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Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial 2.5 Brasil. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc/2.5/br/ ou envie uma carta para Creative Commons, 559 Nathan Abbott Way, Stanford, California 94305, USA. UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA REGIONAL DE CHAPECÓ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL HABITAÇÃO RURAL: O SENTIDO DA NOVA MORADIA PARA OS AGRICULTORES FAMILIARES DO OESTE CATARINENSE Chapecó – SC, 2006

HABITAÇÃO RURAL: O SENTIDO DA NOVA MORADIA PARA …livros01.livrosgratis.com.br/ea000121.pdf · CURSO DE SERVIÇO SOCIAL HABITAÇÃO RURAL: ... 2.POLÍTICA SOCIAL E ... políticas

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    UNIVERSIDADE COMUNITRIA REGIONAL DE CHAPEC

    CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS E JURDICAS

    CURSO DE SERVIO SOCIAL

    HABITAO RURAL:

    O SENTIDO DA NOVA MORADIA PARA OS AGRICULTORES FAMILIARES

    DO OESTE CATARINENSE

    Chapec SC, 2006

    http://creativecommons.org/licenses/by-nc/2.5/br/

  • Livros Grtis

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  • DIOGO GUSTAVO SORDI

    HABITAO RURAL:

    O SENTIDO DA NOVA MORADIA PARA OS AGRICULTORES FAMILIARES

    DO OESTE CATARINENSE

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Centro de Cincias Sociais e Jurdicas da UNOCHAPEC, para a obteno do ttulo de Bacharel em Servio Social, pelo acadmico Diogo Gustavo Sordi, sob a orientao da professora Dra. Edilane Bertelli.

    Chapec SC, nov. 2006

  • DEDICATRIA

    Dedico este trabalho a todos os agricultores familiares

    do Oeste Catarinense que mesmo nas adversidades,

    organizam-se, lutam e conquistam direitos que outrora

    no eram reconhecidos. Agricultura Familiar a Mo

    que Alimenta a Nao.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo de forma especial a todos aqueles que colaboraram para a realizao deste

    Trabalho de Concluso de Curso, e tambm a este sonho que formar-se em uma universidade:

    - aos meus pais, Nelson e Dlcia, meus irmos, Ronaldo Cesar e Conrado Daniel, e a toda

    minha famlia, pelo apoio em todos os momentos desta trajetria;

    - a minha orientadora, professora Edilane Bertelli, por socializar seu conhecimento com

    este acadmico, pois mais do que orientaes entre aluno-professor, construmos uma

    relao de amizade;

    - Aos amigos de faculdade: Morgana, Richeli, Mariciana, Gustavo, Paula, Francieli, e

    tantos outros que fizeram parte do cotidiano nestes anos, cultivando uma relao de

    intensa amizade;

    - aos amigos da CEF, que acompanharam o incio deste trabalho e muito contriburam;

    - aos companheiros da Cooperhaf - Santa Catarina, que contribuem cotidianamente para a

    concretizao do sonho de inmeras famlias catarinenses;

    - a todas as famlias entrevistadas, pelos fundamentais depoimentos prestados para a

    realizao deste trabalho;

    - e, por fim, Carla, pelo permanente incentivo e pelo constante apoio para chegar a este

    resultado.

  • RESUMO

    O presente Trabalho de Concluso de Curso aborda a questo das polticas sociais, cidadania e habitao, de uma forma geral e analisa as mudanas que a nova moradia, seja ela reformada ou construda, gera na vida dos agricultores familiares da regio Oeste Catarinense, atendidos pelos programas habitacionais. Analisar os sentidos da nova habitao para os agricultores familiares, compreendendo como ela vivenciada por estes sujeitos e como a poltica de habitao rural pensada pelos agentes institucionais envolvidos pressuposto para verificarmos a implementao desta poltica na regio. Para a elaborao deste Trabalho de Concluso de Curso foram utilizadas pesquisas bibliogrficas e documentais, atravs de livros, artigos cientficos e peridicos. A anlise das entrevistas e interpretao destas foi realizada atravs da abordagem qualitativa. Para a coleta de dados foi utilizada entrevista com agricultores familiares de diferentes microrregies do Oeste Catarinense e com representantes dos agentes de operacionalizao dos programas habitacionais (Caixa Econmica Federal CEF, e Cooperativa de Habitao dos Agricultores Familiares dos Trs Estados do Sul - Cooperhaf). A poltica habitacional rural foi implementada a partir de 2003, proporcionando uma melhor qualidade de vida ao homem do campo, que com as sucessivas crises no teria condies de sozinhos, melhorarem suas condies de moradias. A satisfao da nova casa se torna um sonho realizado para aqueles que nunca antes foram sequer includos em uma poltica de habitao no Pas.

    Palavras-chave: poltica habitacional rural, cidadania, agricultura familiar.

  • RESUMEN

    El presente Trabajo de Conclusin aborda la cuestin de las polticas sociales, ciudadana e habitacin, de una forma general y analiza los cambios que la nueva casa, sea sta reformada o construida, genera en la vida de los agricultores familiares de la regin oeste del estado de Santa Catarina, que son atendidos por los programas habitacionales. Analizar los sentidos de la nueva habitacin para los agricultores familiares, comprendiendo como sta es vivida por estos sujetos y cmo la poltica de habitacin rural es pensado por los agentes institucionales envolvimos es presupuesto para verificar la implementacin de esta poltica en la regin. Para la elaboracin de este Trabajo de Conclusin de la carrera fueron utilizadas investigaciones bibliogrficas y documentales, a travs de libros, artculos cientficos y peridicos. El anlisis de las entrevistas e interpretacin de stas fueron realizados a travs del abordaje cualitativo. Para la colecta de datos fue utilizada a entrevista con agricultores familiares de diferentes microregiones del Oeste de Santa Catarina y con representantes de los agentes de operacionales de los programas habitacionales (Caixa Econmica Federal CEF, e Cooperativa de Habitao dos Agricultores Familiares dos Trs Estados do Sul Cooperhaf). La poltica habitacional rural fue implementada a partir de 2003, proporcionando una mejor cualidad de vida al hombre del campo, que con las sucesivas crisis no tendra condiciones de de mejorar su condiciones de morada individualmente. La satisfaccin de la nueva casa se convierte en un sueo realizado para aquellos que nunca antes fueron incluidos en una poltica de habitacin en el pas.

    Palabras claves: poltica habitacional rural, ciudadana, agricultura familiar.

  • LISTA DE SIGLAS, ABREVIATURAS E SMBOLOS

    COOPERHAF - Cooperativa de Habitao dos Agricultores Familiares dos Trs Estados do Sul

    CEF - Caixa Econmica Federal

    FETRAF-SUL/CUT - Federao dos Trabalhadores na Agricultura Familiar dos Trs Estados

    do Sul -

    PNH - Poltica Nacional de Habitao

    PSH - Programa de Subsdio Habitao de Interesse Social

    OGU - Oramento Geral da Unio

    BNH - Banco Nacional de Habitao

    FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Servio

    FDS - Fundo de Desenvolvimento Social

  • SUMRIO

    1.INTRODUO.....................................................................................................................................9

    2.POLTICA SOCIAL E AGRICULTURA FAMILIAR: UM DEBATE NECESSRIO ..................162.1 A Poltica pblica habitacional no pas.........................................................................................................212.2 Agricultura familiar e poltica pblica: caracterizao da realidade do Oeste Catarinense..........................25

    3.POLTICA HABITACIONAL NO ESPAO RURAL: O SENTIDO PARA A AGRICULTURA

    FAMILIAR NO OESTE CATARINENSE ...........................................................................................333.1 Poltica habitacional para a agricultura familiar: novo caminho em questo...............................................333.2 Entrevistas: entendendo a realidade pesquisada ...........................................................................................39

    3.2.1 Cooperhaf e CEF: a viso dos agentes institucionais dos programas habitacionais .............................413.2.2 Agricultores Familiares: o sentido da moradia digna ............................................................................49

    4.CONSIDERAES FINAIS..............................................................................................................59

  • 1. INTRODUO

    Colonizada no incio do sculo XX por imigrantes vindos do estado do Rio Grande do

    Sul, o Oeste Catarinense se insere definitivamente na economia nacional, caracterizando-se pela

    pequena agricultura familiar diversificada. Atualmente com cerca de 88 mil unidades familiares

    de produo, a regio responsvel por cerca de 50 % da produo agrcola do estado de Santa

    Catarina. Silvestro et al. (2001) define a regio oeste englobando 95 municpios e a alicera

    como um dos grandes exemplos brasileiros de potencial da agricultura familiar.

    Ao longo dos anos, sucessivas crises influenciaram o setor agrcola da regio,

    dificultando permanncia do agricultor em sua atividade. Ao caracterizar os agricultores da

    regio, Silvestro et al. (2001) apresenta como grupo predominante aqueles que vivem da

    agricultura, mas no conseguem realizar investimentos na propriedade (em transio) e aqueles

    j descapitalizados, tambm chamados de perifricos, especificamente dependentes de polticas

    pblicas. Estes dois grupos correspondem a 71% dos estabelecimentos agrcolas da regio.

    O contexto agrcola da regio Oeste Catarinense que diz respeito a implementao das

    polticas sociais secundrio em relao quelas destinadas ao espao urbano. Esse processo

    histrico determinado pelo significativo xodo rural da regio, observado pela pouca

    densidade demogrfica do espao rural local, resultando no conceito de que zona rural

    somente poltica de produo. Essas polticas, em sua maioria moldadas sobre aportes

    produtivos, eram pensadas exclusivamente para possibilidades de aumento da produtividade do

    setor. Poucas eram as alternativas que consideravam a qualidade de vida da famlia agricultora.

    A relao da sociedade brasileira com o tema da agricultura familiar vem se

    transformando de maneira ntida nos ltimos anos. A incorporao de novas perspectivas do

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  • Estado em relao agricultura familiar demonstra a valorizao do espao rural, com

    implementao de diversas polticas voltadas ao homem do campo. Mas tal valorizao no

    suficiente para superar a crise que assola a rea rural. A implementao de polticas pblicas

    apropriadas melhora das condies de vida, efetivando um programa de desenvolvimento no

    campo, expandindo desse modo o acesso terra e assegurando recursos, tanto destinados

    produo quanto qualidade de vida, se faz necessria no contexto atual.

