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17 HERMENÊUTICA Unidade II 5 10 15 20 25 30 35 9 INTEGRAÇÃO DAS LEIS Cumpre destacar, em primeiro lugar, que integração não é a mesma coisa que interpretação. “Integrar” uma norma consiste em buscar um instituto jurídico com a finalidade de preencher uma lacuna da lei, um vácuo existente no dispositivo legal. “Interpretar” consiste em saber precisamente o alcance, a intenção em que foi elaborado determinado dispositivo legal. Isso auxilia em aproximar o Direito frio à realidade social. Busca–se determinar o conteúdo, a finalidade de determinada norma jurídica e seu efetivo impacto junto a seus destinatários. Toda lei, por mais perfeita que pretenda ser, carrega no seu bojo imperfeições, vazios. Estes vazios, para que a lei seja mais justa, tenha uma incidência mais adequada aos anseios de seus destinatários, precisam ser preenchidos. A integração de normas é, também, uma questão de segurança jurídica uma vez que seus destinatários terão a certeza de que a lei terá a maior eficácia possível (obviamente dentro de princípios consagrados pelo Direito). Vejamos a seguir, portanto, alguns aspectos importantes. 9.1 Analogia Desde a Antiguidade Clássica, a analogia revela–se num dos principais meios de integração do Direito. Atualmente, temos

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9 INTEGRAÇÃO DAS LEIS

Cumpre destacar, em primeiro lugar, que integração não é a mesma coisa que interpretação.

“Integrar” uma norma consiste em buscar um instituto jurídico com a finalidade de preencher uma lacuna da lei, um vácuo existente no dispositivo legal.

“Interpretar” consiste em saber precisamente o alcance, a intenção em que foi elaborado determinado dispositivo legal. Isso auxilia em aproximar o Direito frio à realidade social. Busca–se determinar o conteúdo, a finalidade de determinada norma jurídica e seu efetivo impacto junto a seus destinatários.

Toda lei, por mais perfeita que pretenda ser, carrega no seu bojo imperfeições, vazios. Estes vazios, para que a lei seja mais justa, tenha uma incidência mais adequada aos anseios de seus destinatários, precisam ser preenchidos. A integração de normas é, também, uma questão de segurança jurídica uma vez que seus destinatários terão a certeza de que a lei terá a maior eficácia possível (obviamente dentro de princípios consagrados pelo Direito).

Vejamos a seguir, portanto, alguns aspectos importantes.

9.1 Analogia

Desde a Antiguidade Clássica, a analogia revela–se num dos principais meios de integração do Direito. Atualmente, temos

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como norma que o intérprete deve utilizar a analogia quando, dentro da ordem jurídica, for omissa, ou seja: não dispuser de uma lei para um caso específico.

Assim, ao caso omisso, ou não previsto pelo legislador, deve ser integrada a analogia. Isso requer que o hermeneuta obtenha uma norma análoga, vale dizer, uma norma prevista para um caso diverso – contudo, semelhante – para incidir naquela situação fática carecedora de dispositivo legal.

Isso se revela simples, uma vez que o intérprete terá que buscar dentro do universo jurídico uma norma direcionada e elaborada a incidir num caso determinado. Este caso, obviamente foi concebido pelo legislador. Contudo, sua incidência, embora diversa, é semelhante ao caso que se busca integrar. Eis, em síntese, o método analógico.

No fundo, o hermeneuta terá que fazer comparações. Ele deverá buscar no vasto mundo jurídico a norma existente que melhor se adequará ao caso – carecedor de normas – omisso pelo legislador. Essa norma encontrada pelo hermeneuta dentro do ordenamento jurídico existente é denominada de “paradigma”.

A fonte do Direito revela o nascedouro do mesmo. Deste modo, para alguns autores brasileiros, a analogia não é fonte do direito porque dela não nascem novas normas jurídicas. Sustentam estes autores que a norma a ser empregada num caso concreto (não previsto pelo legislador) é preexistente. A analogia, deste modo, nada cria, apenas orienta o intérprete.

A igualdade jurídica é o grande Norte da analogia. Isso significa que situações diferentes, mas semelhantes (análogas), deverão, forçosamente, ter o mesmo tratamento jurídico. Este raciocínio é evidenciado pelo brocardo jurídico que dispõe: “onde existir a mesma razão deverá existir o mesmo direito”.

