de salários mais dignos. Mas esse fato não nos importa muito, afinal a aula de nossos filhos está garantida nas escolas particulares que cobram caro e não fazem greve. Enquanto assistimos aos jogos da Copa, em nossas televisões full HD, as crianças das escolas públicas estarão em férias permanentes, afinal tem greve de professor, tem Copa, e ainda é ano de eleições. Os estádios, que custaram milhões e mais algumas vidas operárias, são pura pompa e circunstância. Serão alvo de todas as câmeras de TV. E receberão milhares de pessoas que, antes, se digladiaram nas filas – reais ou virtuais – por um ingresso do Mundial.

Não tenho nada contra o futebol. Nem contra a Copa. Muito menos contra as tec-nológicas TVs contemporâneas. Mas fico pensando que se tivéssemos o mesmo interesse grandioso e eloquente por outros assuntos mais prioritários, mudaríamos o país. E não me refiro a manifestações nas ruas. Não acredito que empunhar bandeiras tenha mais força do que trabalhar honesta e arduamente por um ideal. Modificar realidades não é fácil. É preciso muito trabalho e dedicação. Mas também é preciso querer. Fechar os olhos faz com que sejamos coniventes.

A situação das pessoas que sofrem de transtornos mentais e que estão internadas em hospitais de custódia, no Brasil, é um desses episódios que nos envergonha. Mas que não desperta a atenção de quase ninguém, porque não incomoda a vida cotidiana.

Os usuários de crack que perambulam nas ruas da capital paulista ferem a paisagem urbana. Apresentam risco à nossa pseudo paz. Então a população se mobiliza, e exige que os “drogados” saiam do caminho. Mas também não se importa muito sobre o que será feito deles. Já os internos dos hospitais de custódia não estão no caminho de ninguém. Não incomodam. Moram lá longe, em Franco da Rocha!

É mais ou menos nesse tipo de círculo vicioso de pensamento que vivemos. Que inverte os valores do que realmente nos interessa e nos toca. Somos humanos, mas

distanciados de nossa própria humanidade. Confinados aos nossos interesses individuais.

Torcerei pelo Brasil na Copa, porque acredito no esporte como agente transformador e motivador. Mas torcerei mais forte ainda para que, depois do Mundial, o gigante realmente acorde.

* Ricardo Mendes coordena o departamento de Saúde Mental do SINDHOSP

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EFETIVOYussif Ali Mere Jr. (presidente)

EDITORA:

Ana Paula Barbulho (MTB 22170)

REDAÇÃO E REVISÃO:

Ana Paula Barbulho, Aline Moura, Fabiane de Sá e Rebeca Salgado

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA:

Carlos Eduardo, Felipe da Fonseca (Marketing)

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO:

Ricardo Mendes, coordenador de Saúde Mental do SINDHOSP, e Carlos Eduardo Silva (Marketing)

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2.000 exemplares

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Entre diretores e administradores de hospitais psiquiátricos e clínicas

PERIODICIDADE:

Trimestral

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Assessoria de Imprensa R. 24 de Maio, 208 - 9º andarCEP: 01041-000 - São Paulo - SPTel. (11) 3331-1555 - Fax: (11) [email protected]

Saúde Mental em Foco é uma publicação do SINDHOSP

INCLUSÃO

O evento conta também com a participação da rádio “Sã Consciência”, consi-derada mais um espaço de integração e livre expres-são. Os usuários narram os jogos, animam a torcida, cantam, entrevistam joga-dores e torcedores. A rádio conta com uma programa-ção musical, momentos para recados e declamação de poemas.

A primeira edição da Copa da Inclusão, que ocorreu em 2002, contou com a parti-cipação de 13 instituições da área. Em 2010, com a crescente adesão de novos participantes, o encontro reuniu 53 serviços da região metropolitana de São Paulo, entre CAPS, NAPS, HDs, CECCOs. No ano de 2011, participaram 56 serviços. Em 2012 foram 65 serviços de saúde mental localizados em diversas regiões da Grande São Paulo, além de cidades do interior paulista.

