HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL, REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA MORADIA, APROPRIAÇÕES DE ESPAÇOS E INTERVENÇÕES NO USO; por Paulo Sérgio Bastos Andrade

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  • Paulo Srgio Bastos Andrade

    HABITAO DE INTERESSE SOCIAL, REPRESENTAO SOCIAL DA

    MORADIA, APROPRIAES DE ESPAOS E INTERVENES NO USO.

    Estudo de casos: Residencial Jaan e Residencial Xavante II

    em Belm, PA

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Cincias da Arquitetura, rea de concentrao em Racionalizao do Projeto e da Construo.

    Orientador: Prof. Mauro Csar de Oliveira Santos, D.Sc.

    Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FAU

    2007

  • A553h Andrade, Paulo Srgio Bastos Habitao de interesse social e representao social da moradia, apropriaes de espaos e intervenes no uso: Estudo de casos: Residencial Jaan e Residencial Xavante II em Belm, PA. / Paulo Srgio Bastos Andrade.- 2007. 132 f. : il. Orientador: Mauro Csar de Oliveira Santos. Dissertao (Mestrado em Arquitetura) Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. Bibliografia: s. 100-123. 1.HABITAO Aspectos Sociais. 2. MORADIA Representao social. 3. MORADIA Uso. 4. RESIDENCIAL JAAN - Belm (PA) 5. RESIDENCIAL XAVANTE II - Belm (PA). I. Santos, Mauro Csar de Oliveira, orient.

    CDD 22th. ed. 711.58

  • Paulo Srgio Bastos Andrade

    HABITAO DE INTERESSE SOCIAL, REPRESENTAO SOCIAL DA MORADI, APROPRIAES DE ESPAOS E INTERVENES NO USO.

    Estudo de casos: Residencial Jaan e Residencial Xavante II, em Belm, PA.

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-graduao em

    Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio

    de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em

    Cincias da Arquitetura, rea de concentrao em Racionalizao do Projeto e da

    Construo.

    BANCA EXAMINADORA:

    _______________________________

    Prof. Prof. Mauro Csar de Oliveira Santos, D. Sc. (Orientador) PROARQ / FAU / UFRJ

    _______________________________

    Prof. Ivani Bbursztyn, D. Sc. PROARQ / NESC / UFRJ

    _______________________________

    Prof. Marco Aurlio Arbage lobo, D. Sc. UNAMA

    Rio de Janeiro 2007

  • DEDICATRIA

    minha mulher, companheira, colega e cmplice, pela generosidade e pacincia sem limites.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, pela condescendncia, a quem tudo devo.

    Aos meus filhos, Alberto Neto e Michelle, porque me deram o sentido desta vida.

    Aos meus finados pais, Alberto e Oflia, felizes, onde estiverem.

    professora Helena Tourinho, da UNAMA, paciente consultora nos primeiros

    passos.

    Ao professor Marco Aurlio, da UNAMA, consultor, conselheiro e amigo, por sorte.

    Aos amigos que possibilitaram a realidade deste trabalho: Arquitetos, Massa Goto,

    Samantha Nahon e Emerson Bruno; e Biblioteconomista Maurila Mello e Silva.

    Aos professores Ivani Bursztyn e Luiz Tura, da UFRJ, pela consultoria e colaborao

    inestimveis.

    Aos amigos do PROARQ / UFRJ, Renata Couto, Carol Martins, Gustavo Guimares

    e Maria da Guia, pelo apoio sempre presente no Rio de Janeiro.

    Aos moradores dos conjuntos Jaan e Xavante II.

    E finalmente, ao meu orientador e estimulador sem perdo, professor Mauro Santos,

    caboclo paraense honorrio, sem o qual no teria chegado at aqui.

  • RESUMO

    ANDRADE, Paulo Srgio Bastos. Habitao de interesse social, representao social da moradia, apropriaes de espaos e intervenes no uso: estudo de casos: Residencial Jaan e Residencial Xavante II em Belm, PA. 2007. Dissertao de (Mestrado em Cincias da Arquitetura) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Orientador: Mauro Csar de Oliveira Santos, D. Sc.

    Em conjuntos recentes de habitao de interesse social foi constatado que moradores se vm apropriando de espaos coletivos e fazendo intervenes que alteram a sua integridade funcional e aparncia. Este fato contradiz a racionalidade dos projetos, deduzindo-se que h necessidades subjetivas que no tm sido consideradas a priori. Para descobrir razes dessa atitude, foi utilizado o ferramental cientfico da teoria das representaes sociais, de Moscovici, oriunda da psicossociologia. Esta teoria suporta acesso ao inconsciente coletivo do grupo social para revelar essas necessidades obscuras e pr luz o sentido da moradia na viso consensual dos moradores, alm de possibilitar uma massa emprica ordenada que aponta para pontos antes no percebidos. O sentido da moradia encontrado resumiu-se na categoria lxica segurana, com acepo de satisfao pela conquista de bem material precioso a casa prpria. Foi estudada a relao entre arquitetura e moradores, com destaque para o uso dialtico da moradia e foram realizadas pesquisas no Residencial Jaan e no Residencial Xavante II, construdos em Belm-PA nos anos de 1998 e 2000, sobre os quais se colheu as opinies dos moradores. O sentido da moradia posto luz mostrou-se como responsvel pelo problema, estimulando as apropriaes dos espaos e intervenes referidas, alm de que os procedimentos e pressupostos da teoria ainda proporcionaram, adicionalmente, descobertas de conexes empricas importantes, que serviram para suporte de indicativos para concluses e recomendaes para novos projetos, tais como: indispensabilidade de quintal para todas as unidades; flexibilidade projetual, dando como opo o modelo loft nas cozinhas; espao para personalizao ao gosto do usurio; previso de espao coletivo de lazer; eliminao radical de reas sem funo; prever mais de uma vaga de estacionamento e a necessidade de projetos complementares para padronizao de garagens cobertas a serem construdas pelos moradores depois da ocupao. Palavras-chave: habitao de interesse social; representao social da moradia;

    uso; e sentido da moradia.

    Rio de Janeiro 2007

  • ABSTRACT

    ANDRADE, Paulo Srgio Bastos. Housing of social interest, social representation of residence, appropriation of spaces and intervention on use.

    Case Study Jaan Residential and Xavante II Residential in Belm, PA. 2007. Dissertation (Master in Architecture Sciences) -- Faculty of Architecture and Urbanism, of Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Advisor: Mauro Csar de Oliveira Santos, D. Sc.

    On housing of social, was proved that residents are occupying collective spaces and doing some interventions that change the integrity of appearance and functionality of recent housing estate. These facts contradict the project rationality, concluding that there are subjective necessities that cannot consider these elements a priori. To find out the reasons for these attitudes, the scientific key of social representations, of Moscovici, from psicosociology was used. This theory is supported by the access to the collective unconscious of social group to reveal these unknowing necessities and to clear the consensual vision of the residence, besides making possible the ordinate empiric mass that shows points not observed before. The meaning of residence that was found is summarized in lexical class of security, with sense of effort of precious good material the own house. The relation between architecture and residents was studied, with distinction for the dialectic use of housing and researches were done on Jaan Residential and Xavante II Residential, built in Belm, PA within the period of 1998 and 2000, when the residents had their opinions reported. Whatever the sense of residence showed itsef response of the problem, stimulating the appropriation of spaces and its intervention, besides the procedures and the theory estimated caused the discovered of important empiric connections, that serve to support the indicative for conclusions and recommendations for new projects, as: backyard for all units; projectual flexibility, applying as option the loft model in the kitchens; space for personnel user kind; plan collective space for recreation; eliminate areas without function; prevision for more than one parking space and the necessity of complementary projects for covered garage pattern to be constructed by residents further. KEY WORDS: housing of social interest; social representation; the use of housing.

    Rio de Janeiro 2007

  • SUMRIO

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS . .............................................................. 10

    LISTA DE FIGURAS .............................................................................................. 11

    LISTA DE QUADROS ............................................................................................ 13

    1 INTRODUO .................................................................................................... 14

    2 QUESTES DA HABITAO DE INTERESSE SOCIAL .................................. 20

    2.1 MORADIA, USO E COMPLEXIDADE .............................................................. 20

    2.2 CONCEITO DE HABITAO DE INTERESSE SOCIAL .................................. 29

    2.3 POLTICA NACIONAL DE HABITAO DE INTERESSE SOCIAL ................. 31

    3 METODOLOGIA ................................................................................................. 38

    3.1 UMA VISO DE MUNDO ................................................................................. 38

    3.2 TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS ................................................. 43

    3.2.1 Conceito de representao social ............................................................. 43

    3.2.2 Sobre a elaborao das representaes sociais ...................................... 47

    3.2.3 A estrutura das representaes sociais .................................................... 47

    3.3 A PESQUISA DE CAMPO ................................................................................ 50

    3.3.1 Preparao da pesquisa ............................................................................. 50

    3.3.1.1 Planificao ................................................................................................ 50

    3.3.1.2 Contedo dos questionrios ....................................................................... 51

    3.3.1.3 Trabalho de Campo .................................................................................... 52

    4 ESTUDO DOS CASOS: XAVANTE II E JAAN.............................................. 54

    4.1 ORIGEM DOS STIOS E SITUAO ............................................................... 54

    4.2 INFORMAES SOBRE O RESIDENCIAL XAVANTE II ................................ 61

    4.2.1 Configurao urbanstica do Xavante II .................................................... 61

    4.2.2 Xavante II: Tipologia habitacional .............................................................. 62

    4.3 INFORMAES SOBRE O RESIDENCIAL JAAN...................................... 66

    4.3.1 Configurao urbanstica do Jaan ......................................................... 66

  • 4.3.2 Jaan: tipologia habitacional ................................................................... 69

    4.4 APROPRIAES DE ESPAO E INTERVENES NO USO ....................... 72

    5 APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS .................................. 84

    5.1 APRESENTAO E TRATAMENTO DOS DADOS......................................... 84

    5.1.1 Os elementos indicativos das representaes sociais ............................ 84

    5.1.2 Anlise dos diagramas ............................................................................... 91

    5.1.3 Segurana, um elemento ambguo? .......................................................... 92

    5.1.4 As indicaes da representao social da moradia ................................. 93

    5.1.5 Os testes de confirmao da centralidade ................................................ 95

    5.2 OS NMEROS DA AVALIAO PS-OCUPAO: A OPINIO E O PERFIL DOS MORADORES ACERCA DE SUAS MORADIAS........................................... 97