    Essa perspectiva incorporada na poltica habitacional do Governo Federal, na gesto

    2003/2007, atravs da qual possibilitado pela primeira vez o acesso a recursos para

    investimentos habitacionais aos agricultores familiares. Caracterizando-se pela produo

    diversificada baseada na agricultura familiar, o Oeste Catarinense tornou-se uma das primeiras

    regies do pas a implementar tal poltica, sendo investidos R$ 78 milhes, beneficiando 6.063

    famlias (JORNAL DA CAIXA, 2006).

    Nos ltimos anos, diversos programas de incentivo aos agricultores familiares esto

    sendo implementados pelas trs esferas de governo. Decorrentes da tentativa para minimizar os

    problemas do campo, essas polticas oportunizam tanto linhas de crdito para investimentos em

    infra-estrutura da propriedade quanto visam estabelecer um desenvolvimento social, econmico

    e ambiental integrado, proporcionando assistncia tcnica e capacitao destes agricultores.

    Silvestro et al. (2001) observa que o mundo rural to heterogneo quanto o urbano,

    necessitando mais do que uma poltica agrcola. Uma viso multidisciplinar, em sintonia com a

    realidade e com as potencialidades locais, pressuposto para o desenvolvimento de uma

    poltica rural, aonde suas opes, instrumentos e investimentos sejam voltados tambm

    qualidade de vida do agricultor. Nesse sentido Ferrari (2003) destaca que fortalecer a

    agricultura familiar proporcionar cidadania no campo. Ao fazer tal afirmativa insere a zona

    rural como um espao de vida e trabalho de famlias, rea de socializao das relaes sociais,

    onde o cotidiano familiar transforma-se em socializao, produo e trabalho em um mesmo

    local.

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  • Aliado ao atraso histrico das polticas sociais em prol do rural, configura-se como

    preocupante o que Ferrari (2003) analisa como atual situao da agricultura familiar na regio

    Oeste Catarinense. Considera a concentrao da produo nas mos de poucos, a excluso de

    agricultores que no se adequaram aos anseios das agroindstrias, sendo estes excludos da

    produo aos complexos agroindustriais, a descapitalizao e decomposio social, e o xodo

    rural como expresses fortemente ligadas ao cotidiano.

    A implementao de polticas sociais zona rural no devem ficar a reboque do

    espao urbano. A efetivao dessa capacidade de resposta depende de medidas de apoio do

    setor pblico (TESTA, 1996). A questo habitacional surge nessa perspectiva.

    Apesar de representar uma histrica demanda, poucas foram as alternativas criadas

    para resolver a problemtica da habitao rural, sendo que a poltica habitacional comeou a ser

    implementada no pas somente nos ltimos anos. Maricato (1987, p.29) destaca que os

    programas habitacionais no pas redundaram em constantes fracassos, alm de representarem

    muito pouco quantitativamente diante das necessidades sociais.

    As constantes crises que afetam o setor agrcola refletem na capacidade de investimento

    do agricultor. Nesse contexto a interveno do Estado fundamental para estabelecer um

    mecanismo de apoio a esta demanda historicamente determinada, atuando como nucleador das

    expresses configuradas nessa conjuntura. Diante disso, a existncia de fontes permanentes de

    investimentos destinados pelo setor pblico ao meio habitacional, em recursos suficientes para

    enfrentar o dficit, torna-se prerrogativa para a superao desta demanda.

    Estudo realizado no ano de 2000 pela Fundao Joo Pinheiro apresenta, para o espao

    rural catarinense, um dficit habitacional de 24.133 moradias. Este nmero,

    [...] engloba tanto aquelas moradias sem condies de serem habitadas devido a precariedade das construes, ou em virtude de terem sofrido desgaste de estrutura fsica e que devem ser repostas, quanto aquelas decorrentes da coabitao famlia ou moradias em locais destinados a fins no residenciais.(FUNDAO JOO PINHEIRO, 2005, p.07).

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  • A habitao, um direito social, deve ter sua implementao ancorada em polticas

    efetivadas por uma poltica pblica de Estado, atravs do atendimento das necessidades bsicas

    da populao, materializando o acesso aos direitos de cidadania. A Poltica Nacional de

    Habitao, do Ministrio das Cidades, discute e cria uma alternativa de acesso populao rural

    a uma moradia digna. Esta poltica objetiva a universalizao do acesso moradia, promovendo

    o atendimento populao de baixa renda, observando a gesto democrtica, o controle social e

    a transparncia nas decises e procedimentos adotados (BRASIL, 2004).

    As consideraes apresentadas incentivaram-nos a buscar maior conhecimento sobre a

    poltica habitacional para o meio rural, compreendendo como ela pensada pelos representantes

    dos agentes envolvidos em sua implementao e como ela vivida por aqueles que so seus

    maiores beneficirios, os agricultores. Buscamos compreender como eram as condies

    anteriores de moradia destes sujeitos, aprofundando o estudo da questo habitacional enquanto

    direito social.

    Na pesquisa social que foi desenvolvida, propomos uma abordagem metodolgica

    qualitativa, trabalhando com o universo de significados, motivos, aspiraes, crenas, valores,

    atitudes, o que corresponde a um espao mais profundo das relaes, dos processos e dos

    fenmenos que no podem ser reduzidos operacionalizao de variveis (MINAYO, 1994, p.

    22).

    O locus desta pesquisa compreendeu a poltica de habitao implementada pelo

    Governo Federal voltada zona rural, mais especificamente agricultura familiar no Oeste

    Catarinense. Esta regio possui diversas definies poltico-territoriais. Para este estudo

    entendeu-se por Oeste Catarinense o que Silvestro et al. (2001) delimita como rea abrangente:

    regio com 95 municpios, englobando diversas microrregies, indo do meio oeste catarinense

    at a fronteira com a Argentina.

    O processo de investigao inicial se deu atravs da pesquisa documental e

    bibliogrfica. A bibliogrfica compreendeu os estudos publicados sobre poltica de habitao,

    12

  • sua concepo, experincias e caractersticas. Tambm foram abordados estudos (publicados ou

    no) sobre as caractersticas da regio aonde ser realizada a pesquisa, bem como publicaes

    de contextualizao e conjuntura sobre agricultura familiar. Entre as categorias utilizadas

    destacaram-se: poltica social, poltica pblica e cidadania, tendo por base os preceitos de Demo

    (1994), Faleiros (2004) e Tomazi (1993). A categoria habitao foi referenciada atravs dos

    autores: Maricato (1987), Souza (1995), Silva Costa (1995) e Silva e Silva (1989). Para o

    embasamento sobre agricultura familiar utilizamos Abramovay (1998), Silvestro et al. (2001) e

    (1995) e Testa (1996).

    Foram utilizadas informaes sobre as diretrizes dessas polticas, suas concepes,

    quem so seus fomentadores e sobre a implementao atual da poltica habitacional na regio

    envolvida. Foram ainda estudados os pressupostos da produo dos sentidos, analisando o

    sentido da nova moradia aos agricultores familiares, como essa nova poltica rural vivenciada

    por eles e a compreenso dos sujeitos institucionais envolvidos.

    Como critrio de seleo das famlias foram utilizados, alm da necessidade de ser

    contemplado nos programas habitacionais, a insero nas diferentes modalidades existentes nos

    programas habitacionais e a aceitao em realizar as entrevistas. Para a realizao das

    entrevistas foi mapeado o local onde se encontra implementada a poltica de habitao aos

    agricultores familiares, no momento atual. Estas informaes foram obtidas junto s instituies

    envolvidas no processo: a Cooperativa de Habitao dos Agricultores Familiares dos Trs

    Estados do Sul Cooperhaf, e a Caixa Econmica Federal - CEF.

    A pesquisa documental teve como foco a identificao e anlise de documentos e

    informaes relativas s polticas pblicas voltadas ao meio rural, em especial a esta nova

    modalidade de poltica habitacional. Os dados quantitativos incorporados a pesquisa foram

    obtidos junto CEF, no setor de desenvolvimento urbano, banco de dados do Ministrio das

    Cidades, atravs do CD-room do censo habitacional de 2000, de informaes obtidas junto

    Cooperhaf, e outras fontes que auxiliaram na pesquisa.

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  • Tambm foi utilizada como fonte uma instituio que est consolidada historicamente

    tambm pela sua atuao na rea habitacional: a Caixa Econmica Federal, que a agente

    operacionalizadora da poltica da habitao no Pas; e uma entidade formada pelos prprios

    agricultores: a Cooperhaf, ligada a Federao dos Trabalhadores na Agricultura Familiar dos

    Trs Estados do Sul Fetraf-Sul/CUT. Esta Cooperativa de Habitao a agente organizadora

    dos agricultores filiados aos sindicatos municipais da base Fetraf-Sul/CUT, e a responsvel pela

    implementao dos projetos sociais e de engenharia/arquitetura.

    Um segundo momento, compreendeu a pesquisa de campo junto aos sujeitos envolvidos

    na poltica de habitao rural. As entrevistas foram realizadas com trs famlias de agricultores

    familiares de diferentes municpios da regio Oeste Catarinense. Tambm foram entrevistados,

    um representante da CEF - supervisor de desenvolvimento urbano, e um representante da

    Cooperhaf - atravs de um representante de sua diretoria em Santa Catarina.

    A seleo dos entrevistados e das entidades deu-se de forma intencional, abordando

    sujeitos j envolvidos no processo e conhecedores da operacionalizao da poltica habitacional.

    Nas entrevistas com os agricultores familiares foram selecionados sujeitos que j construram e

    j esto residindo nas moradias. Todas as entrevistas foram gravadas oferecendo, dessa forma,

    credibilidade e segurana pesquisa e aos envolvidos, com devida autorizao dos

    entrevistados, apresentando termo de consentimento para tal.

    Nas entrevistas foram observadas um roteiro delimitado ao objeto de estudo, tratando da

    amplitude do tema e apresentando cada questo de forma mais aberta possvel. Com as questes

    gerais suficientemente amplas para a discusso sobre o tema, Duarte e Barros (2005) observam

    que a entrevista semi-estruturada poder ser orientada pelo entrevistado, de acordo com a

    variao de suas respostas. Cabe ao entrevistador a valorizao do conhecimento do

    entrevistado, observando como ponto central o objetivo do pesquisador anteriormente

    delimitado.

    14

  • Ao desenvolver esta pesquisa sobre a habitao voltada zona rural, pretendeu-se

    identificar as diretrizes da poltica de habitao e sua insero na rea rural, em que medida esta

    poltica insere uma nova perspectiva de vida e qual o sentido desta para os agricultores

    familiares. Desse modo, estruturamos este trabalho apresentando no primeiro captulo uma

    discusso geral sobre polticas pblicas, contextualizando brevemente a poltica habitacional no

    pas, passando logo aps a uma reflexo sobre a poltica pblica para a agricultura familiar.

