Hesíodo - Os Trabalhos e Os Dias

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Tradução de Alessandro Rolim de Moura

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  • OS TRABALHOS E OS DIAS

  • Dados internacionais de catalogao na publicao Bibliotecria responsvel: MARA REJANE VICENTE TEIXEIRA

    Hesodo. Os trabalhos e os dias / Hesodo ; edio, traduo, introduo e notas : Alessandro Rolim de Moura. - Curitiba, PR : Segesta, 2012. 152 p. ; 21 cm. - ( Razes do pensamento econmico ; 2) Texto em grego com traduo paralela em portugus.,QFOXLELEOLRJUDD 1. Economia Obras anteriores a 1800. I. Moura, Alessandro Rolim de. II. Ttulo. III. Srie.

    CDD (22 ed.) 330

    ISBN 978-85-89075-13-8

  • Hesodo

    Os trabalhose os dias

    Curitiba2012

    Edio, traduo, introduo e notas deALESSANDRO ROLIM DE MOURA

  • Rua Desembargador Westphalen, 15, Conj. 1705Curitiba / PR80010-903Tel.: (41) 3233 8783www.segestaeditora.com.bre-mail: [email protected]

    Ttulo original: ($.$,+0($,

    Hesodo

    Ttulo traduzido: Os trabalhos e os dias

    Alessandro Rolim de Moura

    Capa e ilustraes (pastel seco e nanquim): Daniela Vicentini

    Capa: Ilustrao a partir de cermica grega ateniense, assinada por Nikosthenes, 550-500 a.C., Berlim, Antikensammlung, Schloss Charlottenburg, F1806.

    Pgina 57: Ilustrao a partir de cermica grega ateniense, atribuda ao pintor de Antimenes, 550-500 a.C., Museu Britnico, Londres, 1837.6-9.42.

    Finalizao: Bibiana Hoffmann de Sousa

    Editorao eletrnica: Gisele Maria Skroch

    Reviso do texto em portugus: Silvana Seffrin

    Reviso do texto em grego: Pedro Ipiranga Jr.

  • 7AGRADECIMENTOS

    Muitos colegas e amigos me ajudaram neste projeto. Agradeo especialmente a Sandra Rocha e Sandra Bianchet,

    TXHPH HQYLDUDPPDWHULDO ELEOLRJUiFRD5RRVHYHOW GH$UD~MRRocha Jr., que leu e fez anotaes a um dos primeiros esboos da WUDGXomR D&KULVWRV 6LPHOLGLV TXH GLVFXWLX FRPLJR SDVVDJHQVHVSHFtFDVGRWH[WRJUHJRHTXHVW}HVGHHGLWRUDomRDR'U0DUWLQ/:HVWTXHYLXRWUDEDOKRHPVXDIDVHQDOHPHHQYLRXLPSRU-tantes sugestes sobre as siglas e o aparato crtico, alm de ter me chamado a ateno para o tratamento problemtico que eu vinha GDQGRDXPDTXHVWmRJUDPDWLFDOD3HGUR,SLUDQJD-UTXHUHYL-VRXPLQXFLRVDPHQWHRWH[WRJUHJRHDLQWURGXomRHPHVDOYRXGHGLYHUVRVHTXtYRFRVQDOPHQWHDWRGDDHTXLSHGD(GLWRUD6HJHVWDSHODFRQDQoDHSDFLrQFLDEHPFRPRSRUVXFHVVLYDVOHLWXUDVTXHsempre vinham acompanhadas de sugestes. Quaisquer erros que tenham permanecido sero de minha inteira responsabilidade.

    (VWHOLYURpGHGLFDGRjPHPyULDGH0DU]LD7HUHQ]L9LFHQWLQL

    A. R. M.

  • 9SUMRIO

    INTRODUO................................................................ 11,3URSRVWDGHVWHOLYUR 11,,4XHP+HVRGR" 17,,,2WH[WRGRV(UJD 36,V6LJODVGRVWHVWHPXQhRVFLWDGRVQRDSDUDWRFUWLFRHRXWUDVFRQYHQHVXWLOL]DGDV 429%LEOLRJUDD 48

    ($.$,+0($,.......................................................... 60

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS ............................................. 61

    APNDICE........................................................................... 145

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    INTRODUO

    I PROPOSTA DESTE LIVRO

    Esta edio tem como objetivo servir, a um s tempo, a pblicos diversos. Como o plano de fazer uma nova traduo de Os trabalhos e os dias ((UJDNDLKHPHUDL)1 de Hesodo surgiu no contexto da coleo Razes do Pensamento Econmico, um primeiro horizonte de leitores o dos economistas e demais pessoas interessadas na histria das ideias econmicas. Para estes, fazia-se necessrio um texto portugus completo, numa linguagem que, antes de procurar reproduzir os efeitos poticos do original, deixasse to clara quanto possvel a viso de mundo de Hesodo naquilo que ela tem de relevante para a rea da economia, VHPFULDUGLFXOGDGHVH[FHVVLYDVSDUDXPS~EOLFRTXHQmRHVWinecessariamente habituado leitura da poesia antiga. Da uma das razes de termos optado por uma traduo que se aproxima da prosa contempornea, sem as restries que a escolha de um PHWURHVSHFtFRDFDEDULDSRU LPSRU3RURXWUR ODGR WUDGX]LUDpoesia de Hesodo sem atentar em nada para a arte dos versos gregos e para as obscuridades do autor seria impossvel, e todo o tempo acompanhou-nos a preocupao de evitar formulaes que

    1 Em latim, Opera et dies, abreviado Op.

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    INTRODUO

    banalizassem o original. Os (UJDnunca foram simplesmente um texto tcnico de agricultura ou um manual de economia. A obra FRQVWLWXLXPGHVDRSDUDRVLQWpUSUHWHVHXPDFRQVWDQWHIRQWHGHsurpresas com seu amlgama de crtica social, sabedoria milenar, narrativa mtica, discurso indignado, religiosidade e observao do cotidiano e da natureza, amlgama este vazado num estilo s vezes enigmtico e profundamente marcado pela tradio da poesia oral da Grcia arcaica. Assim, se muitas vezes nosso texto em portugus soar antiquado e misterioso, ou distante da linguagem de hoje, isso corresponde a um respeito mnimo pela lngua hesidica. Se, alm disso, conseguirmos oferecer aos leitores uma traduo que lhes parea escrita numa prosa razovel, ainda que muita vez spera, teremos prestado uma pequena homenagem difcil beleza do poema grego.

    Igualmente no sentido de facilitar a consulta da traduo, acrescentamos alguns subttulos em itlico separando o poema em sees. Que isso no gere, todavia, a impresso de que o texto de Hesodo progride segundo um plano absolutamente lgico. Muitas vezes alguns temas se repetem em partes diferentes, digresses inesperadas interrompem o argumento e conceitos sem relao aparente entre si se justapem em conexes desconcertantes. Isso tudo provavelmente o resultado de uma obra composta, ao menos em parte, segundo princpios de improvisao tpicos da poesia oral, que nem sempre obedecem ordem de uma exposio me-tdica. Analogias sugeridas pela dimenso imagtica ou emotiva de uma determinada passagem vo frequentemente se sobrepor s exigncias do didatismo.2

    2 2HORTXHFRQHFWD+HVRGRDXPDSRHVLDGHWUDGLRRUDOEHPGHPRQVWUDGRSRU (GZDUGV YHU WDPEP 3DYHVH H9HQWL 3RVVYHLV

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    O segundo grupo de leitores que temos em mente bastante diferente do primeiro. Pensamos que a edio poderia ser til tambem aos estudantes de grego. Para tanto, resolvemos fornecer tambm o texto original. Nossa traduo tende ao literal e procura seguir de perto a ordem do grego, de modo que cada linha em portugus corresponde quase exatamente aos contedos do verso grego de mesmo nmero. Portanto, mais do que se arrogar o sta-tus de obra literria per se, a traduo visa tambm ajudar a ler o original. Dessa forma, aqueles que tm uma instruo mnima na lngua grega, podero perceber no grego o trabalho artstico de Hesodo. Com esses dois grupos de leitores em mente concebemos tambm a introduo, que no se pretende um estudo da obra de Hesodo, mas uma apresentao para um pblico menos especia-OL]DGRDRTXDOVHRIHUHFHPWDPEpPLQGLFDo}HVELEOLRJUiFDVSDUDquem desejar um maior aprofundamento.

    7DPEpPFRPRPGHSUHVWDUXPVHUYLoRDRVHVWXGDQWHVGHLetras Clssicas, fornecemos um aparato crtico resumido, que apresenta aquelas variantes da tradio manuscrita que julgamos PDLVSHUWLQHQWHVEHPFRPRDOJXPDVLQWHUYHQo}HVGHOyORJRVDQWH-riores. Nenhuma obra antiga est desprovida de problemas textuais (exemplo famoso o da prpria Bblia, cujo texto constitudo diferentemente por diferentes editores a partir de milhares de ma-nuscritos, dos quais no temos nem sequer dois que coincidem em tudo). Acreditamos que imprimir um texto grego ou latino sem dar indicaes bsicas sobre isso privar o pblico leitor de informaes de suma importncia, e pode gerar a falsa impresso de que existe um texto nico de Hesodo, Sfocles ou Ccero. Para voltarmos ao

    FRQVHTXQFLDV GLVVR SDUD D FRPSRVLR GHOs trabalhos e os dias VRGLVFXWLGDVSRU:HVWS

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    INTRODUO

    caso presente, os mais de 260 manuscritos de Os trabalhos e os dias apresentam inmeras diferenas entre si. Traduzir o poema necessariamente traduzir uma dessas verses, ou uma nova verso que incorpore aspectos diversos dos diferentes testemunhos que conservam a obra. Da a necessidade de mostrar, de forma expl-cita e sinttica, quais so as variantes, ao menos as mais decisivas. Estas s vezes correspondem ausncia de um determinado verso na maior parte dos testemunhos, ordenao distinta dos versos em diferentes manuscritos, troca de uma palavra por outra, a diferenas QRVWHPSRVYHUEDLVHWF6HHVFROKHPRVXPDYDULDQWHHVSHFtFDSDUDVHUYLUGHEDVHjWUDGXomRRWUDEDOKRFDPDLVFRPSOHWRVHGDPRVao leitor condies de perceber que o texto grego daquela passagem no o nico possvel e de julgar por si mesmo qual variante a mais satisfatria.

    3DUDHVVHPQmRpHVWULWDPHQWHQHFHVViULRFRQVXOWDUWRGRVos manuscritos existentes. Esse trabalho j foi feito, em grande SDUWHSRUOyORJRVH[WUHPDPHQWHFRPSHWHQWHVHGHGLFDGRVTXHcolacionaram dezenas de cdices medievais, papiros, citaes de outros autores gregos, e o resultado dessa investigao est disponvel nas grandes edies crticas (e.g. Rzach, Wilamowitz, West, Solmsen). Embora muitos cdices, principalmente os mais recentes, ainda no tenham sido analisados a fundo, certamente DTXHOHVPDLVDQWLJRVHTXHVHS{GHDWpRPRPHQWRLGHQWLFDUFRPRos principais foram objeto de colaes relativamente exaustivas. 1RVVRWUDEDOKRDHVWDDOWXUDGDKLVWyULDGDORORJLDQDVQRVVDVFRQGLo}HV GH SHVTXLVD H QXPD HGLomR FRPQV GLGiWLFRV H GHdivulgao, simplesmente apresentar, num livro brasileiro de fcil acesso, os elementos principais dessa tradio textual. Teremos tambm a oportunidade de levar em conta as lies de

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    papiros trazidos luz aps as edies de West e Solmsen (como o P. Schyen MS 5068, provavelmente o mais antigo papiro hesidico j descoberto): destes, que colacionamos por meio de IRWRJUDDV QRVVR DSDUDWR FUtWLFR UHSRUWD WRGDV DV YDULDQWHV de importncia que possvel ler com certeza. Desejamos que esse DSDUDWRFUtWLFRFRPSOHPHQWDGRSHODVQRWDVOROyJLFDVHPSRUWXJXrVque acompanham a traduo e por algumas informaes que forneceremos no material introdutrio e no apndice, possa ajudar a familiarizar os estudantes com a linguagem da crtica textual e incentivar a produo de edies dos clssicos cada vez mais FRPSOHWDVGRSRQWRGHYLVWDOROyJLFR0HVPRRS~EOLFR OHLJRYDLVHEHQHFLDUGHHGLo}HVFRPWDOSUHRFXSDomRSRLVWHUiDRVHXGLVSRUWH[WRVPDLVFRQiYHLVHTXHUHWUDWDPPDLVFRUUHWDPHQWHDVtransformaes histricas pelas quais esses textos passaram. Embora nosso trabalho no seja propriamente uma edio crtica, mas apenas uma edio bilngue com notas crticas mnimas, acreditamos que se pode aguar a conscincia dos estudiosos brasileiros para essas questes, e que perfeitamente possvel, mesmo com as limitaes de nossas bibliotecas, realizar trabalhos mais conscientes dos problemas de estabelecimento de texto presentes na literatura clssica. O ambiente universitrio atual, ademais, permite mais viagens a grandes centros, e as novas tecnologias do a pblico cada vez mais imagens digitalizadas de manuscritos. Esse contexto ID]SHQVDUTXHPHVPRDFXUWRSUD]ROyORJRVEUDVLOHLURVSRGHUmRrealizar projetos mais ambiciosos nesse campo.