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A analogia está ligada intimamente à lógica. Contudo, não podemos reduzi–la única e exclusivamente a um procedimento lógico–formal. Dentro deste instituto, também existe um tempero valorativo do intérprete. Assim, quando este busca o “paradigma” para integrar o vácuo legal, este não deixa de lado a sua relação com o mundo em que está inserido. O homem, ao interpretar o Direito (já abordamos o assunto na Unidade I), não se separa de suas amarras sociais, econômicas, culturais, artísticas, filosóficas etc. Não há como separar esse aspecto valorativo. A visão jurídica fatalmente virá acompanhada dos anseios, rancores, amores, frustrações, ambições, receios etc. do intérprete.

Alguns juristas entendem que estes valores devem, na integração da norma, através da analogia, ser utilizados com frequência, pois assim se alcançará uma isonomia, uma igualdade mais autêntica e, talvez, mais justa (sublinhe–se que nem todos os autores concordam com essa questão do “justo”).

Vejamos então, os diferentes conceitos de “analogia” e sua receptividade dentre os autores.

9.1.1 Analogia legis

Como o próprio nome sugere, trata–se de “analogia legal”. Consiste na aplicação de uma norma que existe anteriormente, ou seja: já existente, destinada a reger um caso semelhante àquele que foi fruto de omissão do legislador. O paradigma destina–se, então, a incidir num caso semelhante e diverso;

9.1.2 Analogia juris

Aqui, também, o próprio nome sugere se tratar de “analogia jurídica”. Uma vez que o universo jurídico é amplo, há de existir uma norma que possibilite a aplicação a um caso análogo. Assim, sendo amplo o Direito e seus ramos, o intérprete lança mão de um instituto que possa preencher a omissão do legislador. Aqui,

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o hermeneuta tem a necessidade de buscar/pesquisar todo o ordenamento jurídico.

Como já foi dito anteriormente, os autores não são unânimes quanto ao assunto. Eis a razão por que o Direito é dinâmico. Assim, temos que analisar as diferentes posições:

a) num primeiro plano, defendem alguns que somente existe um tipo de analogia que seria a analogia legis. Atestam que a analogia juris acaba sendo parte integrante dos Princípios Gerais de Direito no que tange à integração de normas. Essa posição é sustentada pelo professor Miguel Reale e pelo ilustre jurista mineiro Paulo Nader;

b) num segundo momento, temos juristas que sustentam ser a analogia juris merecedora de autenticidade. Isso porque o hermeneuta não aplica somente o paradigma, mas busca uma norma no vasto campo do ordenamento jurídico. O intérprete nunca poderá abrir mão do ordenamento jurídico, das soluções vastas que este proporciona. O sistema jurídico é sistemático; esse liame lógico auxilia e deve ser também observado pelo integrador da norma. Os professores Machado Neto e Maria Helena Diniz filiam–se a essa corrente;

c) resta analisar, ainda, uma terceira posição: estes juristas entendem que distinguir a analogia legis e analogia juris não traz qualquer ganho prático. Segundo Binding, analogia é uma só.

Quanto à analogia e à interpretação extensiva, ensina o professor Miguel Reale que: “não se deve confundir a analogia com a interpretação extensiva, apesar de esta representar, até certo ponto, uma forma de integração. A diferença, assim, seria não qualitativa, mas de grau ou de momento no processo de integração sistemática; entre uma e outra há um grau a mais na amplitude do processo integrativo”.

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E, ainda, devemos salientar que este instituto é vedado no Direito penal, salvo para beneficiar o réu.

Avalie aqui, um breve aspecto prático deste instituto:

Descabida a aplicação analógica do art. 157, § 2º, II, CP, que trata do aumento de pena no crime de roubo, ao crime de furto qualificado, mormente em razão do concurso de agentes (CP, art. 155, § 4º, IV). Precedentes citados: Resp. 540.768–RS, DJ 24/11/2003, e Resp. 401.274–RS, DJ 4/8/2003. Resp 916.977–RS, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região), julgado em 16/10/20071.

9.2 Equidade

Como vimos anteriormente, os doutrinadores romanos ressalvavam, com razão, que muitas vezes a estrita aplicação do Direito trazia consequências danosas à justiça, beirando a violência. Vimos até que os romanos tiraram este instituto de Aristóteles.