    No segundo capitulo apresentamos o atual momento da poltica habitacional rural em

    curso, retratando as entrevistas realizadas com os agentes institucionais envolvidos na

    implementao desta poltica na regio oeste catarinense, e as entrevistas com as famlias

    agricultoras beneficirias.

    Finalizando, apontamos nas consideraes finais observaes pertinentes a todo este

    processo de pesquisa e a concluso deste estudo.

    15

  • 2. POLTICA SOCIAL E AGRICULTURA FAMILIAR: UM DEBATE NECESSRIO

    As polticas sociais atravessam o cotidiano da populao. Sentir-se pertencente a

    sociedade significa perceber-se como cidado. A articulao poltica das diversas foras que

    compe o Estado, em seu contexto dinmico, concretiza a efetivao de polticas sociais

    aplicadas ao cotidiano da sociedade. As aes do governo incrementam possibilidades de

    interveno, apontando a necessidade de atuao profissional. Para tal necessrio

    compreender a sociedade atravs do processo teleolgico gerador destas polticas, que so

    capazes de concretizar a qualidade de vida populao.

    A poltica social, pensada em si mesma, desligada das suas determinaes e das relaes dinmicas do Estado, vai resumir-se compreenso casustica de uma realidade aparente. Da a necessidade de uma compreenso do contexto global em que ela se desenvolve. (TOMAZI,1993, p.110)

    A poltica social consiste em uma estratgia governamental que, especificada em sua

    concepo ideolgica, define a forma de sua operacionalizao. Polticas assistenciais, scio-

    econmicas e participativas interligam-se e especificam a necessidade de autonomia

    contextualizando assim, a combinao de polticas emancipatrias.

    Tais polticas permeiam uma discusso no seio da sociedade. A estrutura societria

    coloca a questo social como central nas discusses pertinentes a igualdade. As dificuldades

    encontradas pela populao no dia-a-dia para acessar os direitos, mostra a maneira pela qual a

    sociedade trata seus pares. A questo social, resultante da estrutura estabelecida, suscita a

    discusso de alguns aspectos relevantes na sociedade, entre eles as dificuldades de acesso aos

    direitos sociais, e consequentemente, a consolidao da cidadania.

    16

  • Garantir direitos corresponde a ter como pano de fundo projetos societrios com

    determinaes histricas. Isso se explica, pois o no acesso aos direitos deve se configurar

    como passagem para a concretizao da eqidade social.

    No mundo de hoje, os direitos sociais transformaram-se em luta primordial para a

    construo de uma sociedade mais justa. Mesmo frente aos conflitos existentes na vida em

    sociedade, os direitos sociais so concebidos como fonte norteadora da luta social e sua

    implementao tida como pressuposto de cidadania.

    Chau (1984) lembra que a cidadania exige instituies, mediaes e comportamentos

    prprios, constituindo-se na criao de espaos sociais de lutas. Os dois moldes de cidadania,

    passiva, outorgado pelo Estado, e ativa, o cidado como portador de direitos, devem ser

    ancoradas pelo acesso informao sobre o que prerrogativa de direito.

    A garantia de acesso aos direitos sociais deve passar de uma premissa de governo para

    uma questo de Estado. Mas despertar o conhecimento do que direito, atravs da informao

    o primeiro passo de concretizao da defesa e do fortalecimento da cidadania. Jacobi (2002)

    afirma que a poltica social o elemento constitutivo da cidadania.

    A poltica social concebida como questo de cidadania e de direito, direcionada ao

    enfrentamento da desigualdade social. Voltada emancipao do cidado, configura-se como

    incremento estrutural, defendendo direitos e cidadania. Cidadania o que poderamos chamar

    de qualidade poltica da populao (DEMO,1994, p.37).

    Os diversos conceitos de poltica social surgem em prol da busca e implementao de

    direitos, relacionando-se com as exigncias do capital e com as lutas sociais. Assim, as polticas

    sociais inferem na articulao entre o poltico e o econmico, onde ao mesmo tempo em que

    so voltadas s classes populares, ilustram um aparato de continuao do sistema vigente. Dessa

    forma, tornam-se campo de mediao entre a subsistncia do trabalhador e a acumulao

    capitalista.

    17

  • As polticas sociais no so estticas e dinamizam sua configurao de acordo com o

    compromisso social daqueles que as implementam. Vrias so as reas e os interesses dessas

    polticas, comprovando a complexidade do tema. Os movimentos sociais e a sociedade civil

    atuam como aparelhos de presso para a efetivao de polticas sociais comprometidas e

    voltadas s demandas. Em contraponto a isso, o interesse do capital influencia em sua dinmica

    atravs do lobby feito frente ao Estado.

    A articulao e o desenvolvimento das polticas sociais [...] so condicionados pela forma de organizao do Estado, situado numa rea institucional forjada pelo bloco no poder no contexto da correlao de foras sociais. (FALEIROS, 2004, p.67).

    As polticas sociais compreendem o conjunto de aes regulamentadas e

    operacionalizadas, em sua essncia pelo Estado, no sentido de garantir o bem estar da

    populao. Demo (1994) contextualiza que no Brasil, historicamente, as polticas sociais

    sempre estiveram intimamente ligadas aos interesses do mercado e do sistema capitalista,

    apresentando heranas de carter conservador, quando da adoo de medidas autoritrias e

    desmobilizadoras, e de carter liberal quando se manifesta de maneira seletiva.

    No perodo que envolve a convocao da Assemblia Constituinte em 1986 at a

    promulgao definitiva da Constituio Federal de 1988, se assiste a intensificao dos debates

    sobre as polticas sociais, apontando para sua democratizao. Este contexto envolve a

    emergncia dos movimentos sociais, da luta contra a ditadura e em favor da democracia. A

    proposta ento em debate defendia a descentralizao das polticas pblicas bem como uma

    participao ativa da sociedade civil nos processos decisrios.

    No entanto, no final dos anos 1980 e incio de 1990, vive-se uma conjuntura de crise

    econmica, e portanto, adversa efetivao de tal proposta. A globalizao da economia e a

    reorganizao do capitalismo mundial levaram o Estado brasileiro a integrar-se num conjunto

    de medidas centradas na estabilidade econmica. Apesar de haver maiores investimentos com

    gastos sociais, ocorre uma m aplicao destes recursos destinados as polticas sociais,

    18

  • describilizando a atuao do Estado perante as demandas da populao. O momento social deste

    contexto acirra as desigualdades sociais, o aumento da pobreza, as formas de excluso e

    supresso de direitos.

    Neste mbito, percebe-se que a tendncia descentralizante das polticas pblicas,

    pautada na Constituio Federal de 1988, aproxima-se muito mais de um movimento chamado

    de desconcentrao1, no qual se delega apenas responsabilidades e tarefas, ao invs de uma real

    descentralizao, que deve transferir poder de deciso, de ao e de recursos.

    Contudo, as polticas sociais no contexto brasileiro caracterizaram-se por uma ao

    secundria em relao ao desenvolvimento econmico, estando intimamente ligadas aos

    interesses do mercado e do sistema capitalista. Nesse sentido as polticas sociais foram, ao

    longo da histria, atuando de forma emergencial e atrelada primazia dos interesses do capital.

    Yazbek (1999) aponta que as polticas sociais no pas so fragmentadas, sem regras estveis ou

    reconhecimento do direito. Para ela, as polticas sociais esto consequentemente influenciadas

    pelo enfrentamento da questo social, permitindo um acesso discriminado a recurso e servios.

    As polticas sociais podem ter um corte pblico ou privado. Iamamoto (1998) aponta

    que,

    [...] as polticas sociais pblicas so uma das respostas privilegiadas questo social, ao lado de outras formas, acionadas por distintos segmentos da sociedade civil, que tm programas de ateno pobreza, como corporaes empresariais, organizaes no-governamentais, alm, de outras formas de organizaes das prprias classes subalternas para fazer frente aos nveis crescentes de excluso social a que se encontram submetidas. (IAMAMOTO, 1998, p.58).

    Silva e Silva (2000) concebe as polticas pblicas tanto como um conjunto de aes

    quanto de omisses do Estado, decorrente de decises e no decises, condicionados de

    acordo com os processos econmicos, polticos e sociais. Tambm compreendidas como

    linhas de ao coletivas que concretizam os direitos sociais, inseridos, declarados e

    garantidos em lei, mas readequados de acordo com as relaes estabelecidas para seu acesso.

    1 Ver Jacobi (2002).

    19

  • Yazbek (1999) considera que uma das alternativas para a distribuio de servios e bens,

    demandados pela sociedade, se d somente mediante a implementao das polticas pblicas.

    Para Pereira apud Tumelero (2005), a poltica social refere-se s modernas funes

    do Estado capitalista de produzir, instituir e distribuir bens e servios sociais, classificados

    como direitos de cidadania.

    O acesso s polticas pblicas torna-se sinnimo de cidadania. Faleiros (1998) considera

    que cidadania ,

    O exerccio dos direitos civis, polticos, sociais, ambientais, ticos, que foram construdos historicamente atravs das leis, normas, costumes, convenes, que fazem com que os indivduos sejam reconhecidos como membros ativos de uma determinada sociedade, podendo exigir dela os seus direitos, ao mesmo tempo que ela exige determinados deveres. Os deveres do Estado so, por sua vez, direitos do cidado. (FALEIROS, 1998, p.41).

    O papel do Estado na constituio das polticas pblicas preponderante. Mas estas no

    podem ser modificadas de acordo com os interesses daqueles que hora ou outra esto no poder

    central. Pereira (2001) apud Tumelero (2005) afirma que,

    Poltica pblica no sinnimo de poltica estatal. A palavra pblica, que acompanha a palavra poltica, no tem uma identificao exclusiva com o Estado, mas sim com o que em latim se expressa como res publica, isto , coisa de todos, e por isso, algo que compromete, simultaneamente, o Estado e a sociedade. , em outras palavras, ao pblica, na qual, alm do Estado, a sociedade se faz presente, ganhando representatividade, poder de deciso e condies de exercer o controle sobre a sua prpria reproduo e sobre os atos e decises do governo e do mercado (PEREIRA, 2001, apud TUMELERO, 2005, p.222).

    A constituio de polticas estatais garante investimentos e amplia a cidadania.

    Concretizar direitos demandados pela sociedade ou previstos em lei se torna pressuposto das

    polticas pblicas estatais, permitindo implementar programas de distribuio de bens e

    servios, desenvolvidos seja pelo Estado e com participao, atravs de contratos ou convnios,

    de empresas ou entidade.