    Quando comeamos a caminhar com base nesses princpios, o contato com detalhes do texto e com as diferentes interpretaes provenientes das variantes textuais torna a traduo de cada pas-sagem um dilema ainda maior do que faria supor a ateno s j

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    INTRODUO

    complexas virtualidades artsticas e semnticas de uma frase grega num livro didtico de lngua ou numa edio que ignorasse de todo os problemas textuais. Por mais modestos que sejam nossos objetivos, inevitvel, vez por outra, que uma certa liberdade de SHQVDPHQWRQRVOHYHDGLVFRUGDUGDVSURSRVWDVGHOyORJRVDQWH-riores. Da o fato de esta edio fornecer um texto grego que no exatamente igual a nenhuma edio anterior, e de nosso aparato crtico ser redigido tambm de acordo com determinadas escolhas individuais. Teria sido com certeza mais fcil utilizar o fac-smile de uma edio autorizada. Mas ler os aparatos crticos das edies anteriores nos torna mais crticos. Seria despropositado, claro, PRGLFDURWH[WRGHDFRUGRFRPDPHUDSUHWHQVmRGHVHUXPHGLWRUoriginal. Como a edio de West sem dvida a mais completa que j foi feita e o seu conhecimento da lngua grega e da sua poesia a um s tempo muito vasto e preciso, evitamos (com exceo de pouqussimos casos) discordar dele em questes menores, como a pontuao e a acentuao, e todas as diferenas entre este texto JUHJRHRGH:HVWVmROLVWDGDVQRDSrQGLFHDRQDOGRYROXPHPara o estudante mdio de nossas universidades, edies crticas to pormenorizadas como a de West podero talvez intimidar uma leitura mais profunda, e o aparato ao p da pgina parecer por vezes indecifrvel. Nosso aparato mais simples, a comear, por levar em conta um menor nmero de testemunhos (unicamente aqueles que consideramos imprescindveis), e tambm por usar uma linguagem menos abreviada. Est, todavia, ainda redigido em latim, conforme a melhor tradio. Apenas se acostumando com o aparato em latim o estudante vai se tornar capaz de lidar com as edies mais completas, pois quase todas adotam esse princpio. eXPDGLFXOGDGHGDOLQJXDJHPGHVVHFDPSRGHHVWXGRVDTXDO

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    tem suas razes prticas e histricas. No recomendvel proteger QRVVRVHVWXGDQWHVGHVVHSHUFDOoR3RURXWURODGRRVOyORJRVGHvocao aos poucos aprendero o prazer de interpretar e manusear a lngua do seu campo do saber.

    Passemos agora a uma apresentao do autor e da obra, bem como a uma explicao concisa da histria do texto de Hesodo, seguida de uma lista didtica das siglas e abreviaturas usadas no aparato crtico e dos sinais crticos utilizados nesta edio.

    II QUEM HESODO?

    Diferentemente do que ocorre com Homero, Hesodo ainda pWUDWDGRSHORVHVWXGLRVRVFRQWHPSRUkQHRVFRPRJXUDKLVWyULFDde existncia quase indubitvel, algum de carne e osso, passvel LQFOXVLYHGHXPDDERUGDJHPELRJUiFD(VVDDWLWXGHGDFUtWLFDpestimulada pelo prprio texto hesidico, que, em diversas oportuni-dades da 7HRJRQLD e de Os trabalhos e os dias, apresenta uma voz autoral que fala de si mesma explicitamente. Isto , embora Homero contenha passagens em que o ofcio do aedo descrito, em pratica-mente nenhuma delas vemos o poeta da ,OtDGD e da Odisseia (se que se trata de apenas um poeta) emergir com clareza e falar de si mesmo utilizando a primeira pessoa. Em Hesodo, no s vemos FODUDPHQWH DUPDGRRFDUiWHUSRpWLFRGR WH[WRTXHHVWi VHQGRenunciado, mas tambm o sujeito por trs desse texto coloca-se RUJXOKRVDPHQWHFRPRXPSURVVLRQDOQHVVDDUWH3 No texto hom-rico, a referncia ao eu narrativo-potico ocorre, quando menos indiretamente, nas invocaes e em certos trechos em que a voz que

    3 +DYHORFN>@S

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    INTRODUO

    narra compara os heris da epopeia aos homens de hoje.4 Essas referncias, ainda que nos faam entrever mais concretamente um poeta que um dia comps aqueles versos, so muito fugidias se comparadas ao que vemos em Hesodo, o primeiro poeta ocidental a falar em seu prprio nome e dar indicaes mais precisas sobre sua vida pessoal.5 Na 7HRJRQLD22-33, o poeta nos conta como um dia, quando apascentava suas ovelhas no monte Hlicon, as Musas dirigiram-se a ele e o tornaram poeta. J nos 7UDEDOKRV, versos 27-41, Hesodo comenta os desentendimentos sobre a partilha da herana paterna que ele tem com seu irmo Perses. Mais adiante, em 633-640, lemos que o pai do autor costumava apelar a viagens martimas para escapar pobreza. Foi fugindo desta ltima que ele abandonou Cime, na sia Menor, e se estabeleceu em Ascra, perto do Hlicon. Alguns versos depois (646-662), continuando o tema da navegao, Hesodo comenta que ele prprio nunca se aventurou no mar, exceto quando uma vez foi a Eubeia participar GRVMRJRVHPKRQUDGH$QGDPDQWHQRVTXDLVREWHYHXPDYLWyULDcom um hino. Essa foi a sua nica experincia com barcos, mas mesmo assim, diz ele, tratar desse assunto, pois as Musas, que o introduziram no caminho da poesia, ensinaram-no a cantar um canto extraordinrio.

    4 1RWHVHQRHQWDQWRTXHDYLVRGHXPQDUUDGRUKRPULFRDEVROXWDPHQWHREMHWLYRWHPFDGDYH]PHQRVFUHGLELOLGDGHQDFUWLFDSULQFLSDOPHQWHDSDUWLUGDDSOLFDRPDLVVLVWHPWLFDGDQDUUDWRORJLDDQOLVHGRVSRHPDVYHUHJGH-RQJHS

    5 %DUURQH(DVWHUOLQJSSHOD7HRJRQLDTXHFDPRVFRQKHFHQGRRQRPH+HVRGRSDUDFXMDGLVFXWLGDHWLPRORJLDSRVVLYHOPHQWHDTXHOHTXHWHPSUD]HUFRPRFDPLQKRRXDTXHOHTXHHPLWHFDQWRRXDLQGDDTXHOHTXHSHUFRUUHDYLDGRFDQWRYHU0RVWS[LY[YLH(UFRODQLSQ

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    Poderamos talvez ver nessa diferena entre a postura ho-PpULFDHHVVDJXLQDGDDXWRELRJUiFDGH+HVtRGRRVLQDOGHXPDevoluo, da passagem de um estgio em que o poeta se v como um discreto intermedirio das Musas para uma potica em que o artista est mais consciente de seus meios e apresenta uma indi-vidualidade mais delimitada.6 Mas nada impede que as diferenas apontadas acima sejam imputveis tambm distino entre os gneros literrios envolvidos. Se pensamos na literatura sapien-cial antiga tal como caracterizada por West, veremos que nela comum que os ensinamentos sejam proferidos pela voz de uma JXUDTXHVHDSUHVHQWDFRPRSHVVRDH[SHULHQWHFXMDH[LVWrQFLDH[SOLFDMXVWLFDHGiDXWRULGDGHDVXDRSomRSHORGLVFXUVRGLGi-tico. A vinculao de Hesodo a esse tipo de literatura tambm YHULFiYHOSRURXWUDVUD]}HVFRPRRHPSUHJRGDIiEXODRTXHnos leva a crer que muito mais a forma literria posta em ao que faz a personalidade do poeta vir tona.7

    6 $VVLPDSUHVHQWDPRSUREOHPDSRUH[HPSORGH5RPLOO\S.UDXV]S1RWHVHDYLVRGRGHVHQYROYLPHQWRKLVWULFRGRVJQHURVOLWHUULRVJUHJRVHP6QHOO>@S

    7 9HU:HVWS1DJ\SPXLWRGHEDWLGDDOLJDRGH+HVRGRFRPDOLWHUDWXUDGHRXWURVSRYRVGD$QWLJXLGDGHSULQFLSDOPHQWHHPIXQRGRVPDUFDQWHVSDUDOHORVHQWUHGHXPODGRD7HRJRQLDHOs trabalhos e os diasHGHRXWURFHUWRVWH[WRVGR2ULHQWHSU[LPRYHUSRUH[HPSORDVHPHOKDQDHQWUHRPLWRGDVUDDVHP+HVRGRHDVTXDWURHUDVDVVRFLDGDVDTXDWURGLIHUHQWHVPHWDLVHPDQWLJRVHVFULWRVSHUVDVFRPRUHODWD:HVWSFI%DUURQH(DVWHUOLQJS6HPGHVFDUWDUDSRVVLELOLGDGHGHTXHFHUWDVKLVWULDVHIRUPDVOLWHUULDVFLUFXODVVHPHQWUHSRYRVGHGLIHUHQWHVOQJXDVQDSRFDGH+HVRGRRXWLYHVVHPVLGRWUDQVPLWLGDV*UFLDDQWHVGDSRFDGHVWHHFRQVHUYDGDVQDWUDGLRGRVDHGRVKTXHVHREVHUYDUWDPEPTXHPXLWRVDVSHFWRVGDOLWHUDWXUDVDSLHQFLDOTXHVHUHSHWHPHPREUDVGHSRFDVHSRYRVGLIHUHQWHVSRGHPWHUVHGHVHQYROYLGRLQGHSHQGHQWHPHQWHGDGDVFHUWDVWHQGQFLDVHVXJHVWHVFULDGDVSHORSUSULRWHPDHSHORUHFRUWHGDUHDOLGDGHTXHHVWHLPSH3RU

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    INTRODUO

    O quanto da personalidade e dos acontecimentos expostos nos poemas baseia-se na prpria vida do poeta incerto. A tentativa de UHFRQVWUXLUDELRJUDDGRDXWRUFRPEDVHQRTXHHOHGL]GHVLPHVPRnos poemas8HVEDUUDHPEDVLFDPHQWHGXDVGLFXOGDGHVHPSULPHLUROXJDURGLVFXUVRDXWRELRJUiFRGH+HVtRGRQmRpVXFLHQWHPHQWHclaro e livre de contradies; alm disso, no sabemos o que ali no IUXWRGHXPDHODERUDomRSRpWLFRFFLRQDOTXHREHGHFHjVH[LJrQFLDVFULDWLYDVGRJrQHUROLWHUiULRHGHFDGDREUDHVSHFtFD1HJDUWRWDOPHQWHporm, a veracidade do que os poemas expem sobre a vida de seu autor, com base na ideia de que temos ali pura e simplesmente uma construo literria, no se oferece como uma postura equilibrada.9 Por PDLVTXH+HVtRGRWHQKDRSWDGRSRUDSUHVHQWDUXPDJXUDFFLRQDOcomo porta-voz de seus versos, a imagem da existncia humana que o leitor encontra ali deve ter se inspirado na observao de uma vida real ou de vidas reais. Sua imagem do mundo campons, se fosse

    RXWUR ODGRDSHVDUGHRV7UDEDOKRV VHUHPXPREUDSUDWLFDPHQWHQLFDQDOLWHUDWXUDJUHJDRSRHPDWHPXPDHVWUHLWDOLJDRFRPJQHURVIRUWHPHQWHHVWDEHOHFLGRVHPVRORKHOQLFRTXHVHPDQLIHVWDPQDPHVPDSRFDRXXPSRXFRGHSRLVQRPHDGDPHQWHReposKRPULFRWDQWRD,OtDGDHDOdisseiaTXDQWRRVKLQRVHDHOHJLDPRUDOL]DQWHGHXP7HJQLV(SRUPDLVTXHHQFRQWUHPRVVHPHOKDQDVHQWUH+HVRGRHDOLWHUDWXUDGHRXWURVSRYRVTXHUDOLWHUDWXUDVDSLHQFLDOTXHUDGHRXWURVJQHURVQRKTXHVHSHUGHUGHYLVWDDHVSHFLFLGDGHGDFULDRGRSRHWDJUHJRQRWHVHTXHQHQKXPPLWRRULHQWDOVREUHDVXFHVVRGHJHUDHVRXUHLQRVH[DWDPHQWHLJXDODRGH+HVRGR9HUWDPEP'HWLHQQHS:DOFRWD-LPQH]H'H]S%XUNHUW/HVN\>@S3HUHLUDS:HVWS5XWKHUIRUG

    8 3DUDDLQWHUSUHWDRGRV(UJDFRPRXPSRHPDGHRFDVLRTXHUHHWHXPDGLVSXWD MXGLFLDOYHUGDGHLUDRFRUULGDHQWUH+HVRGRHVHX LUPR3HUVHVYHUDFUWLFDGH-DHJHU>@S3DUD6QHOO>@SRVYHUVRVGH+HVRGRVRXPDDUPDQXPDFRQWHQGDMXGLFLULD&I:DOFRWDS

    9 (VVDYLVRMVHHQFRQWUDGLVFUHWDPHQWHHP0XUUD\>@SHOHYDGDDRH[WUHPRFRPUHIHUQFLDDRV(UJDSRU1LVEHW

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    totalmente sem relao com o que se via na Grcia arcaica, no teria nenhuma verossimilhana. Que esse fundo emprico da percepo de Hesodo se fundamente ao menos em parte na viso que ele tinha de sua prpria existncia, no h razo bastante para duvidar. Da que a pergunta sobre o estatuto verdico ou no desse eu hesidico no propriamente a questo mais interessante. Tem maior relevncia a constatao de que o poeta se preocupa HPDSUHVHQWDUXPDLQGLYLGXDOLGDGHDVVLPGHQLGDHDLQYHVWLJDomRde como essa vida imaginada e representada poeticamente.

