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5/10/2018 HESÍODO - Os trabalhos e os dias - slidepdf.com
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ISBN 15·852"9.,22·)(
, I , J ! ~ . , ~ .
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Hesfodo
OS TRABALHOS E OS DIAS
(PRIMEIRA PARTE)
Introduciio, traduciio e comentdrios
Mary de Camargo Neves Lafer
ILUMII{URAS
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Biblioteca Polen
D ir ig id a p or R u be ns R o dr ig ue s T or re s F ilh o
Titulo original do poema:
E rg a k ai H eme ra
Copyright © da traduciia:Mary d e C am arg o N ev es L afe r
Copyright © desta ediciio:
Ed it or a I lum in u ra s L td a .
Revisiio:
C arm em Ga rc ez
B eat ri s Ch av e s
Composidio:
WS Ass es so ria G ra fic a L td a.
ISBN: 85 -85219-22 -X
INDICE
Biblioteca Polen . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . L)
Introducao 13
Traducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1996
EDITORA ILUMINURAS LTDA
RuaOscar Freire, 1233
01426-001 - Sao Paulo - SP
Tel .: ( 011 )852 -8284
Fax: (011)282-5317
Os mitos: comentarios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
1 As duas lutas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
2 Prometeu e Pandora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
3 As cinco raps , . . . . . 77
A guisa de conclusao , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
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BIBLIOTECA P6LEN
Para quem nao quer confundir rigor com rigidez, e fertil
considerar que a fi losofia nao e somente uma exclusividade
desse competente e titulado tecnico chamado filosofo. Nem
sempre ela se apresentou em publico revestida de trajes acade-
micos, cultivada em viveiros protetores contra 0perigo da re-
flexao: a propria critica da razao, de Kant, com todo 0 seu
aparato tecnologico, visava, declaradamente, libertar os obje-
tos da metafisica do "mono polio das Escolas".
o filosofar, desde a antiguidade, tern acontecido na forma
.de fragmentos, poemas, dialogos, cartas, ensaios, confissoes,
meditacoes, parodias, peripateticos passeios, acompanhados
de infindavel comentario, sempre recomecado, e ate os mode-
los mais classicos de sistema (Espinosa com sua etica, Hegel
com sua logica, Fichte com sua doutrina-da-ciencia) sao atin-
gidos nesse proprio estatuto sistematico pelo paradoxo consti-
tutivo que os faz viver. Essa vitalidade da fi losofia, em suas
multiplas formas, e denominador comum dos livros desta co-
lecao, que nao se pretende disciplinarmente filosofica, mas,
justamente, portadora desses graos de antidogmatismo que
impedem 0 pensamento de enclausurar-se: um convite Iiliber-
dade e Iialegria da reflexao.
Rubens Rodrigues Torres Filho
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Agradecimentos
Aos meus pais, pelo fundamental, A meus irmiiosAchil les, Monica, Orestes e Arminda, pela amizade e pelaprdtica sauddvel do bom-humor. A Maria Luella, pelo cari-nho e pela combatividade, Aos colegas de Grego, Anna Lia,isis, Henrique, Torrano, Medina, Paula e Cavalcante, pelosensinamentos e pelo apoio e, de modo muito especial, aFilomena, que soltcita e soliddria, socorreu-me em diversosmomentos da tese que estd na origem deste livro, A MariaSylvia, pela ate~iio cuidadosa e pelos pertinentes comenui-
rios. Ao Rubens que, atento, leu e comentou, com sua sensi-bilidade de poeta, a minha traductio. A carinhosa e sutilcolaboracdo de D. Betty, D. Gilda e Salete. Ao trabalho
inestimdvel de Dulce Fernandes (in memorian), NanciFernandes, Lia Falek e Adhemar Santa Clara. Ao apoiosempre presente da Ida e do Sr. Colli. Por outros motivos,igualmenze relevanzes, a Maria LUcia, Rose, Bia, Lidia,Valeria, Vera e Lucia. A lnes e ao Manu, pelo rico aprendi-zado da nossa convivencia. Ao Tiago, pelo seu dace amor epela sua contagiante energia. Por Jim, sem pudor, ao Celsoque, multi-est imulanse em seu amor, mesclou constdncia egenerosidade nesses anos todos.
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INTRODU~Ao
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Se na TeogoniaHesfodo mostra como se organiza 0
mundo dos deuses, apresentando-nos sua genealogia, mos-
trando sua linhagem e como foram distribufdos seus lotes e
suas honras, em as trabalhos e os dias, ele nos mostra algodiferente: a organizacao do mundo dos mortais, apontando
sua origem, suas limitacoes, seus deveres, revelando-nos, as-
sim, em que se fundamenta a pr6pria condicao humana.
Neste ensaio, minha preocupacao e comentar os relatos
mfticos que aparecem em as trabalhos e os dias e mostrar
como eles se interligam e, em conjunto, dao forma ao que
seria a natureza humana, em oposicao a natureza divina e anatureza animal.
Cabem aqui, entretanto, algumas informacoes previas
de carater mais geral.
Os Erga sao tradicionalmente divididos em duas
partes 1; a prime ira, que aqui traduzimos e comentamos, com-
preende os 382 versos iniciais e constitui uma especie de
arcabouco mftico-cosmogonico para a segunda parte do poe-
rna. Esta, por sua vez, trata de prover conselhos pragmaticos
e calendarios relativos a agricultura e a navegacao, alem de
fazer admoestacoes morais. Apesar de serem separaveis emduas sequencias, os Erga sao, como devemos salientar, no
seu todo, 0 canto das Musas, seu hino a gl6ria, ao poder e aJustica de Zeus, eo cantor desse canto e Hesfodo, manifes-
tamente nome ado como tal".
Hesfodo viveu na Be6cia, provavelmente no [mal do
s e c . VIII ou comeco do sec. VIla. C. quando escreveu este
poema dirigido ao seu irmao Perses - como lemos na Invo-
cacao -, com quem 0poeta estava tendo urn litfgio a prop6si-
to da divisao das terras e dos bens herdados do pai. Estamos,
entiio, num contexto de pequenos agricultores, em uma terra
escassa, vivendo nao s6 urn perfodo de crise agricola e social
mas tambern religiosa, conforme Marcel Detienne e outros
ilustres helenistas". Nao se trata, entretanto, de urn tempo de
trevas e obscurantismo, da "Idade Media" da Grecia, como
I E sta d iv isao , eviden temen te, s6 e adequada do ponto de vista dos nossos Mbi-too 16gico-analfticos, jA que 0poema e uma unidade harmonica onde tudo 0que edito pelo poeta e por e le mesmo chamado de verdades ietetyma, v. 10) tanto no
que se refere as narrativas mfticas quanta aos conselhos praticos,
2 Cf. Torrano, "Musas e ser",3 Det ienne, Marcel, Crise agraire et att itude rel igieuse chez Hesiode, BruxelIes,Latomus, 1963; conferir tambem Peter Green, David Claus, Mina S. Jensen, F.
Solmsen etc.
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querem alguns, mas simde umperfodo extremamente fecundo
no qual podemos localizar grandes transformacoes economi-cas, sociais e religiosas 4, alemde nos encontrarmos diante da
etapa embrionaria desta experiencia tinica na Hist6ria da
Humanidade que foi a polis grega.
Lembremo-nos ainda de que, apesar de pr6ximo crono-
logicamente, Homero esta muito distante deste poeta, tendo
em comum apenas a forma do verso epico que traca a sua li-
gru;aocom a tradicao da literatura oral, mas a separacao entre
ambos se verifica tanto na postura diante da pr6pria funcao
poetica quanto no objeto dos poemas e ainda quanto aos
pdblicos aos quais se dirigem. Hesfodo fala de seu pr6prio
trabalho, 0 de agricultor, e dirige-se a umpublico berndeter-
minado que se comp6e de seu irmao, de pequenos agriculto-
res de uma detenninada regiao da Grecia e tambemde alguns
poucos poderosos proprietaries fundiarios que habitam e
fazem arbitragem nos centros urbanos.
E usual fazer-se tambem uma aproximacao dele com0profeta Am6s, por compartilharem uma condicao social co-
mum e por terem escrito na mesma epoca, na Grecia e emIsrael Bfblico, respectivamente. A comparacao, no entanto,
nao e muito adequada ja que Hesfodo, antes de ser o porta-
voz dos oprimidos,e 0porta-voz das musas, valendo-se,
alias, de umrepert6rio eminentemente etico-religioso tanto novocabulario empregado quanto nos temas narrados. 0 profeta
Am6s se distancia dele por ser efetivamente um cantor das
reivindicacoes sociais de urn povo, enquanto 0nosso poeta
"apenas" reivindica uma pratica jurfdica inspirada na Justica
de Zeus para 0 seu caso pessoal e, conseqiientemente,
tambem para seus contemporaneos. E curioso lembrar que
justamente Homero, que escreveu para uma elite e retirou
suas narrativas de uma tradicao aristocratica, foi aquele que
se tornou 0 "educador da Grecia" em toda a sua hist6ria.
E, no entanto, umdado importante e que nos ajuda a compre-ender a razao e a motivacao de Hesfodo 0 fato de ele ter
escrito 0 unico poema da tradicao grega a se inserir no imen-
so quadro da Wisdom-literature universal de que nos falaM. L. Wests.
Aquilo que chamamos de literatura sapiencial e inte-grado por algumas obras da literatura nativa de muitas nacoesque se caracterizam pela preocupacao em reunir literariamen-
te preceitos, conselhos, admoestacoes e instrucoes repertoria-
das por um povo quando - regra geral - esta vivenciando
perfodos de profundas crises e de conseqiientes tentativas de
reconstrucao de sua sociedade e de seu patrimOniomoral. 0
mais antigo desses textos de que temos conhecimento e
urn poema sumerio de 285 versos chamado "Instrucoes de
Suruppak", escrito por volta de 2500 a. C. por um sabio que
teria vivido "antes do Dihivio" ao seu filho Ziusucha. Outros
interessantes exemplos podem ser observados entre os ba-
bilonios, egfpcios e hindus6. Na Bfblia, tal como organizada
no perfodo helenfstico, sao exemplos de livros sapienciais os
"Proverbios" e 0"Eclesiastes".
Do ponto de vista tematico, entretanto, Hesfodo en-
contra-se em situacao de isolamento, pois e fato que nao
inaugura nenhuma escola dentro da tradi<;iiohelenica; e ele,
porem, quem inicia, na Grecia, 0rico filao dos poetas que
cantamemprimeira pessoa.
De acordo com Louis Gernet7, a situacao desta epoca,
em grande parte do territ6rio helenico, se caracteriza pelo que
se conhece juridicamente como um Estado de pre-Direito, Is-to porque nao se pode entender a arbitragem dos basileis''como uma antecipacao da justica dos tribunais ou a de outra
instancia especializada em faze-la valer, Nao nos encontra-
mos diante de umDireito arcaico, uma vez que nao ha fun<;iio
jurfdica autonoma, pois, como se sabe, esta requer uma espe-
cializacao, ou seja, os tribunais autonomos que julgam; e a
ordem legal na Grecia, posteriormente a esse perfodo, esteve
sempre estreitamente ligada a ideia de justica e por isso mes-mo isenta de toda rigidez formalista. Gernet nos mostra ainda
que na Grecia nao houve nunca, como aconteceu em Roma,
em tennos apropriados, uma "Filosofia do Direito", mas sim
4 Finley, Moses, Homer and Mycenae, pp. 133-150.
5 West, M. L., "Prolegomena", in Hesiod. Works and days, Oxford, ClandonPress, 1978.
6 M. L. West nos prove imimeros exemplos comentados na Introdueao de suaedicao deOs trabalhos e os dias.
7 Gernet , L., "Recherches sur Ie developpement . .. ', p. 81, apud. T6n6kidesin Droit international, pp. 487-488. Ver ainda Gernet em Droit et pre-Droit,pp. 175 e seg.8 Palavra que se traduz por "reis" ou "chefes", mas que, aqui, serefere 80Sgrandes proprietaries fundiarios.
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uma "Filosofia da Justica", cuja mais elaborada formulacao
nos foi legada por Arist6teles em sua Etica a NicOmaco e queja aparece delineada na Grecia Arcaica justamente aqui em
Os trabalhos e os dias.
A respeito da Invocacao a s Musas no inicio do poemae para a compreensao de seu papel na mentalidade grega do
perfodo chamado arcaico, sugiro a leitura dos interessantes
ensaios de J. A. A. Torrano, "Musas e ser" e "Musas epoder" no estudo introdut6rio a sua traducao da Teogonia, deHesfodo",
Para finalizar esta concisa introducao, gostaria de di-
zer algumas palavras sobre minha proposta de traducao para
apresenta-la ao leitor e, em seguida, ensaiar em torno das
narrativas mfticas.
Minhas ideias sobre traducao nao seguem rigidamente
uma teoria sobre 0 assunto, mas sao claramente inspiradas
e extrafdas dos ensinamentos te6ricos e praticos de alguns
autores que enurnero a seguir sem qualquer preocupacao com
prioridades: Paulo R6nai, Walter Benjamin, Octavio Paz,
Ezra Pound, Jose Paulo Paes, Jose Cavalcante de Souza,J. A. A. Torrano, Haroldo de Campos e Tercio Sampaio Fer-
raz Jr., entre outros. Creio que 0criterio de avaliacao de uma
traducao repousa na aceitacao, pelo leitor, do enfoque adota-
do pelo tradutor 1o. Por isso vale a pena salientar algumas de
minhas preocupacoes nesse campo, registrando que 0meu
criterio e 0 da abrangencia e nao 0 da exclusao. Ao traduzir,
meu compromisso estabeleceu-se tanto com 0 original grego,
respeitando-lhe a sintaxe, a escolha das palavras, 0 ritmo e
outras peculiaridades da lingua, quanto com a lfngua portu-
guesa, respeitando-lhe igualmente a sintaxe, seus recursos
sonoros e principalmente 0 carater poetico da transposicao de
urn texto a outro; a traducao passa tambem por urn certo tipo
de intuicao "poetica" que me parece diffcil de ser explicada.
o poema foi traduzido verso a verso, observando a exata
transposicao de todas as palavras contidas no verso grego pa-
ra 0 verso portugues, e nesse sentido ha apenas poucas ex-
cecoes: os versos 23, 24, 249, 250, 251. Sacrifiquei algumas
vezes uma preferencia sonora por urna fidelidade ao sentido
especffico do termo grego e raramente tomei 0sentido contra-
rio, embora tivesse me preocupado com a beleza e a fluidez
do texto vernaculo. Minha postura diante do leitor foi a de
transpor com clareza 0que assim se apresenta no texto grego,
sem didatismos, mas evitando 0quanto possfvel uma sintaxe
portuguesa estranha e arrevezada e me orientando pela fideli-
dade a letra, ou melhor, ao espfrito da letra. Algumas poucasnotas de carater lingiifstico e historico-antropologico acom-
panham meu texto, que vern a ser a primeira traducao em ver-
sos para 0 vemaculo de Os trabalhos e os dias do qual a
Ultima traducao, alias muito rigorosa, embora em prosa, foi
feita em 1947 por Amzalak em Lisboa 11.
9 Torrano,J. A. A., Teogonia=a origem dos deuses.
10 Remeto aqui0leitor, especificamente, ao interessantfssimo texto de T. Sam-paio Ferraz Jr., "Interpretacao e traducao: uma analogia esc1arecedora", inIntro-dUf OO ao estudo do Direito; Sao Paulo, Atlas, 1988.
11 Moses Bemsabat Amzalak, conhecido scholar portugues cujos principais in-teresses eram Hist6ria Economica e Hist6ria do Pensamento Economico e queescreveu uma Historia do s doutrinas econ6micas do antiga Grecia, sem diivida
traduziu os Erga motivado pelas suas preocupacoes profissionais e mais interes-sado naquilo que chamamos dea segunda parte do poema, inserindo Os trabalhose os dias na sua Historia das doutrinas ... . Lisboa, Academia das Ciencias deLisboa,1947.
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EPr A KAI HMEPAI
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'Iu lCatlcTm& ~6v nEp 6~& \c; hi Ipyov lycLpEV ·
2 .dc ; . I ' T E p O v yckporCc;u 1 3 c1 :1 vpyO lO Xa t' ta ;e :L
Invocacdo
Musas Pierias 1 que gloriais comvossos cantos,
vinde!Dizei Zeus vosso pai hineando.
Por ele mortais igualmente desafamados e afamados,
notos e ignotos sao, por graca do grande Zeus.
Pois facil toma forte e facil 0 forte enfraquece, v. 5
facil 0brilhante obscurece e 0obscuro abrilhanta,
facil 0 oblfquo apruma e 0 arrogante verga
Zeus altissonante que altfssimospalacios habita.
Ouve, ve, compreende e comjustica endireita sentencas
Tu! Eu a Perses" verdades quero contar. v. 10
As duas Lutas
Nao ha origemunica de Lutas, mas sobre a terra
duas sao! Uma louvaria quema compreendesse,
condenavel a outra e: emammodiferem ambas.Pois uma e guerra r n a e 0 combate amplia, .
funesta! Nenhurn mortal a preza, maspor necessidade, v. 15
pelos desfgnios dos imortais, honram a grave Luta.
A outra nasceu primeira da Noite Tenebrosa
e a pos 0 Cronida altirregente no eter,
nas rafzes da terra e para homens ela e melhor.Esta desperta ate 0 indolente para 0 trabalho: v. 20
pois urn sente desejo de trabalho tendo visto
I Hesfodo invoca as musas da Pieria e nao asdo Helicon, como faz naTeogonia(vv. 77-79), onde as nove musas aparecem individualmente nomeadas; sabe-sequeelas habitavam igualmente urnou outro local.
2 Perses, que aparece aqui nomeado, e 0 irmao de Hesfodo, a quem ele dirigeeste poema por estarem em litfgio devido a divisao erronea dos bens patemos,quefavorece ao prirneiro.
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'toGYE':' Ip' A"ep&>no~v I ll fJ aC l' to lCi t6ECI .u yp& ,
K pllq ,a Si: nO p' 'tb lib C lG 't~ ltJt;.n '~ 'lam E'toto
o outro rico apressado em plantar, semear e a
casa beneficiar; 0 vizinho inveja ao vizinho apressado
atras de riqueza; boa Luta para os homens esta e;
o oleiro ao oleiro cobica, 0 carpinteiro ao carpinteiro, v. 25
~ mendigo ao mendigo inveja e 0 aedo ao aedo.
o Perses! mete isto em teu animo:
a Luta malevolente teu peito do trabalho nao afaste
para ouvir querelas na agora e a elas dar ouvidos.Pois pouco interesse ha em disputas e discursos v. 30
para quem em casa abundante sustento nao tern armazenado
na sua estacao: 0 que a terra traz, 0 trigo de Demeter.
Fartado disto, fazer disputas e controversias
contra bens alheios poderias. Mas nao havera segunda vez
para assim agires. Decidamos aqui nos sa disputa v. 35
com retas sentencas, que, de Zeus, sao as melhores.