    20

  • 2.1 A Poltica pblica habitacional no pas

    O dficit habitacional corresponde atualmente a uma das grandes demandas sociais e um

    desafio para o Estado. Ao longo dos anos foram implementados programas na tentativa de

    minimizar essa situao, mas sem resultados eficazes.

    Na dcada de 1960 foi criado o Banco Nacional de Habitao (BNH), com o intuito,

    segundo Silva e Silva (1989), de financiar moradias populares. A conjuntura da poca se

    voltava a criar um clima de estabilidade social, necessrio ao momento delicado em que

    passava o pas, em que foram suprimidos pelo golpe militar de 1964, todos os direitos polticos

    e civis dos cidados brasileiros.

    Ao longo dos anos o BNH passou sistematicamente a orientar tambm seus recursos na

    produo de infra-estrutura urbana. Constata-se que a criao do BNH tinha em seus objetivos

    propiciar moradia s classes populares. Mesmo com este objetivo, no foi efetivada a habitao

    de interesse social. Ao contrrio, o BNH mostrou-se realizador dos sonhos da classe mdia e

    alta brasileira. Silva e Silva (1989, p.113) afirma que tal sistema resultou no [...] financiamento

    da construo civil e de grandes programas que garantissem lucratividade [...]. Estas reflexes

    demonstram que a denominao funo social do Banco Nacional de Habitao foi sufocada

    pela sua obstinao na busca pela lucratividade.

    A poltica habitacional, ou a falta dela, desenvolvida neste perodo acarretou na

    inexistncia de moradia maioria esmagadora da populao. Maricato (1987, p.23) afirma que

    [...] as experincias pontuais de habitaes subsidiadas durante o regime militar, redundaram

    em constantes fracassos, alm de representarem muito pouco quantitativamente diante das

    necessidades sociais. A autora constata que a pobreza das condies de habitao no pas nada

    21

  • mais do que um reflexo das disparidades que podem ser observadas na redistribuio de

    renda.

    A poltica habitacional brasileira junto s classes mdia e alta definida pela forte

    presena do Estado, que estruturou uma rede de agentes financiadores privados, fortalecendo o

    mercado imobilirio e a indstria da construo civil. Em contrapartida h ausncia do Estado

    junto a grande maioria da populao. Maricato (1989, p.71) afirma que a poltica habitacional

    implementada teve como resultado inequvoco o desconhecimento das necessidades

    habitacionais do pas. Este fato comprova-se segundo as estimativas de que [...] os

    investimentos do BNH com famlias cujas rendas situavam-se nas faixas entre um e cinco

    salrios mnimos no passou de 0,90% (idem, p.46), do total investido. O que se observa o

    que Maricato (1989, p.171) aponta como [...] incompatibilizao dos objetivos econmicos,

    que predominam na prtica, e os objetivos sociais, expressos somente nos discursos. Estes

    fatores demonstram o fracasso da funo social do BNH.

    Para Souza (1995, p.16) [...] as polticas pblicas para a habitao assumem um carter

    paliativo e favorecem mais as empresas imobilirias que as camadas da populao detentoras de

    baixa renda familiar. O autor pondera que o no reconhecimento dessa demanda e a falta de

    uma poltica efetiva populao de baixa renda expressam que a moradia passa a ser

    entendida como um problema individualizado (idem, p.54).

    Nessa perspectiva de poltica, a populao de baixa renda permanece em uma condio

    precria de moradia, em locais sem infra-estrutura, acelerando o processo de urbanizao

    desorganizada e de favelizao nos grandes centros urbanos. Silva e Silva (1989. p.40) destaca

    que diante desta conjuntura, fica [...] cada vez mais distante a concepo de que o acesso

    moradia uma questo de qualidade de vida e no de explorao, e acima de tudo, um direito

    fundamental do cidado. Verifica-se que as demandas habitacionais no so s diferentes para

    os diversos setores sociais, como tambm variam e se transformam com a prpria dinmica da

    sociedade (FUNDAO JOO PINHEIRO, 2005).

    22

  • Em mais de 40 anos de histria o BNH passou por diversas mudanas. Criado para

    realizar o sonho da casa prpria da populao de baixa renda, o sistema acabou se voltando para

    o financiamento da classe mdia. Acabou extinto em 1986, durante o governo Sarney, quando

    incorporado pela CEF.

    Com incorporao do BNH pela CEF, esta passa a ser a responsvel por gerir o sistema

    financeiro habitacional e fiscalizar as sociedades de crditos imobilirios (BRASIL, 2004). Ao

    mesmo tempo, a CEF iniciou o processo para ser o principal agente das polticas sociais do

    governo federal. Mas a concepo de poltica, sua implementao e sua formulao continua

    sendo de responsabilidade do Estado.

    Durante a dcada de 1990 a poltica habitacional no foi concebida como prioridade nos

    governos, e dessa forma, no teve maiores investimentos. Portanto no houve um plano ou

    poltica efetiva de habitao no pas nesse perodo. As poucas aes foram direcionadas ao

    financiamento para classe mdia alta. Diante disso, a demanda habitacional cresceu cada vez

    mais.

    A Fundao Joo Pinheiro (2005) aponta que no ano de 2000 havia um dficit

    habitacional de 5.890.139 moradias, sendo 4.140.088 urbanas e 1.750.081 rurais.

    Proporcionalmente ao nmero de habitantes do pas, o percentual do dficit habitacional em

    relao aos domiclios brasileiros, de 13,2%, sendo destes 11,1% em relao a populao do

    espao urbano e 23,6% em relao a populao da zona rural. Em Santa Catarina o percentual

    total de 6,8%, sendo o estado com menor dficit do pas. O meio urbano tem um dficit de

    6,4% no estado, e a zona rural de 8,2%, proporcionalmente ao nmero de habitantes do estado.

    Conforme indicam os dados, os percentuais de dficit habitacional so maiores nas reas rurais.

    No ano de 2002 inicia uma nova fase na conjuntura poltica do pas. Com a eleio de

    um governo capitalizado sob a figura de Luis Incio Lula da Silva, primeiro presidente tido

    ideologicamente de esquerda, mas aliado a outras foras polticas, o pas inicia um grande

    debate sobre as necessidades de investimentos no setor habitacional. A criao do Ministrio

    23

  • das Cidades, que tem em suas diretrizes o desenvolvimento urbano do pas, um exemplo desta

    nova fase da habitao. Juntamente so criados diversos programas e parcerias que contribuem

    para o desenvolvimento habitacional. A Poltica Nacional de Habitao PNH, de 2004

    objetiva a universalizao do acesso moradia, promovendo o atendimento populao de

    baixa renda (BRASIL, 2004).

    Atualmente os recursos destinados a programas habitacionais so oriundos do Fundo de

    Garantia por Tempo de Servio (FGTS) e do Oramento Geral da Unio (OGU). Atravs do

    FGTS a CEF vem implementando vrias modalidades de financiamentos destinados habitao

    rural, seja atravs de recurso a fundo perdido ou atravs de financiamento.

    Os valores esto dispostos tanto entre o meio urbano quanto ao meio rural. Um dos

    programas mais utilizados para a implementao da poltica habitacional atualmente a

    chamada resoluo 460 Carta de Crdito FGTS Operaes Coletivas2. Tal programa

    gerenciado pela CEF, sendo aprovado pelo Conselho Curador do FGTS, composto por

    representantes do Governo Federal e da CEF. A resoluo tem como objetivo proporcionar

    habitao para famlias com renda de at cinco salrios mnimos, com recursos do FGTS e

    OGU, com subsdio que varia de acordo com a regio e com a renda familiar (JORNAL DA

    CAIXA, 2006).

    2.2 Agricultura familiar e poltica pblica: caracterizao da realidade do Oeste

    Catarinense

    Diante das constantes crises do setor agrcola na regio Oeste Catarinense, a interveno

    do Estado se torna cada vez mais importante. Na dcada de 1970 a interveno estatal no setor

    2 A poltica habitacional rural tambm conta com recursos oriundos da caderneta de poupana e do Fundo de Garantia por Tempo de Servio FGTS

    24

  • foi fundamental para impulsionar o que foi chamado de modernizao agrcola, graas aos

    programas de assistncia tcnica e crdito agrcola subsidiado, mas atendendo somente parcela

    dos agricultores. Todavia, nos anos 1980 os agricultores foram excludos das polticas sociais

    devido falta de incentivo. Alguns programas iniciados na dcada anterior no tiveram

    continuidade, permanecendo somente aqueles destinados aos proprietrios com boa infra-

    estrutura na propriedade.

    Em meados da dcada de 1990 houve a implementao de uma poltica especfica

    voltada aos agricultores familiares: o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

    Familiar (Pronaf)3. Este propunha um padro de desenvolvimento sustentvel do setor nos

    campos econmico, social e ambiental, de forma a produzir um novo modelo agrcola nacional

    (BRASIL, 2001, p.2). Este apresentava uma nova idia de programas voltados aos agricultores

    familiares, diferenciando-se do modelo agrcola adotado at ento.

    Com a implementao do Pronaf, os agricultores familiares do Oeste Catarinense

    comearam a ser includos socialmente, devido a sua insero em programas de crdito, de

    renda e de produo, principalmente por a agricultura familiar ser a base de sustentao

    econmica da maioria dos municpios. Assim, uma poltica agrcola especfica e voltada a este

    segmento pressuposto de melhoria na economia regional.

    A prpria agroindstria, que tem na regio Oeste Catarinense o maior plo de sunos e

    aves do pas, alicerada historicamente na agricultura familiar. Abramovay (1998) afirma que

    esta regio um dos grandes exemplos brasileiros do potencial demonstrado pela agricultura

    familiar na alavancagem do crescimento econmico regional.

    Segundo Testa (1996), ocupando uma rea aproximada de 25 mil m, a regio Oeste

    Catarinense produz mais de 50% do valor da produo agrcola do estado, distinguindo-se em

    sunos, aves, milho, leite, feijo, soja e fumo. O relevo montanhoso, com apenas 1/3 da rea

    apta para culturas anuais. Estende-se da fronteira com a Argentina ao oeste, at Planalto

    3 O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Pronaf foi criado com a edio do decreto n 1.946 de 28/06/1996.

    25

  • Catarinense ao leste, e ao sul pelo estado do Rio Grande do Sul e ao norte pelo estado do

    Paran, ocupando 25% da superfcie estadual.

    Outra particularidade da regio Oeste Catarinense o processo produtivo agrcola.