    5.2.1 Opinio dos moradores .............................................................................. 97

    5.2.2 Localizao originria das famlias pesquisadas ................................... 106

    5.2.3 O perfil socioeconmico dos moradores ................................................ 108

    6 CONCLUSES E RECOMENDAES ........................................................... 111

    6.1 OBSERVAES DO PESQUISADOR .......................................................... 111

    6.2 RECOMENDAES E JUSTIFICATIVAS GERAIS ....................................... 113

    6.3 RECOMENDAES E JUSTIFICATIVAS ESPECFICAS ............................. 115

    6.4 RESUMO DAS RECOMENDAES ............................................................. 117

    REFERNCIAS .................................................................................................... 118

    ANEXOS ...................................................................................................... 127- 132

  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    BNH Banco Nacional da Habitao

    CEF Caixa Econmica Federal

    CODEM Companhia do Desenvolvimento da Regio Metropolitana de Belm

    COHAAB/PA Companhia de Habitao do Par

    COHAB Companhia de Habitao

    CP Casa Popular

    ED Editores

    FAT Fundo de Amparo aos Trabalhadores

    FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio

    FNHIS Fundo Nacional da habitao de Interesse Social

    FJP Fundao Joo Pinheiro

    HABITAT I Seminrio promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil IAB, Petrpolis, 1963

    HABITAT II Conferncia Brasileira para a HABITAT II Assentamentos mais humanos, Rio de Janeiro, 1996

    HIS Habitao de Interesse Social

    IAB Instituto dos Arquitetos do Brasil

    IBAM Instituto Brasileiro de Administrao municipal

    IDESP Instituto do Desenvolvimento Econmico e Social do Par

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    LABHAB Laboratrio de Habitao do PROARQ / UFRJ

    OG Organizadores

    PROARQ Programa de Ps-Graduao em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ

    RMB Regio Metropolitana de Belm

    RSM Representaes Sociais da Moradia

    SEDURB Secretaria Executiva de Estado do Desenvolvimento Urbano

    SFH Sistema Financeiro da Habitao

    SM Salrio Mnimo

    SNHIS Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social

    UFPA Universidade Federal do Par

    UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UNAMA Universidade da Amaznia

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 2.1: Afonso Reidy. Conjunto de Pedregulhos, anos de 1950 ...................... 22

    Figura 4.1: Morfologia urbana de Belm ................................................................ 55

    Figura 4.2: RMB Eixos de expanso urbana e cinturo institucional ................... 56

    Figura 4.3: Belm - baixadas, 2005 ........................................................................ 57

    Figura 4.4: Belm - baixadas, 2005 ........................................................................ 57

    Figura 4.5: Belm e RMB Primeira Lgua Patrimonial ........................................ 58

    Figura 4.6: RMB Conjuntos habitacionais ........................................................... 59

    Figura 4.7: Outra viso de Belm e Regio Metropolitana ..................................... 60

    Figura 4.8: Localizao / situao do Xavante II .................................................... 61

    Figura 4.9: Xavante II. Esquema de combinao do mdulo de 4 unidades .......... 63

    Figura 4.10: Xavante II. Quintais com muros separadores. (Foto tirada logo aps a ocupao) ............................................................................... 64

    Figura 4.11: Xavante II. Vista geral externa, com destaque para a garagem coberta com porto e jardim frontal .................................................... 64

    Figura 4.12: Xavante II. Planta baixa, pavimento trreo - unidade de 2 quartos .... 65

    Figura 4.13: Xavante II. Planta baixa, pavimento superior - unidade de 3 quartos .. 65

    Figura 4.14:Localizao / situao do Residencial Jaan .................................... 66

    Figura 4.15: Jaan, implantao geral.................................................................. 67

    Figura 4.16: Jaan. Vista da rua ........................................................................... 68

    Figura 4.17: Jaan. Vista interna .......................................................................... 68

    Figura 4.18: JAAN, Arranjos entre unidades 1 quarto x 1 quarto e 3 quartos x 2 quartos .......................................................................... 70

    Figura 4.19: Jaan. Pavimento trreo. Planta baixa, unidade de 1 quarto ........... 70

    Figura 4.20: Jaan. Pavimento trreo. Planta, baixa unidade de 2 quartos ......... 70

    Figura 4.21: Jaan. Pavimento trreo. Planta baixa, unidade de 3 quartos ......... 71

    Figura 4.22: Jaan. Vista interna do patamar da escada ..................................... 71

    Figura 4.23: Jaan: parede pichada com alegorias da Copa de 2006 ................. 72

  • Figura 4.24: Jaan: grades nas janelas ................................................................ 73

    Figura 4.25: Construo de coberturas para veculos com invaso de caladas, em frente a bloco interno.................................................................... 73

    Figura 4.26: Construo de coberturas em frente ao bloco virado para a rua ........ 74

    Figura 4.27: Jaan. Vista do bloco 2 com proteo de toldos e arbustos............. 74

    Figura 4.28: Jaan. Vista dos fundos de duas unidades ...................................... 75

    Figura 4.29: Jaan. Ampliao no quintal de baixo com apropriao da unidade de cima ................................................................................. 76

    Figura 4.30: Jaan. Planta de 1 quarto, pavimentos trreo e superior. Exemplo de ampliao da unidade com ocupao de parte do quintal da unidade trrea .................................................................................... 76

    Figura 4.31: Jaan. Interveno. Unidade com padro da cozinha alterado para o modelo loft ............................................................................... 77

    Figura 4.32: Xavante II. reas cobertas apropriadas e garagens no jardim ........... 78

    Figura 4.33: Xavante II. Duas vistas do jardim e sua inadequabilidade como espao de lazer ............................................................................................... 79

    Figura 4.34: Xavante II. Vistas de apropriao do espao coberto ........................ 79

    Figura 4.35: Xavante II. Duas vistas diferentes de apropriao dos espaos coletivos.............................................................................................. 80

    Figura 4.36: Xavante II. Interferncias: cimentado da garagem e implantao de varandas ........................................................................................ 80

    Figura 4.37: Xavante II. Vistas da fachada do: grades nas janelas ........................ 81

    Figura 4.38: Xavante II. Vista de ampliao sobre um dos quintais ....................... 81

    Figura 4.39: Xavante II. Vista de acesso lateral com porto para o quintal ............ 82

    Figura 4.40: Xavante II. Vista dos quintais com a interferncia de um reservatrio elevado em uma das unidades ........................................................... 83

    Figura 5.1: Simulao da construo do diagrama de evocaes ......................... 89

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 2.1: Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social nvel decisrio ............................................................................................. 34

    Quadro 2.2: Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social nvel executivo ............................................................................................ 35

    Quadro 5.1: Evocaes e categorizaes por residencial pesquisado. 2005......... 85

    Quadro 5.2: Frmula para clculo das OMEs em cada posio ............................ 87

    Quadro 5.3: Xavante II e Jaan. Categorias, freqncias e OMEs. 2005............ 88

    Quadro 5.4: Diagramas da provvel estrutura das representaes sociais ........... 91

    Quadro 5.5: Xavante II. Distribuio dos moradores, por zona / bairro da moradia anterior ................................................................................ 107

    Quadro 5.6: Jaan. Distribuio dos moradores, em quantidade, por zona de moradia anterior ................................................................................ 108

  • 14

    1 INTRODUO

    A partir da dcada de 1990, o governo brasileiro na chamada Nova Repblica,

    apresentou seu modelo para o setor habitacional, batizado de habitao de interesse

    social. Era uma frmula que significou a retomada de conceitos aprovados no

    passado antes do golpe militar de 1964. Isto ocorrera no encontro denominado

    Habitat I, produzido sob a liderana do Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB,

    realizado em Petrpolis, no ano de 1963. O foco do debate estava na

    inseparabilidade entre a habitao e o processo de desenvolvimento urbano. Esse

    conceito, anteriormente enunciado h muito tempo, estava adormecido e tal

    encontro visava reaviva-lo, da a importncia de se fazer uma clarificao do

    contedo proposto na atual poltica de habitao de interesse social em

    contraposio aos valores das polticas anteriores, incluindo a de maior repercusso,

    aquela dos tempos do Banco Nacional da Habitao (BNH).

    Agora, no lugar de conjuntos gigantescos do perodo BNH, a preferncia por

    empreendimentos menores. Esta opo est ligada tradio que criticava a viso

    reducionista e setorial que separava a habitao das demais funes urbanas,

    tratando-as como se fossem coisas distintas. A viso contempornea oficial, que se

    pretende holstica, entende que a habitao de interesse social deve ser cuidada

    como um aspecto do desenvolvimento urbano, ou seja, um subsetor da questo

    urbana, da a necessidade de aproximar e buscar compatibilizar a moradia com a

    cidade. Decorre disto, naturalmente, a necessidade de construir novos conjuntos de

    sorte a serem integrados cidade. Para tal, agora so procurados vazios urbanos

    ainda disponveis em interstcios da malha urbana, para propiciar aos novos

    moradores um sentir-se integrados cidade, aproveitando-se das vantagens e

    servios oferecidos pela urbe desenvolvida. Para que isto seja possvel, porm, foi

    preciso abandonar a idia dos grandes conjuntos, posto que na cidade, a terra

    muito mais cara e s se encontram terrenos relativamente pequenos, cujo preo

    possibilitem viabilizar os empreendimentos. E tambm, atualmente se deseja

    experincias que dem continuidade natural ao contexto urbano existente.

    Todavia, mesmo assim, tm-se constatado, em inmeros conjuntos recentes,

    que moradores se apropriam de espaos coletivos e fazem interferncias fsicas

    aleatoriamente, colocando em cheque a suposta nova razo com que foram

  • 15

    elaborados os projetos. Vale salientar, que a pesquisa se prendeu habitao de

    interesse social que hoje, conforme o nome sugere, diferente da antiga viso do

    setor que levava em conta a chamada habitao popular, tendo em mente, que no

    se trata apenas de mudana de nome, mas de enfoque.

