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HERDEIRO DOS SONHOS

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Todas as pessoas têm o potencial de alcançar seus sonhos, cabe a cada um encontrar dentro de si o que pode fazê-lo… despertar Após uma tempestade, um rapaz acorda na praia completamente sem memórias. Enquanto tenta descobrir quem é e o que ele tem que fazer, suas ações irão revelar segredos escondidos por milhares de anos. Por conta de uma sequência de acontecimentos misteriosos e sombrios, a vida de várias pessoas mudará para sempre quando se envolverem no despertar do mais sombrio e profundo segredo da cidade. Herdeiro dos Sonhos é uma narrativa fantástica que leva o leitor a ponderar sobre a dificuldade de encontrar seu lugar no mundo. Não importa o que você seja, mas sim o que é capaz de fazer. Aos poucos o autor mostra como a vida de diversas pessoas pode mudar completamente ao serem envolvidas e como as elas podem se complementar.

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Capítulo 1A tempestade

O vento soprava forte. Aquela cidade nunca presenciara tamanha agressividade. Enormes ondas se quebravam na praia como se

fossem garras. Tentavam se prender à terra como se o oceano escalasse a areia. Mesmo assim, na praia havia uma jovem que parecia não temer as ondas.

Seus longos cabelos negros dançavam em direção à cidade, leva-dos pelo vento advindo do mar. Seu vestido branco ficou ligeiramente transparente com os respingos da água, que parecia tentar assustá--la com movimentos bruscos e violentos, e, ao mesmo tempo, temia atingi-la. Seus olhos permaneciam sempre cerrados e suas mãos fecha-das no meio do peito em sinal de oração.

Uma poderosa onda bateu numa rocha próxima, que rolou até o oceano. Foi quando a chuva começou a banhar a cidade. Não muito tempo depois, os constantes raios que se desvencilhavam do céu atin-giram a rede de distribuição de energia, causando um blecaute. A consistência da chuva aumentara consideravelmente.

Na avenida paralela à costa, havia apenas um carro. Era preto e dirigia em alta velocidade, denunciando uma imprudência frente à situação do asfalto e à pouca visibilidade. De onde estava a mulher, o carro parecia uma pequena estrela que se aproximava rapidamente. Porém não incomodava a concentração da jovem. Apesar de trêmula, por causa do frio cortante, ela permanecia como uma pedra fixa na tempestade.

O carro se desgovernou e capotou na areia. O motorista, um rapaz de cabelos e olhos castanhos, abriu a porta do carro. Sua cabeça doía. Levou a mão ao rosto e a sujou de sangue. Ainda com a vista meio embaçada, conseguiu vislumbrar a mulher que rezava na praia.

Correu, gritou e, finalmente, conseguiu aquilo que o oceano ten-tara por horas: quebrou a concentração da moça. Sua expressão pas-

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sou de serena para temente, fugindo daquilo que ela esperava. Repen-tinamente, uma onda a tragou para dentro do oceano. O rapaz, aflito, afrouxou a gravata que usava, desabotoou sua camisa e se jogou ao mar.

As ondas agitavam o mar, e o jovem não conseguia ver a moça. Seus pés não mais alcançavam o chão. Precisava encontrá-la de qual-quer jeito. Avistou algo. Era a moça.

Agarrou-a, dizendo que a tiraria da água. Trazia a mulher de volta para a praia quando percebeu sua ausência de movimentos. Não… eu não posso viver sem você… por favor… não me deixe, disse o rapaz entrando em desespero e desatando a chorar. O mar já os levara até uma distância, de onde não mais conseguiria retornar. Mas isso não foi um empecilho; o rapaz continuou tentando, até que um raio atin-giu o mar, próximo a eles.

– ◊ –

Anderson fitava seu computador, reconhecendo todos os sistemas que haviam sido danificados. Não muito tempo depois, a porta de sua sala abriu e um senhor apareceu. Tinha barba e cabelos grisalhos, era magro. Logo que entrou, por cima dos óculos redondos, encarou o professor próximo ao computador. Seus olhos castanhos denotavam impaciência.