    Durante a colonizao da regio o processo produtivo estava organizado em torno da unidade

    familiar, inicialmente mais voltado para a subsistncia e posteriormente, com o surgimento de

    oportunidades de comercializao, vinculando-se com o mercado.

    Silvestro (1995) considera que a agricultura familiar sempre foi a base econmica

    regional, ainda existindo uma forte vocao agrcola. A produo agrcola do oeste catarinense

    repousa basicamente sobre a explorao familiar, a qual a permanncia deste segmento da

    agricultura fundamental para o desenvolvimento equilibrado do meio agrcola regional

    (idem, p.335).

    Apesar de a agricultura familiar ser o maior segmento em nmero de estabelecimentos

    agrcolas tanto no Pas, quanto no estado de Santa Catarina e da Regio especificada nessa

    pesquisa, passou a ser includa de forma definitiva nas polticas de desenvolvimento rural

    brasileiro apenas com a implantao do Pronaf.

    A desigualdade estrutural observada na disposio das polticas pblicas ao longo do

    tempo entre o urbano e o rural, produziu e reproduziu a significativa diviso de investimentos, a

    fragmentao de recursos e possibilidades de acesso aos recursos existentes. A ainda

    perceptvel pobreza no campo resultante de uma estrutura social consolidada atravs de

    mecanismos econmicos e sociais. Mesmo com a implementao do Pronaf, observa-se que h

    uma capacidade desigual de dispor dos recursos sociais, fazendo com que a distribuio dos

    bens e servios pblicos entre o urbano e o rural, continue sendo desigualmente distribuda.

    Sendo o Oeste Catarinense uma regio de grande concentrao de agricultores

    familiares, Silvestro (1995) parte do pressuposto que a agricultura familiar deve receber um

    tratamento especial dos governos em relao s polticas pblicas, em decorrncia de sua

    importncia scio-econmica e de ser o agente fundamental para um desenvolvimento

    26

  • sustentado da agricultura. A agricultura familiar e, consequentemente, os agricultores familiares

    so, sem dvida, os sujeitos para a construo de uma agricultura sustentvel, que prioriza as

    questes sociais, econmicas, culturais e ambientais. Para isto, necessrio que o governo, em

    seus trs nveis, continue destinando suas aes tambm para a agricultura familiar, hoje

    voltadas quase que exclusivamente agricultura patronal, principalmente a destinao dos

    recursos4.

    No existe um padro nico de agricultura. Entre os conceitos utilizados para definir o

    que a agricultura familiar, Abramovay (1995), afirma que a agricultura familiar aquela em

    que a gesto, a propriedade e a maior parte do trabalho vm dos que mantm entre si laos de

    sangue ou de casamento.

    No mesmo sentido, Silva (2001), afirma que a agricultura familiar se caracteriza por

    possuir o trabalho familiar como base fundamental para sua manuteno e da propriedade. Ao

    mesmo tempo em que a famlia a proprietria dos meios de produo, assume o trabalho no

    estabelecimento produtivo. Estes autores apresentam trs atributos bsicos: gesto, propriedade

    e trabalho familiar.

    Neste trabalho, utilizaremos a denominao agricultor familiar adotada por Silvestro

    (1995), que define como predominncia a interao entre gesto e trabalho, com nfase na

    diversificao produtiva, definio tambm utilizada pelos autores citados acima. Este modelo

    praticado em trs tipologias:

    - agricultura familiar consolidada: estabelecimentos integrados ao mercado e com acesso

    s inovaes tecnolgicas, com adoo de alguns padres empresariais corresponde a

    36% dos estabelecimentos rurais do Oeste Catarinense;4 Apesar dos recursos destinados ao Pronaf terem sido ampliados significativamente, passando de R$ 2,4 bilhes em 2002 para R$ 9 bilhes em 2006, ainda muito inferior em comparao aos destinados ao agronegcio. O volume de recursos disponibilizado agricultura patronal brasileira passou de R$ 27,2 bilhes em 2003/2004, para R$ 39,5 bilhes em 2004/2005 e para R$ 44,3 bilhes no Plano 2005/2006. Disponvel em: www.camara.gov.br/internet/comissao/index/mista/orca/orcamento/OR2006/MENSAGEM/mens/2-pol_setoriais.pdf. Acesso em 27/10/2006.

    27

    http://www.camara.gov.br/internet/comissao/index/mista/orca/orcamento/OR2006/MENSAGEM/mens/2-pol_setoriais.pdfhttp://www.camara.gov.br/internet/comissao/index/mista/orca/orcamento/OR2006/MENSAGEM/mens/2-pol_setoriais.pdf

  • - agricultura familiar de transio: acesso parcial s inovaes tecnolgicas e aos

    mercados, pouco acesso aos programas governamentais corresponde a 36% das

    propriedades;

    - agricultura familiar perifrica: estabelecimentos geralmente inadequados em termos de

    infra-estrutura e cuja integrao produtiva depende de programas governamentais

    corresponde a 28% dos estabelecimentos;

    Ainda devem ser proprietrios, arrendatrios, ou concessionrios de terras, residir no

    meio rural e no dispor de rea superior a quatro mdulos fiscais5.

    As polticas pblicas voltadas agricultura familiar iniciaram no Brasil a partir da

    segunda metade dcada de 1990. O surgimento dessas polticas teve como fatores, que

    podemos apresentar como preponderantes, o crescente quadro de excluso social no campo e o

    fortalecimento dos movimentos sociais rurais.

    Isso revela tanto a fundamental organizao dos agricultores familiares, quanto a

    necessidade de implementar uma efetiva poltica agrcola, destinada a este segmento. Orientar e

    promover a rea rural, a curto, mdio e longo prazo, mantendo e elevando o nvel de vida da

    populao rural torna-se pressuposto de uma poltica agrcola coerente. Mas tal poltica somente

    era identificada nas polticas de safra, e de forma insuficiente. Outros aspectos importantes que

    colocam ao meio rural a necessidade de uma poltica especfica e maiores investimentos a

    inexistncia ou m qualidade de infra-estrutura, sade, educao e lazer.

    Entretanto, o surgimento de polticas pblicas destinadas agricultura familiar no

    garantiu um real investimento no setor. Abramovay (1998) destaca que no incio da dcada de

    90 houve, por parte do governo federal e dos governos estaduais, reduo nos gastos com as

    polticas pblicas voltadas para a agricultura familiar e, muitas vezes, a extino de

    instrumentos existentes. Dessa forma, as poucas aes da poltica foram desmanteladas sem que 5 A unidade de medida padro que caracteriza a agricultura familiar corresponde a quatro mdulos fiscais.

    28

  • novos instrumentos e polticas fossem construdos, sob a gide do iderio neoliberal que prega

    que o mercado deve ser o regulador da produo.

    Retratando o incio da dcada de 1990, Silva Costa (1995, p.45) afirma que,

    As polticas sociais no contexto das prioridades governamentais caracterizam-se pela implementao de um conceito de eficincia, no qual os interesses econmicos prevalecem sobre os interesses sociais [...] por sua vez, a discriminao contra a agricultura familiar reduziu o nvel de investimento, produzindo xodo rural de enormes propores. Esta discriminao realizou-se em diversos setores, inclusive nos investimentos em escolas, sade, saneamento bsico e habitao. Investiu-se excessivamente no meio urbano e quase nada no meio rural. Os poucos que se fizeram foram investimentos direcionados produo [...].(SILVA COSTA, 1995, p.45)

    O primeiro passo para a mudana de mentalidade sobre a poltica destinada aos

    agricultores familiares ocorreu por meio da implementao do Pronaf, no final da dcada de

    1990. O Pronaf prev aes de assistncia tcnica e extenso rural, pesquisa agropecuria,

    capacitao e profissionalizao dos agricultores familiares. Delimita-se, entre outros, em

    melhorar a qualidade de vida no segmento da agricultura familiar, mediante a promoo do

    desenvolvimento rural sustentvel (Brasil 2001:04). Esta poltica foi o prembulo para a

    verificao por parte do Estado da heterogeneidade do meio rural e da necessidade de recursos.

    Silvestro (1995) aponta que a revalorizao da rea rural implica necessariamente uma

    concepo positiva em favor da pequena propriedade rural, com constantes e necessrios

    investimentos estatais. Concepo equivalente tem Abramovay (1998:84), ponderando que a

    agricultura familiar tem contribudo decisivamente para a formao econmica da regio Oeste

    Catarinense. Tambm destaca que,

    A agricultura familiar [...] do oeste catarinense economicamente competitiva [...], e responde adequadamente s polticas de apoio. A crise atual no decorrente da forma de produo familiar, mas da falta de compreenso [...] do potencial dessa forma de produo, desde que convenientemente apoiada. O desafio que se coloca para a sociedade passa pela introduo de opes agrcolas e no-agrcolas, [...]

    29

  • necessitando tambm de arranjos institucionais comprometidos com o desenvolvimento regional.(ABRAMOVAY, 1998, p.84)

    Nas ltimas dcadas diversas crises de fatores conjunturais assolaram a rea rural,

    gerando um quadro de descapitalizao de significativa parcela dos agricultores familiares,

    refletindo na intensificao do xodo rural. Abramovay (1998) constata que houve um

    crescimento negativo6 da populao rural na regio Oeste entre 1991 e 1996. A conseqncia

    das constantes crises passadas pelo setor est expressa na situao colocada anteriormente pelos

    agricultores.

    Abramovay (1998) faz uma anlise da situao dos agricultores familiares de meados da

    dcada de 1990, mostrando a necessidade de mudanas nos rumos da economia. Relata que

    mesmo em contexto de crise no significa a inviabilidade da agricultura familiar, mas a

    necessidade de repensar os moldes atuais de competitividade deste setor. Aponta que a zona

    rural precisa agora ser considerada como base de um conjunto diversificado de atividades,

    injetando alternativas agrcolas e no agrcolas. Diante disso, o Estado tem um papel importante

    no fornecimento dos meios, sobretudo dos recursos econmicos necessrios para a

    implementao de polticas sociais destinadas a este segmento social.

    A perspectiva habitacional, voltada a um meio que nunca antes fora incorporado, surge

    como uma das propostas atuais de poltica social zona rural. Historicamente, as polticas

    pblicas implementadas ao espao rural se focalizavam nos moldes da produtividade.

    Propunham-se aumentar os lucros e os meios produtivos necessrios para tal (mquinas e

    equipamentos). Existiam polticas pblicas com linhas de crdito que auxiliavam no plantio de

    lavouras, compra de equipamentos e construo de infra-estrutura para modernizao do

    campo. O campo era observado somente enquanto perspectiva de trabalho e ganho, e no como

    local de vivncias e de relaes cotidianas familiares e sociais.