Jii dividimos a heranca e tu de muito mais te apoderando
levaste roubando e 0 fizeste tambem para seduzir reis
comedores-de-presentes, que este litigio querem julgar.
Nescios, nao sabem quanta a metade vale mais que 0 todo v.40
nem quanta proveito ha na malva e no asfodelo '.
Mito de Prometeu e Pandora
Oculto retem os deuses 0 vital para os homens;
senao comodamente em urn s6 dia trabalharias
para teres por urn ano, podendo em 6cio ficar;
acima da fumaca logo' 0 Ierne alojarias",
trabalhos de bois e incansaveis mulas se perderiam.
Mas Zeus encolerizado em suas entranhas ocultou 5,
pois foi logrado por Prometeu de curvo-tramar;
por isso para os homens tramou tristes pesares:
ocultou 0 fogo. E de novo 0 bravo filho de Japeto
v. 45
v. 50
3 Os versos 40 e 41 reproduzem uma maxima fundamental da cultura grega li-gada a ideia de se dever "observar a medida" e tambem a maxima delfica "nadaem excesso". 0 v. 41 deve tambem se referir a urn dos Sete Sabios, Epimenides,que p rec isava , segundo a t radi cao, apenas de malva e de as fodelo para se a li rnen-
tar. (Cf. Vemant, in As origens dopensamento grego).4 Para a s ecagem e a melhor conservacao do Ierne do navio quando em desuso,
usava-se, na Ant iguidade , este processo aqui a ludido.5 No texto grego 0 verbo t ambe rn rege u rn obj et o d ir et o que nao apa rece ai , mas
apenas no v. 50: 0 fogo (pyr). Decidi conservar essa disposicao para assinalar queo ocul tamento do fogo seda, decer ta fo rma, t ambem no n ivel s int at ic o.
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"Hq>U la 'tOV a ' lKEhuae : ' lt Ep ldu' tb v I S' t' tL ' t«XLa 't u 60
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I tC ll o B bo e; , c lB uv «' tf le ; a t B Eft e; d e ; " 'n u l (o lt lE LV
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ctG' t(I tU 3' lit yul'le; ' l ' tMaae: du'tbe; •A I'q>LYU~ELe; 70
' nupBbCj ) « lao(n (KEAoy KpOV(aEC '4~La .BouA«e ;'
l ; l3a&: aE !Cl1 l It6ol" 'loE 8Edt yAuul tl3me ; 'AB~vT)'
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ly 3' lipCl -0 1 ~BEOOL aLli .l t' topoe; •ApyE tq>6" 'tT )e ;
roubou-o do tramante Zeus para os homens mortais
em oca ferula 6, dissimulando-o de Zeus frui-raios.
Entao encolerizado disse 0 agrega-nuvens Zeus:
"Filho de Japeto, sobre todos habil em tuas tramas,
apraz-te furtar 0fogo fraudando-me as entranhas; v. 55
grande praga para ti e para os homens vindouros!
Para esses em lugar do fogo eu darei urn mal e
todos se alegrarao no futimo, mimando muito estemal".Disse assim e gargalhou 0 pai dos homens e dos deuses;
ordenou entao ao inclito Hefesto muito velozmente
terra a agua misturar e af por humana voz e
forca, e assemelhar de rosto as deusas imortais
esta bela e deleitavel forma de virgem; e a Atena
ensinar os trabalhos, 0 polidedaleo 7 tecido tecer;
e a aurea Afrodite a volta da cabeca verter graca, v. 65
terrfvel desejo e preocupacoes devoradoras de membros.
Af por espfrito de cao e dissimulada conduta
determinou ele a Hermes Mensageiro Argifonte.
Assim disse e obedeceram a Zeus Cronida Rei.
Rapido 0 Inclito Coxo" da terra plasmou-a v. 70
conforme recatada virgem, por desfgnios do Cronida;
Atena, deusa de glaucos olhos, cingiu-a e adomou-a;
deusas Gracas e soberana Persuasao em volta
do pescoco puseram colares de ouro e a cabeca,
com flores vemais, coroaram as bern comadas Horas v. 75
e Palas Atena ajustou-lhe ao corpo 0adomo todo.
Entao em seu peito, Hermes Mensageiro Argifonte
6 Este era 0 modo de conservar e t ransportar 0 fogo aceso, ja que 0 inter ior da
ferula e altamente combustfvel e suficientemente protetor.
7 "Polidedaleo" e urn helenismo formado por dois e lementos dic ionarizados;"dedaleo" e urn ad je ti vo J igado ao nome Deda lo , 0 cons truto r do labir in to de
Cnossos, e que significa complexo, int rincado, compl icado. 0 prefixo poli - , lar-gamen te empregado em nossa lfngua, s ignif ica "muito s" , "rmi lti pl os" etc .
8 0 deus coxo e Hefestos.
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cnyft,lTtal .. " i t " '~Ilrro ''1''CLnu ZE6C;.
OCkee; oG'tl'll11 InLAllie; " 6 0 , , ~UUU09Ulo loS
mentiras, sedutoras palavras e dissimulada conduta
forjou, por desfgnios do baritonante Zeus. Fala
o arauto dos deuses af pos e a esta mulher chamou
Pandora, porque todos os que tern olfrnpia morada
deram-lhe urn dom, urnmal aos homens que comem pao.
E quando tenninou 0fngreme invencfvel ardil,
a Epimeteu 90 pai enviou 0 fnclito Argifonte
veloz mensageiro dos deuses, 0dom levando; Epimeteu v. 85
nao pensou no que Prometeu the dissera jamais dom
do olfmpio Zeus aceitar, mas que logo 0devolvesse
para mal nenhum nascer aos homens mortais.
Depois de aceitar, sofrendo 0mal, ele compreendeu.
Antes vivia sobre a terra a grei dos hurnanos v. 90
a recato dos males, dos diffceis trabalhos,
das terrfveis doencas que ao homem poem fun;
mas a mulher, a grande tampa do jarro alcando,
dispersou-os e para os homens tramou tristes pesares. v. 95
Sozinha, ali, a Expectacao 10 em indestrutfvel morada
abaixo das bordas restou e para fora nao
voou, pois antes repos ela a tampa no jarro,
por desfgnios de Zeus porta-egide, 0 agrega-nuvens,Mas outros mil pesares erram entre os homens; v. 100
plena de males, a terra, pleno, 0mar;
doencas aos homens, de dia e de noite,
vao e vern, espontaneas, levando males aos mortais,
em silencio, pois 0tramante Zeus a voz lhes tirou .
Da inteligencia de Zeus nao ha como escapar! v. 105
9 Epimeteu 6 irmao e reverso dePrometeu; seu nome indicaqueeleterna com-preensao dos fatos 56apos terem eles acontecido, como podemos verificar nomito. Fala-se em "prometeia" e em "epimeteia", como formas deinteligenciados fatos.
10 Elpis foi traduzida por "Expectecao" porque comporta mais 0 sentido amplode espera (do negativo ou do positivo) do que a palavra "Esperanca", que tradi-cionalmente aparece nas traducoes (cf. p. 74do cap. III, 2).
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E~ 1C00t'ltLa'ta~EvCilC;' aU 3 ' l vt I j> pEat B cU> .Eo a f ta LV .
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ta9Aol , t ' ltLXa6VLOL,CIIuAcxICEe;V1')'tl3v clvep&l'llCilV,
[0 '( ~ cxC I IuMaaoualv ' ti t 8 llCae; lCat a xE' tALCXlpya
~EpCXiaadll'EvoL 'Ildlv't1') CllClL'tI3V'tEe;bt' atcxv,]
' IlAoU ' to36' taL ' lCa t ' toO 't o yEpac; BcxaLA~LOvlaxov. .26
AEu'tEpov CX~'tEyEvoC; ' I loAtJ XELp6' tEpov l 'E' t6maeEV
cl pyu p E0 v 'I lo l1' )acx.v 'OAUl ' 'I lLCX8&ll 'a ' t' Ixov' tEC; ,
x p U a E C P 0~ 'tE Ij>u~v lvcx>. ll lCLov 0(J 'tE v61 ')l 'a'
ill' hcx'tbv ~E v ' Il cx t e; l 'tEa ' Il apel l '1 ') 'tEpL ICE3vf t .30
t 't pEC IIE' t' c l' ti ll Ci lV , l 'E ya v ~moc ;, I jI lv t o ll Cc p'
As cinco racas
Raca de Ouro -
Se queres, com outra est6ria esta encimarei;bern e sabiamente lanca-a em teu peito![Como da mesma origem nasceram deuses e homens.]Primeiro de Duro a racados homens mortaiscriaram os imortais, que mantem olimpias moradas. v. 110Eram do tempo de Cronos, quando no ceu este reinava;como deuses viviam, tendo despreocupado coracao,apartados, longe de penas e miserias; nem temivelvelhice lhes pesava, sempre iguais nos pes e nas maos,alegravam-se em festins, os males todos afastados, v. 115morriam como por sono tornados; todos os bens erampara eles: espontanea a terra nutriz frutotrazia abundante e generoso e eles, contentes,tranqiiilos nutriam-se de seus pr6digos bens.
Mas depois que a terra a esta raca cobriu v. 120eles sao, por desfgnios do poderoso Zeus, geniescorajosos, ctonicos, curadores dos homens mortais.[Eles entao vigiam decis6es e obras malsas,vestidos de ar vagam onipresentes pela terra.] v. 125E dao riquezas: foi este 0seu privilegio real.
Raca de Prata -
Entao uma segunda raca bern inferior criaram,argentea, os que detem olfmpia morada;a aurea, nem por talhe nem por espfrito, semelhante;mas por cern anos filho junto a m a e cuidadosa v. 130crescia, menino grande, em sua casa brincando,
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ZOe; UltC l't i) p 't p! 't o" I llo y bo e; l' EpmCio l" 4 VOp dmC io lv
X 'hCLOV 'lto('1a', 061C4pyupttp o63b 6i'otov, .
lit ~ .. av , a cw 6v 't E I tC lLa 8p ~l' 0v ' O tOLV·Ap 'l oe ; .45
I py ' ( l' dc " a 't O ,, 6EV 't Cl ICC lL8 pLEe ;' oGa t " rLat 't ov
fla8~", cill' c lMl 'C lV '( oe; ' xo" ICpCl 'tEp6 tpOVClOUl'6v,
I 'I tl Cl a' to L ' l 'Ey tk ll ] a t B (I ] I tC lLxd pEe ; I cm" ro ~
I~ 4 l'C io l" lmtVlCo" I 'l tL ao r~C lpOlo~ l 'E lEaaL ''ta" a ' ~ " X ~C l lIb 'tE 6X EC l, X 'lK EO L at 'tE : OT IC OL , .50
x ahl f\ a ' c tp yi l; o" 't o' l 'EAC le ;a ' O~ ICt :O ICEaLal ]p oe ;.
KC lL tOL l'b x ctp ca aLV 6 no a tE "r tp no L aCll 'E vn e;
Bf loC lVIe ; dpQcV '(C l a6 l'ov I tpUEpOO•AloClo
"QVUl 'VOL'O'' 'Cl' tOe; at I tClLIIC1t&.yloue;l tEP 16V'tCle;
EUe ~, l Il l' 'l tp ov a ' UL 'l tOV t& .o e; I )d (oLO . .55
A6 't el p h td I tC ll 't oO ' to y tv oe ; ICC l" re l C lt Cl tt klU 'i 'EV ,
cdI't~ hIllod 'tC lp ' to " l 'I tL XOov l ' lt oul u80u(pU
Zdle; KpovL31]e;ltO(I]OE,aLICClLOnpOVCCllpELOV,•
e quando cresciam 11 e atingiam 0 limiar da adolescencia
pouco tempo viviam padecendo horriveis dores
por insensatez; pois louco Excesso 12 nao podiam
conter em si, nem aos imortais queriam servir v. 135
nem sacrificar aos venturosos em sagradas aras,
lei entre os homens segundo 0costume. Entao
Zeus Cronida encolerizado os escondeu porque honra
nao davam aos ditosos deuses que 0Olimpo detem,
Depois tambem esta raca sob a terra ele ocultoue sao chamados hipoctonicos, venturosos pelos mortais,
segundos, mas ainda assim honra os acompanha.
Raca de Bronze -
E Zeus Pai, terceira, outra raca de homens mortais
bronzea criou em nada se assemelhando a argentea;era do freixo, terrivel e forte, e lhe importavam de Ares v.145
obras gementes e violencias; nenhum trigo
eles comiam e de aco tinham resistente 0coracao;
inacessfveis: grande sua forca e braces invenciveis
dos ombros nasciam sobre as robustas partes.
Deles, bronzeas as armas e bronzeas as casas, v. 150com bronze trabalhavam: negro ferro nlio havia.
E por suas proprias maos tendo sucurobido
desceram ao iimido palacio do gelido Hades;
anonimos; a morte, por assombrosos que fossem,
pegou-os negra. Deixaram, do sol, a luz brilhante. v. 155
Raca dos Her6is -
Mas depois tambem a esta raca a terra cobriu,
de novo ainda outra, quarta, sobre fecunda terra
Zeus Cronida fez mais justa e mais corajosa,
11 Mantive na treducao a variacao de concordancia do verba com 0 sujei to no
s ingu la r e no p lu ral como acont ec e no texto grego.12 A palavra hjbris s ign ifi ca "viol enci a p rovocada por paix iio ", "ul tr aje ",
"go lpes de sfer idos po r alguem" , " sobe rba " et c. Ass im , n iio me parece adequadotraduzi-la por "Desmedida" ou por "Violencia", conforme consagrou a tra-
di<;iio,ja que ambas refletem apenas parciaimente 0sentido do origina l; parece-me que "Excesso" se presta melhor para t raduzir esta no<;i ioem portugues,
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4v 3p (;)v ~ pc:,(n edo v ytv oe;, ot IC cxlio v'fc lL
~llLOEoL,'l ' tPO'fEP'l YEVEl'JICCX'f'l ' l' te:£povcxycx'Lcxv.
K cx l " to ue ; l lb ' l' t6AE1l 6c ; 'fE ICCXICOC;Ccxlq»uAome; cxtvl 'J
'fOUe ; l lE v 6 q» ' m 'f cx mM j! e ~6 n, K cx 31 1,! £3 Lyc xln ,
~AEaE l lcxpvcxllEvouC; l l~ACllv IvEIC' Ot3L'1 't6311l0,
' fOUe ;3£ ICl il lIv v~EaaLv 6' I' t£p l lEy li l AlIl t' fl ll ll ea.A«aCJl1e;
t e; T po£, !v 4YIl lYc l>vcEAEv, !c ; IVEIC' ~u lC611oLo·
I ve ' ~ ' fOL ' fOUe; l lb B lI lv «'f oU ' fE lo e; e ll lq »EIC«Au 'I 'E ,
" to 'L e ;3t 3 (X ' e lvBp~Cll v ~(O ' fOV ICl il l~BE' 6 'I 't «aal llC;
ZEUC; Kpov(3' lc; ICCl' fEvll laaE ' l' t1l l' fl 'Jptc; ' l' tdpll l' fCl YIll ( 'lC;.
K l il l ' fo l l 'Ev vC l£ouaLV c iIC ,!3EClBUll oV IxoV 'fEe ;
Iv l '1Il1C«pCIIV~aoLaL 'l 'tIllP' ·OICEClVOVBIIlBu3£v'lv,
U6LOL ~pCI IEe ;, ' fo taLV l 'uL 'l 3ECl I tC lp 'l 'tOV
"tple; l 'fEoe; B«UOV'fCl q»EpELt ;e:l3C11poe;Ipoupli l.
["t'lAOO c l ' I ' t ' clBClV«' fGo)V·fOtaLV Kp6voc; t1l6I1loaAe:uEL.]
[ToO yc!cp3EOl '0 )v lAUaE ' l' tC l( 'f l' Jp dv0p(; )V ' fE BE(; ).V"tE,
" to 'LaL3' Ipll l V)E«' fOLc; ' fLl '1) (V ICli lldlooe; l I' l' tl ilaaEV,
oM' o li 'f Go )e ;d u'f oV ! )Uo yEVOC;B~ IC ' ( E~pUO 'l 't 1i lZEUC ;
e lv op (; )v o t) y e: ybOLV t nl (XBov l 'l 't ouAu60 "t l: £p n. ]
M, !ICE'f ' f r tEL 'f ' ~q»EUOV lycl> ' l' tE l l' l' t' foLaL l 'E ' fEtVClL
4VOP«OLV,elU' f \ ' l' tp6a9E BlIlvdv f \ frtEL'f1il YEVEa9ClL.NOv yc !c p0 1) y Ev oe ; ta 'fl O LO # Jp e:oV· oMt 'l't0 'f ' ~ lllllP
' l' tI ilUOOV'fCIlLC1Ill '" 'fOUICli ll6"uoe;, 063£ ' fL VUIC"tI' ilP
q»BELp6l'EVOL,xcxknc!ce; o. BEOl Oc:,OOUOLlEpll 'vlIle; ••AU ' 1 l' 'I 't ,! e ; IC li ll 'fO ta l l 'I :l 'E~E' fI ilL t a9Acl lC li llCo taw .
ZdJe ; ~ . 6 li aEL ICl il l" toO 't o lEvoe; l 'Ep6 '1 't I' ilVc lvBpQ ' l' tC IIV ,
E"'f' Iv yt:LV6l'EVOl 'l 'tOALOlCp6"tIllq»OlUA!BCIIOLV·
063£ 1111l 'f l' Jpl 'tCl(OEOOlV6l '0{LOe; 063' ' fl ' l' tl ll tS .e; ,
34
.6 0
raca divina de homens her6is e sao chamados
semideuses, geracao anterior a nossa na terra sem fun. v. 160
A estes a guerra r n a e 0 grito temfvel da tribo
a uns, na terra Cadmeia, sob Tebas de Sete Portas,
fizeram perecer pelos rebanhos de &tipo combatendo,
e a outros, embarcados para alem do grande mar abissal
a Tr6ia levaram por causa de Helena de belos cabelos, v. 165
ali certamente remate de morte os envolveu todos
e longe des humanos dando-lhes sustento e morada
Zeus Cronida Pai nos confins da terra os confmou.
E sao eles que habitam de coracao tranqiiilo
a Ilha dos Bem-Aventurados, junto ao oceano profundo, v . 170
her6is afortunados, a quem doce fruto
traz tres vezes ao ano a terra nutriz.
. 6 5
RC19a de Ferro -
Antes nao estivesse eu entre os hornens da quinta raca,
mais cedo tivesse morrido ou nascido depois.
Pois agora e a raca de ferro e nunca durante 0diacessarao de labutar e penar e nem a noite de sedestruir; e arduas angiistias os deuses lhes darao.
Entretanto a esses males bens estarao misturados.
Tambem esta raca de homens mortais Zeus destruira, v, 180
no momento em que nascerem com temporas encanecidas.