“Já são 12 anos de dedicação, parcerias e conquistas. Crescemos, aprendemos juntos, dividimos alegrias, emoções, enfrentamos dificuldades e seguimos com nosso objetivo de promover um espaço de integração, ressocialização e inclusão social”, explica Otsuka. “É comum entre pacientes a queixa em relação ao ócio, sendo este um importante agravador do sofrimento. Muitos não têm um suporte familiar ou uma rede social que lhes provenham afetivamente, assim como muitos têm uma rede social que se limita às relações que são estabelecidas nas insti-

tuições. Esse evento consiste numa grande reunião de instituições de saúde mental, vindas de toda Grande São Paulo”, completa.

No primeiro dia da Copa da Inclu-são, este ano, será realizada uma cerimônia de abertura, que contará com apresentações culturais e o início dos jogos. No último dia, ocorrerá uma festa de encerramento, também com apresentações culturais e cerimônia de entrega dos prêmios do torneio e medalhas para todos os participantes. Tal qual a Copa!

No país do futebol, e em ano de Copa do Mundo, não há outro assunto. A despeito das manifestações, das greves e da opinião de muitos brasileiros de que a Copa não deveria acontecer por aqui, o torneio é irrefutável. E, convenhamos, ajuda-nos a despertar a solidariedade e a alegria. Afinal, o esporte é assim: tem o poder da reabilitação. Pois é exatamente este espírito que traduz a iniciativa da ONG Sã Consci-ência, que desde 2005 trabalha na criação de projetos inovadores a fim de promover a reinserção social de portadores de transtornos mentais. Um deles é a Copa da Inclusão, evento que busca integração, ressociali-zação e inclusão de usuários, profissionais e familia-res dos serviços de saúde mental nos municípios de São Paulo, Diadema, Ferraz de Vasconcelos, Barueri, Santo André, Mauá, Guarulhos e Mogi das Cruzes.

Neste ano, o evento será realizado entre os dias 16, 23 e 30 de agosto e 13, 20 e 27 de setembro, no Sesc Ita-quera, já parceiro da ONG. Idealizado por Ed Otsuka, José Luis Cassandri e Ricardo Santoro – então alunos de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e hoje professores de Psicologia da faculdade –, a Copa tem a preocupação de expor à sociedade a demanda de atenção em relação a essa população que, apesar dos avanços alcançados, ainda sofre com o descaso e a ignorância acerca do assunto. “Procuramos mostrar que os pacientes psiquiátricos podem ser produtivos para a sociedade e devem ser vistos como tal”, afirma Otsuka. “Trata-se de uma iniciativa que procura criar novos canais para a promoção de saúde mental, tal como um espaço de lazer e expressão aos pacientes.

Pretendemos mostrar que é possível proporcionar espaços como esses, e assim provocar a realização de novas iniciativas, além de celebrar os avanços alcançados pelos profissionais dessa área”, completa.

Apoiado pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP-SP), a iniciativa já é cativa no calendário de eventos do setor e tem entre suas atividades torneios de futsal masculino e feminino, com equipes forma-das pelos usuários dos serviços de Saúde Mental, apresentação de oficinas terapêuticas (como dança cigana, capoeira, samba) trazidas pelas instituições; e bazar, onde são expostos e vendidos produtos con-feccionados pelos usuários. Além disso, acontecem sessões de cinema e peças de teatro.

Vai ter CopaEsporte, cultura e terapia são temas da Copa promovida pela ONG Sã Consciência

*Por Rebeca Salgado

sentença de desinternação, Medida de Segurança extinta ou internação sem processo judicial, ou ainda por terem recebido o benefício judicial da alta ou desinternação progressiva. A esquizofrenia representava a maioria dos diagnós-ticos (42%).

Segundo a psicóloga Laura Araújo Geszti, pesquisadora da Secretaria de Admi-nistração Penitenciária do Rio de Janeiro, a cada três anos a periculosidade do paciente é verificada por um perito. “Agora, você imagina como é complicado um perito que não está acompanhando o tratamento dessa pessoa atestar uma responsabilidade de que ela não vai mais cometer o delito. Ninguém assina. Houve um caso de um paciente que entrou com 18 anos e saiu com 60 porque tinha furtado mantimentos”, revela.