    6 ndice de 2% a.a. Silvestro (2001) coloca que o xodo no se constitui um problema em si, mas um indicador da fuga dos jovens aos centros urbanos. Abramovay (1998) constata que 35% das propriedades agrcolas no sabem se tero sucesso.

    30

  • Strapasolas (2004) aponta para a necessidade de inserir a populao rural na dinmica

    econmica e social, pois historicamente,

    A hegemonia de um enfoque essencialmente produtivo das polticas para a agricultura, que vinculava o desenvolvimento rural s potencialidades do setor agrcola, gerou um grave problema de excluso, tanto de territrios como de grupos sociais, marginalizados deste processo [...].

    (STRAPASOLAS, 2004, p.159)

    O Oeste Catarinense se insere no rol das primeiras localidades do pas a usufruir da

    conquista habitacional rural. Segundo o Jornal da Caixa (2006) j foram assinados, desde julho

    do ano passado, quatro mil contratos com agricultores familiares no estado de Santa Catarina,

    para reforma, construo e ampliao da casa prpria. Desde 2003 j foram beneficiadas pela

    poltica habitacional do Governo Federal e CEF mais de 17 mil famlias das zonas rurais de

    todo o Brasil. No total foram aplicados mais de R$ 140 milhes nestes contratos. A atuao

    mais concentrada nos estados do Paran, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde existe um

    grande contingente da populao instalado no campo, trabalhando com agricultura e pecuria

    familiar. O dficit habitacional7 rural catarinense chega, segundo estudo realizado com

    indicadores do ano 2000 pela Fundao Joo Pinheiro (2005) a 24.133 moradias.

    Esse novo contexto vivenciado atualmente est ligado h uma nova forma de pensar a

    agricultura familiar. Mais do que produtividade se pensa em proporcionar qualidade de vida

    quela populao. Mais do que a obra fsica, busca-se identificar a famlia, quem vive

    cotidianamente o meio rural, permitindo entender a realidade local e suas necessidades.

    7 O conceito de dficit habitacional est ligado diretamente s deficincias do estoque de moradia. Compreende tanto aquelas moradias sem condies de serem habitadas devido a precariedade das construes ou em virtude de terem sofrido desgaste da estrutura fsica, quanto necessidade de incremento do estoque, decorrente da cohabitao familiar (FUNDAO JOO PINHEIRO, 2004, p.07)

    31

  • 3. POLTICA HABITACIONAL NO ESPAO RURAL: O SENTIDO PARA A

    AGRICULTURA FAMILIAR NO OESTE CATARINENSE

    3.1 Poltica habitacional para a agricultura familiar: novo caminho em questo

    O enfrentamento do problema de moradia no pas exige uma ampla participao de toda

    a sociedade brasileira, seja de governos, entidades, setor privado, movimentos sociais ou

    cooperativas. Enfrentar o problema da moradia exige aes continuadas e permanentes, de

    mdio e longo prazo, articulando diferentes nveis de administrao pblica e da sociedade

    civil (INSTITUTO CIDADANIA 2000, p.19).

    O dficit habitacional da rea rural, considerando os recursos para a habitao no pas

    anteriormente a 2002, passou margem das preocupaes dos programas habitacionais. A

    realidade encontrada no campo requer a adoo de formas diferenciadas de financiamento. Uma

    necessidade fundamental reside na adaptao das linhas de financiamento realidade rural. Para

    isso, devem ser levadas em considerao o ciclo de atividades agrcolas da famlia/regio, assim

    como as garantias de financiamento, evitando a hipoteca, que geralmente assegura o custeio da

    safra.

    Diante da reduzida capacidade de pagamento dos agricultores familiares, verificada nas

    constantes crises que passa o setor nos ltimos anos, vrias so as alternativas que esto sendo

    criadas para suprir esta demanda. Recursos a fundo perdido, taxas a juros menores dos que o do

    mercado, prazos de pagamento diferenciados so exemplos inseridos nessa nova dinmica. Tais

    fatos se justificam, pois o dficit habitacional rural est basicamente concentrado nas famlias

    com renda de at dois salrios mnimos (INSTITUTO CIDADANIA, 2000, p.22). Isso

  • demonstra que subsidiar se torna fundamental no enfrentamento desta expresso da questo

    social.

    cada vez mais necessria a incorporao da poltica habitacional como instrumento de

    incluso social e de melhoria na qualidade de vida dos cidados. A concretizao da cidadania

    passa tambm por uma moradia digna e saudvel, com uma infra-estrutura adequada.

    A constituio de 1988, em seu artigo 23, inciso IX, garante que de competncia da

    Unio, Estados e Municpios a promoo de programas de construo de moradias e a melhoria

    das condies habitacionais e saneamento bsico. Esse preceito constitucional deve vir aliado

    com outras atribuies de diferentes programas sociais.

    Democratizar e descentralizar os programas sociais, inserindo a populao at hoje

    nunca atendida, pressupe que os programas de interveno sejam concebidos a partir de cada

    realidade, considerando o contexto social, econmico e ambiental especifico. Silva Costa (1995,

    p.38) destaca que democratizar o acesso ao credito indispensvel para viabilizar um

    atendimento massivo s necessidades de habitao no pas. Este mesmo autor tambm pondera

    que essa proposta norteia dois pressupostos principais: o acesso moradia como direito de

    cidadania e a correo de injustias histricas. O acesso moradia digna condio bsica de

    cidadania, devendo receber a mesma ateno de outras reas. Para isso, deve ser tratada como

    prioridade nacional, tendo garantindo recursos e mecanismos institucionais para a concretizao

    deste direito.

    Atualmente existem trs programas habitacionais que atendem a populao rural do

    Oeste Catarinense: Programa de Subsdio Habitao de Interesse Social (PSH), Carta de

    Crdito Operaes Coletivas FGTS (CCFGTS), e Crdito Solidrio (FDS). Sob a tica da

    realidade regional, a necessidade de investimentos pblicos em habitao para a rea rural

    percebida quando se conhece a realidade local. Os programas habitacionais necessitam de

    contnuos subsdios que auxiliem os agricultores familiares a construrem ou reformarem suas

    moradias.

    33

  • Os programas desenvolvidos foram idealizados para o meio urbano, e aos, poucos,

    incorporados realidade rural. O Programa de Subsdio Habitao de Interesse Social (PSH)

    objetiva oferecer acesso moradia adequada a cidados de baixa renda por intermdio da

    concesso de subsdios. O PSH operado com recursos provenientes do Oramento Geral da

    Unio (OGU), atravs do Ministrio das Cidades e conta, ainda, com o aporte de contrapartida

    proveniente dos estados, Distrito Federal e municpios, cooperativas e associaes, sob a forma

    de complementao aos subsdios oferecidos pelo programa. So beneficirios do programa

    pessoas fsicas com rendimento familiar mensal bruto no superior a R$ 900,00.

    Os recursos so disponibilizados por intermdio de oferta pblica de recursos, sendo

    operacionalizados financeiramente pela CEF, que realiza os repasses dos recursos

    correspondentes aos subsdios previstos no programa. A oferta pblica de recursos se d atravs

    de leilo, selecionando dessa forma as instituies que ofeream menores custos de operao.

    Os recursos advm do Banco Central do Brasil.

    Programa PSHModalidade: Leilo SubsidiadoRecurso: variam entre R$ 2.000,00 e R$ 4.500,00Contrapartida: Municpios ou Estados que posteriormente podero ou no cobrar dos beneficiriosPblico Alvo: Agricultores com renda de at R$ 900,00Prazo Devoluo: Variao conforme proposta da entidade promotora (Municpios ou Estados)Fonte dos Recursos: Banco Central do Brasil

    O programa mais acessado na regio Oeste Catarinense atualmente o programa Carta

    de Crdito - Operaes Coletivas - FGTS, resoluo 460. O mesmo foi implantado em 2004 e

    possibilita, para a zona rural, subsdios com recursos do FGTS para a compra de material de

    construo, seja para reforma, ampliao, melhoria ou construo de casa nova. Podem pleitear

    recursos os governos municipais, estaduais, cooperativas habitacionais ou associaes de

    moradores (JORNAL DA CAIXA, 2006). Necessariamente os agricultores devem ser

    organizados por grupos, conforme sua localizao territorial e sua faixa de renda.

    34

  • Assim que os contratos individuais so assinados, trs beneficirios, escolhidos pelo

    grupo, abriro uma conta poupana conjunta que receber os recursos do projeto de todas as

    famlias que fazem parte do grupo. Conta esta que tambm a CEF far a aplicao do recurso

    disponibilizado ao quadro de agricultores selecionados. Essa conta ser de gerenciamento,

    sendo que os pagamentos sero realizados diretamente para o fornecedor do material de

    construo, pela CEF. Os beneficirios faro somente o acompanhamento da liberao dos

    valores.

    Os recursos destinados para tal tm duas formas de aplicao: subsidiado (cauo) ou

    financiado (seguro de crdito). No subsidiado no h necessidade de devoluo dos recursos, j

    que estes so disponibilizados a fundo perdido. O agricultor recebe a fundo perdido R$

    5.990,00, ficando a outra parte de responsabilidade do beneficirio. Esta modalidade est

    prevista para agricultores com renda familiar mensal comprovada de at um salrio mnimo.

    J para o financiado os prazos e juros so diferenciados, facilitando o pagamento. Nesta

    modalidade a renda familiar mensal deve ser maior de R$ 600,00 e menor de R$ 1.500,00,

    sendo parte subsidiada e outra financiada em at 96 meses. A operacionalizao a mesma

    descrita na modalidade de cauo.

    Tanto na modalidade cauo quanto no seguro de crdito os recursos devem

    necessariamente ser aplicados em materiais de construo. Os recursos advm do Fundo de

    Garantia por Tempo de Servio, sendo criado para a rea rural pelo seu Conselho Curador do

    Fundo.

    Programa CCFGTS Operaes ColetivasModalidade: Cauo (fundo perdido)Recurso: R$ 5.907,00 (subsidiado)Contrapartida: R$ 2.093,00Pblico Alvo: Agricultores com renda de 01 S.M.Prazo Devoluo: No h devoluoFonte dos Recursos: FGTS

    35

  • Programa CCFGTS Operaes ColetivasModalidade: Financiamento Recurso: R$ 3.000,00 (subsidiado)Financiado: R$6.000,00Pblico Alvo: Agricultores com renda de R$600,00 a R$ 1.500,00Prazo Devoluo: at 96 mesesFonte dos Recursos: FGTS

    Observa-se que os agricultores com renda entre um salrio mnimo e R$ 600,00 no

    enquadram-se neste programa, que o maior em operacionalizao e recursos atualmente. Isso

    significa que uma parcela da populao rural no est sendo inserida no programa CCFGTS

    Operaes Coletivas, que o principal programa atualmente. Dessa forma, faz-se necessrio

    rever os critrios utilizados pelo programa, para que todos os agricultores familiares possam ter

    acesso ao direito que a habitao.

