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HEERS, Jacques. O Trabalho Na Idade Média

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HEERS, Jacques. O Trabalho Na Idade Média

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; ~ A ES EUROPANAMÉ-RICA~~~~~~" ~------~-

Na mesmacolecçãoe sobre temasafins do tratadono presentevolume:

N." 5-As Origensda Burguesia-Re.ginePernoud

Livro que, estudando o fenómeno da burguesia, na suaorigem e evoluçãohistórica, ofereceum quadro de funda-mental importãncia para compreendera evoluçãohistóricada Europa.

N." 51-As Cidadesda Idade Média- Remi Pirenne

O livro onde se assiste ao viver quotidiano dos homensmedievais,na sua projecçãosobre o evoluir da sociedadeeuropeia.

N." 76- QueÉ o Feudalismo?-F.-L. Ganshof

Um estudo praticamenteexaustivo das instituições feudo-vassálicas,indispensávelpara quem desejecolocar na per-spectiva do seu enquadramentohistórico a evolução dasociedadeeuropeia.

N." 99-A ReooluçâoIndustrial da IdadeMédia-Jean Gimpel

Um livro de extraordinário interessee profunda erudição,onde se demonstraser na Idade Média que devesituar-se,em rigor, a primeira revoluçãoindustrial.

N." 125-0 Mito da IdadeMédia- ReginePernoud,A ideia segundoa qual a Idade Média teria sidoa épocadetrevas, injusta e bárbara, é desmistificadanesta obra, assi-nada por um grande especialista,numa linguagemséria edesenvoltaondea ironia vai depar coma erudição.

o TRABALHONA IDADE MÉDIA

r:

PUBLICAÇõES EUROPA-AM~RICA

Título original: Le travail au Moyen Age (3." edição,publicada por PressesUniversitaires de France,colo((Quesais-jel»)

Tradução de CascaisFranco

Capa: estúdios P. E.A.

© 1965, Presses Universitaires de France

Direitos reservadosporPublicaçõesEuropa-América, Lda.

Nenhuma parte desta publicação pode ser re-produzida ou transmitida por qualquer formaou por qualquer processo,electrónico, mecânicoou fotográfico, incluindo fotocópia, xerocópia ougravação, sem autorização prévia e escrita 00editor. Exceptua-se naturalmente a transcriçãode pequenos textos ou passagenspara apresen-tação ou crítica do livro. Esta excepção nãodeve de modo nenhum ser interpretada comosendoextensiva à transcrição de textos em reco-lhas antológicas ou similares donde resulte pre-juízo para o interessepela obra. Os transgres-sores são passíveis de procedimento judicial

Editor: Francisco Lyon de Castro

Edição n." 1145/2746'

Execuçãotécnica:Gráfica Europam, Lda.,Mira-Sintra+Mem Martins

Introdução

('i\ptTULO I-A terra

I - Q; marginais: lenhadorese pastoresII - Os camponesessedentáriosIII - Hierarquiasdascondições e dasfortunas

('APtTULO II - O artesanato e a indústria

I - Q; art.fices no mundo ruralII - Artfices e companheirosnascidades .III - Condiçãodosobreiros.. .IV - A cidadee as indústriasrurais

CAPÍTULO III - Os quadros sociais: Corriunidades. Con-frarias. Mesteres .

I -'As comunidadesaldeãs .II - As confrarias. Vida religiosa. Cerimóniase jogosIII - As associações de mesteresIV -Conclusões: O trabalho e os meiossociaisno Oci-

dentemedieval

CAPÍTULO IV -O trabalho fora da Europa ocidental.

I - No mundo bizantinoII - Nospa'ses muçulmanos

Rihliof?rafiasumária

ÍNDICE

Pág.

13

16

182642

57

577892

100

108

109115 •121

127

130

130135

143

r

INTRODUÇÃO

Durante muito tempo, os historiadores das econo-IIl1aS c das sociedades atribuíram uma importância con-idcrável ao estudo das técnicas: utensílios ou meios de

IIansporte, por exemplo. Nesta óptica, nascida de umaoncepção bastante racionalista da história, todo o pro-

pl csso humano estava necessariamente ligado ao aper-lciçoamento de algumas técnicas fundamentais.

Os nossos manuais mostravam-nos os diversos aca-'os e fortunas desta conquista do progresso material.

história da Idade Média, período obscuro em que ohomem, sem dúvida por preguiça intelectual, cansaçoou obstinação, nada encontrara de essencial, rematava.om um empolado capítulo em glória das «grandes in-venções» que teriam finalmente permitido ao Ocidentesair do ramerrão. Assim, estas invenções técnicas anun-ciavam muito naturalmente o fim da Idade Média e umanova era. Para certos autores, o mínimo melhoramentodos utensílios afigura-se prenhe de consequências. Algu-mas inovações a que se não prestava atenção teriam re-volucionado a vida quotidiana, a economia, a condiçãodos trabalhadores e toda a estrutura social de uma épo-ca. Lefebvre des Noêttes, no seu famoso tratado sobre omodo de atrelagem dos cavalos, publicado em 1931,

14 JACQUES HEERS

afirmava que a invenção da coleira de atrelagem, no sé-culo XIII, permitiu desde logo aumentar o rendimentodos animais de tiro, transportar facilmente produtosmais pesados, tornar menos necessário o trabalho doshomens, sendo assim uma das razões -se não a razãodeterminante- da supressão da escravatura, chaga so-cial do mundo antigo. Explicação lógica, modelo deconstrução histórica, que depressa se tornou célebre esuscitou mais de uma vocação. Os historiadores encon-traram então uma ou várias invenções na origem de ca-da revolução social ou económica, de cada aconteci-mento notável. Recorreram ao leme de cadaste, à bússo-la (inovações que remontam de facto aos anos 1200) e àcaravela (que esteve longe de ser geralmente adoptada)para explicar as grandes viagens e as descobertas maríti-mas dos Portugueses e Espanhóis. Certos autores tenta-ram mesmo definir uma civilização a partir do empregodeste ou daquele utensílio. Por exemplo, no caso doamanho dos campos: civilização mediterrânica do ara-do, civilização nórdica da charrua - distinções que sa-bemos agora serem absolutamente inexactas. Daí, sem-pre nesta óptica, a tónica posta no estudo das técnicas,não só para as descrever e precisar, mas também paranelas encontrar explicações dos modos de vida ou atédas estruturas sociais. Daí, ainda mais pueris, os esfor-ços para determinar exactamente as datas das «inven-ções» e, sobretudo, os países que podem reivindicar arespectiva paternidade.

Por sorte, esta concepção um pouco simplista da his-tória económica e social tem sido cada vez mais abando-nada, ou pelo menos fortemente matizada. A tesede Le-febvre des Noêttes, tão célebre no seu tempo, já só é ci-tada para lembrança. Sabemos igualmente que importa

(1 I RABALHO NA IDADE MÉDIA

11uar algo muito diferente da caravela e da vela latinalia origem das grandes descobertas marítimas.

O utensílio nem sempre é determinado pela procurade um aperfeiçoamento contínuo; pesa sobre ele umconjunto de hábitos, de tradições, de interditos. Por ou-IIo lado, se o utensílio impõe ao homem os seusgestosquotidianos e, em certa medida, o seu género de vida, acondição do trabalhador, essa, é inseparável de todo oontcxto económico e social da época, o qual não pode-

lia ser transformado ou comprometido por um simples.11' .rfeiçoamento material.

Logo, é mais em função das estruturas sociais, dasI luções de homem a homem, da organização das eco-nomias e das empresas que convém perspectivar umalustória do trabalho no Ocidente medieval. Mas não éIII1Itil recordar em seguida, muito rapidamente, as ca-I ictcristicas das civilizações, próximas do nosso mundoocidental, nos países bizantinos e muçulmanos. Este. ame, forçosamente limitado a alguns aspectos essen-iui , permite contudo sublinhar certas concordâncias

ou cambiantes; como, por exemplo, no que respeita aosIII oblemas da coesão das comunidades aldeãs ou, sobre-tudo nas cidades, do papel das associações de mesteres.I'cllnite também, por vezes, definir algumas herançaslongínquas e ver em que medida as civilizações antigas,l'lIl particular a de Roma, marcaram as «medievais» doOriente e do Ocidente.

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CAPÍTULO I

A TERRA

Falar de «sociedadefeudal» para todo o Ocidentecristão afigura-se,do ponto devistaeconómicoesocial,um artifício cómodo, uma generalização abusiva.É uma afirmação de todo em todo gratuita, que corres-pondesemdúvida a um esquemaideológico, datandodehá mais decemanos!, a uma espéciedecredo, masquetodos os estudossériosdesmentemformalmente. Osdi-reitos dos senhoressobreo vilão não seexerciamemto-da a parte com o mesmorigor. Eram muito numerososos homensque possuíambenspróprios pelosquais nãopagavam foro nem corveia. No Sul da Europa, e emmuitas outras regiões,o alódio livre formava a maioriadasterras. Por outro lado, diante da influência dos se-nhores, exercia-seamiúde, menosbemconhecida,a dascomunidadescamponesas,que impunham igualmenteos seusconstrangimentose assuasservidões;nalgumasregiões,estascomunidadesnuncatinham reconhecidoaum senhoro direito de possuir e de governar as terras;noutras, haviam-selibertado relativamentecedodasser-vidões mais pesadase mais aviltantes.

Este mundo dos camposparece,na verdade, muitodiverso. A abundânciados documentosjurídicos relati-

I) TRABALHO NA IDADE MÉDIA

vosaoslaçossenhores-camponeses,a dificuldade, ao in-ves,deapreender,por falta detextos, a vida doscampo-1\ scslivresedascomunidadesaldeãs,finalmente o rele-vo dado inicialmente pelos historiadores aos paísesdoNorte conduziram a exagerara importância, a extensãol O rigor da senhoria fundiária no mundo cristão doOcidente.

A feudalidade, de resto um fenómenopolítico assazcomplexoe muito variável segundoasregiões,não cor-respondianecessariamente,do ponto de vista económi-co, à senhoria fundiária. Esta não representavao qua-dro obrigatório de todo o trabalho agrário; ela não im-punha a sua lei em toda a parte.

Além disso, a própria ocupaçãodo solo peloscam-ponesessedentários, agricultores, parece, ao longo detoda a Idade Média, muito imperfeita e bastantedesi-ual. Por volta do ano 800, a conquista camponesadas

t nas do Ocidentedá a impressãodeestarlongedecon-cluída. Os terrenos agrícolas,submetidosa uma explo-ração permanentee ao ritmo regular das sementeiras,Ieduziam-sea alguns «oásis de cultura» perdidos nosImensos«desertos» das florestas, dos pântanos e daspastagensalpinas, onde o cultivador seaventuravapou-co. Mesmomuito mais tarde, apóso extraordinário êxi-to dosgrandesarroteamentosque fizeram recuarpor to-da a parte ascharnecase os baldios, a ocupaçãoseden-tária permanecia ainda muito limitada. Às áreasbemcultivadas continuavam a opor-se regiõesinteiras, malencetadaspelos trabalhos dos homens,unicamenteani-madas pela apanha dos frutos naturais, pelas buscasmais ou menos aventurosasdos caçadores,pela passa-gem dos rebanhos. Assim, à margem dos quadros so-ciais tradicionais e sedentários,senhoriasou comunida-

aber 145-2

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18 JACQUES HEERS 'H H/ALHO NA IDADE MÉDIA 19

des aldeãs, viviam frequentemente, numa vizinhançachegada, populaçõesmal estabelecidas,seminómadas,por vezeshostis.

I - Os marginais: lenhadorese pastores

1. A EXPLORAÇÃO DOS RECURSOSNATURAIS. - Re-servade madeiradestinadaà construçãodascasas,dosedifícios públicosou dos navios, dasobrasdearte deto-dos os géneros,aos utensílios, vasilhame, recipienteseinstrumentos de cozinha, às sebes,paliçadase barreirasem torno dos pomares,dastapadase dashortas, aoses-teios das vinhas, às escorasdas minas, assim como àsrodasdoscarros,a floresta eraobjecto deatentoscuida-dos, de uma exploração não já aleatória mas racional.Com muita frequência, as vendasde madeira represen-tavam uma parteessencial,ou atéprimordial, dosrendi-mentossenhoriais,os dos príncipes,dos grandessenho-res, dos burguesesrecém-adquiridores, das comunida-desurbanas.Oscortes, espaçadosem intervalos regula-res mas variáveisconsoanteasárvores, arrendadosporempreiteirosespecializados,levadosa cabo por equipasde lenhadoresinstaladasem acampamentosprovisórios,reservavam passagensestritamente limitadas para oscarros e, acimade tudo, eram logo a seguir replantadosdeárvoresnovas,protegidos, interditos a qualquer trân-sito dos vizinhose dos animais. Estecorte dasmadeirasfoi realmenteuma das grandespreocupações,uma dasmais fortes actividadesdo mundo campesino.

Por seuturno, os camponesesdos arredores,princi-palmente os pobres, aventuravam-senos bosquesaber-tos, nasmatasdecorte, por vezesaté,emcertasestações

1\. 1110, nas florestas de árvoresde grande porte à pro-111.1 de lenhasecaou demadeiranova caídapara fabri-111 111 os seusutensíliose para seaquecerem;a imagemI" pobrehomem, da mulher idosa, arrastando atrásdeI 11111 pesadomolho de lenha é um dos temasmais co-

nla, ridos do folclore rural francês.l-m 1303, os estatutos da colonge (comunidadeal-

o ) de Sundhofen, na Alsácia, precisavamque:

1\(" colongerstêm o direito de ir um dia antesdo Natal à floresta1111 ícpcnde da mairie, com a mesmaatrelagemqueconduziram à Ia-, t. r de aí apanhar madeira secaou cortada; sea não encontrarem,

I "'" direito de subir às árvorese de cortar tantos ramos quantos os1'" puderemcarregar ... O quecarregaro seucarro de tal modo que

I I IlC .cssitedeum empurrão paraarrancarpagarátantasvezestrinta1111\ quantosos empurrõesque der.»

Os homensdas aldeias apanhavamtambém folha-1111 para os animais, cascadoscarvalhospara curtir as

I' lcs, argila para a sua louça de cozinha. Além disso,111111um os frutos silvestres,tão variados e tão aprecia-

do lia época-as bagasdeairela,os mirtilos, aspeque-u maçãssilvestrese asperas-, os favos demel ou os

I1 ames.Acima de tudo, a floresta era uma reservainesgotá-

\ \ I de caçae, pelo menosnos primeiros tempos, supria111 larga meàida as insuficiênciasda criação de gado e

ti I alimentação cárnea. A caça ocupava um lugar pri-IIHlI dial na vida quotidiana e nas actividades de cada1111I. Antesdemais desporto, treino para osrudesexerci-110,' da guerra, perseguiçãoarriscadada caçagrossa,do1 wuli, de venábulo na mão, a caçadasenhorial afirma-

I ve a sim aomesmotempo como símbolo depotência,di virilidade, e como um privilégio social. Posterior-

20 JACQUES HEERS /I \IIAl HO NA IDADE MÉDIA

nhoras dos pântanos, recebiam todos os anos fo-I I .unponeses avaliados em centenas ou em milharesI 111 uias; sobressaía neste aspecto a catedral de Ely,

I 11 poderosa sobre os Fens, cujo nome seria derivado deI ( enguias). Alguns colégios de pescadores de en-

111 I controlavam esta pesca na costa italiana do Adriá-11111; eram bastante influentes em Ravena. No interiorII terras, as abadias conservavam cuidadosamente os

\I lagos nos recôncavos dos vales; nas terras pantano-til Bresseou de Sologne, os senhores arranjavam nu-

111 Iosus lagoas para a criação do peixe destinado às suas111<' IS ou ao mercado. Noutros sítios, era a apanha do

" 1I0S pântanos litorais da baía de Bourgneuf ou nasI II'IS marinhas do Baixo Ródano; em Inglaterra, na

I I Ioriental, os homens dos salt boilers vil/ages faziamqlllu:r e evaporar a água do mar sobre fogueiras de

I \I I I.

• A CRIAÇÃO SELVAGEM: A GUARDA SOLTA DOS ANI-

I A floresta, as charnecas, os baldios e os pânta-11 I ofereciam, ao longo de toda a Idade Média, terre-I I de pastio, muitas vezes disputados, submetidos sem111 Ida a regras restritas, mas sempre preciosos para a111,11.1 miúda, que para lá podia enviar algumas cabeçasli •••do.

(h bois, os carneiros e os cavalos alimentavam-se daI -cração rasteira das clareiras das matas. Os campone-, Il vavam as suas varas de porcos, animais semi-selva-I nv, por vezesperigosos, a comer os frutos, nomeada-

1111 IIIl' os da faia-do-norte, e as bolotas. Certas cornuni-huk s camponesas, instaladas na orla dos bosques ou

1I vastas clareiras ainda mal arroteadas, viviam assimIJlllIUS da caça, da colheita dos frutos e, antes de tudo,

21

mente, torna-se uma arte difícil, uma ocasião de encon-tros e de festejos, sobretudo uma ostentação, como tes-temunham os numerosos tratados especializados de queé exemplo o célebre Livre de Ia chasseoferecido a Gas-ton Phcebus, conde de Foix. Este manual, ornado de ri-cas miniaturas, descrevia com uma extraordinária pro-fusão de pormenores todas as noções e todos os artifí-cios da caça aos animais nobres, sem esquecer a maneirade camuflar os criados sob coberturas de ramagens;igualmente todas as convenções.

Para a gente pobre dos campos a caça constituíasempre uma parca indústria de todos os dias, busca deum pouco de carne fresca, de couro ou de peles; mas ovilão só podia armar os seus laços e as suas redes à caçamiúda.

Outros mundos difíceis, à margem dos terrenos agrí-colas conquistados, os pântanos conservavam as suaspróprias actividades e os seus estilos de vida originais.Também neste caso economia de recolecção.

Terras hostis sem dúvida, os pântanos ofereciamcontudo aos aldeões, estabelecidos sobre os outeirosameaçados pelas águas, apreciáveis recursos. Havia aapanha da turfa, indústria bastante activa nos Fens in-gleses, onde cada família camponesa colhia a sua parte,cuidadosamente fixada de antemão. Esta turfa era ob-jecto de um bom comércio, avaliado à beschiée, quanti-dade arrancada com uma só pazada. Havia também aapanha dos juncos e das canas: ainda em Inglaterra, cer-tas aldeias inteiras do Cambridgeshire viviam destesjuncos revendidos para fora. Depois a árdua caça aosanimais selvagens na altura das grandes passagens deOutono. Sobretudo a pesca às enguias e aos peixes deágua doce. No Levante inglês, as comunidades religio-

22 JACQUES HEERS /I I 110 NA IDADE MÉDIA 23

da apanhada bolota. As inquirições estabelecidas,em1084-1086, em Inglaterra por Guilherme-o-Conquista-dor -as do célebreDomesdayBook- indicam o nú-mero exactodeporcos quecadafloresta podenutrir. NaAlemanha do Norte, na região de Osnabrück, os cam-ponesesnão seinteressavamnem pelo corte dasárvoresnem pelo arroteamento dasclareiras, mas velavamcio-samentepelaregulamentaçãoda apanhada bolota epe-la protecçãodoscarvalhosnovoscontra a passagemdosrebanhos.Aqui, os foros senhoriais,já nos anos 1200,são todos pagosem porcos; astenências(tenures)cam-ponesasconsistiamunicamentenum certo direito deusona floresta, para um número de porcos previamentefi-xado. Tipo perfeito de uma sociedadede guardadoresde gado silvícolas.

Tal como a floresta, o pântano torna-se sobretudoum terreno de pastio, a partir do momento em que oscamponesesempreenderama sua conquista. Todos oscontratos deestabelecimentodecidadesnovas, sobreasterras bonificadas, mostram os homensexplorando du-rante muito tempo redis, depois vacarias, muito antesde semearemcereais arriscados nestas terras difíceis.Imensosrebanhospercorriam assimasterrassemi-inun-dadas. Esta gente dos pauis agrupava-se em fortescomunidades de pastores; submetidas a leis severas-a /ex et consuetudomaris do Levante inglês-, po-diam mesmoalugar vastaspastagensaosaldeõesafasta-dos. Fontedegrandesganhos,a criaçãoselvagemimpôsos seuscostumes,os seusritmos regulados pelasesta-çõese assuasestruturas sociaisparticulares. Nos Fensingleses,os habitantes formavam «círculos» -sokes-'quereuniam vários burgos rurais para a exploraçãodetodo um pântano; os seusbeleguinse os seustribunais

II I 1111sobreo fen e dirigiam os grandesajuntamen-1111 IIS para a ferra do gado; então, durante três dias

lI\1ilCS, uma vintena de homensmontados em ca-I ,oul ros circulando em barcas ligeiras, todos con-

11 1110por um bailio ; vigiavam, fiscalizavame conta-1110\ rebanhos, Outro exemplo de uma economia

I III0l spccializada,deuma civilização nascidada cria-I rcnsiva de gado sobreas terras marginais, de que

1111pulse do Ocidente conservaramdurante muito1111'0,I marca.

IlIlluvia, quer se tratassede florestas ou de pânta-o \C nhor, proprietário degrandessolaresvizinhos,

Ii urdo o príncipe, detentor do poder político, tenta-I 1'1\CI var o respectivouso para proteger os seusbos-

1" , ISsuascoutadas, os seuspróprios rebanhos. Osd.1Inglaterra tinham estabelecido,na orla dos seus

I IlIdl" bosquesou nas clareiras, vastasherdadesde• \I degado, vacchariae,deváriascentenasdereses,

11I11.Idasa intendentesespecializadosajudadospor nu-I 111. os beleguinsou criados. O mesmoaconteciacomI I J osgrandessenhoresdo Ocidente:o condede Hai-

IIUI, por exemplo, ou os senhoresda Bretanha, queI uuiuham coudelarias e criavam manadasde cavalosI I cn em plena floresta e nas charnecas.

tstas pretensõessenhoriaisafirmavam-sepela proi-I I I I d entrada degadosedo corte deárvoresnosbos-(111 ,pela reservade tapadasde coelhosbravos (garen-

" l, deparques(parks), demoitas queserviamderefú-I I. caça(breuils), ondeosvilãos não podiam entrar, a

"\I r, por vezes,emrarasocasiões,rigorosamentevi-I \tIos, acompanhadospor servidoresdo dono da flo-

1.1 (citemos o momento da apanha da bolotaIIII/dée- para osporcos,cenabemconhecidagraças

24 JACQUES HEERS

r

a alguns documentos iconográficos, miniaturas, frescos~ escultu~~s~do~labores dos mesesnos pórticos das igre-jas). A vigilância dos bosques implica uma polícia parti-cular, a dos guardas-florestais (jorestiers) ou dos vedo-res das matas (verdiers), assim como a dos guardas decolmeias (bigres) na Normandia, para velar pelos enxa-mes de abelhas. Reuniam-se todos os anos, na corte se-nhorial, neste ou naquele importante burgo ou no claus-tro de uma abadia vizinha, assembleias em que sejulga-vam os processos relativos a cada zona florestal a cargode um vedor (plaids de verderie)e que tomavam conhe-cimento de todos os delitos, infligiam multas ou penascorporais, em nome de uma jurisdição muito particularcomplexa e muitas vezesbastante difícil de definir. Seosreis de Inglaterra puderam, a partir de Henrique IIPlantageneta, impor um severo Estatuto da floresta,noutros pontos, sobretudo na França do Norte, o costu-me só se fixa muito lentamente e reflecte conflitos inter-mináveis. A elaboração do Costumeirodasflorestas daNormandia, compilado por Heitor de Chartres, legistaao serviço do rei na Picardia e na Normandia, exigiu uminquérito levado a cabo durante cerca de vinte anos (de1388 a 1405), o qual recolheu mais de mil depoimentosde camponeses pertencentes a trezentas e cinquenta pa-

. róquias dos arredores.

De qualquer modo, este direito ou estes costumesprovocam contestações sem fim e assinalam o talvezmais pesado e mais detestado de todos os constrangi-mentos senhoriais.

3. OS PASTORES TRANSUMANTES. - As deslocaçõesde grandes rebanhos em longos percursos eram poucofrequentes no início da Idade Média. Porém, desde os

IDADE MÉDIA 25

I O(). os textos permitem também apreender me-I I migrações humanas em busca de pastagens sa-I l.lS afirmam-se em seguida, organizam-se emmpresas, impõem as suas leis e as suas devasta-

.' I ricultores, o seu ritmo às diversas actividadesI 11. O exemplo mais espectacular é, decerto, o

I uul s rebanhos da Mesta de Espanha, associa-tli.! I poderosa dos proprietários de carneiros. TrêsI 111mS e cerca de três milhões de animais! À cabe-

uhores ricos, duques ou abades, têm trinta ou111I mil carneiros. Exércitos de pastores conduzi-

11" lodos os anos das pastagens de Verão do Norte• I do ul - os extremos-, através de toda a Pe-

111I. por três ou quatro caminhos claramente traça-11/1111veis -as cafiadas-, cujos cruzamentos se

111I 11I1na altura das feiras da Mesta. Toda a vida11/111dos planaltos de Castela seguia este lento

1/11111110dos pastores nómadas,uuca-se idêntica actividade dos pegureiros tran-

1111111\.nos Alpes do Sul, entre as pastagens da altaI I I "lha, as feiras ao pé dos colos e as aldeias da Pro-" I para onde os animais voltavam no Inverno. Na

.1 de Pisa, as grandes deslocações periódicas liga-111 IlIdos os anos a planície litoral ou as terras baixas

111seto e os altos vales do Apenino: Garfagnana,I II Serchio, Valdarno; guiam-se rebanhos de mil a

I Il 11111animais através das veredas das montanhas. OsI 1111("do vale de Ossau conduziam os seus carneirosI 1I n uório de Pau, danificavam as colheitas, invadiam

h IIIlCCaSe as colinas, destruíam as sebes ao redorlI11pOS;violentos conflitos opunham todos os anos

\I 11dadores de gado montanheses seminómadas aos111ulrorcs sedentários da planície. Exemplo do choque

26 JACQUES HEERS

manifesto entre duaseconomias,a dosnómadase a dossedentários,dois tipos de vida rural, dequesofriam en-tão, no Ocidente, todos os paísesdo Piemonte.

II - Os camponeses sedentários

1. A ECONOMIA CEREALÍFERA; OS UTENSÍLIOS DOCULTlVADOR. - Os tratados de agricultura susceptíveisde dar uma imagemfiel e completa da vida dos campo-neses,sedentáriose agricultores, dos seusutensílios e,dos seuslabores, são demasiado raros. O historiadorreporta-sedeboavontadeaosmanuaisinglesesdosanos1200:aFleta, aHusbandry, a Seneschaucie,ou ainda osde Walter de Henleye de Robert Grosseteste,redigidosemintençãodosdonosdosgrandessolares;mastrata-seapenasde livros particulares, que interessavamsomentea exploraçõesmodelares,de tipo especulativo,sobreso-los muito cuidados.