É cediço que, não raro, o homem pratica injustiça. Assim, o magistrado que, com eventual insensibilidade formalística e com excesso de rigor segue fielmente o mandamento estipulado no texto legal, pode “ferir” o direito de outro.

Neste teor, há casos em que é necessário abrandar o texto rigoroso da lei. Realizando–se este abrandamento através da equidade, que é, fundamentalmente, a justiça amoldada à especificidade de uma situação real. Ou como diria Aristóteles, retificar o aspecto injusto da lei.

Destaca o saudoso professor Miguel Reale (2001) que:

valendo–se das técnicas apuradas da interpretação extensiva e da analogia, e dos recursos mais sutis que são os princípios gerais e a equidade, o operador do

1Disponível em: <http://www.mpes.gov.br/.../14_20891314403122007_Informativos%2026%20- %20versão%20definitiva1.doc>. Acesso em: 27 jan. 2011.

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Direito, quando forrado de conhecimentos adequados e animado de consciência ética, surge como um dos mentores da convivência social, pois, temos dito e repetido, o Direito não é mero reflexo das relações sociais.

Dentro do campo da Hermenêutica, a equidade pode adquirir uma dupla função: num primeiro momento, pode perfeitamente ser um “elemento de integração” diante do vácuo existente dentro de um dispositivo jurídico; num segundo momento, pode constituir um “elemento de adaptação” da norma, devido a seu caráter geral, a um caso concreto (tornando–o mais justo, de mais fácil aplicação).

No primeiro caso, a equidade pode ser vista como sendo a aplicação do direito ao caso concreto. No segundo momento, ela pode ser vista como o justo aplicado ao caso concreto.

A equidade é inócua, sem razão de ser, caso venha a desprezar o caso em concreto (o caso em que a lei é injusta ou de difícil aplicação). Isso deve ocorrer com a equidade seja na hora de integrar a norma ou de aplicá–la. Somente levando em conta casos particulares, específicos (lembre–se de que a lei possui caráter genérico), é que se aproximará da justiça, aparando–se os “espinhos da lei”. O intérprete chegará, aqui, a uma solução mais justa. Este é o aspecto peculiar da aequitas definida por Aristóteles.

Vejamos, aqui, um aspecto prático, de jurisprudência, envolvendo o instituto:

Honorários advocatícios – valor irrisório – equidade2

Trata–se de fixação de honorários advocatícios, quando em ação de execução, decretou–se sua extinção com base no art. 267, IV, do CPC. O Tribunal a quo fixou a verba em três mil reais, sendo que o valor dado à causa foi de cento e oitenta e seis mil reais. Assim, a Turma, por maioria, conheceu e deu parcial provimento ao recurso ao entender que fere o art. 2º, § 4º, do CPC o arbitramento dos

2Disponível em: <http://www.oabrp.org.br/jornal_oab.php?jid=8&sid=21>. Acesso em: 27 jan. 2011.

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honorários de sucumbência em montante irrisório, que destoa de uma equitativa remuneração, além de ofender a dignidade do profissional da advocacia. Precedentes citados: Resp. 281.954–RJ, DJ 28/10/2002; Resp. 651.226–PR, DJ 21/2/2005, e Resp. 840.758–SC, DJ 9/10/2006. Resp. 899.193–ES, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, julgado em 21/8/2007.

9.3 Princípios gerais do direito

Vale destacar a definição clássica do que vêm a ser os princípios gerais de Direito: estes são, pois, segundo Maximiliano (1993): “enunciados normativos de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas”. Abarcam, assim, tanto o campo da pesquisa pura do Direito, bem como o seu aspecto prático.

Há dúvidas dentro da doutrina se os princípios gerais do direito incorporam ou não o direito positivo. Para alguns, constituem parte integrante deste, enquanto outros refutam a hipótese.

Alguns doutrinadores atentam que estes princípios traduziriam os princípios de direito natural, distintos de um direito positivo. Hoje, esta posição natural racionalista já está obsoleta.

Para a Escola Positivista, os pricípios gerais do direito integram o direito positivo (não os separa como os jusnaturalistas). Este conceito, diverso de um conceito natural, também já está superado.

O direito é fruto de um trabalho humano diante de um caso concreto. Como já vimos anteriormente, sendo um produto do homem, do intelecto humano, é a razão humana que, aliada a princípios jurídicos, busca um comportamento do “Justo”. Temos, aqui, a jurisprudência, vale dizer, o Direito entendido e aplicado pelos “prudentes”, pelos sábios.