Nem pai a filhos se assemelhara, nem filhos a pai; nem h6spedes a
e
II
e
· 8 0
35
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" 1 1 I' E t c ; n c r' Iv Ip'Imp Iy. ItG 4 o L 3 l » " 100.",
36
.85
hospedeiro ou companheiro a companheiro,
e nem irmao a irmao caro sera, como ja havia sido;
vao desonrar os pais tao logo estes envelhecam v. 185
e vao censura-los, com duras palavras insultando-os;
crueis; sem conhecer 0olhar dos deuses e sem poder
retribuir aos velhos pais os alimentos;
[com a lei nas maos, urn do outro saqueara a cidade] 13
graca alguma havera a quem jura bern, nem ao justo v. 190
nem ao born; honrar-se-a muito mais ao malfeitor e ao
homem desmedido; com justica na m a o , respeito nao
havera; 0 covarde ao mais viril lesara com
tortas palavras falando e sobre elas jurara,
A todos os homens miseraveis a inveja acompanhara, v. 195
ela, malsonante, malevolente, maliciosa ao olhar.
Entao, ao Olimpo, da terra de amplos caminhos,
com os belos corpos envoltos em alvos veus,
a tribo dos imortais irao, abandonando os homens,
Respeito e Retribuicao; e tristes pesares vao deixar v. 200
aos homens mortais. Contra 0mal forca nao havera!
19 o
100AJus~a
Agora uma fabula falo aos reis mesmo que isso saibam.
Assim disse 0 gaviao ao rouxinol de colorido colo
no muito alto das nuvens levando-o cravado nas garras;
ele miseravel varado todo por recurvadas garras v. 205
gemia enquanto 0outro prepotente ia the dizendo:
"Desafortunado, 0que gritas? Tern a ti urn bern mais forte;
tu iras por onde eu te levar, mesmo sendo born cantor;
105
13 Os ver sos en tr e co lchet es s a o aquel es que nem todos os ed it or es de Hesfodoacei tam , a ss im, es te ver so e aceito por M. L. West e nao 0 e por P . Mazo~,a mesrno acont ecendo com 0 v. 223 e v. 108. Par nao estar fazendo estabeleci-
mente de texto, preferi manter a caute la dos colchetes.
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a EtT t\l ov a ', u t IC ' I B U ( o ' ) , 110Ll)aop.UL~! P.EBfJa(o ') .
"Aq>p(o ')v3 ' , l ie; IC ' IBHn l1pOe; ICpELaaovue; &v'nq>Epll ;ELV' 210
vllC'le; 'tE O" tEPE 'tULl1p6e ; ' t' u ta xEaLv IAyEUl1c !t axEL I),
a ne ; l ~u 't ' l Il CVT tE 't 1)C;p 'l ~' ' tu vV al 1l 't EpOe ; B pVLe; .
-n nEPaTJ, oil 3 ' &!COVE3 llC' le ;, P 'l a' 06pLII l Iq>dM: '
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A~ llCu yelp "CptXEL·Op lCoc ; Ipa t a lCoALfi aL3l lCnaLv'
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8illouaL v 3' 4y ClBo taL 3U lpl1E ptc;' 0~ 3· m l vT J13v
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21f»
alimento, se quiser, de ti farei ou ate te soltarei.Insensato quem com mais fortes queira medir-se, v.210de vit6ria e privado e sofre, alem de penas, vexame".Assim falou 0gaviao de vO<>eloz, ave de longas asas.Tu, 6 Perses, escuta a Justica e 0Excesso nao amplies!o Excesso e mal ao homem fraco e nem 0poderosofacilmente pode sustenta-lo e sob seu peso desmorona v.215quando em desgraca cai; a rota a seguir pelo outro lado
e preferfvel: leva ao justo; Justica sobrepoe-se a Excessoquando se chega ao final: 0nescio aprende sofrendo.Bem rapido corre 0Juramento por tortas sentencaseo clamor de Justica, arrastada por onde a levam os homens v. 220comedores-de-presentes e por tortas sentencas a veem!Ela segue chorando as cidades e os costumes dos povos[vestida de ar e aos homens levando 0mal]qlle a expulsaram e nao a distribufram retamente.Aqueles que a forasteiros e nativos diio sentencas v.225retas, em nada se apartando do que e justo,para eles a cidade cresce e neia floresce 0povo;sobre esta terra esta a paz nutriz de jovens e a eles
nao destina penosa guerra 0Iongevidente Zeus:nem a homens equanimes a fome acompanha nem v. 230a desgraca: em festins desfrutam dos campos cultivados;a terra lhes traz muito alimento; nos montes, 0 carvalhono topo traz balanos e em seu meio, abelhas;ovelhas de pelo espesso quase sucumbem sob sua Ia;mulheres parem criancas que se assemelham aos pais; v. 235sem cessar desabrocham em bens e nao partem
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Tp te ; y el p ~ 6 p1 .OLE ta . ." t nl XOo "l ' lt ou 1u 8o uLpn
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"H U U ' lt cap8 t" oc ; I c: rr l ALICIJ,At.ltc; IlCJqItUta,
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lC_l,' 6'l t6'l " I" 'l'Lc;l''''' 8 l 4m - r n cncollac; a " 0 ' l ' 4 z ; m " ,
I16'l'LleIlltelp Au ' lt 1 l' l' p ll al l8d ;o l 'OI J KPO"" -"L
em naves, pois ja lhes traz 0fruto a terra nutriz.
Aqueles que se ocupam do mau Excesso, de obras mas,
a eles a Justica destina 0 Cronida, Zeus longevidente.
Amiiide paga a cidade toda por urn iinico homem mau v. 240
que se extravia e que maquina desatinos.
Para eles do ceu envia 0Cronida grande pesar:
fome e peste juntas, e assim consomem-se os povos,
as mulheres nao parem mais e as casas se arrufnam
pelos designios de Zeus olimpio; outras vezes ainda v.245ou lhes destr6i vasto exercito e muralha ou
navios em alto-mar lhes reclama:o Cronida.
E tambem v6s, 6 reis, considerai v6s mesmos
esta Justica, pois muito pr6ximos estao os imortais
e entre os homens observam quanto lesam uns aos outros v. 250
com tortas sentencas, negligenciando 0olhar divino.
E trinta mil sao sobre a terra multinutriz
os genies de Zeus, guardiaes dos homens mortais;
sao eles que vigiam sentencas e obras malsas,
vestidos de ar vagam onipresentes pela terra. v. 255
E ha uma virgem, Justica, por Zeus engendrada,
gloriosa e augusta entre os deuses que 0Olimpo terne quando alguem a ofende, sinuosamente a injuriando,
de imediato ela junto ao Pai Zeus Cronida se assenta
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3 ~ 1 '0 C ; a 't cx aB c x A lc x C ; B C X O l A E C o ) Vt A u y p d t V O E O V ' tE e ;
r u n T T c x p lC A lv C o ) O Ll l C o t C ; a l C o A l ( . ) C ; l V E T T O V ' t E e ; .
T c x O 't cx c jl vA c x aa 6 1 'E v o L , B c x aL A ~ E e ; , t 8 uV E ' t E l 'u B o u C ; ,
3 C o ) p O c j l & y O L , lC o A L ( .) V 3 ~ 3 L I C E C o ) VT T t T T & Y X V lc !c :B E a B E '
o t y' u G 't 4 \ I C U l C ckt EU X E L a v~ p & l A c p I C U lC c kt EU X C o ) V ,
~ a ~ I C C X I C ' i )0 1 , l A i} 'l '~ B c v A E u ac x v' t L I C c xK l a' t T J '
T T c iv 't cx t 3 d 1 v ~ h b c; 6 c jl B o tA l 'b e ; l C 'X t T T & V ' tC X o ~ a c x c;
I C c xL Iv 'l ' c i8 ', u t I C ' t B n n a ', l T T l3 E P I C E 'l 'C X l , o M i : I: A ~ B E l
o tT J v 8 ~ l C u t ' l ' i ) v3 £ 8 L IC ' 1 v T T 6A lC ; b 'l ' b C ; U p YE l .
N O v 8 ~ t y d l l ' ~ 't " c x G 'l 'b C ; tv a V B p& m o la L 3 l1 C C il lO e ;
d l ') v l '~ 't " l l 'b e ; v t6 c; ' m E l I C c x lC b v& v ~ pc x 3 £I C C X lO V
1 '1 '1 'E V C X L , t l 'E U ; C o l YE 8 £ lC l lv a 8 L I C Q 't E p O C ; l~£l.
• A lA c k ' t ci r' O G n C o l 1 ' 0 A T T c x t d d v A l c x l 'T J ' t l6 E V ' t C X .
-0 n £ P O T J , criI 3 ~ 't 'c xO ' t 'c x l'E ' t 'c k c jl pE a t B c in E O a n al ,
I C cx Lv v 8 L ! cT J e ;m & I C O V E , B L T J e ;3 ' t T TL A ~ B E O T T l : l 'T T G l V ~
T 6 v 3E y ap a V B p QT TO la l v 61 '0 v 3 L h c x ~ E K po vlC o lV ,
t x B u a L !lEv I C c x tB T J p a t I C c x to l C o l v o t c; T T E ' t E T J V o t e ;
t a 8 £ l 'E V i l l ~ A o v e; , t T T E t o G 3 !I C T J t a ' t t l 'E 't ' C I I G ' t ' o te ;'
a V B p Q T T O L a L 3 ' 1 '3 C o l IC E L I C T J V ,~ T T o U b v a p l a ' t ' T J
y L y v E ' t C X L 'dcip ' t ' l e ; I C ' t B H n 't a 3 £K c x l ' a Y O pE O O C X l
y L y V Q a K C o l V , t ~ l'Ev ' t ' S A 6 0 v 3 l3 0 t E G p u o T T cx Z E U e ;'
8 e ; 3 £ I C E l 'c xp 't 'U p ln a l lK d lv t TT lo p lC O V 6 1 '6 a a cx e ;
I J . 'E u a E 't cx L , t v 8 ~ 3 l l C 'I v B A c i lJ .'a e ; V ~ I C E a 't O V a cx a B f f,
' t oO 3 £ - e ' a l'C X V pO 't Ep 'l y E vE ~ 1 'E 't 6T T la 8 E M A E L T T 't cx L '
a v 8 p bc ; 8 ' E M p lC O V y E v E ~ l 'E 't 6 T I l a 8 E V a l 'E lv C o lV .
42
•65
e denuncia a mente dos homens injustos ate que expie v.26O
o povo 0 desatino dos reis que maquinarn maldades e
diversarnente desviarn-se, formulando tortas sentencas.
Isto observando, alinhai as palavras, 6 reis
comedores-de-presentes, esquecei de vez tortas sentencas!
A si mesmo 0homem faz mal, a urn outro 0mal fazendo: v.265
para quem a intenta a rna intencao malfssima e.
o olho de Zeus que tudo ve e assim tudo sabe
tarnbem isto ve, se quiser, ve e nao ignora
que Justica e esta que a cidade em si encerra.
Agora eu mesmo justo entre os homens nao quereria ser v. 270
e nem meu filho, porque e urn mal homem justo ser
quando se sabe que maior Justica tern 0mais injusto.
Mas espero isto nao deixar cumprir-se 0trarnante Zeus!
Tu, 6 Perses, J a n c a isto em teu peito:
A Justica escuta e 0Excesso esquece de vez! v.275
Pois esta lei aos homens 0Cronida dispos:
que peixes, animais e passaros que voarn
devorem-se entre si, pois entre eles Justica nao ha;
eos homens deu Justica que e de longe 0bern maior;
pois se alguem quiser as coisas justas proclamar v. 280
sabiarnente, prosperidade the da 0longevidente Zeus;
mas quem deliberadarnente jurar com perjiirios e,
mentindo, ofender a Justica, comete irreparavel crime;
deste, a estirpe no futuro se torna obscura,
mas do homem fiel ao juramento a estirpe sera melhor. v. 285
2,5
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~o l a ' l ye !> l o 9Ac l VOEGlVPEGl , l 'E yClV~T tLEnEpOT J.
T ~v l 'E v ' tO l I CC lI C6 'n ] 'tClCCllUC la bv ~ (, .n v HEaBC ll
l 'l la Lc .x ;· A d'l l 't v 6 a6 e; , l' uAC I a' l yyUBl VC lL El .
Tf je; a ' &.pE' tf je; tapl3TCI BEol ' I lP0' llUpOlBEV~B'lICClv
clBuVCI-rOl·'CXlCplIC;t I Cc xl IpB lOe ; ot l' oe ; I e; d" ", v
IC cx lt p'l x~ e; ' tb 'I lp i3 't ov · l n~ v a ' d e; ! !C po v t .c 'l CX l,
l 'l ~{ 'l a ~ fr tE l' tCX ' Il OE l, x cx AE n~ 'I lE p 1 0C ac x.
Orhoe ; l ib ' IlCXv&pla" tOe; , e; cx~ 'tbe; ' I l c! tV 'tC lo~an
cf'pcxaac!tl'EVOe;t u I C' f rt El 'tCXICcx ll e; ' tOoe; f ta lv & ' l' dvG l·
lo91be; a ' cx ft1C&. lCdvoe ;e ; E f t d ' ll6V 't l ' IlLB 'l 'tCXl·
8 c; a t I CEl '~ 't ' c xG 't bc ;VOEn l '~ 't ' l Uo u & '1 C0 6G lv
IvOUl'~ Bill'1 'tCXl, a a ' c xr I' t' c l x p~ lO : ; & . v~p .
"All« aU y' ~ l 'E dp' lc ; l 'E l' v' ll 'b oC; c xl tv I cf 'E 't l' fj c;
Ipy&l;Eu, ntpOTJ, a tov yEvoe ; , l Ic f' pcxaE lll'be;
I xO c xl pn . c f'l li n a t a' IUa'tEcf'cxvoe;A'll'~'t'lp
c xl ao {'l , B l6 't ou a l u ~v T tL l' 'I lA fi al IC cx Al ~V ·
hl 'lIe ; yc! tp' tOl ' I l&l ' 'I lCXV&.Epy~ cr6l'cf'opoe; &.vap{·
't~ at BEol vE l'Eat&aL ICcx l&'VEpEe;ie; ICEV&.EpybclPn, 1C '1c f'~VEaaLCoB06pOL<; t. cdoe ; 6pnv,
O t' tE l 'd wa&G lv l C& l'CX 't OVtp6xouaLV & 'Epyol
l o9 o"EC; · a ol a ' I py cx c f' Ll ' I a' tG l l 'E " tp lC lt1C0a l' dv ,
cIc;dtoLl>pcxLouBL6'tou 'Ill~BCii)(JLCcxALCX {.
"E~ (PYGlVa' I vapEC; ' Ilo ). { ,l '' l) .o{ ' t' c lc f 'I IE lO{tEO
ICcxllpycxt61 'EIIOLI l0).~ cf 'LlupoL clBcxvu' toLaLII.
-Epyov a' 06ab IIvE~oc;, kpy{ 'l at 't' 5V El30c;·
44
295
o trabalhoA ti boas coisas falarei, 6 Perses, grande tolo!
Adquirir a miseria, mesmo que seja em abundancia
e facil; plana e a rota e perto ela reside.
Mas diante da excelencia, sum puseram os deuses
imortais, longa e ingreme e a via ate ela, v. 290
aspera de infcio, mas depois que atinges 0topo
facil desde entao e, embora dificil seja.
Homem excelente e quem por si mesmo tudo pensa,
refletindo 0que entao e ate 0 fim seja melhor;
e e born tambem quem ao born conselheiro obedece; v.295
mas quem nao pensa por si nem ouve 0outro
e atingido no animo; este, pois, e homem imitil.
Mas tu, lembrando sempre do nosso conselho,
trabalha, 6 Perses, divina progenie, para que a forne
te deteste e te queira a bern coroada e veneranda v. 300
Demeter, enchendo-te de alimentos 0celeiro;
pois a fome e sempre do ocioso companheira;
deuses e homens se itritam com quem ocioso
vive; na indole se parece aos zangoes sem dardo,
que 0 esforco das abelhas, ociosamente destroem, v. 305
comendo-o; que te seja caro prudentes obras ordenar,
para que teus celeiros se encham do sustento sazonal.
Por trabalhos os homens sao ricos em rebanhos e recursos
e, trabalhando, muito mais caros serao aos imortais.
o trabalho, desonra nenhuma, 06cio desonra e! v. 311
30 0
3 0 &
30 9
3..
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46
32 6
Se trabalhares para ti, logo te invejara 0invejoso
porque prosperas; a riqueza gloria e merito acompanham.
Por condicao es de tal forma que trabalhar e melhor,dos bens de outrem desvia teu animo leviano e, v.315
com trabalho, cuidando do teu sustento, como te exorto.
Vergonha nao boa ao homem indigente acompanha.
(Vergonha que ou muito prejudica ou favorece aos homens.)
Vergonha e com pemiria e audacia e com riqueza.
Bens nao se furtam: dons divinos sao muito melhores. v. 320
Pois, se por forca, alguem toma nas maos grande bern
ou se com a lfngua pode consegui-lo, como nao e raroacontecer, quando 0proveito ilude a inteligencia
dos homens, ao respeito 0desrespeito persegue.
Facilmente os deuses obscurecem e arninguam a casa v. 325
do homem e por pouco tempo a prosperidade 0acompanha.
Igualmente quem a suplicante e estrangeiro faz mal
e quem de seu irmao sobe ao leito as secretas
intimidades de sua esposa, agindo desprezivelmente,
e quem, por insensatez, comete crime contra orfaos, v. 330
e quem ao velho pai no mau umbral da velhice
ultraja, dirigindo-lhe embrutecidas palavras,contra este certamente 0proprio Zeus se irrita no fim
e diffcil reparacao impoe a tao injustas obras!
Mas tu, disto afasta inteiramente teu animo insensato, v. 335
se podes, oferece sacriffcios aos deuses imortais
sacra e imaculadamente e queima pemis luzidios;
tomando-os propiciadores com libacoes e oferendas,
quando adormeces e quando volta a luz sagrada,
330
33 5
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48
3 4 0 para que tenham a ti propfcios coracao e animo, v.34O
para de outros comprar a heranca e nao, outros, a tua.
Convida quem te ama para comer e deixa quem te odeia;
sobretudo convida aquele que mora pr6ximo de ti,
pois se alguma coisa estranha acontecer em teu lugar
os vizinhos sem atar 0cinto acorrem, os parentes, nao, v. 345Flagelo e urn mau vizinho, quanto urn born vantagem e.Tern fortuna quem tern a fortuna de urn born vizinho ter;
nern urn s6 boi morreria se mau nao fosse teu vizinho.Mede bern 0que tomas de teu vizinho e devolve bern
na mesma medida, ou mais ainda, se puderes, v. 350
para que precisando depois 0 encontres mais generoso.
Nao facas maus ganhos, maus ganhos granjeiam desgraca.
Ama a quem te ama e freqiienta quem te freqiienta;
da a quem te da e a quem nao te da, nao des.
Ao que da se da e ao que nao da, nao se da, v. 355
Doar e born, roubar e mau e doador de morte;pois 0 homem que da de born grado, mesmo doando muito,
alegra-se com 0que tern e em seu animo se compraz.