Encontramos mais diversidade e vida nos calendá-rios, esculpidos nos pórticos românicos ou góticos,pintadossobreasparedesdasigrejasou, maistarde, noslivros de horas dos senhorese dos burgueses.Infeliz-mente,estesdesenhos,amiúde ingénuos,revelam-seim-perfeitos; àsvezeseram obra de citadinos, pouco preo-cupadosem traduzir o pormenor precisoecontentando--se em reproduzir antigos modelos. É por estasrazõesque a história dastécnicasrurais referentea estaépocadeveantesde mais recorrer a testemunhosindirectos econfrontar constantementeas suasfontes. Donde o in-teressedos inventários e, em primeiro lugar, dos ricospolípticos no momento em que Carlos Magno e os aba-desdos grandesmosteirosdiligenciavampor ser «agri-

O TRABALHO NA IDADE MÉDIA 27

cultores exemplares».Estaspesquisasprogrediram nosúltimos temposcom êxito suficientepara quesejapossí-vel traçar um quadro razoavelmenteprecisoda vida doscamposno Ocidentemedieval cristão.

Os utensíliosdo camponêsparecemainda rudimen-tares e as suaspráticas evidentementeprimitivas.

A civilização medieval, neste aspecto, permaneciauma civilização da madeira e o utensílio de ferro nãopassavadeum luxo, fora de alcancepara a maioria dosvilãos. Em muitos utensílios, o ferro só era empreguepara aspartescortantes: extremidadeda relha da char-rua, fio da enxada(por volta de 1200ainda havia enxa-das inteiramente em madeira); para esmagaros torrõesdeterra, o camponêsmunia-sesempredegrandesmaçosde madeira manejadoscom grande ímpeto.

As foices,muito caras,com assuascompridas lâmi-nasde ferro, apenasserviampara os prados do senhor,quenão hesitavaemgastarna alimentaçãoda suacava-laria. A ceifa, trabalho campesino,fazia-sesemprecomuma foice de curta lâmina dentada(donde a expressãoentão usual de «serrar os cereais»).Escultorese ilumi-nistasmostram-noso homem de pé, cortando muito al-to um punhado de caules.Prática que atestaao mesmotempo o elevadopreço das lâminas de ferro e o vigordosconstrangimentossociais:defacto, o campoceifadoeraemseguidaentregueaospobresda aldeia, queali vi-nham buscara palha destinadaà cobertura das casaseàscamaspara o gado; motivo peloqual o costumeproi-bia que secortasseo restolho rente ao solo.

A única forma cultural «mecânica» era a lavra.A tradição rural e o vocabulário do momento acentuambem a dignidade social inerente ao «lavrador», ao ho-mem capazdemanter charrua e animaisde tracção. Os

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outros vilãos eram pobresqueapenaspodiam trabalharcom assuasmãos: «jornaleiros», «braçais».É quea la-vrá custavamuito caro e açambarcavatodos osrecursosda exploração; muitas vezesa fortuna dos grandesdo-mínios era avaliada em alfaias de lavra e assuascontasindicam queestaoperaçãoexigia,por si só, maisdinhei-ro que todos os outros trabalhos anuais juntos.

Os lavradores utilizavam então quer a charrua quero arado. Estesdois instrumentos foram durante muitotempo mal conhecidospeloshistoriadoresdastécnicaseda economia rural. Vários autores, largamente segui-dos, já que o esquemapor elesproposto, aliás sedutor,tinha o mérito de uma grande simplicidade, pensaramque estesdois instrumentos haviam determinado todasasactividadesdo homem-tipos de arroteamento, for-masculturais- e introduzido uma oposiçãofundamen-tal entre certaspaisagensagrárias ou mesmocertases-truturas aldeãs. Tais teorias excessivasapoiavam-senum estudoimperfeito dos utensílios, o qual afirmava,por exemplo, que o arado era forçosamenteum instru-mento semrodase semcarretadianteira. Com efeito, sea charruaera frequentementemais complexae compor-tava, alémda relha, o temãoe asrabiças, uma segapos-ta à frente da relha e por vezesuma aiveca, seela eraquasesempremontada sobrerodas e, a partir dos anos1100,em certospaíses,munida de uma carreta diantei-ra, nem por isso se pode dizer que sejam estesos seuselementosverdadeiramentecaracterísticos.A única di-ferençaessencialé que ela se apresenta, relativamenteao arado, como um instrumento dissimétrico. O aradotraça o sulcosemremovera terra; a charrua atira-a parao lado, o que permite arejar melhor o solo.e enterrar aservas. Para tal, basta que a relha seja forjada de uma

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forma particular, dissimétrica; na previsãodest~.traba-lho, a própria charrua não é exactamenteequilibradaem torno do seueixo. Quanto à «orelha» ou a aiveca,peçasanexas, ajudam apenasa arremessara terra deuma forma regular.

A repartição geográficadosdois instrumentos.'nestaépoca, é ainda praticamente impossível.de p~eclsar;?vocabulário é demasiadoincerto, demasiadofiel a anti-gastradições. Em todo o caso,podemos,com tod~ a se-gurança, negar a ideia de uma civilização agrán~ ~?Norte marcadapelo usoda charrua, opostaa umaCIVIlI-zação do Sul, marcadapelo arado. Esteúltimo encontra--se não só nas regiõesmediterrânicas e nos paísesdemontanha, mas também nos camposda Escandináviaeatéda Inglaterra. TrabalhosrecentesdehistoriadoresdaEuropa central insistem no facto de que a charrua, jáutilizada desdehá bastantetempo pelos povos eslavos,teria, a partir daí, atingido a Europa ocidental. Talveznão seja inexacto; mas o essencialé assinalarbem queestasnovas práticas só se impuseram pouco a pouco;antesdemais, parece,nos terrenosricos, cultivadosdes-de há mais tempo, onde os proprietários procuravamobter melhores rendimentos.

Outros historiadoresexageraramcertamentemuito aimportância de algumasinovações,como o jugo frontalpara os bois e a coleira de atrelagem para os cavalos.A bem dizer, o único «progresso»,porquanto não erapossívelmultiplicar o número de animais atrelados àscharruas, foi a substituição-progressivado boi pelo ca-valo, por volta de 1250;estastransformaçõesafectaramsomentecertasregiõesprivilegiadas: asplaníciesda ba-cia parisiense,da França do Leste e da Alemanha. Ostratadosde agronomia ingleses,sebemquedestinadosa

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cultivadas, ainda muito vulneráveisnos nossosclimas.Porém, entre regiõesvizinhas, pode mesmodizer-seen-tre civilizações agrárias, as diferenças são grandes.O rendimento sobreossoloslevesepobres,por exemplonospaísesmediterrânicos, não ultrapassatrêsou quatropor um nos anos mais favoráveis. Todavia, é bemcertoque um estudo geográfico dos rendimentosde então seremete,no estadoactual dos conhecimentos,para o do-mínio da utopia, de tal modo é grande a variedadedosterrenosagrícolas nestaépoca.

Por outro lado, deveríamospreservar-nosde umaimagem excessivamentesombria. A economia «medie-val» não é forçosamente uma economia de penúria oudemiséria; o homem deentãonão éo homemdascaver-nas. Vários autores pensamque a estimativa dos rendi-mentosassentasobrecálculosincertos e pecapor dema-siado pessimista. Seja como for, estes rendimentos,inclusive em França, evoluíram sem dúvida pouco atécercados anos 1840.Comparadoscom os da épocaac-tual elesrivalizam facilmente com os dasregiõesde fra-co nível técnico e, peranteos dos paísesmais evoluídos,não parecem verdadeiramentecatastróficos (vinte porum nos melhorescasos,no Ocidente, hoje em dia). En-fim e sobretudo, a insegurançaalimentar, a fome, nãocessararrrcom o fim da Idade Média; estesflagelos, tãofrequentes,por vezestão durosnosanos1800,atormen-tam ainda nos nossosdias numerosospaíses,primitivosou não, alguns até bastanteindustrializados.

Vemosassim que a ideia de estruturassociaisou deníveis alimentares ligados a um certo grau de aperfei-coamentodastécnicasnão passaafinal de uma tesesemha esreais.

domínios ricos, desaconselhamformalmente, durantemuito tempo, o empregodo cavalo: é demasiadoonero-soe deveserconstantementeferrado. Além disso,é me-nos poderosoe não convémao arroteamento dos solos,ainda mal conquistados,ou aosterritórios de relevo di-fícil.

A vantagem do cavalo é sobretudo a de trabalharmaisdepressae, logo, demultiplicar aslavrasno mesmocampo, a fim de seobteremmelhorescolheitas. O culti-vador já efectuavaquasesempretrês lavras, com inter-valosirregulares:para enterraro restodosrestolhos,de-pois aservasquenão tardavam a brotar, finalmente pa-ra tornar o solo adequadoàssementeiras.Então, graçasao cavalo, pôde fazer até seisou setelavras nos melho-rescampos,a fim de despedaçare arejar de modo maiseficaz a terra.

Assim, o uso da charrua e o do cavalo assinalamuma espéciede último aperfeiçoamentona história daspráticasagráriasdo Ocidentemedieval.Elessóseimpu-seramnos terrenos muito ricos -nos quais, por outrolado, fora introduzido o afolhamento trienal-, onde ohomemjá não procurava somentearrotear novos solos,masaumentaros seusrendimentossobreuma terra des-de há muito conquistada.

No conjunto, os rendimentosdesta épocaparecemainda fracos. Para os cereais,elesnão ultrapassamsetea oito grãospor um semeado,nasboasterrasenosanosclementes.

A estamediocridadevemjuntar-se a dramática irre-gularidade das colheitas comprometidas ou arruinadaspelasgeadasou pelaschuvasprolongadas.Estasituaçãoprecáriaexplica-sepelainsuficiênciadosprocessosagrá-rios, dosaduboseestrumes,pela fragilidade dasplantas

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("

2. OS REBANHOS E O PASTOR SEDENTÁRIO. - Mais in-teressante parece ser a oposição entre diferentes formasde vida rural. Todos os países do Ocidente estão longede conhecer, mesmo no fim da Idade Média, uma autên-tica economia agrária, solidamente fixada, permanente-mente senhora do solo. Decerto que conhecemos os re-sultados espectaculares dos grandes arroteamentos que,sobretudo entre os anos 950 e 1250, revolucionaramprofundamente o aspecto dos nossos campos. Mas asterras conquistadas estavam frequentemente ameaçadaspelo retorno dos baldios ou dos bosques. O lavradortrazia um pequeno machado que lhe servia para re~araras rabiças do utensílio, mas também para cortar raizes eramos ainda enterrados no solo. O camponês, a fim deevitar o esgotamento das terras, devia aceitar este retor-no dos baldios e deixar os seus campos repousar algumtempo entre as semeaduras. Por vezeseram apenas pou-sios de um ano em cada dois (rotação bienal) ou mes~oem cada três (rotação trienal). Noutros lugares, ao In-vés o homem contentava-se com apressadas searas so-bre' as queimadas arrancadas durante um curto períodoà floresta; no ano seguinte, levava para outro lado o se,ucampo e as suas sementeiras. Destas culturas tempora-rias, itinerantes, que lembram as práticas dos mont~-nheses da Ásia oriental, encontraría~os no nosso OCI-dente medieval numerosos exemplos. E o caso, sobretu-do das montanhas antigas: Ardenas, Maciço Central,Escócia onde estas terrasfrias , que apenas tinham cam-pos temporários de acaso no meio dos baldios, se opu-nham aos campos permanentes dos vales e das planícies,às terrasquentes,as únicas onde o homem reinava como

senhor.Assim, quase sempre, até em zonas de estabeleci-

mentos sedentários, vizinhavam, por vezesna mesma al-deia, os baldios e os bosques, terras de percurso para osanimais, e os campos conquistados e defendidos pelosagricultores. No Oeste da França, nas regiões do Sul, asterras semeadas (o ager) eram nitidamente separadasdas deixadas incultas (o saltusy, florestas degradadas,charnecas, silvados e bosques ralos destinados à passa-gem dos homens e dos rebanhos; era, por vezes, a terragasteou waste,sobretudo nas regiões de montanha.

Havia mesmo certos países onde a fronteira se afir-mava nitidamente, se inscrevia na paisagem, através deuma barreira ou de um muro de pedra; dois mundos di-ferentes, hostis, defrontavam-se então. Assim, era mui-to frequente na Alemanha a divisão entre Feldwirtschafte Einwirtschaft, tal como na Escócia entre in-field eout-field. Nas aldeias da Sardenha, as terras regular-mente semeadas formavam a vidazzone (terras da habi-tacione),separadas por um muro fortificado furado porportas guardadas, para a passagem dos rebanhos. Cadacamponês devia jurar defender os campos contra o gadoindomado, semi-selvagem (rude), confiado ~os pas-tores.

Contudo, esta separação entre os dois mundos, entrea criação de animais e a agricultura, nem sempre era tãonítida. Muito pelo contrário. A economia rural do Oci-dente assentava com muita frequência numa associaçãogado-cereais; os mesmos solos agrícolas, os mesmoscampos, acolhiam alternadamente as sementeiras e aspastagens. Neste caso, a vida dos rebanhos impunhaforçosamente severos constrangimentos às comunidadesaldeãs; ela ditava a sua lei. Exigindo antes de mais, parao rebanho comunal, o direito de pasto livre (vainepãtu-re), que entregava ao gado os restolhos e as ervas dos

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que reunia os animais dos pobres; mais adiante, ao in-vés,os ricos camponesesou o lorde do solar em Ingla-terra possuíamnumerososcarneiros e reservavarn-lhesgrandesprados cercados,parques umbrosos plantadosde árvores. Assim, pouco a pouco, por volta do fim daIdade Média, antigas regiões abertas viram erguer-sebarreiras permanentesque separavamos camposculti-vadosdos solosdestinadosao percursodosanimais. Osmovimentosdas enclosures, anunciadoem Inglaterra apartir dos anos 1300,prosseguiudurantemuito tempo ehaveria de marcar toda a vida do país.

*

Sedentárioou nómada, pegureiro das florestas, dospântanosou daslongínquasmontanhas,o pastor, man-tido pelo grande senhor ou pela comunidade aldeã, é,em todo o Ocidente, um dos grandespersonagensdaslendasedo folclore da época.Muito antesdo tempo daspastorelas, distingue-senitidamente dos outros traba-lhadoresdos campos.Os textos jurídicos, em particularasaudiênciasdosprocessose um grandenúmero decar-tas de remissão, as contas senhoriais, os manuais deagricultura, asnarrativas popularesou asfarsasburles-cas,assimcomotoda a espéciededocumentosiconográ-ficas, mostram-no muito amiúde.

Em 1379,João de Brie dedicavaa Carlos V um tra-tado intitulado Le bon berger(O Bom Pastor), ondeen-sinava a maneira de conduzir os rebanhose descrevialongamenteo vestuário, os utensíliose os atributos dopegureiro.O pastor apresenta-se,antesdemais, armadotil um longo bordão encurvado, por vezesmunido depontasde ferro, ou, emcertasregiões,deum cajado (co

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campos recentementeceifados ou os terrenos incultosdos pousios, os quais não eram semeadosdurante umano inteiro, ou atémais. Estedireito absoluto implicavaa proibição de cercar -o banon na Normandia- comtudo o que não fossembarreiras levesrapidamentereti-radas logo apósa recolha dos produtos agrícolas. Estedireito impunha tambémuma paisagemagrária particu-lar: era preciso, a fim de evitar a vagabundagemdosanimais sobre os campos semeados,juntar em blocoscompactosasterrasdeixadasempousiono mesmoano;donde essesquartos (quartiers), essasfolhas (soles)quedividiam regularmenteo terreno agrícola aldeão. Eraigualmentenecessáriorespeitarum severocalendáriodetodos os trabalhosagráriossob a direcçãodoschefesdealdeias. O que leva certoshistoriadoresa sustentarqueos rebanhose ospastoresseriamresponsáveispelaspai-sagensde open-fietd, pelosafolhamentosregularesepe-las práticas colectivas,ou mesmocomunitárias em cer-tos casos.Não temosdúvida de quea explicaçãoé exa-gerada: as disciplinas colectivastambém se impunhamentão, por vezescom força, emregiõesdecamposcerca-dos. Mas é verdadeque esta associaçãogado-cereais,uma das mais salientesoriginalidades das zonas ruraisdo Ocidentemedievo,marcou profundamenteos traba-lhos e os dias dasnossascomunidadesaldeãs.

Por outro lado, a história das nossascomunidadesrústicas foi constantementeabaladapor estesconflitosentre os pastorese os camponesesirritados com os pre-juízos causadospelas passagensdemasiadofrequentesdos animais.

Tais conflitos reflectiam tambémásperasrivalidadessociais;aqui, os lavradoresda aldeiaqueriam manter assuasterras fora da passagemde um rebanho comunal

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tudo, da enxertia, prática bastante complexa e subtil.Acerca de tudo isto dissertavam longamente váriasobras repetidasvezestranscritas.

Os manuais de agricultura árabesou hispano-ára-bes,então muito numerosos,falam, quasesempre,dasdiversasformas de tratar as árvores de fruto, asolivei-ras, asvinhas, ospequenoscamposdelinho, dealgodãoou degranza; asGeopônicas,compilaçõesde conselhosaoscamponesesgregosreunidospor ordem deConstan-tino Porfirogeneta, referem-seantesdemais àsvinhaseàsoliveiras, à enxertiadasárvores,à criaçãodeabelhas.Esteslivros eram bem conhecidose largamentedifundi-dos no Ocidente. Alguns autores imitaram-nos em vá-rios pontos. A preocupaçãocom asárvoresmerecemes-mo lugar principal no Liber rura/ium commodorum, doitaliano Pedro de Crescens,que Carlos V mandou tra-duzir (Livre des Prouffiz Champêtres); as miniaturasqueilustram o magnífico exemplarda Biblioteca do Ar-senalmostram amiúde os ciprestesdos jardins persas.Sobre os frescosdas igrejas ou os livros de horas dospríncipes,os calendáriosdosmesesconcediamtanta im-portância ao tamanho dasvideirase dasárvores,àsvin-dimase aos lagares,como aoslaboresda ceifa ou àsvi-gílias do pastor.

Hortas irrigadas. - Se os Muçulmanos foram osprimeiros a retomar à sua conta os trabalhos de irriga-ção dosPersasou dos Romanos,tambéméverdadequeestasmesmastécnicassubtis sereencontramnos paísescristãosda Europa meridional. É o casodasplaníciesevalesdo Rossilhão, onde o tribunal dos prebostesdashortas (ossobreposatsdeIahorta) regulamentavaminu-ciosamentea repartição da água. É também o das pe-quenashuertas das planícieslitorais da Ligúria, na de-

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pastor estátão nobrementeataviado com o seucajado,segundoo seuestadode pastorícia, como o estariaumbispo ou um abadecom o seubáculo ou como um bomhomem de armas está bem ataviado e seguro quandotem um bom gládio para a guerra»). Traz sempretúni-ca, manto ou capa de pano grosso por vezesforrado(cno Inverno os pastoresestão vestidos de fato de lãbem espessade tecido felpudo tosquiado alto, forradode raposa,pois é o forro maisquentede todos»). À suacintura estãoatadoso seusurrão (cpara pôr o pão paraele e para o seucão»), uma faca de talhar e sobretudouma caixa de unguentospara tratar os animaisdoentes(co bom pastor deveandar tão pouco sema suacaixadeunguentocomo o notário deveestarsema escrivaninha,pois é o maisnotável e necessáriodos seusinstrumentose utensilios»),Vive numa cabanaqueconstruiu sozinhona cerca,por vezesmontadasobrerodase «levadaatrásdos animais».

(

3. HORTELÃOS E VINHATEIROS. - A horticultura nãoé, mesmo no Ocidente, um simples complemento aostrabalhosdoscampos,masantesum labor essencialqueocupa um lugar assazimportante na nossacivilizaçãomedieval. À herança seminómadadas apressadasse-menteirassobrequeimadasou doscamposdecereaisen-treguesmuitas vezesao pastoreio livre, opunham-seassólidase antigastradiçõesdos hortelãos sedentários.

Esta arte das hortas, difícil, inspirada por uma ver-dadeira ciência ancestral, requeria um perfeito desem-baraço no domínio das técnicas,doutas para a época,da preparaçãodos solos e dos adubos, da escolhadosterrenose dasexposições,da luta nessestempostão ár-dua contra a bicharia, da selecçãodas plantase, sobre-

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bração dosofícios. Ostrabalhosde R. Dion apresentamargumentosmais sólidos: até cercade 1250,a gentedoOcidente, inclusive nas cidades,preferiu os vinhos cla-ros e ligeiramenteácidos- como é o casodos deParis,célebresentre todos - aosvinhos do Oriente e do Sul,queachavademasiadoespessoselicorosos. Mais tarde ogosto mudou; mas esta «ofensiva dos vinhos fortes»,que provocou um belo incremento dos vinhedosmedi-terrânicos no Ocidente, atraiu também a atenção dosmercadosurbanos para os da Borgonha ou do vale doLoire.

Sejacomo for, a cultura da vinha apenassedesen-volveuem função dos mercadospróximos (cidade,corteepiscopalou principesca)e dos rios, vias de comunica-ção fáceis.É assimqueseexplicao êxito bemconhecidodosvinhedosde Bordéus(cpara queo vinho sejabom, épreciso que a vinha veja o mar», dizia-se na zona doMédoc) e da região de Auxerre, onde, segundocontaFra Salimbene,religioso franciscano italiano de passa-gem por estasterras no tempo de Luís IX:

«As pessoasnão semeiam,não ceifam, não amontoam nos celei-ros. Basta-Ihesenviar os seusvinhospara Parispelo rio quepassaper-to e descepara lá. A venda do vinho nestacidade proporciona-Ihesbonsganhos,que Ihespagam inteiramentea comida e o vestuário.»

Digamostambém que a vinha, planta mediterrânicaarriscadanestasregiõesdo Norte, requer, paraproduzirvinhosapreciadosevendidosfora do domínio, cuidadosfiéis e constantes, que só uma vigilância senhorial- principesca ou monástica- podia exigir. Trabalhode camponêssemdúvida, massemprecontrolado pelossenhoresou, indirectamente, pelos mercadores, seusclientes.Em 1338,osalmotacés deMetz já ordenavama

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sembocaduradastorrentesdamontanha, drenadasesa-neadasnosanos1200-1250:a deAlbengaé famosapelassuas«ervas»e os seuscamposde linho, erguendo-seaíVillanova, um grandeburgo muito recente(fundado em1288),deseverasmuralhasdetijolos vermelhos,nascidoda citada obra de beneficiação. Mais activa ainda, ahuerta deGénova,construídadefio a pavio sobreosIo-dos do rio Bisagno,colonizadapelosconventosda cida-de e seusmeeiros (métayers), vindos dos lugarejos damontanha: minúsculos quadradosde terras, separadospor estreitosaterros, cuidadosamentedispostossobreasencostas,e, por toda a parte, grandespoçoscompicota.Todos ospleitos, ou quase,queperturbavama pazdestepovoléu necessitadode hortelãos decidiam, tambémaqui, conflitos de água. Aos mercadosde hortaliças dacidade,a genteda huerta vizinha levavaos seusfrutos,os seusfenosacabadosdecortar fossequal fossea épo-cado ano, esobretudomelanciaseabóborasdequalida-de admirável e desconcertante.

A vinha. - O trabalho da vinha deveu-se,muito pe-lo contrário, à iniciativa e à direcçãodosricos. Tornou--seum lugar-comum acentuara dispersãodos vinhedosna Idade Média através de toda a Europa ocidental eapontar cerradosaventurososmesmona Inglaterra, nasplaníciesda Alemanha e na Escandinávia. Os grandesvinhedos especializadosque se afirmaram ocupavammuitas vezesterras pouco favoráveis, sob climas difí-ceis. Alguns invocam, para explicar a necessidadedeproduzir por toda a parte, no próprio lugar, asdificul-dadesdetransportar vinhos queseconservavammal emtóneis sujeitos a desconjuntar-seao longo das estradasmal reparadas;acentuamtambém, e decertoexageram,asnecessidadesdascomunidadesreligiosas,para a cele-

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cerematravésdas incisões».O dono mandavatambémpreparar estrumee depoisdevia vigiar os amanhos,vá-rias vezespor ano, para «calçar» e «descalçar»os pés;viam-seentão osoperáriosdeenxadaempunho. Em se-guida vinham, antesdasvindimas, a desparrae a abla-ção dos pâmpanos.

arrancadurados pésde gamay, bacelosnovos que ape-nasdão um vinho mau «deservidor». Meio séculomaistarde, Filipe-a-Audaz censuravaduramenteosseussúb-ditos «ávidos de possuíremuma grande quantidade devinhos», à custada qualidade;proibia formalmente queseespalhassemadubosnascercasdevinha equeseplan-tassem na Barganha os gamays demasiado comuns,cujo vinho, «cheio de um enorme e horrível amargar,setorna de todo em todo fétido».

Não havia manual de agricultura italiano ou espa-nhol quenãodissertasselongamentesobreoscuidadosadar à vinha. Estudavam em primeiro lugar os bacelos,bastantenumerosos,asqualidadesapropriadas do soloe mais ainda as diferentes exposições.Depois vinha amaneira de escolhere plantar os sarmentose sobretudoo enxerto,operaçãodelicadamasessencial,quesefatiaentão, consoanteoscasos,dequatro ou decincomanei-ras diferentes,e exigia infinitas precauções.

(

«Para não fender o tronco», diz um autor espanhol, «atai-o forte-mente em baixo, próximo da incisão ... ; efectuai a enxertia debaixo de

terra, no sítio onde a vinha é mais tenra e onde ela pegar melhor. Utili-zai uma lâmina fina para alisar a incisão, uma faca para fender o tron-co, uma cunha da grossura do polegar. A incisão deve ser direita.Convém que os sarmentos sejam escolhidos na melhor parte da cepa,que sejam produtivos, lisos, sãos, com grandes botões ... Incisai comtrês ou quatro dedos de profundidade, a seguir, de baixo para cima,alisai a incisão e praticai-a suficientemente alto para que a água escorora sobre os enxertos e os ajude a tomar sabor, se a vinha for demasia-do caprichosa.»

A vinha introduzia então, no mundo rural do Ocidente, paisagensparticulares e até estruturas sociais originais. Podemos, decerto, me-nosprezar a produção das altas latadas que trepavam pelas paredes

dos solares senhoriais ou sombreavam os pátios das moradas burgue-sas no centro da cidade. Os melhores vinhos de Paris procediam, se-gundo sejulga, da própria casa do senhor, e o primeiro cuidado de umMartin de La Planche, individualidade parisiense, enriquecido peloexercício dos cargos municipais e pela mercancia, foi comprar por vol-ta de 1465, perto da Porta de Saint-Martin, o Hôte/ du Pressoir(edifí-cio público do lagar) «cujos locais têm duas prensas com todas as dor-nas e utensílios pertencentes às ditas prensas» (P. Thibault). Na Lom-hardia, os longos pâmpanos das vinhas enrolavam-se nas árvores defruto, como se fossem lianas. Mas, a maioria das vezes, os pés de vi-nha estendiam-se sobre as terras quentes e pedregosas dos outeiros, aorés da terra; nos solos médios das planícies cresciam como pequenosarbustoscuidadosamente alinhados. Todos os anos, em Novembro, ovinhateiro mudava as émpasarranjadas na floresta ou nas matas vizi-nhas e atava os ramos da vinha com hastes de vime. Estes campos devinha, notas de verdura clara e de alacridade no meio das terras de ce-

reais ceifadas, eram sempre rigorosamente cercados, asperamenteprotegidos contra as depredações dos rebanhos. Mais do que qualqueroutra cultura, a vinha provocava ou favorecia o individualismo cam-ponês. Muitas vezes o dono concedia aos homens encarregados de de-senvolver o vinhedo condições económicas e jurídicas mais vantajosasque aos outros (contratos de rabassamorta na Catalunha, de com-ptant - bacelada- em França). «A vocação vinícola revestiu um ca-iácter demográfico que a distinguiu da lavragern» (O. Duby). Maisrarde, sobretudo nos anos 1400, a extensão dos vinhedos próximo dascidades exigiu uma numerosa mão-de-obra assalariada, de imigraçãorecente, ainda mal fíxada: proletariado muito particular, meio rural,meio urbano, que interveio amiúde por ocasião dos tumultos po-

pulares.