    Stoddard faz uma reviso da fortuna crtica de Hesodo, RSRQGRDVOHLWXUDVELRJUDVWDVjTXHODVSUHRFXSDGDVFRPRVSRH-mas enquanto construes literrias, e separa de modo excessiva-mente simplista aqueles que encontram um fundo verdico nesse HOHPHQWRELRJUiFRHVHJXQGRDDXWRUDYHHP+HVtRGRFRPRXPSDVWRUUXGHFXMDSRHVLDVHPVRVWLFDomRWUDGX]HVVDRULJHPKXPLO-de, daqueles que acreditam que a ideia de um Hesodo campons pDSHQDVXPDFomRSRpWLFDHWHQWDPLQWHUSUHWiODHPIXQomRGRtexto em si.100DVDSUHVHQoDGHXPDEDVHDXWRELRJUiFDSRGHconviver perfeitamente com a escolha de uma forma literria TXHLQGLTXHDRSRHWDXPDPDQHLUDHVSHFtFDGHWUDEDOKDUFRPsuas experincias pessoais. A histria da literatura est repleta de exemplos de escritores cuja vida conhecemos e que tematizaram VXDWUDMHWyULDH[LVWHQFLDOVHPGHL[DUGHREVHUYiODHOWUiODGDSHUVSHFWLYDGHXPDFULDomRDUWtVWLFDTXHWHPOHLVHVSHFtFDV2IDWRde no conhecermos documentos sobre a vida do autor no nos GHYHREULJDUDSDUWLUGRSUHVVXSRVWRGHTXHpFFLRQDODEVROXWD-mente tudo o que ele diz sobre seu eu. Pelo contrrio, o nus da

    10 6WRGGDUGSHVS

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    INTRODUO

    SURYDUHFDLVREUHDTXHOHVTXHQHJDPDYHUDFLGDGHGDVDUPDo}HVdo poeta. De fato, a anlise de Stoddard se enraza em diversas concepes problemticas. Uma delas a categoria de um texto em si desvinculado da realidade, como se a nossa capacidade de WRUQDUVLJQLFDWLYRXPWH[WRIRVVHLQGHSHQGHQWHGHFRQKHFLPHQWRVsobre coisas exteriores ao texto (mesmo as interpretaes mais UDGLFDOPHQWHDQWLELRJUDVWDVFLWDGDVSHODDXWRUDVHIXQGDPHQWDPnum entendimento da cultura grega que obtido fora do texto). Outro pressuposto questionvel, que Stoddard compartilha com SDUWHGDFUtWLFDELRJUDVWDHDLPSHGHGHYLVOXPEUDUXPDSRVWXUDPDLVH[tYHOpDTXHOHTXHYLQFXODDSRHVLDGHDOJXpPOLJDGRDXPDPELHQWHUXUDOHVHPLOHWUDGRDXPDLPDJHPGHIDOWDGHUHQD-mento e tcnica literria, como se um poeta enraizado em tradies populares no pudesse ter conscincia de seus meios artsticos e produzir um texto sutil e arquitetonicamente elaborado.

    Tido por alguns como mais antigo que a obra de Homero,11 o corpus hesidico congrega, alm de Os trabalhos e os dias e da 7HRJRQLD,12 outros textos de autoria mais duvidosa. Eles incluem o (VFXGRGH+pUDFOHV (quase com certeza esprio) e o &DWiORJRdas mulheres (mais provavelmente do prprio Hesodo),13 alm de diversas outras obras que s chegaram aos dias de hoje por meio de fragmentos pouco extensos. Entre esses poemas perdidos

    11 3DUDDFRQWURYUVLDDQWLJDVREUHDDQWLJXLGDGHGH+HVRGRHPUHODRD+RPHURYHURVWHVWHPXQKRVFROHWDGRVSRU0RVWSHVS7SDUDDLGHLDGHTXHRVGRLVSRHWDVHUDPFRQWHPSRUQHRVH7SDUDDRSLQLRGHTXH+HVRGRYHLRDQWHV

    12 $DXWHQWLFLGDGHGDSUSULD7HRJRQLDWDPEPMIRLSRVWDHPGYLGDYHU3DXVQLDV

    13 O &DWiORJR considerado obra de Hesodo por Arrighetti, 2008, p. 26 (contra West, 1985, esp. p. 127-128).

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    encontravam-se, por exemplo, os Grandes trabalhos, obra prova-velmente ligada a Os trabalhos e os dias pela temtica.

    Embora Herdoto diga em 2.53.2 que Homero e Hesodo viveram aproximadamente 400 anos antes dele prprio, data que casa com o terminus post quem estabelecido pela coincidncia en-tre os dados astronmicos que se deduzem de Hesodo e a suposta posio dos astros em 850 a.C.,14 a obra hesidica ter sido mais provavelmente composta na segunda metade do sculo VIII antes GDQRVVDHUDTXHPVDEHPDLVSDUDRQDOGHVVHSHUtRGRGRTXHQRseu incio. Isso combina com o que se supe da histria da intro-duo do alfabeto na Grcia.15 Alm disso, a partir de meados do sculo VIII que assistimos ao incio da colonizao helnica da Itlia e da Siclia (processo que condiz com a histria da viagem do pai de Hesodo).16 Ora, o problema da data nos conduz a uma UHH[mRLPSRUWDQWHSDUDDTXHVWmRGDHVSHFLFLGDGHGH+HVtRGRna histria da economia, e por isso devemos nos deter um pouco mais nesse ponto. Alguns autores17 chegam a dar como quase certa a datao do ltimo tero do sculo VIII, com base em achados arqueolgicos que situariam a Guerra Lelantina um pouco antes do ano 700 (nessa data, a plancie Lelantina, que vinha sendo habitada ininterruptamente desde a Era de Bronze, foi destruda e abando-nada). Como Hesodo relata ter vencido um concurso de poesia QXPIHVWLYDOHPKRPHQDJHPD$QGDPDQWHOp. 650-659), um

    14(GZDUGVSQ-LPQH]H'H]S15 1DJ\S+HDOH\S$LQWURGXRGRDOIDEHWRVH

    ULDGRVF,;DVSULPHLUDVLQVFULHVFRQVHUYDGDVGRVF9,,,6HJXQGR6DULDQ/SQDVHJXQGDPHWDGHGHVWHOWLPRTXHVHGDDSURSULDRGDHVFULWDSHODSRHVLD

    16 Ver Walcot, 1966a, p. 108-109.17 %DUURQH(DVWHUOLQJS3HUHLUDSQ

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    INTRODUO

    heri que teria perecido numa batalha naval durante essa guerra, teramos a uma indicao da poca em que o poeta estava ativo.

    Mesmo esses dados, no entanto, so incertos,18 e temerrio construir um panorama detalhado do momento histrico de Heso-do em bases to disputadas. Alm de dados arqueolgicos sempre passveis de interpretaes diferentes, no possumos outras fontes de informao sobre o perodo que no sejam os prprios poe-PDVKRPpULFRVHKHVLyGLFRV$VVLPFRPRHPUHODomRjELRJUDDdo autor, o contexto socioeconmico da obra ser sempre uma reconstruo hipottica.19 Portanto, a realidade econmica que aparece nos 7UDEDOKRV, que certamente desejaramos conhecer com maior preciso, no pode ser relacionada com segurana a nenhum processo poltico ou transformao social claramente documen-tados. Mais do que um testemunho de uma poca que possamos GHVFUHYHUFRPVROLGH]RSRHPD WUD] UHH[}HVGHFDUiWHUJHUDOsobre a vida do pequeno agricultor, relaes sociais e comerciais, a administrao do trabalho agrcola, a maneira como o trabalho VHOLJDDRIXQFLRQDPHQWRGDQDWXUH]DHQWUHRXWURVWHPDVDQVEsses pensamentos, ainda que sem dvida baseados na realidade que Hesodo ter vivido em Ascra em algum momento de sua exis-tncia, tm um interesse que transcende os limites desse passado.

    18 0D]RQSREVHUYDTXHDLGHQWLGDGHGR$QGDPDQWHFLWDGRSRU+HVRGRQRSRGHVHUFRQKHFLGDFRPFHUWH]D3DUD0RVWS[[YQDGDWDDGXUDRHPHVPRDUHDOLGDGHKLVWULFDGD*XHUUD/HODQWLQDVRPDWULDVGLVFXWYHLV9HU-DQNRSTXHWDPEPGLVFXWHDVSRVVYHLVFLWDHVGH+HVRGRHP6HPQLGHVGH$PRUJRVTXHSRGHULDUHSUHVHQWDURterminus ante quem GH+HVRGR-DQNRWHQGHDGDWDU+HVRGRHQWUHRQDOGRVF9,,,HPHDGRVGR9,,&I:DOFRWDS(UFRODQLS

    19 (VVDFDXWHODH[SUHVVDWDPEPSRU7DQG\H1HDOHS

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    Qualquer que fosse a situao exata dos campesinos gregos naquela poca, chama a ateno o simples fato de que os prota-gonistas dos (UJD so homens que precisam do trabalho dirio para viver. Eles vivem da terra (secundariamente, da navegao comercial) e dependem do esforo dos prprios braos para que a terra produza. No podem contar com a ajuda de muitos escra-vos ou serviais (Tandy e Neale estimam que, entre familiares, escravos e trabalhadores assalariados, a propriedade de Hesodo contava com algo entre 7 e 12 pessoas).20 Esse retrato contrasta profundamente com o que vemos nos poemas homricos. L o foco principal da ateno so nobres guerreiros cuja relao com a dureza do trabalho agrcola est muito mediada. Certamente as comparaes picas trazem por vezes cenas de trabalho no campo, mas isso parece ocorrer numa realidade paralela da Guerra de Troia e das aventuras de Ulisses. O pai deste, Laertes, aparece no QDOGDOdisseia curvado sob o peso do trabalho na terra, mas isso serve ao propsito de mostrar justamente o heri degradado, dando a entender que ele foi reduzido a essa atividade por causa GDDXVrQFLDGROKRHGRVGHVPDQGRVGRVSUHWHQGHQWHVGH3HQp-lope. Assim, Jaeger v em Hesodo a expresso da mundividncia de uma classe social diferente daquela cantada em Homero, mas que, tal como aquela, tem seu valor para a constituio da cultura grega como um todo.21 Como coloca Herdoto em 7.102.1, pela voz de Demareto, [o]s gregos tm sido criados na escola da pobreza, e a virtude a ela se

    20 7DQG\H1HDOHS2VPHVPRVDXWRUHVFKHJDPDGHGX]LUGRSRHPDXPDHVWLPDWLYDGDTXDQWLGDGHGHJURVQHFHVVULRVSDUDDOLPHQWDUWRGDVHVVDVSHVVRDVHGDRWDPDQKRGDSURSULHGDGHGH+HVRGRS$FRQFOXVRDTXHFKHJDPGHTXHHODHUDGHSHTXHQDDPGLDPHGLQGRGHDDFUHVDSUR[LPDGDPHQWH

    21 -DHJHU>@SYHUWDPEHP6FKOHUS

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    INTRODUO

    MXQWDOKDGDWHPSHUDQoDHGDVOHLVHVWiYHLVGDQGRQRVDUPDVFRQWUDDpobreza e a tirania.221mRKiHP+HVtRGRFRQWXGRXPDJORULFD-o do trabalho como atividade que seria por si s enobrecedora.23 O trabalho , antes de mais nada, uma necessidade. Os deuses colocaram-no no caminho da prosperidade; ele o resultado da separao entre deuses e homens narrada no mito de Prometeu e Pandora, e por isso se reveste em parte de uma aura de punio. Trabalhar no , contudo, vergonhoso. parte da sabedoria de Hesodo reconhecer que trabalhar preciso e que s trabalhando possvel ter uma boa vida. A possvel alegria do trabalho a da SHUFHSomRGHTXHVHHVWiUHDOL]DQGRFRPHFiFLDDDWLYLGDGHGHque depende a nossa sobrevivncia (ver 476, 481).

    comum encontrar entre os estudiosos a noo de que Hesodo um pessimista.24 Seus conselhos podem dar a entender que convivia com uma impresso de risco iminente, com a amea da fome e das dvidas sempre espreita. quase desnecessrio lembrar que, no mito das raas, Hesodo coloca a sua poca como a pior, representando um imenso declnio em relao aos primeiros tempos da humanidade.25 Podemos relacionar essa leitura com

    22 7UDGGH-%ULWR%URFD+HUyGRWR+LVWyULD5LRGH-DQHLUR:0-DFNVRQFRPDGDSWDHV-DHJHU>@FLWDHVVDPHVPDSDVVDJHPS

    23 &RPRSDUHFHPVXJHULU7UG%RXOPHUH6DGS&I9HUGHQLXVDG

    24 3RUH[HPSOR$XEUHWRQS&OD\S&I+DPLOWRQHJS1DJ\S

    25 9HPRVFRPFHUWDGHVFRQDQDDLGHLDGHTXHSDUD+HVRGRHVVDVUDDVQRFRUUHVSRQGHPSURSULDPHQWHDXPDVXFHVVRFURQROJLFDOLQHDUPDVFFOLFDFRPRFRORFD9HUQDQW>@S2WUHFKRHPTXHRSRHWDGL]TXHJRVWDULDGHWHUPRUULGRDQWHVRXQDVFLGRGHSRLVGDUDDGHIHUUROpQRLQGLFDQHFHVVDULDPHQWHTXHWHUHPRVXPDUHSHWLRGHVVDVPHVPDVIDVHVPDVSRGHVHUVLPSOHVPHQWHXPDH[SUHVVRDOLVPXLWRHFLHQWHGRSRQWRGHYLVWDUHWULFRGHGHVHVSHURFHUWDPHQWHSRVVYHODWULEXLUDRSRHWD

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    alguma hiptese sobre a situao econmica da poca? Segundo Tandy e Neale, pode-se deduzir das tabuinhas em linear B que a sociedade micnica estava organizada segundo um sistema em que as pessoas contribuam com parte de sua produo para um poder central, que em troca proporcionava determinados bens e servios. Esse esquema provavelmente continuou durante a Idade das Trevas (aprox. 1000-800 a.C.), mas numa escala menor, pois nessa poca houve um decrscimo populacional e menos trocas entre as cidades. Com a criao de novas rotas comerciais no sculo VIII, ligando desde o norte da Sria at as colnias gregas do Mediterrneo ocidental, apenas os chefes comunitrios que centralizavam a produo e distribuio dos EHQVRVUHLVGH+HVtRGRWHULDPWLGRFRQGLo}HVGHVHEHQHFLDUdo incremento das trocas. Pequenos proprietrios como Hesodo teriam pouca infraestrutura para atuar bem nesse cenrio ampliado QRWHVHDGHVFRQDQoDFRPTXHRSRHWDWUDWDDQDYHJDomRTXHVHapresenta praticamente como um ltimo recurso para quem no consegue combater a pobreza trabalhando apenas na terra). Ao