– E então, professor Marcato, de quanto foi nosso prejuízo?– Bem, Arthur...– Hram... Hram... Professor Bastos, por favor.– Certo... Professor Bastos... Venha aqui. Veja. A área de pesquisa

da biologia está um enorme caos. É bem possível que um pouco dos dados possa ser recuperado, mas a grande maioria eu imagino que tenha ido para o lixo junto com o equipamento danificado.

– E os outros setores?– O setor da computação e tecnologia está quase todo destruído.

Diversos equipamentos foram destruídos e o que sobrou foram ape-nas alguns computadores de uso público da Universidade. A nossa biblioteca tem um sistema independente e, por sorte, ela não estava

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ativa na noite passada, o que economizou muitos danos. Alguns livros foram perdidos por causa da parte que caiu...

– Eu não me importo. Já tem o orçamento, quanto vai me custar?– O quê?– Digo, quanto os reparos custarão para a Universidade?– Não sei... Deixe-me pensar... As pesquisas e programas estão

salvos em disquetes e CDs... Mais todos os equipamentos eletrônicos, inclusive os de segurança. Os que não estavam ligados... Os da geo-grafia que estavam monitorando a tempestade... Mais as estruturas que desabaram...

– Por favor... Não quero ouvir suas divagações!– Já sei.Anderson estabeleceu os parâmetros, e o computador executou o

cálculo, demonstrando o valor do custo na tela.– O quê?!– Tudo está incluído: as estruturas que caíram, junto com os

danos dos equipamentos eletrônicos que estavam ligados e foram des-truídos. O sistema se baseou nos preços de custo dos equipamentos e licitações, então ainda pode haver uma variação neste valor e...

– Não é possível! Vou mandar outra pessoa analisar os danos.– Mas... eu passei a manhã toda... Tenho certeza!– Não me interessa! A Universidade não tem essa quantia. Isso

deve estar errado.Arthur saiu bufando da sala. Um garoto jovem, de dezesseis anos,

estava na porta. Cabelos pretos com várias mechas brancas, olhos cas-tanhos, óculos de armação bem fina, pele branca. Vestia uma calça jeans larga e uma camiseta preta; não era muito alto. Entrou e encon-trou o professor de cabelos castanhos grisalhos e olhos verdes com toda a atenção presa no computador, numa tentativa de revisar os danos. Ajeitava seu casaco preto e batia na mesa em sinal de confir-mação de seus dados anteriores.

– Anderson... O que diabos aconteceu com ele dessa vez?– Hahaha! Boa! Entra, vem aqui, Lucas! Dá uma olhada no pro-

blema do Arthur.

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– Óbvio que seria algo do gênero... Nossa, mas dessa vez eu não tiro a razão dele de ficar estressado não. O prejuízo foi realmente grande... Nossa! O Instituto de Tecnologia... está todo...

– Calma... Ela está salva. Eu tinha acabado de colocá-la no meu servidor do laboratório. Ela tem geração própria de energia e é no subterrâneo... Logo...

– Não foi atingida nem pelos danos físicos, nem pelo raio que atingiu a usina. Por falar nisso, você sabe até quando a cidade vai ficar sem energia?

– Não por muito tempo... Parece que os maiores danos foram provocados aqui na Universidade...

– Como assim?– Realmente... se você, que é o pequeno gênio aqui, não sabe,

não sou eu que vou saber. Não sei por que nós tivemos tantos danos enquanto a usina não.

– Deixa pra lá. Primeiro vamos descer para o laboratório, pois estou louco para vê-la!

– Tudo bem.

– ◊ –

O vento ainda soprava com uma considerável velocidade. Um homem olhava para o horizonte, onde o sol nascia banhando o mar de luz, que agora estava mais calmo. Seu longo casaco marrom balan-çava. Tinha pele morena, olhos castanhos e cabelos pretos; era alto. Com o movimento de sua roupa, sua arma podia ser vista: uma nove milímetros prateada. Um jovem policial chegou até ele.

– Senhor... Encontramos os corpos.– Onde estão?– Não muito distantes do carro, os dois têm uma distância consi-

derável entre si, senhor.– Tudo bem. Não precisa ficar me chamando de senhor... Pode

me chamar de Ricardo. Ricardo não tirava os olhos do horizonte. O jovem policial come-

çou a fazer o mesmo. Outro policial os chamou. Caminharam um pouco, passando pelo carro atolado na praia, e, depois de uma boa

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distância, chegaram ao primeiro corpo. Era um rapaz, estatura média, cabelos castanhos; estava sem camisa.