O decote,com o auxílio deuma pequenapodadeira,efectuava-seem Fevereiro-Marçonasterras frias, «paranão deixargelarasincisões»;porém, nasterrasquentes,sobretudoas vinhas velhas,enfezadas,eram decotadasantesdo Inverno, «para nãochoraremnem seempobre-

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42 , IRABALHO NA IDADE MÉDIA 43

Il l - Hierarquiasdascondiçõese dasfortunas ti unsservossubmetidosa todas asespéciesde obriga-I cs.Mais tarde, afirmava-seuma outra forma desujei-o' o homemerasubmetidoa uma ou váriastaxascon-

ulcradasinfamantes, emparticular a mainmorte (direi-I., sobrea herança), o jormariage (taxa por ocasiãode11111casamentocom uma mulher estranhaao domínio) e,I'/tevage2(capitação).Algumasvezesatéa sualiberda-,I eramais limitada; «Que os homensda Terra de São1'1dro não escolhammulheresde fora, a partir do mo-'li 11\0 em que seja possívelencontrar no interior doIllllprio domínio mulheresa quemelessepossamunir»,I I -isavamos costumesde Beaulieu, no Limosino, nos,"m 1100.Estesconstrangimentos,humilhantes,degra-1'"1 5, permaneciamligadosquer ao h-omemquer mes-

11111 I certastenências(tenures) ou terras ditas «servis».Longasnegociações,regateiosou comprasde liber-

IUll, processosde todos osgéneros,a outorga deprivi-I 10S aoshóspedesdas cidades-novase uma certa con-I uumação nasterras vizinhasprovocaram a extinçãoda

1 vidão ou pelo menoso desaparecimentodas princi-" marcasde sujeição.Estaalforria, individual ou co-uva, foi no entanto muito gradual e muito desigual,

111 cante as regiões. Ao passoque os vilãos da Nor-\I iudia e das planícies da bacia parisienseobtiveramu.uudebastantecedoassuasliberdades,por vezesmes-

101 a partir dos anos 1100,os homensde corpo perma-I i.un numerosostrês séculosmais tarde nasregiõesdetllllllanha, em particular no Sul: Itália do Centro ou do

A ideia de uma igualdadedascondiçõeshumanasnointerior do mundo campesino, da existência de uma«massa»ou de uma «classe»camponesasé outra tesesem fundamento, perfeitamente abstractá e gratuita.Nada é mais inexacto, mais contrário à realidade.

O senhor do domínio rural não reinava sobre umamultidão anónima de vilãos, todos eles reduzidos aomesmoestadojurídico ou económico;por vezesnão de-morou a surgir uma nítida hierarquia, que marcou todaa vida dos campos e as relaçõessociaisno interior dascomunidadesaldeãs. Ela opunha os homenslivres aosservos,os lavradoresaospobresjornaleiros. Estadiver-sidadedas fortunas, jurídica ou económica, já flagran-te, agravou-seao longo dos séculos.No fim da IdadeMédia, o mundo campesinoparecetão complexo e tãohierarquizado como o das cidades. Esta diversidadedeve-setanto àscondiçõesjurídicas como aosníveisdasfortunas.

1. SERVIDÕES E LIBERDADES PESSOAIS. - A escrava-tura, à maneira antiga; só desempenhouum papel im-portante nospaísesdo Ocidentenosséculosqueabrirama Idade Média. Mesmo então, haviam já ficado paratrás os tempos em que o proprietário da villa podiamandar cultivar imensosdomínios por legiõesde escra-vossoba autoridade discricionária dosseusintendentes.Mas eleconservava,alojados nos casebresperto da ha-bitação senhorial ou instalados em mansos1 (manses),

, Mummorle: a princípio estadodos servosprivados da faculdadedetestarquando não111 IlIhu", sendoo senhor o herdeiro. tornou-se mais tarde um direito recebidopelo se-

.hH' .\ sucessãodo servo;formaríage: semelhanteàs «gaicsa»em Portugal; chevage:I 11\11 ulu Ibérica, os indivíduos sujeitos a estacapitação eram os «juniores de capita».

/•• I,)

1 Ao manso(mansus). resultantedadesintegraçãoda vil/o. romanaedesignandoa quan-tidade de terra necessáriae suficiente para prover ás necessidadesde uma família campone-sa, correspondiaem Portugal o «casal». (N. do T.)

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Sul, Alpes do Delfinado ou da Provença. Mesmo emcertaszonasdeboasterras, podemosobservar,já muitotarde, uma sólida manutençãoda servidão, ou quiçá,como aventaramvários autores,um reforço destaservi-dão, novasdependênciase constrangimentos,um agra-vamento da condição pessoaldos camponeses;é o quesepassa,por exemplo, na Champanha,no Nivernês,noFranco Condado e .em algumasregiões da Borgonha.

Em 1337,num~ carta dirigida ao seubailio de Ver-mandois,Filipe VI retirava a suasalvaguardaconcedidaatéentãoa maisdequatro mil pessoas,servosdo capítu-lo deNotre-DamedeLaon; defacto, um recenseamentoestabelecidocom baseemprocuraçõesassinadasno anode 1339permite identificar trêsmil e setecentoshomens,mulherese criançasde condiçãoservil, nasterrasda ci-tada senhoria. Nestaépoca,todas as aldeiasda região,submetidasao capítulo, aobispo ou aossenhoreslaicos;eram, na quase totalidade, povoadas por homens decorpo; nestaou naquelaaldeiamaisdetrezentaspessoasou por vezesmesmoquatrocentasreconhecem-seservasou homensde corpo do capítulo (M. Cousin). I

Isto sublinha bem a extremadiversidadedascondi-çõeshumanasnos nossoscamposdo Ocidente.

2. A ARISTOCRACIA CAMPONESA: FORTUNAS E PODE-

RES. - Os textos ocidentaissó mostram claramenteosvilãos instalados numa tenência (tenure), num manso(manse).Na origem da senhoria fundiária, e por vezesainda nos tempos carolingios, o manso era exploradopor umasófamília camponesa- terra uniusfamiliae-e um par debois atreladosao arado ou à charrua. A suasuperfícienão variava muito de uma para outra região:aproximadamenteuma dezenadehectares,segundopa-

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

rece.Mas, mais ou menoscedo, conforme as zonas, omansofica fragmentado, dividido entre filhos e descen-dentes.Deixa de seruma unidadedeexploraçãopara setornar apenasuma unidade fiscal. Cada vezmais, a se-quênciadas heranças,das vendas, das alienações,dosarrendamentos-vendase das dívidas, depoisa introdu-çãoprogressivada moedae da ideia delucro, provocamnecessariamenteuma nítida hierarquia das fortunas.Impõem-seentãooshomensquereuniram pacientemen-te várias tenênciase igualmente aquelesque detinhampoderesdechefia concedidospelo senhorou pelacomu-nidadealdeã. É o casodos antigosservidores,osminis-teriales:os intendentes,sergentes,bailios, ou antes,ree-vesem Inglaterra; estesúltimos eram muitas vezesdeorigem servil. Chefes das comunidades camponesas,juntam aos produtos das suasterras os rendimentosdealguns direitos de baixa justiça. Todos administravamos seusbenscom rigor. OsArquivos NacionaisdeParisconservamuma belacolecçãodechancelasdequeseser-viam, desdeos anos 1200,os ricos camponesesda Nor-mandia ou da Ilha de França.

Todos os historiadores da economia rural inglesamostraram de forma clara a poderosaoriginalidade e ovigor desta aristocracia camponesa.Prova-o antes demais um intenso mercadodas terras e dos direitos queconduziu inexoravelmentea uma nítida renovaçãoso-cial e, sobretudo, à concentraçãodasfortunas e dos po-deresem algumasmãos. Em certa aldeia do Kent (emGillingham), os funcionários do arcebispode Canter-bury recenseavamtrezentostenentesem 1285e apenascento e dez em 1447.Nesta mesmadata, a repartiçãodasterras faz, entretanto, sobressairassaznitidamenteuma forte hierarquia dasfortunas e o êxito decertasfa-

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mílias: vinte e cinco tenentes possuíam menos de 2 a debens, quarenta e um possuíam de 2 a a 10a, dezanove delOa a 50a, nove de 50a a 100a, e enfim, seis famílias es-tav~ à cabeça de mais de l00a (1a vale cerca de 0,4ha).Mamfesta-se assim, em toda a Inglaterra das ricas zonasagrárias, a ascensão de camponeses livres, os yeomen(no Kent) ou os husbandmen (no Sussex), que asse-guraram muitas vezes os seus lucros arrendando um so-lar ou uma parte de solar. O estudo dos bens arrendadospel? arcebispo de Canterbury permite definir este tiposocial do rendeiro rico e põe bem em realce a diversida-de das origens sociais. Os Tarring, enriquecidos pouco apouco pela agricultura tradicional, pela venda dos exce-dentes de trigo e de cevada, têm alugados 120ha de boasterras do solar de Worthing, no Sussex; possuem umacasa de senhor (um half), cottages,numerosos móveis e~inheiro. à vi~t~; têm também campos dispersos por vá-nas aldeias vizinhas. Os KnatchbuIl, instalados desdehámuito no Romney Marsh, devem a sua fortuna à benefi-ciação. do p~ntano, empreendida em parte a seu cargo,sob o incenuvo do arcebispo; exploram mais de 800 hade terras re~entemente escoadas, ganhas ao antigo pân-tano de Aldington. No Hertfordshire, o êxito social dosBlackedes afirmou-se muito mais lentamente através dacriação de carneiros e da exploração de um moinho decereais. Os Amadas, rendeiros de um solar em Larn-beth, não longe do Tamisa, eram filhos de um ferreirode Londres; proprietários de casasna capital, alugaramgrandes extensões de prados ao arcebispo e ao duque deNorfolk, explorados de um modo bastante racional di-vididos regularmente por diques e camii ')s. '

Estas pessoas eram, naturalmente, muit =bastadas.Um sermão do célebre teólogo Hugh Latimer escreve

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 47

os bens e a vida de seu pai, nos anos 1480-1500. Este ho-mem dirigia uma herdade, a mesma durante toda a suavida; lavrava terras suficientes para ocupar regularmen-te e pagar doze homens ao longo de todo o ano; possuíapastangens que chegavam para cem carneiros e trintavacas leiteiras; enviou o jovem Hugh à escola, casouuma das suas filhas com um dote de cinco libras; era ge-neroso na esmola e oferecia hospitalidade aos pobresdas redondezas.

3. os JORNALEIROS; O PROLETARIADO RURAL. - Ascartas ou censuais, como é óbvio, falam apenas doscamponeses providos dé tenências para semear. Elesfazem-nos esquecer demasiado facilmente os pobres daaldeia, aqueles que vimos ocupados a cultivar , com en-xada e pá, a sua estreita horta cercada. Eram no entan-to, com toda a certeza, muito numerosos. É para asse-gurar, em parte, a sua alimentação que subsistem du-rante muito tempo algumas coacções colectivas e direitode usos particulares: o rebanho comunal e o pasto livrenos terrenos onde não há sementes nem frutos, direitode respigar os cereais, de apanhar os restolhos, de cortara lenha seca das florestas. Também neste caso os inven-tários ou os registos de contabilidade ingleses, muitoexactos, indicam o número de tais pobres, dos habitan-tes dos pequenos cottages,com frequência ainda «ser-vos»,que formavam por vezesmais de metade da popu-lação da aldeia. Observou-se mesmo que em certas pa-róquias do Warwickshire, em 1279, o terreno agrícolaaldeão quase não comportava mais que o solar senhoriale as hortas dos pobres; apenas se encontrava aí um nú-mero muito restrito de tenentes (freeholders) instaladosem tenências semeadas, No Hainaut, o estudo das fi-

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abatidosem casode perigo de incêndio. Vigasou crucksseguravamasparedesexterioresfeitasquer detábuasquerdeestacariaenvolvidaempalha, embarro amassadocom palhaou emadobe;estasparedesatin-giam espessurasde 15em a 30cm. Certascasasde madeiraconstrui-das com vigas, embora de dimensõesmuito variáveis, apenastinhamuma única nave, sendopor vezesas paredesexterioresconsolidadaspor meio de arcobotantesem oblíqua; outras casas,sustidaspor umaou duasfilas interiores de vigas, eramentãodivididas em duasou trêsnaves.A casade madeira traduzia também, por outro lado, asactivi-dadese a qualidadesocial dos homens:pequenascasasrectangularesou quadradas(5 m por 4 m, aproximadamente)para os cottagersoubordiers semterra; grandescasasalongadas(4m a 6,5m por 10m a23m numa aldeia inglesa,5m a 7m por 30m como é o casona BaixaSaxónia)do tipo long-house de dois ou três compartimentos sob umúnico telhado, para os tenentes lavradores proprietários de gado;enfim, a herdade-pátiode criação com dois edifícios principais (habi-tação eestábulo)eváriasdependênciasordenadasem torno deum pá-tio muitas vezeslajeado, para os ricos rendeiros.

Todavia, mesmo em Inglaterra, estascasasde madeira cederammuitas vezeso lugar, nos anos 1200,na altura em que se afirmavamais a protecçãodasflorestas, a construçõesde tipo idêntico masfei-tasdepedrasaparelhadas.Sãoestasquepredominam posteriormente,embora apresentandonumerosasvariedadesregionais; citemos, porexemplo, aplatform-house da Cornualha ou do Devon, espéciedeca-sa comprida com duas entradas construida sobre uma plataformaoblonga dispostasobreo flanco dacolina, abrigadado ventoeda chu-va, rodeada por um muro de pedrassoltas e incluindo também umapequenagranja.

Em França, asduastécnicas,madeirae pedra, ou sesucedemno tempo ou são vizinhas numa única regiãono mesmomomento. É o caso,por exemplo,da Borgo-nha, onde aconstruçãodemadeiraparecemanter-sedu-rante muito tempo eondeasescavaçõesdeDracy permi-tem descrever exactamente várias casas de pedra.Estasmoradas de dimensõesvariáveis (uma de 7m por9m, a outra de4m por 7 rii), comportando por vezesumandar edois ou trêscompartimentosseparadospor tabi-

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cercada,por vezesum aprisco mesmoao lado. Mas co-mo precisare matizar mais?Estecasebredos livros pin-tados com iluminuras convémmais a uma cenaestiliza-da, tratada muitas vezessem convicção e sem grandepreocupaçãode verdade.

Osestudossériossobrea casarural ao longo de todaa Idade Média estiveramgravementeausentesdurantedemasiadotempo. Desteponto de vista, a arqueologiamedieval sofria de um indubitável atraso no Ocidente.Só os trabalhos deescolasinglesaspodiam trazer resul-tados comparáveisaos que proporcionavam, havia jámuito tempo, asescavaçõesempreendidasnos sítiosdascivilizaçõesantigas.

Tivemos porém a sorte de assistir nos últimos dezanos, em todos os países,à multiplicação de investiga-çõesebuscassobreo habitat rural medieval,emparticu-lar nos sítiosdasaldeiasabandonadas.As descobertaseasprimeirasconclusõesdosarqueólogosalemãese fran-cesesvêmassimjuntar-se àsdospesquisadoresinglesesepermitem, no total, fazer uma ideiamaisprecisada casacamponesae dasdiferentescondiçõesdevida. Tais des-cobertas, de facto, põem sobretudo em evidência agrandediversidadedastécnicas,dosmateriais, dascon-cepçõese dasdimensões.

A própria casade madeira, tão espalhadana Idade Média atravésde todo o Noroestee Oesteeuropeu, apresentava-secertamentesobaspectosmuito variáveis.A suaossaturapodia serde fortes vigaspro-fundamenteenterradasno solo eregularmenteespaçadas,sustentandoas peçasde armaçãodo telhado ou, noutros lugares,de grandesseg-mentosdemadeiracurvos,oscrucks, queseuniam na cumeeira,sam-blados à maneiradeuma nave,esustentavamdirectamentea cobertu-ra decolmo ou deplacasderelvado. Estatécnicadoscrucks manteve--seaté bastantetarde em Inglaterra, sobretudonos Midlands, para osmodestoscottagespouco elevados,depressaconstruidos e depressa

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ques, cobertas de pesadaslousas de pedra, apoiadasà penediaou mais solidamenteassentesno solo, eramfeitas, de uma forma assazgrosseira,de pedrassoltasseguraspor uma liga de greda amarela; os chãoseramde terra batida ou de argila; aquecidasgraçasa lareirasabertasou por meio dechaminésdepedraou demadeira,estascasasdavamacessoa umasoleiradedoisou trêsde-grausdepedraatravésdeuma alta porta; a existênciadejanelas não é certa. Tais casas,que datam dos anos1400,encontram-seigualmente, na mesmaépoca, emvários outros locais (Rougiersna Provença, Condorcetnas Baronias, Saint-Jean-le-Froidno planalto do Léve-zou nasCausses).Correspondemcertamentea uma prá-tica bastante'antiga, que remonta muitas vezesaos pri-meiros tempos da era medieval e prosseguiuassimnodecursode longos séculos.

A alimentação.- Continuamos também mal infor-mados acerca do vestuário dos trabalhadores rurais,obrigados como estamosa limitar-nos a algumasconsi-deraçõesgeraise a uma imagemexcessivamenteunifor-me: uma simplesblusa, de tecido no Verão, de courodurante a invernia, apertada à cintura; por vezes,ummanto comcapuzI'I'ambêrn nestecapítulo carecemosdeestudosrigorosos sobre o conjunto dos costumescam-ponesesdo Ocidentemedieval,estudosquedeveriamserlevadosa cabo, não já como uma procura do anedóticoou do pitoresco para satisfazerum gosto fácil pelo fol-clore, masà maneira de inquéritos sociológicose histó-ricos.

A história da alimentaçãoestámuito melhor elabo-rada, embora,verdadesejadita, desdehá pouco tempo.Os historiadoresdas sociedadesmedievaispuseramde-cididamentedelado asestranhasordenaçõesdasemen-

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

tas senhoriaisou principescas,com todos os seusservi-ços e os seuspratos, as suasespantosasinvenções,ouainda as receitasde cozinha para uso dos grandesbur-guesesdos centros mercantis, ávidos de curiosidadesexóticas,para seinteressaremde preferênciapela reali-dadequotidiana, mais baçae mais difícil de apreender.Graçasao estudo da produção rural, dos foros senho-riais, sobretudodascontasdascomunidadesmonásticase dasraçõesde comida distribuídas aos operários agrí-colase aosartífices, parecepossíveldefinir de uma for-ma um pouco mais precisa os hábitos alimentares domundo campesinodeentãoe, até, determinar a respecti-va evolução.

A alimentação, ao longo de toda a Idade Média,baseia-seessencialmente,por um lado, na colheita dos«frutos» selvagens,por outro, nos «pães»;estapalavradesignavacereaisde naturezae de qualidade muito va-riáveis. Numa primeira fase- pelo menosaté aosanos800, segundose crê- predominava a cultura dos ce-reaisinferiores, das leguminosas,de plantasnão panifi-cáveis,que apenaspodiam dar papasde farinha de máqualidade;erao casodo cardo-corredor, da espeltaedosorgo. No tempo de Teodorico, apesarde a Itália nãoter ainda conhecidoos desastresdas intervençõesarma-dasbizantinas e lombardas, estasmás farinhas eram asmaiscomuns: Cassiodorodavaordem para sedist;ibuiràspessoasesfomeadaso cardo-corredorguardadodere-servanos celeirospúblicos de Pavia e de Tortona.

O progressodas lavras e o arroteamentodasmelho-resterraspermitiram estendera cultura do frumento; osmoinhos de água, já citados em pequenonúmero pelopolítico da abadia de Saint-Germain-des-Présnos anos800, deram mais facilmente farinhas panificáveis. As- (

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sim, pouco a pouco, propagou-se, mas de uma forma'bastante desigual consoante as regiões e os meios, o usodo pão, que foi durante muito tempo, nos campos daInglaterra e da França, a nutrição fundamental doscamponeses. Os homens só lhe acrescentavam os produ-tos da recolecção, da caça e da pesca; mais o vinho, cujoconsumo parece muito generalizado entre os campone-sesnesta época, pelo menos em França. O vinho não eraaqui uma bebida de luxo e, no que se refere ao povo, oseu uso era com certeza mais corrente nas aldeias do quenas cidades.

Mais tarde, sem dúvida nos anos l300, verifica-seuma outra modificação que marca em numerosos paísesdo Ocidente a procura de uma alimentação ao mesmotempo mais rica, mais fina, e acima de tudo mais varia-da.l'O pão de frumento impõe-se, muitas vezes de ummodo decisivo, nas cidades e, também, nos campos.

Assim o testemunham os regulamentos municipais,os estatutos dos mesteres, as tarifas de alfândegas ou deimpostos de terrádigo, as contas das comunidades reli-giosas, das confrarias, das instituições de caridade, osinventários após óbito, que dão uma razoável ideia dosutensílios de cozinha e das reservas alimentares. Osgrãos encontrados em Dracy, pequena aldeia da Borgo-nha.ihabitada sobretudo por vinhateiros, mostram queo consumo de frumento, logo de pão branco, era aí tãoimportante como o dos outros cereais. A imagem docamponês alimentado apenas por ruim pão, negro e du-ro, cozido unicamente algumas vezes por ano, deve serexcluída do nosso repertório, pelo menos no que concer-ne aos anos l300 e 1400.

Ao mesmo tempo desenvolviam-se as culturas com-plementares, principalmente as leguminosas, as favas e

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

as ervilhas; a sopa de ervilhas estava então muito divul-gada nas zonas rurais do Ocidente. O consumo de car-ne, por fim, afigura-se simultaneamente muito mais ge-ral e muito mais importante do que o diziam os nossosmanuais, sempre afeiçoados à imagem de uma IdadeMédia sombria, de barbárie e de miséria. Os pregões(bons) munícipais e os registos das gabelas apenas infor-mam, mesmo assim de uma maneira imperfeita sobreas práticas urbanas. Contudo, parece que nos campos acomida comum, a dos senhores, dos lavradores e até doscriados, comportava sempre porções apreciáveis de car-ne de matança, em especial o carneiro. Conhecemosbem este facto graças aos regulamentos dos príncipes,que fixam, de uma forma bastante precisa, em particu-lar nos territórios alemães, as rações quotidianas doscriados de quinta. Um regulamento saxónio de 1482 de-fine assim a composição das duas refeições que os se-nhores e os cavaleiros têm de servir aos homens que elesempregam como obreiros e criados; caça refeição deveincluir quatro pratos: nos dias de carne, uma sopa, duascarnes e uma sobremesa; nos dias de jejum, uma sopa,um peixe fresco ou seco, duas sobremesas, ou ainda cin-co pratos, entre os quais dois peixes; estes homens te-rão, de manhã e à noite, pão e cerveja clara. Tais dispo-sições nada tinham de desabitual; regulamentos destegénero e do mesmo teor encontram-se em todas ~s re-giões da Alemanha.

Esta alimentação mais variada dá assim testemunhode um género de vida já mais evoluído e, no conjunto,de um certo desafogo económico. É claro que não pre-tendemos esconder as sombras do quadro, nem calar osdanos dos maus períodos. Nos anos l315-l320, a situa-ção foi tão difícil que estesdanos tomam repetidas vezes

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o aspectodecatástrofes.los espaçosrurais sãoentãoce-nário de terríveis fomes, e os camponeses,enfraqueci-dos pelasprivações,parecemmais vulneráveisàsepide-mias. No entanto, estas fomes e a miséria fisiológicanão semanifestam de uma forma crónica ao longo detoda a Idade Média. Os camposmedievaisdo Ocidentenutrem melhor os seushomensdo queo fizeram ou fa-zem ainda tantos outros paísesonde a fome é um malque não poupa ano algum. O queconduz assima acen-tuar os aspectospositivos destacivilização agrária, quedispunha deescassosmeiostécnicospara vencersoloseclimas por vezesdifíceis.

Por outro lado, parececerto que estaevolução dascondiçõesde vida e a melhoria da alimentação senãoinscrevemdemodo algum num processodeavançocon-tínuo. A situação alimentar era bem melhor para oscamponesesno tempo deCarlosVII edeLuís XI do quedois séculosmais tarde.

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CAPÍTULO II

o ARTESANATO E A INDÚSTRIA

I - Os artífices no mundo rural

~A ideia de uma actividadeartesanalexclusivamenteconcentrada nos grandes burgos mercantis deve serabandonada.No início do nossoperíodo, estetrabalhoera, muito pelo contrário, frequentementelevadoa ca-bo nos campos;ele integrava-seperfeitamenteno âmbi-to da senhoria fundiária. iA passagemdestaactividadeessencialmenterural, marcada pelos costumese pelosconstrangimentosdo mundo camponês, a uma indús-tria propriamente urbana dominada por chefesde em-presa«capitalistas», dedicadaà exportaçãopara paíseslongínquos por conta de grandesmercadores,sítãa-se,egundo as regiões, em períodos muito variáveis; na

maioria dos casos,só no decursodos anos 1200.Certospaíses,mais afastados dos itinerários do comércio in-ternacional, não a conheceram.Sejacomo for, naspró-prias províncias onde sedesenvolverauma indústria ur-banapróspera, de luxo, o trabalho camponêsdeprodu-tos mais grosseiroscontinuava a conservar os seusdi-

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reitos e proporcionava um acréscimo de rendimentosbastante apreciável.

*' 1. A SENHORIA RURAL E A INDÚSTRIA DOMÉSTICA. -

Numerosos autores chamaram a atenção para a medio-cridade das trocas e da vida urbana no Ocidente bárba-ro e franco. Decerto que importa matizar um pouco. Éno entanto verdade que a uma antiga economia mone-tária sucedeu uma economia de subsistência em que aterra, sobretudo, fornecia riqueza e poderio.

A vil/a franca era uma verdadeira célula económicaque devia prover às necessidadesdo senhor e da comu-nidade rural. Apenas eram comprados no exterior al-guns raros produtos preciosos, de origem longínqua,sempre trazidos com grande despesa: diferentes tiposde relicários (arcas, caixas ... ), cálices, vestes sacerdo-tais para os bispos, por vezes as armas dos senhores.

O grande domínio produzia não só os víveres doshomens e dos animais, os instrumentos dos camponesese hortelãos, as armadilhas e redes para os caçadores eguardas-florestais, os tonéis para meter vinhos e gêne-ros salgados, mas também as roupas de couro, as peçasde sarja e as telas de linho.

Os tenentes trabalhavam a pedra, construíam as ca-sas, telheiros e lagares; asseguravam os transportes es-sencíais.

'It. Para a conservaçãodas casasdo senhor, para reparar o palheiro,a granja, o estábulo, cada um delestomará a sua vez, ou, sefor pre-ciso, deitarãomãosà obra em conjunto. Cinquenta homensestãoen-carregadosda pedra, da lenhapara o forno da cal, seesteestiverper-to; seestiverlonge, cemhomensdeverãofazer tal trabalho; e a cal se-rá levadaà cidadeou ao domínio, onde houver necessidadedela (ex-traído da Lei dos Bávaros; antesde 750).