No estudo do Cremesp, que retrata a realidade do Estado de São Paulo, a lógica é mais ou menos a mesma. Nas três unidades visitadas, nenhuma das comissões obrigatórias pela legislação estava constituída, entre elas as comissões de Ética Médica, a de Revisão de Óbitos, de Revisão de Prontuário e a de Controle de Infecção Hospitalar. Em duas das três instituições, não existia farmacêutico responsável. Os medicamentos eram dispensados por um agente de segurança penitenciário e administrados aos pacientes pelos auxiliares de enfermagem. A ausência do farmacêutico facilita a prescrição de polimedicação – polifarmá-cia – ou mesmo o uso de drogas para contenção química. “A partir do final da tarde, e até a manhã seguinte, os pacientes ficam trancados em suas celas ou pavilhões, permanecendo sem assistência médica ou possibilidade de socorro em caso de emergência. Não há um esquema de vistoria noturna dessas celas ou pavilhões, especialmente nos períodos em que não dispõe de médicos nestes horários”, detalha o relatório. Em um dos hospitais vistoriados, dos 72 profis-sionais de saúde esperados para o porte da unidade, trabalhavam 28. Dos sete psiquiatras previstos, havia três. Entre clínicos, diaristas e plantonistas, dos 17 esperados foram encontrados seis. Entre os 26 auxiliares de enfermagem neces-sários, havia apenas oito. E não havia nenhum terapeuta ocupacional, dos cinco necessários. “A falta de equipe reduz o atendimento aos casos de emergência e impede a prática de um projeto terapêutico individualizado, como previsto na

legislação, o que compromete o tratamento, a recuperação e reabilita-ção dos pacientes”, alerta Mauro Aranha.

Para o presidente do Sindicato dos Funcionários do Sis-tema Prisional do Estado de São Paulo, João Rinaldo Machado, o sistema prisional começa a ficar visível para a sociedade, pois um número cada vez maior de pesquisadores e entidades renomadas volta-se para o tema. “O problema do sistema prisional é muito sé-rio e grave. Denunciamos há muitos anos as mazelas

como a superlotação carcerária e o déficit de pessoal, e finalmente esse assunto vira pauta social. Até agora não

vimos resultados concretos a partir desses estudos, mas temos certeza de que essa visibilidade será muito útil para

as reivindicações e denúncias da categoria”.

Segundo o advogado Marcus Vinicius Furtado Coelho, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a entidade batalha pela transferência da gestão dos hospitais de tratamento para as secretarias de saúde. “Entendemos que a questão foge da competência da Justiça Criminal. Por meio de sua Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário, a OAB tem estabelecido contato direto com membros dos governos de todo o país para que se sensibilizem para a questão. Serão encaminhadas proposições às secretarias de saúde e aos governadores para que as pessoas que estão em cumprimento de medida de segurança passem a ser responsabilidade do sistema de saúde”.

A despeito da política antimanicomial, que travou uma luta contra a institucio-nalização do paciente com transtorno mental, os hospitais de custódia andam na

MATÉRIA DE CAPA

Eles não são super-heróis. Não possuem o po-der de ser tornar invisíveis, nem de voar. Não são feitos de aço, nem lançam teias de aranha pelos punhos. Alguns deles talvez até delirem sobre esta possibilidade. Mas tudo fica em sonho. No estado da inconsciência. Na verdade, são pessoas de verda-de. Como eu, você e o vizinho. Feitas de carne, osso e um bocado de melancolia. Cerca de quatro mil pessoas que sofrem de transtornos mentais e que, por um lapso, cometerem um crime, foram desco-bertas, presas, julgadas incapazes, e colocadas atrás das grades. No papel, elas têm direito a tratamen-to médico e psicológico, e a condições dignas de moradia e alimentação. Mas vivem enclausuradas como bichos e, muitas vezes, abandonadas por suas famílias. Esquecidas pelo Estado, incompreendidas e invisíveis, porque habitam o último degrau da hie-rarquia social.

Em abril deste ano, o Cremesp (Conselho Regional de Medici-na do Estado de SP) lançou uma publicação chamada “Hospital de Custódia: Prisão sem Tratamen-to”. A leitura é obrigatória para os interessados em políticas públicas em saúde mental. Ou na falta de-las. Os números apontados pelo amplo relatório dão conta de que os 1.050 portadores de transtornos mentais mantidos nos três hospi-tais de custódia do Estado de São Paulo encontram-se em situação de total desassistência. “Não rece-bem cuidados médicos essenciais, não têm acompanhamento psicos-

MATÉRIA DE CAPA

social visando à recuperação, e vivem em ambientes fétidos, úmidos, em en-fermarias com vidros quebrados e colchonetes no chão”, detalha o prefácio do livro, dando a ideia do que vem pela frente.