    XPDFRQFHSRGDWHPSRUDOLGDGHTXHQRFRLQFLGHFRPXPDYLVRKLVWULFDUDFLRQDOLVWD3DUHFHQRVPHVPRPXLWRFRQYLQFHQWHDH[SRVLRGH7RUUDQRpassimHVSSTXHPRVWUDHPVXDLQWURGXR7HRJRQLDTXHQRSHQVDPHQWRDUFDLFRKHVLGLFRDJHQHDORJLDGRVGHXVHVQRVHGFRPXPHVTXHPDGHDQWHULRULGDGHV HSRVWHULRULGDGHV WHPSRUDLV HPTXHFDGDHVWJLRDQXODHVXEVWLWXLRVDQWHULRUHVHRVUHOHJDDXPSDVVDGRLQDOFDQYHO+HVRGRID]TXHRVVHUHVGLYLQRVDSDUHDPDJLQGRTXDVHVLPXOWDQHDPHQWHFDGDXPHPVXDHVIHUDGHSRGHUDLQGDTXHRUJDQL]DGRVGLVWLQWDPHQWHVHJXQGRGLIHUHQWHVIDVHV,VVRQRTXHUGL]HUFRQWXGRTXHRSRHWDQRWLYHVVHDQRRGHDQWHULRULGDGHHSRVWHULRULGDGHQRSODQRKXPDQRHTXHQRSXGHVVHYHUVXDSRFDFRPRSLRUTXHDVDQWHULRUHV3RUPDLVTXHRVKRPHQVGDUDDGHRXURSRUH[HPSORDLQGDH[LVWDPFRPRGLYLQGDGHVJXDUGLVRIDWRTXHDWHUUDRVHQFREULXHRVKRPHQVGHKRMHYLYHPQXPFRQWH[WRTXHVHJXQGR+HVRGRVWHQGHDSLRUDU9HU'HWLHQQHS

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    INTRODUO

    mesmo tempo, a dependncia dos reis em relao aos pequenos proprietrios diminui medida que o grande comrcio extrapola as trocas locais. Esse contexto levaria fragilizao do trabalho HDXPDUHGXomRGDSURVSHULGDGHGHJXUDVFRPRDTXH+HVtRGRdesenha para si no poema. Da adviria a insegurana que o texto sugere, o que parece se expressar no conselho de limitar a prole DDSHQDVXPOKR$RPHVPRWHPSR+HVtRGRSDUHFHcontinuar levando em conta a possibilidade de trocas no mbito local: note-se como as relaes com os vizinhos so enfatizadas nos versos 342-351. E a perspectiva de um excedente (380) a ser vendido em lugares distantes no est excluda, como deixa claro a passagem sobre a navegao.26

    Explicaes desse tipo devem ser lidas com cuidado. Mas interessante o exerccio intelectual necessrio para sua elabo-rao, que estimula a imaginao do leitor com curiosidade por TXHVW}HVGHKLVWyULDHFRQ{PLFD$SHVDUGHWRGDVDVGLFXOGDGHVo poeta considera plausvel a aspirao riqueza (21-24, 381), chegando mesmo a vislumbrar a chance de comprar mais terra (341). O progresso, no entanto, sempre colocado na dependn-cia da dedicao ao trabalho (e.g. 495) e do favor dos deuses, que precisam ser propiciados (336-340). O ganho fcil, obtido por meios desonestos, levar ao desastre (352). De qualquer forma, essas e outras partes do poema levam-nos a relativizar a imagem de pessimismo associada a Hesodo. sintomtico das GLFXOGDGHVRIHUHFLGDVSHODLQWHUSUHWDomRGDUHDOLGDGHHFRQ{PL-ca de Hesodo o fato de que Jimnez e Dez fazem uma leitura que pouco tem em comum com a exposta acima. Para eles, a

    26 9HU7DQG\H1HDOHS

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    voz que fala nos poemas hesidicos representa uma burgue-VLD HP DVFHQVmR TXH QD YHUGDGH VH EHQHFLD HQRUPHPHQWHdo desenvolvimento mercantil trazido pelas colonizaes e, ao adquirir maior riqueza, passa a questionar o poder poltico dos aristocratas.27 Essa interpretao parece-nos menos provvel que a de Tandy e Neale, mas tem a virtude de enfatizar um Hesodo que, longe de ser apenas a vtima de transformaes sociais, coloca-se criticamente. Para Detienne, entretanto, o poema de Hesodo testemunho de uma crise agrria na qual o empobrecimento dos pequenos proprietrios os leva a depender mais dos grandes produtores e para estes perder suas terras.28 O autor adverte para o perigo de projetarmos no poema categorias econmicas desenvolvidas depois do advento do capitalismo, ou ideias caractersticas da ideologia burguesa, como a que ele resume com a expresso enrichissons-nous.29

    Isso nos conduz ao debate sobre a aplicabilidade do termo campons quando se fala de Hesodo. A. T. Edwards30 critica os vrios estudos que assimilam o mundo sugerido pelo poema ao modelo antropolgico da sociedade campesina,31 que segundo o autor essencialmente uma comunidade rural subordinada a um

    27 -LPQH]H'H]S8PDLQWHUSUHWDRVHPHOKDQWHHP3XFFLS

    28 'HWLHQQHS&I7UHYHUS29 ,VWRHQULTXHDPRV9HU'HWLHQQHS:DOFRWES

    SRUPSHQVDTXH'HWLHQQHHUUDDRQHJDUDDWLWXGHGHH[RUWDRDRHQULTXHFLPHQWRHP+HVRGR

    30 Edwards, 2004.31 Entre os autores que se associam ideia criticada por Edwards, 2004, esto

    7UHYHU'HWLHQQH7DQG\H1HDOH

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    INTRODUO

    poder externo, normalmente urbano.32 Nesse modelo, Ascra seria o vilarejo campons, Tspias a cidade que o domina e onde vivem os UHLV(GZDUGVSRUpPVXVWHQWDTXHRVFRQLWRVPDLVLPSRUWDQWHVdo poema so internos ao vilarejo, e que em Ascra, que conserva sua autonomia em relao a Tspias, que se desenha a oposio entre o pobre e o prspero, to central no texto. Haveria um risco de anacronismo na aproximao entre a sociedade hesidica e o que por vezes se entende por campesinato.

    Como observa Vernant, nem mesmo a noo de trabalho em Hesodo pode ser confundida com o que hoje entendemos com esse termo. A palavra grega erga designa acima de tudo os trabalhos agrcolas, e no havia nenhum termo na lngua antiga que traduzisse a noo abstrata de trabalho presente no mundo contemporneo, em que o vocbulo se aplica indiferentemente s diversas atividades humanas vistas sob a tica do que produzem para a sociedade, do valor que tm enquanto atividades a serem pagas e da identidade que podem criar para determinados grupos (como a classe trabalhadora).33

    A essa discusso se relaciona a polmica (hoje quem sabe j um pouco ultrapassada) sobre a possibilidade de enxergarmos He-sodo como um revolucionrio, a que se oporia o entendimento de sua postura como eminentemente reacionria.34 certo que sua viso negativa da mulher por exemplo, no mito de Pandora e nos conselhos sobre o casamento em 695-705 , sua nfase no cuidado

    9HU*ROGH\STXHWUDEDOKDFRPHVWDHRXWUDVGHQLHVGHFDPSRQVXWLOL]DQGRGDGRVGHGLYHUVDVFXOWXUDV

    33 9HUQDQW>GHXPDUWLJRRULJLQDOPHQWHSXEOLFDGRHP@S

    34 9HU'HWLHQQHSFRPQSQSFRPQ

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    com o que est em casa, em detrimento do que est fora (364-367), assim como seu conselho sobre arranjar um trabalhador sem casa HXPDHPSUHJDGDVHPOKRVVHSRUXPODGRFRQWrPDO-guns elementos de uma sabedoria impiedosa, traduzem igualmente um esprito conservador e temeroso. Mesmo assim, o campons de Hesodo no assume uma postura absolutamente conformista. Sem deixar de reconhecer com humildade o lugar do homem na difcil ordem das coisas, Hesodo fala contra os reis devoradores de presentes, dando vazo portanto a suas insatisfaes com uma aristocracia que, concentrando em suas mos o poder dos tribunais, fazia dele mau uso. Da vem o tema da justia, que depois far muitas outras aparies importantes na literatura grega e constitui uma das principais temticas dos (UJD. O trabalho, sugere Hesodo, s tem sua correta compensao se a justia administrada sem distores.

    Tambm para iluminar o tema da justia Hesodo utiliza uma narrativa consagrada: o j referido mito das raas. Nele, como em ou-tras passagens, o poeta revela sua capacidade de contar histrias de forma concisa e poderosa, restringindo-se aos elementos essenciais. notvel a diferena em relao ao estilo homrico. Um exemplo o emprego do discurso direto. Mais da metade do corpus formado pela ,OtDGD e pela Odisseia corresponde a falas das personagens. Com isso Homero dramatiza ao mximo as situaes, e no sem PRWLYRTXH$ULVWyWHOHVGHOHVHOHPEUDDRH[HPSOLFDURHVWLORGDpoesia em que o poeta mistura a voz do narrador com uma imitao anloga do teatro, ao assumir as vozes das personagens.35 Hesodo muito parcimonioso no uso do discurso direto, e mesmo o discurso indireto no est nele presente com muito destaque. Leclerc mostra,

    353RpWLFDDFID

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    INTRODUO

    no entanto, que os curtos discursos das personagens hesidicas (quase sempre so os deuses que recebem esse privilgio da fala) so extremamente densos do ponto de vista dos sentidos trabalhados na QDUUDWLYDSRLVQRUPDOPHQWHUHVXPHPHPVLRXSUHJXUDPDOJXQVdos mais importantes desenvolvimentos do texto.36

    A presena dos deuses nas narrativas sobre Pandora e sobre a sucesso das raas humanas, bem como o papel central das Musas HGDJXUDGH=HXVQRV7UDEDOKRV (e na 7HRJRQLD) e as frequen-tes menes deusa Demter, entre outros aspectos, mostram a importncia da religiosidade no poema. A Justia uma deusa, e, WDOFRPRHODVmRSHUVRQLFDGDVYiULDVRXWUDVLGHLDVSUHVHQWHVQDobra (e.g. o Juramento). No h como tomar os conselhos sobre o trabalho agrcola expressos no texto e entend-los desvinculados dessa viso religiosa, como se Hesodo tivesse uma concepo racionalista da vida cotidiana e da natureza e as menes aos deuses fossem meros ornamentos poticos. A sacralidade do mundo natural pontua constantemente o poema, misturando-se s instrues prticas e s recomendaes ticas, como no trecho HPTXHD-XVWLoDGHQXQFLDD=HXVDVPDOYDGH]DVSUDWLFDGDVQDFLGDGHRXQDSDVVDJHPHPTXH+HVtRGRVXJHUHTXHVHRUHD=HXVe Demter no incio da semeadura (versos 465-467), ou ainda num trecho como 483-484, em que, no contexto da discusso sobre o adiamento do trabalho de arar a terra, o sucesso dessa atividade pFRORFDGRQDGHSHQGrQFLDGDPHQWHGH=HXVSRUWDpJLGH2trecho dos 'LDVQRQDOGRSRHPDHWVTTWDOFRPRRFD-lendrio agrcola de 383-617, contm indicaes sobre tempos propcios ou no para certas atividades, mas dessa vez o poeta foca

    36 /HFOHUFS8PDDQOLVHGRHVWLORKHVLGLFRHQFRQWUDVHHP:DOW]S

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    sua ateno nos dias do ms. Considerado por alguns como um repertrio de supersties que contrastaria com a visada racional do resto da obra, o trecho mesmo excludo da obra por certos estudiosos (notadamente, Wilamowitz), como se no fosse do prprio Hesodo.37 Mas a diferena entre os conceitos de religio e superstio depender muito da religio em que fomos criados, e o pensamento mgico dos 'LDVpoderia estar muito vontade no contexto da religiosidade da poca. No h que se exigir do poeta o mesmo tipo de racionalidade construdo pela cincia moderna. Essas crenas de Hesdo no impedem, entretanto, que ele tenha tambm a capacidade, por exemplo, de observar a natureza com uma visada objetiva (como ao perceber a passagem do tempo pelo comportamento dos animais) e reconhecer a importncia de usar certos equipamentos feitos pelo homem segundo certas tcnicas (como o caso do arado, cuja feitura descrita detalhadamente em 427-437, ou das roupas para o inverno, em 536-546). Religio-sidade e razo no se excluem mutuamente.38

    De fato, os importantes temas do trabalho e da justia39 ligam-se tambm por meio da viso religiosa do poema. Hesodo diz que frequentemente uma cidade inteira sofre por causa dos crimes de um s homem, qualquer que seja (240-241): em resposta jVPDOGDGHVGHVWH=HXVPDQGDIRPHHSHVWHHRSRYRSHUHFH

    37:LODPRZLW]QHPVHTXHULPSULPHHWVTTHPVXDHGLRYHUDH[SOLFDRHP:LODPRZLW]SFI)UQNHO>@S

    389HU5RZHS3DUDXP+HVRGRTXHDXPVWHPSRSHQVDGRUHSRHWDWUDGLFLRQDOYHU+DYHORFN>@S3DUD+HVRGRFRPRSUHFXUVRUGRSHQVDPHQWRORVFRYHUSRUH[HPSOR6QHOO>@S&I'HWLHQQH>@SQ

    39 O foco nesses dois temas uma constante na crtica (ver e.g. Nicolai, 1964, p. 161-162).

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    INTRODUO

    (243). Mas esse homem que Hesodo tem em mente, cujos atos afetam a comunidade inteira, parece estar muito mais prximo daqueles que ele chama reis. Imediatamente aps as imagens dos desastres que acometem a cidade que habita o homem mau, o poeta se dirige aos reis, mencionando mais de uma vez na passagem seus desmandos no exerccio do papel de juzes. Os homens que do VHQWHQoDVUHWDVDRFRQWUiULRVmREHQHFLDGRVSRU=HXVHUHSDUWHPem festins o fruto do seu trabalho (231). Sua cidade prospera (227). Se o poder divino perpassa toda a realidade e guardio da justia, isso no implica que em Hesodo o ser humano seja passivo. Ao homem hesidico cabem escolhas morais e delas resulta o tipo de relao que ter com os outros homens e com o divino. Assim como sociedade, ele tambm observa o mundo natural, repleto de deuses, e nesse panorama sabe reconhecer os sinais que orientam seu trabalho. Em tal contexto, o planejamento e a organizao so essenciais (471-472, 502-503).