    Na busca de compreender melhor esse fenmeno, muitas avaliaes que

    usam mtodos convencionais, medindo resultados em aspectos tcnico-construtivos,

    funcionais, e at comportamentais, foram exaustivamente realizadas e, mesmo se

    tratando de procedimentos teis e importantes, h vezes em que no foram

    suficientes para explicar e muito menos para recomendar a superao dessas, visto

    que podem estar encobertas por necessidades subjetivas nas sombras do

    inconsciente dos moradores, sendo inacessveis por meios convencionais.

    Em vista disso, pesquisas tm sido conduzidas pelo Laboratrio de Habitao

    da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LABHAB/ UFRJ). Com diversos

    mecanismos exploratrios, usando mtodos e tcnicas com objetivos de obter

    informaes sobre aspectos objetivos, mas tambm subjetivos que possam estar

    conformando o comportamento ou determinando a relao do morador com sua

    morada.

    Santos (2004) refere-se necessidade de avanar nessa rea, e um dos

    caminhos que se apresenta e que tem sido utilizado no LABHAB/ UFRJ est na

    abordagem estrutural da teoria das representaes sociais, um sistema complexo de

    investigao cientfica nascido na psicossociologia, que introduz na arquitetura, a

    viso sociolgica do ambiente construdo em uso, visando a desvendar no

    inconsciente coletivo dos moradores, o sentido que a moradia tem para eles, ou, dito

    de outra forma, buscar saber qual o aspecto mais importante da moradia segundo

    eles a entendem consensualmente. Conhecer esta imagem, carregada de

    significados e construda consensualmente pelos moradores em grupo, serve para

    completar a apreenso arquitetnica da moradia e sua avaliao.

    Alis, a aplicao de seus pressupostos tericos e procedimentos prticos

    permitiram levantar um universo emprico especfico, que serviu para, alm da

    visualizao da representao procurada, possibilitar confrontar seus resultados

    empricos com outra massa de dados, esta colhida diretamente da opinio dos

  • 16

    moradores, dos levantamentos documentais, da observao crtica dos projetos e

    memoriais disponveis, alm das evidncias da realidade construda.

    Atravs de pesquisa direta com aplicao de questionrios e procedimentos

    metodolgicos pertinentes se chegou s elaboraes significantes dos moradores

    em relao moradia. Segundo a teoria, eles formatam, no uso concreto da

    habitao, as expresses ou unidades semnticas que para eles representam a

    moradia, concisa e consensualmente, que o sentido que atribuem moradia.

    Desta maneira, a presente pesquisa tem como objeto, no mbito da moradia

    de interesse social, estudar a relao entre morador, moradia e seu uso, este ltimo

    considerado como elemento ativo e dinamizador do cenrio dialtico que liga

    moradores de um lado e moradia de outro, que na dinmica do uso da habitao

    multifamiliar de interesse social, parece provocar desvios de comportamento que

    levam apropriaes dos espaos e interferncias que mostram atitudes que

    contradizem a lgica projetual tradicional, esta que se cala em necessidades

    aparentes e entendimentos prprios do projetista, tidos como racionais.

    Desta forma, o trabalho teve como objetivos:

    estudar a habitao de interesse social e sua relao com seus usurios;

    desvendar o sentido da moradia e avaliar sua relao com as apropriaes

    dos espaos coletivos e intervenes havidas em conjuntos habitacionais

    recentes; e

    encontrar relaes e conexes empricas que permitam mostrar caminhos

    projetuais e recomendaes para novos projetos.

    Neste enfoque, levantou-se toda a base documental e se ps a nu, em toda

    sua dimenso, o atual sistema nacional de habitao de interesse social, mostrando

    sua estrutura normativa, organizao institucional, fontes de recursos e rgos

    envolvidos.

    Alm disto, por ter sido observado que a habitao contm grande

    complexidade em si mesma, uma reviso bibliogrfica foi realizada para aprofundar

    o conhecimento do tema, buscando clarificar todos os aspectos que o envolvem, na

  • 17

    coleta da opinio de bom nmero de autores reconhecidos que tratam da moradia

    sob variados enfoques. Procurou-se, assim, consolidar uma imagem conceitual que

    tivesse utilidade para sua melhor compreenso e, tambm, auxiliasse na descoberta

    de eventuais conexes empricas depois da pesquisa realizada.

    Destarte, a pesquisa se justifica, em primeiro, pelo interesse de se conhecer

    melhor a habitao de interesse social, com foco no sistema oficial do poder pblico

    e no pblico usurio. Depois, pela possibilidade de se contribuir, com levantamento

    de informaes e concluses que podem, eventualmente, ser teis para novos

    projetos. Em seguida, pela necessidade de se avanar nas avaliaes a respeito das

    distores encontradas em conjuntos recentes, produzidas pelos moradores, apesar

    da racionalidade com que os projetos devem ter sido elaborados. E, tambm, pela

    oportunidade de se conhecer e aplicar uma metodologia de ponta que vem sendo

    largamente utilizada, no s na arquitetura, mas igualmente em outras reas como

    matemtica, sade pblica, qumica, dentre outras, um procedimento que,

    aparentemente, ainda no foi utilizado nesta regio, o que d ao trabalho, um

    relativo grau de originalidade. Pela experincia em si, foi criada a oportunidade para

    se medir a eficcia desse mtodo, que agrega a viso social arquitetura para

    avaliaes qualitativas de conjuntos habitacionais. E por ltimo, por se tratar de

    pesquisa que avana dentro da linha explorada pelo mestrado que a racionalidade

    do projeto e da construo.

    Para compreenso mais clara da teoria das representaes sociais, foi feita

    uma reviso bibliogrfica no campo epistemolgico, para esclarecer e conhecer

    melhor os princpios filosficos que lhes do sustentao, conforme recomendam

    diversos autores do campo da metodologia cientfica. O esclarecimento da dialtica

    e sua viso da realidade foram muito teis como meio auxiliar de apreenso da

    teoria, dos seus conceitos, um enfoque social que parte do princpio de que no se

    pode separar sujeito do objeto, ou, no caso, morador da moradia.

    Depois, foram procedidos estudos da verso estrutural da teoria em questo,

    dentro da profundidade possvel neste escopo. Ficaram evidentes seu conceito,

    aplicabilidade, e sua base centrada na dialtica e no reconhecimento de que existe

    diferenciao de saberes e dentro disto, que respeita o senso comum como uma

    categoria de saber, que existe independentemente de outros, como os saberes

  • 18

    sociais ou saberes da arquitetura. Os procedimentos metodolgicos desta teoria se

    mostraram um meio eficaz para revelar elementos importantes normalmente ocultos

    do olhar comum.

    Para aplicao da metodologia estipulada, dentre muitos conjuntos existentes,

    foram escolhidos o Residencial Jaan, iniciado em junho de 1998 e inaugurado em

    1999; e o Residencial Xavante II, iniciado em outubro de 1999 e inaugurado em

    2000, empreendimentos da COHAB/PA, em Belm. Estes conjuntos mereceram

    ateno, mais que outros, por estarem entre os primeiros que foram construdos

    dentro da atual poltica de habitao de interesse social, e ademais, por tratar-se de

    implantaes que revisaram exemplos bem sucedidos na histria e se basearam em

    rica fundamentao. Tm, alm disto, similaridades e diferenas entre si, que valeria

    a pena um exerccio comparativo.

    O trabalho comea verdadeiramente no Captulo 2, com o exame de questes

    relacionadas com a habitao de interesse social, onde se oferece uma reflexo

    acerca da complexidade que envolve a moradia, com destaque para seu uso; depois

    clarificando seu conceito segundo os parmetros do programa oficial, incluindo

    estrutura normativa, organizacional e operacional, evidenciando seus propsitos,

    objetivos, condies de financiamento e fontes de recursos.

    Em seguimento, no Captulo 3 est a parte referente metodologia, sendo

    por primeiro apresentado os aspectos filosficos referidos anteriormente e que do

    sustentao teoria das representaes sociais, que a base terico-metodolgica;

    adianta-se uma reflexo a respeito de sua elaborao; e finalmente, feita a

    exposio dos procedimentos utilizados na pesquisa de campo e sua preparao em

    detalhes.

    No Captulo 4, so apresentados os casos estudados, Residencial Xavante II e

    Residencial Jaan. So mostradas as situaes espaciais; origem dos respectivos

    stios; a configurao urbanstica de cada caso; e as tipologias habitacionais das

    respectivas moradas.

    No Captulo 5, so apresentados e depois discutidos resultados dos dados

    colhidos e trabalhados, revelando, com a representao social da moradia, o sentido

  • 19

    da habitao para o grupo social trabalhado, alm de informaes sobre a opinio e

    o perfil scio-econmico dos moradores com as discusses pertinentes, informaes

    cuja base emprica possibilitou a identificao de inmeros nexos complementares

    que serviram para moldar uma viso avaliadora das propostas estudadas.

    E finalmente, no Captulo 6, esto as concluses e recomendaes

    decorrentes, as quais podero ser teis para a elaborao de novos projetos, bem

    como ilaes para reflexo, consideradas oportunas neste espao.

  • 20

    2 QUESTES DA HABITAO DE INTERESSE SOCIAL

    2.1. Moradia, uso e complexidade

    O objetivo deste item comentar e mostrar como visto o universo da

    moradia em seu uso, segundo o entendimento de diversos autores importantes.

    Esses autores, cada qual segundo uma viso particular, vm oferecer destaque ao

    uso da moradia num conjunto de pontos de vistas que, no conjunto, atestam a

    existncia de uma matria sutil, de difcil compreenso para observadores

    desavisados.

    A identificao deste cenrio e a valorizao do uso da moradia, conformadas

    pela perspectiva de arquitetos, vm referendar e autenticar a existncia de conexes

    subjetivas ou fenmenos da espiritualidade extra-arquiteturais incompreensveis, s

    vezes, numa comoo social intensa que gera smbolos e leva os sentidos comuns

    para todas as direes.

    Deste modo, a utilidade de uma interferncia psicossocial com outro

    referencial terico-metodolgico de grande utilidade. Mais afeito a ambientes

    desse tipo, onde campeia o pensamento grupal e um profcuo inconsciente coletivo,

    a teoria das representaes sociais uma categoria cientfica chancelada por

    inmeros trabalhos em que tem sido aplicada, fazendo rastreios em diversos

    campos do conhecimento como alguns dos exemplos que sero citados mais a frente.