– Deem-me as luvas.– Senhor, esta camisa foi encontrada próxima ao carro. Pelo tama-

nho poderia ser dele.– Ou de algum garoto que veio nadar no mar qualquer dia desses

e perdeu a camisa na praia. Mas também concordo com você. Ele está de calça social... Poderia estar trabalhando?

– Outra informação que nós temos é de um radar. Pouco antes do blecaute, o radar fotografou este carro em alta velocidade e passando no sinal vermelho nesta avenida.

– Certo... Rapaz, rapaz... o que você estava fazendo? Cadê o legista? Ele ainda não apareceu?

– Senhor... quero dizer, Ricardo... O legista se demitiu semana passada, não se lembra?

Sandra chegara à praia e observava o movimento dos policiais. Sentia-se um pouco perdida, ainda tinha de mandar arrumar seu carro, que estava batido na estrada, mas não se importava muito. Ouviu a conversa de Ricardo e, por coincidência, era uma legista recentemente desempregada. Providência divina, logo pensou, mas estava um pouco receosa em ajudar.

– Olá! – gritou. – Posso ajudar?– Quem é você? – rispidamente respondeu Ricardo quando ela

se aproximou.– Pelo visto alguém levantou de mau humor. Eu sou a doutora

Carvalho... Ou se preferir, Sandra. Ouvi que vocês estão sem um legista. Eu tenho experiência e posso ajudar. Estou meio encalhada nesta cidade mesmo, melhor fazer o tempo útil.

– O que está fazendo aqui?– Estava andando pela cidade quando vi as pessoas se reunindo

aos montes aqui na praia, então quis saber o que estaria acontecendo. – Como assim? – Ricardo olhou em volta, muitas pessoas chega-

vam à praia e observavam o horizonte.– Eles eram algum casal famoso ou coisa assim?– Estes dois não estão nem identificados ainda... Estão assim por

causa da ilha. Vocês isolaram o outro corpo?

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– Não... A praia parecia vazia...– Vocês têm algum problema?! Vamos!Ricardo puxou a legista pelo braço e correram até a parte rochosa

da praia. Havia um aglomerado de pessoas. Ricardo gritou para que se afastassem. A jovem, loira, cujos cabelos eram enrolados e um pouco armados, ficou meio zonza.

– Nossa... Da próxima vez pede... vem... – disse Sandra, respi-rando com dificuldade – correndo... não precisa arrastar, pelo pouco que vi, imaginei que você seria meio carrancudo... mal-humorado, mas não pensei que fosse ser um homem das cavernas!

– Se você tinha intenção de ajudar, até agora não está fazendo um bom trabalho.

– Cara... Já vi necrotérios com moradores mais bem-humorados que você. Meu Deus... – interrompeu Sandra.

– O quê...?Os dois ficaram pasmos ao ver que algas cresceram em volta do

corpo que estava à sua frente, fazendo uma espécie de invólucro.– Será que colocaram essas algas aí?– Não... eu acho muito improvável... elas estão muito justas.– Moça...– Sandra...– Sandra, será que o corpo se enrolou nas algas enquanto estava

no mar?– Não... veja bem: elas estão arrumadas, como se tivessem cres-

cido para fazer um sepulcro para ela.– Pode dizer qual é a causa da morte?– Pelo que posso ver, os sinais indicam afogamento. Só vou poder

saber ao certo no necrotério, fazendo uma autópsia.– Certo, acredito que podemos lhe arranjar um acesso temporário

até contratarmos um novo legista.– Peça para que seus homens me ajudem a tirá-la daqui ten-

tando, ao máximo, não tirar essas algas... Acredito que elas sejam importantes.

As pessoas que vinham até a praia, após muito tempo de admi-ração silenciosa, começaram a conversar. Sandra perguntou para Ricardo o porquê de tantos comentários e espantos sobre uma ilha.