    O Programa Crdito Solidrio tem sua fonte de recursos no Fundo de Desenvolvimento

    Social (FDS), criado pelo Conselho Curador do Fundo e regulamentado pelo Ministrio das

    Cidades. Tendo como objetivo atender as necessidades habitacionais da populao de baixa

    renda, as famlias devem possuir at trs salrios mnimos. O financiamento para os

    beneficirios da rea rural pode ser de at R$ 10.000,00 para a construo e R$ 7.500,00 para

    reforma ou ampliao, sendo que o prazo para pagamento pode se estender em at 240 meses.

    Os valores para o pagamento das parcelas variam de acordo com o financiamento realizado,

    sendo pago aproximadamente R$ 42,00 mensais pelo financiamento de R$10,0000,00, e cerca

    de R$ 32,00 mensais pelo recurso de R$ 7,500,00, isso em 240 meses.

    Programa Crdito SolidrioModalidade: Financiamento Recurso: R$ 10.000,00 construo R$ 7.500,00 reformaContrapartida: No hPblico Alvo: Agricultores com renda de at 03 S.M.Prazo Devoluo: at 240 mesesFonte dos Recursos: FDS

    Uma das exigncias do programa que os beneficirios devem estar necessariamente

    organizados por cooperativas ou associaes com fins habitacionais. Estas, devem organizar a

    36

  • participao de todos os envolvidos na execuo do empreendimento, de forma a assegurar

    sincronismo e harmonia na implementao do projeto, promovendo aes necessrias para o

    planejamento, elaborao e implementao do projeto. Ao mesmo tempo, desenvolver o Projeto

    do Empreendimento e do Trabalho Tcnico Social, que obrigatrio nesse programa.

    Tendo a necessidade de organizao por cooperativas ou associaes, os beneficirios

    devem estar em um grupo de, no mnimo 20 famlias, que abriro uma nica conta corrente,

    ficando dois beneficirios e um representante do agente organizador como responsveis pela

    sua movimentao. Esta conta bancria receber os recursos do financiamento de todas as

    famlias.

    Como percebido nos programas, os movimentos e organizaes dos agricultores

    familiares cumprem papel relevante na proposta. So participantes no sistema de gesto e

    controle, contribuindo na efetividade da destinao de recursos, ou seja, que estes cheguem de

    modo adequado ao seu destino. Tambm atuam na operacionalizao do programa, garantindo a

    construo de uma moradia digna e a melhora na qualidade de vida de cada beneficirio.

    A maior entidade (no-pblica) no estado de Santa Catarina que atua na rea de

    habitao rural a Cooperativa de Habitao dos Agricultores Familiares dos Trs Estados do

    Sul COOPERHAF. Ligada Fetraf-Sul e atuando nos trs estados do sul do pas, tem como

    objetivo principal planejar, construir e reformar moradias para agricultores familiares,

    melhorando sua habitao e sua qualidade de vida. Em Santa Catarina, a Cooperhaf atua em

    100 municpios, sempre em parceria seja com os sindicatos filiados Fetraf-Sul ou com as

    cooperativas do Sistema Cresol Central8. Sua maior rea de atuao no estado, bem como na

    regio sul, est concentrada na regio Oeste Catarinense.

    8 A Cresol Central um sistema integrado de cooperativas singulares de crdito com atuao em dois estados do Sul (Santa Catarina e Rio Grande do Sul), voltadas para financiar a Agricultura Familiar. Constitudas e dirigidas por agricultores familiares, as cooperativas se organizam de forma vertical, sendo a CRESOL CENTRAL responsvel pelo relacionamento com o Banco Central e Governo Federal, administrando os programas de crdito. Existem bases regionais que operam com autonomia, respeitando os princpios definidos pela Cresol Central. O sistema mantm parcerias com diferentes organizaes da Agricultura Familiar, seja em nvel local, regional ou nacional, visando preservar uma linha de atuao coerente com os interesses da Agricultura Familiar. Entre os parceiros estratgicos do sistema esto ONGs, cooperativas de produo, de eletrificao, de habitao e sindicatos. Mais informaes: www.cresolcentral.com.br

    37

  • Segundo o Estatuto da entidade, alm de efetuar planos e projetos para a melhoria das

    habitaes dos agricultores familiares, a cooperativa tem como princpio a capacitao e

    formao dos agricultores, criando alternativas para a permanncia destes no campo. A

    Cooperhaf torna-se o agente operacionalizador da poltica de habitao rural, construindo

    projetos e buscando recursos junto s trs esferas de governo.

    3.2 Entrevistas: entendendo a realidade pesquisada

    Identificar os sentidos dessa nova poltica, seja para os agricultores familiares ou para os

    agentes institucionais envolvidos em sua implementao e operacionalizao, perceber qual o

    sentido desta, o que eles pensam o como eles sentem essa poltica. Spink (2004:49) aponta que

    trabalhar no nvel da produo de sentidos9 implica retomar tambm a linha da histria, de

    modo a entender a construo social dos conceitos que utilizamos no cotidiano de dar sentido

    ao mundo.

    A dinmica das relaes sociais historicamente datada e culturalmente localizada. Isso

    implica em entender que os sentidos so construdos por termos a partir dos quais os sujeitos

    compreendem e lidam com as situaes e fenmenos a sua volta (Spink 2004:41). Buscando

    possveis ressignificaes, posicionamentos diante das relaes sociais interpretando a dinmica

    dos elementos constitutivos da vida cotidiana atravs das prticas discursivas apresentadas.

    Isso se incorpora diante da compreenso do conhecimento, digamos mais concreto, que

    as pessoas tm da realidade. Pois, ela sendo construda socialmente, isto , sendo a realidade um

    produto humano em sua objetivao do real, apreender o que o sentido do outro, com suas

    9 Ver Mary Jane Spink (2004), que aborda a construo dos sentidos sob uma abordagem construcionista, dentro da psicologia social.

    38

  • interaes, verificando como os sujeitos vem esta nova perspectiva habitacional fundamental

    para compreendermos a prpria dinmica da vida destes sujeitos.

    Souza (1995, p.20) aponta que dar voz ao outro tem um outro e profundo significado.

    Aprender vivncias que no so objeto de preocupaes do poder institudo, aprender pontos de

    vista dos excludos socialmente, cuja excluso j comea pela prpria falta de acesso,

    prerrogativa para entender as reais significaes da poltica habitacional rural. Souza (1995,

    p.10) ainda considera que so nos discursos que encontramos o sentido das coisas, nas quais os

    sujeitos se revelaram em seus novos espaos.

    Entendendo o sentido desta poltica ao outro, realizando uma pesquisa qualitativa,

    apresentamos as entrevistas realizadas caracterizando aqui quem foram os entrevistados. Trs

    agricultores familiares, sempre com o casal, de microrregies distintas:

    - entrevistado e entrevistada 01 de Quilombo _ Linha So Jos: tem duas filhas, residindo

    tambm o pai e a me da esposa, que reformou sua moradia atravs do programa

    Crdito Solidrio;

    - entrevistado e entrevistada 02 de Xavantina _ Linha Pinhal Preto: tem um casal de filhos

    e moram sozinhos na zona rural, que construiu uma nova moradia utilizando o

    programa CCFGTS Operaes Coletivas modalidade cauo;

    - entrevistado e entrevistada 03 de So Miguel do Oeste _ Linha Emboaba: tem um filho

    de sete anos e concluiu e ampliou sua moradia por intermdio do programa CCFGTS

    modalidade Seguro de Crdito. O casal saiu do interior para tentar a vida na cidade de

    So Miguel do Oeste. Ele se formou em tcnico de enfermagem e ela em tcnico de

    alimentos. H quatro anos voltaram para a zona rural, quando foram residir com os pais

    do Entrevistado.

    39

  • A diviso das entrevistas em trs municpios diferentes, abrangeu trs distintas

    microrregies do Oeste Catarinense: Quilombo AMOSC; Xavantina AMAUC; e So

    Miguel do Oeste AMEOSC.

    Tambm foram entrevistados os agentes operacionalizadores do programa de habitao

    rural:

    - entrevistado 04 representante da Redur Chapec, pela CEF: filho de agricultores

    familiares, reside em Chapec desde o ano de 1988, sendo formado em administrao com pos

    em gesto empresarial, trabalhando na CEF desde 1982;

    - entrevistada 05 representante da Cooperhaf Santa Catarina: agricultora familiar e

    sindicalista, reside no municpio de Quilombo, tem trs filhos, estando a frente da entidade

    desde sua fundao, em 2001.

    3.2.1 Cooperhaf e CEF: a viso dos agentes institucionais dos programas habitacionais

    O enfrentamento massivo do problema da habitao no pas exige a estruturao de uma

    rede de agentes promotores locais, capazes de implementar uma gama diversificada de

    programas e projetos habitacionais. A descentralizao de estrutura, responsabilidade e

    recursos, um aspecto indispensvel para o sucesso da estratgia estabelecida (INSTITUTO

    CIDADANIA, 2000, p.28).

    Idealizado nesse contexto, a CEF, principal promotora junto ao Governo Federal da

    poltica habitacional h dcadas, descentralizou alguns servios e criou um novo setor interno

    para atender a problemtica. Essa descentralizao, inicialmente administrativa, configurou um

    40

  • primeiro passo na busca de um atendimento adequado e de verificao de demandas locais.

    Foram criadas as Representaes de Desenvolvimento Urbano (REDUR) da CEF, que fazem o

    acompanhamento e avaliaes de projetos de diferentes reas, como habitao, saneamento e

    infra-estrutura. Essas representaes possibilitam uma interveno mais prxima junto s

    entidades e a populao, possibilitando assim perceber a real demanda. Dessa forma, facilita o

    acesso informao, ao objeto proposto, aumentando a possibilidade de liberao de recursos

    para os projetos requeridos. Apesar disso, observa-se que o pensar polticas pblicas e o

    atendimento ao meio urbano permanece antecedendo ao rural. Isso se demonstra na prpria

    denominao do setor da CEF, onde o urbano aparece em destaque.