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 59

Por seu lado, as mulheres tosquiavam os carneiros,preparavam a lã, «espadelavarn» o linho, fiavam, te-ciam as telas e os panos, cosiam as roupas. Dos escra-vos instalados nas terras e até dos homens livres, o se-nhor exigia, além das medidas de trigo e das aves decapoeira, alguns produtos do seu trabalho de Invern~:tochas de cera, aduelas e aros para as vasilhas, traves, n-pas e tábuas de madeira. As mulheres escravas «fazema sarja com a lã do senhor e engordam a criação». NaFrísia, a peça de pano de um comprimento bem deter-minado - a wede- fez assim as vezes de moeda;~ nospaíses eslavos, as de linho sub~tituíam tam~é~ as mo~-das metálícas.jjornadas demasiado raras; hábitos nasc.I-dos sem dúvida dos costumes ancestrais da economiadominial, a qual permaneceu à margem das trocas e da

circulação monetária.

*

"ItAcima de tudo, o senhor ou o seu intendente obri-gavam os servos da familia a trabalhar nas oficinaspróximas da casa de habitação: «Que cada intendent~,precisa o capitular de Vi/lis et Curtis, tenha bons obrei-ros, a saber: obreiros para o ferro, para o ouro e para aprata; sapateiros, torneiros, carpinteiros, fabrican~ deescudos, pescadores, passarinheiros; fabricantes oe sa-bão, homens que saibam fabricar cerveja, sidra, peradae todas as espécies de bebidas; padeiros que façam pas-téis para a nossa mesa; obreiros que saibam confeccio-nar bem as redes tanto para a caça como para a pesca epara apanhar as aves, e outros obreiros que s.eriade~a-siado demorado enumerar.» As mesmas mstruçoes,sempre escrupulosas, mas igualmente desordenadas, ci- f

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tavam noutros lugaresos fabricantesde fatos de couroe de calçado, de uchas e de arcas, os seleiros, osque trabalham nas forjas, nas minas de ferro ou dechumbo. .'4t Esta organização dominial da economia agrícola eartesanal reencontra-semuito mais tarde, e em maiorescala,nos reinos da Europa central e dos paísesesla-vos. Nos anos 1100e 1200,o duque da Polónia haviainstalado, nas herdadeshereditárias, milhares de cam-poneses-servos,os quaispartilhavam o seutempo entrea cultura das terras e actividadesartesanaisbem preci-sas. Estesministeriales, obrigados ao fornecimento dovestuário, armas e instrumentos de trabalho, estavamrepartidos por aldeias estritamente especializadas,àsquais eradado o nome da profissão exercidapeloscam-poneses:tanoeiros, construtores de barcos, de trenós,segeirose torneiros; fabricantes de peneiras,de pontaspara as flechas; sapateiros, peliteiros e correeiros; fa-bricantesde farinha ou de mel; caçadorese pescadores.Os textos da época citam mais de quatrocentas destasaldeiasde artífices do Estado, repartidas pelo conjuntodo ducado.

,*2. AS INDÚSTRIAS DIVERSIFICADAS NOS CAMPOS. -

No Ocidente, mesmo fora do âmbito da vil/a, a indús-triá'''permaneceudurante muito tempo exclusivamenteou sobretudo rJ!!:&. Isto deve-seantesde mais à ausên-cia do granoe comércio e, portanto, à necessidadedeproduzir no próprio lugar, mastambémà dispersãodasforjas e da força motriz: madeira e carvão vegetaldasflorestas, rodízio dos moinhos movidos peloscursosdeágua.

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA61

1k. A indústria do ferro ofereceum exemploperfeito destadispersão

do trabalho, ligada:• À fraca produção das minas. Foram muito raras, e isto até cer-

ca dos anos 1450,as regiõesverdadeiramenteespecializadas,capazesde exportar minérios para longe. Os mineiros exploravam principal-menteuma grandequantidadedepoçosnasmontanhas,deuma formabastanterudimentarlUm sóhomemescavavao poço, apenasajudadopelos familiares; dispunha somentede um leve sarilho para trazera terra à superfíciee depois <;\ minério. O poço não era consolidadopor uma entivação, nem enxuto por bombas; assim, era inevitávelabandoná-Io logo que as águasde infiltração o inundavam e renun-ciar a procurar filões ricos em profundidade. Os processosquímicosde extracçãodo metal continuavam ainda assazimperfeitos: as escó-rias, por volta de 1150-1200,continham cercade 50% de ferro. Don-de resultavamrendimentos fracos, uma exploraçãolimitada a jazigosminúsculos,ao rés do solo, de teor insuficiente. Multiplicavam-se as-

sim os pontos de extracção;• À fraca produção dasforjas. O único combustívelera, junta-

mentecom a madeira, o carvão vegetalfabricado nos fornos ou «fos-sascarvoeiras». Mas a madeira esgotava-sedepressae, tal como osnlineiros, os carvoeiros e ferreiros levavam uma vida seminómada,,sempreem busca de novos cortes.

A forja, ou o fornilho, era, por outro lado, uma construçãomui-to primitiva, erguida de afogadilho (aproximadamente1m de alturapor 1,5 m de lado), em paredesde pedrasrefractárias revestidasdeterra. Colocava-seaí o minério lavado, mais ou menosesmagadoemisturado com pedrascalcáriasou margas,que facilitavam a fusão edavam um metal menos fosforescente.A matéria fundida (não maisde cercade 15 kg de cada vez), repartida em três ou quatro lingotes,erade novo levadaao rubro num outro forno. O dono das forjas en-tregava o ferro, afinado e batido a seguir sobre uma bigorna em«chapas».Os foles para activar o fogo e os martelospara bater o er-10 eram todos movidos à mão. Estasforjas, muitas vezeschamadastorjas cata/ãs,produziam pouco, exigiam muita mão-de-obra.Assimc explicamos preçosbastanteelevadosde todos os objectosde ferro

nestaépoca: armas, utensílios, pregos.

A floresta, único reservatório importante de com-bustivel,não abrigava apenasos operáriosdo ferro. Vi--iam igualmente nos bosquesos companheiros, traba-

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lhadores do vidro e, sobretudo, os da madeira. Já em1413, Carlos VI notificava os seus oficiais da Norman-dia para que «impedissem os segeiros, ucheiros, tanoei-ros, fabricantes de medidas de madeira, caixeiros eobreiros de barris, arcos dos arreios dos cavalos, pás,escudelas, selas, tabuleiros e outras obras de madeira,residentes na orla das florestas de Conches, de Breteuile de Beaumont-Ie-Rogier, de fazer os trabalhos dos res-pectivos mesteres em suas casas ... e que os obrigassema ir labutar nas "Citadas florestas». Assim, a florestapermanecia realmente, ao longo de toda a Idade Média,esse mundo estranho, muitas vezes hostil, onde erra-vam os pastores e as suas varas de porcos, os obreirosda madeira e do ferro, alheios às comunidades aldeãsou urbanas, à margem dos grupos sociais estáveis, dasleis e dos costumes estabelecidos; onde iam à aventuraos pobres em busca de algum ganho ou furto, os fora--da-lei que engrossavam os bandos de salteadores. Mun-do hostil, sempre assustador. Da beira dos vastos bos-ques, no Maine, hão-de partir em 1789 os grandesmedos que sacudiram tão violentamente os campos vizi-nhos.·*Já tarde, nas próprias cidades onde a produção foi

bastante mais importante, o trabalho do ferro e damadeira mantinha ainda este carácter artesanal e atésessmómada. Em 1228, estes mesmos companheirosformavam o mester mais numeroso em Pisa e uma dasprimeiras associações profissionais da cidade; isto deri-vava sem dúvida da proximidade das minas da MaremaToscana ou da ilha de Elba e das construções navais,muito activas. Mas tal trabalho não era verdadeiramen-te especializado e torna-se curioso verificar que, na ci-dade como outrora na floresta, estes dois ofícios esta-

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vam estreitamente ligados. Os fabri, ao mesmo tempocarpinteiros e ferreiros, levavam ainda uma vida itine-rante; trabalhavam durante o Inverno na ilha de Elba,na ilha del Giglio, nos montes da Toscana ou até naCórsega para cortar as árvores, fazer carvão, extrair oferro; no Verão vinham instalar-se. alguns meses emPisa, trazendo a sua madeira de construção, carvãoc minério: precisamente no momento em que osburgueses deixavam a sua cidade, com receio do ca-lor, das fortes febres da malária e desta gente tãoturbulenta.

*

Enquanto a villa tinha, desde há muito, cessado deconfiar o trabalho da lã ou do linho às mulheres do gi-neceu, este mantinha-se com grande frequência noscampos. Por volta de 1200, e ainda mais tarde, certasregiões da Europa central ou da Alemanha continua-vam a tecer «pano camponês» para os aldeões (ao pas-so que os burgueses das cidades compravam tecidos dal-landres). {Na Solonha, nesta mesma época, a lã doscarneiros, de qualidade medíocre, era apenas trabalha-da por camponeses, pisoada por numerosos moinhosfortificados, instalados sobre os mínimos curscm-deágua. Nos arredores de Pisa, que era no entanto um

rande centro mercantil, este trabalho da lãdesenvolveu-se até cerca de 1220, fora das tradições daudade, da fiscalização dos seus homens de negócios;aqui, os moinhos de apisoamento animavam o Vai diScrchio, o Valdarno, sobretudo a zona chamada doI'iemonte. Os mercadores vendiam inclusivamente aí

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corantes e alúmen. Os pequenosnegociantesdos bur-gos rurais (os merciadrii, os nossos retroseiros) come-çaram por levar para o mercadoda cidade os melhorespanos da sua região; só mais tarde os obreiros-campo-nesesvieram trabalhar na cidade, ou melhor, nos seusarrabaldes.Em Pisa, a indústria dos camposprecedeupelo menosdois séculosa da cidade.

3. os ARTÍFICES E OS SENHORES.- Ospoderesdo se-nhor pesavamgravementesobre todas estasindústriasrurais, porquanto ele detinha a possede florestas, mi-nas e cursosde água. Na floresta, regulamentavaseve-ramente os direitos de uso, proibia que se apanhassemadeirae sefizessecarvão. As minas, regularmentear-rendadas em troca de um direito anual, e as forjasintegravam-sequasesemprena exploração«dominial»,Quando sepropagou, maistarde, o usodealgumasmá-quinas movidaspelo rodízio dos moinhos, para trituraro minério ou pisoar a lã e os panos, o senhor foi o pri-meiro a beneficiar, visto que só ele dispunha da forçados cursosde água. Sabe-setodo o proveito que certascomunidadesreligiosasretiravam das quedasde águaedas máquinas movimentadas pelos rodízios dos moi-nhos. Oscónegosda catedral do Mans já possuíamem1085um «moinho de triturar o ferro»; e, nos Alpes, empartfcular na região de Allevard, os Cartuxos foramdonos de forjas bastanteactivos.

As oficinas das abadias cistercienses,estabelecidasquasesempreno fundo dosvales,próximo deum ribei-ro que osmongessabemrepresare domar, oferecemosmais belosexemplosdestaconquistada força motriz daágua.

)

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 65

«O rio nada recusado que selhe pede.Ele elevaou abaixa alter-uudamenteestespesadospilões, estesmaços se assim preferis; elepoupaaos pisoeirosuma grandefadiga ... quantos cavalossenão es-otariarn, quantos homens não fatigariam os braços nos trabalhos

leitos para nós, semqualquer esforço da nossaparte, por esterio tãoraciosoao qual devemosquer o nossovestuário quer a nossacomi-

da!... Ao sair dali, ele entra na tanaria, onde, para preparar as rnatê-

dasnecessáriasao calçado dos irmãos, mostra tanta actividadecomocuidados; depois divide-se numa multidão de pequenosbraços... ;procurando diligentementepor toda a parte aquelesque têm necessi-dadedo seuministério ... quer setrate de cozer, peneirar, tornear, es-magar, regar, lavar ou moer.»

*Todos os moinhos permaneceramdurante muitotempo senhoriais (ou banais); as vendas e cessõesdeteudos citavam escrupulosamente,entre os direitos dosenhor: «as fábricas, montes, planícies, florestas, bos-ques, moinhos, feudos de moinhos, rios, quedas deágua, aquedutos e canais...». Deste modo, o uso dasmáquinas contribuiu para aumentar o império dosamos (príncipes, senhoreslaicos, comunidadesreligio-sas,burguesesadquiridores de solares)sobre o artesa-nato dos campos, já que elespossuíamo essencialdopoder económico, a força motriz dos cursosde água, amadeira e o carvão.

*

Por outro lado, estesproprietários mantiveram du-rante muito tempo inúmeros artífices sob a sua depen-dência jurídica ou económica. Aos servosdomésticosque deixavam a vil/a mascontinuavam a servi-Iosefec-tuando trabalhos muito precisos,elesconfiavam terrasou rendimentos: feudosde artífices, ou feudosde mes-

'l~b.r 145-5

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teres~b~stantenumerosos,que sublinhavam bema per-manencia do quadro senhorial. Concedidos antes demais a ministerialesprovidos de cargosadministrativos- o juiz, o colector dos foros -, estesbenefícios oufeud?s foram pouco a pouco atribuídos a simplesobreiros. Oscostumesda abadiade Beaulieu no Limo-sino, citam assim, pará os anos 1100,os fe;dos do ce-leireiro, do cozinheiro, do guarda-florestal e do pesca-dor. Um pintor, igualmente hábil na arte de fazer vi-trais, comprometia-sea trabalhar durante toda a suavi-da para os mongesde Saint-Aubin d' Angers, que lhedavam como feudo um arpente de vinha e uma casa·feudo que poderá transmitir a seufilho seestetambémsouber ornamentar o convento com frescos e vidraçaspintadas.

Mesmo instalado na cidade,perto do conde, do bis-po ou do abade,o artífice recebiamuitas vezesum feu-do que o ligava estreitamenteao amo. Foi o que sepas-sou com esseLéon, carpinteiro, a quem o bispo deChartres concedeu,por volta de 1250,um feudo-rendade cinquenta soldos por ano e direitos de justiça sobreos outros carpinteiros da cidade;a carta indica todas ass~asobrigações,pesadassobretudo no tempo das vin-dimas, quando eledevia «servir a adegade dia enoite»:ela diz também que esteLéon recebiacomida e bebida~m cada dia de trabalho (consoante0S casos:michas,pãesbrancos, vinho de freira, uma galinha, carne sal-gada), mais o direito de almoçar na corte e à mesadobispo. Estehomem pertenciaainda semdúvida àfami-lia do amo.

:or volta de 1130,a primeira compilação de direito costumeiromunicipal de Estrasburgo precisavamuito exactamentetodos os ser-

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 67

viços e fornecimentos devidos ao bispo pelos mesteresda cidade; osferreiros deviam ferrar os cavalosquando eleera chamadoà cavalga-da imperial, e dar trezentas flechasseo casteloepiscopalfossecerca-do; fabricavam também gratuitamente as fechadurase correntesdasportas da cidade. Os pescadoresdeviam pescarpara '0 bispo durantetrêsdias e três noites na altura da SantaMaria e do S. Miguel. Os se-leiros davam duas selasde carga por ano, quatro seo imperador ha-via convocadoa hostedo bispo; os sapateiros,ascouraças,capacetese aljavas de couro negro para o exército episcopal. Os carpinteirosapresentavam-setodas as segundas-feirasà porta do casteloe espera-vam ordens; quando tocavam os sinosda primeira missa,podiam re-gressaràs suasoficinas se não tivessemrecebido qualquer encomen-da. Todos os artífices da cidade estavamassimempenhados,de urnaou de outra maneira, no serviço do bispo.

Os próprios mercados, pelo menos durante os pri-meiros tempos, não escapavamao controlo dos senho-res munidos de grandesdomínios rurais. Em Itália, notempo dos reis carolíngios, a maior parte das villae daplanície lombarda possuíamuma frota de barcase ha-viam construído portos e entrepostosno Pó ou nos seusafluentes. O convento de Leno (Brescia)mantinha umporto no lago de Iseo e, no rio, instalaçõesmercantespara decarregare guardar os víveresem Nova, Bresciae Macreta.iO mosteiro de Bobbio, embora isolado nasmontanhasdo Apenino, lançava também, nestaépoca,os seus-próprios navios atravésdos rios da planície. Ascomunidades monásticas arranjavam mercados inter-curtensi, onde trocavam os produtos dos seusdi t

tesdomínios. A fundação, em 908, da abadiade Fonta-neto de Agogna, próximo de Novara, provocou desdelogo a instituição de um mercado rural mensal.

Mesmo nos paísesdo Norte da Europa, osmercado-resnão eram todos uns pés-descalços,errantesao longodasestradas,servosescapadosdo domínio senhorial ou

camponeses expulsos das suas terras pelas guerras e asinvasões.'Muitos deles, nas cidades, pertenciam, origi-nariamente, àfamilia do bispo. Em Liêge, os servidoresdos cónegos de Saint-Larnbert entregavam-se a toda aespécie de tráficos e adquiriram casas «próprias paratodos os usos comerciais» ao redor da praça do merca-do. Os «mercadores de abadias», assim como os «merca-dores de palácios» ligados àfamilia dos senhores muitopoderosos ou dos príncipes, desempenharam um papelde primeiríssimo plano no desenvolvimento económicodas cidades.

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11 - Artífices e companheirosnas cidades

O incremento urbano e industrial foi, consoante asregiões, muito desigual e de natureza assaz diversa.Donde o fracasso das teses demasiado sistemáticas, de-masiado gerais, como a de W. Sombart, que insistia nocarácter arcaico, artesanal, não capitalista, de toda aeconomia medieval, inclusive nas cidades e até no fimda Idade Média. Estas teses, responsáveis por diversasinterpretações erróneas, influenciaram durante dema-siado tempo os trabalhos dos historiadores; devem serc~~letamente abandonadas, o que já se vai verifican-do agora.

Importa olhar para este mundo dos homens de ne-gócios italianos, ou ingleses com uma óptica muito di-ferente, e admitir que o grau de' evolução - por vezesde perfeição - das técnicas mercantis, financeiras oubancárias, o seu largo emprego em todas as classes dasociedade, o uso geral do crédito de negócios a uma ta-

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 69

xa razoável, uma política sistemática e consciente ~aradiminuir as despesasde transporte e 'de seguro, enfim adistribuição do trabalho nas indústrias essenciaisda lã eda seda, provam amplamente a existência de uma orga-nização económica e de uma mentalidade resolutamen-te «capitalistas». Decerto que esta afirJ?ação - em. al-gumas cidades nos anos 1400-, este tnunf? do capita-lismo mercantil não é geral. Numerosos paises que ha-viam ficado fo;a dos grandes circuitos comerciais ~on-servavam estruturas económicas e sociais mais arcaicas.Nunca é demasiado insistir nos contrastes do mundomedieval do Ocidente. Mas nas cidades que dirigem ~sgrandes tráficos do momento, as té~nicas ~ as.me~tah-dades do capitalismo, comercial ou mdust.nal, Imp~em--se sem violência, dobram toda a economia e a SOCieda-

de às suas exigências.

.1. O INCREMENTO DA INDÚSTRIA URBANA. - Numaprimeira fase (nos anos 1000,P?r. exemplo), as grandescidades foram quer portos mannmos activos quer en-cruzilhadas de estradas, todos eles enriquecidos. pel?trânsito de produtos longínquos e preciosos. As primei-ras «repúblicas marítimas» da Itália deviam a .sua fo~-tuna ao comércio de além-mar: Veneza, Amalfi, depoisPisa e Gênova. Para todas estas cidades «viradas parao mar», tão originais, tão diferentes do mundo q~rodeava a única «indústria» dos homens era o comer-cio e todas as actividades com ele relacionadas: tr~ba-lho das madeiras para os cascos e mastros dos na:lOs,dos panos de velas e cordames, das armas - pOIS asempresas mercantis de então tomavam o ~specto de ex-pedições armadas, sobretudo contra os piratas ~arrace-nos. Os outros trabalhos apenas ocupavam aqui um lu-

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o exemplo de Pisa afigura-se, deste ponto de vista,absolutamente significativo. Numa primeira fase, porvolta dos anos 1180, começou por se desenvolver o tra-balho dos couros e das peles. Os obreiros do couroeram então, juntamente com os ferreiros (fabri), osmais numerosos na cidade, tal como demonstra um re-gisto fiscal de 1228, onde são enumerados:

Notários,homensdelei.......................... 147Mesteresdaalimentação......................... 346Madeiras,ferro,alvenaria.................. 289Couros,peles,pelestratadas.............. 305ObreirosdotêxtiL................................ 101

(Nesta última categoria não são praticamente cita-dos os tecelões, mas costureiros, tintureiros, fabrican-tes de toalhas.)

Esta indústria do couro, a primeira em Pisa, pareceum trabalho bastante tosco. Os peliteiros abandonarama técnica oriental do curtume com água fria, processomuito lento e dispendioso, que necessitava de banhosde mirto, e utilizaram mordentes muito mais rápidos emais baratos, que davam couros menos maleáveis. Es-tes coriarii aque calde fabricavam couraças, elmos e,sobretudo, vestuário. Os homens usavam então, con-forme a condição social, a túnica (guarnacca) ou o

~to (mantel/o), ambos de couro curtido, de peles decarneiro ou de peliça. O desenvolvimento das relaçõescomerciais com a África do Norte e a Sardenha, nosanos 1150, e a chegada de importantes carregamentosde peles de coelhos tinham aliás causado uma espéciede democratização do vestuário de peles. Logo, no to-tal, uma indústria bastante grosseira, em série, por as-sim dizer. Em todas as cidades do Ocidente, na mesma

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

época, os mesteres do couro ocupavam, se não ~ pr~-meiro, pelo menos um dos primeiros lugares. Os vitraisdas catedrais mostravam com mais frequência os sapa-teiros, fabricantes de botas e peliteiros do que os tece-lões. Era na verdade uma indústria mais primária que ados panos, mais próxima do mundo rural e, em suma,dessa economia de recolecção que o caracteriza. Emcertas cidades, este predomínio da arte do couromanteve-se durante bastante tempo, por vezes até aofim da Idade Média, quando a urbe não conheceu, ver-dadeiramente, um incremento industrial assinalável.

Mas em Pisa, e nas grandes cidades, as necessidadese as modas evoluíam. Para as armaduras, passou autilizar-se mais as placas ou as malhas de ferro. Para oseu vestuário, a pouco e pouco os burgueses procura-vam «peles» revesti das de pano; mais tarde, os fatos decouro pareciam um sinal de mau gosto e um tanto ridí-culos. Pisa pretende então fabricar dentro dos seus pró-prios muros panos semelhantes aos de Florença, osquais eram já muito apreciados. Isto por volta dos anos1260. Em 1266 os ricos tecidos de Pisa eram vendidosno Sul da Itália e, dois anos mais tarde, citavam-se pelaprimeira vez os «cônsules da arte da lã».

Todas as cidades da Toscana conheceram a mesmaevolução, à excepção de Florença, onde, como vimos, aindústria da lã se impusera bastante mais cedo. El1. '-na, as peles simples ou tratadas, anteriormente muitoapreciadas, já não serviam senão para o vestuário dospobres e dos religiosos; os burgueses exigiam panos delã ou agasalhos de pele caros. San Gimignano, que co-meçara por se dedicar ao trabalho do couro, acolheuem seguida a indústria da lã. Esta e~oluçãO.é ~1Uitosensível quando analisamos três registos fiscais da

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da cidade; também só elas garantiam a qualidade damercadoria, constantementevigiada por fiscais rigoro-sos. Esta organizaçãocontrastava fortemente com a daindústria rural primitiva, na qual os camponeses,ocu-pados a tecer panos grosseiros, trabalhando por suaprópria conta, se encarregavameles mesmos, apenasajudados pelos seusparentes, de todas as operações.

Na cidade, era antesde mais necessárioescolherasboas lãs e rejeitar as fibras de má qualidade; gravequestão de que dependeem seguidao valor do pano,sobretudo a sua resistência.Para os bons tecidos, ape-nas seutilizava a lã de tosão, ou lã viva, tosquiada to-dos os anos sobre o animal; desprezavam-seentão aslãs mortas, arrancadasàs mãos-cheiassobrea pele dosanimais abatidos. Certasmulheres,asélisseresses,eramempreguesa desenredare a separar as fibras à mão;cortavam os nós e os desperdícios.

As lãs, divididas a partir daí em vários lotes dedife-rente qualidade, eram entreguesaos batedores,que asestendiamsobregradesde vime ou de pau e lhesassen-tavam grandespancadascom varasde madeira ou chi-batas; por baixo dasgradescaíamasimpurezas,peque-naspedras, fibras que haviam ficado enlaçadas.Em se-guida, os grandesflocos de lã ainda velosadeviam serpenteadosou cardados. A penteadora,sentada,com a

__ oupa protegida por um grande avental de couro,seguravaum pentede ferro em cadamão. Os dentesdopente, bem afiados, de vezem quando aquecidosao ru-bro, desenredavame alongavamas fibras dispostasemmeadasmais ou menoscompridas; a obreira tirava delá os últimos resíduos:fibras partidas, inutilizáveis, pe-quenosentrelaçamentose nós, poeirascotadas,tudo oque formava a borra, ou entremeio. Era um trabalho

() TRABALHO NA IDADE MÉDIA77

demorado, fastidioso, mas considerado indispe~sávelpara os panos superiorese, até, para todos os ~IOSde

dume Para os fios de trama das fazendasmedíocres,~;ta pe~teadurafoi cada vez mai~ su~s:ituída pel,acar-dadura, operaçãomecânicae mais rápida, que so apa-recebastantetarde - por volta dos anos 1260-128? -:- eà qual seliga durante muito tempo um certo descre.di.to.Até ao fim da Idade Média foi rigorosamente.proibidocardar aslãs destinadasaospanosdeboa qualidade. Ascardadeirasestendiamos flocos de lã sobreuma tabuafixa, montada sobre cavaleteou mantida sobreos seusjoelhos, e desenredava-ospassándo por eles grar:descardas, ou miúdos dentes de fe~ro, ~ue_guarneciamuma tábua superior móvel, maneiadaàmao. As ~ea-daseram então formadas de fibras mais curtas, pois :s-te trabalho, mais brutal, mais mecânicoque.o da maodas penteadoras,partia frequente~ente os fIOS.

A estasdiversasoperaçõesde limpeza a sec~acres-centava-seuma outra igualmente delicada e mais ~om-plexa: a da lavagem das lãs, quer antesquer deP?isdapenteadura ou cardadura. As lãs em bruto, cheiasdesuardaanimal, eram mergulijadasem vários banhosdeágua quente e fria.

«Arranjai» diz a Arte de/la Lana, escrita em Flor~nçapor volta, .' a e encneicom ela uma

de 1430,«sessentalibras de lã grosselfae sUJ, .,tina Por outro lado tende uma caldeira onde poreis aguade ArQ~!ile_CIII_com uma grande fogueira de ramos e de lenha fazei-a ferver d~rante

ma hora' e vertei esta água fervente sobrea lã, enchendoa una. A~ãcompri:ne-sedevido ao pesoda água; ~s.sujidad.esfica~ no fun~:-da tina Tirai a lã a ferver e levai-a para cima de seixos,a fim ~ea .var na água corrente e fria do rio. Em seguidaponde-aa secara beirado Amo, cobrindo-a de sacospara que ela se não manche.»