    Hesodo tradicionalmente ligado ao que costumamos chamar poesia didtica. Embora no houvesse, no universo do epos grego arcaico, uma distino clara entre poesia heroica e poesia didtica,40 a recepo de Hesodo se encarregou de op-lo a Homero como representante de um tipo diferente de arte.41 A

    40(UFRODQLS41 &RQWULEXUDPSDUD LVVRGLYHUVRVPRPHQWRVGHVVD UHFHSRR FDVRGR&HUWDPHHQWUH+RPHURH+HVtRGRFRPRREVHUYDGRSRU+XQWHUHVSS1RWHVHWDPEPRSRHWDKHOHQVWLFR$UDWRTXHPRVWUDWHU+HVRGRHPPHQWHQDVXDREUDFenmenos DYLQFXODRHQWUHRVGRLVDXWRUHVUHFRQKHFLGDSRU&DOPDFR(SDOPFODURGH9LUJOLRTXHQDV*HyUJLFDVFKDPDVHXSRHPDXPAscraeum >@carmen3DUWHGDFUWLFDPRGHUQDYHUHJ3DOH\DGS9DQ*URQLQJHQS3XFFLS9HUGHQLXVS%RZLHS%UDQGRSFI:HVWDGSDR

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    Antiguidade acabou por encontrar at mesmo uma terminologia SDUDH[SUHVVDUHVVHJrQHUROLWHUiULRHVSHFtFRHPTXHVHVLWXDULDPOs trabalhos e os dias: Proclo (ap. Scholia uetera p. 230 Pertusi), citando Plutarco, diz que este rejeitou as linhas 757-759 dos (UJD como vis e indignas da Musa da educao), enquanto o gramtico latino Diomedes, num trecho preocupado com classificao literria, refere-se species didascalice (Grammatici Latini 1, 483 Keil).

    Dada essa conexo com a poesia didtica, alguns crticos se perguntaram se Os trabalhos e os dias de fato ensinam alguma coisa, j que vrios conselhos sobre o cultivo da terra parecem demasiado vagos ou incompletos, ou, ao contrrio, bvios demais, para que o texto funcionasse como real instruo para os agriculto-res daquela poca (ou de qualquer poca).422VQVGRSRHPDQmRseriam outros? Apesar de esse questionamento no deixar de ter seu interesse, preciso considerar que se Hesodo descrevesse com todos os detalhes tcnicos cada fase do trabalho no campo, seria muito mais difcil sustentar uniformemente a qualidade potica do texto. Que ele capaz de dar instrues pormenorizadas, os trechos sobre o corte da madeira (420-429) e a rao do trabalhador (442) provam-no sem margem de dvida. Mas Hesodo procura alternar

    LQWHUSUHWDURVYHUVRVGD7HRJRQLDFRPRXPDFUWLFDGRSUSULR+HVRGRSRHVLDKRPULFDHXPDWHQWDWLYDGHGLIHUHQFLDUVHGHODDVVRFLDDREUDKHVLGLFDDRSURSVLWRGHWUDQVPLWLUYHUGDGHVVXSRVWDPHQWHHPRSRVLRVFHVPHQWLUDVRXFRQFHSHVLQFRUUHWDVGH+RPHUR$FUWLFDTXHHQIDWL]DDOLJDRHQWUHRV(UJDHDSRHVLDVDSLHQFLDOGHRXWURVSRYRVYHUDFLPDFRODERUDLJXDOPHQWHSDUDUHIRUDUHVVDUHFHSR

    429HUHJ+HDWK7KDOPDQQS+DPLOWRQS1HOVRQ/XFLDQRQR'LiORJRFRP+HVtRGRHVSQDVHRMVXJHUHTXHTXHVWLRQYHODXWLOLGDGHGDREUDSDUDRVDJULFXOWRUHVTXHMFRQKHFHULDPPXLWREHPRTXHRSRHPDVHSURSHDHQVLQDU

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    INTRODUO

    passagens assim com indicaes mais gerais e com os aspectos ticos, psicolgicos e sociais do trabalho. prazeroso ler uma descrio minuciosa em verso, mas ela se torna mais interessante se introduzida no momento certo, cuidadosamente pensada como RFRQWUDSRQWRGHXPDUHH[mRPRUDOGHXPROKDUSDUDRVHVSDoRVem que se realiza o trabalho e a distribuio deste no tempo, ou uma sugesto sobre os sentimentos dos atores (humanos, divinos e animais) que habitam o universo do trabalho. Mais do que uma instruo tcnica, Os trabalhos VmRXPDSRpWLFDHXPDORVRDGRtrabalho. Se assim entendida, a obra conserva seu estatuto didtico sem perder seu carter esttico.

    (QPOs trabalhos e os dias, pelas razes expostas aci-ma e ainda outras (que as limitaes de espao desta edio nos impedem de discutir), nos ensinam muito sobre o tempo em que foram escritos, mas mantm uma enorme atualidade.

    III O TEXTO DOS ERGA

    Um dos maiores responsveis pelos desenvolvimentos da crtica textual hesidica no sculo XX foi Rzach, que estabele-ceu a teoria de que os manuscritos medievais do poeta podem ser divididos em trs famlias, s quais ele se refere com as trs PDL~VFXODVJUHJDVH43 que encontramos em praticamente todas as edies posteriores. Em cada uma dessas famlias Rzach encontra um manuscrito mais antigo e de maior importncia, que UHSUHVHQWDGHPDQHLUDPDLVHODVFDUDFWHUtVWLFDVEiVLFDVGHVXD

    439HU5]DFKSLLLLY5(VY+HVLRGRV

  • 37

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    famlia. So os manuscritos C (sigla para o manuscrito grego de 3DULVQ~PHURGRQDOGRVpFXOR;QDIDPtOLD; D (ma-nuscrito da biblioteca Laurenziana nmero 31.39, do sculo XII) na famlia HQDOPHQWH(GDWDGRGRQDOGRVpFXOR;,,RXGRincio do XIII, o manuscrito 11 do fondo antico da Universidade de Messina) na famlia TXHUHSUHVHQWDULDVHJXQGR5]DFKDrecenso de um gramtico bizantino annimo. Essas trs famlias remontariam a um arqutipo da poca de Fcio, isto , do sculo IX,44 perodo em que se inicia a passagem da escrita maiscula grega para a minscula. possvel que, para cada autor, apenas uns poucos manuscritos em maisculas (em alguns casos, qui apenas um) tenham servido como exemplares para as primeiras cpias em minsculas, os demais manuscritos antigos ou tardo--antigos tendo sido descartados. Isso fez que a tradio passasse por uma espcie de funil nessa poca (os ltimos manuscritos HPPDL~VFXODVGDWDPHPJHUDOGRQDOGR VpFXOR; pRTXHGHYHWHUDFRQWHFLGRWDPEpPFRP+HVtRGRHMXVWLFDDWHRULDGRarqutipo do sculo IX. Solmsen, entretanto, expressa (com razo) suas dvidas em relao tese de que nas mos dos bizantinos dos sculos IX-X teria havido apenas um cdice j com lies diversas, pois s vezes encontramos um consenso entre os papiros e parte dos cdices na transmisso de um determinado erro, o que pode sugerir que os manuscritos medievais que o contm obtiveram--no de uma tradio mais ou menos homognea que remonta Antiguidade e independente do arqutipo de H.45

    A partir das primeiras cpias em minsculas, a que se ligam mais diretamente C, D e E, foram produzidos os outros manuscritos

    44&RORQQDS(GZDUGVS456ROPVHQS[LLL[LY9HUWDPEP:HVWS

  • 38

    INTRODUO

    pertencentes s famlias citadas acima. Eles so referidos por West com as minsculas gregas HVHJXLGDVGHQmeros que LGHQWLFDPFDGDXPGRVFyGLFHVHVSHFtFRVFRPRSRUH[HPSOR2 (manuscrito grego do Vaticano nmero 904, de cerca de 1250-1275), 4 (= S em Solmsen; o Laurentianus 32.16, do ano de 1280) e 3 (9DWLFDQXV Graecus 2383, H em Solmsen, de 1287).

    Por a j se v que os mais antigos documentos que preser-vam os (UJD na ntegra, como costuma acontecer com a literatura antiga em geral, foram escritos muito tempo depois da obra: no nosso caso, os manuscritos mais completos so mais de um mi-lnio e meio mais recentes do que o poema. Mesmo o arqutipo, ou seja, o manuscrito reconstrudo hipoteticamente que teria sido a fonte direta ou indireta de todas as cpias posteriores, estaria mais prximo de ns do que de Hesodo.

    Quando recorremos aos fragmentos em papiros, restos de livros que chegaram at ns diretamente da Antiguidade, o mais antigo do sculo II antes da nossa era, o que quer dizer algo em torno de 500 anos depois do poeta. Mas os papiros constituem uma fonte independente com a qual podemos checar a validade dos ma-nuscritos medievais: muito mais antigos, eles correspondem a um outro estgio da transmisso, um momento em que provavelmente DLQGDQmRWLQKDPVHUPDGRDVWHQGrQFLDVTXHVHFRQJXUDPQDVfamlias de cdices medievais. De fato, s vezes os papiros conser-vam lies nicas, que continuam a vir luz conforme novos papiros VmRGHVFREHUWRVLGHQWLFDGRVHHGLWDGRV1RFDVRTXHQRVRFXSDh alguns papiros que foram incorporados ao nosso repertrio h pouco tempo, depois dos trabalhos de West e Solmsen. So eles: os Papiros de Oxirrinco 4648 (sc. III, texto astronmico que cita Op. 383-384, 567), 4651 (sc. III, um texto em prosa citando Op. 219-

  • 39

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    223), 4659 (sc. II, contendo Op. 8, 17-27), 4660 (sc. I a.C. ou I d.C., preservando Op. 57-63(?), 91-106), 4661 (sc. III, contendo OpQDOGRVpF,,DWHVWDGRSDUDOp. 771(?)-776) e 4663 (sc. II, trazendo o ttulo do poema); o Papiro da Coleo Schyen 1.7, nmero de inventrio MS 5068, do sc. II ou I a.C. (conserva Op. 360-366, 378-384); o Papiro de Antinopolis 3.118 (sc. III, com Op. 484-492, 524-532) e um papiro da Bodleian Library, o MS Gr. Class. c. 3IUU%&GDWDGRGRQDOGRVpF9,LQtFLRGR9,,FRQWpPOp. 765-767, 769/70(?)-774, 803-806, 808-812). Esses novos testemunhos UHIRUoDPDOJXPDVYDULDQWHVMiLGHQWLFDGDVSRUH[HPSORQRVFyGLFHVmedievais, alm de trazerem lies antes desconhecidas.

    No se pode desprezar, contudo, um outro campo de investi-gao textual, aquele representado pela chamada tradio indireta: podemos utilizar as citaes de Hesodo em outros autores gregos e latinos. Essas citaes, como esto inseridas numa tradio manuscrita GLIHUHQWHSRGHPYLUDFRQVHUYDUXPDOLomRTXHQDWUDGLomRHVSHFtFDde Hesodo, deixou de ser copiada. No interior dessa tradio indireta, SRGHPRV LGHQWLFDUXPUDPRPDLVHVSHFtFR UHSUHVHQWDGRSHORVcomentadores antigos (por exemplo, Plutarco e Proclo, o pensador neoplatnico do sculo V da nossa era) e bizantinos (como Tzetzes e 0RVFRSXORTXHSUHVHUYDPRVFRPGLIHUHQWHVJUDXVGHGHOLGDGHQRVesclios (as anotaes marginais dos manuscritos da Idade Mdia). Trata-se a no de autores que citam Hesodo ocasionalmente, mas de OyVRIRVRXFUtWLFRVTXHVHGHEUXoDUDPVREUHDREUDHWHQWDUDPHVPLX-ar tambm questes de estabelecimento de texto. Os esclios, seja nos lemmata (os trechos do poema escritos margem para introduzir a nota), seja nos comentrios propriamente ditos, preservam e dissertam sobre leituras divergentes que so frequentemente valiosas. Um outro conjunto de testemunhos a ser considerado parte, segundo West, o

  • 40

    INTRODUO

    das citaes de Hesodo presentes nos manuscritos dos (W\PRORJLFD bizantinos, que preservam, entre outras coisas, excertos dos (UJD No menos que 150 versos citados nos (W\PRORJLFD remontariam a um manuscrito de Hesodo do sculo X ou mesmo anterior, independente do arqutipo que teria dado origem a C, D e E.46

    Para West, E e H ainda tm a primazia entre os manuscritos FRPR UHSUHVHQWDQWHV GHGXDV WHQGrQFLDV GLYHUJHQWHV TXH HOHLGHQWLFDQHVVHJUXSRDHE1DIDPtOLDTXH5]DFKFKDPRXWest separa D dos demais como o nico desse grupo que remonta OLQHDUPHQWHDRPHVPRH[HPSODUGHTXHSURYpPIDPtOLDHPTXH&pVHPG~YLGDRPDLVFRQiYHOQmRVySRUVHURPDLVDQWLJRPDVtambm por possuir sinais de ter sido copiado cuidadosamente, num contexto de estudo mais aprofundado: o manuscrito distingue HQWUHRVHVFyOLRVDQWLJRVDQ{QLPRV) e os comentrios de Proclo (que aparecem misturados em quase todos os outros casos), utiliza XPDRUWRJUDDPDLVFULWHULRVDHWUD]XPDVpULHGHVLQDLVFUtWLFRVnas margens. As famlias H mais o manuscrito D, viriam da mesma linhagem, qual se liga tambm o texto que teria sido usado por Proclo. A teria havido um arqutipo, que West chama . Os outros manuscritos da famlia MXQWRFRPDVOLo}HVGRV(W\PRORJLFD, sugerem uma outra tradio.47

    Como possvel perceber, construir uma genealogia dessas diferentes fontes no simples (ver a complicada tentativa de stem-ma codicum na p. 85 da edio de West), principalmente porque as diferentes famlias no oferecem um retrato puro e inalterado de suas caractersticas, devido ao fato de muitos manuscritos terem sido copiados no de um s exemplar, repetindo automaticamente

    46:HVWSS47:HVWS

  • 41

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    todas as suas lies, mas terem levado em conta outros testemu-nhos de que o copista dispunha no momento de seu trabalho. Isso levava o escriba a colacionar verses distintas e a frequentemente incorporar sua cpia leituras provenientes de manuscritos ligados a famlias diferentes daquela a que pertencia o seu exemplar de referncia. Essa mistura entre linhas diferentes da transmisso RTXHRVOyORJRVFKDPDPcontaminatio.48