    A intromisso, agora, preciso esclarecer, no no campo do arquiteto ou da

    arquitetura. Trata-se de um vetor que se introduz justamente no vazio em que o

    conhecimento arquitetnico no transita com clareza, como o caso do ambiente

    das relaes sociais. Justifica-se, ento, a sua utilizao, pela natureza dos

    fenmenos que existem meio que veladas no ambiente da arquitetura, como ser

    mostrada, a partir do pensamento de conhecidos e respeitados arquitetos.

    A moradia, quando ocupada normalmente, um repositrio de vida; salta aos

    olhos o imvel como coisa viva, possuda de valor e encantamento. Esta

    constatao banal faz ressaltar imediatamente a importncia do uso na arquitetura,

    que se afirma como um atributo fundamental que deve ser observado atentamente

    em suas aparncias e transcendncias funcionais.

  • 21

    Compreendido seu destaque, entende-se, conseqentemente, que sua

    importncia est no papel que representa, ao mesmo tempo, como elo que junta

    sujeito e objeto; e como a cadeia que garante inseparabilidade destes elementos.

    Morador e moradia, entre trocas variadas, anseios, dilemas e contradies, do vida

    moradia. Esta relao, todavia, no se d a frio, mas sob forte tenso social, que

    lgica numa comunidade de vizinhana que disputa espaos e interesses, divide

    sentimentos e convive com gostos e desejos, muitas vezes, contraditrios. Este

    cenrio refora a necessidade de se procurar uma chave apropriada para abrir

    portas e subtrair vus emaranhados de elementos que so gerados individualmente,

    testados coletivamente e transformados socialmente at se constiturem em

    consenso grupal inconsciente.

    A Arquitetura e, eventualmente a habitao, no se enquadra nas categorias

    de artes visuais ou artes plsticas. Porm, de maneira autnoma, arte, como a

    msica ou a poesia, que tem sustentao prpria. Arquitetura confundida, algumas

    vezes e erradamente, com a escultura, sobremodo nos monumentos urbanos

    comemorativos em praas pblicas. Mas no deveria, porque o atributo, que sua raiz

    essencial, privativa e exclusiva, o seu uso.

    O uso, porm, no tudo, mas deve ser atendido nas funes primeiramente,

    e depois, cabe ser transcendido, para que a arquitetura ocupe seu espao no lugar

    consagrado s artes.

    Ademais, arquitetura tem ainda outros atributos como espao, matria, lugar,

    tecnologia e outras especificidades que podem at ser objeto de discusso, mas o

    uso, seja objetivo ou simblico, que a diferencia de outras manifestaes artsticas.

    Arquitetura, como habitao de interesse social, tanto mais arte ser quanto

    mais souber enobrecer-se por um uso adequado pela expresso. No lcito negar

    habitao de natureza social uma condio de arquitetura superior. Por simples e

    econmica que seja, a habitao de interesse social pode e deve, num uso intenso,

    revelar-se como objeto exemplar, a partir da sua racionalidade, da sua forma, dos

    seus arranjos, economicidade e outros fatores. O conjunto Pedregulhos, de Afonso

    Reidy, no Rio de Janeiro, respeitado internacionalmente como exemplo de

    arquitetura habitacional e como obra de arte (FIGURA 2.1).

  • 22

    Figura 2.1- Afonso Reidy. Conjunto de Pedregulhos. Fonte: Habitao e encosta. IPT, 1981. Disponvel em

    http://www.arq.ufsc.br/~soniaa/arq1206/2003/luciana/ ApresHabitacaoEncosta.pdf.

    No ambiente multifamiliar da habitao de interesse social, a arquitetura se

    desdobra, os limites oramentrios so estreitos e os espaos privados so

    geralmente exguos. A sada tradicional, ou a nica, tem sido a valorizao dos

    espaos coletivos e o incremento, tanto quanto possvel, das reas privadas, porm,

    sem construo, como quintais e jardins, por exemplo.

    Em conjuntos habitacionais com um ano ou mais de implantados, pode-se

    registrar exemplos de apropriaes irregulares de espaos pblicos e interferncias

    fsicas nas moradias e em logradouros coletivos; so observaes at comuns. Que

    razes levam esses moradores a estas intervenes? O que os motiva? No

    passado, os projetistas e as instituies estavam de costas para seus muturios;

    predominava a tecnocracia1 do BNH. Porm, no novo sistema nacional de habitao

    de interesse social, a preocupao primeira est no conforto do usurio. Acontece

    que os conjuntos projetados atualmente, muitos deles pelo menos, sofrem do

    mesmo mal. Modificao de paredes, espaos, funes e cores so objeto de

    interferncias quase correntes.

    Mas o que pode estar levando a isto que incomoda a projetistas e estudiosos?

    As consideraes so diversas.

    1 Tecnocracia, segundo o Dicionrio Houaiss (2001): sistema de organizao poltica e social fundado na

    supremacia dos tcnicos.

  • 23

    O significado de intimidade, por exemplo um dos atributos caractersticos da

    habitao nunca dado a conhecer claramente; necessrio procur-lo, indo

    alm dos comportamentos e das palavras, ambos sempre codificados. No contexto

    domstico da habitao contempornea, como anuncia a teoria das representaes

    sociais, no inconsciente coletivo que se reviver, como sugere o arquiteto Ranun

    (1991), gestos, preces e sonhos, j que o indivduo associou determinados espaos

    e certos objetos a seu ser, quer dizer, no intimo do seu ser (p.211).

    Por outro lado, o fator tempo, aparentemente externo ao contexto, se mostra

    presente, j que as elaboraes no nascem e no se consolidam imediatamente.

    H que haver a passagem do tempo para que a suavidade vena as tenes e

    possibilite as elaboraes mentais. Desta forma, prossegue Ranun:

    A lembrana-espao, [...] o jardim, a lembrana-objeto so muito particulares, todavia seu sentido, que codificado para olhos externos, perfeitamente compreensvel para o grupo a que pertence, O social dotou de potencialidades tais lugares e objetos (op. cit. 1991, p.211).

    Assim, o tempo, como fator relativista da convivncia social no habitar refaz o

    sentido do ntimo, transformando-o e, ao mesmo temo, permitindo a impregnao da

    matria com elementos energticos das tenses, alterando o significado dos lugares

    fsicos.

    A habitao, dessa maneira, por mais banal que seja, podendo ser o menor

    dos espaos arquitetnicos, a que tem maior carga de significados. H, como

    visto, uma relao dialtica entre os moradores e suas moradias que, deste modo,

    se influenciam mutuamente. Tanto o sujeito influencia a habitao como

    influenciado por ela. O morador a alma da moradia e tem o poder de transform-la,

    alterando seus elementos constitutivos; mas igualmente influenciado e afetado

    pelos ambientes, paredes, cores e tudo o mais. A relao ambivalente.

    Por conta disto, a casa desocupada (sem o morador) no passa de uma obra

    construda. Muitos autores como Hertzberger (1996), Bachelard (1989), Okamoto

    (2002), Tuan (1983), Rybczynski (1996) e Ranum (1991) crem numa relao

    intercambivel entre morador e moradia a qual, apesar de ser uma obra material,

    troca impulsos e energias e chega a afetar o comportamento humano.

  • 24

    De acordo com Tuan (1983), este fenmeno a relao intercambivel entre

    sujeito e objeto uma transcendncia das questes funcionais e materiais que

    decorre da unicidade que se forma na prtica, na experincia cotidiana do uso da

    habitao, com influncias recprocas entre homem, a famlia, os vizinhos e o

    espao de morar.

    J o arquiteto Okamoto2 (2002) tem a opinio radical de que o ser humano

    o complemento inalienvel da moradia, a qual no passaria de mera construo se

    estiver desocupada. Sem o m orador, a moradia no existe como tal; um homem

    sem um brao ainda um homem; mas um brao s, sem o corpo, no constitui um

    homem. Assim, o homem ele mesmo sem a moradia, mas a moradia no existe

    sem sua ocupao. Eis aqui aflorando, a velha inseparabilidade dialtica do modelo

    sinptico proposto. A construo projetada para morar, s moradia depois de

    ocupada. Alis, esta idia desenvolvida por Fabrcio (2002), que defende a idia

    do projeto arquitetnico como um processo contnuo, de natureza tambm social,

    que s acaba com a ps-ocupao e a organizao comunitria.

    Cabe destacar que nesta relao tipicamente dialtica vai ocorrendo um

    esmaecimento dos contornos das imagens e dos significados que flutuam no campo

    das discusses e do pensamento, decorrendo que, naturalmente e aos poucos, vai

    se dando um distanciamento gradativo entre a razo do sujeito na relao e a leitura

    que ele faz do objeto, como uma perda de foco da retina. Este descolamento visual

    e mental provoca a transformao das imagens anteriores, assim como respectivos

    significados, em novas imagens e outros significados. O envelhecimento e a

    banalizao comportamental no uso parecem afastar dos seres humanos o

    reconhecimento claro do objeto com que trocam emoes e sentido; tenses se

    intensificam, at pela disputa de espao fsico, doando moradia mais atributos e

    significados, tornando-a, aos olhos do homem, um objeto especial, mutante e

    diferente daquele que percebido por pessoas fora do contexto.

    Na habitao, qualquer que seja, h muitos aspectos que no conjunto, tornam-

    se uma massa complexa. Espacialidade, lugar, funcionalidade, domesticidade,

    2 Okamoto (2002, p.166-167) refere-se a vrios estudos a respeito de interpretaes culturais sobre os espaos

    entre as pessoas, noes de territrio, etc., chegando obra de Deasy (1985) que estabelece as bases da teoria

    proxmica, segundo a qual, o homem tem necessidades de quatro categorias de espao territorial ou limites de

    proximidade: intimo, pessoal, social e pblico.

  • 25

    identidade, segurana, privacidade, conforto, dentre outros, so atributos que,

    envolvidos por grupos de vizinhana, com eventuais interesses contrrios, emoes,

    disputas, etc., formatam cenrios inatingveis para um observador externo. Esses

    atributos vo gerar nexos especficos numa comunidade de habitao multifamiliar.

    Desta maneira, matria, movimento e energia se digladiam e se adaptam, formando

    massas-imagens que se distanciam da realidade aparente.

    Comeam a se diferenciar, realidade e verdadeiro. O resultado que a

    moradia acaba sendo vista pelos seus moradores atravs de um vidro canelado,

    uma viso real, mas deturpada, como uma representao. A habitao complexa,

    principalmente porque quase nunca real, um smbolo dotado de imagem

    construda num dado espao concreto.

