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Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro Centro de Ciências do Homem Ciências Sociais Disciplina: Política II Cursando: Gabriel Tisse • COUTINHO, C.N.“Hegel e a Dimensão Objetiva da Vontade Geral”; in. Coutinho, C. N. – De Rousseau à Gramsci, cap. 2, São Paulo: Boitempo, 2011. “... Uma das muitas chaves de leitura da filosofia política de Hegel é sua relação com a problemática da vontade geral, tal como formulada por Jean-Jacques Rousseau ... Se, em sua juventude, foi um leitor entusiasta do pensador genebrino, em sua maturidade, ao contrário, polemizou de modo explícito com a versão rousseauniana do conceito de vontade geral... (P.40) “... Hegel maduro não pretendia contrapor como reciprocamente excludentes o privado e o público, o singular e o universal, mas buscava mostrar que, entre esses dois momentos, tinha lugar agora uma mediação dialética através da particularidade, mediação que teria seu principal espaço de explicitação precisamente na sociedade civil-burguesa .Com a descoberta dessa mediação, Hegel se capacitava a cumprir a tarefa central que propusera para sua filosofia política: a conciliação entre, por um lado, a liberdade individual (ou a autonomia do sujeito), surgida na modernidade e transformada no principal valor do liberalismo, e, por outro, a reconstrução de uma ordem social fundada na prioridade do público (do universal) sobre o privado (ou particular), prioridade que existira nas repúblicas antigas e que voltava agora a se apresentar, como tarefa para a modernidade, na proposta democrática de Rousseau...” (P.43)

Hegel e a Dimensão Objetiva Da Vontade Geral

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Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy RibeiroCentro de Cincias do HomemCincias Sociais

Disciplina: Poltica IICursando: Gabriel Tisse

COUTINHO, C.N.Hegel e a Dimenso Objetiva da Vontade Geral; in. Coutinho, C. N. De Rousseau Gramsci, cap. 2, So Paulo: Boitempo, 2011.

... Uma das muitas chaves de leitura da filosofia poltica de Hegel sua relao com a problemtica da vontade geral, tal como formulada por Jean-Jacques Rousseau ... Se, em sua juventude, foi um leitor entusiasta do pensador genebrino, em sua maturidade, ao contrrio, polemizou de modo explcito com a verso rousseauniana do conceito de vontade geral... (P.40)... Hegel maduro no pretendia contrapor como reciprocamente excludentes o privado e o pblico, o singular e o universal, mas buscava mostrar que, entre esses dois momentos, tinha lugar agora uma mediao dialtica atravs da particularidade, mediao que teria seu principal espao de explicitao precisamente na sociedade civil-burguesa .Com a descoberta dessa mediao, Hegel se capacitava a cumprir a tarefa central que propusera para sua filosofia poltica: a conciliao entre, por um lado, a liberdade individual (ou a autonomia do sujeito), surgida na modernidade e transformada no principal valor do liberalismo, e, por outro, a reconstruo de uma ordem social fundada na prioridade do pblico (do universal) sobre o privado (ou particular), prioridade que existira nas repblicas antigas e que voltava agora a se apresentar, como tarefa para a modernidade, na proposta democrtica de Rousseau... (P.43)... Hegel retm de Rousseau o conceito de vontade geral (o que o afasta da tradio liberal, que opera apenas com a noo de vontade de todos)7, mas brusca fundar de modo mais concreto e realista esse conceito, despojando-o de qualquer vnculo com o arbtrio subjetivo individual, por um lado, e com o formalismo de um mero dever ser moralizante, por outro. ... E, depois de mostrar que as teorias do contrato social resultam de uma injustificada extrapolao de um instituto do direito privado para o campo do direito pblico, Hegel insiste ainda com mais clareza na objetividade individual da vontade geral... (P44)A ...vontade geral no resulta de um postulado moral, no mero resultado da ao virtuosa dos indivduos ouvindo a voz da prpria conscincia, como pensava Rousseau, mas se apoia numa comunidade objetiva de interesses, que o movimento da realidade que Hegel preferia chamar de Razo ou Esprito) produz e impe aos indivduos, independentemente da conscincia e do desejo deles, ainda que o faa astuciosamente, ou seja, valendo-se das paixes singulares dos prprios indivduos... A primeira forma objetiva de comunidade universalizadora de interesses a famlia, que seria para o filsofo alemo a figura inicial e ainda natural da eticidade ... A terceira e mais universal figura da eticidade seria precisamente o Estado. Mas, como mediao entre a famlia e o Estado, aparece na formulao hegeliana madura da eeidade uma segunda figura, que ele chama de sistema dos carecimentos e do trabalho dividido, ou seja, precisamente a esfera da sociedade civil-burguesa, ou brgelische Gesellshaft.E Hegel nos adverte para o fato de que a sociedade civil-burguesa enquanto esfera relativamente autnoma um fenmeno especfico da modernidade, j que no mundo antigo o mbito das relaes econmicas (que forma o essencial da sociedade civil) estaria compreendido no interior da famlia, ou seja, do oikos... (p.45)... Mas existe ainda, no que se refere ao conceito de sociedade civil-burguesa, outra novidade essencial de Hegel com relao ao pensamento liberal clssico. Ela se manifesta no fato de que o autor da Filosofia do direito analisa a possibilidade de que o encadeamento universal presente na sociedade civil-burguesa deixe de expressar apenas uma universalidade em-si e se converta tambm em algo para-si, ou seja, eleve-se conscincia subjetiva e, mais que isso, adquira uma figura autoconsciente concreta... (p.46)... Para Hegel, como se sabe, a figura plena dessa universalidade autoconsciente - isto , da vontade geral em si e para-si o prprio Estado... Enquanto terceira e ltima figura da eticidade, o Estado lhe aparece como a superao dialtica das duas primeiras figuras: a ordem estatal eleva a nvel superior os momentos de universalizao contidos na famlia e na sociedade civil-burguesa, mas ao mesmo tempo os conserva15. E precisamente nesse ponto que Hegel se situa claramente para alm de Rousseau: enquanto este contrape como domnios reciprocamente excludentes a esfera do singular-privado (do bourgeois) e a do universal-pblico (do citoyen),cabendo ao segundo a tarefa de reprimir o primeiro, aquele tenta encontrar mediaes que j na esfera da sociedade civil-burguesa entendida como domnio do particular - iniciem o processo de formao de um universal para-si (autoconsciente)... Essa dialtica do particular e do universal encontra uma de suas principais manifestaes concretas - ao lado das comunas, dos estamentos etc. - naquilo que Hegel chama de corporaes... (p.47)... Hegel no opera simplesmente, como o faz Rousseau, com a contraposio entre singular (privado) e universal (pblico), mas introduz de modo explcito a categoria mediadora do particular: o interesse corporativo aparece como um campo de mediaes entre a singularidade do interesse puramente privado e a universalidade encarnada no Estado... (p.48)... Hegel pane para a sugesto de solues alternativas soberania popular, solues que representam um claro retrocesso no s em relao a Rousseau, mas at mesmo ao conceito liberal de representao... (p.50)... Ao atribuir a burocracia a condio de classe geral, Hegel termina por recusar explicitamente a concepo ... de que todos devem tomar parte da discusso e resoluo nas questes gerais do Estado... Portanto, Hegel determina por cair num unilateralismo simetricamente oposto ao de Rousseau: se esse via apenas o aspecto subjetivo da vontade geral, seu momento teleolgico e projectual, aquele v sobretudo o seu momento objetivo... (p.51)