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Deste modo, o Direito, conjunto de critérios, é obra da inteligência, seu efetivo cumprimento, o comportarem–se os homens de acordo com os critérios jurídicos, é obra da vontade.

Lembramos, então, que os princípios gerais do Direito têm três funções nucleares como veremos a seguir.

9.3.1 A função criativa

Por meio deste enunciado, observa–se que o legisladores deverão conhecer os princípios norteadores da norma; uma vez conhecidos, passar–se–á ao segundo passo que consiste em transformá–los em lei.

9.3.2 A função interpretativa

Os princípios gerais do direito servem como âncora para o intérprete da norma. Estes, por si só, não garantem uma boa interpretação, mas auxiliam sobremaneira o papel do hermeneuta.

9.3.3 A função integradora

Implica que os princípios servirão, fundamentalmente, para preencher o vácuo legal. Estes princípios integradores trazem a segurança jurídica.

9.4 Costumes

“Costume” é fruto da repetição de uma conduta. Assim, a conduta reiterada, aceita dentro de uma comunidade, tem esta força costumeira ou consuetudinária.

Tal como a analogia, e os princípios gerais do Direito, costume revela–se numa fonte integradora. O costume pode decorrer:

a) da prática dos destinatários da norma ou das partes interessadas;

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b) de uma decisão repetida por parte dos tribunais;

c) da doutrina dos jurisconsultos.

O costume pode ser dividido em três categorias:

a) praeter legem: quando a prática consuetudinária está além daquilo estipulado em lei;

b) contra legem: quando a prática consuetudinária se encontra divorciada daquilo que está previsto no corpo da lei;

c) secundum legem: quando está, a prática reiterada, em sintonia com a lei.

Se observarmos o disposto no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, constataremos que o costume é previsto pelo legislador logo abaixo da lei. Isso implica que o legislador deixou uma vedação implícita: o Magistrado só poderá integrar a norma com o costume uma vez esgotados os demais meios permitidos pelo Direito.

Advertem alguns doutrinadores que o órgão judicante (aquele que integrará a norma), ao aplicar o costume, deverá estar munido com uma boa dose de sensibilidade e um faro sociológico apuradíssimo para descobrir o “ponto de saturação” em que o uso pode ser invocado como jurídico.

Lembrando a questão do costume revogar ou não a lei ou até que ponto aplica–se uma lei em desuso.

Vale lembrar que uma lei em desuso acarreta, como consequência, no espírito de seus destinatários, a insegurança, a incerteza de sua efetiva obrigatoriedade. Esta dúvida, como é óbvio, acarreta um grande mal social.

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Há duas teses que se confrontam, neste ponto especificamente:

a) a tese da validade das leis em desuso: salientam os doutrinadores, como argumento fundamental, o fato de que a lei é um produto exclusivo do governante. Assim, o costume contrário à lei (contra legem) seria uma forma de participação do povo na elaboração da norma perante a sociedade. Assim, com base no artigo 2º da LICC do Código Civil, negam força revogatória ao desuso. Atestam que nenhum tribunal ou juiz pode deixar de aplicar a norma jurídica que não foi, direta ou indiretamente, revogada por outra lei;

b) a tese da revogação da lei pelo desuso: para os doutrinadores que se filiam a esta corrente, basicamente valem os argumentos baixo: b1. a renúncia do Estado pela aplicação da lei aos órgãos incumbidos (responsáveis pelo desprestígio da lei); b2. as leis estão condicionadas a um mínimo de eficácia. Assim, a lei, não produzindo eficácia, torna–se irrelevante.

10 ESCOLAS

10.1 A escola da exegese

Esta escola revela uma das principais doutrinas de interpretação jurídica. Assim, para melhor compreendê–la, destaca–se que, desde a Antiguidade Clássica, temos a dicotomia entre direito positivo e direito natural. Trata–se de uma luta ainda hoje pertinente no Direito3.

Esta bifurcação traduz que, de um lado, temos aquilo que é apreendido pelo homem. É fruto daquilo que é dado pelo homem (temos então a thésis); de outro lado, apresenta–nos a physis, que se encontra no mundo natural (tal como enunciara Aristóteles).

3Sugere-se a leitura de Antígona, de Sófocles.