    Morar pressupe, antes de tudo, a existncia de um espao construdo ou

    aproveitado para tal finalidade. A histria do homem , tambm, a da moradia.

    Destarte, cada palavra para designar o morar, pode demandar vrios pontos de

    vista. O morar dinmico, o exerccio e o experimento humano o uso. Esta

    dinamicidade inclui, necessariamente, funes variadas e valoradas que se

    desdobram em muitas outras. O lcus desse exerccio, em princpio, o espao

    geomtrico vai perdendo sua natureza de espao comum, banal, dimensional, para

    transformar-se em espao com qualidades.

    Tuan (1997) chama ateno para a relao dialtica que h entre espao e

    lugar. Em sua opinio, a experincia do homem no uso do espao lhe confere

    qualidades e significaes que o eleva a outras categorias. Assim, o espao

    arquitetnico pode transformar-se em lugar. Alis, ainda segundo Tuan, noes de

    espao, lugar e ambiente, por ntimos que sejam, no podem ser esclarecidos ou

    definidos em separado. Com os pensamentos convergentes de Graeff (1986) e Tuan

    (1977), lcito concluir que lugar arquitetnico um espao animado3 e por isso,

    enriquecido de significados. H lugares por toda a natureza, mas h os que so

    produzidos especialmente pela presena e ao do homem. Assim, existe o lugar do

    trabalho, do lazer e, claro, o de mora. Elvan Silva (1994), mais radical, conceitua a

    3 A diferenciao ou a categorizao como objeto da arquitetura se justifica para se evitar confuses semnticas ou conceitual, j que h outras vises, outros tipos de espao, como o espao da poesia, propsito por Bachelard (1983).

  • 26

    arquitetura como sendo construo de lugares e ambientes, e que espao, no

    sequer, a sua essncia, e sim o material trabalhado, mesmo quando o espao neste

    envolvimento seja o fator a diferenciar os lugares. Silva no est considerando

    explicitamente a ocorrncia do uso, mas o est sim, se o conceito de ambiente

    estiver envolvendo a participao do homem.

    Tuan (1997) defende a idia de que a casa, como objeto construdo pelo

    homem, pode aperfeioar a sensao e a percepo humana. Argumenta que

    claro que em situao de espao no arquitetnico, o ser humano capaz de

    distinguir diferenas entre interior e exterior; fechado x aberto; luz x escurido;

    privado e pblico. Mas este tipo de conhecimento rudimentar. O espao

    arquitetnico mesmo sendo uma simples choa rodeada por uma clareira pode

    definir estas sensaes e transform-las em algo concreto. Uma simples moradia

    pode ser um smbolo do cosmos (TUAN, 1997, p.114).

    Por conta dessas consideraes, aceitvel ver o espao como entidade

    ativa, no passiva, como sendo algo mais do que uma entidade inerte, imune

    interveno do homem. O espao habitado no pode ser s um simples amontoado

    de vazios entre paredes, teto, etc. Razes, incompreenses e contradies do

    drama humano se desenvolvem no cotidiano; emoes digladiam-se e magnetizam

    esses vazios deixando-os cheios de tenso. Por fim, a matria que aparentemente

    cerceia esses espaos, que os reprime, tambm, mais um plasma a contribuir para

    que a moradia seja transcendente a categorias geomtricas e materiais. O espao

    da moradia vibra noutra dimenso, vivo e imanente a influenciar comportamentos4.

    Wiltold Rybczynski (1996) em sua obra Casa, pequena histria de uma idia,

    descreve detalhadamente, desde a antigidade, como noes e termos de clara

    significao atual, como isolamento, propriedade, proteo, intimidade, privacidade,

    conforto, aconchego, funcionalidade, etc. demoraram sculos a se revestires dos

    sentidos como os conhecemos hoje.

    Por sua vez, Bachelard (1993) afirma que a casa

    4 Por exemplo, do senso comum o fato de que h real influncia das cores dos ambientes no humor e comportamento dos indivduos.

  • 27

    [...] uma das maiores foras de integrao para os pensamentos, as lembranas e os sonhos do homem [...] O passado, o presente e o futuro do casa dinamismos diferentes, que no raro interferem no comportamento.[...] (p.26).

    Deste modo, mais um que vem se juntar idia da casa como

    transcendente objeto que ultrapassa sua funcionalidade e materialidade. Ele

    considera

    [...] a casa, na vida do homem, uma entidade que afasta contingncias e multiplica seus conselhos de continuidade. [e conclui] Sem ela, o homem seria um ser disperso. Ela como um templo e a imagem do universo. (BACHELARD, 1993, p.26)

    O autor defende que os componentes da moradia so como estados da alma,

    onde seus compartimentos tm significados diversos e podem ser aspectos da

    personalidade humana, ou o contrrio. Com isto reconhece a influncia do espao e

    da matria sobre o comportamento humano. Em seguimento, ele salienta a situao

    de habitada, onde a personalidade da habitao dada pela sua relao com o

    morador5. Contudo, esta relao no se d a frio: h trocas e influncias mtuas:

    Veremos a imaginao construir paredes com sombras impalpveis, reconfortar-se com iluses de proteo ou inversamente, tremer atrs de grossos muros [...] Em suma, na mais interminvel das dialticas, o ser abrigado sensibiliza os limites de seu abrigo (BACHELARD, 1993, p.25).

    A casa, a moradia, tambm um smbolo feminino, com o sentido de refgio,

    de proteo materna, ou o repouso do guerreiro, no dizer popular, e dentro da

    moradia que os sujeitos se despem, mostram, se tornam ntimos e se aliviam das

    tenses externas, substituindo papis que desempenham na vida l fora, por outro,

    no interior da habitao, na vida domstica e no convvio do grupo de vizinhana.

    No deixa de ser oportuno mencionar que estes argumentos reforam claramente a

    idia de segurana como o sentido da moradia segundo seus moradores.

    O depoimento de Bachelard um argumento valoroso e definitivo para

    demonstrar a complexidade do ambiente subjetivo e envolto em vus de baixa

    transparncia e difcil viso, cenrio invisvel para o arquiteto projetista, reafirmando

    a necessidade de um ferramental afeito s questes de natureza social a socorrerem

    na elucidao procurada.

    5 mais um depoimento favorvel importncia do modelo sinptico e viso dialtica.

  • 28

    Casa, moradia, habitao, apartamento e outras expresses so palavras que

    servem para designar uma mesma coisa: o local de morar. Poder-se-ia ainda inserir

    neste conjunto, lxicos como lar, domiclio, residncia e, qui, outros mais, fazendo

    uma lista muito longa. Dicionrios consultados, Houaiss (2001), Nascentes (1988) e

    Ferreira (1980), basicamente, definem esses termos como meros sinnimos6, uns

    remetendo aos outros e referindo-se expresso casa, preferencialmente como o

    edifcio, espao ou construo destinado habitao. O fato que tal polissemia

    irrelevante, pois todos sabem com preciso, sem maiores retricos, que trata-se, a

    moradia, do objeto feito para morar. Mostra apenas o quanto de complexa pode vir a

    ser esse objeto.

    Poderia o lxico remeter imaginao de condies variadas como de

    estrutura fsica e material da habitao, salientando paredes, divisrias, instalaes,

    teto. Ou pensar nas caractersticas de natureza funcional, como dormir, comer,

    cozinhar, que embutem a, a ao do homem, o prprio ato de morar, o uso da

    habitao. E em outros ainda, aspectos de natureza subjetiva como idias de

    conforto, segurana, privacidade, convivncia e at significados csmicos, etc. Le

    Corbusier ao observar a casa simplria de um pescador, manifestou-se com

    eloqncia:

    [...] construda na sua verdade absoluta incontestvel, meus olhos, um dia mergulhados na arquitetura, no fato arquitetnico eterno, descobriram-na subitamente. Esta casa, disse a mim mesmo, um palcio! (LE CORBUSIER, 2004, p.161).

    Na verdade, conforme foi visto, parece ser imprprio supor que esses termos,

    casa, moradia, etc., possuam significados importantes independentes do sentido

    comum constante em todos que o seu papel fundamental de objeto de morar, nem

    mais nem menos. Parece pacfico, no entanto, de que esta concluso no reduz a

    complexidade do objeto na medida em que traz no seu uso, a relao com seus

    proprietrios (objeto e sujeitos relacionados).

    Depois dessas consideraes, no fica difcil imaginar porque a moradia

    parece ser o objeto material maior do desejo humano, pelo menos na cultura

    ocidental, e nem deve causar surpresa, o fato de compreender-se o termo

    6 Casa, principalmente, alm da conotao aqui atribuda, tem muitos outros significados semnticos, como casa da famlia real, Casa de Leis, etc. que no interessam ao escopo deste trabalho.

  • 29

    segurana como um estado de esprito decorrente da satisfao pela propriedade da

    moradia.

    2.2. Conceito de habitao de interesse social

    Nos idos do Banco Nacional da Habitao (BNH), a expresso habitao

    popular tinha um significado claro e restrito, uma conotao exclusiva. Tratava-se de

    programa do sistema para atender famlias na faixa de renda entre 0 e 3 salrios

    mnimos (SM) intervalo que mais tarde foi aumentado para 0 a 5 SM. Era um

    segmento cuja responsabilidade de cadastramento da demanda, comercializao,

    assistncia social, construo e cobrana das prestaes pertencia s COHABs,

    que operavam com a aprovao de projetos e viabilizavam os emprstimos

    efetuados diretamente do BNH. No caso do Par, pelo menos, a parte destinada

    infra-estrutura urbana (cerca de 30% do total do projeto) era repassada para o

    governo do estado que assumia a dvida. Eram custos que no entravam na

    composio do preo da casa, sendo, portanto, subsdios.

    Depois da era BNH, a partir de 1986, o setor habitacional ficou praticamente

    parado em torno de dez anos; depois, outros tantos programas foram implantados,

    porm, nenhum teve a importncia daquele, pelo grande saldo de habitaes

    construdas, variedade de tipologias, configuraes e complexidade de estruturao

    formal. De modo geral, os que se sucederam depois, seguiram mais ou menos a

    mesma poltica, repetindo frmulas semelhantes e sem maiores reflexes.