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– Quanto tempo faz que você chegou aqui?– Há algumas horas... Eu sofri um acidente em uma estrada pró-

xima daqui.– O motivo de tanta história por causa dessa ilha se deve ao fato

de que ela não estava aí quando o sol se pôs ontem à noite.– Como assim? Uma ilha não aparece da noite para o dia...– Agora você sabe como todos os moradores da cidade estão se

sentindo.– Senhor!– O que foi agora?– Encontramos um cara andando nu pela praia.– E o que eu tenho a ver com isso? Tirem-no de lá!– Mas...– Por favor.– É que ontem... a Marta...– Não... Nem me fale.– Mas a descrição dela foi exata.– Pior ainda... Tenho certeza que é armação dela pra que nós

comecemos a confiar nela.– Tudo bem...– Agora ajudem a doutora Carvalho a levar estes corpos.– Você vai embora? – perguntou Sandra.– Vou. Estou voltando para a Central. Depois, mais tarde, eu falo

com você sobre eles. Por favor, vá para lá assim que puder, aqui está o endereço.

Ricardo saiu após entregar um cartão a Sandra. No caminho, pas-sou entre as pessoas e fez sinal para elas, como se dissesse para cuida-rem de suas vidas, pois não havia nada lá. A doutora olhou à sua volta, estava cheia de pessoas, e cada vez apareciam mais.

Os dois corpos foram levados para a Central de Investigação. Sandra juntou-se à multidão que observava a ilha. Pensava em como aquilo poderia ser possível. Nunca ouviu falar de nada parecido com isso. Logo ao lado um grupo de pessoas carregava um barco em dire-ção do mar. Alguma coisa a chamou para a ilha. Ela correu até eles e perguntou se poderia ir junto.

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– ◊ –

Desceram as escadas, ansiosos. Anderson e Lucas estavam pres-tes a ver o resultado de uma pesquisa de anos. O garoto estava com o professor fazia alguns meses, mas aquele projeto já estava sendo desenvolvido há muito mais tempo. Chegaram até a porta do labora-tório. O professor se identificou. Uma vez dentro, trancaram a porta.

– Agora sim podemos ficar tranquilos. Esta sala é isolada dos olhos do Arthur.

– Cadê ela?!– Calma! Quanta pressa, ela não vai a lugar algum – Anderson riu.– Sei, vai brincando...– Você terminou o programa?– Sim, não faltava muita coisa, a gente já tinha terminado quase

tudo. Quando eu recebi seu e-mail falando que você tinha terminado o bolo e que estava delicioso, vibrei de felicidade... Mas que alusão idiota, hein?!

– O que você queria? Terminei o sistema inteligente que estamos desenvolvendo por debaixo do pano na faculdade. Claro que a gente usa a tecnologia dela, mas ninguém vai saber mesmo... Era isso que você queria? Você sabe que o Arthur coloca muitas pessoas monito-rando esse tipo de coisa para encontrar alguém tentando enganá-lo.

– Tudo bem, mas então, como você resolveu os últimos problemas?– Sinceramente, eu não sei o que me deu. Chegou a um ponto,

enquanto eu estava programando, que ela simplesmente me soprava no ouvido... Quase como se a alma dela estivesse se programando sozinha... Também aumentei o grau de desenvolvimento evolutivo dela. Fiz várias alterações.

– Alma? Você tinha bebido? Agora quer me falar que ela tem alma?

– Eu sei que não tem muita lógica, mas em certa hora eu só estava digitando, nem era mais eu quem programava. Vamos ver agora com o seu programa para reconhecimento de objetos, eu já tinha até dei-xado a câmera ligada nela – Lucas olhava para o equipamento na mesa, havia somente as placas e fios.

– Cadê o disco?

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– Eu tirei, foi tudo para a memória volátil, embutida na placa, ficou muito mais rápido.

– Como assim? Se ela se desligar... tudo vai para o espaço. Toda sua pesquisa. Pelo menos quase toda ela, pensei que tínhamos combi-nado de fazer arquivos salvando os estados dela!

– Calma. Eu sei. É para isso que ela está ligada no gerador, e eu trouxe outro gerador da faculdade, e ela ainda pode ser ligada na energia convencional... Fora isso, eu ainda coloquei uma bateria de seis horas que é ligada caso a energia caia. As operações dela estavam muito lentas usando o disco.