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Surge, na primeira metade do século XIX, em França, a Escola da Exegese. Vale alertar que esta Escola, embora com algumas semelhanças, não se constitui como fruto do positivismo.

Para os doutrinadores desta Escola, a lei teria o condão de prever todas as situações fáticas. O legislador, ao elaborar o texto legal conseguiria prever todos os acontecimentos sociais que esta visa a abarcar. Para estes juristas, o ideal é saber interpretar o Direito.

Napoleão conseguiu uma proeza muito significativa: a elaboração de um Código Civil que acabou por ser adotado por muitos países da Europa. A Escola em questão surge depois da elaboração deste diploma que mudou o mundo jurídico. Levando–se em conta o que estipula o art. 4° do aludido Código4, observa–se que o juiz, em hipótese alguma, poderá deixar de apreciar o Direito, ou seja, de julgar.

Os pensadores integrantes deste movimento julgavam que as decisões proferidas pelo Magistrado deveriam consistir numa “decisão mecânica”, porém acrescia–se neste processo de raciocínio a vontade do legislador ao elaborar a norma.

Os juristas adstritos a este movimento pregavam este “culto à lei” (daí alguns acharem–na positivista), acreditavam – uma vez que na época e naquele momento histórico, isso fosse verdadeiro – que o Código Civil de Napoleão, um diploma avançado para a época, poderia resolver todos os problemas ligados à vida cotidiana. Este pensamento levou a outra questão pertinente: o da imutabilidade de um diploma (defendida pela Escola em estudo). Até os dias de hoje, procuram alguns juristas (em vão) criar um diploma eterno (lembrando que a sociedade muda, mudam os anseios do povo e, com isso, o legislador se vê obrigado a disciplinar esses novos desafios).

10.2 A escola histórica

Com o avanço do conhecimento científico no século XIX, bem como com o descontentamento com as soluções

4Convém ao aluno analisar este diploma legal.

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apresentadas pela Escola da Exegese, sob a batuta de Savigny, surge a interpretação histórica.

Os juristas, aqui, buscam evitar um raciocínio frio, abstrato e puro. Os conceitos dados pela história, agora, passam a desempenhar um papel importante. As experiências adquiridas pelo povo é que vão conduzir o legislador a novos rumos. Assim, a busca dos valores provenientes dos costumes, da filosofia, da cultura e dos fatos sociais ligados a determinado povo proporcionarão, ao direito, dados para que possam ser interpretados, integrados e até criados. Observamos aqui, um deslocamento de eixo: o historicismo passa a dar mais valor aos usos e costumes.

O jurista e pensador Savigny combatia a compilação das leis em códigos.

Pois então, o Direito seria a tradução, a “marca”, o sinal peculiar de cada povo (cada povo tem sua cultura, consciência jurídica diferente e peculiar, comparada aos demais povos). Esta consciência jurídica se desenvolve lentamente. Savigny destaca que ordenamento jurídico consiste precisamente no espelho desta consciência jurídica. Assim, o processo de codificação do Direito impede a evolução do mesmo, engessando–o.

10.3 A escola dos pandectistas

Com a escola dos Pandectistas, na Alemanha, surge uma compreensão progressiva da lei.

Estes juristas que, na segunda metade do século XIX, construíram uma poderosa técnica ou dogmática jurídica remontando–se ao Direito Romano (principalmente no Digesto e nas Pandectas), valorizavam mais os costumes.

Outro diploma importante para a Europa (e para o Direito) foi a elaboração do Código Civil alemão. Este foi um verdadeiro

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marco para a “Pandectística” alemã. Os doutrinadores/filósofos que pertenciam a este movimento estavam convencidos de que um bom Código Civil acarretaria, também, uma doutrina do Direito muito bem–elaborada. Embora as leis ainda pudessem criar vácuos legais, injustiças, o jusnaturalismo seria uma bandeira digna de ser empunhada (tendo em vista seus princípios – lembre–se da equidade por exemplo).

Essa Escola, através de suas conquistas, conseguiu se transformar num “marco” da ideologia jurídica alemã – fundada essencialmente nos ditames do Direito Romano.

10.4 Escola da livre pesquisa do direito

Esta escola procura restituir ao juiz/intérprete do Direito maior independência em face do texto da lei (como vimos, nas Escolas anteriores, a lei seria mais “sábia”).