    No sistema atual, a poltica nacional de habitao foi revista em profundidade

    e trabalha agora com a expresso habitao de interesse social, que contempla um

    universo de renda familiar bem mais amplo do que a classe de 0 a 3 SM. Seu

    conceito pode ser fixado por dois vetores:

    a) inclui habitaes que sofrem de uma ou mais carncias relativamente

    localizao inadequada ou de risco; baixa qualidade construtiva; ausncia ou

    baixa freqncia de coleta de lixo e de transporte pblico; falta de

    saneamento bsico; e

  • 30

    b) trata-se de habitao construda ou projetada cujo valor no ultrapasse

    R$35.000,00 (100 SM)7 (BRASIL, 2005).

    Com isto, o governo reconheceu que h necessidade de atender demandas

    situadas alm das classes de renda mais baixas, considerando que existem muitas

    famlias que tm ganhos acima desse patamar mas que tm mltiplas carncias

    como as acima mencionadas, e que fazem jus s vantagens oferecidas nos

    programas de habitao de interesse social por se enquadrarem no seu conceito.

    Assim, a poltica nacional de habitao de interesse social introduz uma viso

    menos restritiva da demanda, aceitando faixas de renda que chegam a 20 SM. A

    atual poltica se esfora para reduzir os dficits habitacionais das camadas mais

    pobres, mas igualmente contempla faixas de renda mais elevadas, como o caso de

    funcionrios pblicos estaduais, por exemplo.

    A prioridade do novo sistema continuava sendo para atendimento da faixa de

    0 a 3 SM, que foi ampliada recentemente para at 5 SM, pois neste intervalo que

    ainda se concentra fortemente o dficit habitacional. Recentemente o presidente do

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada do Ministrio do Planejamento (IPEA) d

    conta de que os investimentos nas faixas de at 5 SM tm sido liberados aqum da

    respectiva demanda. provvel que o governo ainda no tenha encontrado um

    adequado sistema de subsdios e soluo exeqvel para atender, com

    sustentabilidade, a essa populao (IBAM,8 2006).

    Segundo a Fundao Joo Pinheiro (FJP, 2005), com a retomada das

    operaes oficiais, o dficit habitacional bsico em Belm, era de 73.977 unidades;

    deste montante, cerca de 58.000 unidades (78,40%), correspondiam classe de

    renda entre 0 a 3 SM. Para faixas acima desse patamar, at 10 SM, a demanda era

    bem menor, 15.977 moradias (21,60%), mas ainda um dficit considervel que,

    tambm, mereceu ateno do governo. Nesta classe, que est longe de ser de

    famlias ricas, justamente onde se encontram funcionrios pblicos da rede

    estadual e municipal e professores do segundo grau, justamente o universo para o

    7 R$35.000,00. Valor fixado pela Medida Provisria n. 252, de 15/06/2005 que alterou o valor anterior que era de R$20.000,00 (BRASIL, 2003 apud IBAM, 2006).

    8 IBAM: Instituto Brasileiro de Administrao Municipal. Rio de Janeiro.

  • 31

    qual se destinaram prioritariamente os projetos Residencial Xavante II e Residencial

    Jaan.

    2.3. Poltica Nacional de Habitao de Interesse Social

    At o BNH, em 1964, os empreendimentos habitacionais para as classes

    baixas no eram aes de governo e a produo de habitao pobre flutuava

    segundo os interesses da iniciativa privada. A Casa Popular foi exceo, mas de

    atuao tmida; por aqui nunca se apresentou. Os empreendimentos dos Institutos

    de Aposentadoria e Penses (IAP), tinham um horizonte de atendimento muito

    diversificado; acudiam diversas categorias profissionais e operavam em faixas de

    renda baixa, mdia e alta, porm, tambm produziram quantidades inexpressivas

    diante dos milhes de moradias realizadas posteriormente pelo BNH.

    Nada provm do nada. Para a construo do atual sistema nacional de

    habitao de interesse social, geraes lutaram, na academia e nas organizaes

    da sociedade civil, criticando e propondo, cujo ponto alto, parece, foi o seminrio

    promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) em 1963, na cidade de

    Petrpolis, Rio de Janeiro, num evento que ficou conhecido como HABITAT I.

    Com o golpe militar de 1964, foi criado o BNH e o Sistema Financeiro da

    Habitao (SFH) que no comeo abraavam os princpios do HABITAT I, mas em

    pouco tempo, interesses externos questo mudaram o rumo do sistema, que

    passou a preocupar-se mais com a quantidade do que com a qualidade, e assim foi

    at sua falncia, com o fechamento do banco em 1986.

    Depois dos militares, outros programas se seguiram mas mantiveram, em

    linhas gerais, as mesmas preocupaes bsicas do sistema anterior, sem, todavia, e

    apesar das crticas, puderem se comparar quele, tamanho foram nmeros

    deixados. As demais iniciativas oficiais, passando por Sarney, Collor, Itamar e

    Fernando Henrique, no se interessaram seriamente em comprometer-se com a

    questo habitacional e por isso, todos eles, geraram programas pfios e sem

    expresso e foram apenas lances episdicos e tentativas desarticuladas sem

    maiores conseqncias ou comprometimentos.

  • 32

    Alguns aspectos das diversas fases da habitao oficial foram muito

    criticados, e o governo Lula tem tratado de no reedit-los, reorganizando um novo

    sistema. O ponto mais negativo dos empreendimentos passados se concentrava no

    entendimento de que grandes conjuntos representavam uma produo em escala,

    mais ligeira e, portanto, com maiores dividendos polticos.

    Entretanto, uma produo macia (conjuntos com mil ou mais unidades) s

    eram viveis em stios afastados dos centros dinmicos da cidade, longe dos

    empregos e sem muito de infra-estrutura, onde os terrenos eram mais baratos, pela

    distncia e pelo tamanho.

    O quadro era to mais srio, porquanto, as negociaes para a viabilizao

    dos empreendimentos no levavam em conta os interesses dos municpios no

    caso daqui, Ananindeua, que foi onde se mais construiu no Par e os prefeitos

    relutavam em aceitar os novos conjuntos, porque, em curto prazo, representavam

    grandes demandas por servios pblicos para os quais no estavam preparados,

    mesmo sabendo que tempos depois, uma vez organizados, os novos cidados

    contribuiriam com impostos.

    Embora estes conjuntos tenham se transformado em verdadeiras cidades

    depois de tanto tempo, de se registrar que os moradores que se mudaram para

    esses endereos novos, h 20 anos ou mais, foram hericos pioneiros. Esta

    mudana de endereo, alis, apesar dos sacrifcios que significaram no incio, uma

    constatao clara de que, na viso do muturio, o sonho da casa prpria estava se

    realizando, e que valia, por conseguinte, qualquer esforo. Isto destacvel por ser

    um reforo ao argumento que explica o sentido da moradia embutido no termo

    segurana, que foi encontrado aqui, no estudo das representaes sociais.

    Com a extino do BNH em 1986, ainda decorreriam mais de 10 anos para

    que a chamada nova repblica (depois dos militares) redefinisse com clareza novos

    rumos para o setor. Nos governos de Collor e Fernando Henrique, como j foi dito,

    algumas experincias isoladas foram postas em prtica, mas nenhuma sequer teve

    a inteno de ser um sistema realmente prioritrio e ficaram longe da dimenso

    estratgica e importncia que teve o sistema BNH.

  • 33

    Neste hiato e depois, contudo, as camadas mais pobres continuavam sem

    capacidade de assumir os programas oferecidos, a no ser os do tipo lotes

    urbanizados, que nunca deixaram de existir, mais para, eventualmente regularizar

    invases e abafar algum movimento pontual com repercusses polticas.

    Vale lembrar que em outubro de 1988, dois anos apenas do fechamento do

    BNH, foi elaborada a nova Constituio Federal, um documento considerado por

    muitos como avanado para a poca, pois que j trazia no bojo, nos seus artigos

    1829 e 183, destaque especial para a questo urbana e seu principal instrumento, os

    planos diretores urbanos, e aspectos da propriedade e da ocupao urbana, onde,

    implicitamente, esto envolvidos os problemas da habitao de interesse social

    (BRASIL, 1988).

    Todavia, no que pese as obrigatoriedades institudas na Constituio, nada se

    fez no curto prazo para desenvolver polticas ou as leis complementares necessrias

    a dar provimento aos desejos constitucionais. S no governo Lula, em 2001, 13 anos

    depois, foram regulamentados os referidos artigos da Constituio, atravs da Lei n.

    10.257, conhecida como o Estatuto da Cidade10 (BRASIL, 2001) e, mais adiante, em

    2005, foi criada a estrutura organizacional e operativa do novo sistema, o qual

    tratava da cidade, como o grande foco e a habitao de interesse social como um

    subsistema do primeiro. Vale considerar que a inseparabilidade do urbano e da

    habitao j traz, no mago, a viso dialtica da sociedade que rene aspectos que

    no poderiam ter sido separados nunca.

    Segundo (BRASIL, 2005), a nova estrutura estabelecida para conduzir a

    poltica habitacional de interesse social no pas foi criada pela Lei n. 11.124, de 16

    de junho de 2005. Com ela so constitudos o Sistema Nacional de Habitao de

    Interesse Social (SNHIS); o Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social

    (FNHIS) e o Conselho Gestor do FNHIS (Quadro 2.1).

    9 Art. 182: atribui funo social propriedade privada de terra na cidade e cria instrumentos de

    desapropriao em favor da aplicao de polticas urbanas e o Art. 183 garante o ttulo de domnio e concesso de uso a ocupantes moradores em terrenos com at 250m

    2 e por mais de cinco anos.

    10 Lei complementar n. 10.257 de 10 de julho de 2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituio Federal de 1988.

  • 34

    Quadro 2.1 - Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social.

    Em termos executivos e operacionais, o comando est no Ministrio das

    Cidades, que tem seu ncleo pensante na Secretaria Nacional da Habitao (SNH);

    como agente operador, a Caixa Econmica Federal (CEF) e podero contratar

    operaes, os mais diversos rgos, dos governos estaduais e municipais. Tambm,

    outras organizaes da sociedade civil como, cooperativas, associaes e at

    agentes financeiros, desde que autorizados pelo Conselho Monetrio Nacional,

    podero atuar. Na conformao geral, a atualidade assemelha-se com o sistema

    BNH, onde vrias organizaes tinham papel estabelecido e financiavam imveis

    atuando em diversos patamares de renda familiar.