Confiando na impudencia, quem para si proprio furta,
mesmo sendo pouco, deste se enrijece 0coracao, v.360pois se urn pouco sobre urn pouco puseres
e repetidamente 0fizeres logo grande ficara,
Quem acrescenta ao que ja tern ardente fome afastara;
o armazenado em casa desassossego ao homem nao traz;
melhor e 0de casa, 0de fora danoso e . v. 365
Born e pegar do que se tern; para 0animo e provacaoprecisar do que nao ha; convido-te a nisto pensar!
Farta-te do jarro quando 0 inicias e quando 0 acabas,
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&lp8 EL V, lC al E PY ov In ' lpy Cjl lpy &l; Eo 6aL .
50
380
poupa 0meio: parcimonia imitil poupar 0fundo.
Esteja seguro 0pagamento acordado a urn amigo. v.370
Mesmo ao irmao, sorrindo, impoe urna testemunha:confianca e desconfianca os homens aniquilam por igual.
Nem mulher de insinuadas ancas te engane a mente
palreando provocante com 0olho em teu celeiro;
quem em mulher confia em ladroes esta confiando.
Unigenito seja 0mho para os bens patemos
aumentar; assim a fortuna se amplia nas casas;e que morras velho, deixando urn mho para te suceder.
Facilmente imensa fortuna fomeceria Zeus a muitos:
quanto maior for 0cuidado de muitos, maior 0ganho. v.380
Se nas entranhas riqueza desejar teu ammo,assim faze: trabalho sobre trabalho trabalha.
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OS MITOS: COMENT ARIOS
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1. As duas Lutas
o mito de Prometeu e Pandora e, sem diivida, 0relatocentral dos Erga no que diz respeito a interpretacao que pro-
ponho, isto e, a de que 0poema quer estabelecer os funda-
mentos da condicao hurnana. Entretanto, outros dois mitos re-
levantes sao aqui apresentados, 0das "duas Lutas" e 0das
"cinco racas".
Ap6s 0 proemio (vv. 1-10), que constitui urn brevehino em louvor a Zeus, no qual as Musas, suas filhas com
Mnemosyne (Memoria), cantam atraves da voz do poeta cele-
brando 0grande poder exercido com justica pelo Pai dos deu-
ses e dos homens, anuncia-se que 0 poeta falara etetyma
(verdades, por oposicao a ficcao) a seu irmao Perses; tres nar-
rativas miticas se seguem: "As duas Lutas" (Erides), "Pro-
meteu e Pandora" e "As cinco racas",
Na Teogonia (vv. 225-32) Eris aparece na extensa lis-
ta dos filhos da Noite, caracterizada como de "ammo cruel" e
"hedionda" 1; como conta 0 poema, pariu Fadiga, Olvido,
Fome, Batalhas, Combates, Massacres, Homicfdios, Litigios,
Mentiras, Falas, Disputas, Desordem, Derrota e Juramentoque muito arrufna aos homens que perjuram.
o que Hesfodo faz aqui e apenas uma narrativa e, ape-sar das referencias miticas implicitas, ele certamente nao estaquerendo fazer cosmogonia como nos versos da Teogonia.
Nos Erga nao encontramos mais urna iinica Luta, ago-
ra "sobre a terra duas sao". Uma, cuja identidade e a mesmada que aparece na Teogonia, e outra, sua irma mais velha,
que e boa aos homens mortais, incitando-os a emulacao posi-tiva e construtiva. Esta Luta desperta 0 indolente e induz 0
ocioso a trabalhar quando confere os beneficios de que 0 ho-
mem trabalhador pode usufruir. Chantraine, no seu Diciond-
rio etimologico da lingua grega, observa que a palavra erisem Homero aparece em exemplos que sugerem 0sentido ori-
ginal de "ardor no combate"; assim, temos eris ligada a Dze-los (ardor, emulacao, rivalidade) e eris ligada a neikos(disc6rdia, luta, combate).
A palavra eris, segundo A. Bailly, significa "querela a
mao armada", "Iuta", "combate", "disc6rdia", "disputa",
1 Todasas ci tacoes da Teogonia sao feitas a partir da traducao deJ. A. A.Tor-
rano, M. Onoe Roswita Kempf, Sao Paulo, 1981.
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"contestacao" etc. Escolhemos a palavra luta por comportar
muito bern em portugues suas conotacoes positiva e negativa,
guardando 0sentido generico de disputa. Vale observar que
esta distincao que Hesfodo faz entre a eris boa e a eris r n a ebastante clara no momento em que ele as caracteriza, mas,
posteriormente, essas diferencas se misturam a medida em
que temos prioritariamente a conotacao positiva da ideia de
"Iuta", "disputa", que, convem notar, pertence ao mesmo es-
paco semantico de ag6n (disputa) e de polemos (guerra, dis-puta, combate). Heraclito pouco depois de Hesfodo ja afirma:
"0 combate (p61emos) e de todas as coisas pai, de todas rei,
e a uns ele revelou deuses , a outros, homens; de uns fez es-
cravos, de outros, livres?".
Parece-me adequado e mesmo esclarecedor aproximar
tambem a nocao de eris a nocao de ag6n (disputa, conflito),por fazerem igualmente parte do mesmo universo semantico,
como lembram as reflexoes de Nietzsche a prop6sito do ag6nhomerico 3. Discorrendo sobre 0 sentido originario do ostra-
cismo na Grecia, 0pensador alemao nos adverte sobre 0fato
de que, nesse contexto hist6rico, 0 ag6n e tido como urn
dos princfpios vitais para 0Estado grego e sua existencia seve ameacada quando urn elemento da sociedade e considerado
"0melhor". Se alguern e qualificado de "0melhor", cessa,
evidentemente, 0ag6n no setor em que ele tern a excelencia,
pois os outros the sao necessariamente inferiores. Sao suas
estas palavras: "0 sentido originario desta estranha insti-
tuicao (0 ostracismoy, porem, nao e de urna valvula mas
de urn estimulante: e posto de lado 0indivfduo que se desta-
ca, para que desperte outra vez 0 jogo agonal das forcas: urn
pensamento que e hostil a 'exelusividade' do genio no sentido
modemo, mas pressupoe que, em urna ordem natural das coi-
sas, haja sempre van os genios, que se incitam mutuamente
a agir, como tambern se mantem mutuamente no limite da me-dida. Este e 0 micleo da representacao helenica do ag6n:ela execra a supremacia de urn s6 e teme seus perigos; ela
deseja, como meio de protecao contra 0genio, urn segundogenio"4
Na reflexao que Hesfodo faz sobre as duas Lutas ja
aparece c1aramente delineada uma das caracterfsticas funda-
mentais da cultura grega, ou seja, a do cultivo do espfrito
agonico como forma exemplar de se atingir a sabedoria no
plano artfstico e no politico.
Diante da iminencia de urn novo processo entre os dois
irmaos devido a voracidade de Perses, 0poeta passa, de ma-
neira extremamente habilidosa, a fazer a aproximacao da eris
boa, entendida como emulacao ao trabalho, que a partir desteponto aparece sempre associada a er n m a o Frente a resisten-cia do irmao, ele discorre sobre a necessidade hurnana do tra-
balho, e e sem duvida nesse relato cheio de indignacao quan-
to de esperanca que se ioicia 0grande elogio do trabalho que
permeara todo 0poema. Assim, vemos a alegoria das Lutas
como 0primeiro passo em direcao a defesa da vida justa e davida de trabalho entre os homens.
Para Hesfodo, 0 trabalho e a base da justica entre os
homens, sem urn nao ha outra; nos vv. 199-201 0poeta diz:
"A tribo dos imortais irao deixarl os homens abandonando,1
Aidos e Nemesis; e tristes pesares irao deixarl aos homens
mortais. Contra 0 mal forca nao havera' 5.Assim como Aidose Nemesis, a virgem Justica, filha de Zeus, ofendida, sobe ao
Olimpo junto ao pai; se nao ha respeito pela necessidade do
trabalho, nao ha tampouco pela Justica. Para 0 poeta certa-
mente nao ha safda fora deste caminho. Neste sentido Hesfo-
do se distancia, ainda uma vez, tanto do mundo homerico
quanto do perfodo classico da cultura grega. Para ele a defesa
e a reiteracao da necessidade do trabalho se fazem por moti-
vos ligados a sobrevivencia material, enquanto em Homero
tanto os deuses (exceto Hefesto) quanto os her6is aparecem
ocupados com imimeras atividades, mas completamente pou-
pados da fatalidade do trabalho"; por outro lado, no perfodo
classico, vemos ate mesmo a apologia do 6cio (schole) 7 como
condicao necessaria para se atingir a felicidade, atraves da
busca da verdade. Ainda sob este aspecto Hesfodo se encon-
tra isolado na tradicao.
o relato termina com uma belfssima formulacao poeti-
ca, com uma imagem forte, urn oxfmoro - 0 proverbio do
2 Heraclito de Efeso - frag. 53 OK, traducao de J. Cavalcante de Souza in OsPre-Socrdticos, Ed. Abril, SP, 1972, p. 90.
3 Apud Gerard Lebrun, "A dialetica pacificadora", inAlmanaque n~3 , p. 33.4 Nietzsche,F., LajoutechezHomere,p.196.
5 A t raducao aproximada destas duas nocoes e Pudor e Justica distributiva.
6 Ba ttagl ia , F ., Filosofia do trabalho, Sao Paulo , Saraiva , 1958, p . 29.
7 A palavra schole ;em latim schola, chega como "escola" no portugues.
56 57
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v. 40: "v.. nao sabem quanto a metade vale mais que 0 to-
do...". Este proverbio e justamente urn dos mais famosos e
recorrentes da Antiguidade (aparece em Platao, em Di6genes
Laercio, em Ovfdio e em OUtroS)8 e encerra um preceito mo-
ral que defende 0uso do meio justo e honrado para se pros-
perar, por valer muito mais que bens maiores porem mal
adquiridos. 0preceito que afirma que e preciso guardar a
"medida" aproxima-se do "Nada em Excesso" inscrito no
templo de Delfos. Aparece, assim, neste breve relato, a defe-sa de urna maxima que expressa urna das tendencias funda-
mentais da etica grega ao longo de sua rica hist6ria.
De maneira curiosa esses versos aparentemente despre-
tensiosos sobre as duas Erides introduzem as questoes cen-
trais do poema que vern depois a ser tratadas mais longamente
no mito de Prometeu e Pandora e no mito das cinco racas; 0
trabalho, a Justica, a boa Luta, a medida e a desmedida. A
Luta boa supoe medida para que nao se tome destrutiva, se
vier a cessar 0ag6n e se distinguir 0melhor em detrimento
dos perdedores; 0 exercfcio da Justica supoe a medida e
tambem a "disputa", 0ag6n, a eris boa; 0trabalho, por sua
vez, ao exigir disciplina, requer igualmente medida; destaforma as tres nocoes aparecem interligadas pela necessidade
da medida, e qualquer desrespeito a elas leva inevitavelmente
a nefasta hybris, a desmedida, 0 excesso, conforme 0 mito
das cinco racas.
2. Prometeu e Pandora
Provocando a inteligencia dos estudiosos e seduzindo
o imaginario dos artistas, 0mito de Prometeu e Pandora e umdos mais assfduos no rico acervo da cultura ocidental; ao lado
de Edipo, Aquiles e Odisseu, esses dois personagens apare-
cem - juntos ou separados - reincidentemente na literatura e
nas artes plasticas 1, ao longo dos muitos seculos que nos
separam deste primeiro relato nos Erga. 0fato e que quem sededica a compreender 0 que os gregos entendiam do ser
humano acaba sempre por se socorrer dessa fonte.
Isso que Hesfodo apresenta como uma tinica est6ria em
seus dois famosos poernas e, de fato, uma versao pr6pria e
inovadora 2 resultante da combinacao de dois mitos muito an-
tigos que vern de matrizes distintas. Na Antiguidade helenica
o mito de Prometeu foi tratado em quatro obras notaveis:
Protdgoras, de Platao; Prometeu, de Esquilo; e Teogonia
e Erga, de Hesfodo. Como observa J. A. A. Torrano", a ideia
de "partilha" esta presente em todas elas; no fil6sofo vemos
o verbo nemeio (distribuir); na tragedia de Esquilo a palavra
que a designa e moira (parte, partilha, destino); enos poemashesi6dicos e dasm6s (partilha). Esta no<;(ao,tanto na Teogoniaquanto nos Erga, liga-se estreitamente a necessidade de or-
dem, organizacao e harmonia, seja na esfera divina, como no
primeiro poema, seja na esfera humana, como no segundo.
As duas versoes
Em Os trabalhos e os dias e na Teogonia, a mesrna
est6ria e apresentada de maneiras matizadas, que enfatizam
personagens ou pontos do enredo de formas diversas. Assim,
na Teogonia, 0mito se apresenta, esquematicamente, do se-
guinte modo": os protagonistas sao Prometeu, caracterizadopor sua asnicia e sua arte fraudulenta, e Zeus, cuja sabedoria
se manifesta pela asnicia superior e pela inteligencia sobera-
8 Esses autores antigos sao c it ados na .. Introducao" 1It raducao mexicana dos Er-ga fei ta por Paola Vianello de C6rdova.
I Panofsky, Dora& Erwin, Pandora's box, Princeton, 1978.
2 West, M. L., "Commentary", in Work!"and days, Oxford , 1978, p. 155.
3 Torrano, 1. A. A., "Prorneteu e a origem dos mortais" , inPrometeu prisionei-
ro, Sao Paulo , Roswi ta Kempf , 1985.
4 Vemant, J. P., "A la table des hommes", in La cuisine du sacrifice en pays
grec, em co-autor ia com Marce l De tienne, Ga llimard, Par is, 1979.
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na. Aparecem ainda Atena e Hefestos para confeccionar a
primeira mulher, 0 "belo mal" (v. 585), que Zeus oferece
a Epimeteu, irmao e reverso de Prometeu 5. 0 conflito entre a
inteligencia do Cronida e a asnicia do tita se da na frente dos
deuses e dos homens, quando eles ainda conviviam harmoni-
camente, e dele resulta a reparticao dos lotes e das atribuicoes
que caberao a cada urn. 0 duelo entre os dois se desenvolve
seguindo os seguintes movimentos: Prometeu oferece urn pre-
sente fraudulento a Zeus (ossos cobertos com gordura), Zeus
aceita a oferenda e, irritado, nao concede mais 0fogo celeste
aos mortais; Prometeu, entao, rouba-o e 0 entrega aos ho-
mens; Zeus, em resposta, da aos homens urna mulher. Assim
se da a separacao entre deuses e homens. 0 epis6dio se passa
em Mekona, local mitico onde teria havido a reparticao das
honras e dos lotes pr6prios a cada urn dos deuses, segundo a
tradicao, e desse modo 0evento prometeico e urn elemento a
mais que integra este contexto de partilhas. Mekona e urn
nome que se liga a fertilidade da terra, lembrando a Idade do
Ouro, e esta localizada na regiao de Tirane, que por sua vez
se liga a est6ria dos titas. Nesta versao do mito vemos a ins-tauracao do sacriffcio como forma de relacionamento eficaz
entre os homens e os deuses, ja que nao mais compartilham a
mesma linguagem.
Ja, por outro lado, nos Erga, a presenca de Pandora e
muito mais enfatica, ela nao aparece apenas como a prime ira
mulher, mas vern nomeada e e urn dos protagonistas do
epis6dio. Neste poema vemos que no complexo jogo de troca
de presentes, dissimulacoes e armadilhas havido entre a m e -tis" de Prometeu e a metis soberana de Zeus, 0envio de Pan-dora (dom do Cronida a Prometeu e aos homens) significa
uma mudanca de estrategia por parte de Zeus, que, contraria-
mente ao que ate entao acontecia, ao inves de tirar algo,
acrescenta 7. Com isto ele da 0 golpe de mestre, pondo urn
ponto final nesse duelo ardiloso, e Prometeu, que ate este
ponto se colocava quase na posicao de urn rival de.Zeus, ~go-
ra se encontra sitiado e sem possibilidade de replica. 0 jogo
terminou. E com Pandora que se instaura definitivamente a
condicao humana, que ja se esbocava com 0primeiro sacriff-
cio no epis6dio da separacao. Ate aqui os h~os eram
aut6ctones; com a primeira mulher surge a sexualidade ~ e
com a primeira femea, da raca dos mortais, que urn novo CIcIo
se inicia e os dnthropoi (seres humanos) passam a ser andres
(homens) e gynaikes (mulheres). Pandora traz consigo urn jar-
ro (pfthos) e, dentro dele, imimeros males e _aElpis (E:xpec-
ta~ao). A primeira mulher aparece ne~ta versao com atnbutos
e recursos dos deuses que a confecclonam: Hefestos, Atena,
Afrodite (e seu sequito) e Hermes.
Fica evidente ao leitor que as duas versoes nao se
opoem, ao contrario, completam-se, formando urn texto ima-
ginario que nos coloca curiosas questoes,
o sacrificio, °sexo, °dom, °trabalho
5 0 nome "Epimeteu" significa aquele que compreende os fatos depois de teremeles acontecido, ao contrario de seu irmao cujo nome indica que tern deles uma
especie de pre-ciencia,6 Metis pode ser t raduzida por asnic ia , intel igencia ardilosa, maquinacao do inte-lec to e tc .; personificada , e la esta na l inhagem de Uranos (0 Ceu) (Teogonia,vv.337 a 403) e e uma das esposa s de Zeus. Sobre e sta enti dade, cf . Det ienne e Ver -nant, us ruses de r intelligence - faMetis des grecs, Flamrnarion. Paris. 1974.
7 Oes te pon to de v is ta pode- se resumir e st e j ogo assi rn : Promet eu tira de Zeus a
pa rte que the dever ia ser o fer eci da; Zeus lira dos homens 0 fogo; Prometeu roubao fogo do Cronida; em lugar do fogo, Zeus dd a primeira mulher.
. 0 primeiro resultado do confronto en~ o.Cronida e 0
tita e a reparticao ritual dos pedacos do animal l.molado que
se destinam aos deuses (os ossos e a gordura queimados pelo
fogo) e aos homens (as partes que alimentam). Prometeu e 0
fundador do primeiro sacriffcio, mais especificamente, e ele
quem reparte e distribui os pedacos da vftima sacrificial ..e nao
quem a imola 8• E ele quem separa as partes e, consequente-
mente, os homens dos deuses, porque passam a se a1imen~ar
de coisas diversas e nao mais se entendem com a mesma lin-
guagem. Neste universo organizado, os mortais t e n; t ~ esta-
tuto diferente dos imortais, e e neste momento sacrificial ~ue
isso se fixa. A dimensao alimentar do sacriffcio prometeico
aparece na Teogonia pela carne do boi enos Trabalhos pelos
produtos da terra cultivada, pelo trigo de Deme~~9: a cu~tura
cerealista, pode-se afirmar, e 0reverso do sacriffcio animal.Os homens que comem pao sao mortais e os deuses que co-
mem ambrosia sao imortais.
8 Cf. Vernant, J. P., "A la table des hommes", in La cuisine du sacrifice en pays
grec, Paris, Gallimard, 1979. .9 Cf. Vernan t, J. P., "A la table des hommes", inLa cuisine du sacrifice en pays
grec, Par is , Gal lima rd , 1979. p . 59.