– Mesmo assim, é muito arriscado.– Eu sei. Porém a adição das diretrizes ficou mais fácil. A princí-

pio, pensei em portar apenas as leis básicas de Asimov, porém, decidi mudar um pouco: a primeira é nunca fazer nada que vá ferir um ser vivo, um pouco mais abrangente, e a única que realmente inspirei nas de Asimov; a segunda é que ela não deve acessar nenhum computador ou dispositivo que não tenha sido fabricado aqui na faculdade, com os nossos equipamentos; e a terceira é que a memória dela é intrans-ferível. Tudo foi colocado na própria estrutura do processador dela; assim, ela não conseguirá adaptar-se para ignorá-las. Pela maneira que eu fiz, ela ainda pode tentar executar qualquer uma das três ações, mas, se isso acontecer, ela desliga e liga, fazendo com que sua estru-tura de dados fosse para o espaço.

– Não teria como você impedir que ela executasse essas ações?– Acho que pelo jeito que ela foi programada até funcionaria...

Mas eu preferi deixá-la com o máximo de liberdade possível. Não sei. Os primeiros programas não funcionaram direito, pois não havia liberdade em seu programa. Ela está conectada à rede da Universi-dade, então ela tem acesso a todos os bancos de dados ligados... Mas não pode se transferir para nenhum outro computador.

– Não tenho certeza se eu gosto disso. Vamos, ligue ela logo. Anderson digitou uma senha para reconhecimento.– Lucas, ela monitora qualquer tipo de dado que recebe, de modo

que se não for do interesse dela, ninguém tem acesso. Fiz isso, pois, assim mesmo, se alguém pegá-la, não será capaz de discernir a dife-

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rença entre o que fizemos e uma pilha de placas. Passe aquele disco para mim e me dê os seus.

– ◊ –

O barco era colocado em cima das pedras quando Sandra já ini-ciava sua caminhada pela margem da ilha. A água batia nas pedras com calma e, ao longe, outros barcos podiam ser vistos.

Os homens que levaram a doutora até lá lhe pediram que se cui-dasse e os esperasse. Ela nem ligava, se eles brigassem com ela, carona para voltar não iria faltar. A ilha não possuía areia nas margens, era apenas pedra e algumas raízes mortas que iam até o mar. Olhando em volta, havia vários troncos que pareciam ter sido árvores muito tempo atrás. Viu um caminho construído de pedras. Resolveu andar por lá.

Seu sapado escorregava muito graças a alguma coisa que estava no chão. Viu algas. Lembrou-se do corpo da moça, e, por isso, pegou algumas algas e as colocou em sua bolsa. Continuou seu trajeto e percebeu que os homens haviam ficado para trás. Achegou-se a uma escada, a ilha era um grande morro. No topo, havia um imenso tem-plo, não definia ao certo. Ela desgrudou algumas raízes mortas e algu-mas algas. Viu uma porta. Nela, uma grande lua crescente de metal.

Tentou abrir, não conseguiu. Afastou-se um pouco, olhou para cima. Era muito grande, parecia ter no máximo dois andares, mas mesmo assim sua extensão ia além. Aquela arquitetura lembrava alguma coisa que já tinha visto antes. Tirou uma tesoura de sua bolsa e raspou um pouco daquela parede, pois nela haviam algas incrusta-das. Isso pode ser útil, deve explicar o porquê de essas algas crescerem assim..., pensou.

Havia muitas daquelas algas por toda a estrutura. Sandra buscava mais algumas amostras quando ouviu alguém gritar para que ela não se mexesse. Arthur se aproximou.

– Não toque nisso, mocinha!– O quê? Quem é o senhor para falar assim comigo?!– Sou o reitor da Universidade. Esta ilha agora é propriedade de

estudo e sua presença não é mais permitida.– Desde quando você pode se apossar assim de alguma coisa?

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– Eu tenho a autorização do prefeito para isolar a área para estudo.– Tudo bem... Não tenho mais o que fazer aqui mesmo.– O que você está levando daqui?– Nada.– Deixe-me ver sua bolsa.– Você pode até ter uma permissão para isolar a área, mas creio

que não tem nenhum mandato para revistar as minhas coisas... Então, tchau! Também creio que você expulsou os outros, portanto, vou aproveitar a carona.