Não obstante. estaslãs secase bra~casma~semma-leabilidade ficavam muito difíceis de fiar. MUltasvezes,

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os lavadoresde lã amaciavamos fios engordurando-oslogo depoisde lavados: técnica dos panos untados su-perior à dos panos secos. Engordurar as lãs requeriaprodutos de excelentequalidade, sabiamentedoseados:manteigano Norte, azeite no Sul:

«Para cadalote de setelibras de lã atirada ao chão e bem estendi-da, vertei gota a gota uma jarra de duas onças de água. Depois, damesmaforma, uma bilha ou jarra contendo igualmente duas onçasde azeite, e trabalhai-a como se fosseuma amassadurade farinha,duasou trêsvezescom aspalmasda mão, a fim de queelaseimpreg-ne perfeitamentedo azeite e da água.»

As fibras de lã, lavadas, penteadasou cardadas,eram finalmente desembaraçadasde todas as suasim-purezas.As fiandeiras apoderavam-seentão delasparaas converter em longos fios contínuos. Serviam-sedefusos de madeira torneada e lavrada, muito curtos, oude rixas de madeira flexível ou de canaslastradasporum pequenopesodechumbo. Com uma mão, puxavamasfibras e apertavam-nasentredois dedos;com a outra,trociam-nase enrolavam o fio assimformado, mais oumenosapertado e liso (retorcido) ou frouxo e felpudo(veloso)em torno do fuso ou da roca. Outras obreiras(na Flandres, as wideressesou dévideresses)desenrola-vam em seguidaos fios e entregavam-nosem meadasdedimensõese pesobem definidos.

~ •••_'t'or volta de 1250-1280,apareceao mesmo tempoque a tábua decardar a roda defiar, instrumento mecâ-nico que permitia à fiandeira fazer girar o fuso com aajuda deum pedal que accionavauma roda e conservarassuasmãoslivres para torcer os fios. Mas, tal como acardadura, a técnica da roda de fiar foi durante muitotempo condenadapor todas as espéciesde regulamen-tos municipais, que, nascidadesdo Norte sobretudo, a

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

proibiam formalmente, excepto para os fios de trama,sempremenoscuidadose mais frouxos. A roda de fiaracabouno entanto por seimpor, em primeiro lugar emInglaterra e na Itália.

A tecelagemera de longe a principal operação dotrabalho dos panos, confiada quasesemprea homens,obreiros especialistasque beneficiavam de uma certaconsideraçãoe fortuna na hierarquia dos companhei-ros. Era também a mais delicada, aquelade que depen-diam a natureza, o aspectoe a solidez da fazenda; umtrabalho completo, o único que exigia um conjunto deutensílios aperfeiçoados.

Tecer uma peçade pano consistia antesde mais empreparar um urdume, ou seja, um conjunto de fios ri-gorosamenteparalelos, geralmente muito apertados emuito sólidos, do mesmocomprimento quea futura pe-ça depano. A preparaçãodesteurdume chamava-seur-didura; era confiada quer a algum familiar ou aprendizinstalado no fundo da oficina, quer a obreirasespeciali-zadas, as urdideiras. Uma delas figura num desenhoque ilustrava o Livre de I'art de Ia draperie de Ypres;vemo-Ia de pé, entre duas armaçõesde madeira. Umasustentauma tábua ondeestãofixas dozebobinascujosfios passamtodos por um anel de metal. A outra é umcaixilho vertical munido de cavilhas. A mulher seguranuma mão os doze fios de lã, desenrola-ospuxand~o~-~o~slllll::-'••para ela, e com a outra mão prende-osnascavilhas eforma a obter o comprimento desejado,o da peça depano: 20 ma 30m a maior parte dasvezes.Vários dçs-tes longos maços, de doze a vinte fios de lã, são dadosao tecelão, que faz com eleso seu urdume.

O tear - horizontal e não já vertical comooutrora - apresentava-secomo um cavaletede madei-

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ra, mais ou menoslargo. Os'«panoslargos», mais deli-cadosdetecer,eram feitos com asmelhoreslãs, asmaisresistentes;ao passoque os panosestreitos- os straitsingleses- serevelavammuitas vezesde qualidade infe-rior. O obreiro mantinha-se sentado num banco. De-fronte dele,afastado, o cilindro grandeou árvore de te-cer enrolava os fios de urdume. Tinha diante dele umeixo de madeirahorizontal que abrangia toda a largurado tear: o cilindro pequeno onde seenrolava a peça,àmedida que a tecelagemseefectuava.Os fios, primeiroestendidosentre os dois eixos, cuidadosamentealinha-dos e muito apertados(com frequência mil fios para alargura da peça- cercade2 m), eram passadosa azei-te, a gordura de arenque,a cola de farinha, a fim de selhesaumentara flexibilidade ou a resistênciae deevitarrepetidasroturas.

O trabalho começavaentão: o tecelãodevia mano-brar um pedalque, atravésdeum mecanismodecordase roldanas, levantava um liço, delgadavareta passadasob os fios paresdo urdume; lançavalogo a seguirporbaixo destesfios a lançadeira, pequenoreceptáculodemadeira contendo uma bobina carregadacom o fio detrama.r Levantava em seguidao outro liço, o dos fiosímpares, e lançava de novo a lançadeira. Para os me-lhores panos,só seintervertiam os liços depoisde seter

__ .•••l••an,..,.,adovárias lançadeirase, portanto, introduzido decada vez vários fios de trama. Nos tearesmais largostrabalhavam dois obreiros, um para introduzir o fio detrama, o outro para o recebere o estender,Enfim, pen-tes, ou ros no Norte, conservavamconstanteo afasta-mento dos fios do urdume para melhor sepassara lan-çadeira e apertar cuidadosamente,contra a fazendajátecida, o fio de trama que acabavade sercolocado. De

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o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 81

vezem quando, o tecelãogirava ligeiramenteo cilindropequeno.De cadalado da peçadepano, uma ourela te-cida de forma mais apertadacom fios mais finos exibiafios de cores diferentes, que apareciamnitidamente nopano enrolado e indicavam a qualidade das lãs utiliza-das e a natureza da tecelagem:marca de fábrica, zelo-samenteverificada pelos fiscais, aquando da cerimóniado esward de Ia perche+, em que a fazenda, estendidaentre duas varas de madeira, era Iongarnenteexamina-da à transparência.

I Estepano tecido continuava sujo, semacabamento.Algumas mulheres, armadasde tesouraspara tosquiar(forces), começavampor retirar os nós ou as impure-zas: fragmentosde madeira ou de canasarrancadosaosliços ou aospentes;tentavam esconderasimperfeições,aszonasmais ralas e asirregularidades.\Paralavar umaúltima vezo pano, recorria-sea diferentesingredientes,em especialuma espéciede argila gorda, a terra de pi-soeiro, posta numa tina de madeiracheiadeáguaquen-te onde a peçaera calcadacom os pés durante longashoras. Estendida entre dois tambores de madeira, eraem seguida batida por dois obreiros acabadores(pa-reurs) que lhe assentavamvigorosas pancadasde car-dos-penteadores(forbattage). Colocada de novo na ti-na de apisoar, outros obreiros molhavam-na ligeira-mentee revestiam-nade manteiga, "'!~aIIC:~ ••••

A partir dos anos 1220-1250,em todo o Ocidente,omoinho de apisoar, instalado à beira dos cursos deágua, accionavamartelos de madeira que batiam o pa-no. Conhecido desdehá muito, o uso destemoinho eracontrariado, tal como a tábua de cardar e a roda de

1 Fiscalizaçãosobrea vara. (N. do T.) rSaber145-6

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fiar, pelosregulamentosdemesteresou peloséditosdascidadesda Flandres, que exigiam que os panos fossemunicamentetrabalhadosà mão.llvías acabouno entantopor se impor: nos arredoresdas cidadesfabricantes depanosda Itália, nos valesdoscamposingleses,não obs-tante afamadospela excelênciadas suasfazendas,bemcomo em todos os lugarejos da França que teciam pa-nos campesinosmais grosseiros.

, Saídasda tina, secasao ar livre durante vários dias,fustigadasuma última vezcom cardos-penteadoresquelhes conferiam um aspectomaismacio, as fazendasas-sim aprestadaseram vendidasem cru ou entreguesaotintureiro.

*

Esta especializaão e estaextremadivisão do traba-lho reen r . ar e nas Cl esItalianas daseda. É certo que a preparação e a limpeza parecemiruifs fáceis,em todo o casomais rápidas e mais mecâ-nicas. Os casulos eram amolecidos em água quente;uma obreira desenredavaquatro ou cinco ao mesmotempo para obter um único fio maissólido. Estefio eraentão torcido graças ao moinho, filatorio, torcitorio,máquina assazcomplexa, movida muitas vezespela

___ ~ça hidráulica, que já atingia um espantosograu deaperfeiçoamentoe permitia economizar o trabalho devárias centenasde obreiros; a partir dos anos 1300,cer-tas máquinasde fiar a seda,em Luca, depois em Flo-rença, contavam duzentose quarenta e até quatrocen-tos e oitenta fusos. A sedaera então cozida, desemba-raçada da sua goma: punham-seas pequenasmeadasem tinas de barro, onde permaneciamvárias horas a

83o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

ferver em águasaponácea.Ífim seguidao moinho de ur-dir preparava mecanicamenteo urdume ou teia.

A tecelagemdaspeçasde sedaapresenta-sepastantemais complexa que a das fazendasde lã. Estasúltimasofereciam sem dúvida numerosasvariedades: largurasdiversas, fios mais ou menospesadose torcidos, textu-ra mais ou menosapertada. Mas as «armaduras»erammuito simples: os tecelõesapertavam mais determina-dos fios de urdume - o que dava listras ao com-prido -, ou multiplicavam durante um certo tempoos fios de trama - o que produzia listras em largura.Os panos de seda apresentavamarmaduras mais va-riadas. Os tecelõesitalianos esforçaram-sepor imitar ossumptuososartigos de sedaorientais: cendal, camalote,dami, baldaquim e brocado, mais pesadose mais difí-ceisde tecer que asteias simples,génerocetim ou tafe-tá. Em Luca, depoisem Florença, Génovae Veneza,al-guns mestres trabalhavam sobre teares especiais,quecustavambastantecaro e cujo segredoseguardavacio-samente.Por volta de 1450,os magistradosde Génovareconheciam «que havia na cidade somenteduas pes-soascapazesde fabricar estasmáquinas de uma formasatisfatória». O veludo, esse,exigia dois urdumesorde-nadossobreo mesmotear; o mais comum só tinha trêsfios de trama: era o tiercepelo(nome queainda o desig-na em Espanha nos nossosdias); mas outros velue~~~mais ricos, contavam até seis fios de trama. Mais lu-xuosos ainda, os tecidos lavrados a fios de ouro e deprata, os damascose osgreciscos,em queasarmadurasvariadas, os fios mais ou menosbrilhantes, faziam sur-gir admiráveis desenhos,muitas vezesinspirados emmotivos muçulmanos ou chineses.Era assim naturalqueestestecidos, objectosdegrandeluxo e obrasde ar-

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te, fossem de dimensões muito mais reduzidas que ospanos de lã: apenas de 2 m a 5 m de comprimento.

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tos fios de seda eram tingidos antes da tecelagem, aopasso que os mercadores apenas confiavam as suas pe-ças de lã ao tintureiro depois de tecidas e aprestadas.Por vezes, chegavam a exportar panos crus para longedo seu país de origem: Florença distinguiu-se muito ce-do na afinagem e na tintura dos tecidos da Flandres; es-ta 'indústria do mig/ioramento contribuiu, sobretudonos anos 1200, para a fama da cidade.

Nao se aplicavam os mesmos corantes aos panos delã e aos fios de seda, mais frágeis. Para as fazendas delã em vermelho, os tintureiros serviam-se da garança,ou ainda da cochonilha, por vezes chamada «sementede escarlate»; para f) azul, que est!<vemuito na m.QilaWais tarde, cerca de 1350-14QQ, consoante as regiões,utilizavam o pastel, ou pastel-dos-tintureíros, cultivadoprimeiro na Picardia e depois, em escala muito vasta,no Lauraguês e no Piemonte, perto de Alexandria e deVoghera. Mas, no que se refere à seda, procuravamquase sempre corantes do Oriente, muito caros: o cre-mex - qualidade superior de cochonilha apanhada na

~---"""'dtólia -, o pau-brasil, o índigo, a noz-de-galha, Oscônsules da Arte del/a Setainfligiam muitas severas aoscontraventores e exigiam que a qualidade da tinturafosse assinalada em cada peça por fios de cores diferen-tes. Esta qualidade derivava igualmente do mordente,que, misturado no banho, fixava as tinturas: tártaro(depósito formado nas vasilhas de vinho, por vezescha-mado «alúmen de vinha»), cal, potassa, cinza, e sobre-

(

3. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, ANDAMENTO DAS

EMPRESAS. - Esta indústria da lã ou da seda não se-ªI2resenta, no sentido corrente da palavra, como umaempresa artesanaU A imagem clássica do obreiro artífi-ce, homem livre das cidades, curvado sobre a sua pró-pria obra, produzindo pouco mas proprietário da suaoficina, dos seus utensílios e dos seus produtos, ven-dendo directamente os frutos do seu labor aos clientes,não se aplica geralmente aqui. Ela só é válida, nas cida-des de então, para certos ofícios muito particulares,frequentemente artes de luxo, que, a bem dizer, aperrz...,,-- -ocupavam um lugar limitado na economia das grandesurbes do Ocidente. Erá o caso, por exemplo, dos ouri-.ves, dos obreiros do vestuário (alfaiates, costureiros,fabricantes de panos de cama, de,toalhas e de colchõesde penas), onde cada artífice conservava, do ponto devista econômico, uma inteira liberdade, com a condi-ção de respeitar os regulamentos da cidade e do mester.

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

tudo alúmen, um dos produtos essenciais do grandecomércio internacional nesta época.° tintureiro instalava a sua oficina nos rés-do-chãoabobadado de uma casa, próximo de um rio (Avinhão,Florença, Veneza) ou perto de um pátio que dispusessede um poço. Preparava cada banho numa caldeira dife-rente e mergulhava as meadas de fios ou as peças de fa-zenda em grandes tinas de madeira. Para as secar, es-tendia os grandes panos de lã sobre um cavalete, lameou lissenas cidades da Flandres, tiratorio em Itália. EmSiena ainda é possível ver, na Via dei Tiratorio, um edi-fício onde os dois últimos andares, rasgados por largasjanelas que facilitavam o arejamento, serviam então desecadouro para as fazendas recentemente tingidas.

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86 JACQUES HEERS

Este povo de pequenos mestres artífices, que, no enten-der de muitos autores, foi o próprio símbolo da cidademedieval, era nas urbes mercantis ou industriais, se nãopouco numeroso, pelo menos pouco influente. Apaga-va-se perante autênticos empresários de indústrias,que dominavam, por seu lado, os grandes mesteres: lã eseda.

Com efeito, um certo número de burgueses, na suamaior parte mercadores, não demorou a controlar estestrabalhos do têxtil. O advento, a partir dos anos 1200em algumas cidades da Flandres e da Itália, deste capi-talismo comercial e industrial explica-se facilmente pe-las seguintes razões:

• A extrema diversidadedas actividades: cada umadas múltiplas operações descritas mais acima necessita-va de um obreiro especializado, reduzido a uma míni-ma parte do trabalho. Nenhum deles podia assim pre-tender exercer uma qualquer influência sobre o conjun-to das operações. Era preciso, ao invés, um chefe, um«capitão» de indústria para coordenar tudo e conduzira lã de uma para outra oficina;

• A necessidadede reunir importantes capitais, decomprar, por vezes bastante longe, as matérias-primas,de vender os panos nas feiras. A lã, e mais ainda a se-da, custavam muito caro. Por este motivo, salvo raras

••_••••••• lI!é!lll~~cepções,os fabricantes dos panos e das sedas foramem primeiro lugar mercadores capazes de adquirir aslãs de alta qualidade, indispensáveis à produção de"pa-nos em larga escala; isto na Flandres e em Itália. Os co-rantes permaneciam também artigos de luxo importan-dos quase sempre de além-mar; em Inglaterra, a indús-tria de panos foi com frequência dominada pelos nego-ciantes do pastel. Em Itália, os mercadores de seda, que

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

a recebiam crua dos seus corretores instalados noOriente ou em Espanha, manobravam firmemente todoo trabalho das oficinas de tecelagem, muito embora elefosse tão complexo. De facto, este capitalismo indus-trial parece antes de mais mercantil;

- • O papel político dos mercadoresna urbe. As suasassociações, hansas ou guildas das cidades do Norte,companhia dos empresários-armadores da Toscana,monopolizavam as principais magistraturas e podiamimpor as suas leis; os regulamentos municipais defen-diam rigidamente os seus monopólios.- A organização do trabalho, pelo menos nos grandes

centros têxteis, assinala nitidamente este império domercador de panos ou de sedas sobre o conjunto dasoperações industriais. Ele comprava as matérias-primase ficava proprietário delas ao longo e em todos os está-dios da fabricação, até ao momento em que o produtotecido, ornado e tingido era finalmente vendido na suaprópria loja ou, a seu cargo, nas feiras e nas cidades es-trangeiras. Durante todo este tempo, o mercador-fabri-cante de panos decidia sozinho a marcha do trabalho:confiava a lã às escolhedoras, depois às penteadoras, àsfiandeiras ... Seleccionava e recrutava a sua própriamão-de-obra para cada trabalho e, concluído este, vol-tava a apoderar-se da lã, do fio, do urdume ou do teci-do, continuando assim senhor da marcha da empresa, •..- __

do ritmo do trabalho, dos custos e dos homens.

*

Se é relativamente acessível definir a posição socialdo mercador de panos, estudar as suas actividades e atéa estrutura da sua empresa, já é muito mais delicado

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88 JACQUES HEERS

precisar o aspectoeconómicoe financeiro, em suma, orendimento destaindústria têxtil. Os cadernosou livrosde contassão escassos.{faraas cidadesda Flandresoselementosde que dispomoscontinuam a serdemasiadoincompletos. Devemosfelizmentea F. Mêlis uma minu-ciosa análisedos registosde contabilidade das Compa-gnie di Arte della Lana, controladasem Prato, perto deFlorença, por Francescodi Marco Datini, entre 1383e1401. Este homem de negócios,cuja actividade se es-tendia a várias cidadesdo Ocidentee cujos principaisassociadosresidiam em Pisa, Florença, Barcelona, Gê-nova e Avinhão, aplicava durante este tempo os seuscapitais em quatro sociedadesda lã, dirigidas por em-presáriosespecializados.Datini apenascontribuía como seudinheiro e o empreendimentopareceassimo tipopor excelênciado grande negóciocapitalista dominadopor um mercador.

.Os resultadosfinanceiros afiguram-se.bastanteme-díocres:apenas5070 a 7% dos lucros líquidos, ao passoque as suasoutras companhias,mercantes,deixavam,na mesmaépoca,um ganho médio de 20%. Nestecasopreciso, a indústria da lã não parece de modo algumum investimento feliz.

A repartiçãodas despesase dos encargosmereceseracentuada.Para uma dasquatro companhiasde panos

~ jIIOtini,e para o conjunto dasqualidadesde lã (inglesa,de Minorca, deMaiorca, do Levanteespanhol,Proven-ça, Romanha, África do Norte), estabelece-seassim(em percentagemdo preço de custo dos panos):

Preçodalã 37,96Custodostrabalhos. 56,44Despesasdiversas(escritórios)................. 5,60

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

As várias operaçõesrepresentamcadauma (em per-centagem):

Escolhae limpeza 15,83Tintura.............................................. 9,59Fiação 9,48Tecelagem. 8,03Ourela............................................... 3,69Pisão,acabamento.. 9,82

Vemosassimque o preço dos diversostrabalhos eramuito mais pesadoqueo da lã em bruto, matéria-primaqueapesarde tudo era ainda bastantecara. As numero-sasoperaçõespreliminares (escolhae limpeza), confia-das amiúde a mulheres, que apenasexigiam um mate-rial reduzido e produtos baratos, oneravammesmoas-sim, e fortemente, o orçamentoda empresa(15,83% dopreço de custo).

Este fraco rendimento financeiro era ainda agrava-do, segundo se crê, pela lentidão das diversasopera-ções.Também aqui um quadro estabelecidopor F. Me-tis ofereceinformações decisivassobre estesproblemastão mal conhecidosdo ritmo da produção medieval. Ográfico que apresentamosa seguir reproduz uma partedestequadro e permite sublinhar as suasconclusõeses-senciais:

• O mercador de panossó seempenhavana confp.f;v,ção de um pequenonúmero de peçasde tecido de cadavez: aqui de uma a dez peças;a maior parte das vezesapenasduas. Os lotes de lã correspondenteseram assimobjecto de uma contabilidade particular .

• Os tempos de espera,no decurso da fabricação,parecemclaramente reduzidos ao mínimo; o chefe deempresaencetavacom frequência cada operação,para

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11 I! 1111111111111111 Urdidura e tecelagem

Acabamento

Venda a retalho

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Os trabalhos de uma empresade panos da Toscana em 1396.(SegundoF. MELlS: Aspetti deIIa vila eeonomtcamedieoaJe. t. I. Siena, 1962,tav. XCIII) ~

Legenda: cadaconjunto indica a duraçAodasdiferentesoperaçõespara um lote de lãs.

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 91

li

uma parte da lã ou dos fios, quando a precedenteaindamal estava terminada; assim, podiam ser conduzidosconjuntamente dois trabalhos diferentes, e mesmotrês,para um único lote.

• O ritmo da produção pareceextremamentevariá-vel e não obedecera qualquer regra geral. Tudo depen-dia dasnecessidadesdo mercadoe dasdisponibilidadesda mão-de-obra. Os obreiros da lã, sobretudo os fian-deiros, trabalhavam mais no Inverno, visto estaremocupadoscom os camposou as vinhas no Verão. Don-de uma grande instabilidade da mão-de-obra; o que,uma vez mais, mostra até que ponto a economiaurba-na e a economia rural seencontravam estreitamenteli-gadas, submetidas quer uma quer outra ao ritmo dasestações.

• Enfim, a lentidão e as dificuldades da vendaa re-talho agravavam ainda mais a mediocridade do rendi-mento. Geralmente,a venda,peçaa peçaou mesmoempequenos cortes, estendia-sepor mais de um ano!O equilíbrio financeiro da empresavia-seassimrigoro-samentesubmetido às flutuações de uma procura quedá a impressãode serbastantehesitante,bastanteincer-ta. Estas incertezaspesavampor sua vez, gravemente,sobre o emprego e o mercado da mão-de-obra.

Notemos, em último lugar, mediante uma abord::~gem um pouco precisadestasempresas,que nem todasse situavam no mesmo plano económico e social.A imagem de uma economiae de uma sociedadedomi-nadasexclusivamentepelo «grande capitalismo» deve,também ela, ser remetida para o arsenaldas ideiaspre-concebidas,e perfeitamente inexactas.Os trabalhos deR. de Roover, de A. Sapori, de F. Mêlis e de G. A.

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Brucker mostramdeuma forma decisivaque estetra-balho da lã, emFlorençae em outras cidadesda Tosca-na, era de factocoatroladopor um grande número depequenassociedades,familiares ou não, de actividadesassazmodestas.EmFlorença, no ano de 1380,duzen-tas botteghe dellauna partilhavam entre si o trabalhodos panos: a suaproduçãoanual variava de três a du-zentase vinte peçasde pano! Estadispersãopareceain-da mais acentuadaemGénova.Além disso, à volta dosempresáriosdepanospropriamente ditos gravitava to-da uma multidãodepequenospatrões, mais ou menossubmetidos (sottoposti] à Arte della lana: tintureiros,cardadores,lavadorese tosquiadores,sobretudo fabri-cantesde pentes.Esteshomensmanifestavamuma cer-ta independênciaeconómica e ocupavam uma posiçãomuito honrosanahierarquiadasfortunas. Assim, a di-recçãodestasimplesindústria da lã assentavanuma ba-sesocial bastantelargae bastantediversificada, de vá-rias centenasdepessoas,quiçá vários milhares.

Il I - Condiçãodos obreiros

Perante o mercador-fabricantede panos, os obrei-ros estavam evidentementedesarmadose, fosse qual

___ osseo ponto devista,suportavamuma condição assazprecária. Vindosamiúdedo campo, na altura da expan-são demográficaedo grande desenvolvimentoindus-trial dascidades,parecemainda mal fixados, por vezesaté semierrantes,maisou menosestranhosna urbe; emtodo o casomal integrados.Esta imigração de homenssozinhos, cortadosda sua família ou do seu clã rural,que não podiam contarcom o apoio das suas antigas

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

comunidades, foi um dos dramas da época. Durantemais de uma geração, por vezesao longo de períodosainda maiores, estesobreiros do têxtil apenasconsti-tuíam uma plebe urbana, cuidadosamentedeixada àmargemdo povo da cidade; não possuíamqualquer di-reito, não faziam parte nem das associaçõesde bairro,nem das milícias armadasou facções,nem mesmodasconfrarias; não participavam nem nas grandes festascolectivas nem nas justas. Já nas imediaçõesde 1400,os nomes de família, nas cidadesda Itália, apenasseaplicavam aos mercadoresou aos-mestres artífices ins-talados desde há muito; os companheiros do têxtil,obreiros da sedaem Gênova, por exemplo, eram desig-nados somentepelo seu nome de baptismo, o de seupai, e pelo nome da suaaldeiade origem: quasesempreum burgo da montanha di Levante.

Contra estes companheiros exercia-se igualmenteuma verdadeira segregaçãosocial, de todo em todo ex-cepcional, aliás, na cidade medieval. Os grandesbur-guesesnão hesitavam em habitar em pleno bairro dosnegócios,em alugar asquitandasde suascasasa peque-nos mercadoresou mestresartífices que, nascidadesdaItália, residem na sobreloja. Porém, mantinham osfiandeiros e os tecelõesnos subúrbios, para lá do recin-to fortificado, sólido baluarte por ocasiãodas revoltaspopulares.

É certo que nem todos os obreiros do têxtil pare-ciam tão desprovidos,ejá assinalámosmesmouma cer-ta hierarquia. As mulheresque escolhiamou fiavam alã não possuíam nada de seu; quer trabalhassememoficinas ou em suascasas,nos casebresdos subúrbiosou do campo, era o mercador de panos que lhes em-prestavatodos os utensílios,os pentes,tesouras,fusose

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rodas de fiar. A esta mão-de-obra miserável contra-punham-se assim os mestres tecelões proprietáriosde uma oficina e, pelo menos,de um tear, muitas vezesde dois ou três. Estes empregavame pagavam entãoa alguns companheiros; por vezes encarregavam-sepessoalmentede mandar preparar o urdume e lidavamcom as urdideiras; chegavamaté a mandar limpar, ba-ter e fiar o pano tecido na sua oficina. Afirmavam-sedestemodo como autênticos«mestres»artífices. Toda-via, dependiam estreitamentedo mercador de panos,que lhesfornecia os lotes de fios, os liços e ospenteses-peciais para esta ou aquela fazenda. Os tecelõesnãopodiam libertar-se desteascendenteeconómico do ho-mem de negócios.Sebem que formassempor vezesas-sociaçõesde mesteresdistintas das dos mercadoresdepanos, raramente participavam na discussãodas ques-tões políticas da cidade, e nunca no comércio dos teci-dos. Era-lhes estritamente proibido mandar tingir assuas fazendase vendê-Ias;apenaspodiam manter umnúmero limitado de tearese de companheiros na suaoficina.