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Ainda com J. P. Vernant, concluo que 0mito sacrifi-
cial de Prometeu vern para justificar uma forma religiosa em
que 0 homem se encontra entre os animais e os deuses, nao se
identificando nem com uns nem com outros mas mais tarde
com 0aparecimento de Pandora, veremos qu'e ele: de fato, vai
participar da natureza dos dois sem, entretanto, com eles seidentificar.
A separacao entre mortais e imortais acontece com 0
primeiro sacriffcio e se efetiva com a primeira mulher. Sa-
criffcio e Pandora separam e unem a uma s6 vez. 0 primeiro
separa imortais de mortais, apontando seus espacos pr6prios e
a necessidade do rito sacrificial para se comunicarem, para se
unirem. A primeira mulher, pelo sexo 10, separa homens e mu-
lheres e e por ele mesmo que eles podem se unir.
Antes da primeira mulher, os humanos brotavam e vi-
viam "a recato dos males" (Erga, v. 91), "Ionge de penas e
miserias" (Erga, v. 106 e seg.) e morriam como que "por so-
no tornados" (Erga, v. 116); com ela surgem a sexualidade e
a ne_cessidade d.a reproducao sexuada para garantir a perpe-tuacao da especie e todas as novas especificidades do modo
de ser humano. Pandora e ligada a ideia do alimento que vernda terra e a instituicao do casamento; ela e agora uma gynegamete, uma mulher-esposa com quem deve se ligar 0
homem; da mesma forma que ele deve colocar a semente na
terra,. deve igualment~ colocar a semente dentro dela para
procnar. Essas fronteiras do que e propriamente hurnano se
juntam. a outros limites, como a necessidade do trabalho para
~obre':lver. Temos, entao, tres elementos que' separam os
mortals dos mortais: sacriffcio, agricultura-alimento, sexuali-dade-casamento.
Outro ponto que chama minha atencao e 0 fato de
Pandora ser urn presente divino a Prometeu e aos homens.
Pietro Pucci faz interessantes considera~6es sobre 0
"dom" 11; diz ele que esta narrativa nos coloca diante do tema
mftico que liga a instituicao da condicao humana ao doni'
tema que liga a origem da precariedade humana a doacao di-
vina: C?ntrast~do com os presentes humanos, que sao
desejaveis, preciosos, mas geralmente dispensaveis os dons
divinos tern um carater que acomoda a vontade dosdeuses a
10 0.tenno "se.xo" v~m do verbo latino seco que significa "cortar", "separar".
11 Pietro ~UCCI, Hesiod and the language of poetry, John Hopkins UniversityPress, Baltimore, 1977.
62
necessidade das coisas tal como elas devem ser. Os presentes
divinos nao podem ser recusados e constituem sempreuma
adi~ao e nao uma substituicao; assim, neste caso, Pandora
vern em adicao a urna situacao paradisfaca que ela extingue,
mas nao substitui. Essa adicao, evidentemente, ao inves de
substituir situacoes, torna-as mais complexas.
Com 0 roubo do fogo divino, Prometeu oferece aos
homens 0 fogo "tecnico"; passa-se, assim, do fogo "natural"
00
fogo "cultural". Pandora tambem esta do lado da cultura;ela e produzida, feita, e nao aparece como os anthropoi (seres
humanos), que, antes, apenas surgiam da terra.
Por ter escondido 0 que e vital (0Bion) (Erga, v. 42)
para os homens, Zeus provoca uma serie de eventos que aca-
bam com 0 surgimento da primeira mulher. Ate entao os hu-
manos nao precisavam trabalhar para viver, apenas conviviam
com os imortais. Com esse dom ambfguo dado pelo Cronida,
aparece, tambem, a necessidade do trabalho.
Os vocabulos provenientes da raiz *E1:g - foram tra-
duzidos por "trabalho" e seus derivados em minha traducao.
Ha alguma discussao entre os estudiosos sobre 0fato de e r -
gon ser aplicado aqui somente como trabalho agricola, porem,se observarmos 0resto do poema, veremos que ele carrega 0
sentido mais amplo de "trabalho" 12.Observemos, ainda, que
a oposicao de ergon com p6nos e clara neste poema, 0pri-
meiro significando "trabalho" e 0segundo significando "tra-
balho arduo", "fadiga", embora algumas vezes um se apro-
prie do sentido do outro.
Hannah Arendt, em The human condition 13, busca
mostrar que existem diferencas entre Lahor (labor) e Work
(trabalho). 0 labor e uma atividade do animallaborans go-
vernada pelas necessidades de subsistencia do cicIo biol6gico
da vida. 0 trabalho que nao esta necessariamente contido no
ciclo vital da especie e uma atividade do homo faber, pormeio da qual coisas extrafdas da natureza se convertem em
objeto de uso. Para sua argumentacao, a autora nos prove di-
versos exemplos em lfnguas antigas e modernas que fazem es-
ta distincao. A linguagem para Hannah, na sua historicidade,
12 Vemant, J. P., "Trabalho e natureza na Grecia Antiga", inMito e pensamentoentre os gregos, Sao Paulo, EDUSP, 1973.13 Arendt Hannah The humam condition, Chicago, 1958, pp. 79-83, trad. bra-sileira de Roberto Raposo, Forense - UniversitarialSalamandral EDUSP, Sao
Paulo, 1981.
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14 Cf. Christine L eclerc, em "Mythe hesiodlque, entre les mots et Ies choses"
(Rev. de Lhistoire des religions, 3, 1978) , a r ai z *med- que se aparenta ao substan-tivo metis ou Metis e componente dos epfte tos de Zeus metioeis e metteta; a ensafs-
ta comen ta que es ta r aiz esta tambem na palavra medea (cf. Benveniste, Le voca-
bulaire des institutions indo-europeennes, Paris, 1969, t. II, p. 129) com 0 sentidode preocupacoes, inquietacoes, mais especif icamente como inquietacao do espfr i-
t o, como aconte ce com a inte li genci a; en tre tanto , na Teogonia, 180-188,medeade si gna as par te s sexuai s de Urano que, apos te rem sido muti ladas , d iio o rigem aAfrod it e. 0 ve rbo emesato, v. 49, esta igualmente conotado pela ide ia de asnic ia .
Desta maneira , nos colocamos diante de uma interessante questao: a ambigii idade
da paIavra medea, que s e relaciona ao mesmo tempo com 0sexo e com 0projeto
astuc ioso, aponta para 0f ato de e st a re l~ iio en tre pa Iav ras nos leva r a hipotese de
que at Mum jogo de s entido implfcito, uma vez que 0 sexo t ambem supoe umaespec ie de inqui et ac ao do co rpo e do espf ri to d ian te do obj et o do desejo .
Zeus e 0 pai dos homens e dos deuses, e e 0 soberano.
Toda a Teogonia nos conta "como" ele chegou a esse lugar
entre os deuses e "por que" ele la esta.
Prometeu e ankylometis, habilidoso na arte de tramar.
Ele tern a metis retorcida, 0que faz dele especiaimente habi-
lidoso e com isso desafia Zeus. Este epfteto e atribuido a
Cronos, tita como Prometeu, tanto em Hesfodo (Teogonia,
H15
137) quanto em omero . .' .
A respeito dos epftetos, lembramos aqui P~ula Philip-son 16, que afirma que, na experiencia grega reglstrad~ por
Hesiodo ha tres elementos esc1arecedores na compreensao do
significado de uma divindade: 0 seu nome: ~s seus epftetos e
o lugar que ocupa em sua linhagem genealogica.
o mito de Prometeu e 0 mito da criacao do homern; 0
criador Prometeu e urn tita; isso faz dele alguem que carrega
uma serie de peculiaridades que 0dis~inguem dos .h~~;ns e
tambern dos deuses, embora sendo urn imortal. Os titas nas-
cern da terra e do fogo do sol, sem a necessidade de uniao en-
tre macho e femea; dada sua natureza seca e Ignea, eles estaosempre distantes da deterioracao, do envelhecimento .e_da
morte; esta versao sobre a origem dos titas vern de tradicoesbern antigas e ja na Teogonia (vv. 130-134 e 207-210) eles
sao apresentados como filhos do Ceu e da Terra.
Walter Otto observa que a palavra tita teria significado
"rei" da mesma forma que deus para os latinos e theos para
os gr~gos designava, nao uma categoria ~articular ~e d~uses,
mas os grandes deuses, os deuses prop~lamente ditos . Os
titas sao ainda freqiientemente caractenzados como deuses
priapicos. Essas figuras "ithypluilicas" (de p~~is perm~en-
temente ereto) tinham, como e obvio, sua virilidade partIC~-larmente acentuada, fato curioso de se observar, ja que a pn-
meira mulher surge por causa de urn tita, Prometeu, e que seu
aparecimento transforma todos os homens de dnthropoi emandres. .
Se tomarmos a questao dos titas sob urna 6tica psica-
nalftica, como a de Paul Diell9, observamos que tanto Zeus
constitui 0 repert6rio da experiencia humana, e e interessante,por isso mesmo, registrar que ela rastreia na Grecia a dis-
tincao entre Labor e Work justamente a partir de Hesfodo nos
Erga, contrapondo ponos e ergon. Cabe lembrar aqui que po-nos aparece como urn dos males que saem de dentro do jarro.
E com este mito que Hesfodo justifica a necessidade
do trabalho como urna das contingencias hurnanas, surgida
devido a resposta dada pelo Cronida ao tita, por ter sido por
ele enganado. Tendo escondido 0 fogo (pyr), 0 homem, des-falcado, precisa trabalhar para subsistir.
Embora positivo em si, neste contexto (vv. 43-44)
ergon aparece com urna conotacao negativa, pelo simples fato
de que em urn tempo anterior e harmonico ele inexistisse;
ao longo do poema, entretanto, Hesfodo fala sobre 0 seu por-
que e sobre a sua ligacao com a Justica, Alem disso, ergon
aparece no inicio (v. 20) associ ado a boa Luta (eris), a queestimula a competicao construtiva.
Os personagens
Em Os trabalhos e os dias os protagonistas desse mite
sao Zeus, Prometeu e Pandora; seus coadjuvantes, Epimeteu,Hefestos, Atena, Afrodite e Hermes.
No verso 48 temos a colocacao, ja personalizada, dos
protagonistas do desequilfbrio instaurado com 0 roubo do fo-
go: Zeus e Prometeu; sendo que 0 titii surge com sua carac-
terfstica fundamental presente em seu nome - 0 de metis (in-
teligencia astuciosa) previdente e, reiterado em seu epiteto
(ankylometis), 0 de metis retorcida. Zeus surge sem epftetos,
em toda forca de seu incontestavel poder soberano; cabe lem-
brar aqui que Metis, a primeira esposa de Zeus, foi por ele
engolida, 0 que significa que ele tern a Metis dentro de si 14.
15 Otto, Wal ter, Les dieux de La Grice, Paris, Payot, 1981, p. 5 L .16 Phi li pson Pau la . Origini eforme del mito grego, Milano, Einaudi , 1966.
17 Vernant, i. P., "A la t ab le des honune s" , pp, 75-76.
18 Otto, Wai ter, Les dieux de L a Grece, p. 53 e seg. . .
19 Die l, Paul, "Prometee", in Symbolisme dans L a mythologie grecque, A. MI-
chel, Paris, 1940.
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q~anto Prometeu tern 0estatuto de "criadores", sendo Zeus 0
cnador pelo espirito, e 0 tita criador pelo intelecto. Ele ob-
serva que Prometeu representa 0 princfpio da intelectuali-
zacao ~ue apare~e ja inscrito em seu nome: 0de pensamen-
to previdente, Ainda no campo psicanalitico, Gaston Bache-
Iard-? faz curiosos comentarios; diz ele que se pode falar em
um "complexo de Prometeu" que seria caracterizado por "to-
da s as tenden~ias que n?s levam a querer saber tanto quanto
os nossos pars, ou mars do que eles e do que os nossosmestres". Essas sao, obviamente, algumas das imimeras leitu-
ras que se podem fazer dos mitos e que achei curioso indicar.
_ Quanto aos epitetos, faremos ainda algumas obser-
vacoes; 0 fogo e atributo de Zeus, e, para obte-Io 0tita usa
de um artificio. Roubando-o, ele 0 coloca no oco de uma fe-
rula, pois ai 0fogo se preserva devido a natureza combustiveldessa planta, e e por meio desse expediente que a humanida-
de passa a ter 0fogo a sua disposicao, nao dependendo mais
do raio de Ze_us. Neste exato momento do poema, 0 epiteto
d~do a~ C~omda e terpikeraynon (0 que se compraz com 0
raio) , significativaments af colocado, pois e 0 fogo do raio
que acaba de the ser roubado." Qualificado ~m seguida como aquele que "agrega nu-
yens (nephelegereta), Zeus dirige-se a Prometeu em discur-
so direto, recurso que, no interior do texto, provoca efeito al-
~nte dramatico e eficaz no que diz respeito a atencao doouvinte.
Zeus interpela 0 filho de Japeto chamando-o de "sobre
todos habil em tramas", referencia elogiosa e ironica ao
mes~o tempo, pois diante dos homens ele e realmente 0maishabil, mas e ironico porque diante da divindade is so nao
acon!ece. ~ interpelacao e muito adequada para 0que vern asegwr, .pOISa habilidade maior e de Zeus que a ele e aos ho-
mens vmdow:o~ ~ara um mal com 0 qual eles se alegrarao. Nov', 5~ Zeus micra a explicacao de sua ultima cartada, que
atingira Prometeu e toda a humanidade. Se Prometeu ousou
roubar 0fogo do Cronida, justamente 0golpe que ele recebe
e 0ant_f-pyros (literalmente, e 0fogo contrario, isto e, a con-trapartida do fogo), que tern, portanto, estatuto semelhante
ao fogo e ao mesmo tempo opondo-se a ele, vindo em seu lu-
gar e tendo 0mesmo nfvel de importancia dele. Esse mal,
contrapartida-do-fogo, aparece para resgatar 0 fogo roubado
de Zeus; e a demonstracao de sua colera; e 0 presente que eum mal, mas recebera muito carinho dos que por ele serao le-
sados. Ele vern em lugar do fogo natural; ele inicia 0proces-
so de passagem da natureza para a cultura. Pandora ja aqui emarcada pela ambigiiidade, e urn kaldn kak6n ("belo mal"),
que vern em lugar do fogo, tambem ambiguo, pois e ao mes-mo tempo urn bern e a causa da desgraca para os homens. 0
"belo mal"
eambfguo pois seduz, atrai afetos e traz todos os
males para a humanidade. Talvez 0 maior mal trazido por
Pandora seja 0 surgimento de sua propria ambigiiidade, e,
com a presenca da ambigiiidade, a possibilidade da escolha,
ou melhor dizendo, a necessidade da escolha.
Zeus se compraz com seu lance fatal e gargalha ante-
gozando 0 que acontecera para a humanidade diante de seu
presente sem volta.
Imediatamente 0Cronida convoca os deuses que cons-
truirao 0mal anunciado: Hefestos, Atena, Afrodite e Hermes,
cada qual colaborando com atributos que tambem lhes sao
proprios.
oprimeiro a ser chamado
eHefestos, que vern acom-
panhado pelo seu epiteto periJdyt6n (renomado ao redor, in-
clito), 0que 0coloca em destaque enquanto glorioso e reco-
nhecido pelos demais, conforme 0 desejo de sua m a e Hera(cf. Hino Homerico a Apolo, 309). Hefestos e Prometeu estao
proximos por ligarem-se ao fogo e a sua aplicacao na meta-
lurgia e na cerfunica. Em Homero, algumas vezes 0 nome
desse deus aparece em lugar da chama do fogo, a tal ponto
ambos se identificam/". Kerenyi mostra que este deus tern seu
nome ligado a Keddlion=, que foi seu tutor e the ensinou 0
offcio de ferreiro, e e tarnbem vinculado aos grandes vulcoes,
alem de ter como companheiros os karkinoi (caranguejos),
que, como ele, se locomovem de maneira estranha.Apesar de coxo (uma desfiguracao espantosa para um
deus), desposou Afrodite, a deusa do Arnor, estreitamente
vinculada a beleza'". Filho bastardo, fruto de uma atitude
competitiva de Hera em relacao a seu marido Zeus (Teogonia,
20 Bachelard, Gaston, A psicandlise do fogo, Lisboa, 1972, p . 29.
21 Otto, Walter, op. cit., pp. 126 e seg.
22 Kerenyi, C., The gods of the Greeks, pp. 153 e seg.
23 Na Teogonia, vv. 195-210, l emos 0 seguinte: . .. A ela, Afroditel deusa nasci-da de espurna e bem-coroada Citereia/ apelidarn homens e deuses, porque da
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espumal c riou-se e Ci tereia porque tocou cfte ra, l Cfpr ia porque nasceu na undosaChlpre/ . e Amor-do-penis porque saiu do penis a luz.l Eros acompanhou-a, Dese-J': seguiu-a belo z tao logo nasceu e foi para a grei dos deuses.l Essa honra terndes 0 corneco e na par ti lha/ coube- Ihe entre oshomens e deuses imor ta is l a scon-versas de rnocas, os sorrisos, os enganos,l 0doce gozo, 0 amor e a meiguice".24 PUCCI,op. cit., p. 119, n. 21, nos indica que esta paIavra significa, mais am-plarnente , " forca vita l" , e, a le rn de "forca f is ica" , pode indica r tambern a "forcadopoder".
possivel deusa padronizada 25 e imita 0 humano, na voz e na
forca, como ja disse.No v. 64, Atena e convocada para ensinar-lhe os tra-
balhos e 0complexo oficio de tecer; Pandora e produto das
habilidades dos deuses e tarnbem os imita na medida em que
aprende suas artes.A Afrodite cabe a tarefa de rodea-la de Graca, de pe-
noso desejo e de preocupacoes devoradoras de membros; cu-
riosamente sao esses os atributos da deusa que se sobressaem
aos demais. Aqui se localiza a origem da oposicao "eu" e
"outro" para a raca humana"; a evocacao do penoso desejo,
o territorio comum que separa e une 0 "eu" e 0 "outro"
sugerido (vv. 73-75) pela imagem de Pandora paramentada
como urna noiva, indicando, assim, que penoso desejo e
casamento se intercambiam. E nesse mito que a questao do
"outro", do "diferente", se localiza na obra hesiodica, e e na
figura da primeira mulher que 0poeta situa a origem dos ma-
les humanos. 0 "diferente" nao e 0 mal, mas quem traz os
males. Talvez este seja urn elemento de espectro extremamen-
te amplo na cultura ocidental: 0 "diferente" como a origem
do mal. Pandora nao e urn mal em si, ou melhor, nao e so urnmal, mas e de onde surgem todos os males para os homens.