    Cabe destacar que o ncleo pensante da habitao de interesse social, quase

    perdido com a extino do BNH, foi entregue Secretaria Nacional de Habitao

    (SNH), que ficou responsvel pela formulao dos instrumentos, para a implementao

    da poltica nacional de habitao. o ncleo que reflete acerca do sistema e prope

    estratgias para equacionamento dos dficits habitacionais dentro de uma viso

    articuladora das polticas urbana, fundiria e de saneamento (QUADRO 2.2).

  • 35

    Quadro 2.2 - Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social.

    Complementam o FNHIS j mencionado, recursos originrios do Fundo de

    Amparo dos Trabalhadores (FAT) e do FGTS, alm de outros que vierem a ser

    formados ou designados.

    Vale ainda destacar oito aspectos principais que vm traar o entendimento

    do governo e sua poltica habitacional, conforme est contido no citado diploma

    legal:

    i talvez, a caracterstica notvel no SNHIS esteja em sua inteno explcita de

    ser aberto participao da sociedade civil, que faz sua insero atravs do

    Conselho das Cidades e outros tantos;

    ii dos mais importantes aspectos a exigncia operacional e projetual de se

    compatibilizar as polticas setoriais, sobretudo habitao, saneamento e

    transporte;

    iii nos projetos para as faixas de menor renda, esto previstos subsdios11;

    iv os recursos disponveis se destinaro, prioritariamente, para as classes de

    menor renda;

    v buscar espaos inseridos na malha urbana dotados de infra-estrutura no

    utilizada ou sub-utilizada;

    vi priorizar terrenos de propriedade do poder pblico;

    11

    No sistema BNH, embora no assim abertamente, tambm havia subsdios, pois os custos com a infra-estrutura urbanstica no eram repassados para os muturios e ficavam sendo de responsabilidade do governo do estado. Tais custos ficavam em torno de 25% e 30%.

  • 36

    vii garantir sustentabilidade econmica, financeira e social dos

    empreendimentos; e

    viii implantar a sistematizao de avaliaes dos empreendimentos.

    Dessa base legal institucional resultam alguns corolrios que merecem ser

    comentados, at porque j vm sendo contemplados em empreendimentos

    recentes.

    No mais concebvel a implantao de conjuntos habitacionais fora do

    permetro urbano e estranho ao seu entorno salvo casos especiais em rea

    rural;

    Em conseqncia, os empreendimentos sero implantados no meio urbano,

    buscando-se terrenos em vazios ainda disponveis e miolos de quadra;

    Os projetos devem maximizar seu componente racional buscando o melhor

    partido, a melhor distribuio, e mxima economicidade;

    Os empreendimentos devem se localizar em situao contemplada por todos

    os servios pblicos que a cidade tradicional oferece;

    Os empreendimentos devem ser contextualizados, inseridos naturalmente na

    malha sem interferir na paisagem urbana existente, ser visto como parte

    natural desta;

    Os espaos coletivos devem ter, todos, uma definio funcional clara, no

    sendo aceitas reas residuais, que tendem ao baldio e ao ajuntamento de

    lixo, seja em ambientes internos ou externos;

    desejvel prever reas de verdes para o lazer adulto e espao para

    crianas, propiciando a aproximao da vizinhana e ao convvio social;

    Em empreendimentos com unidades de 1, 2 ou 3 dormitrios, evitar a

    possibilidade de segregao por nvel de renda; as unidades maiores e

    menores devem se misturar, tanto quanto possvel, sendo inaceitvel, blocos

    com apenas um tipo de unidade, o que levaria fatalmente ao separatismo

    odioso; e

  • 37

    Para evitar interferncia que descaracterize o entorno, os empreendimentos

    tero poucas unidades, em torno de 50 a 100 unidades.

  • 38

    3 METODOLOGIA

    3.1. Uma viso de mundo

    Enquanto, na mecnica clssica, as propriedades e o comportamento das partes determinam as propriedades e o comportamento do todo, a situao na mecnica quntica inversa; o todo que determina o comportamento das partes (CAPRA, 1983).

    A compreenso do que est institudo, como Habitao de Interesse Social

    (HIS), a carga simblica com que seu morador define seu ambiente de moradia

    como um todo vem sendo melhor conceituada em seus detalhes a partir da

    utilizao de ferramental avaliador de base cientfica, que transcende simples

    avaliao objetiva e o comportamento consciente dos sujeitos dando um salto ao

    inconsciente coletivo12. Este ferramental leva em considerao o saber do senso

    comum, que permite a que se entenda o contedo sociolgico nos grupos em volta

    do ambiente estudado.

    A opo por esta teoria se deve sua natureza dialtica que permite obter

    conhecimento da realidade que normalmente codificada ou representada pelo

    grupo de moradores que tem, como hiptese intrnseca, um saber coletivo do senso

    comum que constri inconscientemente e subjacente s suas interatividades as

    representaes sociais, que de modo simples, podem ser entendidas como o

    smbolo consensual da moradia ou o sentido da moradia que a comunidade elabora,

    uma viso exclusiva por resultar de uma trama social nica envolvendo o convvio

    em vizinhana.

    Por conta disto, este item aqui ocupa seu lugar como resultado de estudos na

    direo de compreenso elementar da teoria das representaes sociais. Como

    necessidade imperiosa, imps-se uma reviso epistemolgica para uma clarificao

    satisfatria de conceitos fundamentais que do sustentao teoria, comeando por

    12

    O inconsciente coletivo um conceito de Jung, que nasce da equivalncia do conceito originrio, inconsciente individual ou Id, parte da mente que vive submersa ao consciente ou ego, o lado da mente que aparece, porm influenciado pelo primeiro e forado a codificar suas percepes, seja em sonhos ou comportamento, como foi descoberto e desenvolvido anteriormente por Freud, do qual Jung era inicialmente discpulo e depois divergente (JUNG, 1980).

  • 39

    questes bsicas como as que tratam das relaes sujeito-objeto; a construo do

    conhecimento como processo; e a relativizao e racionalidades diferenciadas do

    saber.

    A base de sustentao da teoria da representao social est, sobretudo, na

    dialtica, mtodo cientfico de anlise da realidade defendida em diversas correntes

    filosficas e empregada por pensadores como Bachellard (1993), Heigel (apud

    POLITZER, 1997) Marx (2006), Sandra Jovchelovitch (2000), Politzer (1970),

    Richardson (1999), Okamoto (2002), Hessen (2000) e Souza (2006). Esta explicao

    necessria, segundo Richardson (1999) que adverte para que as diversas reas

    do conhecimento humano em trabalhos cientficos estejam sempre ligadas e

    comprometidas com fundamentos filosficos, sendo recomendado que no se pode

    pensar em utilizar um mtodo de avaliao para a obra arquitetnica sem considerar

    sua sustentao epistemolgica, mormente em se tratando de consideraes

    nascidas na psicossociologia, portanto, fora da teoria da arquitetura.

    Em fins do sculo XIX reinava absoluta, uma imagem do universo que era

    sustentada pela mecnica de Newton e a lgica cartesiana. At ento o mundo era

    visto como uma grande engrenagem cujo movimento tinha lgica prpria,

    independente, e que regulava tudo. A conscincia, os seres humanos e a

    inteligncia criativa seriam subprodutos acidentais merc do movimento material.

    Em termos epistemolgicos, o sujeito (o homem) estava sempre separado do objeto

    (as coisas) (OKAMOTO, 2002).

    Foi quando se deu o acontecimento de profundas transformaes13 no

    pensamento, em meados do sculo XIX e princpios do sculo XX. na dialtica de

    Hegel, reeditada por Marx e Engels e nas teorias da fsica que se vai encontrar esse

    divisor de guas, com a teoria da relatividade de Albert Einstein enunciada em 1903.

    Posteriormente, ainda no sculo XX, a teoria da fsica quntica (CAPRA, 1983) vem

    corroborar as mudanas que se processavam no pensamento. Foram diversas as

    resultantes em todos os campos do conhecimento, mas a transformao

    epistemolgica mais importante dessas mudanas foi que, sujeito e objeto,

    13

    O termo dialtica veio de Herclito que viveu no sculo VI a.C. Herclito ensinou que tudo est em transformao, num total processo de mudana constante. J em Scrates, a dialtica era usada como mtodo de ensino para descobrir as contradies do pensamento, provocando no discpulo a ecloso do conhecimento a maiutica (SOUZA, 2006).

  • 40

    passaram, definitivamente a ter um s corpo sob a observao cientfica de um

    determinado fenmeno. A realidade vista assim, passa a oferecer vises e estados

    fsicos ou simblicos diferenciados e at conflitantes, sem que esta seja rompida,

    como os estados da gua, que pode ser encontrada sob a forma-aparncia de

    lquido, gelo e o vapor, situaes que no mudam sua essncia que o composto

    qumico H2O; patro e empregado, apenas dois aspectos de uma relao de

    trabalho numa produo qualquer; e, em arquitetura, interior e exterior, aspectos do

    mesmo objeto arquitetnico.

    O que h, no entendimento dialtico, dentre outras caractersticas,

    identificar sujeito e objeto, num dado fenmeno, social, animal, geogrfico, etc., com

    aspectos variados durante um tempo mudando as feies sem aviso, sem que a

    realidade em volte seja alterada ou rompida. Vises simultneas num mesmo evento

    ou fenmeno podem conviver em aparente contradio. Cabe destacar por fim, que

    nas relaes entre objeto e sujeito o primeiro no mais uma entidade meramente

    passiva; ele atua, influencia e at muda comportamentos do sujeito.

    A relao sujeito-objeto sempre foi uma questo central da filosofia. Pode-se

    encontrar, cronologicamente, na Histria:

    a) a primazia do sujeito, que conforma e determina a si mesmo;

    b) a autonomia do objeto, existente independentemente do sujeito;

    c) a relao dualista sujeito-objeto, como sendo dois plos independentes, mas

    que se relacionam;

    d) a relao dialtica, onde, dadas certas condies, sujeito e objeto trocam

    foras e se transformam, mas so inseparveis; e

    e) o paradigma holstico, que semelhantemente dialtica, no aceita separar

    sujeito e objeto (CERQUEIRA FILHO, 1999); a realidade totalizada e

    inseparvel. Holismo e dialtica so formas filosficas diferentes, porm,

    ambas compreendem o universo como uma totalidade em movimento e

    mudana permanentes, e por isso, so conceitos aplicveis ao mesmo tempo

    em determinadas situaes.