– Mocinha...– Não me chame assim! Inferno! Sou a doutora Carvalho, pode

me procurar neste endereço das nove da manhã às sete da noite, de segunda à sexta. Não tem nenhum engano não, é a Central de Inves-tigação. Sou a nova legista! Tenha um bom-dia.

Arthur fitava-a com ódio. Sandra, com um sorriso irritado, seguiu seu caminho até o lugar de onde partiam os barcos, aliviada, pois seu blefe funcionara. Se bem que... não seria má ideia trabalhar por aqui.

– ◊ –

Sentia a água do mar lhe banhar o corpo. Sua vista estava turva. Levantou-se, mas não conseguiu se manter em pé; seus músculos doíam. Tentando mais uma vez enxergar qualquer coisa, olhou para suas mãos. Borrões vermelhos... Talvez seu corpo estivesse sujo. Arras-tou-se em direção ao fundo do mar e lavou suas mãos. De fato, estava certo. Tateou o próprio corpo em busca de algum ferimento. Desco-briu que estava nu.

Assustou-se mais uma vez. Ouviu alguém lhe gritando ao longe. As imagens ficavam cada vez mais nítidas. Seria um policial? Levan-tou-se mais uma vez e, cambaleando, foi em sua direção. Já perto, tro-peçou nas próprias pernas e só não caiu porque o policial o segurou.

– O que é isso?! Você está pelado! Ficou bêbado ontem e te assal-taram? – o policial colocou-o de pé e se afastou um pouco.

– Não...– O que aconteceu, então? Por que você está assim? Qual é o seu

nome?

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– Não... Não... Não sei.– Tudo bem... Aos poucos você vai lembrando... Mas qual é o seu

nome?– Não sei...– Quê?– Não sei o meu nome.– Onde você mora... Nome de parentes... – Não... Ou melhor... O mais estranho é que eu sei. Eu não moro...

em lugar algum... e sei que não tenho parentes... Mas, tenho? – olhou para o policial. Seus olhos tinham uma cor cinza, quase metálica.

– Meu Deus... Não Acredito!– Em quê?– Alguém me disse... Não pode ser... Vendo sua descrição... Eu

preciso falar com alguém e já volto.O policial chamou seus colegas, que já estavam se aproximando,

e pediu para que o rapaz não saísse de lá. Antes que os outros chegas-sem, o homem perdeu o equilíbrio e caiu sentado. Sua visão come-çava a se embaçar novamente. Ouvia um eco de vozes distantes, pare-ciam dizer algo importante. Pouco tempo depois, quando parou de tentar entender o que as vozes lhe diziam, ouviu uma conversa entre os policiais que chegaram.

– É incrível... Dessa vez a Marta se superou! Eu não acredito nessa bobagem, mas a descrição dela é perfeita.

– Eu também não... Mas que coincidência... Cabelos pretos abaixo do ombro, alto, corpo definido e os olhos cinzas... Quão comum é isso?

– Eu tenho uma prima que me contou, uma vez, quando eu tava falando, o quanto ela atazana o Ricardo, que ela é a maior “um sete um” que existe.

– Será que ela combinou com ele?– Mas como ela ia saber da tempestade? Nem o pessoal da mete-

reologia da Universidade conseguiu... – o outro policial chegou correndo.

– Ele disse para a gente tirar ele daqui. Está começando a juntar gente por causa da ilha.

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Cobriram-no e o levaram até a Central. Deram-lhe uma troca de roupa, e ofereceram um banheiro para que ele pudesse tomar banho e tirar a areia do corpo. Ele se sentia muito mal. Abriu a torneira. Quando a água molhou sua cabeça, o que escorria pelo seu corpo ficava vermelho.

Seu cabelo estava todo sujo de sangue. Lembrou que, quando acordou na praia, suas mãos também estavam sujas. O que fizera? Quem era? Não conseguia tirar as perguntas de sua cabeça. Procurou ferimentos em si, mas não encontrou nenhum.

Deu um soco na parede, quebrando o azulejo.