\A cidadee as guildas de mercadoresde panoscon-trolavam firmemente as condiõesde vida e os saláriosde todos os obreiros do têxtil. Mas poder-se-áfalar de

_ ••••_fábricas, no sentido material da palavra?É bem certo que Chrétien de Troyes descrevia

(... ou imaginava) uma espéciede grandeoficina insta-lada num casteloonde seencontravam«umastrezentasdonzelasque faziam diversasobrasde ouro e de seda».Na realidade,estadescriçãoseriamais a deuma grande·oficina senhorial, de um gineceu, onde trabalhariammulheresescravas;quer-nosparecerque o autor exage-

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ra muito a sua importância. Nas cidades mercantisfrancesas,estasfábricas encontravam-seapenasem cer-tas casasreligiosas ou hospitais onde se fiava a seda,esomentea partir dos anos 1460-1480.Estesestabeleci-mentos, muito raros, parecempraticamente desconhe-cidos das grandesurbesda lã, na Flandrese em Itália.Embora, nas cidades produtoras de panos, algumasmulheres que escolhiam ou fiavam as lãs se achassempor vezesreunidas numa oficina do empresário,em ge-ral cada qual trabalhava em sua própria casa.Os tece-lões labutavam no rés-do-chãodas casas,num compar-timento abobadado (o ouvroiri, aberto para a rua atra-vés de um largo vão, a fim de que os transeuntese oseswardeurs(fiscais) pudessemobservarconstantementeas fraudes e defeitos de confecção.

Os mercadores dos panos e da seda regulamenta-vam, muito rigidamente, a duração do trabalho, querpelospróprios estatutosdos mesteres,quer'medianteospregõesmunicipais. Eram então muito numerosos osdias de festa feriados em que as lojas e asquitandas fi-cavam fechadas.Festasreligiosasna suamaioria: asdetoda a cristandade, asque estavamligadasao culto dossantos locais. Cada mester venerava também solene-mente o seu santo padroeiro. Enfim, certas indicaçõeslevam a crer que os tearesparavam, todas as semanas,por volta do meio-dia desábado;de tal modo queo nú-e-mero de dias de trabalho, duzentose cinquentapor anoaproximadamente, era semdúvida o mesmoque hoje.Mas ele variava muito, conforme as tradições de cadaurbe, sobretudo conforme as dificuldades dos tempos.Os magistrados da cidade e os mestres de indústriaesforçavam-se, quando os panos se vendiam menosbem, em particular por volta dos anos 1280na Flan-

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dres, por limitar ainda mais o número de horas de tra-balho, a fim de evitar a superprodução. A multiplica-ção dos dias de folga demonstra então uma políticaconsciente,económica e social, das urbes da lã.

O trabalho nocturno, à luz da vela, era, quer poridênticas razões,quer para evitar os incêndios, rigoro-samenteproibido. Isto, aliás, em todas as profissões.

Era, por exemplo, o que sepassavaem Paris com os moçossurra-dores (companheiroscurtidores): '.

«Quenenhummoço queganheo seupão no dito oficio faça coisaalguma ao sábado,em honra de NossaSenhora,depoisde ter tocadona NossaSenhorade Paris a terceira badalada das vésperas.

»Que os ditos moços, em todas as vigílias das outras festas deNossaSenhora,dos apóstolos, festasanuaise quaisqueroutras festasem que o vulgo da cidade folga, possamdeixar o seulabor à terceirabadalada das vésperascomo acabade ser dito.

»Queelesnão partam para o trabalho desdea Páscoaaté ao diad~ S. Remígio senãoao sol-nascentee regressemao'sol-poente;e dodia de S. Remígio até à Pascoa,a uma tal hora, quer de manhã querà tarde, que sepossadistinguir um tornês de um parisis» (trata-sededuas moedasque apenasdiferiam pelas suas gravuras).

Para os companheiros da lã, todas as manhãs, natorre sineira ou nos paços da comuna, um sino- chamado c/oche des telliers (sino dos espa-deladores)- tocava o início do trabalho, depois ainterrupção do meio-dia e a reentradapara o labor ves-

-"-'peral. Estesino significava assimo império dos merca-doressobretoda a urbe; eleritmava a vida.de todos oscitadinos; opunha-se ao carrilhão da igreja catedral.Todavia, esclarecemcertos textos, à tardinha, aindadurante muito tempo, era o sino .de uma igreja queanunciava o fim da actividade, toque de nonas ou devésperas,que convida os homens«a reservarema Deuso fim do 'dia».

o TRABALHO NA IDAl)E MÉDIA

É verdade que os dias de trabalho, entre o nascereo pôr do Sol, nos parecemmuito desiguais:cercade oi-to dasnossashoras no Inverno, dezasseisnos·dias maiscompridos de Verão. Porém, durante a Quaresma, osobreiros paravam frequentementeao toque das véspe-ras, por volta do meio da tarde. Os regulamentospari-siensesprecisam bem que:

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«Os·pisoeirostêm o seuvésper, quer dizer que os que são aluga-dos à jorna deixam o .seu labor ao primeiro toque de vésperasdaNossaSenhora de Paris nos dias de carne, e na Quaresmaao toquede completas, e ao sábadoao primeiro toque de nonasda NossaSe-nhora de Paris, e na noite de Ascensãoquando o apregoador anun-ciar os vinhos ...»

Ora, em linguagemdemesteres,a Quaresmaé entãomuito mais longa que a do calendário litúrgico: ela po-dia ir até à festa de S. Regímio (1 de Outubro). Assim,em certas cidades, ao longo de todo o Verão, o traba-lho cessavabastanteantesdo pôr do Sol; medida que,por outro lado, permitia igualmente limitar a produ-ção. Mas ela não era aplicada em todos os ofícios.

*

Fossecomo fosse, nos diferentes estádiosda obra,todos eles,incluindo os tecelões,eramapenasassalaria-dos pagos, não ao dia ou ao mês,masà tarefa. Os esta-tutos fixavam minuciosamentea somadevida por cadatrabalho, e puniam com pesadasmultas os defeitos defabrico.

É difícil avaliar e apreciar estessalários:seriapreci-so conhecerexactamenteo estadodo mercadoe o preçodos víveres.No entanto, asjovens fiandeirasde que fa-

Saber145-7

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lava Chrétien de Troyes já sequeixavamamargamenteda sua sorte:

«Passamos a vida a trabalhar a seda e nunca nos veremos melhorvestidas, ficaremos sempre pobre e nuas, e teremos sempre fome e se-de. Nunca poderemos ganhar o suficiente para melhorar o nosso pas-sadio. Entregam-nos ó pão com grande parcimónia: pouco de manhãe ainda menos à noite; para viver, cada uma de nós não tira do labordas suas mãos mais de quatro denários por libra (de seda), e isto nãobasta para a comida e o vestuário, pois quem ganha aqui vinte soldospor semana não se tira de apuros, e sabei que nenhuma de nós ganha

vinte soldos ou mais.»

Não há dúvida de que estaé frequentementea sortedos obreiros da lã e da sedaao longo de toda a IdadeMédia; os textos, afinal limito raros, mostram-no-Iospobres, muito mal vestidos, de mãos estragadas,e, nocaso dos tintureiros, com as unhas sempre vermelhasou azuis.

Nos anos maus, os'mestresda indústria dos panosou das sedasusavampráticas desonestaspara reduziros salários. Acolhiam as pessoasdos campos, que secontentavam mais facilmente com menores ganhos.Acima de tudo pagavamatrasado, em má moeda des-valorizada, ou então estimavamnum preço demasiadoalto asprestaçõesemgéneros:pão e vinho. Resultavamdaí gravesdiscórdias, tumultos ou greves,nas cidades

••.••••• flamengasda lã em particular, nos anos 1280-1310.Enfim e sobretudo,os companheirosdemestér,esse

proletariado obreiro, sofriam de gravesdesigualdadesno mercado da mão-de-obra. As novas estruturas eco-nómicas, as variaçõespor vezescaprichosasdo merca-do exterior e dasexportações,a fragilidade dascliente-lase a concorrênciaencarniçadaa queseentregavamascidadesdos lanifícios, as alteraçõesamiúde imprevisí-

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 99

veisdos circuitos comerciaise asalterações,talvezmui-to mais inesperadas,da moda, constituíam outros tan-tos factoresincertos que agravavamos riscosdesubem-prego e por conseguintede perturbações económicas.

Motivo pelo qual o companheiro pouco qualifica-do, o simplesobreiro, o jornaleiro, era com frequênciacontratado apenaspor um tempo bastante curto: poralgumas semanasou por alguns dias, às vezesmesmosó para uma tarefa bem definida. Donde um mercadopermanentedo trabalho muito fluido, um «mercadodebraços»cheio de incógnitas. Em cadacidade, os obrei-ros vinham, todas as manhãs, a um determinado localbempreciso,a uma hora fixa, procurar trabalho eespe-rar os mestres;citemos, em Paris, para os trabalhado-resda lã, o cruzamentodos Champsou o adro da igre-ja de Saint-Gervaise, para os da construção,a praçadeGreve, à beira do Sena;em Chartres, os tecelõesespe-ravam no Grand-Pont e os cardadoresna ponte Tail-lard. Isto permitia às municipalidades ou aosprópriospríncipes vigiar melhor as condiçõesde emprego,por-quanto os contratos de ajuste deviam ser estabelecidosimediatamentee no local; em 1354,João-o-Bom orde-navaaoscompanheirosda lã, aoscurtidores,aoscarpin-teiros e pedreiros, e a todos aquelesque procuravamtrabalho que fossem«antesdo nascerdo Sol aos luga-res habituais do ajuste de obreiros para se ajustaremcom os que tiverem tear».

Estascondiçõesde emprego, tão incertas, acarreta-ram forçosamenteuma forte mobilidade dos trabalha-dores conduzidos pelo desempregoa buscar ocupaçãolonge de suascasas,inclusive atraídos por ofertas maisvantajosas,por vezespor uma maior segurança,ou atépor um género de vida diferente. Estasdeslocaçõesto-

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mavam amiúde o aspecto de migrações campo-cidade,quer sazonais quer ocasionais e irregulares. As grandesobras de construção urbanas, as das catedrais ou dospalacetes dos príncipes, por exemplo, atraíam à cidademultidões de trabalhadores de origem rural, confiantesnum emprego durante alguns meses. De modo inverso,a mão-de-obra, sazonal mas numerosa, indispensávelao arranjo das cercas de vinha e às vindimas, recrutava--se na cidade. No mesmo local de ajuste da cidade espe-ravam juntos trabalhadores agrícolas e obreiros daconstrução; eram muitas vezes ambas as coisas. De fac-to, este proletariado dos pequenos mesteres, não espe-cializado, era ao mesmo tempo rural e urbano; as des-locações dos trabalhadores mantinham relações cons-tantes e íntimos laços humanos entre cidade e campo.

IV - A cidade e as indústrias rurais

Os grandes mercadores de panos e de sedas não im-puseram só uma organização «capitalista» à indústriaurbana. Estenderam também a sua influência aos cam-pos vizinhos e longínquos, e, pouco a pouco, orienta-ram ou dominaram as respectivas economias e traba-lhos. O progresso das grandes cidades mercantis intro-duziu no mundo rural outros hábitos e outras mentali-dad~s. É então que alastra a economia de mercado, quese difunde o uso da moeda, que cada burgo importanteconstrói um mercado central onde os camponeses vêmvender os seus couros, as suas telas ou os seus panos.Os penhoristas, judeus, lombardos, toscanos, acolhemagora uma clientela camponesa numerosa. Em Inglater-ra, os mercadores, vindos frequentemente de Londres,

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introduzem as práticas da venda a prazo e do crédito nocomercIO da lã. em todas as aldeIas aos Midlands.A busca do lucro marca assim profundamente toda avida dos campos ocidentais.

1. O TÊXTIL. - Não ignoramos que a indústria ruraldo têxtil foi sempre bastante activa.llvlas este trabalhopermaneceu durante muito tempo exclusivamente cam-ponês; só produzia panos grosseiros - o 'burel ou abranqueta, por exemplo -, de baixo preço, destinadosao consumo familiar ou 10ca1.JA grande novidade, apartir dos anos 1300, segundo se julga, foi o desenvol-vimento de uma indústria de panos de qualidade, insta-lada nos campos, mas controlada pelos mercadores dascidades.

Esta transferência parece ligada a diversos factores:• A difusão de certas máquinas, como os moinhos

de apisoamento. Os mercadores da região de Bristolmandam apisoar os panos largos nos vales afastados dacidade, onde a água era mais clara e a corrente maisforte, e os panos mais ordinários, segundo a antiga téc-nica, nas aldeias da planície e na própria urbe;

• A procura de uma mão-de-obra menos exigente.Na Flandres, sobretudo, as perturbações sociais incita-ram os mercadores de panos a emprega; camponeses,pouco habituados aos salários da cidade, dispondo jáde outras fontes de rendimento, e divididos, incapazesde se agruparem como o tinham feito os tecelões deGand ou de Bruges em associações já ameaçadoras;

1• Por fim, uma ,evoluçãoda moda e das necessida-~ Os homens trocavam de boa vontade as grandesvestes de ,largas pregas pendentes por fatos apertadosao corpo, ajustados graças aos botões, guarnecidos de

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peles,difíceis decortar nasespessasfazendasda «gran-de confecção». Donde, mau grado os regulamentosdraconianos que tentavam manter as antigas tradiçõesdos panos pesados,a procura acrescidade tecidos maisleves,de «pequenaconfecção»,mais fáceisdetecer. Namesmaépocadivulgou-setambém o uso deroupas inte-riores, que suscitouuma maior necessidadede telasvul-

. garesde linho ou decânhamo, e detecidosmistoscomoos fustões(lã e algodão). Para qualquer destasfazendasjá não era necessáriauma mão-de-obra urbana muitoqualificada e estreitamentevigiada. Pelo contrário, atecelagemdos artigos de sedaque exigia máquinas dis-pendiosase sobretudo obreiros de uma grande habili-dade nunca sedesenvolveu,então, nos campos.

Por estasdiferentesrazões,os mercadoresde panosdas cidades empregaramcada vez mais uma mão-de--obra rural e alargaram assim a sua influência às re-giões próximas. A «crise» da indústria flamenga, porvolta de 1300,reduz-seantesdemais a um resvalardasactividadesda urbe para as aldeias,perto dos ribeiros.

(A grande indústria de panos inglesa,na mesmaépoca,foi amiúde rural.iinstalada nosburgossenhoriais,à bei-ra dos cursosdeágua. Na regiãodo lago de Constança,a grande companhiamercantede Ravensburgocontro-lava o trabalho de numerosas aldeias de tecelões ecomprava-Ihestodas as suastelas; o mesmofaziam oshomensde negóciosde Milão ou de Génova no que serefere aos fustõesda Lombardia.

Também na Toscana o trabalho da lã tendia atornar-se uma actividadeessencialmenterural, domina-da, evidentemente,pelos burguesesda urbe. FrancescoDatini de Prato empregou,de 1383'a1401,setecentosesetentafiandeiros ou fiandeiras de lã, dos quais trezen-

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tos e dezassetemesmo em Prato e quatrocentos e cin-quenta e três nos vales das cercanias.Os números sãoainda mais significativos seconsiderarmoso pesoda lãtrabalhada (4674 libras contra 12231) ou o seu valor(89 florins contra 358). Estesquatrocentose cinquentae três obreiros camponesesda lã que labutavam paraesta companhia de Prato repartiam-se por noventa ecinco localidades, quasetodas nos valesda montanha:Vai di Marina, di Bisenzio, d' Agna, di Nievole, desdeas torrentes estreitasdo Monte AIbano até ao longín-quo Vai MugeIlo no coração do Apenino, a cerca de40km da sededa empresa.

2. AS MINAS E OS METAIS. - Pela mesmaépoca,nosanos 1300e 1400,os burguesesasseguravamigualmenteo seuimpério sobre os mais importantes jazigos minei-ros da Europa ocidental. IA exploraçãodasminas e dasforjas dominiais, espalhadaspelasflorestas, muitas ve-zes nómadas, não podia bastar às novas necessidadesdos mercadorese dos exércitos.Era precisomais ferrosimples ou fundido para as peçasdos moinhos e dasmáquinas, sobretudo para a construção de grandesna-vios, para as suascorrentese assuasâncoras.Aos pro-gressosda artilharia responderam os do trabalho dobronze e uma forte procura de cobre e de estanho,queultrapassavade longe a produção tradicional. Semfa-lar dos enormessinos, orgulho da catedral e da cidade.

Os homens de negócioscontrolavam e exploravamas minas de uma forma racional. Isto verificava-sean-tes de mais em Itália, onde Pisa superintendiaasminasde ferro da ilha de Elba, e Sienaa de prata de Roccas-trada, no Apenino. MassaMaritima ofereceentão, ain-da na Toscana, um perfeito exemplo de uma urbe ex-

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clusivamente mineira. O incremento da cidade estevesempre intimamente ligado à exploração dos jazigosdisseminadospelascolinas metaliferas: ferro, chumbo,cobre e prata, até mesmoenxofre. Quando a jovem co-muna, cercade 1220,acabou por levar a melhor sobreo bispo e os senhoresdos arredoresegarantiu um direi-to absoluto sobreasminas, ocorreu uma verdadeirain-vestidade imigrantesde todas asespécies,sobretudodeespecialistasalemãesem buscade rápidas fortunas. Emmenos de um século, mais de mil e duzentas famíliasestabeleceram-seem Massa,a qual seembelezou,cons-truiu o Domo e o Baptistério, o Palácio Comunal; nosanos 1320,contava aproximadamentedez mil habitan-tes; massobrevindaa crisecom a dominaçãosienesae aconcorrência dos metais alemães,achou-sereduzida aum pequeno burgo de quatrocentas almas. Aventurabrutal de uma cidade nascidade uma febre da prata edo cobre.

\ Urbe burguesa,MassaMaritima impunha às minasdo seucontado uma exploraçãodeestrutura nitidamen-te capitalista. Os estatutosda comuna, que datam dosanos 1250,esclareciamque cada burguêsde Massaeralivre de cavar um poço onde quer que fosse,sobretodaa extensão do território. Bastava-lhecravar no chãouma cruz, começaros trabalhos num dos três dias se-guintes e não os interromper durante mais de um mês.10proprietário sópodia requererumaindemnização,fi-xada por um conselhode três mestresda Arte dos Mi-neiros. Esta legislação- retomada aliás pouco depoispor Siena- afirmava claramente,de uma formá arbi-trária, os direitos dos capitães de indústria burguesescontra os dos senhores fundiários. \ Estes burguesesagruparam-se,a fim de explorar cadajazigo, numa So-

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cietas,ou Communitasfoveae, cujo capital estavadivi-dido em trinta partes iguais: era já uma espéciede so-ciedadepor acções.

1Ostrabalhos evidenciavamentãouma mestriatécni-ca notável. A sociedademandou cavar um grande nú-mero de poços separadospor uma distância de 15m a20 m; cada um media cercade 1 m de diâmetro e fre-quentemente100m de profundidade. Galeriashorizon-tais (de 1,6 m de largura e 1,8 m de altura), traçadascom esquadria, fio-de-prumo e bússola, atingiam os fi-lões. Equipas de operários armados de picaretase decarregadoresocupavam alternadamentea mina. O mi-nério, triturado mecanicamentee depois lavado, era re-finado em diversasfundições, entre asquaisa de Arial-Ia, pública, próximo da cidade.

Esta rígida organizaçãodo trabalho evita qualquer perda de tem-po; reencontramo-Ia, mais tarde, em várias outras regiões.É o casodasminasdo Lyonnais e do Beaujolais,cujos regulamentos,bastanteminuciosos, determinam, em 1455: .

«Que todos os operários de martelo serãoobrigadosa fazer intei-ramente o seu turno todos os dias, tal como ultimamente seacostu-maram a fazer. E serãotodos reunidosjuntos um pouco antesda ho-ra do dito turno diante das entradasdas montanhas, onde pegarãonassuasvelas,e entrarão de uma só vezpor ordem no interior dasdi-tas montanhas. E sehouver algum que lá não estejaa essahora comeles e venha depois, não terá qualquer vela e não entrará na ditamontanha no dito dia; perderá assimo seuturno, que lhe seráabati-do no salário.

»Quando os ditos operários estiveremdentro da dita montanha,terão de esperaro outro turno que devevir depoisdeles,e não seme-xerão dos seuspostos até o outro turno ter vindo e entrado, na ditamontanha, sob pena de perderem o dito turno.

»Que cada um dos ditos operários estejasempremunido para oseulabor de um martelo e de uma dúzia de seguresque lhe serãoen-treguesna forja de tal maneira que, por falta dos ditos martelo e se-gures, não haja motivo para cessaro trabalho nem perder ternpo.»

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Nesta épocade grande expansãoda indústria meta-lúrgica, o trabalho dos metaisera sobretudo da alçadadasurbesmercantisda Alemanhado Sul, cujos grandesburguesesexploravamasminasdecobreda Boémia, daSaxónia e da Turíngia (forjas de Mansfelder e de Am-stadt), asminas de estanhoda região de Amberg, a su-destede Nurembergae deErzgebirge,easminas de fer-ro na Estíria e Caríntia. Os mestresalemãesconcebiameles próprios novos processosmecânicosou químicosque revolucionavam a arte dasminas e dos metais:

• Máquinas para escoaros poços. Primeiro movidas pela forçaanimal, depois pela força hidráulica (uma das mais célebresera a deSchemitznosCárpatos),permitiam atingir camadasde minério muitomais profundas que outrora. Eram então as mais poderosasinstala-çõesmecânicasdo Ocidente;

• Foles e martelos mecânicospara asforjas. Os novos foles, apa-relhos de dupla acção .im chamasmais fortes para trabalhar lin-gotes de ferro rnai orumosos;

• Fornos originários da Escandinávia. Estes«Stückofen», cons-truçõesem tijolos de 2 m a 3 m de altura, tratavam 40 t a 50 t de fer-ro por ano, cercado triplo da antiga «forja catalã»;

• Enfim, novosprocessosquímicos, em particular o da amálgamacom mercúrio para separar a prata do cobre; este método alemãomostrava-semuito mais económicoque o da refinação em pequenosfornos, até então tradicional.

1No mesmomomento, poderosassociedadespor ac-ções(geralmentecento e vinte e oito partes ou Küxen)tomavam as minas a seu cargo e organizavam aí umtrabalho racional; pagavamos seusdividendos anuais,quer em lingotes de ferro de comprimento variável,quer em numerário, a associadosque já não residiamno local e se limitavam a manter aí os seusagentes.Manifestava-seassim o triunfo das grandes dinastiasdestascidades alemãesque «regurgitavam de ouro»,

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graças ao trabalho das minas e ao tráfico dos metais.\Era o que sepassavacom os Meuting em Ausburgo, osFuggerem Nuremberga, tipos acabadosdessescapitãesde indústria dascidadesburguesas,onde, decididamen-te, a sociedadee a economia se organizavam segundoas estruturas do «capitalismo» moderno.

CAPÍTULO III

OS QUADROS- SOCIAIS:COMUNIDADES, CONFRARIAS, MESTERES

A omnipotência do grupo afirma-seassimtanto noscampos como nas cidades e marca profundamente associedadese as mentalidades.Estesgrupos parecemnoentanto assazcomplexos, de natureza muito diversamúltiplos. Interpenetram-seamiúde no interior de urnamesmaurbe. As suasorigens são quasesempremuitomal conhecidase impossíveisdedefinir. É por estemo-tivo que~ respectivoestudoseafigura delicado; foi du-rante muito tempo mal conduzido. Dispomos sobretu-do de textos, aliás bastantetardios, que apenaspõem atónica ,sobreasactividadesprofissionais destasassocia-ções. E o que sucedecom os inúmeros estatutos dosmesterese suassequênciasintermináveis de regulamen-tos s?breo modo deexercercadaprofissão e devigiar aquahdadedos produtos.

Os estatutosdos mesteres,estudados,inclusive fre-quentementepublicados, foram durante muito tempo afonte essencialde todos os nossosconhecimentossobreestesgrupos sociais da Idade Média. O que engendraforçosamenteum erro de óptica. Muitos autoresainda

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consideram as associaçõesurbanas somentesob o ân-gulo estritamenteprofissional e vêemno cuidado de re-gulamentar o trabalho dos obreiros a sua única razãode ser. É menosprezarentão toda a suavida religiosa eafectiva, de uma espantosariqueza; é negligenciara suainfluência decisivasobrea evoluçãoda expressãoliterá-ria e artística.

Digamos contudo que os trabalhos mais recentesmatizaram e enriquecerammuito a óptica tradicional.Eles permitem afirmar que:

• As preocupaçõesprofissionais só raramente esti-veram na origem da associaçãorural ou urbana. Comgrande frequência, a confraria religiosa e os laçosdevi-zinhança precediam e anunciavam a corporação demester;

• Estesgrupos de trabalhadores, camponesesou ci-tadinos, nem sempreforam o reflexo de lutas sociaisnointerior da aldeia ou da cidade. É verdadeque no cam-po a comunidade aldeã opunha vigorosamenteos seusinteressesaosdo senhor.Mas na cidadea associaçãodemesteres,na sua forma acabada,continuava dominadapelos «burgueses»e perrnitia-Ihesreforçar o seuascen-dente sobre a economia e a sociedade da sua urbe.Apresentar o mester como uma associaçãode compa-nheiros erguidos contra os mestresde indústria é umanacronismo e um conceito errado.

I - As comunidades aldeãs

Pareceque as práticas comunitárias e a coesãodosgrupos sociais se afirmaram com mais força nos cam-pos do que nas cidades; isto pode explicar-sepela ex-

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ploração comunitária das terras ou dos rebanhos,pelovigor doslaçosdevizinhançae pelo isolamento, por ve-zes, dos lugarejos ou das aldeias,pela semelhançadasactividadese dos gênerosdevida, pela relativa simplici-dade das administrações.Estesgrupos sociais dão noentanto a impressãode ser de origens e de naturezasmuito variadas.

1. AS COMUNIDADES FAMILIARES; PROPRIEDADE IN-

DIVIDUAL OU PROPRIEDADE COMUNITÁRIA. - Em nu-merosasregiõesdo Ocidente a propriedade camponesanão pertencia a um indivíduo, mas antes a um gruposocial mais ou menosnumeroso, de natureza familiar,composto pelos herdeiros dos mesmos antepassados,aos quais sejuntavam, às vezes,por diferentes formasde adopção, estranhos, indivíduos ou grupos. Estasadopções,chamadasamiúdeaffrêrement+, provocavamimediatamentea comunhão dos bensde duasou váriaspessoas,formas de exploraçãocomunitária, a vida sobo mesmotecto, no mesmolar; estesaffrêrements eramindissolúveise estendidosa todos os tipos deproprieda-de. Encontramo-losem grandenúmero, sob a forma decontratos em boa e devida forma perante notário, emtodos os paísesdo Sul, em Itália, em Espanha,na Pro-vençae no Languedoque,terras de direito escrito. Emtodos os outros lugares, tais comunidades,nascidasdeuma longa herança de carácter tribal e reforçadas detempos a tempos por estescontributos artificiais, ape-nas seapoiavamsobreacordosde caráctertácito, don-de o nome, escolhido pelosjuristas e historiadores, de

1 De affrérer: unir como irmãos. (N. do T.;

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comunidadestaisibles 1. Na realidade, os textos da épo-ca dizem antes companhias, fraternidades ou freres-ches, cotteries, parsonneries ou celles.