    Em Santa Catarina, anteriormente criao das Redurs, os municpios ou entidades se

    deslocavam at a capital do estado para enviar projeto e fazer requisies. Hoje h quatro Redur

    s em Santa Catarina10, sendo uma em Chapec, que atende 127 municpios, tendo como rea de

    abrangncia desde o extremo oeste at o planalto norte catarinense.

    Essa descentralizao dos servios aliou-se descentralizao tambm dos recursos. Os

    investimentos da poltica habitacional em dcadas anteriores eram exclusivamente para atender

    a classe mdia urbana brasileira. A classe de baixa renda no tinha acesso ao crdito

    habitacional, ficando margem das polticas adotadas pelos governos. De acordo com Maricato

    (1987:75), a maior demanda est concentrada na populao de menor poder aquisitivo,

    necessitando de programas que os atendam.

    O entrevistado 04 pondera que, no somente a poltica habitacional rural, mas tambm

    quela voltada ao espao urbano tem pela primeira vez a lgica direcionada para a populao

    pobre:

    No urbano tiveram diversos momentos em que houve investimentos fortes, depois se retraiu de novo, mas assim sempre pior [...] nunca com o objetivo de atender essa demanda que ns estamos atendendo hoje, que o pessoal de baixa renda e, principalmente nesse caso, que trabalha na agricultura. Primeiro foram feitos alguns projetos pilotos pra ver de que forma se aplicariam esses recursos na rea rural. Ento em 2004 se iniciou um projeto piloto com a Cooperhaf no sul do pas,

    10 As Redurs esto, alm de Chapec, em Blumenau, Joinville e Cricima, sendo que em Florianpolis localiza-se a Gidur (gerncia regional das Redurs).

    41

  • inclusive tinha um normativo exclusivo para a Cooperhaf, para financiamento de material de construo para a rea rural. (entrevistado 04).

    A entrevistada 05 observa as difceis condies dos agricultores familiares e a

    necessidade de incluso social destes nas polticas existentes:

    Ns atendemos agricultores familiares, em sua maioria que sozinhos no tinham condies de reformar ou construir sozinhos suas casas, principalmente depois de constantes crises, que descapitalizou o agricultor. Essa uma forma de incluso dos agricultores. (entrevistada 05).

    Ao propiciar a poltica de habitao queles que historicamente foram excludos,

    modificou-se tambm a lgica agrcola, que mais do que a produtividade da propriedade,

    prioriou-se as pessoas que ali residem e se relacionam. Para estas famlias os financiamento de

    chiqueiros, avirios e maquinrios passam a ficar em segundo plano, se destacando agora a

    necessidade de bem estar e qualidade de vida das famlias agricultoras, que passa

    necessariamente pela habitao.

    Os entrevistados ponderam da importncia desta poltica na vida dos beneficirios e a

    mudana na lgica da observao de investimentos da rea rural:

    No adianta voc ter recursos somente pra financiar galpes ou chiqueires se voc no consegue dar uma melhor qualidade de vida pra esse agricultor. uma forma tambm de distribuir renda e de estar melhorando a qualidade de vida das pessoas. (entrevistado 04)

    A preocupao com a propriedade importante, pois dali que tu tira o teu sustento. Mas o ambiente, o local onde tu mora com a tua famlia bem mais importante [...] Um animal no pode viver melhor do que uma pessoa, e era isso que muitas vezes acontecia. (entrevistada 05)

    Em outro momento, a Entrevistada 05 considera:

    Muitas vezes o agricultor precisava somente de um empurro pra melhorar sua auto-estima. Voc v quem que no fica melhor com a casa reformada, com uma casa

    42

  • nova. uma satisfao sentida no rosto das pessoas quando a casa t pronta. Os recursos foram um empurro pra melhorar a vida, a auto-estima dos agricultores. A melhor coisa tu chegar pra visitar a casa pronta e eles vir te receber dizendo que era um sonho, agora eu tenho minha casa. (entrevistada 05)

    Melhorar a vida do agricultor familiar fundamental, mas necessita-se tambm

    conhecer quem so estes sujeitos para a implementao de polticas efetivas, e voltadas

    realidade rural. A diferenciao de categorias colocado por Silvestro (2001): os capitalizados,

    os em transio e os descapitalizados possibilita-nos conhecer melhor os agricultores familiares

    da regio. Dessa forma se proporcionar uma poltica agrcola inerente a esse segmento social,

    seja na sua idealizao ou na sua implementao.

    Conhecer as demandas com que so trabalhadas uma das principais caractersticas

    colocadas pelos entrevistados na implementao destes programas,

    T mais prximo das demandas, daquelas pessoas que precisam, e uma possibilidade de saber com quem estamos trabalhando [...] e no precisam toda vez os municpios e as entidades estar se deslocando at a capital para buscar informaes e encaminhamento de projetos. (entrevistado 04).

    A Cooperhaf nasceu da necessidade da Fetraf suprir a demanda de habitao, por isso ns atuamos nos sindicatos, na base, desde que este esteja organizado. Isso nos permite conhecer quem o nosso pblico, pra quem a gente t trabalhando. Alm do mais, a maioria dos nossos colaboradores tm alguma ligao com a agricultura familiar, isso facilita o trabalho, pois mesmo quem faz o trabalho burocrtico sabe pra quem e pra qu ns trabalhamos. (entrevistada 05).

    Conhecer a demanda que ser trabalhada o primeiro passo para realizar um trabalho

    satisfatrio. A Cooperhaf uma cooperativa de habitao dos agricultores familiares, que

    tambm dirigida por agricultores familiares. Esse conhecimento da realidade se d pois a

    Cooperativa tem entre seu quadro de colaboradores pessoas ligadas agricultura familiar, seja

    por seus pais, avs ou familiares prximos. Vale ressaltar que vrios destes colaboradores

    iniciaram trabalhando nos sindicatos municipais. A prpria direo da Cooperativa formada

    somente por agricultores familiares, que tambm so diretores sindicais.

    43

  • Este contexto fortalece a Cooperativa no condizente compreenso da realidade,

    percebendo o agricultor familiar como sujeito de direito, e por conseguinte, a habitao como

    ampliao da cidadania. Ao mesmo tempo condiciona a atuao com a necessidade de

    organizao dos sindicatos para acessar os programas habitacionais, outro meio para fortalecer

    a agricultura familiar.

    Os agricultores familiares necessariamente tm que acessar o programa de forma

    coletiva, ou seja, tem que haver uma organizao entre os agricultores atravs de grupos

    especficos, conforme enquadramento do programa. Esta organizao feita pelos sindicatos

    rurais, que contam com assessoria da Cooperhaf. Os entrevistados apontam como fundamental

    este tipo de organizao, pois dessa forma se permite que haja uma melhor aplicao dos

    recursos, com acompanhamento da equipe tcnica da entidade.

    At porque no tinha como t atendendo a cada um individualmente e o prprio programa prev isso, que se trabalhe de forma coletiva. Ento no tem como atender individualmente um ou outro agricultor, at pela demanda que se tem. (entrevistado 04).

    Quanto mais organizado o sindicato, melhor pra ns trabalhar e tambm bom pro agricultor, pois sindicato organizado sindicato forte, e o sindicato tem uma atuao maior do que s a habitao. A prpria Cooperhaf tem uma atuao maior do que o habitacional. Vamos alm da casa: temos capacitaes com as famlias sobre sindicalismo, cooperativismo, organizao da propriedade, horta, pomar, jardim, gnero, a gente no s quer construir a casa e reformar, mas capacitar a famlia, porque no podemos s fazer a casa e pronto. Essa formao feita durante a obra, em encontros que a famlia participa do projeto social. (entrevistada 05)

    Com a insero da Cooperhaf na implementao desta poltica pblica, nota-se a

    mobilizao de entidades em torno da proposta de habitao rural, na qual o Estado tem um

    papel fundamental, mas no mais exclusivo. A organizao da sociedade civil se torna

    fundamental nesse processo para concretizao de uma proposta inovadora no pas at ento.

    Esse movimento no to somente desejvel como indispensvel, para que o direito moradia

    integre a construo de um projeto nacional, cuja sua continuidade e sua plena realizao seja

    44

  • garantida para alm das mudanas de gesto de Estado (INSTITUTO CIDADANIA, 2000,

    p.11).

    Enfrentar o problema da moradia exige aes continuadas e permanentes, articulando

    diferentes nveis da administrao pblica e da sociedade. Orientar a atuao e percepo da

    moradia, no seu princpio e diretriz como direito social, conceber a moradia como digna e um

    padro mnimo que garanta qualidade e conforto vinculado infra-estrutura bsica (gua,

    energia eltrica, esgoto adequado) e com equipamentos comunitrios (educao, sade,

    transporte, lazer, etc), (SILVA COSTA, 1995, p.54). Isso requer que a poltica habitacional

    seja articulada s demais polticas setoriais, bem como com a insero de diversas instituies e

    entidades afins, garantindo sua funo social.

    A participao de diferentes tipos de agentes descentralizados, a quem cabe o papel de interveno junto ao usurio final, torna-se decisiva para o sucesso da proposta [...] Conhecendo as realidades locais e regionais, estes agentes podem buscar solues mais baratas e apropriadas, garantindo melhores resultados em termos de qualidade, custo e participao popular (INSTITUTO CIDADANIA, 2000, p.20).

    Neste novo contexto de implementao de polticas pblicas, a responsabilidade sai

    exclusivamente das mos do poder pblico, dividindo com organizaes, entidades e

    instituies. Silva Costa (1995, p.39) aponta que as cooperativas habitacionais devero ser

    incentivadas como alternativa de produzir e financiar moradia para os segmentos que at hoje

    no foram contempladas pelo Estado. Aliada a construo das moradias deve haver firme

    preocupao com a qualidade de vida, alm de uma boa infra-estrutura. Esta viso rompe com

    aquelas setoriais das polticas pblicas tradicionais e segmentadas.

    A ampliao do papel do Estado como agente indutor de polticas sociais, deve articular

    a implantao de prticas descentralizadas que insira o envolvimento da sociedade no processo

    de ampliao da cidadania. De acordo com Jacobi (2005, p.34) isso consolida propostas

    participativas de ampliao de prticas representativas da sociedade civil organizada, atravs de

    45

  • um conjunto de mecanismos institucionais que reconheam direitos efetivamente realizveis ou

    implementveis.

    A transferncia de funes que ora so exercidas pelo poder pblico deve enquadram-se

    no que podemos chamar de cooperao, com as instituies da sociedade civil. A perspectiva de

    descentralizao da implementao das polticas pblicas, torna-se pressuposto de uma

    descentralizao poltico-administrati