Lembremos, entretanto, que como pano de fundo para este
mito esta a diferenca realmente radical, aquela que e dada pe-la Morte: uns sao mortais, outros, imortais; uns sao deuses,
outros, homens.Gostaria aqui, de tracar urn possfvel paralelo entre
Atena e Afrodite (ja que urna se opoe a outra em quase toda
a tradicao grega, a comecar pela epopeia homerica, onde se
defrontarn atraves dos herois de suas predilecoes), levando
em consideracao 0 fato de que neste contexto elas aparecem
lado a lado.Hesiodo nao faz nenhuma alusao a oposicao ou a
complementaridade desses dois personagens, mas nao e por
esse motivo que alguns elementos, nesse sentido, estao ausen-
tes deste relato, como tentarei mostrar.As condicoes de nascimento das duas deusas tecem en-
tre elas uma rede de estreitas relacoes. Afrodite se nutre (se
cria) da espuma, aphros, que surge quando Cronos joga 0
v. 928), e ele 0 mais bem-dotado artesao dentre todos os
descendentes de Urano. Tendo em consideracao seus atribu-
tos, nada mais apropriado do que sua convocacao para moldar
o novo ser.
Nesta mistura de terra e agua, 0 primeiro elemento
posto, v. 61, e a auden (linguagem hurnana em potencia),
configurando este ato a instituicao de uma nova forma de co-
municacao que are entao inexistia, ja que era desnecessaria.
Trata-se da linguagem dos andres, e nao mais dos dnthropoi,ate entao suficiente e eficaz no entendimento com os deuses.
Em seguida, a forca, 0 vigor fisico do hornem24. Sao esses os
primeiros atributos da massa informe: a linguagem e a forca
hurnanas. Depois corneca a se configurar sua aparencia: deve
assemelhar-se de rosto a s deusas imortais e de corpo a urna
bela forma de virgem. Aqui se inicia 0processo de imitacao.
A mulher e urn paradoxo, pois consiste numa imitacao do que
ja existe; ela nao e totalmente nova, entretanto, ela e a pri-
meira de sua especie. Ela esta do lado da techne (produto das
artes), enquanto 0homem esta do lado da physistv: 108). A
maneira como ela e feita lembra 0 moldar de urn vasa e ela e
praticamente descrita como urn vaso adomado onde 0 ; deusesdepositarn seus atributos; 0jarro que carrega e uma metafora
dela mesma; jarro, alias, que surge nesse contexto sem ne-
nhurna explicacao, a nao ser que 0entendamos no contexto
agricola em que ela esta, onde este vasa iptthos) aparece
sempre dentro de casa, arrnazenando 0grao colhido que ser-
vira de alimento. De qualquer.modo, esta forma nova de nas-
cimento tambern introduz urna distincao entre 0que ja existe
originariamente - deuses e homens - e 0que vern depois,
mas que nao e mais original, e sim copia, Pandora surge
quando desaparece 0"parafso" original e tenta, sob 0aspecto
de beleza sedutora, imitar essa felicidade agora ausente.
Como nao sao ditos os nomes das deusas com as quais ela seassemelha, ela vern como copia de uma imagem de urna
25 Pucci , Pietro, Hesiod and the language of poetry pp. 86 e seg.
26 Pucci , Pietro, Hesiod and the language of poetry; p. 93.
6869
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membro viril de seu pai, Urano, ao mar, pontos; 0 termo
dphros e, neste contexto, ambfguos", podendo designar tanto
o esperma de Urano quanto a espuma do mar infecundo que
cerca 0 penis de Urano; alem de ser 0 esperma (Iigado a ferti-Iidade-fecundidade presidida por Afrodite), dphros e tambem
parte do mar infecundo e caracteriza-se pela brancura, que,
em outros epis6dios, esta relacionada a cabeleira de Nereu, 0Velho do Mar, havendo, assim, urna relacao entre a espurna
do mar e a velhice (dphros e geras). Enquanto liquido semi-nal, Iiga-se ao termo philotes, 0vinculo sexual, que e privile-
gio e quinhao de Afrodite (Teogonia, vv. 203-206). Na Teo-
gonia (vv. 224-225) vemos, lado a lado, entre os descenden-
tes da Noite, Phi16tes e Gems. Assim, percebemos que 0vin-
culo arnoroso tern algo de noturno, como 0 tern, tambem,
Afrodite, ja que e descendente do Ceu Estrelado (lembrar que
o relato da descendencia da Noite aparece imediatamente
ap6s 0 relata do nascimento de Afrodite). Desta forma, temos
dphros evocando a fecundidade que precede 0nascimento e a
velhice que prefigura a morte. As faces opostas de urn mesmo
termo; polaridades da mesma deusa. Ela e urn principio de
uniaoe urn premincio da velhice e da morte. Os dois primei-ros ac6litos de Afrodite sao Htmeros e Eros (0 desejo e 0
amor). 0 segundo enuncia a ligac;ao arnorosa reaIizada e 0
primeiro a enuncia como iminente, embora, ao nfvel do signi-
ficante, 0primeiro contenha 0 segundo-".
Assim como Afrodite, Atena tern seu nascimento a
partir somente do pai. Sabendo-se ameacado por urn mho de
sua Iigacao com Metis, Zeus engole sua esposa e da nasci-
mento, ele mesmo, aut6s, de sua cabeca, a Atena (Teogonia,
v. 924 e seg.), de quem Metis ja estava gravida antes de ser
engolida 29.
Se Afrodite nasce do membro pelo qual se efetua
o Eros (sendo este seu companbeiro desde 0 infcio), patroci-nando, desta maneira, os atos arnorosos e a uniao dos elemen-
27 Leclerc, Christine, op .cit., p. 18.28 Remetemos 0 le ito r ao texto de Marce l Det ienne e Giu lia S issa, La viequoti-dienne des dieux grecs , Paris, Hachette, 1989, onde a p . 51l emos : "Po is Afrod it edobra sob a lei do desejo tudo aquilo que e vivo e se move: os deuses, os mortais e
os an ima is da t er ra e dos mares . Spmen te tr es pessoas resistem a ela , as t res deusasde virgindade obstinada: Atena , Artemis e Hestia. Todos os outros e notadamentetodos os deuses experimentam sua forca" .29 Leclerc, Christine, op, cit., p. 10.
70
tos os mais opostos, Atena, por s~ vez, e urna deusa virgem
e guerreira, Iigada, portanto, a s Erides (Lutas), a boa (Atenaergane - obreira, industriosa) e a rna, a da Guerra. ~t~napreside a separacao, quer quando op6e, quer quando distin-
gue (pela emulacao, por exemplo). . _ ,
Afrodite e seu Eros e a forma de ligacao arnbigua que
une os opostos, tentando mistura-los e re~uzi-los a unidade,enquanto Atena e sua Eris e uma separacao que forc;~a dua-
lidade. Afrodite associa 0tema do arnor ao da morte, Ja que aperpetuacao da especie implica a morte. Atena se fo~
a partir da Metis, modo de sabedoria mas tam~m de habili-
dade que rem os homens nos trabalhos guerreiros e nos de
artesanato.Sao estas as duas deusas convocadas para a fabricacao
de Pandora, oferecendo a primeira mulher suas atribuicoes
complementares e opostas.Lembrarnos ainda que Pandora, como Atena, e uma
parthenos (virgem), 0 que no unive~so d? ~to constitui a fi-
gura de urn ser muito ambiguo, pots cnstaIi~~, nela me,s~,
exatamente 0 interdito terrivel do que e feminine no propno
feminino. A parthenos'? pactua sempre, muito ou pouco, coma morte, uma vez que traz em si a condicao mortal e 0t~r-
mento da sexualidade nao reaIizada, como diz Dante Gabnel
fPr . "31Rossetti , "In Venu's eyes the gaze 0 oserpme .
Tanto na Teogonia quanto nos Erga, a muIher carrega
consigo mais poderes de destruicao do q~e 0 principio da fe-
cundidade. A figura feminina traz a polandade Eros e TMna_-
tos quase por urn processo mimetico por que passou a partir
de Afrodite e tambem de Atena.
Em seguida, v. 67, Hermes " e quem € -. ..:on".oc~dopor
Zeus para colocar no peito do novo ser a con~u~ dissimulada
de urn ladrao e tambern 0espirito de cao que indica sua cap~-
cidade de absorver, com seu ardor alimentar, toda ~ energiado macho. Este deus, cujo epiteto aqui e "Mensagerro Argi-
fonte" e na Teogonia, v. 938, "arauto dos imortais", e 0deus
dos caminhos, das passagens de urn espaco a outro, de dentro
para fora, de fora para dentro e de urn.mundo para outro. Equem protege os viajantes e os comerciantes, 0condutor de
30 Loraux, Nicole, "Sur la race des femmes et quelques-unes de ses tribus" .in
Les enfants d'Athena, Paris, Maspero, 1981.
31 apudPanofsky,E.inPandora'sbox,p.I~9. . 197832 Sobre es te deus cf . Lau rence Kahn , Hermes passe, Maspero. Pans, .
71
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almas (psykhop6mpos) e e tido como 0mais amigo dos ho-
mens dentre os deuses 33. Seus feitos revelam muito mais de
agilida~e e da arte do segredo do que propriamente de forca e
sabedona. E 0mestre do senso da oportuoidade, da arte do
roubo e do falso juramento, b~m como de tudo de feliz que
cabe ao ~o;"1em, desde que seja sem 0 compromisso de sua
responsabilidade, Para a primeira mulher, seus dons sao noon
kynoon (mente de cao) e ethos eptklopon (conduta dissimula-
d~,. como a do ladrao). Pandora participa, assim, da natureza
divina pela sua aparencia, da natureza humana pela forca e
pela fala, e da natureza animal pela mente de cao,
No ~. 70 inicia-se a confeccao de Pandora. 0cumpri-
me~to efetivo. das ordens de Zeus e urn pouco diferente do
projeto anunciado. Rapidamente, todos obedecem as ordens
do CrOll~da e rapidos tambem sao os versos que descrevem
essas acoes. Hefestos plasma-a a partir da terra misturada a
agua, Aco~ a aparencia de recatada virgem. A palavra eke/os
(aparencia, semelhanca) nao estabelece necessariamente uma
ligacao ~e parecenca entre dois objetos ou uma relacao de
confo~dade entre uma imagem e,seu modelov", mas desig-
na, ~~lta~ vezes, urna cunosa mimese feita de identidade e departlclpa<;~o que caracteriza 0parecer veridico e perrnite ao
homem onentar-se em um mundo de signos. Deleuze " diria
q~e a mulher_e urn simulacro no sentido de que 0simulacro
poe em questao as nocoes de copia (...) e de modelo.
. Aten~ ai esta para adorna-la e cingi-Ia, como sao cin-
gidas as nOl.vas. Afrodit~ nao comparece na elaboracao pro-
pnamente dita, mas envia, em seu lugar, suas auxiliares para
embelez_ar Pandora. Ela ~7 representada pelas Gracas 36, pela
Persuasao e pelas Horas ,e Pandora aparece paramentada
33 Otto, W., ~p.cit., pp. '26 e seg.34 Loraux, NIcole, op, cit., p. 87.
35 Apud,Loraux, Nicole, op. cit., nota 60, p. 89.39607A9s,tr,eslracas sao: Agldie, Euphrosyne e Thaue Erateine. Na Teogonia vv
- ,ernos 0 segumte: ' .
"Eurfnome deamave l beleza virgern de Oceano
terceira esposa gerou -Ihe Gracas de belas faces:Esplendente, Agradabil e Festa amorosa
de seus olhos brilhantes esparge-se 0 amor
solta-rnernbros , belo, bri lha sob os cfl ios 0 olhar",
37 cr. artigo de J. Audry "Les heures" E IE Lyon' '986 d I fique as funcd '.. 'd r=r ,»>: .., , , on e e e a Irma
ncoes p~mclPaIs essas divindades est iio diret amente ligadas ao cicloanual e que el~ sao tambem ,as guardias das portas do ceu; que slio as rtas do
ano. As f:Ioras tern urn papel importante tambem na "heroiza<;i io" no :sarnentoe no nascimento dos rnortais. '
72
como para festejar a colorida primavera, pronta para seu pro-
prio casamento. Pandora adomada com os signos da mudanca
de estacao marca 0inicio de um novo cicIo para a humanida-
de. A Chdris (Graca) que Afrodite confere a primeira mulher
introduz uma novidade no mundo dos homens, urna vez que
antes dela inexistiam 0prazer sexual da mulber e 0proprio
prazer sexual, pois, como se sabe, sexo vem do verba seeo,que significa separar, dai a ideia de sexo como separacao que
supoe duas partes e a cada qual seu prazer. Algo de Afrodite
e passado por suas acompanhantes ao dom de Zeus aos ho-
mens 38.
Curnprindo a vontade do Crooida, 0Mensageiro Argi-
fonte coloca, ainda, no peito dela, 0que pactuara com a con-
duta de ladrao e a mente canina: as mentiras e as sedutoras
palavras. A auden, linguagem humana em potencia, v. 61,
aqui passa a ser Iinguagem reaIizada, phonen, vista como urn
acrescimo, um artificio a mais neste dom de Hermes, da mes-
rna forma que 0ekelos, ela e tambem elemento no exercicio
da seducao.
A mulher, entretanto, nao e apenas urn mal, ja que ebela, v. 63, e para os gregos 0belo se faz sempre acompanhar
de urn bem; a ausencia da mulher comporta urn outro mal, e
se ela e considerada como mal, sem ela falta 0bem que lhe
corresponde.
o nome do novo ser e fina1mente enunciado, logo elapassa a ter existencia: Pandora 39, pois, segundo 0 texto, todos
os que tern morada olfmpica the deram urn dom, que e um mal
a todos os homens que se alimentam de pao (ou seja, que se
utilizam do fogo, signo de civilizacao). No personagem de
Pandora veem se inscrever todas as tensoes, todas as ambi-
valencies que marcam 0estatuto do homem, entre animais e
deusesw,
No v. 83 vemos Pandora como urn ardil ingreme e in-
vencivel, e Hermes, curnprindo suas funcoes, leva 0presente
dos deuses a Epimeteu, irmao e contrario de Prometeu, que,
como 0proprio nome diz, e "0que compreende depois". No
v. 86 e seg. 0 vemos aceitando irrefletidamente esse dom,
38 Pucci , Pietro, op. cit., p. 96.
39 Pucc i, P ie tro, op. cis., observa que rnais tres etimologias s a o possfveis para se
considerar: "a que dii tudo", "a que recebe tudo" e "a que tira tudo".40 Vernant, 1. P ., "Le mythe prometheen chez Hes iode", p . 192.
73
embora ja tivesse sido advertido por seu irmao; mas ele s6
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compreende 0 que fez depois de te-lo feito. Prometeu e Epi-
meteu sao as duas faces do homem; aquele que engana e que
e enganado, aquele que e previdente e que e desacertado, 0
que compreende antes e 0que compreende depois.
Com esta a~ao de Epimeteu, fica marcada defmitiva-
mente a mudanca para urn novo tempo. A grei dos homens ate
e~tao vivera ~ongedos males (knM) e da aspera fadiga (kha-
leipoto ponoioy e ~as dolorosas doencas (noiison argaleon),
que aos homens dao fun. Em contrapartida a UITIa vida semproblemas (que faz lembrar a Raca de Ouro, vv. 106-126),
anuncia-se agora outra, cheia de limitacoes e dificuldades. In-
~uzido 0 trabalho (ergon), aparece a fadiga (p6nos). Zeus
introduz urn mal, Pandora dissemina males. 0 jarro retoma,
de certa forma, 0 epis6dio da fabricacao de Pandora, desen-
volvendo a questao da irrupcao do mal, sob seus diferentes
aspectos, na vida dos homens.
Pandora, repetindo 0 ato de Zeus no v. 49, assumindo
p~ si ~ ato de punir, "~ama para os homens tristes pesa-
res ,abrindo a tampa do jarro e dispersando todos os males
que a~ entao inexistiam para os dnthropoi. Ao se abrir 0 pt-
thos Garro), local onde guarda 0 alimento tbtos), 0 que seprocura sao as reservas alimentares e jamais os males (kakd).
o bros nutre e restaura energias e faz viver, e os kakd conso-
mem as forcas, tiram a vitalidade e matam.
o discutidfssimo v. 96 conta que Pandora deixou sozi-
n h a _ , dentro do jarr~, a Elpts (esperanca, pre-ciencia, expec-
tacao, espera) depois de todos os males terem safdo e de ela
ter recolocado sua tampa.
o que e a Elpfs? Pouco e dito no texto mas muito ficasugerido. '
Elpis e ambfgua, liga-se tanto a pre-ciencia de Prome-
teu quanto a irreflexao de Epimeteu. Ela e a espera ambigua,temor . e esperanca a. uma s6 vez, previsao cega, ilusao ne-cessaria, bern e mal sunultaneamente. Nao nos esquecamos de
qu~,0verbo elpomai ~meno~. "ter esperanca" do que "expec-
~ .' e I!lpfs, n~ s~~tldo de ~~peran~a", e apenas uma espe-cl~za~ao do significado de expectacao", Espera e expec-
tacao podem tanto se referir a algo de born quanto de mau'".
41 Verdenius, W., "A hopeless line in Hesiod", in Mnemosyne, n!!24.
74
Ela e sempre conjectura, esta sempre sob 0 signo da osci-
lacao,Hesfodo fala de uma Elpts odk. agatM (v. 5(0) (espera
nao boa), supondo que haja tambem uma Elpts boa. Platao(Leis, 644, c-d) diz que as opinioes que concemem ao futuro
levam 0 nome comum de Elpts, mas quando se refere a uma
dor que vira, ela e phobos, temor, e quando se refere a algo
de born e thdrros, confianca, seguranca 42.
Neste texto, como ela nao aparece especificada, pare-ce-me evidente que ela tern urn sentido amplo: pode ser te-
mor ou confianca; entretanto, ela nao e pron6ia (pre-ciencia),
nem prometheia (previsao), nem epimetheia (compreensao
atrasada). A ambigiiidade da Elpts reside no fato de os ho-
mens poderem nao acertar no que esperam; na espera eles po-
dem errar ou acertar.
A ambigiiidade fundamental de Pandora corresponde a
ambigiiidade da Elpts, que, como a mulher, fica sozinha den-tro de casa (vv. 96-7), fechada, enquanto os males sao espa-
lhados entre os homens 43.
A Elpts sozinha, dentro do jarro, da ao homem 0 poder
de equilibrar a consciencia da sua mortalidade pela ignoran-cia do "quando" e do "como" a morte vira para ele. Se os
homens tivessem a infalfvel pre-ciencia de Zeus, eles nada
poderiam fazer com a Elpis. A Elpis e pr6pria dos humanos eurn de seus atributos, ja que ela e desnecessaria aos deuses,
que sao imortais, e tambem aos animais, que ignoram que sao
mortais.
Agora 0 ceu e a terra estao cheios de kedea (pesares).
Os nodsoi (doencas) estao aqui, nan apenas com seu sentido
fisiol6gico restrito mas compreendidos como as punicoes en-
viadas pelos deuses; tudo 0 que atrapalha a vitalidade do ho-
mem, como as pragas, a loucura ou os discursos delirantes ";
entretanto, os nousoi de Pandora nao vern como punicao, poisPandora ja e punicao, mas aparecem naturalmente, esponta-
neos (aut6matoi), errando em silencio (sige) , pois 0 sabio
Zeus a voz lhes tirou para que surpreendam e nao avisem a
quem forem visitar ".