Esta realidade, embora não seja muito debatida pela nossa sociedade, não é uma novidade. Em 2011, um estudo encomendado pelo Ministério Público da

Justiça (MPJ), realizado em parceria com o Anis (Instituto de Bioética, Di-reitos Humanos e Gênero) traçou um censo sobre esta população no

país. Foi o primeiro trabalho brasileiro a se debruçar sobre o tema. “Estamos diante de um grupo de indivíduos cuja precariedade da vida é acentuada pela loucura e pela pobreza, mas também diante de vidas precarizadas pela desatenção das políticas públicas às ne-cessidades individuais e aos direitos fundamentais”, afirma Débora

Diniz, professora da Universidade de Brasília, pesquisadora do Anis e que assina os textos do trabalho de 2011, intitulado “A Custódia e o

Tratamento Psiquiátrico no Brasil”.

Para Mauro Aranha, psiquiatra do Cremesp e um dos coautores do livro, o olhar sobre esses pacientes é apenas custodial. “A vertente terapêutica e de ressocia-lização da Medida de Segurança parece passar ao largo dessas pessoas”, afirma. No Brasil, indivíduos que cometem um crime e que são julgados inimputáveis ou semi-inimputáveis são absolvidos pela Justiça, mas submetidos à Medida de Segurança, convertida em tratamento, que pode ou não incluir a reclusão. Ser considerado inimputável significa, basicamente, que a pessoa não tinha consci-ência de seu ato quando cometeu o crime. Daí a proposição de uma internação acompanhada de tratamento.

Além da ausência de tratamento efetivo, esses presos permanecem anos a fio nesta condição de internação, porque pela lei a Medida de Segurança só termina quando cessa a “periculosidade” do infrator. Quer dizer que um psiquiatra pe-rito precisa atestar, em laudo médico, que o paciente não apresenta mais riscos para a sociedade para que ele possa ser “liberado”. Segundo o jurista Carlos Eduardo Neves, analista de Promotoria no Ministério Público de São Paulo, é de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que a Medida de Segu-

rança, embora dependa da cessação de periculosidade, não pode ser perpétua e nem ultrapassar 30 anos de enclausu-ramento, já que nossa Constituição não permite penas que ultrapassem este li-mite.

O censo realizado a pedido do MPJ, no entanto, flagrou 0,5% da população dos hospitais de custódia vivendo há mais de 30 anos em reclusão. Três por cen-to estavam entre 16 e 20 anos; 14,6% de 6 a 10 anos e 54,7% de 1 a 5 anos. Pelo menos 25% (741) dos indivíduos em Medida de Segurança não deveriam estar internados por terem tido atesta-da a periculosidade cessada, por terem

contramão deste discurso. “Falta à política antima-nicomial ter mais efetividade no tratamento dessas pessoas e admitir que o transtorno mental não é ape-nas devido às mazelas sociais de que estes indivídu-os emergem. Falta também à Psiquiatria tradicional o reconhecimento de que estes indivíduos não são apenas portadores de transtornos mentais: são pes-soas que necessitam de condutas ativas em prol de sua ressocialização e resgate de seus direitos civis e de sua dignidade” , considera o psiquiatra Mauro Aranha.

Alternativas Brasil afora tem mostrado um possível caminho para que a situação dessas pessoas melho-re. Uma experiência pioneira, em Belo Horizon-te, é o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental Infrator (PAI-PJ). Por lá, não existem mais hospitais de cus-tódia. Existe uma equipe volante ligada ao Tribu-nal de Justiça que vai até as unidades prisionais e atende aos pacientes que lá estão. “É notório que há uma alternativa”, reforça a psicóloga Laura Araú-jo. O PAI conta com equipes multidisciplinares que propõem projetos terapêuticos individualizados que objetivam a ressocialização dos pacientes, inclusi-ve junto às suas famílias. Quando sai da reclusão, em determinados casos, o paciente que ainda não se sente seguro para viver sozinho é acompanhado por um estagiário de psicologia, até que sua recupe-ração seja plena.

Para o desembargador aposentado Sérgio Antonio de Resende, que presidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais de 2008 a 2010, é preciso lembrar que, antes do ato criminoso, existe uma longa trajetória de sofrimento mental. “O crime é uma consequên-cia dessa história. No entanto, mesmo diante de um ato trágico, é possível apostar que essa pessoa é ca-paz de outras respostas em sua convivência social. Pode-se dizer que não existe reincidência nos casos assistidos pelo PAI-PJ, em funcionamento há dez anos. Isso demonstra a eficácia do programa, desen-volvido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em parceria com o Executivo, pela rede pública de saúde, com o imprescindível apoio dos operadores do direito. O envolvimento da família e de toda a sociedade é fundamental.”