    Esse universo de dados quer pela enorme quantidade de informaes textuais que abarca, quer pelo tempo e espao que separam o autor das diversas cpias que se produziram de seu tra-balho, e essas mesmas cpias entre si justamente o que impe que tomemos uma postura crtica. Uma edio no deve, contudo, necessariamente visar reconstruo do texto original do autor, haja vista que a prpria existncia desse original pode ser ques-tionada: nada nos garante que um texto antigo no contivesse uma certa instabilidade j na poca de sua composio. De fato, muitas variantes textuais podem remontar a diferentes verses produzidas pelo mesmo autor ou mesmo a erros que ele tenha cometido. No caso de um poema como os (UJD, que est ligado a uma tradio oral, possvel que muitas variantes tenham origem em verses diferentes recitadas em ocasies diferentes, por Hesodo ou outros aedos e rapsodos. Se essa possibilidade pe em xeque a noo de uma autoria nica e, em consequncia, as tentativas de separar trechos autnticos de passagens esprias, temos a, por outro lado, uma razo a mais para registrar as variantes, j que aquelas que por acaso remontarem ao perodo de transmisso oral tero todas igual direito de pertencer a um texto que era visto como sempre

    489HUHJ:HVWS

  • 42

    INTRODUO

    aberto a reelaboraes e de autoria, por assim dizer, coletiva.49 O que uma edio crtica objetiva mostrar a existncia das variantes e atest-las em documentos, dentro do possvel, historicamente localizados. Essas variantes sero, na pior das hipteses, erros; na melhor, vestgios de diferentes momentos do processo de criao da obra ou indcios das diferentes interpretaes pelas quais o texto passou. O ideal a que aspira uma edio desse tipo fornecer a base para quaisquer interpretaes do texto que levem em conta HVVDVYDULDQWHVHVHXVLJQLFDGRComo dissemos anteriormente, nossa edio no pretende ser completa. Para uma viso mais profunda das variantes existentes e dos testemunhos em que es-to atestadas, indispensvel a consulta s edies crticas que DUURODPRVQDELEOLRJUDD

    IV SIGLAS DOS TESTEMUNHOS CITADOS NO APARATO CRTICO E OUTRAS CONVENES UTILIZADAS

    Para no sobrecarregar o aparato crtico e reduzi-lo ao mnimo essencial, resolvemos, no que concerne aos manuscritos medievais, atestar as variantes que decidimos relatar apenas com os principais representantes da tradio tal como escolhidos por Solmsen, isto , C para a famlia , D para a famlia e E e H para a famlia 2VRXWURVFyGLFHVVmRFLWDGRVDSHQDVHYHQWXDOPHQWHquando conservam alguma lio particular de relevncia. Isso no contradiz os resultados da investigao de West.

    49 3DUDDSURIXQGDUHVVDGLVFXVVRVREUHWUDGLRRUDOHHVWDEHOHFLPHQWRGRWH[WRYHUHJ9DQ*URQLQJHQS.LUNSDVVLPHVSS(GZDUGVS1DJ\S3HOOL]HUS

  • 43

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    Os cdices so citados com as siglas de Solmsen, reser-vando-se as de West queles que aparecem apenas na edio do OyORJR LQJOrV HP DOJXQV FDVRV UDUtVVLPRV TXDQGR QHQKXPDGHVVDVHGLo}HVGHQLXXPDVLJODHVSHFtFDSDUDXPPDQXVFULWRpouco citado, ele referido com o nome que aparece no catlogo da biblioteca em que est conservado).

    Quando envolvidos nos trechos das variantes relatadas, os papiros so sempre citados, utilizando as mesmas siglas que em :HVWH6ROPVHQ838, etc.), exceto para aqueles que apareceram depois dessas edies, que so citados com siglas que ns lhes DWULEXtPRVVHJXLQGRRVSULQFtSLRVGDVHGLo}HVDQWHULRUHVHJ53).

    Fomos bastante econmicos na citao das fontes indiretas HGRVOyORJRVPRGHUQRVIUHTXHQWHPHQWHFRQWHQWDQGRQRVFRPa referncia a apenas um, seguida s vezes de al. (e outros). 6mRHVSHFLDOPHQWHVLJQLFDWLYDVDVOLo}HVGH3URFORGRVHVFyOLRVantigos e dos (W\PRORJLFD.

    Embora fosse possvel, nesta seo, dar ao iniciante orienta-es mais extensas sobre como interpretar o latim do aparato, isso tomaria muito espao. Damos apenas algumas breves indicaes e sugerimos a leitura de West, M. L. &UtWLFDWH[WXDOHWpFQLFDHGL-WRULDODSOLFiYHODWH[WRVJUHJRVHODWLQRVTrad. A. M. R. Rebelo. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2002.

    SIGLA

    & 3DULVLQXV*UQDOGRVF;

    9DWLFDQXV*UDSUR[

    ' /DXUHQWLDQXVVF;,,

    S /DXUHQWLDQXV QDHGLRGH:HVW

  • 44

    INTRODUO

    9DWLFDQXV%DUE*UVHJXQGDPHWDGHGRVF;,,,

    $PEURVLDQXV&LQIVF;,,,;,9

    9DWLFDQXV*UDQWHULRUD

    $WKRXV,YLURQDSUR[

    3DULVLQXV*U

    /DXUHQWLDQXVDSUR[

    9DWLFDQXV*USULPHLUDPHWDGHGRVF;,9

    /DXUHQWLDQXVFRQYVRSSUVF;,9

    E 0HVVDQDHELEO8QLY)$QDOGRVF;,,+ 9DWLFDQXV*U

    QDHGLRGH:HVW

    1 $PEURVLDQXV-VXSVF;,9

    &DQWDEULJLHQVLV&ROO7ULQ2QDOGRVF;,,,

  • 45

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    3%HUROVF,,,

    32[\VF,,

    36WUDVELQFLRGRVF,,

    32[\VF,,,,,

    32[\LQFLRGRVF,,

    32[\PHDGRVGRVF,,

    32[\VF,,,

    32[\VF,,

    32[\VF,,,,,

    32[\VF,,

    32[\VF,D&,G&

    32[\VF,,,

    36FK\HQVF,,,D&

    32[\VF,,,

    3$QWVF,,,

    32[\VF,,,

    %RGO06*U&ODVVF3IUU%&QDOGRVF9,LQFLRGR9,,

    32[\QDOGRVF,,

    OBSERVEM-SE TAMBM OS SEGUINTES SINAIS CRTICOS:^` LQGLFDPWH[WRTXHVHFRQVLGHUDVXVSHLWR

    ! LQGLFDPWH[WRQRDWHVWDGRHPPDQXVFULWRVPDVDFUHVFHQWDGRSHORHGLWRU

    >@ LQGLFDPWH[WRSHUGLGRQRPDQXVFULWRUHFRQVWUXRKLSRWWLFDWRGRWH[WRTXHHVWLYHUHQWUHFROFKHWHVRXQDGLUHRGRTXDOVHDEULUXPFROFKHWH

    LQGLFDPOHWUDVSHUGLGDVQXPSDSLURPDVFRQVHUYDGDVQXP RXWURPDQXVFULWR TXH FRQWP DPHVPDSDVVDJHP

  • 46

    INTRODUO

    LQGLFDWUHFKRTXHVHFRQVLGHUDFRUURPSLGRHTXHQRIRLSRVVYHOFRUULJLUSRUFRQMHFWXUD

    __ VHSDUD SDVVDJHQV GLIHUHQWHV QRPHVPR YHUVRGLVFXWLGDVQRDSDUDWR

    VHSDUDOLHVGLIHUHQWHVSDUDXPDPHVPDSDVVDJHP

    RSRQWRVXEVFULWRLQGLFDTXDDOHWUDGHOHLWXUDLQFHUWD

    6WREDHXV60

    OHWUDVVXEVFULWDVDSRVWDVDXPDIRQWHLQGLFDPTXHDOLRHQFRQWUDVHDSHQDVQRVPDQXVFULWRVGHVVDIRQWHGHVLJQDGRVFRPHVVDVVLJODV

    NOTE-SE O USO DE SINAIS ELEVADOS APOSTOS S SIGLAS:

    &&HWF LQGLFDP SULPHLUDPR VHJXQGDPR HWFTXDQGRXPPDQXVFULWRFRQWPOLHVSURGX]LGDVSRUGLIHUHQWHVFRSLVWDV

    DF DQWHVGDFRUUHR

    SF GHSRLVGDFRUUHR

    LQGLFDTXHDYDULDQWHGHVFULWDFRPRWDOQDIRQWHHPTXHVWRSRUPHLRGDH[SUHVVRSO HVW HVFULWR VF QXPDRXWUD IRQWHFRQVXOWDGD

    OLRHQFRQWUDGDQRVlemmata GRVHVFOLRVPJ QDPDUJHP

    UDV FRUUHRHVFULWDVREUHDOJRDSDJDGR

    UHF LQGLFDXPDPRPDLVUHFHQWHGRTXHDSULPHLUD

    VO YDULDQWHRXFRUUHRHVFULWDVREUHDOLQKD

    XY DRTXHSDUHFH

    YO LQGLFDTXHDIRQWHFLWDGDWUD]DOLRHPTXHVWRFRPR XPD YDULDQWH LVWR MXQWR FRP RXWUDVOHLWXUDV

  • 47

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    ALGUMAS OUTRAS EXPRESSES LATINAS DO APARATO:

    DWK DWHWL]RX DWHWL]DUDPUHIHUHVHSUWLFDGHPDUFDUSDVVDJHQVVXVSHLWDV

    FL FRQMHFWXURX

    FRUU FRUULJLX

    GHHVWGHVXQW IDOWDIDOWDP

    GHO DSDJRXDSDJDUDPH[SUHVVRXVDGDSDUDUHMHLRGHSDVVDJHQVSRUSDUWHGHHGLWRUHV

    KDE SRVVXLSRVVXHP

    RP RPLWHRPLWHP

    VXSSO FRPSOHWRX

    A sintaxe bsica normalmente utilizada num aparato crtico bastante simples. Um padro tpico o seguinte: primeiro vm o nmero do verso em questo e a variante, seguida da(s) fonte(s) em que est atestada, frequentemente sem espao entre as siglas (e.g. EH, Tzetzes, etc.), ou de um verbo (muitas vezes abreviado) que tem como objeto essa variante (e.g. del.) e do sujeito desse verbo (e.g. Rzach). Os dois pontos (:) podem vir em seguida para introduzir outra variante. Quando logo aps o nmero do verso no est citada nenhuma palavra grega, as informaes que se seguem dizem respeito ao verso como um todo. Naturalmente h variaes em relao a esse padro, mas a prtica faz que em pouco tempo a linguagem elptica do aparato se torne transparente.

  • 48

    INTRODUO

    V BIBLIOGRAFIA

    Longe de ser exaustiva, esta lista contm apenas os livros, captulo de livros e artigos que mais utilizamos e trazem as informaes bsicas que nos ajudaram a compor este trabalho. Demos certa nfase a ttulos disponveis em portugus. Outras referncias podem ser facilmente obtidas nas obras que citamos aqui, em particular nas mais recentes.

    V.1 Edies crticas

    Colonna, A. +HVLRGL2SHUDHWGLHVMilano; Varese: Istituto Editoriale Cisalpino, 1959.

    0D]RQ3+pVLRGH: 7KpRJRQLH/HV7UDYDX[HWOHVMRXUV/H%RXFOLHU3DULV/HV%HOOHV/HWWUHV DSDUDWR FUWLFRPXLWR UHGX]LGR KRMH EDVWDQWHGHVDWXDOL]DGDFRPWUDGXR

    5]DFK$+HVLRGXV&DUPLQDHG /HLS]LJ7HXEQHUDOWLPDIDVHGRWUDEDOKRGRDXWRU

    6LQFODLU7$+HVLRG:RUNVDQG'D\V/RQGRQ0DFPLOODQFRPFRPHQWULR

    6ROPVHQ)0HUNHOEDFK5:HVW0/+HVLRGL7KHRJRQLD2SHUDHWGLHVScutum, Fragmenta selecta. HG2[IRUG2[IRUG8QLYHUVLW\3UHVV

    YRQ:LODPRZLW]0RHOOHQGRUII8+HVLRGRV(UJD%HUOLQ:HLGPDQQFRPFRPHQWULR

    :HVW0 /+HVLRG 7KHRJRQ\2[IRUG2[IRUG8QLYHUVLW\ 3UHVV FRPFRPHQWULR

    :HVW0/+HVLRG:RUNV'D\V2[IRUG2[IRUG8QLYHUVLW\3UHVVFRPFRPHQWULR

  • 49

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    V.2 Comentrios e edies de esclios

    &DVVDQPDJQDQR&(VLRGR7XWWHOHRSHUHHLIUDPPHQWLFRQODSULPDWUDGX]LRQHdegli scolii. 0LODQR%RPSLDQL

    (UFRODQL$(VLRGR2SHUHHJLRUQL LQWURGX]LRQH WUDGX]LRQHHFRPPHQWR5RPD&DURFFL

    *DLVIRUG73RHWDHPLQRUHV*UDHFLYRO6FKROLDDG+HVLRGXP /HLS]LJ.XHKQ

    0D]RQ3+pVLRGH/HV7UDYDX[HWOHVMRXUV3DULV+DFKHWWH

    3DOH\)$7KH(SLFVRI+HVLRGHGUHY/RQGRQ:KLWDNHUDQG&R*HRUJH%HOODQG6RQV

    3HUWXVL$6FKROLDXHWHUDLQ+HVLRGL2SHUDHWGLHV0LODQR9LWDH3HQVLHUR

    7DQG\':1HDOH:&+HVLRGV:RUNVDQG'D\V$7UDQVODWLRQDQG&RP-PHQWDU\IRUWKH6RFLDO6FLHQFHV%HUNHOH\/RV$QJHOHV/RQGRQ 8QLYHUVLW\RI&DOLIRUQLD3UHVV