42 ApudVernant,l. P., "A latable des hommes" , p. 125.
43 Vernant, 1.P., "Lemy the prometheen chez Hesiode", p. 193.44 Frazer, R. M., "Pandora's diseases", inRoman and Byzantine studies , vol. 13,
1972.
45 Pucci, op. cit., p. 104-105, faz uma curiosa observacao; diz ele que aElpfs
75
3. As cinco racas
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o epis6dio tennina com uma admoestacao: "Da inte-
ligencia de Zeus nao ha como escapar!". E curio so destacarque a palavra "inteligencia" traduz 0vocabulo noos do ori-ginal; ora nao se pode escapar do noos de Zeus e nao de suametis, como ate entao, neste mito, a inteligencia do Cronidase via designada. Zeus tern noos e ternmetis.
Com 0relato mftico de Prometeu e Pandora, Hesfodo
estabelece a origem da condicao humana e reafirma 0 lugar
que ocupa a soberania de Zeus nesta nova ordem inaugurada
com ~andora, 0Ultimo dos presentes dado aos homens pelo
Cromda. Essa nova condicao se edifica sob 0 signo da am-
bigiiidade.
Assim como para a eris boa ha a eris r n a , para 0ergonM 0ponos, assim, tambem, a Elpfs e espera de bern e de male Pandora e desejavel e indesejavel ao mesmo tempo.
Pandora tern no jarro a sua metafora e 0jarro e umametonfmia da Elpts; os tres sao ambfguos, sao bens e sao
males. Essa ambigiiidade, esse jogo de reflexos, essas dupli-
cacoes apontam para a dificuldade, neste texto, em se definir
uma identidade. Neste mito 0que temos definida e a condicaonumana e nao a sua identidade. Este mito, em Hesfodo, esta-
belece os fundarnentos da condicao humana na Antiguidade
grega.
tern voz e que os males ~o rem voz quandosaern dojarro (Erga, v. 104); aElpfste~ urn LOgos born e urn nao born (Erga, v. 500), urn dis curso posi tivo e out ro ne-gatrvo, que acontecern no espaco da interioridade humana.
76
Se no mito de "Prometeu e Pandora" 0 trabalho, sua
origem e sua necessidade aparecem como urn dos temas cen-
trais, na narrativa mftica das "cinco racas" 0objeto principal
e a Justica, apresentada e elaborada mais pelo seu contrario (aViolencia, a Desmedida, a Hybris) do que pelo seu aspecto
fundamentalmente positivo; abordagem que so encontraremos
no discurso parenetico que se segue a esse mito (vv. 202
a 285).
Esta narrativa mftica constitui 0unico caso de tema em
Os trabalhos e os dias que se afasta das regras da Literatura
Sapiencial, segundo West1, mas tern tambem suas origens no
Oriente e provavelmente 0poeta esta importando uma estoria
que ele conhece de algum outro lugar, fazendo-lhe adap-
tacoes que sirvam a seus diferentes propositos.
Alern do mito de Pandora que fala de urn tempo em
que os homens viviam como deuses, Hesfodo conhece
tambem esta estoria que trata da passagem desse estado para-
disfaco para 0 seu presente de fadiga, miseria e dor; 0poeta
inicia este relato conectando-o com 0anterior pelo uso da
forma verbal ekkoryphoso (coroarei, encimarei), afirmando
que com outro discurso vern coroar 0 anterior, eoriquecendo e
arrematando 0que dissera no mito precedente. Na parte final
deste mito (na Idade de Ferro), 0poeta tambem aborda 0tema
da instauracao da condicao humana sobre a terra, acrescen-
tando-lhe varies outros aspectos, mas sobretudo 0 que fun-
damentalmente ele vern estabelecer e a necessidade de obser-
var a Justica de Zeus e de evitar, a qualquer custo, a Hybris. '
Basicamente utilizei, para esses comentarios interpre-
tativos sobre 0mito das racas, das liC;;6esde West e Vemant,
que fazem abordagens muito distintas desse texto. 0primeiro
analisa 0epis6dio dentro de um contexto amplo da literatura
antiga e ve esse mito como um historiar de diversas fases da
humanidade; ja 0 segundo preocupa-se com 0 conjunto do
poema, com as funcoes sociais at abordadas, faz uma analiseestrutural desse epis6dio e aponta para a curiosa coexistencia
dos varies nfveis da vida humana.
West aponta tres elementos esquematicos que se fun-
dem num sistema organico a integrar as diferentes racas: a
1 West, M. L., "Hesiod", i n Works ' and days, p. 28.
77
do 0primeiro 0dele e os outros the sao gradativamente infe-deterioracao moral, 0 envelhecimento e a g16ria posterior a
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riores. Na literatura hindu n6s encontramos uma doutrina das
quatro idades do mundo representadas pelos pontos de urn
dado, de quatro ate urn, e as racas diminuem progressivamen-
te em duracao e retidao e aumentam em maldade e doencas;
na Ultima dessas etapas constatamos que a narrativa se inicia
no tempo presente e termina no tempo futuro, exatamente
como acontece na raca de ferro nos Erga.
West aceita que e na Mesopotfunia que se originam es-
ses mitos e de la espalham-se entre os persas, os judeus, os
hindus e os gregos. Hesfodo foi, por sua vez, a fonte iinica
para os outros gregos e para os romanos, que tambem modifi-
caram e adaptaram 0esquema inicial do mito.
A primeira raca e a de ouro, aparece no perfodo em
que reina Cronos; esses homens tern alma despreocupada e
desconhecem penas, miseria, velhice e sao afastados de todos
os males. Vivem em festins, alegres, e a terra lhes da sustento
abundante. Quando os indivfduos morrem tomam-se daimo-
nes (genies) bons, cuidam do bem-estar dos homens, velando
pela Justica e dando-lhes riquezas. A segunda e a de prata, e
os dessa raca sao bern inferiores aos da primeira e nao se
assemelham no talhe ou no espfrito. Vivem cern anos como
criancas junto a s suas maes, crescem brincando em sua casa e
quando atingem a adolescencia morrem; sofrem dores terri-
veis por inexperiencia, "pois louco Excesso (Hy bris) nao
conseguem conter entre si". Sao fmpios, nao querem servir
nem sacrificar aos deuses. Por esses motivos, Zeus sob a terra
os oculta, mas ainda assim a honra os acompanha e, quando
morrem, e1es se tomam daimones hipoctonicos. A raca de
bronze, a terce ira, ocupa-se das obras belicas de Ares, funes-
tas e violentas (Hybrieisy; seus integrantes nao se alimentam
de trigo e tern coracao duro e firme, sao fortes, invencfveis,
aterradores: suas armas e suas casas sao de bronze e traba-
lham com este metal, pois 0 ferro desconhecem; sucurnbem
por seus pr6prios braces e vao anonimos, sem g16ria, para 0
Hades, e, apesar de terrfveis, a luz do solos deixa e a negra
morte os leva. A quarta raca, ados Her6is, Zeus a cria mais
valente e mais justa, e eles sao chamados semideuses; pere-
cern como her6is, como os das guerras de Tr6ia e de Tebas;
habitam com a alma tranqiiila a llha dos Bem-Aventurados,
afortunados, pois a terra multinutriz lhes ci a tres colheitas por
ano. A ultima e a raca de ferro e Hesfodo lamenta nao ter
morte. Justifica a integracao das racas em urn sistema organi-
co atraves da "(I)Deterioracao moral que avanca mais a cada
novo metal. Apenas a raca nao metalica dos her6is e melhor
do que sua antecessora. (II) A raca de ouro nao mostra sinais
de envelhecimento e a raca de prata nao envelhece ate chegar
pr6xima ao fim da vida, mas Hesfodo descreve sua rebeldia
de viver cern anos em tennos de mera infantilidade, algo de
modo algum desejavel. Nada e dito a respeito do envelheci-
rnento nas duas pr6ximas racas, mas no final da quinta 0pro-
cesso e completo, desaparecendo completamente a juventude,
e as marcas de urna idade avancada estao presentes desde 0
nascimento. (III) A diminuicao progressiva das vidas glorio-
sas depois da morte. Novamente os her6is quebram a sequen-
cia devido aos seus meritos,,2.
Segundo a abordagem que West faz deste epis6dio, os
her6is quebram a sequencia l6gica, 0que e visto como mais
urn argumento a prop6sito da insercao da raca dos her6is em
urn mito original sobre quatro racas metalicas, feito, alias,
que se deve a Hesfodo ou a urn seu predecessor.
o esquema basico deste mito tern importantes paralelosorientais 3, havendo sempre urn esboco comurn de quatro ra-
cas metalicas que se sucedem, cada uma mais impiedosa e
envelhecendo mais depressa do que a anterior, sendo que, em
geral, a ultima delas aparece enunciada em forma profetica.
Para exemplificar, temos, na tradicao persa, os dois livros
perdidos de Avesta, em que e descrita uma visao que revela 0
futuro para Zoroastro. Nesta versao 0profeta ve uma arvore
com quatro galhos, urn de ouro, outro de prata, outro de aco e
outro de ferro, e 0deus the explica que eles correspondem as
quatro idades sucessivas nas quais os cern anos de Zoroas-
trismo cairao; na primeira Zoroastro fala diretamente com 0
deus e na ultima a decadencia e tal que os homens sao meno-
res ate em sua estatura ffsica, Entre os judeus, no Livro de
Daniel (2:31 seg.), Nelrechadnezzar sonha com uma estatua
cuja cabeca e de ouro, 0 peito e os braces sao de prata, 0
ventre e as coxas de bronze, as pernas de ferro e os pes de
uma mistura de ferro e argila; segundo esc1arece Daniel, cada
parte dessa estatua representa cinco reinados diferentes, sen-
2 West, M. L., ..Hesiod", in Works and days, pp. 173-4.3 West, M. L., "Hesiod", i n Works and days. p. 175.
78 79
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dade e a alimentacao necessaria a vida. Assim, neste mito, asracas de ouro e de prata se ligam a primeira fun<;ao,.enquantoa terceira e a quarta se vinculam a funcao do guerreiro e a ra-
<;ade ferro relaciona-se a funcao do agncultor. ." _
Hesfodo, dentro desta formulacao ~e Dumezil, nao
somente reinterpreta 0 mito das racas metalicas no ~uadrO de
uma concepcao trifuncional, mas transforma a pr~pna estrutu-
ra tripartida e, desvalorizando a ativida~e g~errerra, faz dela,
na perspectiva religiosa que the e pr6pna, nao tanto um nfvelfuncional entre outrosquanto a fonte do bern e do mal e do
conflito no universo'I". ..Aqui destaco duas observacoes que considero valiosas
para meu comentario. Primeiro, as racas ~e ouro e de prata
nao tern nenhum conhecimento da necessidade, tudo lhes e
doado espontaneamente, vivem sem preocupa<;~s, achando-
se assim ligadas a infancia, conforme Ja havia observ.ado
W~st. Ja ~s racas de bronze e dos herois se vincul~ ~ VIgor
fisico pr6prio da idade adulta. A raca de ferro.e a umca que
conhece a degradacao da infancia para a velhlce. e a _m0;t~.Em segundo lugar, observamos que 0 tern'?? d~ rmto nao e_li-
near e sim cfclico 6, assim como 0 e a sequencia das estacoesdo ano. Se assim nao fosse estaria completamente deslocada a
raca dos her6is, que nao segue 0 paralelismo raca-metal; por
outro lado, ainda, Hesfodo declarando c1aramente que gosm.-
ria de ja estar morto antes da raca de ferro ou nascer de~~s
dela fica evidente nao 0 termino de urn processo de declfnio
mas 'a existencia de uma continuidade cfclica.
Observemos tambem que a primeira raca ignora a~-
bigilidade e tudo 0 que nao se ate~ aos limites da soberama.
E a raca de ouro, cujos homens vrvem como deuses e.s6 co-
nhecem a Dike. Tomam-se daimones epictonicos (genies so-
bre a terra) e sao guardiaes dos mo~s. ~s da r~<;a~e p~ta
definem-se por oposicao a de ouro: sao piores, inferiores; asoberania do rei guiado pela Dike, na idade de ouro, temos
aqui 0 seu inverso, 0 rei entregue a Hy'bris. E~es ~ao caracte-rizados pelo louco Excesso entre si e pela tmpledad~ para
com os deuses; assim como os da raca de ouro, nada tern em
comum com atividades militares nem com os trabah'1o~ do
campo. Apesar de serem punidos pela colera de Zeus, rem 0
nascido antes nem depois dela. Os deuses lhes enviam dor e
fadiga de dia e inquietacoes a noite; para eles encontram-semisturados os bens e os males; urn dia chegara em que esses
homens ja nascerao com as temporas brancas; entiio, 0 pai
nao se parecera com 0 mho, nem seriio queridos os h6spedes
ao hospedeiro, nem 0 amigo ao amigo, nem 0 irmao ao irmao;
os filhos desonrariio os pais quando estes envelhecerem e,
crueis, lhes dirac duras palavras e aos ceus nao temeriio. Com
a lei da forca saquearao as cidades; nao respeitariio os Jura-mentos e honrariio mais 0 homem violento (hforin dndra) eo
malfeitor do que 0 justo (dtkaios) e 0 born: a Justica sera,
entiio, a forca e, nao havendo respeito aos Juramentos, 0 co-
varde atacara 0 valente com palavras tortuosas; a inveja
acompanhara a todos, por isso Temeridade (Aid6s) e Respeito
(Nemesis) abandonariio os mortais, indo para 0 Olimpo com
os outros imortais; assim, contra 0mal nao havera remedio,
Bern distante desse tipo de abordagem, temos, por ou-
tro lado, J. P. Vernant", que afirma: "A 16gica que orienta a
arquitetura deste mito, que articula os seus diversos pIanos,
que regula 0 jogo de oposicoes e afinidades, e a tensao entre
Hybris (Desmedida, Excesso) e Dike (Justica)". Observamosque embora seja pequena a incidencia numerica dessas duas
palavras e de seus derivados (hybris, vv. 134, 146, 191, e dt-
ke, vv. 124, 153, 190, 192) no mito em questao, sem dtivida
elas encerram as duas nocoes basic as sobre as quais se articu-
la a estrutura deste relato.
A impressao que fica de uma primeira leitura e a de
que neste relato ha um movimento de decadencia continuo, s6
interrompido pela insercao da raca dos her6is entre a terceira
e a quinta racas. Se bern verificarmos a narrativa, entretanto,
segundo a analise de Vemant, perceberemos que ela segue
uma 16gica extremamente rigorosa, cuja estrutura remete ao
que Dumezil chamou de Sistema de Triparticao Funcional (inJupiter, Mars, Quirinus, Paris, 1941) existente no pensamen-
to religioso dos povos indo-europeus, ou seja, a construcao
mftica que define as tres funcoes principais do homem: 1) a
do rei, ligada a funcao jurfdico-religiosa; 2) a do guerreiro,
ligada a funcao militar; e 3) a do agricultor, ligada a fecundi-
4 A analise que faremos do conjunto deste relato mftico segue deperto 0ensaio
de Vemant em "0 mito hesi6dico das raeas", inMilo e pensamento entre asgregos,
5 Vemant, 1.P., "Estruturas do mito", p. 37.
6 Eliade, Mircea, "El tiempo sagrado y los mitos", p. 63.
80 81
bremos ainda que a traducao alema para Hybris e Hochmut,
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que se avizinha mais do sentido de ferir a ordem moral do to-
do ou, ainda, e soberba sem fundamento. Outras palavras se
nos apresentam: insolencia, soberba (latim superbus), orgu-
Iho abuso, transgressao etc. Entretanto, todas estas palavras
poderiam talvez servir em suas formas adjetivas, mas .parecem
inadequadas quando as encaramos como substan~v~s n~-
meando nocoes, ja que todas sofreram uma especializacao
modemamente e conotam algo mais restrito do que a palavragrega. Assim, optamos pelo vocabulo "excesso", que vern d?
latim ex + cedere, que significa ultrapassar, extravasar, sair
para mais etc.Se fizermos uma abordagem mais voltada ao conteiido
significativo das palavras e de suas relacoes dentro d~s ver-
sos outros elementos descobriremos neste fecundo nuto. Ja
de infcio e born esclarecer que 0 mito propriamente so come-
ca no terceiro verso e termina no v. 126; do v. 106 ao~. 108
af temos, entretanto, elementos muito importantes. Ahstare-
mos a seguir uma serie de pequenas notas que devem nos
ajudar na compreensao do mito. .No primeiro verso do episodic, alem do verbo coroarei
(ekkophyph6so), que entendo como urn indicador de remate
do mito anterior", como ja vimos, podemos observar que a
palavra logos (palavra, discurso, estoria) indica que Hesfodo
apresenta a estoria nao como uma verdade absoluta mas co~o
algo que sabe por ter ouvido do povo e que merece muita
aten~li08, afirmacao em que West e secundado por V~rde-
nius 9. com 0 que nao podemos concordar totalmente, pois l6-
gos equivale a mythos na medida em que ambos sli_?"0 que"
se diz" e trazem sempre a verdade de seu conteudo, que euma instrucao, uma licao. Cabe notar, entretanto~ q~e a pala-
vra my'thos so vai aparecer com 0 sentido especializado que
hoje lhe atribufmos a partir dos tragicos e de Platao, segundoChantraine.
De qualquer modo a ideia central deste vers,:, e . a deremate: 0 mito das racas vern para completar 0 que foi dito no
logos anterior.
privilegio de ser daimones apos a morte, embora hipoctonicos
(embaixo da terra). A raca de bronze em nada se assemelha a
de prata: sua Hybris e de outra natureza; a raca anterior ternvocacao para 0 poder, esta para os trabalhos violentos de
Ares. Do plano jurfdico-religioso passamos para 0 da forca
brutal e do terror. Aqui nao se fala nem de Dike nem de pie-
dade. Eles nao sao aniquilados por Zeus, morrem pelas suas
proprias disputas. Ficam, depois, no Hades em total anonima-
to, sem nenhuma gloria. Esta raca esta proxima e distante daque a antecede; ambas sao devotadas a s funcoes guerreiras,
mas se contrap6em porque os her6is se pautam pela Dike.
Ambas se ligam tambern as duas Erides, que, como vimos no
item 1, recebem entre os gregos uma valoracao positiva. A
vida na idade de ferro nao se caracteriza nem pela supremacia
da Dike nem pela da Hybris, apesar de Hesfodo vaticinar que
ela podera terminar em total Hybris. Como os males mistura-
dos aos bens, temos a caracteristica complexa que reveste es-
ta raca: e ambfgua e supoe a necessidade de discernimento e
de escolna. Fundamenta1mente e esta a compreensao que
Vemant tern do mito das cinco racas.