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*Por Aline Moura

Mauro Aranha

DROGAS

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O debate sobre a liberação da maconha para uso medicinal não é novo. Nem exclusivo do Brasil. Mas ganhou ares de primeira página de jornal no começo de 2014, quando a família da menina Anny Fischer solicitou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio da Justiça, que fosse considerada legal a importação de um medicamento contendo canabidiol (CBD), substância extraída da maconha. O objetivo era tratar a pequena Anny, que sofre da rara síndrome CDKL5, doença genética que provoca deficiência neurológica grave e grande quantidade de convulsões.

A liberação, conquistada em março, trouxe felicidade à família de Anny, mas não chegou a contento para o menino Gustavo Guedes, de 1 ano e 4 meses. Ele tinha uma forma grave de epilepsia e sua família também recebeu autorização da Anvisa para importar a pasta natural de CBD. A criança sofria da síndrome de Dravet, entrou num quadro grave no fim de maio, e faleceu, dias após a autorização da agência.

Embora a comercialização de medicamentos com esta substância ainda seja proibida no Brasil, os pacientes que tenham a prescrição para utilizar esse remédio podem abrir um pedido junto à Anvisa para importá-lo. O problema é que o trâmite é lento e nem sempre o paciente tem tempo para aguardar. De acordo com a agência, isso é necessário porque medicamentos sem registro no país não contam com dados de eficácia e segurança registrados na Anvisa. Por isso, cabe ao profissional médico a responsabi-lidade pela indicação do produto, juntamente com sua dosagem e forma de uso.

Em 29 de maio, uma audiência foi realizada na Anvisa, justamente para decidir se o canabidiol poderia ou não sair da lista de controle especial. A decisão favorável permitiria que pacientes com indicação médica importassem o medicamento sem a necessidade de autorização. Um pedido de vista de um dos conselheiros, no entanto, adiou a decisão, que ainda não tem previsão para sair. Até lá, a importação direta de canabidiol continua proibida no Brasil.

Os pais de Anny não têm dúvidas quanto à eficácia em seu tratamento. O casal Katiely e Norberto Fisher conta que a filha, de cinco anos, tinha cerca de oitenta convulsões por semana, com crises que começaram aos 45 dias de vida. Em 2013, quando iniciaram o tratamento com CBD, na época importado clandestinamente e comprado pela internet, as crises da menina diminuíram, chegando a quase zero em algumas semanas. A batalha com a Anvisa começou após a agência reter a importação do medicamento. Eles entraram na Justiça para continuar o tratamento e conseguiram liminar favorável. Com a análise de laudos médicos, o juiz reconheceu que “a medicação trouxe uma sensível melhora na qualidade de vida da paciente, sendo desumano negar o pedido à criança”.

“A única forma de se estudar um composto é seguir as normas já estabelecidas, que sabemos que são boas”, afirmou Livia Cunha Elkis, neurologista membro do departamento científico de Neurologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). “Em primeiro lugar vamos estudar em adultos que podem nos informar melhor os efeitos colaterais. Não podemos expor nossas crianças ao empirismo, vamos tentar fazer um esforço global e estudar esse composto de forma mais acelerada. A preocupação da SPSP referente ao caso de Anny é que muitos pais recorram a este tratamento sem orientações específicas e acabem por prejudicar ainda mais a situação de seus filhos”, explica.

Mario Roberto Hirschheimer, presidente da SPSP, também é contra o uso da substância em crianças. “O que devemos nos perguntar é: será válido os pais exporem seus filhos a fármacos ainda não aprovados?”, questiona. “O maior problema se refere à percepção do efeito colateral em crianças pequenas, que pode estar associado ao atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, compli-cando a percepção da família ou do médico. Uma criança de 7, 8 anos pode informar uma cefaleia, mas não descreve precisamente suas características como dor em queimação ou dor pulsátil. Será que uma criança de 1 ou 2 anos pode informar uma ansiedade discreta ou moderada, e nós médicos ou os seus pais vamos entender esse sintoma subjetivo, e então avaliar a retirada da medicação?”

