5
“Hermenêutica jurídica e(m) crise”, de Lenio Streck: Resenha – Por Djefferson Ferreira - 13/05/2015 http://emporiododireito.com.br/hermeneutica-juridica-em- crise-de-lenio-streck/ Lenio Streck, no Livro (Hermenêutica Jurídica (e)m Crise: uma exploração hermenêutica do direito) enfrenta – de uma forma sofisticada – as dificuldades deste momento de falta de referência e, como ninguém, não tem medo de responder à falta a partir da filosofia (no) Direito e de uma “reposta adequada à Constituição” (para utilizar uma expressão do jusfilósofo). Deste modo, o livro que se apresenta é um primor, dentre outras coisas porque propõe uma (verdadeira) ruptura paradigmática e, além disso, reafirma a autonomia do Direito como um princípio. Tal rompimento, contudo, não se fez (e não se faz) sem ranhuras. De fato, o conforto metafísico da verdade fundante, primeva, passível de ser alcançada/descoberta faz construir prédios inteiros, e a Filosofia da Consciência está aí – viva – para demonstrar. Esses prédios, todavia, após esta obra balançam e são – definitivamente – desabitados. Dizendo com outras palavras – na verdade, as do autor – nesse novo paradigma, “não se tem mais o assujeitamento do sujeito às essências e nem o solipsismo do sujeito assujeitador dos objetos.”[1] É dizer: a linguagem passa a ser entendida não mais como terceira coisa que se coloca entre o (ou um) sujeito e o (ou um) objeto, e, sim, como condição de possibilidade.”[2] O autor situa-se, portanto, na contramão do senso comum teórico dos juristas[3] na medida em que – ao des-velar as “obviedades” que obnubilam o imaginário gnosiológico dos juristas – colocou/coloca a lume a miséria do Direito e o

Hermenêutica Jurídica Em Crise, De Lenio Streck - RESENHA

Embed Size (px)

DESCRIPTION

RESENHA

Citation preview

Page 1: Hermenêutica Jurídica Em Crise, De Lenio Streck - RESENHA

“Hermenêutica jurídica e(m) crise”, de Lenio Streck:

Resenha – Por Djefferson Ferreira - 13/05/2015

http://emporiododireito.com.br/hermeneutica-juridica-em-crise-de-lenio-

streck/

Lenio Streck, no Livro (Hermenêutica Jurídica (e)m Crise: uma exploração

hermenêutica do direito) enfrenta – de uma forma sofisticada – as dificuldades

deste momento de falta de referência e, como ninguém, não tem medo de

responder à falta a partir da filosofia (no) Direito e de uma “reposta adequada à

Constituição” (para utilizar uma expressão do jusfilósofo). Deste modo, o livro que

se apresenta é um primor, dentre outras coisas porque propõe uma (verdadeira)

ruptura paradigmática e, além disso, reafirma a autonomia do Direito como um

princípio.

Tal rompimento, contudo, não se fez (e não se faz) sem ranhuras. De fato, o

conforto metafísico da verdade fundante, primeva, passível de ser

alcançada/descoberta faz construir prédios inteiros, e a Filosofia da Consciência

está aí – viva – para demonstrar. Esses prédios, todavia, após esta obra balançam

e são – definitivamente – desabitados. Dizendo com outras palavras – na verdade,

as do autor – nesse novo paradigma, “não se tem mais o assujeitamento do sujeito

às essências e nem o solipsismo do sujeito assujeitador dos objetos.”[1]É dizer: a

linguagem passa a ser entendida não mais como terceira coisa que se coloca

entre o (ou um) sujeito e o (ou um) objeto, e, sim, como condição de

possibilidade.”[2]

O autor situa-se, portanto, na contramão do senso comum teórico dos

juristas[3] na medida em que – ao des-velar as “obviedades” que obnubilam o

imaginário gnosiológico dos juristas – colocou/coloca a lume a miséria do Direito e

o Direito da miséria. O jusfilósofo detecta uma crise de paradigmas – denominada

por ele de “crise paradigmática de dupla face – que acomete o direito e a

dogmática jurídica nos países de modernidade tardia e impede o “acontecer do

novo”. O novo não consegue nascer. E nem se impor. Talvez o grande problema

resida no fato de que o novo não consegue se mostrar. O velho é tão forte que

Page 2: Hermenêutica Jurídica Em Crise, De Lenio Streck - RESENHA

vela as mínimas possibilidades de o novo aparecer através de algumas frestas de

sentido.[4]

Diante disso, o autor criou a Crítica Hermenêutica do Direito (que é melhor

desenvolvida nos livros Verdade e Consenso – Constituição, Hermenêutica e

Teorias Discursivas e Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica; obras que

serão apresentadas na sequência, no Empório do Direito). Nas palavras do autor,

a CHD assume um papel fulcral de des-ocultamento, des-velamento ou

desenraizamento daquilo que “tendencialmente encobrimos” (Heidegger,

Gadamer, Stein e Streck).