Os parceiroseram, evidentemente,em número mui-to variado: de quinze a cem indivíduos nas comunida-desfortemente estruturadas;uma inquirição fiscal leva-da a cabo no bailiado de Caen em 1484 dá notícia nãode uma exploração rural, masde uma simplescasains-talada num pequeno burgo onde residiam dez casaise setenta almas; o redactor precisava, aliás: «Elesresponderam-meque mor:avammuitas vezesdestama-neira porque temiam as tailles",» Todos os benseramestritamenteexplorados em comum; as filhas só rece-biam um dote em dinheiro; os rapazesapenasse po-diam casar com o consentimento mútuo e habitavamsemprena sua comunidade. Os parceiros elegiam umchefe, o patrão, que, assistidopor uma espéciede con-selho,governavaos homense os bens,estabeleciao ca-lendário e a repartição dos trabalhos, vigiava a vendadascolheitas, representavaos seusaquandodosproces-sos,presidia à oração da tarde; umapatroa, esposadosenhor ou designadapelo conjunto das mulheres, diri-gia tudo o que dizia respeito à casa e ao vestuário:guarda dascrianças, fabricação das fazendasde cânha-mo de lã e de cânhamo, amanho da horta, criação dosporcos.

O habitat revela bem estas práticas comunitárias.A quinta compreendia, antesde mais, uma casaprinci-pal de habitação, cujo compartimento mais importan-

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t De taíre: calar. (N. do T.)2 Taille: imposto pessoaldevido ao senhor.(N. do T.)

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te, o chauffoir (sala de aquecimento), servia delugar dereunião para as refeições, para o serão, para ajustar oscontratos· mesmo ao pé ficavam, de um lado, uma ca-pela, do outro o quarto do senhor; o grande comparti-mento era aquecido por uma enorme chaminé, mobila-do pela ampla mesa de comunidade com os seusbancosde cada lado, um grande armário para a louça e váriosarmários onde cada família devia colocar os seus benspessoais. Estas famílias dos parceiros, vivendo «damesma panela e ao mesmo lume», alojavam-se emquartos separados, abertos para o exterior através deum grande alpendre. ou reunidos em edifício à parte.

Tais comunidades rurais, fortemente constituídas,agrupando um número importante de indivíduos, pare-ce terem sido, sobretudo nos anos 1400, bastante nume-rosas em França, nas regiões do Centro (Alvérnia eBourdonnais) e do Oeste ou Sudoeste (Poitou). Mesmofora destesgrupos sociais tão particulares, a simples in-divisão dos bens entre irmãos ou primos levava a que aspropriedades comunitárias representassem um pesoconsiderável na sociedade e na economia da época; nosanos 1460-1480, por exemplo, certos cadastros da Itália(principalmente no Piemonte ou na Ligúria) dão-nos aconhecer que cerca de 30% de propriedades eram man-tidas por pequenas comunidades familiares.

2. AS COMUNIDADES POLÍTICAS E O GOVERNO DAS

ALDEIAS. - A tomada de consciência colectiva da co-munidade aldeã esteve estreitamente relacionada, emprimeiro lugar, com a ideia de salvaguarda e de s~g.u-rança, logo com a definição de limites rnatenais;reforçou-se devido à prática comum do culto e das de-voções; parece-nos igualmente muitas vezes provocada

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pela necessidade de organizar os trabalhos quotidianos,de estabelecer regras e calendários; enfim, pelo desejode se libertar, sobretudo pelos processos, da tutela se-nhorial. Mesmo no âmbito da senhoria, as comunidadesaldeãs ministravam a sua própria justiça; era o caso dasregiões rnediterrânicas, onde um tribunal dos prebostesdas hortas resolvia todos os conflitos relativos ao usoda água; citemos ainda os tribunais das colonges, naAlsácia, ou os dos solares ingleses, que cobravam, paraa igreja da aldeia, metade das multas e, por outro lado,designavam os guardas das aldeias e exerciam uma es-pécie de polícia dos bons costumes.

Por outro lado, do ponto de vista económico e so-cial, os historiadores da vida rural sublinharam semcusto os laços estreitos entre comunidade camponesa,constrangimentos colectivos e paisagens de open-field,É certo que a prática geral do pasto livre, o rebanho co-munal e a rotação regular das culturas impunham umarigorosa disciplina da economia agrária: interdição decercar, afolhamento forçado, concentração das mesmasculturas numa mesma folha e das casas numa aldeiacompacta, sobretudo respeito por um calendário co-mum para os trabalhos dos campos. As datas das la-vras e das cearas, por exemplo, eram determinadas pe-las assembleias de aldeia, que proclamavam então opregão (ban) em toda a extensão do território e desig-navam chefes responsáveis encarregados de aplicar osregulamentos e de cobrar as multas: reis de aldeia nasregiões francesas, Bauerrichter ou SchuttermeisternaAlemanha, Kedde na Frísia, Viewersof the Fields so-bretudo em Inglaterra. A disposição das terras em cam-pos alinhados, pelo menos regulares, teria igualmentefavorecido uma redistribuição periódica das terras en-

Saber145-8

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tre oschefesde família da aldeiae seriaassimo sinal deum verdadeirocolectivismoagrário.

Todavia, asobrigaçõescolectivasimpostaspelasco-munidadesaldeãsnão se aplicavam somenteàs paisa-gensabertas. Reencontramo-Ias,menos severase semdúvida diferentes,em todos os paísesde camposcerca-dos e irregulares.Na Noruega do Sul ou do Oeste,oshomensdispersavam-seem herdadesisoladase em pe-quenasaldeolas,mas as grandesfamílias de um vastoterreno agrícolaagrupavam-senuma poderosacomuni-dade de vizinhança (grannesam/ag) para efectuar ostrabalhos em comum, partilhar a erva dos campospan-tan~sosproporcionalmenteao número de pessoas,or-garuzarasgrandesabaladaspara aspastagensde Verão'e, até, redistribuir periodicamenteas terras cultivadas.Na Sardenha,região de terrenosirregularese cercados,os campossemeadosformavam a terra de corda, nomeque lembra ainda o tempo em que os solos eram medi-dos, avaliadose distribuídos entreas famílias da aldeia,aproximadamentededois em dois ou de cinco emcincoanos. Assim, em todos os países, estas associaçõesagrárias, dirigidas pelos mais poderososda aldeia, co-mandavamnumerososaspectosda vida rural e desem-penhavamum grandepapelna vigilância dos trabalhos,na distribuição dos direitos e das tarefas.

De um ponto de vista maispolítico, os aldeõesobti-nham, muitas vezesbastante cedo, liberdades e umacerta autonomia administrativa. Eles formavam comu-nasque tomavam a seucargotoda a vida aldeã, no querespeitavaa todas as suasactividadeseconómicase so-ciais. Logo em 1245,quatro aldeias da Thiérache noHainaut, obtinham uma lei de paz segundoa qual 'elasdesignavam,cada uma, sete almotacés e um número

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variável de jurados. A comunidade política aldeãorganizava-selevandoem pouca conta a senhoria;exer-cia o direito de pregão, muitas vezesindependentemen-te do senhor, outras contra ele, forçando-o a curvar-se;a contabilidade, assazprecisa, dá testemunho de umagestãomuito atenta dos rendimentos e da fazenda pú-blica.

11- As confrarias. Vida religiosa. Cerimónias e jogos

Os homensreuniam-sena igreja da aldeia ou da pa-róquia urbana, nos claustros dos conventos, nas cape-las, no meio dos adros. Assim, o grupo social foi comfrequência uma confraria religiosa, consagradaa umsanto patrono. Nas cidadesafirmavam-seas confrariasda Virgem e, nos campos,asdo Espírito Santo, tão nu-merosas,por exemplo, nas regiõesdas montanhas: Al-pes da Sabóia ou da Provença, Forez e Alvérnia; nosanos 1400 multiplicavam-se em toda a Inglaterra asguildas rurais do Corpus Christi: algumasaldeias con-tavam três ou quatro.

O essencialda vida colectiva dependia,em boa par-te, daspráticas religiosas:respeitoe celebraçãoda festasolene, conservaçãode um oratório à esquina de umarua ou na encruzilhada de caminhos campestres,deuma capela na igreja, participação nas cerimónias poraltura dasgrandesfestasda Páscoaedo Natal, naspro-cissõesde penitentespelasruas da urbe durante os diasda SemanaSanta. A importância do culto religioso jáse manifestava atravésdo próprio nome da confraria:candaille, ou chandelle (vela); de facto, o que entãomais importava era fornecer grandesbrandõesde cera

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para os altaresdascapelas.Em Inglaterra, os responsá-veis pelas guildas aldeãs eram por vezes chamadoslightmen e encontramos ainda, em certas igrejas nor-mandasda região de Auge, estasenormestochas,colo-ridas, cinzeladase enfeitadas,oferecidasna Páscoape-las confrarias.

*

Elas usavam também, de boa vontade, um outronome, que sublinha bem o seu papel social: caridades(carities em inglês). Pois o grupo, fortificado por estacomunhãoreligiosa, tomava verdadeiramenteforma deinstituição fraternal, de uma associaçãode socorrosmútuos que vinha em auxílio dos membrosdeserdados.Certas confrarias camponesaspropunham-se recons-truir, à custa de todos, as quintas destruídas pelos in-cêndiose indemnizar os lavradorespelassuascolheitasdanificadas. Isto sobretudonos paísesdo Norte: na Es-candinávia- o brandstup na Suécia- e em Inglaterra.

Nas cidades,prestavamauxílio aos doentes:«A todos os que virem estascartas Henri de Taperel, guarda do

prebostadode Paris, saúda.Fazemossaberque, como os obreiros depeles de esquilo residentesem Paris nos suplicaram humildementeque, como no árduo trabalho do seumester,elesadoecemmuitas ve-zesde maneiragrave e prolongada, de tal modo que não podem tra-balhar e têm de procurar o seu pão e morrer de miséria, e tendo amaior parte delesuma imensavontade e boa devoçãode acudir aosdoentesdo seumestera seucusto, dá-sea saberque aquelequeadoe-cer ou ficar incapaz terá cada semanatrês soldos parisis para poderviver, e, quando serestabelecerdestadoença,terá três soldos para asemanaem que selevantar e trêsoutros soldosuma vezpara recupe-rar forças ... Nós, que queremose desejamoscontribuir para o co-murn proveito e a honra de Deus e da bendita Virgem Maria e do"" 'o sire, o rei, e, como nos compete,queremoso proveito do povo

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comum, outorgamos aosditos obreiros peliteiros de esquilo, que elespossamfazer as coisasditas acima com a nossaautoridade, licença emandado.»

No dia da suafesta,e quasesemprena Ascensão,ascaridades distribuíam esmolas pelos pobres e pelosdoentes. Ajudavam os seusmembros que partiam emperegrinação além-mar, acompanhavam-nosàs portasda cidade e acolhiam-nos alegrementeaquando do re-gresso.Algumas delasmantinham a seucustouma casaaberta a todos os peregrinosestrangeiros;era o casodaguilda de Coventry, que, em 1340,fundou uma hospe-daria de treze camaspara aí receberos viandantes.

O culto religioso e o dever fraternal conjugavam-sena altura do funeral de um membro defunto, a que to-dos os outros irmãos deviam assistir.A confraria man-dava dizer regularmente missaspelos mortos, muitasvezespelos frades do convento onde ela havia feitoconstruir e decoraruma capela.Vejamos,por exemplo,o que nos é dito acercada caridade dos barbeiros deArras, em 1247:

«Que todos saibamque os priores dos irmãos pregadoresde Ar-ras, com autorização do mestreda Ordem, outorgaram aosbarbeirosde Arras uma caridadeque seráconstituída em honra de Deuse Nos-sa Senhorae meu senhor'S. Domingos. E outorgaram-lhestrês mis-sasem cada ano perpetuamentepara os confradese consororesque o,nela entrarem, quea caridademantiver, e quemorrerão ... E outorga- 111rarn-lhe plena companhiae plena participaçãoem todos os benefíciosque foram feitos e que serão feitos no seuconvento de Arras, e emtoda a suaordem nasantacristandade,para queoshomensque foremda caridade sejam mantidos em graçae para que aquelesque morre-rem vejam abreviar as suas penas de purgatório e apressaro seurepouso eterno.»

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A viúva e os órfãos recebiam amiúde uma certaquantia de dinheiro.

Além disso, a cerimónia do funeral, minuciosamen-te fixada, por vezes sumptuosa, sempre dramática, ter-minava com o grande banquete ritual.

O gosto pelas grandes procissões, pelas ostentaçõesbem planeadas, exprimia-se igualmente por ocasião dasfestas solenes, o que explica facilmente o papel desem-penhado por estas confrarias na evolução das artes, damúsica ou das canções populares.

No campo, elas ornamentavam brilhantemente aigreja e estendiam sobre as lajes de pedra um tapete deerva fresca' e .de flores. Durante o Pentecostes, as lon-gas procissões do Espírito Santo visitavam todos osoratórios e calvários das redondezas; outras grandesfestas camponesas assinalavam igualmente o dia deS. João e sobretudo as rogações: procissões para pedirum tempo clemente na época das searas novas e boascolheitas.

Na urbe, as confrarias organizavam longos desfilesde penitentes em trajes severos e cogulas, carregando àforça de braços as pesadas estátuas de madeira policro-ma, as figuras dos santos e da Virgem, os grupos daCrucificação ou da Paixão, espantosas expressões daarte popular, ainda demasiado mal conhecidas. Conser-vavam a tradição dos grandes jantares de homens (... epor vezes dos beberetes) nos amplos vestíbulos das ca-sas comuns; em Colmar, por exemplo, nos poêlese nosZunfstübe. Participavam também em todos os folgue-dos, nos jogos, nas competições desportivas - corridasde cavalos, tiro ao arco, justas sobre os ribeiros ou oscanais -, nas festas e nas mascaradas que assinalavam

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

os grandes dias da cidade. Acolhiam os príncipes, bis-pos ou soberanos na altura das entradas solenesna suaurbe.

As confrarias também desempenharam quase sem-pre um papel primordial no desenvolvimento do teatropopular. Primeiramente representados nas igrejas, so-bre um estrado desmontável ou sobre um sepulcro depedra, os Mistérios e Milagres foram postos em cenapelas confrarias, que ordenavam a sua sequência, in-ventavam todos os anos um enredo particular e inse-riam nele um ou outro pormenor de actualidade. Nascidades inglesas, passeavam pelas ruas um tablado demadeira montado sobre rodas, de dois andares; em ca-da paragem, os penitentes representavam o milagre so-bre o palco e por vezes desciam à rua para cantar assuas canções de lamento e dançar. Por ocasião dosgrandes festivais, muitas vezes para celebrar a festa doCorpus Christi, as sequências de Milagres, bastante nu-merosas (vinte e cinco diferentes em Chester, quarentae oito em York), eram dispostas de tal modo que cadaguilda pudesse ocupar nelas uma posição conveniente.Os papéis, por vezes, eram desempenhados pela gentedos mesteres: carpinteiros construíam a Arca de Noé,marinheiros conduziam-na. O célebre festival deWoodkirk, a princípio instituído pelos cónegos agosti-nianos, foi em seguida completamente dirigido pelosartífices da vizinha cidade de Wakefield.

Os diálogos do teatro medieval inglês traduziam aspreocupações populares da época. José, porta-voz dospequenos artífices, não conseguiu tornar-se rico duran-te toda a sua longa vida de labor e apenas ganhou o s~upão quotidiano. Em Woodkirk, no Auto do Pastor, eledenuncia as desgraças do tempo.

119

120 JACQUESHEERS

Em França, os Mistérios e Autos, cantados pelasruas, misturavam também, de uma forma curiosa" ostemasreligiosose profanos, asrecordaçõesdos roman-cespopularese dasantigaslendas,tal como nos mostraesta admirável descriçãode uma grande festa pública,mascarada e pantomima, que, no ano 1313, animoudurante três dias de Junho asruas de Paris, e onde «to-dos os mesteresengalanados»representavamos princi-pais papéis:

Nostre Seigneur au jugementI fu, et le suscitement.La fu le tornai desenfanz,Dont chacunn'ot plus de diz ans;La vit-on Dieu et sesapostresQui disoient leurspatenostres;Et Ia les Innocens occirre;Et Saint Jehan metre a martire,Veoirput-on, et decoler;Feu, ·or, argent aussi voler;Herode et Cayphasen mitre;Et Renart chanter uma espitreLa fut véu et evangile;Crois et folz, et Hersent qui file;Et d'autre part Adam et Eve;Et Pilate, qui sesmains lave;Rois a feve, et homessauvagesQui menoient granz rigolages;Entre joennes, viex et ferranz,Tout cefirent les tisseranz.Corroier aussicontrefirent,Qui leur ententeen ce bien mirent,La vie de Renart sansfaille,

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 121

Qui menjoit et poucins et pail/e;

Le grant luminaire de cireOnquesau Royaume n'en EmpireN'avoit été regardégraindre;Et par tout Paris sanz estaindreTrois nuitz dura toutes entiêres.

(Crónica rimada de Geoffroi de Paris.)

*

Acrescentemosque a confraria rural não limitava assuasactividades ao exercíciodos deveresfraternais e àorganização das procissões.As do Espírito Santo pos-suíam terras e animais, vinhas, um celeiro onde arma-zenavamalgumascolheitas, e até uma «Casado Espíri-to Santo». Uma ou outra alugavabois aoscamponeses.Na Normandia, sólidas associaçõesde lavoura tinhamem comum animais e charruas. As sociedadesde cria-doresde gado do Jura, esfruitiêres, afirmavam-sedes-de os anos 1400.Nas regiõesonde os camponesespos-suíamnumerososalódios, agrupavam-seem autênticasligas agrárias; por exemplo na Alemanha (os Gauer-ben), no Delfinado, no Bordelêse na maior parte doscamposdo Sul.

Ill - As associaçõesde mesteres

o nome de corporação não é empreguena IdadeMédia. Os homense os textos diziam mesteresou guil-desem França e na Flandres,ghilds ou mysteriesem In-

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glaterra, Innungen, Gilden, Aemter ou Gewerke naAlemanha, arti em Itália.

Parececonfirmado que estasassociaçõesprofissio-nais são de facto criações «medievais»e nada devemaos antigos colégiosdo Baixo Império. É certo que ascidadesda Itália bizantina, Ravena,Nápoles, e mesmoalgumascidadesda Itália bárbara, Milão ou Pavia porexemplo, conservavam ainda, nos anos 650, gruposprofissionais directamente herdados da Roma antiga.Encontramos então um grandenúmero de mesteresor-ganizadosem scuolepelo príncipe, o exarco ou o con-de: hortelãos, sapateiros,barqueiros ... , estreitamentecontrolados pelo Estado. Porém, com o tempo, estescolégiosdesaparecerame sómuito mais tarde, na alturado renascimentourbano, seafirmaram, sobrebasesdi-ferentes, outras associaçõesde ofícios. É de'todo emtodo significativo notar que Veneza,onde precisamenteos artífices nuncadesempenharamsenãouÍíl papelmui-to apagadoe onde as suasassociaçõespermaneciamri-gidamente sob a vigilância do Estado, tenha mantido,para designarestesgrupos profissionais,.oantigo nomede scuole. Em todos os outros sítios, pelo menos nasgrandes cidadesmercantis, tais grupos dão provas deuma indubitável originalidade.

A passagemda confraria religiosa à verdadeira as-sociaçãode mesteré bastantedifícil de estudar, em vir-tude de a história do grupo social se apresentaraindatão complexa. Sebem que encontremosagrupamentosprofissionais criados do princípio ao fim, e isto namaioria dos casos,os ofícios jurados (ou seja, regidospor estatutos a que todos os membros prestam jura-mento) eramoriundos de uma confraria, a qual haviamconfiscado em seuproveito. A partir de então, aspreo-

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 123

cupações profissionais levavam a melhor, embora con-servandosemprecertas formas de vida religiosa colec-tiva.

No fim da Idade Média, nas cidadesdo Ocidente,todos os ofícios seorganizavamefectivamenteem guil-das muito sólidas; masamiúde numa data relativamen-te tardia: não antes de 1280-1300no Languedoque, eapenaspor volta de 1350em Nimes e em Montpellier,onde os mesteresainda usavamo nome de caridadesedistribuíam pão aos.pobresem certosdias do ano. Sejacomo for, numerosasconfrarias, associaçõesnascidasdos laços de vizinhança, escapavamà influência dosmesterese conservavamum carácter estritamentereli-gioso. Reuniamentão, ao longo de toda a IdadeMédia,pessoasde condiçõesmuito diversas.

*

Estes mesteresdas cidades medievais do Ocidenteinduziram frequentementeem erro; certosautoresviamnelesassociaçõesde carácter social formadaspor artífi-ces, gente do povo. As palavras «artífice» e «povo»(sobretudo nas cidadesda Itália) não devemenganar.Designavamde facto, no interior da urbe, uma certaaristocracia mercantil oposta à nobreza urbana. Estaaristocracia dasartese do povo era rica e poderosa.Osmesteresperrnitiarn-Ihesreforçar:

• Os seusprivilégios políticos e sociais: O carácteraristocrático das associaçõesde ofícios é indiscutível.Em cada profissão, os companheiros,obreiros, pe~ue-nos artífices, permaneciam estreitamente submetidosaosmestres,que dominavam a corporação. Só estesúl-timos elegiam os cônsules,governadores,protectores,

124 JACQUES HEERS

notários e camareiros,que tomavam as decisões,apli-cavam os regulamentos, infligiam penase multas. Sóeles assistiam às assembleias,onde os companheirosnão tinham qualquer participação. Os mestresdos ofí-cios, na maioria das vezes,não pertenciam ao mundodos artífices; eram grandes mercadores, empresáriosdas lãs ou das sedas,banqueiros, ricos burgueses.Fre-quentemente,haviam sido os primeiros a tomar a ini-ciativa de fundar um mesterjurado para, precisamente,melhor vigiaremos seusobreiros. A maior parte dos es-tatutos dascorporaçõesdiziam claramentequeestasre-gras eram impostas«a fim de evitar qualquer conspira-ção ou tumulto entre os companheiros». Estes viramdurante muito tempo ser-lhesrecusadoo direito de seassociareme de fundarem um mester particular; al-guns, por exemplo os tecelões,conseguiram-no, masmuito mais tarde e à custa de mil dificuldades.

Os mestresasseguraramdesdemuito cedoa fortunados seusfilhos. Para ter acessoao mestradoera neces-sário apresentaruma obra-prima, o queexigia, decerto,uma grandehabilidade profissional, massobretudo umimportante investimento de capital. De qualquer for-ma, a entrada no mestrado estavasubmetida ao paga-mento de uma taxa frequentementeelevadae à presta-ção de juramento:

«Ouvida a petiçãode Henry de Herelle, natural do paísda Holan-da, e depois de Jehan De Serain, Richard Jumel, Guillaume Mar-chant e Guitlaume Poignant, jurados do mesterdoscostureirasda ci-dade de Paris, testemunhareme afirmarem ser o dito Henry homemcasado, de vida séria, afamado, e instalado em Paris e ter feito pe-rante elesda maneiraacostumada,na presençado procurador do rei,a sua obra-prima, recebemo-Iae recebê-lo-emosmestree obreira dodito mesterde costura e alfaiataria, para o fazer e desempenharse-gundo as ordenançasdo dito mester, pagandodez soldos parisis ao

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 125

rei e o direito dos ditos jurados, apóso que lhe escutámoso juramen-to habitual e o exortámos a seguire respeitar as ordenançasdo ditomester,de que o mandámostomar cópia, a fim de queelenão tenhamotivo para prevaricar (ano de 1430).»

Os filhos dos mestreseram muitas vezesdispensa-dos da obra-prima:

«O seleiraguarnecedorfará uma obra-prima de uma selaguarne-cida de arreios de baixo preçopara palafrém ou para hacaneiaou deoutra maneira, tal como os mestresordenarem conforme o tempo, ede forma semelhanteo fabricante de peçaspara arreios e obreiro daforja fará a sua obra-prima de um freio cravejado ... a qual obra--prima serávista pelosjurados com os leais vedaresdo mester ... ex-cepto aquelesque forem filhos de mestresou que sejamdo dito mes-ter e tomem em casamento filhas de mestresdessemester, o qualmesterpoderão iniciar pagandoos direitos semfazerema obra-primanem seremexaminados (Paris, ano de 1370).»

Os privilégios pareciam ainda mais nitidamentemarcadospara os grandesmesteres,como os da lã ouda seda.

Estasassociaçõesaristocráticasocupavamo primei-.ro lugar no governo da suacidade. Em Londres, cercade 1360,oito mesteresgovernavama urbe. Em Floren-ça só as artes maiores que formavam o popolo grassoelegiamos priores da senhoria;eram os grandesmerca-dores (arte di Calimala), os juízes e os notários, os em-presáriosda lã (arte della lana), os da seda(arte di PorSantaMaria), os cambistas,os retroseiros,merceeirosemédicos, os peleiros e tratadores de peles. Abaixo, ascinco artes médiase asnove artesmenoresnão tinhampraticamentequalquer participação nasresponsabilida-des políticas e no governo da cidade. Esta rígida hie-rarquia das artes reencontra-seem toda a Europa oci-dental.

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126 JACQUES HEERS

• Os seusmonopólios economicos: Pensou-sedu-rante muito tempo que os minuciosos estatutos dosmesteres,a apertada fiscalização da qualidade e dospreços,visavammanter uma certa igualdadedascondi-çõesentre os mestresartífices. Assim, estesregulamen-tos teriam sido a expressãodeum verdadeiroprogramasocial inspirado pela Igreja, que, outrora, condenavaos lucros do grandecomércio. Era o gue afirmavam oshistoriadores que serecusavama admitir o desenvolvi-mento das práticas e das mentalidades«modernas»ou«capitalistas» num mundo «medieval» que eles julga-vam inteiramente submetido a uma ética cristã, aliásmal definida.

Trata-secom toda a certezadeuma ideia errónea.Omercador medieval era, obviamente, guiado pela pro-cura do ganho. Os mesteresjurados e os respectivoses-tatutos permitiam-lhe afirmar os seusmonopólios e osseus lucros:

• Mantendo preços de compra vantajosos para asmatérias-primas e preços de venda elevadospara os produtos acabados.Também aqui todaa concorrênciaé severamentebanida;

• Proibindo o. exercícioda profissão aos estrangei-ros, aos imigrados recentementeinstalados nacidade,controlando estreitamenteos pontos devenda.

Estesmonopólios económicosimpõem-seduramen-te nos momentos difíceis. Em França, na altura daGuerra dosCemAnos, os mestresdeParis opuseram-seao rei quando eleautorizou fabricantesde panosexpul-sosde RouenpelosInglesesa estabelecerem-sena capi-tal ou quando quis multiplicar os balcõesde açougue

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 127

na cidade. Em 1454, os jurados do mester «condena-ram JehanLhuissier, pisoeiro de panos, a multa porqueele confessouter dado trabalho a um estrangeiroe pôsde parte os obreiros de Paris, mau grado a ordenança».

Na mesmaépoca, os mercadoresde panos lutavamenergicamentecontra toda a tentativa susceptíveldeameaçaro monopólio:

«Regnardonde Clermont na Alvérnia mandou trazer para a cida-de de Paris três fardos de estamenhaa fim de os vender; e por causade certos mercadores de Paris irem continuamente ou enviarem al-guns dos seuscorretores à região de Alvérnia para comprar as ditasestamenhase se melindraram por o dito Regnardon ter decididointrometer-secom a dita mercadoria, elesnão lhe derampreço razoá-vel, anteslhe ofereceram grande perda, a fim de que ele nunca maisse aventurassea mercadejar com a dita mercadoria. O dito Regnar-don, a fim de remediar a malícia deles, foi à feira da serraçãoda ve-lha em Compiégne e de lá a Tournay e a Bruges, sítios em todos osquais os mercadoresde Paris fizeram saberque vendiammais baratoas ditas estarnenhas,a fim de que se não passepor mãos diferentesdas suas,causandoestorvo ao dito Regnardon (ano de 1380).»