  • 41

    Cerqueira Filho (1999) e Jovchelovitch (2000), mostram que, dentro da

    filosofia cartesiana e a mecnica de Newton, prevalecia a separao entre sujeito e

    objeto. Nos dias atuais, o pensamento dialtico ou mesmo holstico, considera sujeito

    e objeto como inseparveis: passaram a ser vistos como, epistemologicamente, uma s

    categoria filosfica ou uma entidade inquebrantvel.

    Em seu livro, Percepo ambiental e comportamento: viso holstica da

    percepo ambiental na arquitetura e na comunicao, Okamoto critica a viso de

    Bruno Zevi, considerada por ele, conservadora:

    [...] para Bruno Zevi a matria prima do arquiteto o espao interno do edifcio construdo [...] uma conotao fsica do espao. (Porm) a arquitetura vai alm do abrigo das necessidades e atividades e, no meu entender, seria um meio de favorecer e desenvolver o equilbrio, a harmonia e a evoluo espiritual do homem, atendendo s suas aspiraes, acalentando seus sonhos, instigando as emoes de se sentir vivo, desenvolvendo nele um sentido afetivo em relao ao lcus e ao topos. [...] so esses espaos perceptivos e vivenciais que constituem a matria-prima da arquitetura (OKAMOTO, 2000, p.15).

    Okamoto procura desmistificar como o objeto, na criao, enredada por

    aspectos subjetivos fundamentais que o ligam definitivamente ao sujeito.

    Jovchelovitch (2000) esclarece que no campo da psicologia social, o sujeito

    somos ns mesmos, e o objeto a estudar, pode ser um objeto qualquer, um fato, ou

    um outro ser humano, sozinho ou em grupo. Num dado momento, um diante do

    outro, os dois mantm relaes dinmicas, sendo nessas que se fundem idias, se

    constroem conceitos e significados, dentro de saberes sociais, que no so saberes

    cientficos, mas nem por isso saberes menores, so saberes do senso comum. Por

    decorrerem de relaes sociais que ocorrem num dado tempo e numa certa

    situao, esses saberes so construdos na dinmica das relaes e, portanto, no

    podem existir a priori.

    Deste entendimento, decorre que o desenvolvimento do mundo depende de

    relaes. Tudo so produtos de relaes. Se assim , no pode haver um s saber,

    uma s certeza, um s conhecimento. A viso holstica hodierna, conforme explica

    Cerqueira Filho (1999), trata a realidade, ou o objeto de estudo como uma

    totalidade: tudo se relaciona numa rede gigantesca onde quaisquer dessas relaes

    sempre afetaro mais ou menos outras, de onde se depreende que sempre haver

  • 42

    resultados, mutaes, ou situaes circunstanciais que se esto e estaro,

    construindo a cada momento.

    Destarte, a realidade humana a que se constri histrica e socialmente. A

    grande luta para o entendimento entre os homens palco onde esforos da

    diplomacia, da poltica e at das guerras, so o grande exemplo disso. Assim, a

    construo da realidade sempre uma negociao, branda como a diplomacia, a

    poltica, ou conflituosa, como as guerras. assim a realidade, porque produto de

    contradies e interesses nem sempre convergentes, e o equilbrio muitas vezes

    precrio; o que real para uns hoje, pode no s-lo amanh, e o mesmo se pode

    dizer da verdade: o que era verdade h duzentos anos atrs, hoje no mais.

    Existiro sempre vrias realidades, a prpria e a do outro, e assim por diante. Ento,

    o que interessa, aquilo que ultrapassa os limites do indivduo; a realidade social

    historicamente construda na qual prevalecem grupos, e no indivduos; o que se

    quer ver como percebida essa realidade por um determinado grupo estudado,

    destacando a observao de que em sociologia, o grupo aqui referido no um

    ajuntamento qualquer de pessoas, do grupo social14 que se est falando, onde h

    uma reunio de pessoas que interagem entre si, conflitam ou no, tm uma

    identidade e se reconhecem como integrantes (GALLIANO, 1981).

    Para concluir, resta clarificar dois pontos fundamentais. O primeiro d conta

    de que o saber um instituto relativo, e dentro desta viso se considera que h

    diferena entre realidade e verdade. Certas representaes que h por a so reais,

    de acordo com o senso comum, mas no so verdades, necessariamente.

    O segundo ponto, dentro da relativizao do saber acima referida, que o

    saber humano no homogneo. O saber cientfico um tipo de conhecimento que

    tem suas regras, ele se distingue da sabedoria comum, do saber popular: o do senso

    comum que , tambm, um tipo de saber que adquirido atravs das geraes,

    boca a boca. H o saber de cozinhar, o saber de manipular ervas medicinais, etc.

    Embora no sejam de natureza cientfica, esses saberes, ditos do senso comum,

    14

    Em Sociologia, um grupo um sistema de relaes sociais, de interaes recorrentes entre pessoas. Tambm pode ser definido como uma coleo de vrias pessoas que compartilham certas caractersticas, interajam uns com os outros, aceitem direitos e obrigaes como scios do grupo e compartilhem uma identidade comum. Para haver um grupo social, preciso que os indivduos se percebam de alguma forma como afiliados ao grupo (GALLIANO, 1981).

  • 43

    tambm, so importantes, e no devem ser considerados saberes inferiores; so

    saberes diversos e que detm alguma forma de racionalidade prpria. No h

    saberes superiores, no h uma hierarquia entre saberes. Construir uma

    embarcao de 60 toneladas certamente no deve ser fcil sem o saber cientfico;

    mas so sim, fabricadas, apenas com o saber emprico da prtica, ensinado de

    gerao para gerao, de boca a boca.

    E por fim, cabe observar que os saberes no so cristais imutveis, eles

    tambm se transformam. Na verdade, os vrios tipos de saber se relacionam, se

    enfrentam, e podem sofrer transformaes.

    Assim, o entendimento das representaes sociais decorre dessa viso de

    mundo onde a realidade social e natural, os homens e a matria, passam por e so

    resultados de relaes e transformaes, como entidades totalizadas, temporais,

    mveis e mutantes. Esta viso aqui trazida espera suportar as consideraes

    tericas e mais adiante os discursos prticos no desenvolvimento do trabalho.

    3.2. Teoria das representaes sociais

    3.2.1. Conceito de representao social

    A viso estrutural da Teoria das Representaes Sociais (TRS), tem sido

    largamente empregada em vrios estudos de diversas reas do conhecimento, como

    exemplos ilustrativos a seguir. Em sade pblica (TURA, 2004), em Matemtica

    (RAMOS, 2004), e em Pedagogia (GRAA; MOREIRA, 2006), alm de inmeras

    pesquisas realizadas no Laboratrio de Habitao Social (LABHAB) da Universidade

    Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

    A moradia, no caso de uma construo multifamiliar habitada, onde existe o

    relacionamento de vizinhana prxima, adquire, em relao ao grupo que a possui,

    uma reunio de significados em que o pensamento e a simbologia so transferidos

    da moradia para o indivduo e vice-versa, e de um morador para outro, num

    processo a construir um ou mais conceitos e significados que vo sendo aceitos e

    acabam internalizados socialmente, sob a forma de um saber intuitivo, um senso

    comum gradativamente se ancorando, objetivando e consolidando como verdades

    no grupo todo (MOSCOVICI, 1976). Este saber constitudo no calor das

  • 44

    contradies sociais da vida privada em comunidade. So saberes que assumem

    um patamar estandardizado sobre um objeto, comum e duradouro. Representam

    que e qual importncia tem certos atributos para essas pessoas associadas na

    elaborao inconsciente de imagens qual do, depois, um significado. Estas

    imagens que vo sendo formatadas e dotadas de significados especiais pertencem

    ao grupo, exclusivamente, e normalmente no so percebidos por quem est de

    fora. Este desconhecimento na viso exterior que leva, muitas vezes, aos

    equvocos das propostas ditas racionais. No a toa que os espaos das moradias

    so em grande nmero apropriados e modificados: podem ser intervenes que

    buscam aproximar suas moradias de suas representaes.

    O objeto de estudo deste trabalho a complexa moradia multifamiliar e sua

    relao, no uso, com seus moradores. A partir da, busca-se a clarificao de uma

    imagem significativa que a representao social para seus moradores. Se a

    habitao em si conceitualmente ambgua e funcionalmente complexa, a moradia

    coletiva o muito mais ainda; ocupada, cumprindo sua funo de morar, o lcus

    da convivncia social intensa por excelncia; da inter-relao grupal no escolhida.

    Por conta disto, moradia e moradores em certa situao so um todo indissolvel

    (sujeito e objeto como um sistema fechado) e o conjunto habitacional se v numa

    rede de inmeras conexes subjetivas e contraditrias onde h desde interesses

    pessoais a questes ideolgicas e scio-culturais, elementos que acabam por

    produzir, de modo espontneo e inconsciente, uma forma particular e exclusiva com

    que os usurios vm a moradia.

    Atravs desta teoria foi possvel levantar, a partir da produo espontnea

    dos sujeitos envolvidos um rico universo emprico, o qual trabalhado permitiu a

    obteno de vises realistas que podem servir como diretrizes para a avaliao dos

    casos em estudo e, tambm, como recomendaes para novos empreendimentos.

    A representao social tem seu conceito fundamental formulado em 1961

    com a publicao da tese de doutorado de Serge Moscovici, cujo trabalho foi revisto

    em 1976 e traduzido por Cabral (1978). Seu conceito encontra nascedouro na

    definio das representaes coletivas, de Durkheim (1985).

  • 45

    Ao estudar os elementos de Durkheim, Moscovici observou que estavam

    conceitualmente subestimados esses elementos, os quais se tratavam na realidade,

    em alguma coisa mais profunda, complexa e significativa do que havia pensado

    Durkheim. A representao coletiva a que ele se referira no era apenas um

    episdio aleatrio ocorrido numa coletividade primitiva - ambiente em que Durkheim

    realizou seus estudos. No era somente um padro sem importncia surgido

    ocasionalmente numa certa coletividade. No poderiam ser denominadas de

    coletivas apenas por isso. Moscovici, ao acreditar na inseparabilidade entre sujeito e

    objeto, anteviu essas representaes como algo muito mais importante, u