O Conselho Federal de Medicina (CFM) também se posicionou a respeito do tema, em 6 de junho, em nota oficial. A entidade ressaltou que defende a pesquisa com quaisquer substâncias ou procedimentos para combater doenças, desde que regidos pelas regras definidas pelo sistema CEP/CONEP e aplicados em centros acadêmicos de pesquisa. Ainda afir-mou que “não se deve confundir o uso médico de canabinoides com o produto in natura para uso fumado ou ingerido, o qual não apresenta valores científico ou terapêutico”.

Dois grandes hospitais de São Paulo estão testando a estimulação elétrica de um nervo localizado no rosto para o tratamento da depressão, da fibromialgia e da dependência de crack. O procedimento experimental é indolor e não invasivo.

Na técnica, dois eletrodos conectados a um marca-passo são colocados na testa do paciente, região do nervo trigêmeo, que passa pela mandíbula, pelo maxilar e pela região próxima aos olhos.

Os eletrodos, então, enviam ondas elétricas até as áreas do sistema nervoso central que regulam o comportamento. Os neurônios reagem ao es-tímulo e voltam a funcionar em níveis normais.

No HCor (Hospital do Coração), o procedi-mento está sendo testado em 14 pacientes com depressão moderada e nos próximos meses mais 70 serão recrutados.

"Esse estímulo altera o fluxo sanguíneo e os impulsos neuronais com benefícios visíveis", diz Antônio De Salles, coordenador do Núcleo de Neurociência e Neurocirurgia do HCor.

Já na Santa Casa, os testes com a estimulação do nervo trigêmeo incluem, além da

DEU NA IMPRENSA

Anvisa adiou discussão sobre liberação de canabidiol e pedidos emperram na justiça brasileira*Por Rebeca Salgado

HOSPITAIS DE SÃO PAULO TESTAM ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA

CONTRA DEPRESSÃO

depressão, a fibromialgia, doença caracterizada por dores em todo o corpo e a dependência do crack.

Lá, a técnica foi aplicada em dez pacientes com depressão severa que não respondiam mais a

medicamentos. Foi o caso da funcionária pública Ivone Pereira Lopes, 55.

Após o tratamento experimental com eletroestimulação durante duas se-manas, parou de usar remédios, não sente mais dores pelo corpo nem sinais da depressão.A fase de manutenção da terapia, a partir deste mês, será mais inovadora:

após receber orientações, os pacientes farão em casa a eletroestimulação com

aparelhos portáteis cedidos pelo hospital.Segundo Pedro Shiozawa, coordenador

do Laboratório de Neuroestimulação Clínica, ligado à Santa Casa, todos os pacientes do estudo se recuperaram da depressão após o tratamento.

Fonte: Folha de S. Paulo

Centros de toxicologia dos Estados Unidos detectaram um forte aumento dos acidentes causados por cigarros eletrônicos. Os casos envolvem, principalmente, crianças que manipularam o líquido que contém nicotina inalada pelos usuários dos "e-cigarettes".

O número de chamadas recebidas pelos centros de atendimento para atender a este tipo de intoxicação aumentou de um por mês em setembro de 2010 para 2014 casos mensais em fevereiro de 2014 – segundo informações das autoridades norte-americanas.

Ao todo, os cigarros eletrônicos provocaram 2.405 ligações para os centros de toxicologia. Os cigarros convencionais contabilizam 16.248 acidentes, como a ingestão de tabaco por crianças.

Mais da metade das chamadas recebidas por causa dos cigarros eletrônicos en-volviam menores de cinco anos que haviam ingerido, inalado ou derrabado o líquido na pele ou nos olhos. A maioria apresentava sintomas como náuseas, vômitos ou irritação da pele.

Uma pessoa se matou ao injetar o líquido à base de nicotina na cor-rente sanguínea, segundo os Centros para Prevenção e Controle de Doenças (CDC).

O cigarro eletrônico funciona como um vaporizador

pelo qual se inala uma solução com nicotina mis-turada a sabores frutados ou doces."Este estudo é outro alerta vermelho sobre os novos cigarros eletrônicos. O líquido que contém nicotina pode ser perigoso", afirmou o diretor do CDC, Tom Frieden. "À medida que o uso destes produtos au-menta, as intoxicações aumentam também", disse.