A nocao de Dike em Hesfodo, apesar de rmiltipla (asdikai sao sentencas nem sempre retas como a Dike de Zeus),
pois corresponde a experiencia hesiodica de urn estado de
pre-Direito, nao coloca ao estudioso modemo urn problema
de traducao mais complicado. Como Justica, virgem (parthe-
nos) filha de Zeus, ela se imp6e e enquanto tal nao traz am-
bigilidade: e respeito devido entre os homens e a piedade para
com os deuses, opondo-se c1aramente a Bta (forca). Em por-
tugues 0 vocabulo etimologicamente vern do latim justus,
-a, -urn,que significa justo, aprumado, ereto, reto, direito, 0
que nos aponta tambem para a polaridade reto/torto que rein-
cide em diversos pontos do poema.
Por outro lado, Hybris se define por ausencia de Dfkee traz imimeros problemas ao tradutor, pois, mais complexa e
menos limitada semanticamente, e violencia provocada por
paixao, ultraje, golpes desferidos por alguem, soberba etc.
Assim, fica diffcil ao tradutor defini-la como "Desmedida"
seguindo a tradicao francesa, ou como "Violencia", confor~
me outras traducoes; considero que alem do prefixo des indi-
car, na maior parte de suas ocorrencias, a negacao, a caren-
cia, "desmedida" nao conota necessariamente violencia, en-
fraquecendo e ate desvirtuando seu sentido original. Lem-
7 West interpreta esse verso como a "cabeca" da est6ria e como 0 que the da
unidade organica e significado, op. cit., p. 178.
8 Idem, ibidem, p. 177.9 Verdenius, W.J ., AcommentaryonHesiod,p. 75.
82 83
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A palavra hom6then (igual, da mesma origem) indica
no v. 108 que os dnthropoi tern a mesma physis dos deuses;
aqui cabe lembrar Pindaro, que na VI Nemeia diz: "Uma e a
raca de deusesl uma a raca dos homensl de uma s6 mae nas-
cemosl mas diferenciamos". Essa physis comum a mortais e a
imortais s6 e valida se consideramos os dnthropoi, mas nao
os andres, que se distinguem das mulheres.
Cabe observar que no tempo de Cronos (epfKr6nou),
v. 111, a vida era feliz e facil, crenca, alias, enraizada naimaginacao popular 10, que se relaciona aos Festivais Kr6nia
(ct. Teogonia, v. 137), quando mestres e escravos festejam
juntos no aprazfvel periodo ap6s a colneita; Jane Harrison
comenta que estes festivais celebravam um antigo rito de su-
cessao de reis. De qualquer forma, e nesse periodo em que
reina 0grande tim que os homens mantem sempre iguais (v.
114) seus pes e suas maos, sempre ageis, indiferentes a pas-sagem do tempo, pois Kronos, 0tempo, esta entre eles.
Esta raca manifesta toda a virtude benefic a do born rei
atraves de suas funcoes religiosa e legisladora; enquanto
guardiaes, ocupam-se de que a Justica seja observada, e en-
quanto ploutod6tai, promovem a necessaria fecundidade dosolo para os nomens mortais.
No v. 127 inicia-se 0relato sobre os homens da raca
de prata, a meu ver os mais estranhos e indecifraveis dentre
os que Hesfodo descreve. Viviam por cern anos (hekat6n), 0
que e, sem diivida, urn periodo de tempo espantosamente
grande; porem, trata-se de urna vida mais breve que ados
homens de ouro, pois sao inferiores (Kheirdteron, v. 127) a
eles tarnbem nisso. Vivem na casa de sua mae, enquanto sem-
pre como mega nepios, crianca grandalhona, surpreendente-
mente brincam junto da mae cuidadosa; chegam a adolescen-cia e morrem sofrendo por inexperiencia (aphradieisy. No v.
134 vemos a palavra hy'brin surgir pela prime ira vez no poe-rna, e aqui tern 0 sentido claro de "excesso pela violencia" e
nao 0 sentido de "forca descontrolada", que seria mais ade-
quado para a acepcao que tern a palavra bia. A sua hybris
esta presente tanto na relacao que mantem entre si no limiar
da adolescencia quanto na sua recusa em servir e sacrificar
aos deuses.
10 West,op.cit.,p.179.
84
Por nao darem honras aos deuses (aqui bomois e nao
the6is), Zeus os ocultou (ekrypse) e passam a ser os hipocto-
nicos, os "subterraneos", que sao tambem mdkares thnetoi
(venturoso pelos mortais), e lembro que e este tambem 0 des-
tino dos titas (Teogonia, v. 697). A palavra mdkares junto de
thnetot serve para excluir a conotacao de "divino" que mdka-
res pode ter; da mesma forma que hypocthn6nioi responde
a epikhth6nioi, thnetot responde a daimones, 0 destino dos
homens da raca de ouro.Segundo West11, os homens de prata sao identificados
com alguns mortos respeitados como se fossem poderos?s ou
perigosos; eles nao saem, entretanto, do mundo subterraneo.
Eles nao tern identidade, nao sao Iendarios e Hesiodo, por es-
sa razao, nao poderia te-los ligado a quarta raca. Ha muitos
exemplos de nimulos numerados supersticiosamente pelo po-
vo sem que se saiba a quem pertencem.
Hesiodo comeca a discorrer sobre a raca de bronze no
v. 143 e vai are 0v. 155, e este e 0trecho mais breve do mito
das cinco racas. Aqui desaparece a expressao formular "fize-
ram os de olfrnpica morada tenentes" e, em vez dos deuses,
quem surge e Zeus para criar esta raca de mortais.Ek-meliou (do freixo) aproxima esses homens de bron-
ze das ninfas meliai e tambern dos Gigantes que Hesfodo de-
ve ter considerado os progenitores dos homens 12. A ligacao
entre a linhagem dos homens e ados gigantes aparece na
Teogonia, v. 50; tambern na Teogonia, ": 187, h~ traces d~
outro mito segundo 0 qual os homens tenam nascido do frei-
xo, que e ~xatamente a mesma arvore de onde sao as referidas
ninfas. Assim, os homens de bronze tern a origem de sua raca
nessas arvores, 0que os identifica com os primeiros ho~~s
conhecidos na tradicao ordinaria dos gregos. Outra tradicao
reconhece ai apenas urn valor metaf6rico; segundo ela, ess~s
homens sao duros e belicosos como as lancas de combate fei-tas igualmente do freixo. (Cf, Verdenius, op. cit.)
Em seguida vemos que eles se oc~pavam ~om as ~bras
(erga) 13 de Ares, 0 deus da Guerra. Hybris aqui traduzimos
por violencia, ja que West (p. 187) demonstra que no plural
11 West, op. cit., p . 186 .
12 West, op.cit., p. 187. . .13 Novamente a palavra usada sem 0 sent ido que Veman t Ihe a tri bu i de tr aba-
Ihos do campo somente .
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significa "atos de violencia". "Nenhum trigo comiam" (oude
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ti siton/esthtony, a agricultura ensinada por Demeter e basica
para a civilizacao, e os Ciclopes (Odisseia, 107-11) e os
Lestrig6es tOdisseia, 10.98) sao exemplos de povos selva-
gens por nao conhecerem 0pao. Os homens de bronze evi-
dentemente desconheciam a agricultura e estavam proximosda selvageria,
No v. 148 a palavra dplastoi (inacessfveis), que carac-
teriza esses homens duros e fortes, liga-se a plastos, que sig-
nifica moldado por urn artesao, e a forma dplastos descreve a
massa rude por onde 0 artesao comeca seu trabalho, dai 0
sentido de informe, como no caso dos "Cem-bracos"; por
exemplo. A ideia de rudeza passa it de inacessibilidade, pois
para os comedores-de-pao os homens de bronze sao rudes, in-
trataveis, inacessiveis. Entretanto, parece-nos igualmente ra-
zoavel a explicacao dada por Verdenius (op. cit., p. 96) mos-
trando que dplastos e uma palavra formada de uma corruptela
de epeldsthen, urn Aoristo 2 poetico do verbo pelddzo, quesignifica abordar, aproximar.
"Com bronze trabalhavam" (v. 151), kalloi d'ergtid-
zonto, esta expressao pode aludir aos trabalhos belicos, e
Vernantt- entende 0verbo "trabalhavam" com 0 sentido de
"laboravam" e admite que a frase alude ao labor simbolico eritual do guerreiro.
Esses homens nao sao mortos por Zeus, eles mesmos
se matam, como os Gigantes, segundo a Teogonia.
No v. 153, "desceram ao iimido palacio de Hades", ou
seja, a ultima morada dos mortos, segundo os antigos; Home-ro usa essa mesma expressao, mas 0adjetivo "gelido" (krye-
roU) so aparece em Hesfodo,
Nonymnoi (anonimos), que surge no infcio do v. 154,
em posicao de relevo, cria grande contraste com as racas an-
teriores, que tinham destino apos a morte, e tambem com a
raca dos herois, cuja gloria Ihes e conferida pelos aedos e
sao, sobretudo, os que deixaram seu nome sobre a terra de-pois de mortos.
A raca dos herois e criada mais justa (dikai6teron) e
melhor (dreion) do que a que a antecedeu sobre a terra, que
se caracterizava por sua Hybri», Areion, porque dike e artste(excelente), conforme 0v. 279 deste poema.
A palavra heros (heroi) tern em grego dois s~ntid<?s
principais: na epica antiga refere-se a todos os herois cuja
gloria foi cantada pelos aedos; ja pos~eriormente ela se refere
a uma pessoa morta que exerce a partir da sepultura urn e~tra-
nho poder para 0 Bern ou para 0 Mal e que requer para Sl urn
ritual de honra apropriado, conforme Walter Burkert 15. E~
Hesfodo eles aparecem como a raca divina dos machos herois
(dndron hereon theion genos); eles descendem dos de~ses
e nao sao deuses; tambem a Teogonia (vv. 965-1020) assma-
la a sua origem divina. . .
No v. 160 a palavra hemitheoi (semideuses) significa
que eles sao aparentados 16 aos de~ses e nao q~ tenham.sta-
tus de semideuses. A palavra heroi em grego nao tern etimo-
logia certa, segundo Chantraine. .
Dos vv. 162 a 172, Hesiodo apresenta de maneira ge-ral os hero is das duas famosas e antigas lendas epicas: 0cicio
tebano e 0ciclo troiano. A expressao terra Cadmeia se refere
a Cadmo, considerado pai dos tebanos e_fundador de Tebas.
Melon ... Oidipodao, os rebanhos de Edipo, refere-se aos
bens de Edipo, a seu trono, seus rebanhos disputados por
seus fiIhos Eteocles e Polinices. Tebas de Sete Portas era fa-
mosa por ter urn heroi em cada urna de suas portas, para de-
fende-las (cf. Esquilo, Os sete contra Tebas).
o v. 166 " ... tous men thandtou telos amphekdlypse" ,
"0remate de morte os envolveu", mostra de forma bern clara
que a morte e 0 fim de tudo; trata-se de ~ma exp~ssao epica
(cf. Iliada, Ill, 309). Os nerois tambem sao mortais, apesar de
imortalizados pela gloria. , .'.
No v. 171 a expressao En makdron Nesoisi, llha dos
Bem-Aventurados, trata de uma morada tradicional de alguns
herois onde viviam em condicoes semelhantes a s da idade deouro. Esta morada, por ser tao privilegiada, ficava nos con-
fins da terra; esse nome aparece aqui pela prime i ra vez; em
Homero 0nome desse lugar e "Campos Eliseos".
Os herois se distinguem dos homens das outras ~«~sobretudo porque apos a morte eles co~servam su~ condicao
de herois e alcancam uma quase imortalidade, que e a preser-
vacao de seus nomes e suas glorias, atraves dos tempos, pelos
cantos dos poetas.
14 Vernant, J.P., Milo epensamento entre os gregos, p. 26. 15 Burkert, W., Greek religion, p. 203.
16 West , M. L., op.cit.,p. 191.
8687
A ultima raca, vv. 174 a 201, e a raca do presente, a Como vimos, 0mito das cinco racas arremata 0ensi-
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raca dos homens de ferro. Hesfodo, ja no primeiro verso, diz
que gostaria de ter nascido depois ou ter morrido antes dessa
quinta raca, tao terrfvel ela e. Uma flutuacao entre verbos no
presente e no futuro se da ate 0 v. 179, para em seguida apa-
recerem todos no tempo futuro, caracterizando 0 tom profeti-
co do texto.
o tema da quebra dos lacos familiares e dos costumes
que aparece nos vv. 182-86 e tfpico das profecias orientaissobre 0 final dos tempos 17. A imagem das criancas nascendo
com cabecas encanecidas (geinomenoi poliokrotphoi) aponta
para 0 fato de que nascer e morrer estao extremamente pr6-
ximos. Esta raca tera a vida mais breve do que a de todas as
precedentes, e sua decadencia sera total (cf. Platao, Politico,
270 e).
A palavra hybrin, que aparece no final do v. 191, e,
segundo West (op. cit., p. 202), a personificacao do aner
(homem) como a pr6pria encarnacao da Hy'bris, caracteri-
zacao extremamente forte e fulminante para os mortais.
As nocoes de Aidos (Respeito) e Nemesis (Retri-
buicao) 18 sao indiscutivelmente muito diffceis de terem cor-respondentes exatos nas lfnguas modemas; sao elas as tiltimas
divindades que coabitavam com os homens e, diante da si-
tuacao de rufna total, ambas vao fazer companhia aos outros
imortais, abandonando os mortais a sua pr6pria sorte. Aidos
se refere a urn sentimento que se tern de uma justa apreciacao
de seus pr6prios privilegios e de pudor para com os direitos
alheios. Nemesis, ligada ao verbo nemein (distribuir), tern 0
sentido aproximado de "Justica distributiva". Solmsem (apud
C6rdova, op. cit.) aponta que no perfodo arcaico aidos e urn
freio muito poderoso para a inclinacao humana a realizar in-
justicas, 0 desdobramento da figura de Aidos e absoluto e an-
titetico e aparece na Teogonia, v. 223, como uma das filhasda Noite e aqui surge em sua imagem luminosa.
A admoestacao final e lfmpida e apocalfptica: kakoii
d'ouk Essetai alke, "contra 0mal forca nao havera".
namento dado por Hesfodo no mito de Prometeu e Pandora,
pois agora, junto a necessidade do trabalho, temos a necessi-
dade da Justica de Zeus.
Para finalizar, gostaria de atentar para a atualidade do
poema, pois, apesar das peculiaridades pr6prias de seu tempo,
seus temas centrais - a origem do homem, a origem dos ma-
les a necessidade do trabalho e da justica - sao objeto da
curiosidade e da reflexao mesmo do homem de hoje, que ain-da se espanta diante deste texto tao rico escrito ha vinte e sete
seculos,
Pela prime ira vez na literatura ocidental urn poeta se
ocupa poeticamente em estabelecer, pela verdade do mito, os
fundamentos da condicao hurnana. Isso e feito dentro do rigor
de uma 16gica pr6pria do texto, em que, com a palavra con-
cedida pelas Musas, ele explica como a condicao humana e
fruto de uma complexa rede de ambigiiidades, que acaba por
toma-la fundamentalmente ambfgua.
17 Idem. ibidem. p . CCXCVI, das not as .
18 Elenco a seguir algumas traducoes deste par de nocoes:"Consciencia e Vergonha" (Mazon), "Vergonha e Desdern (Arrighet ti ),
"Consciencia e Eqi iidade" (Arnzalak), "Honra e Equidade" (Dall inges) ,"Pudor e Respei to" (Co lonna) et c.
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A GUISA DE CONCLUsAo
Os fios tramados no urdume do texto hesi6dico produ-
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zem, de acordo com os caminhos escolhidos, tecidos que po-
dem - ou nao - ser desfeitos e refeitos de outros muitos mo-
dos. A tecelagem, atividade exclusivamente feminina entre os
gregos antigos, e aqui imitada em seus procedimentos para
executarmos urn pano original, no que pode haver de original
na combinacao dos mesmos fios ja imimeras vezes tramados.
Os tres relatos miticos comentados tern em comum
o fato de apontar sempre em direcao ao rmiltiplo, ao comple-
xo, ao ambfguo, quer quanta as nocoes que apresentam, quer
quanta as caracterfsticas dos personagens e dos aconteci-
mentos.
Assim, ja no primeiro mito, 0 poeta diz que nao ha
apenas uma "Luta"; a que descende de Nyx na Teogonia, mas
sobre a terra existem duas; uma boa, que, pela emulacao, visa
construir, e a outra r n a , que, pela contenda, leva a destruicao;ao final do relato, lembremos, so se fala em uma Eris, na qual
se confundem as duas caracterfsticas.
o mito das cinco racas, como ja vimos, se organiza
sobre a polaridade Hybris/Dike; nas primeiras quatro racas ha
uma alternancia de supremacias de uma ou de outra, e na ul-tima, na qual 0 poeta diz estar, existem concomitantemente
"Excesso" e "Justica" e a diffcil contingencia de ter de se
escolher entre urn e outro.
Sem diivida, 0 mito mais claro e mais rico nesta pers-
pectiva de leitura e 0 de Prometeu e Pandora, fortemente
marcado pelas ambigiiidades, como ja observei. Exemplifi-
cando, posso lembrar que a asnicia previdente de Prometeu
tern seu contraponto no desacerto de Epimeteu. Prometeu tern
a mitis, mas Zeus tern, alem da mitis, 0noos. A figura de
Pandora e fabricada a partir da mistura do elemento terra ao
elemento agua; ela e , ao mesmo tempo, 0 bela e 0 mal; e fon-
te de prazer, mas de dor e fadiga; produz vida e traz a morteao instituir 0novo ciclo do nascer-perecer; ela e c6pia, mas etambern original ao inaugurar a raca das mulheres; ela tern a
fala (phone), que possibilita a comunicacao propria dos ho-
mens e que, ao mesmo tempo, e 0 elemento que pode enga-
nar, persuadir, atormentar, dissimular e dominar. Pandora traz
o jarro que aparentemente e 0pithos que guarda os graos da
ultima colheita, mas que, em realidade, esta cheio de males,
aflicoes, fadigas e doencas, que nao alimentam mas destroem
os homens; dentro do jarro fica presa a Elpis, a uma so vez
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expectacao do born e do mal e que, no espaco da interiorida- BIBLIOGRAFIA
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de, tern voz e dialoga com 0homem, incitando-o a agir ou a
pacientar. Pandora e 0desejavel, amoravel e invencfvel ardilpara os homens, seu prejufzo maravilhoso.
Ora, a ambiguidade que empurra igualmente para urn
lado e para 0outro dilui a identidade e em seu lugar fica a
diversidade, a incerta complexidade. Nos Erga nao se define
a identidade humana, mas se apresenta a condicao humana,
diferente da divina e da animal. Assim, posso afirmar que aidentidade do homem, a sua natureza, reside justamente na
complexidade e na tensao permanente entre poles e direcoes
opostas.
Em minha leitura do poema, Hesfodo esta estabelecen-
do os fundamentos da condicao humana neste labirfntico teci-
do que se trama sob 0signo da ambigiiidade. A origem, a na-
tureza e os lotes dos homens ficam aqui institufdos da mesma
forma que na Teogonia se fez com a raca dos deuses.
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