Assim, o Magistrado deve empenhar–se em elaborar um trabalho científico, tendo em vista “a livre pesquisa do Direito”, com base nas investigações sociais5.

O Direito, então, é formado por dois elementos:

a) o “dado”: não é criado pelo legislador, mas sim proporcionado pela simples existência e convivência humana;

b) o “construído” (le construit) tendo em conta o que é dado pela natureza, o jurista constrói o ordenamento jurídico.

11 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Como vimos, a interpretação da norma é influenciada pelo seu intérprete, pela sua visão de mundo.

5Nota: através do estudo de todas as Escolas, observamos a importância da Sociologia para o Direito.

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O Ministro Eros Roberto Grau fez uma interessante metáfora em relação à interferência, ao subjetivismo do hermeneuta diante do pesquisado que muito interessa ao tema em estudo.

Apresenta uma metáfora que diz respeito à “Vênus de Milo”.

Assim, esta metáfora retrata a contratação de três artistas para produzirem, cada um, uma réplica da estátua da conhecida “Vênus de Milo”. Como resultado desta empreitada, constataremos que cada artista produzirá uma estátua diferente. Note–se que todos os artistas usaram o mesmo objeto como ponto de partida: nomeadamente a “Vênus de Milo”. O resultado é que não teríamos três estátuas absolutamente distintas umas da outras (afinal todos os artistas buscaram retratar a “Vênus de Milo”). Contudo, também não são as mesmas estátuas uma vez que cada artista deixou a “sua marca” nas respectivas obras.

Este fenômeno também ocorre com a interpretação. Ela será distinta, conforme seu intérprete, com seu papel, sua visão de mundo.

A interpretação de uma constituição também estará sujeita ao intérprete. Assim, o mundo exterior influenciará o hermeneuta no procedimento interpretativo. O professor alemão Konrad Hesse afirma que uma norma constitucional não pode existir por si só, divorciada da realidade em que incide e encontra–se inserida.

Podemos, então, concluir que a hermenêutica constitucional procura concretizar a norma constitucional. Ou seja: a interpretação constitucional leva em consideração todos os fatos do mundo real, bem como o objeto do texto (que traduz a relevância da realidade concreta do mundo).

Assim, tarefa de hermenêutica, de interpretação da Constituição acarretará consequências, basilares, para toda a sociedade.

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Deste modo, a importância dos fatos na interpretação constitucional é reforçada pela existência de um instituto da modelação dos efeitos da decisão que reconhece eventual inconstitucionalidade. Neste prisma, sabemos que cabe ao STF, determinar em que momento no tempo a inconstitucionalidade começa a produzir efeitos.

Saliente–se que a interpretação tem por meta alcançar o objetivo de atualização do texto constitucional. Assim, quando um intérprete considera fatos existentes no mundo real, o texto constitucional se depara com a aplicação destes a casos diversos. Conforme afirma o ilustre Professor Paulo Bonavides em seu Curso de Direito Constitucional, “interpretar a Constituição normativa é muito mais do que fazer–lhe claro o sentido: é, sobretudo, atualizá–la”. E, nesse mesmo sentido, o Professor Canotilho afirma que é impossível segurar uma Constituição imutável. Tentar segurar imutável uma Constituição seria o mesmo que erguer a mão e tentar segurar o vento6.

O jurista alemão, Konrad Hesse ainda salienta que é necessária a aplicação de uma “interpretação construtiva” para garantir a força normativa do texto constitucional, garantindo a “consolidação e preservação da força normativa da Constituição”7.

Entretanto, deve–se levar em conta que essa interpretação deve considerar os “fatos concretos da vida”; para Hesse:

a interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, “o sentido” da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação8.

Referências bibliográficas

AQUINO, Tomás de. Suma teológica. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (coleção Os Pensadores).

6Baseado em: <http://www.panoptica.org/dezembro2006pdf/2HermenuticaConstitucional.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2011.

7Disponível em: <http://www.ebah.com.br/hermeneutica-constitucional-pdf-a46624.html>. Acesso em: 16 fev. 2011.

8Disponível em: <http://www.panoptica.org/dezembro2006pdf/2HermenuticaConstitucional.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2011.

Leitura sugerida: Analogia e criação judicial, de Maurizio Marchetti.

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BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1999.

___. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, vol. 1.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2001.

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