Deste modo, a hermenêutica, para o jusfilósofo, passa a ser “esse modelo de

conhecimento que tem a tarefa de tornar visível o habitus que domina a

interpretação/aplicação do direito. Sua tarefa também é a de denunciar –

constantemente – a tradição inautêntica no sentido que Gadamer dá a essa

palavra.”[5] Para tal desiderato, o autor utiliza como fio condutor o

“método”[6] fenomenológico, visto, a partir de Heidegger, “como interpretação ou

hermenêutica universal, é dizer, como revisão critica dos temas centrais

transmitidos pela tradição filosófica através da linguagem, como destruição e

revolvimento do chão linguístico da metafísica ocidental.”[7]

 A partir deste “método”[8] hermenêutico, diz o autor, revolve-se o chão lingüístico

em que está assentada a tradição, reconstruindo a historia institucional do

fenômeno. Desse processo – que é como se o fenômeno fosse descascado aos

poucos – exsurge o “sentido da coisa.” Que já não será aquela que o intérprete

vislumbrou no início. Numa palavra: o fenômeno exsurge “como ele é” [9], por assim

dizer.[10]

Des-cobrir os encobrimentos produzidos pelo imaginário gnosiológico dos juristas

e construir uma Teoria da Decisão inserida no contexto do constitucionalismo

contemporâneo são algumas das missões de Lenio Streck, neste livro. Numa

palavra final: O autor sabe o que está enfrentando; e tem respostas adequadas e

construções coerentes.

Notas e Referências:

Stein, Ernildo. Aproximações sobre Hermenêutica, 2 Ed. Rio Grande do Sul:

EDIPUCRS, 2010.

Page 3: Hermenêutica Jurídica Em Crise, De Lenio Streck - RESENHA

_____, Ernildo. Exercícios de Fenomenologia. Limites de um Paradigma. Rio

Grande do Sul: Unijuí, 2004.

Streck, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração

hermenêutica do direito. 10. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

_____, Lenio Luiz. Lições de Crítica Hermenêutica do Direito. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2014,.

_____, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. São Paulo.

Editora: Revistas dos Tribunais, 2013.

WARAT, Luis Alberto. Mitos e Teorias na Interpretação da Lei. Porto Alegre:

Editora Síntese, 1979.

http://www.conjur.com.br/2013-set-19/senso-incomum-nao-sei-coisas-sempre-

foram-assim-aqui

[1] Streck, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração

hermenêutica do direito. 10. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 228

[2] Streck, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração

hermenêutica do direito. 10. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 227

[3]Expressão criada por Luis Alberto Warat. Nas palavras do mestre: “chamar-se-á

“senso comum teórico” a essa montagem de noções – representações – imagens

– saberes, presentes nas diversas práticas jurídicas, lembrando que tal conjunto

funciona como um arsenal de ideologias práticas. Em outras palavras, essa

montagem corresponde a normas que disciplinam ideologicamente o trabalho

profissional dos juristas”. WARAT, Luis Alberto. Mitos e Teorias na Interpretação

da Lei. Porto Alegre: Editora Síntese, 1979, p. 19.

[4] Streck, Lenio Luiz. Lições de Crítica Hermenêutica do Direito. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2014.

[5] Streck, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. São Paulo.

Editora: Revistas dos Tribunais, 2013. p. 227

[6] A palavra método foi colocada entre aspas porque, segundo Stein (e Streck

compartilha da visão de seu mestre) “a hermenêutica que cuida dessa verdade

Page 4: Hermenêutica Jurídica Em Crise, De Lenio Streck - RESENHA

não se submete a regras metódicas das ciências humanas, por isso ela é chamada

de hermenêutica filosófica”. Stein, Ernildo. Exercícios de Fenomenologia. Limites

de um Paradigma. Rio Grande do Sul: Unijuí, 2004, p. 51.

[7] Streck, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. São Paulo.

Editora: Revistas dos Tribunais, 2013. p. 221

[8] “Gostaria de mostrar porque Gadamer, no seu livro mais importante, fala em

Verdade e método. Justamente porque na tradição lógico-semântica, toda a

verdade está ligada ao método – o método dedutivo e o método indutivo,

fundamentalmente. Gadamer quando dá o título Verdade e método ao livro no qual

ele trata da chamada hermenêutica filosófica, faz isso também como provocação.

Ficamos duvidando se é Verdade e método, Verdade ou método ou Verdade

contra o método. Em geral leio o título como Verdade contra o método.” Stein,

Ernildo. Aproximações sobre Hermenêutica, 2 Ed. Rio Grande do Sul: EDIPUCRS,

2010,  p. 47.

[9] Veja aqui o caso da ilha e dos

peixes. http://www.conjur.com.br/2013-set-19/senso-incomum-nao-sei-coisas-

sempre-foram-assim-aqui

[10] Streck, Lenio Luiz. Lições de Crítica Hermenêutica do Direito. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2014, p. 10.