Fonte: Revista Exame

Aumentam casos de intoxicaçãopor cigarro eletrônico nos EUA

Uso de maconha medicinal ainda é visto com receio no Brasil

Katiely e a filha Anny Fisher, de cinco anos

CRÍTICA DE CINEMA

Afinal, qual a melhor forma de tratar e lidar com uma pessoa que sofre de problemas psíquicos? Dependendo do grau, há quem defenda que a melhor solução seja a internação. Há quem a condene, afirmando que humanidade, afeto e delicadeza são suficientes para a cura. Fazendo um paralelo com o mundo cinematográfico, há quem defenda que o tom mais dramático e direto consegue transmitir a mensagem de forma mais clara. Outros acreditam que buscar a leveza e a sutilidade – e quem sabe até um pouco de humor - possa sensibilizar o público de forma definitiva.

Uma mescla disso tudo é o que faz o filme Melhor é Impossível, do diretor James L. Brooks (Laços de Ternura). Embora tenha optado pela delicadeza na construção do longa, o Transtorno Obssessivo-Compulsivo (TOC) do personagem Melvin (Jack Nicholson) não tem nada de sutil e é um tapa da cara do público em alguns momentos. O resultado é tocante e poderoso.

Melvin é um sujeito que não mede esforços para despejar a quem se apro-xima toda a sua ira sarcástica. Um dos seus principais alvos é o vizinho homossexual Simon (Greg Kinnear) e seu cãozinho. Melvin vive só em seu apartamento, onde escreve romances feministas. Só sai de casa para almoçar, no mesmo restaurante todos os dias, sem pisar nesse trajeto em nenhuma listra. No restaurante ele faz questão de se sentar na mesma mesa todos os dias e só admite ser atendido pela mesma garçonete, Carol, interpretada pela atriz Helen Hunt - uma mulher sofrida que vive para cuidar do filho, vítima de uma rara doença respiratória.

O excelente roteiro desenvolve com maestria a personalidade de cada um dos personagens, ajudado por um elenco inspiradíssimo que expõe as fragi-lidades de todos nós. A humanidade transpira na tela, conseguindo a rápida identificação com o espectador.

Jack Nicholson não poderia ser melhor escalado. Ao encarnar Melvin, o ator soma este a um histórico de personagens loucos e divertidos da car-reira. O mix de experiência, aliado ao talento de Nicholson, transformam o protagonista em um personagem complexo: embora grosseiro, sarcástico e maníaco, Melvin encanta o público, que se sensibiliza pelo seu drama. Ao longo do filme, Melvin se revela uma alma bondosa, impulsionada a princípio pela sua aproximação com o cão do vizinho, com quem ele tanto

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MELHOR É IMPOSSÍVELimplicava. Depois vem o despertar do amor pela garçonete, e o desejo de se transformar em uma pessoa melhor. Em busca desse objetivo, Melvin resolve retomar seu tratamento com o psiquiatra e volta a tomar seus medicamentos. Um recado explícito de que a terapêutica do transtorno de-pende muito do engajamento do próprio paciente para que dê certo.

Embora o longa destaque o TOC engraçado de Nicholson, o roteiro consegue mostrar pequenos transtornos e falhas em todos os personagens, deixando a mensagem de que somos, afinal, anormais quando olhados de perto.

Além da grande atuação do elenco, merece desta-que a direção de James L. Brooks, que opta por ro-dar praticamente todo o filme em plano americano (quando enquadra a personagem dos joelhos para cima). Isso ressalta ainda mais a atuação indivi-dual, a grande força do filme. O diretor também utiliza bastante o recurso do zoom em momentos de emoção, ao som da trilha precisa e sensível de Hans Zimmer (O Rei Leão e Missão Impossível), tudo para despertar no público a empatia.

Narrativa essa que teve um auxílio para lá de fun-damental com o montador Richard Marks (O Po-deroso Chefão II), que conseguiu equilibrar drama e humor, tornando a história leve e envolvente.

Há quem diga que a trama é previsível. De fato é. Mas Brooks se mostra eficiente no que pretendia e pouco preocupado sobre isso. A ponto de, no final do filme, você ter a certeza de que o título, “Melhor é Impossível”, nunca soou tão perfeito.

*Carlos Eduardo Silva é coordenador do departa-mento de Marketing do SINDHOSP e desenvolve, paralelamente, o site CCnine10, de críticas de cinema: www.ccine10.com.br