    9HUGHQLXV:-$&RPPHQWDU\RQ+HVLRG:RUNVDQG'D\VYY/HLGHQ(-%ULOO

    :HVWYLGHVXSUD9

    :HVWYLGHVXSUD9

    :LODPRZLW]YLGHVXSUD9

    V.3 Tradues

    $P]DODN0%+HVtRGRHRVHXSRHPD2VWUDEDOKRVHRVGLDV/LVERD$FDGHPLD GDV&LQFLDV GH/LVERD FRQWP LQWURGXRTXH DERUGDTXHVWHVGHHFRQRPLD

    &HUTXHLUD$ / 6 /\UD07$7HRJRQLD+HVtRGR1LWHUL (GLWRUD8QLYHUVLWULD8))

    (YHO\Q:KLWH+*+HVLRG7KH+RPHULF+\PQVDQG+RPHULFDZLWK DQ(QJOLVKWUDQVODWLRQ&DPEULGJH0DVV+DUYDUG8QLYHUVLW\3UHVV/RQGRQ+HLQHPDQQ

  • 50

    INTRODUO

    (\WK ( +HVLRGV:HUNH ,Q/DQJHQVFKHLGWVFKH %LEOLRWKHN VlPWOLFKHUJULHFKLVFKHQ XQG U|PLVFKHQ .ODVVLNHU %HUOLQ 6WXWWJDUW /DQJHQVFKHLGWVFKH9HUODJVEXFKKDQGOXQJ %DQG bVRS+HVLRGQuintus SL

    -LPQH]$3'H]$0+HVtRGR2EUDV\IUDJPHQWRV0DGULG*UHGRVFRPERDVQRWDV

    /DIHU0GH&1+HVtRGR2VWUDEDOKRVHRVGLDVSULPHLUDSDUWH6R3DXOR,OXPLQXUDV

    0DQWRYDQHOL/22VWUDEDOKRVHRVGLDV+HVtRGR6R3DXOR2G\VVHXV

    0RVW*:+HVLRG7KH 6KLHOG&DWDORJXH RI:RPHQ2WKHU)UDJPHQWV&DPEULGJH0DVV/RQGRQ+DUYDUG8QLYHUVLW\3UHVV

    0RVW*:+HVLRG7KHRJRQ\:RUNV DQG'D\V 7HVWLPRQLD&DPEULGJH0DVV /RQGRQ+DUYDUG8QLYHUVLW\ 3UHVV WUDGXR SUHFLVD FRPDOJXPDVQRWDVFUWLFDV

    3HUHLUD-)As obras e os dias: apreciao desteSRHPDGH+HVLRGRFRPRlivro de agricultura, com a trad. dos versos que se referem a esta sciencia. /LVERD7\SGRMRUQDO23DL]

    3LQKHLUR$()HUUHLUD-5+HVtRGR7HRJRQLD7UDEDOKRVHGLDV/LVERD,PSUHQVD1DFLRQDO&DVDGD0RHGD FRPDSQGLFHVHQRWDVWHLVHSUHIFLRGH0+GD53HUHLUDS

    5HJLQR60GH7HRJRQLD7UDEDOKRVHGLDV+HVtRGR6R3DXOR0DUWLQ&ODUHWQRUHFRPHQGYHO

    7RUUDQR -+HVtRGR 7HRJRQLD D RULJHP GRV'HXVHV HG 6R 3DXOR,OXPLQXUDV

    :HQGHU'+HVLRG 7KHRJRQ\ DQG:RUNV DQG'D\V 7KHRJQLV (OHJLHV0LGGOHVH[3HQJXLQ

    :HVW0/+HVLRG7KHRJRQ\DQG:RUNVDQG'D\V2[IRUG2[IRUG8QLYHUVLW\3UHVV

  • 51

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    V.4 Estudos (livros, artigos, captulos de livros)

    $UULJKHWWL* ,O&DWDORJR HVLRGHR XQ JHQHUH OHWWHUDULR" ,Q %DVWLDQLQL*&DVDQRYD$ HG(VLRGR FHQWDQQL GL SDSLUL$WWL GHO FRQYHJQRLQWHUQD]LRQDOH GL VWXGL )LUHQ]H JLXJQR )LUHQ]H ,VWLWXWR3DSLURORJLFR*9LWHOOL S

    $XEUHWRQ5,QWURGXomRD+HVtRGR6R3DXOR>VQ@

    %DUURQ-3(DVWHUOLQJ3(+HVLRG,Q(DVWHUOLQJ3(.QR[%HG7KH&DPEULGJH+LVWRU\RI&ODVVLFDO/LWHUDWXUH,*UHHN/LWHUDWXUH&DPEULGJH&DPEULGJH8QLYHUVLW\3UHVVS

    %HDOO()1RWHVRQ+HVLRGV:RUNVDQG'D\VAmerican Journal of 3KLORORJ\S

    %RZLH(//LHV)LFWLRQDQG6ODQGHULQ(DUO\*UHHN3RHWU\,Q*LOO&:LVHPDQ73HGLies and Fiction in the Ancient World. $XVWLQ8QLYHUVLW\RI7H[DV3UHVVS

    %UDQGR-/$VPXVDVHQVLQDPDPHQWLU+HVRGR7HRJRQLDgora. (VWXGRV&OiVVLFRVHP'HEDWHS

    %XUNHUW:2ULHQWDODQG*UHHN0\WKRORJ\7KH0HHWLQJRI3DUDOOHOV,Q%UHPPHU-HG,QWHUSUHWDWLRQVRI*UHHN0\WKRORJ\/RQGRQ6LGQH\&URRP+HOPS

    &OD\-6+HVLRGV&RVPRV&DPEULGJH&DPEULGJH8QLYHUVLW\3UHVV

    GH-RQJ,+RPHUDQG1DUUDWRORJ\,Q0RUULV,3RZHOO%HGA New &RPSDQLRQWR+RPHU/HLGHQ1HZ

  • 52

    INTRODUO

    EGZDUGV$7+HVLRGV$VFUD%HUNHOH\/RV$QJHOHV/RQGRQ8QLYHUVLW\RI&DOLIRUQLD3UHVV

    (GZDUGV*37KH/DQJXDJHRI+HVLRGLQLWV7UDGLWLRQDO&RQWH[W2[IRUG%DVLO%ODFNZHOO

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    +HDOH\-)2SULPHLURDOIDEHWR,Q+RRNHU-7HGLendo o passado: do cunei-forme ao alfabeto. A histyria da escrita antiga. 7UDG60HGHLURVHWDO6R3DXOR(GLWRUDGD8QLYHUVLGDGHGH6R3DXOR0HOKRUDPHQWRV>@S.

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  • 53

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    .UDXV]/62SDVWRUHDVGHXVDVDLQLFLDRGH+HVRGR,QBBBBBAs Musas: poesia e divindade na Grcia arcaica.6R3DXOR(GLWRUDGD8QLYHUVLGDGHGH6R3DXORS

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  • 54

    INTRODUO

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    6QHOO%A cultura grega e as origens do pensamento europeu. 7UDG3GH&DUYDOKR6R3DXOR3HUVSHFWLYD>@

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  • 55

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

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    HESODO

    OS TRABALHOS E OS DIAS

  • 60

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    1-10DWK$ULVWDUFKXVDO19RP3DUGHO*X\HWKDEHW

  • 61

    HESODOOs trabalhos e os dias

    PROMIO

    Musas da Piria, que dais glria com canes, YLQGHHPKLQRVFDQWDL=HXVYRVVRSDL$WUDYpVGHOHRVKRPHQVPRUWDLVFDPLJXDOPHQWHVHPIDPDHIDPRVRVGHOHVVHIDODRXVHVLOHQFLDSRUPHLRGH=HXVJUDQGHEle facilmente fortalece, facilmente os fortes esmaga; (5)facilmente diminui o ilustre e exalta o obscuro, endireita o torto e o arrogante enfraquece,=HXVDOWLWRQDQWHTXHKDELWDH[FHOVRVSDOiFLRV(VFXWD=HXVYHQGRHRXYLQGRHFRPMXVWLoDHQGLUHLWDDVVHQWHQoDV1 Quanto a mim, gostaria de dizer a Perses2 verdades. (10)

    AS DUAS LUTAS

    Ora, no houve apenas um nascimento de Lutas, mas sobre a terraexistem duas.3 Quando algum observa uma delas, considera louvvel; a outra digna de censura: elas tm nimos diversos. Pois uma promove a guerra m e a disputa, a cruel. Nenhum mortal a ama, mas por necessidade, (15)pela vontade dos deuses, tm de honrar a Luta pesada. A outra, a primeira, gerou-a a Noite escura,HROKRGH&URQR=HXVVHQWDGRHPDOWRWURQR habitante do ter, colocou-a nas razes da terra; bem melhor para os homens:

    1 3RVVLYHOPHQWHMXPDUHIHUQFLDDRVMXOJDPHQWRVLQMXVWRVGRV UHLVGHYRUDGRUHVGHSUHVHQWHVTXHVHURPHQFLRQDGRVHP

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  • 62

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    e &DF3OXWDUFKXV&SF'(+VFKLQ2SSLDQXPDOXDULDQWFRGG

    25HWXY$ULVWRWHOHVYO

  • 63

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    ela leva ao trabalho mesmo a pessoa sem meios. (20)

    Pois um homem sente falta de trabalho ao olhar para outro

    que, rico, apressa-se a arar, plantar

    e administrar bem sua casa, e um vizinho procura igualar o outro

    que se apressa em alcanar a fartura. Essa Luta boa para os mortais.

    O oleiro irrita-se com o oleiro, o carpinteiro com o carpinteiro; (25)

    o mendigo inveja ao mendigo, o poeta ao poeta.

    Perses, coloca essas coisas no teu esprito,

    e que a Luta que se compraz no mal no te afaste do trabalho

    para assistir a litgios, atento aos discursos da praa pblica.

    Na verdade, litgios e discursos pouco importam (30)

    a quem no possui em estoque sustento abundante

    colhido no tempo certo, os frutos de Demter, que a terra traz.

    Estando deles saciado, poderias promover litgios e disputas

    sobre bens alheios. No te ser possvel, contudo, uma segunda vez

    assim agir, mas, sem mais, decidamos nosso litgio (35)

    FRPMXOJDPHQWRVMXVWRVTXHYrPGH=HXVRVPHOKRUHV

    Pois de fato j tnhamos dividido a herana, e tu muitas outras coisas

    agarravas e levavas, prestando grandes honras aos reis4

    devoradores de presentes, que se dispem a dar esse veredicto.

    7RORV1mRVDEHPTXDQWRDPHWDGHpPDLRUGRTXHRWRGR5 (40)

    nem quo grande proveito existe na malva e no asfdelo.6

    4 2VUHLVVRSURYDYHOPHQWHPHPEURVGDQREUH]DHQFDUUHJDGRVGDDGPLQLVWUDRGDMXVWLD

    5 $MXVWLDUHVLGHQRPHLRWHUPR6 'LHWDIUXJDO9HURXWUDLQWHUSUHWDRHP&OD\S

  • 64

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  • 65

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    PROMETEU E PANDORA

    que os deuses mantm escondido dos humanos o sustento. Pois seno trabalharias fcil, e s um dia, e, mesmo ocioso, terias o bastante para o ano. Logo colocarias o timo sobre a lareira,7 (45)os trabalhos dos bois e das mulas incansveis desapareceriam. 0DV=HXVHVFRQGHXRHQFROHUL]DGRHPVHXFRUDomRporque o enganara Prometeu de curvo pensar.8 Por isso maquinou amargos cuidados para os humanos, HHVFRQGHXRIRJR3RUVXDYH]RERPOKRGH-iSHWRURXERXRGRViELR=HXVSDUDGiORDRVKXPDQRVQXPDIpUXODRFDSDVVDQGRGHVSHUFHELGRD=HXVDTXHPDOHJUDRWURYmR(QFROHUL]DGRGLVVHOKH=HXVTXHDMXQWDQXYHQV Filho de Jpeto, mais que todos frtil em planos, alegras-te de ter roubado o fogo e enganado minha inteligncia, (55)o que ser uma grande desgraa para ti prprio e para os homens futuros. Para compensar o fogo lhes darei um mal, com o qual todos se encantaro em seu esprito, abraando amorosamente seu prprio mal. Assim falou, e riu alto o pai de homens e deuses.Ento ordenou ao ilustre Hefesto que o mais rpido possvel (60)misturasse terra com gua e ali infundisse fala e fora humanas, e que moldasse, de face semelhante das deusas imortais, uma forma bela e amvel de donzela; depois ordenou a Atena que lhe ensinasse trabalhos, a tecer uma urdidura cheia de arte;

    7 &HVVDQGRRVWUDEDOKRVGDQDYHJDRRWLPRDVVLPJXDUGDGRSDUDTXHQRDSRGUHD

    8 1DGLYLVRGRERLVDFULFDGRHPXPDUHXQLRHQWUHRVGHXVHVHRVKRPHQVFRQIRUPHD7HRJRQLD9HUQDQW>@SXPHVWXGRFOVVLFRGRPLWRSURPHWHLFRHP+HVRGRFRPSDUDQGRDYHUVRGD7HRJRQLDFRPDGRV7UDEDOKRV

  • 66

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    66ot6,XOLDQXV69-82GHO.LUFKKRII:LODPRZLW]DO

  • 67

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    a Afrodite dourada, que lhe espargisse a cabea com graa, (65)

    penoso desejo e inquietao que devora os membros.

    4XHQHODFRORFDVVHXPDPHQWHGHVDYHUJRQKDGDHXPFDUiWHUQJLGRordenou a Hermes mensageiro, o matador do monstro Argos.

    $VVLPIDORXHHOHVREHGHFHUDPD=HXVVREHUDQROKRGH&URQRLogo o clebre deus coxo moldou-a da terra, (70)

    semelhana de uma virgem respeitvel, seguindo a vontade

    GROKRGH&URQRdeu-lhe um cinto e enfeitou-a a deusa Atena de olhos brilhantes;

    as deusas Graas e augusta Persuaso

    envolveram seu corpo com joias douradas;

    DV+RUDVGHEHODVFDEHOHLUDVFRURDUDPQDFRPRUHVSULPDYHULVPalas Atena ajeitou no seu corpo todo o ornamento.