IV - Conclusões:O trabalho e os meiossociaisno Ocidentemedieval

Durante toda a Idade Média, no mundo cristão doOcidente, o trabalho dos homens inscrevia-sequer noquadro das senhorias e das comunidadesrurais, querno quadro burguês e capitalista das cidades. Nenhummester lhe escapava e a ideia de uma profissão«liberal», isenta destas dependências, era completa-mente estranha na época. Nas sociedadesmedievaisdoOcidente, o homem só trabalhava e vivia em função dogrupo, familiar, religioso ou profissional.

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Medimos facilmente o pesodestasregrassociaisseconsiderarmos,por exemplo, a condiçãodo artista, quenão beneficiavade qualquer vantagemespecial;ele eraantes de mais um «manual», não um pensador, umcriador ou um sábio.

O mestre pedreiro, construtor de catedrais, traba-lhava quasesemprede uma forma empírica; traçavadi-rectamenteos seusplanos no chão, no momento emque os trabalhos começavam.Os desenhosno papel,executadosna «câmara dos traços», não passavam,amaioria dasvezes,de perspectivas,de «esquemas»des-tinados a levarem os responsáveispela edificação acompreenderasintençõesdo mestre.Villard de Honne-court, a avaliar pelosseusdesenhos(entre 1230e 1250),não pareceum sábio nem um geómetra. Interessou-sesobretudo por problemas concretos e técnicas mate-riais: ensambladurasde vigamentos,aparelhamentodepedras; dava provas, por outro lado, de um grandeeclectismoe dedicava-sea todas as tarefas, mesmo asmais desconcertantesou as mais fúteis (desenhouumabola de ferro para aqueceras mãos do bispo na igrejadurante o Inverno!). Estemestrepedreiro .copiavatam-bém inúmerasesculturasou pinturas. --

Na mesmaépoca,o pintor era igualmenteum traba-lhador manual que devia, em primeiro lugar, ganhardestrezade mãos,aprenderreceitas;preparavaelemes-mo os seusindutos e as suascoresde acordo com pro-cessosassazcomplexos, minuciosamentedescritos emdoutos tratados, autênticoslivros de química aplicada.

O artista não só permaneciaentão um trabalhadormanual e não especializado, como ainda deviasubmeter-sea directivas precisasque deixavam poucolugar à sua iniciativa. O cliente fornecia ou pagavaas

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 129

cores,e verificava o empregoque delasera feito. Deci-dia deantemãoa escolhados temase redigia muitas ve-zesum contrato preciso a que o pintor ficava estreita-mente obrigado. Estescontratos, muitas vezeschama-dos de preços feitos, continuam a ser uma das nossasprincipais fontes para o conhecimentoda actividade ar-tística de então. Ospríncipesprocediamdo mesmomo-do. Em 1356,o duque da Normandia mandavaacabaros frescosdo casteloe da capelade Vaudreuil: o seuin-tendente, Girard d'Orléans, ajustava assim um pintorcujo nome era JehanCoste e, numa longa ordenança,descreviaminuciosamentea forma como devia ser de-corada cada uma das salas. O acordo precisaa seguir:

«E todas estascoisasacimaditas serãofeitasem finas coresa óleoe os camposem fino ouro e asvestesde NossaSenhoraem fino azul,e bem e lealmente todas estascoisasdevemser inteiramenteenverni-zadassem defeito algum. E fará o dito Jehan Coste todas as obrasacima ditas e encontrará todasascoisasnecessáriasa isto, exceptole-nha para o lume e camaspara o alojar a eleeaosseushomens.E pa-ra tal fazer deve ter seiscentoscarneiros(moedasde ouro), dos quaisreceberá agora duzentos no fim da Páscoa e duzentos no dia deS. Miguel, e os restantesduzentos no fim da Páscoaseguinte.»

Ao trabalho do artista não seligava entãoqualquerprestígio particular: o homem erapagoemmoedas,porvezesalimentado; o salário cuidadosamentefixado comantecedênciasó era entreguese a obra fosseaceite, re-conhecida conforme à encomendae de boa qualidade.

Além disso, estes«artistas» deviam quase semprepertencer a associaçõesde mesteres,bastantecomuns:canteiros, por exemplo, no caso dos escultores.

Estascondiçõesdetrabalho, para obrastão particu-lares, sublinham perfeitamentea inserçãode todo o ar-tífice num grupo-e no seumeio social.

Saber145-9

CAPÍTULO IV

o TRABALHO FORA DA .EUROPA OCIDENTAL

I - No mundo bizantino

A vida económica e social surge aqui gravementemarcada durante muito tempo pela herança da Romaimperial, dos seusgrandesdomínios rurais, dassuasrí-gidasassociaçõesde oficios nascidades.Mas tal heran-ça não semantém intacta ao longo dos séculos.Bizân-cio recebe,apósas invasõeseslavas,a luta contra o is-lão e o próprio estabelecimentodos Cruzados, outrasinfluências. Não ignoramosque é difícil dizer seBizân-cio conheceuuma autêntica senhoria, próxima da doOcidente; mas trata-se de um problema menor e, até,de uma questãomal colocada.A sociedademedievaldoImpério Grego apresentauma "evidenteoriginalidade.

1. OS CAMPONESES: GRANDES DOMÍNIOS E COMUNI-

DADES ALDEÃS. - Esta vida rural permanecemuito li-gada às técnicasantigas do Império Romano. Por umlado, as da irrigação minuciosa graçasàs ramificaçõesde canais·alimentadospelasnoras ou pelos poços. Poroutro, as cerealíferastradicionais: lavoura com arado

131o TRABALHO NA IDADE MÉDIA

de madeira, ceifa com foice de lâmina curta, debulhado trigo na eira colectivada aldeia, onde os bois, os ca-valos e os burros puxam por vezeso tribulum, zorra demadeira guarnecida de pontas de silex.l O trigo é logojoeirado no próprio local: as mulhereslançam simples-.mente os grãos ao ar, carregado dias a fio de poeiradourada.

Cada comunidade aldeã possui óptimas pastagensde Verão na montanha, afastadasdo burgo; à noite osanimaisvoltam ao aprisco, vastacercafechadapor mu-ros de pedras soltas ou de ramos espinhososimbrica-dos. Nas montanhas do Pindo e nas grandesplaníciesda Macedónia vivem pastores nómadas, populaçõesturbulentas e rudes, Búlgaros, Cumanos, Valáquios.Pistas especiaissão reservadasà passageminexoráveldos grandes rebanhos transumantes, que, todos osanos, pagam rendaspelo aluguer daspastagenseapris-cos aos agentesdo fisco ou aos grandesproprietários.

*

O regime da propriedade e da exploração evoluimuito ao longo dos tempos e mostra-seassazdifícil deestudar. E verdade que o Egipto bizantino, sobre o

"qual nos informam numerosos textos precisos, aindamantém os grandesdomínios do período romano; masos burgos de camponeseslivres também aparecemaliem boa quantidade e activos. Estesgrupos aldeões,di-rigidos por uma assembleiade notáveis, dão provas deuma sólida coesão.A comunidade aluga as suaspasta-gensaos pastores,as suasterras e a eira aos campone-ses.A estrutura social destesimportantes burgos ruraisafigura-se, aliás, muito complexa. Encontramos neles

132 JACQUES HEERS

proprietários com as mais variadas fortunas e, por ou-tro lado, artífices a quem elesalugam as quitandas ne-cessáriasao seuofício.tçitemos os oleiros e caldeireirosque fabricam os recipientese os potes, os ferreiros quedão forma às peçasde máquinas para irrigar as terras,os moleiros e os padeiros. Os tecelõescolhem elesmes-mos o linho semeadonum terreno pelo qual pagam oaluguer com um ano de avanço, mas recebemdo pro-prietário as sementese a água. Todos estesartífices ealguns mercadoresde produtos alimentaresestãoagru-pados em sólidas corporaçõesde ofícios, dirigi das porchefesinfluentes; o homem acha-semuitas vezespresopara sempreà sua aldeia e ao seu grupo corporativo.

Mais tarde, a insegurançageral, asperturbaçõespo-líticas e económicas,os vultosos legadosaosmosteiros,aumentaramcertamentea importância dos grandesdo-mínios fundiários, em todas asregiõesdo Império, nãoobstante a oposição dos imperadores, que, sobretudono tempo da dinastia macedónica, tentam salvar ouproteger os 'pequenosproprietários rurais. Estesimen-sosdomínios, divididos em inúmeras tenênciasconfia-dasa camponesesde todas ascondições:parecos,meei-ros rendeiros, formam por vezesverdadeirosEstados.Alguns têm um exército privado. Todos elessão admi-nistrados por um numeroso corpo de procuradores,guarda-livros, tesoureiros e cobradores. No século x,uma rica viúva, Daniélis, a benfeitora do imperadorBasílio I, possuíacantõesinteiros na região de Patras erebanhos sem conta. O seu herdeiro - o imperadorLeão VI - pôde libertar de uma única vez três mil dosseus escravos.Em 1073, Andronic Doukas recebia odomínio das «raposas»perto de Mileto, na Ásia Me-nor, cujo inventário precisodiz que ele incluía no total

o TRABALHO NA IDADE MÉDIA 133

oito «terras», uma igreja de cúpulas, uma hospedariaemúltiplas construçõesdiversas.

Mas o dono vive geralmente na cidade, por vezesem Constantinopla, perto do imperador, ou no exérci-to, e não num castelorural. Sejam quais forem o regi-me e a extensãodas propriedades, a pequenaexplora-ção prevalecepor toda a parte. Por outro lado, os bur-gosrurai~, muito povoados, rodeadosdemuralhas, porvezesactivos mercados,adquirem o aspectode peque-nas cidades. A economia «dorninial» parece pratica-mente desconhecida.

2. ARTÍFICES E CORPORAÇÕES DE OFÍCIOS NAS CIDA-

DES. - Em Constantinopla, os múltiplos regulamentosimperiais encerram a vida económica e o trabalho dosartífices dentro de regrasapertadas. O imperador con-trolava completamente alguns ofícios, ligados na suamaior parte à defesada cidade e ao aprovisionamentodas tropas; era o caso dos fabricantes de armas. Osobreiros e mulheres do gineceuimperial teciam os pa-nos de sedae de ouro. É verdadeque os outros ofíciossão livres; mas elesdevem entregar ao imperador, nopalácio, um certo número de produtos, todos os anos,a um preço taxado. O prefeito da cidade, ou eparca, eos seusfuncionários vigiavam estreitamentea qualida-de dasmatérias-primas, os modos de confecçãoartesa-nal, os preçose asmargensde lucro, o mercadointernoe externo. É por estarazãoque o Livro do Prefeito (sé-culo x), o qual contém todos os relugamentospara umnúmero impressionantede ofícios (alimentação,peque-nos comerciantes,trabalho do couro, fabricaçãodos CÍ-

rios, sabõese perfumes, tecelagemdosartigos de sedaedas finas telas de linho), continua a ser uma fonte pre-

134 JACQUES HEERS

ciosíssimapara o conhecimentodastécnicase das con-diçõeseconómicasdo trabalho artesanalna capital bi-zantina. Mais zelosamentevigiadas do que quaisqueroutras, as indústrias de luxo (sedas,fios de ouro, mar-fins, esmaltes,jóias de ourivesaria)alimentam uma boaparte do comérciodeexportação.A arte dos tintureirosatinge então um curioso requinte e o livro não cita me-nos de quatro tons diferentes de cor-de-rosae dois depúrpura; fala também do modo de imitar ascoressub-tis e ricas dos frutos do Oriente.

Este estatismoe a fiscalização imperial exercem-seigualmentepelasassociaçõesde ofícios, herdadasdirec-tamente das do Baixo Império. Com frequência muitoespecializadas(nada menos de cinco grupos para a fa-bricação e o comércio dos artigos de seda:mercadoresde sedacrua, fiandeiros, tecelõese tintureiros, alfaiatese mercadoresde roupas de seda, mercadoresde sedassírias), elas exercemum monopólio absoluto sobre aprofissão. É bem verdade que vemos, muito cedo,enfraquecerem-see depois desapareceremos regula-mentos que obrigavam os filhos a exercero ofício dospais; mas o direito de entrada permanecesemprebas-tante limitado, submetido ao pagamentode uma quan-tia em dinheiro e à autorização do eparca. Este rigo-roso controlo do Estado impede, segundo parece, odesenvolvimentode uma burguesiarica e activa.

Por outro lado, embora se encontrem muito fre-quentementebairros especializados,dedicadosa esteouàquele ofício (os ourives e os tecelõesde seda traba-lham próximo do GrandePalácio, os fundidores deou-ro e prata entre o Fórum de Constantino e a Mesê,osvidreiros perto da Porta da Vidraria que seabre para oCorno de Ouro), muitas profissõesestão,ao invés, as-

) -O TRABALHO NA IDADE MEDIA 135

sazdispersaspor toda a cidade. De qualquer modo, es-tes corpos de oficios, demasiado rígidos, demasiadoapertadamentesubmetidos aos agentesdo imperador,têm apenasuma vida social e afectiva muito reduzida.Os artífices ligam-se com mais gosto a associaçõesdecaráctermais popular, mais espontâneo,como as qua-tro demas,asquatro célebrescoresou facçõesdo circo,que organizam as grandescorridas de carros do hipó-dromo.

11- Nos países muçulmanos

É evidentequea herançade Roma ou deBizâncio, ados Persassassânidasou as influências vindas da lon-gínqua Ásia semanifestamnuma quantidadede aspec-tos da civilização dos paísesmuçulmanos.As técnicaseas condiçõesde vida dos camponesese artífices apre-sentam, por outra via, uma originalidade indesmenti-vel, devida quer aosduros imperativos do clima, quer àorganizaçãopolítico-religiosa das grandesurbes do is-lão medieval.

1. OS CAMPONESES; PROBLEMAS DA IRRIGAÇÃO. - Àvida turbulenta dos nómadas, para os quais a criaçãode gado, juntamente com o tráfico das caravanase arazia, constitui o único recurso, o mundo muçulmanoopõe o labor pacientedos sedentários,nos vales,planí-ciese oásis.As duascivilizaçõesdefrontam-seconstan-temente,disputam entre si asterras; os homenstemem-se ou desprezam-se.

Os sedentáriosdas planíciessão hortelãos.Para todo o mundo muçulmano medieval,ashortas

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são lugares de delícias, a própria imagem do paraísoterrestre;o paraísodiz-sedjanna (= jardim); eleofereceaos beduínos, nómadas dos desertos, os seus fresco-res perpétuos, os seus frutos saborosos, os seusriosinesgotáveisde leite e de mel. O trabalho dos sedentá-rios, nestevasto mundo, de tradiçõestão diversas,quevai das margens do Tigre às planícies da Andaluzia,desdobra-sepor toda a parte numa preciosahorticultu-ra: palmeirais,pomaresdelaranjeirasedelimoeiros ori-ginários da Índia, legumese frutos túmidos deáguaqueocupamum tão grandelugar na alimentaçãomediterrâ-nica e muçulmana (os melõese as abóboras,por exem-plo); além disto, cada vez mais, cultura cuidadosadacana-do-açúcarno delta do Nilo, do linho nas terrasbaixasdo Faium, do arroz em todo o lado onde a águaestejaassegurada:no Iraque (de Mossul ao delta), nasplanícies litorais da Palestina, Síria e Cicília, nos oásisdo Baixo e Médio Egipto; enfim, maistarde, na Sicília eem Espanha.

O pão de arroz, pão dos pobres, menos apreciadoque o de frumento, estáno entanto bastantedifundidoem vários paísesmuçulmanos, onde forma a basees-sencialda nutrição. Noutros pontos, o arroz serveparapreparar papas, pratos variados, onde entra amiúdemuito peixe, quasesemprede origem persa. Os grãosde arroz, primeiro postosa inchar em água expostaaosol, eramdepoissemeadosemquadradosde terra estru-mada, protegidospor pequenasparedesde terra seca;atransplantação requeria também cuidados atentos euma mão-de-obra numerosl;l:os camponesesarranca-vam o arroz antes do nascerdo Sol e mantinham-noabrigado num cestoatéà noite. Cortadascom foicinho,asespigaserampostasa secardentro de sacos;duasba-

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teduras sucessivas,com pauladas repetidas,separavame depois descascavamos grãos.

*

Nestespaíses,a arte da horticultura é antesde maisa de captar a água a fim de a distribuir pelasterras se-quiosas. Os Muçulmanos herdaram tradições bastanteantigas; elesretomam à suaconta, e muitas vezesesten-dem ou aperfeiçoam, a rede dos canaisde irrigação es-tabelecida outrora pelos Romanosna Andaluzia, pelosSassânidasna Pérsia ou na Mesopotâmia. Aprendemigualmenteastécnicasancestraisdos camponesesindia-nos. As ciênciasda água, nos paísesdo islão, adaptam-

.-se decerto a circunstâncias físicas diferentes, mas sãotambém indício de níveis técnicos muito diversos. Emdeterminado lugar, continua-se a seguir os processosassazprimários do poço com sarilho ou picota - oschadoufs -, tão característicosdas paisagensdo Egip-to ou mesmo da Mesopotâmia. Mais adiante, bois oucavalos, de olhos tapadospor apertadosantolhos, mo-vem as noras de manejo. Na Ásia central, aerodínamosorientados no sentidodo vento permitiam também tirara água dos poços profundos. Mas tratava-sede parcosmeios, que davam fracos volumesdeágua,apenaso su-ficiente para regar algumasterras muito próximas.

Os grandes conjuntos de canais que dispersamatélonge a água dos rios ou' das toalhas subterrâneasfo-ram, pelo contrário, obra colectiva, sabiamenteorde-nada. Era o caso dessesseguiasao pé das montanhasdo Irão; bem como o dos inúmeros canais,protegidospor delgados açudesde terra e de canasentrançadas,que levam a água do Eufrates, mais elevado, para as

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terras vizinhas do Tigre; ou ainda os canaisdashuertasdo Levante espanhol, sobretudo nas cercaniasde Va-lência. A águaé desviadaa montante, por vezesmuitolonge, graçasa frágeis barragens,ou subida do rio (co-mo nos nossosdias, na Síria, do Oronte), por meio degrandes noras verticais e despejadaem aquedutos so-breerguidos.

Em parte alguma os trabalhos de irrigação atingem então a mes-ma perfeição e a mesmaescalaqueno planalto iraniano. Uma redejáimportante de condutas subterrâneas~os qanats-« fora instaladapelos reis sassânidas;a respectivatradição remontava semdúvida a'OS

primeiros sedentáriosindo-europeus estabelecidosao sul do Elburz,por volta do final do segundomilénio antesda nossaera. Osartífices

, persasespecializados-os moqanis- guardam ciosamenteestalon-gínqua herançae, nos primeiros séculosdo islão, transmitem-na pou-co a pOUGOa todo o mundo muçulmano: primeiro o Farz e a seguirtodo o sul do planalto, a Palestina e a Síria, a costa meridional daArábia. Eles escavamna África do Norte, a partir do século x, asfoggaras ou ashettaras,a que sechamavamais para o Sul, os traba-lhos persas.

Estas galerías dos moqanis iranianos conduzem por vezesaté30 krn ou 40 km de distância a água das toalhas subterrâneas,pene-tram a mais dé 100m sob o solo, masconservamsempreum decliveperfeitamenteregular (um por mil), apenaso suficiente para o escoa-mento fácil da água. Cada qanat exigia, para evacuar os resíduos,aproximadamentede 10m em 10m, um poço vertical, cujas craterasbalizam 6 seupercursoatravés do deserto.Toda a riqueza do oásis,bem como a daspróprias grandescidadesarriscadasem região seca,dependeentão, e ainda por muitos séculos,desta rede subterrãnea.

A irrigação dasvastashuertas, ou até, à saídade um qanat ou deumafoggara, a de uma simplesaldeia, impõe aoscamponesesmuçul-manosdasplaníciesda Ásia e do Mediterrâneo rígidas disciplinasco-lectivas e, bastante cedo, uma organização política particular. NaPérsia, o chefeda aldeia constrói a suacasa,maisalta que asoutras,exactamenteà saídada galeria subterrânea,e vigia ciosamenteo res-pectivo caudal. A aldeia é um mundo à parte, isolado e protegido dasincursõesdos nórnadaspor sólidos muros de adobe, por vezesrefor-çados com torres redondas.

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Nas grandeshuertasde Espanha, o uso da água, re-partida entre os diversoscanais se~undorevezament~sfixados por rígidos costumese cU1dado~~ente medi-dos, por ampulhetas ou relógios hidráuhcos, pautaigualmentetoda a vida dasaldei~s,queconhecemas.sImnão só estasleis severas,'mas amda outras mentahda-des,uma ideia precisado tempo, ignoradase?"tãopelosoutros camponeses,fora da zona regada.Tribunais es-peciais, frequentementeà sexta-feira, julgam ~O?OS ~sconflitos da água e reprimem os abusos; a Irnga~a.o.transforma assimestasaldeiasde huertasnu~a espéciede comunidadeslivres que seadmiIüstram a SImesmas.

2. OS ARTÍFICES DAS CIDADES. - A urbe muçulma-na, cidade de caravanase de bazares,ofereceaos mer-cadoresos seusartigos de sedae os seuscourosd: luxo,as suasjóias de ouro e de prata ou os seusmarfins, assuasarmas preciosas,os seusperfumes e as suascom-potas, vendidas muito longe. A orga~iz~çãodo tr~ba-nio assentaessencialmentenas associaçoes de O~~lOS,

cuja importância se mostra, no fundo, a~sazvanavel.Os patrões, que raramente empr~gammais d~ uma de-zenade pessoaspagasà peça,designamo a.mm,ou Ch:-fe do ofício, responsávelperante as autondadesd~ CI-

dade, encarregado de aplicar regulamentos estnto~.Mas a sua fortuna económicae social, tal como e~ ~I.

zâncio, permanecemuito limitada; o seupapel politicoé também praticamente nulo. Na verdade, a :collomlmuçulmana coloca, geralmente, rígidas barreiras ntro trabalho artesanale o comércio, fonte de grand lucros. Os senhoresda cidadesãoos grandc~m n < d~

Por outro lado, os ofícios estão estreli um 111 umetidos ao muhtasib, funcionário multo lmnoi 1 111 ,

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que impõe o respeitopela moral e pela tradição muçul-mana, na cidade e no mercado. Espéciede «prefeitodos costumes»,fiscaliza a qualidade dos produtos, ospesose asmedidas,os preços;resolvetambém todos osdiferendos entre associaçõesvizinhas, entre patrões eobreiros.

Do mesmomodo que em Bizâncio, estecontrolo es-tatal dos ofícios degradaum tanto, no Oriente muçul-mano, a vida social do grupo profissional. No Irão ounas cidades da Mesopotârnia, as massas citadinasvoltam-separa associaçõespopularesnão corporativas:grupos de auxílio mútuo, que organizàm festase diver-timentos - os foutouwwa - ou, mais vastas, as milí-cias urbanas - os ahdãth.

Porém, na Áfriéa do Norte, os ofícios dão provasde uma forte coesãosocial e formam «um grupo muitohomogéneopelo comportamento e pelas reacçõespsi-cológicas». O seu 'recrutamento permanece amiúdede base étnica - gente vinda de certas aldeias doexterior -, ou até familiar - algumasfamílias parecemespecializadasdesdehá séculosno mesmotrabalho. Aespecializaçãodos bairros afirma-se de uma maneirabastantenítida: por razõesde higiene(curtidores, tintu-reiros) ou de comodidade; ela é aqui, no interior dopróprio souk ou do bazar, muito mais acentuadaquenas cidadescristãs do Ocidente ou do Oriente. Acimade tudo, a corporação organiza colectas a favor dosdoentese dasviúvas; coloca-sequasesempresob a pro-tecção de uma personagemsagrada,cuja festa celebradevotamente:sacrifícios, vigílias fúnebresperto do tú-

mulo do santo, banquetese procissõesacompanhadosde cânticose demúsica,esmolasaospobres. NesteOci-dente muçulmano, a associaçãode ofício confunde-se

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muitas vezes,fi semelhançado mundo cristão, com aconfraria religiosa.

\ -3. A ESCRAVATURA, - A tradição muçulmana nao

reconhece,a princípio, o direito de ligar os camponesesàs suas tenências. Contudo, no Egipto e em todo oOriente mediterrânico, os grandesmercadoresenrique-cidos pelo comércio longínquo das caravanasinvestemas suasrecentesfortunas comprando terras. Esta con-centraçãoda propriedade fundiária submetemaise em-pobreceos camponeses,que seendividam e têm de tra-balhar na mesmaherdadedurante toda a suavida. Os

'devedores'em fuga sãoperseguidos.Esta espéciede es-cravatura não demora a tornar-se geral. Por outro la-do, certasculturas requeremuina mão-de-obratão nu-merosaque os proprietários recorrem ~ ranchosd~ e~-cravos trazidos de paísesdistantesda Asia ou da Afri-ca. É o que sucede,por exemplo, com a cultura dacana-de-açúcar.Nos vales inferiores do Eufrates e doTigre, os mercadoresde Bagdademandam culti~ar.assuasplantaçõesde canapor escravosnegrosda Afncaoriental - os Zendj -, mantidos em tal miséria que serevoltam no fim do século IX; revolta severamentere-primida. Esta cultura da canaprefigura assim,a par~irdo século IX, nos paísesmuçulmanos, a da era colomalnas ilhas da América ou no Brasil; e o mundo islâmico --oferecedesdeestaépocao primeiro exemplodo tráficode negrosorganizado em vasta escala. '

As caravanasdo Sudãoou do Níger trazemregular-mente a Marrocos, a Tunes, sobretudo aos Montes daBarca ou ao Cairo, milhares de escravosnegrosarran-cados aos paísesda África tropica:l. Na costa orientalda África, asnumerosasfeitorias muçulmanasno ocea-

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no Índico não passamde vastosmercadose entrepostosde escravos,bem guardadosnas suasseverasmuralhasde tijolos; os mercadores«mouros» organizamterríveisrazias, que despovoaram regiões inteiras do interior.Este tráfico muçulmano dos negrosde África, prosse-guido durante séculose em certos casosaté aos anosmais recentes,desempenhousemdúvida um papel.pri-mordial no despovoamentoantigo da África; no con-junto, parecemais importante queo exercidopor todasas naçõesda Europa ocidental, a partir do século XVI;

aliás, durante esteperíodo «colonial», o tráfico estava,em larga medida, nas mãos dos negociantes«mouros»instalados então, desdehá muito, nas cidadesdo inte-rior ou nas feitorias da costa.

Na Idade Média, os Muçulmanos procuram tam-bém os escravosdos paísesbanhadospelo mar Negro:Russos, Georgianos, Circassianos, Tártaros; levadossobretudopara o Egipto, os homensserviamnasexplo-raçõesrurais ou nos exércitosdo sultão. Estetráfico domar Negro exerce-seprincipalmente por intermédio dasfeitorias italianas da costa norte, onde os mercadoresde Génovae deVenezacompram tambémmulheresuti-lizadas em trabalhos domésticosnascidadesde Itália ede Espanha.

De todas as sociedadesmedievais,a dos paísesdoislão, maispróxima da herançaantiga e oriental, parecea mais resolutamenteesclavagista.

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