    Ento, o mensageiro matador de Argos fez em seu peito

    PHQWLUDVSDODYUDVVHGXWRUDVHXPFDUiWHUQJLGRSRUYRQWDGHGH=HXVTXHJUDYHWURYHMD

  • 68

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  • 69

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    assim o arauto dos deuses nela colocou linguagem,9 (80) e chamou essa mulher Pandora, porque todos os que tm moradas olmpias deram essa ddiva, desgraa para os homens que vivem de po. Depois, quando completou o irresistvel profundo engano, o Pai enviou a Epimeteu o clebre matador de Argos, o rpido emissrio dos deuses, levando o presente. E Epimeteu no (85)pensou no que lhe dissera Prometeu:10 nunca um presente DFHLWDUGH=HXVROtPSLRPDVPDQGDUde volta, para que no venha a ser um mal para os mortais. Mas ele, depois de o receber, bem quando tinha o mal, compreendeu.

    9 6HJXLQGR0D]RQ S OLQJXDJHP PLQKDSURSRVWD GH WUDGXRSDUDFRPRPGHGLVWLQJXLUHVVDSDODYUDGHTXHYHUWLFRPRIDODHPERUDRVGRLVYRFEXORVJUHJRVDGPLWDPDPHVPDWUDGXRYR]'HVGHD$QWLJXLGDGHFKDPDDDWHQRGRVFRPHQWDGRUHVRIDWRGH=HXVWHURUGHQDGRD+HIHVWRTXHFRORFDVVHHP3DQGRUDXPDYR]KXPDQDDRSDVVRTXHQDFHQDTXHGHVFUHYHFRPRDVRUGHQVGH=HXVIRUDPFRORFDGDVHPSUWLFDRGHXVFR[RDSDUHQWHPHQWHQRRID]H+HUPHVTXHPFRORFDQHODXPD YR]$DXWHQWLFLGDGHGRYHUVRFRQVHTXHQWHPHQWH IRLFRORFDGDHPGYLGD SRUH[HPSORSRU%HQWOH\H5]DFK1RFDFODURVH+HVRGRYLDDOJXPDGLIHUHQDGHVHQWLGRHQWUHDVGXDVSDODYUDVHTXDOVHULDHVVDGLIHUHQD2VDQWLJRVGRH[SOLFDHVFRQWUDGLWULDVQRVHVFOLRVSRUYH]HVWLGDFRPRDIDFXOGDGHGDIDODDUWLFXODGDHHODDSDUHFHDVVLPRXFRPVHQWLGRVDQORJRVOQJXD GLDOHWRHPVTXLOR6IRFOHV+HUGRWRH3ODWRYHU6LQFODLUDGPDVRXWURVFRPHQWDGRUHVDQWLJRVGRHVVHVLJQLFDGRDYHMDVHRFRQWUDVWHHQWUHRVHVFOLRVHDS3HUWXVL'HIDWRRWHVWHPXQKRGH+RPHURDGX]LGRSRU:HVWDG,OVXJHUHRVLJQLFDGRGHIDODDUWLFXODGDSDUDHVVDSDODYUD7DPSRXFRRVPRGHUQRVHVWRGHDFRUGRHPVXDVGLYHUVDVLQWHUSUHWDHVFI9HUGHQLXVDG3DUDUHSURGX]LUXVRGHGXDVSDODYUDVGLIHUHQWHVQRRULJLQDOSUHWHQGRVXJHULUFRP IDODH OLQJXDJHPGRLVQYHLVGHDUWLFXODRGLIHUHQWHVSDUDDYR]GH3DQGRUD1RWHVHTXHD7HRJRQLDWUD]DVGXDVSDODYUDVMXQWDVQXPFRQWH[WRTXHWUDWDGRFDQWRGDV0XVDV

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  • 70

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    93 +RPOd(+PJRPSOHULTXHHW

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  • 71

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    Antes, de fato, as tribos dos humanos viviam sobre a terra (90)

    sem contato com males, com o difcil trabalho

    ou com penosas doenas que aos homens do mortes.

    {Rapidamente em meio maldade envelhecem os mortais.}11

    Mas a mulher, removendo com as mos a grande tampa de um jarro,

    espalhou-os, e preparou amargos cuidados para os humanos. (95)

    6R]LQKDDOLFDYDD$QWHFLSDomRQDLQGHVWUXWtYHOPRUDGD

    dentro, abaixo da boca do jarro, e para fora no

    voou. Pois antes baixou12 a tampa do jarro

    SRUYRQWDGHGH=HXVTXHDMXQWDQXYHQVRGHWHQWRUGDpJLGH

    Mas outras incontveis tristezas vagam entre os homens. (100)

    Na verdade, a terra est cheia de males, cheio o mar;

    doenas para os humanos, algumas de dia, outras noite,

    por conta prpria vm e vo sem cessar, males aos mortais levando

    HPVLOrQFLRMiTXHSULYRXDVGHYR]=HXVViELR

    $VVLPGHPRGRDOJXPSRGHVHHVFDSDUjLQWHOLJrQFLDGH=HXV

    11 (VWHYHUVRIDOWDHPGLYHUVRVWHVWHPXQKRVPDQXVFULWRVHLGQWLFRD+RPOdSRXFRDGHTXDGRDRFRQWH[WRHQRUPDOPHQWHFRQVLGHUDGRHVSULR

    126XSRVWDPHQWHRVXMHLWRVXEHQWHQGLGRDPXOKHUPHQFLRQDGDSHODOWLPDYH]WRGDYLDHP

  • 72

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    113-113a_'LRGRUXV

  • 73

    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    O MITO DAS CINCO RAAS

    Mas se queres te farei em resumo13 outro relato, bem e habilmente narrado, e tu coloca-o no teu esprito: como nasceram da mesma fonte os deuses e os humanos perecveis.14

    Primeira de todas entre os humanos de fala articulada, ]HUDPRVLPRUWDLVTXHWrPPRUDGDVROtPSLDVXPDUDoDGHRXUREles existiram no tempo de Crono, quando este reinava no cu; como deuses viviam, o corao sem cuidados, sem contato com sofrimento e misria. Em nada a dbil velhice estava presente, mas, sempre iguais quanto aos ps e s mos, alegravam-se em festins, fora de todos os males, (115)e morriam como que vencidos pelo sono. Tudo o que bom possuam: a terra fecunda produzia seu frutoespontaneamente, muito e de bom grado. Eles, voluntria e tranquilamente repartiam os trabalhos,15 tendo bens abundantes.

    132VHQWLGRGRYHUERFRQWURYHUVRGLVFXVVRHP:LODPRZLW]:HVWH9HUGHQLXVDGORF

    14 &RQVLGHUDGRVXVSHLWRSRU6ROPVHQHQWUHRXWURVHVVHYHUVRQRHVWQHFHVVDULDPHQWHHPFRQWUDGLRFRPRIDWRGHRVGHXVHVWHUHPFULDGRRVKRPHQV2TXHRWH[WRGDHQWHQGHUTXHQRLQFLRKDYLDSUR[LPLGDGHHQWUHRVPRUWDLVHRVLPRUWDLVYHUPHVPRSRUTXHHVVHVGRLVWLSRVGHVHUHVWPXPDRULJHPFRPXPQD7HUUDH3QGDURNemeiasHPXLWRVKHULVVROKRVGHGHXVHVLQGLFDSDUHQWHVFRPDVWDPEPSUR[LPLGDGHQRHVSDRYHULSJVY2VKXPDQRVSRVWHULRUHVUDDGHRXURPRVWUD+HVRGRWPVHDIDVWDGRSDXODWLQDPHQWHGRVGHXVHVRTXHFXOPLQDUQRPGDUDDGHIHUURFRPDSDUWLGDGH5HYHUQFLDH,QGLJQDR

    15 3RGHVHWUDGX]LUFRPR WUDEDOKRVPDVWDPEPFRPR IUXWRVGRWUDEDOKRHGDRVVHQWLGRVWHUUDVFXOWLYDGDVULTXH]DVSURSULHGDGHV2YHUERXVDGRDTXLQDYR]PGLDSRGHVHU GLVWULEXLUHQWUHVLGHXPJUXSR JR]DUGHSRVVXLUSDVWDUDOLPHQWDUVHFRPHU0D]RQSSURSHYLYLDPGHVHXVFDPSRV/VHSDUIUDVHDQORJDHP:HVWDGORFHPERUDHOHUHFRQKHDTXHDFRQRWDRGH WUDEDOKRVSDUDQRHVWDXVHQWHGRYHUVRRTXHRID]FRQVLGHUDUDHVFROKDGDSDODYUDXPWDQWRLQDGHTXDGDHPVXDWUDGXRGH:HVWWUD] KDUYHVWHGWKHLUHOGV9HUWDPEPDVWUDGXHVHP3LQKHLURH)HUUHLUD-LPQH]H'H]H(\WK-9HUGHQLXVDGSDUPDTXH SRGHWHURVHQWLGRGH FRPLGD VHPDLPSOLFDR

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    {Ricos em rebanhos, eram queridos dos deuses (120) bem-aventurados.}16 Mas desde que a terra encobriu essa raa, HOHVVmRGLYLQGDGHVSHODYRQWDGHGH=HXVJUDQGHnobres, terrestres, guardies dos humanos perecveis; {eles vigiam as sentenas e as cruis aes, vestidos de bruma, vagando por toda a terra,}17 (125)distribuidores de riquezas: obtiveram esse privilgio de reis. Ento uma segunda raa, e muito pior, depois ]HUDPRVTXHWrPPRUDGDVROtPSLDVDGHSUDWDque no se assemelhava de ouro nem em corpo nem em pensamento. 0DVROKRMXQWRjPmHTXHULGDSRUFHPDQRVera nutrido, um grande tolo brincando em sua casa. 0DVTXDQGRWRUQDYDPVHDGROHVFHQWHVHDOFDQoDYDPDRUGDLGDGHviviam por pouco tempo, padecendo dores com sua insensatez, pois no podiam conter uma presunosa insolncia uns para com os outros, nem queriam servir aos imortais (135)QHPVDFULFDUQRVVDQWRVDOWDUHVGRVEHPDYHQWXUDGRVcomo justo para os humanos, conforme os costumes. Depois =HXVOKRGH&URQRHQFROHUL]DGRHVFRQGHXRVSRUTXHQmRKRQUDYDPos deuses bem-aventurados que habitam o Olimpo.

    GH TXH HUD QHFHVVULR WUDEDOKR SDUD SURGX]LOD R TXH QR SDUHFHPXLWRFRQYLQFHQWHDLQGDPHQRVFRPRH[HPSORGDOdisseia FLWDGRHPDSRLRDHVVDLQWHUSUHWDR

    162YHUVRHVWDXVHQWHGRVPDQXVFULWRVGH+HVRGRTXHSRVVXPRVDSDUHFHQGRVRPHQWHHPXPDFLWDRGH'LRGRUR6FXORHSRULVVRWLGRFRPRDFUVFLPRSRVWHULRU0HQRUFRQVLGHUDRDLQGDPHUHFHRYHUVRDYHUDSDUDWRFUWLFRH/LYUHDS

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    Mas desde que a terra encobriu tambm essa raa, (140)eles so chamados bem-aventurados mortais subterrneos, secundrios, mas de qualquer modo tambm acompanhados de honra. (=HXVSDLXPDRXWUDUDoDGHKXPDQRVGHIDODDUWLFXODGD a terceira, de bronze fez, em nada igual de prata, mas nascida de freixos, terrvel e vigorosa; (145)eles se ocupavam dos funestos trabalhos de Ares e de violncias, e trigo nocomiam, mas tinham um corao impetuoso, de ao. Eram toscos; grande fora fsica e braos invencveis cresciam de seus ombros sobre um corpo robusto. Suas armas eram de bronze, de bronze suas casas, (150)trabalhavam com bronze: negro ferro no existia. Vencidos por suas prprias mos, desceram manso bolorenta do glido Hades, annimos: tambm a eles, embora espantosos, a morte negra os conquistou, e deixaram a esplendente luz do sol. (155) Mas quando a terra encobriu tambm essa raa, de novo ainda outra, a quarta sobre a terra que muitos nutre, =HXVOKRGH&URQRIH]PDLVMXVWDHYDORURVDa raa divina dos homens heris, que so chamados

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    HESODO OS TRABALHOS E OS DIAS

    semideuses, a gerao anterior nossa na terra imensurvel. (160)Esses, destruram-nos a guerra m e o combate medonho, uns sob as muralhas de Tebas de sete portas, terra de Cadmo, quando lutavam pelos rebanhos de dipo; outros, levando-os em naus sobre o grande abismo do mar,para Troia, por causa de Helena de coma adorvel. (165)L o termo da morte envolveu, sim, alguns deles; a outros, conferindo-lhes vida e moradia parte dos humanos, =HXVSDLOKRGH&URQRHVWDEHOHFHXRVQRVOLPLWHVGDWHUUDE eles, o corao sem cuidados, habitam (170) as ilhas dos bem-aventurados, junto ao Oceano de fundos redemoinhos, afortunados heris, para quem um fruto doce como o mel, TXHRUHVFHWUrVYH]HVDRDQRDWHUUDIHFXQGDWUD]18

    18 1XPSRQWRGRSRHPDTXHHVWDULDHQWUHHVWDSDVVDJHPHRYHUVRGRLVSDSLURVQRVIRUQHFHPRVUHVWRVGHYHUVRVDXVHQWHVGDWUDGLRPHGLHYDO8PGRVSDSLURVHPTXHVWR3%HUROSRVLFLRQDRDQWLJRYHUVRGHSRLVGHUD]RSHODTXDODTXHOHSDVVRXDVHUFKDPDGRD2VIUDJPHQWRVGHYHUVRVSUHVHUYDGRVDSHQDVQRVSDSLURVSRUVXDYH]JHUDUDPDVHTXQFLDEH3DUDHGLHVGHVVHVSDSLURVYHU1LFROHH0DHKOHU$WUDGXRDFLPDHPJUDQGHSDUWHFRQMHFWXUDO IHLWDFRPEDVHHPUHFRQVWLWXLHVSURSRVWDVSRUGLIHUHQWHVOORJRVSDUDDVTXDLVUHPHWRROHLWRUDRRULJLQDOHDRDSDUDWRFUWLFRRVFROFKHWHVGDWUDGX