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Arq Bras Endocrinol Metab vol 45 nº 3 Junho 2001 285 RESUMO RESUMO Esta apresentação tem o objetivo de discutir o tema “hiperaldosteronismo primário” (HAP). Inicialmente, serão apresentados os dados clínicos, la- boratoriais, radiológicos e o resultado do estudo anátomo-patológico do tumor de uma paciente portadora de “aldosteronoma”, seguindo-se uma discussão centrada em três pontos principais: 1) a investigação de HAP em pacientes com hipertensão arterial; 2) o diagnóstico etiológico do HAP; e 3) o tratamento das várias formas de apresentação do HAP. (Arq Bras (Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/3:285-301) Endocrinol Metab 2001;45/3:285-301) Unitermos: Unitermos: Hiperaldosteronismo primário; Aldosteronoma; Hipertensão arteri- al; Hipocalemia; Relação aldosterona:renina; Tumor adrenal. APRESENTAÇÃO DO CASO APRESENTAÇÃO DO CASO Dra. Vanessa Quintas Passos (Residente de 1º Dra. Vanessa Quintas Passos (Residente de 1º ano, Serviço de ano, Serviço de Endocrinologia e Metabologia do HC-FMUSP) Endocrinologia e Metabologia do HC-FMUSP) U MA MULHER BRANCA DE 30 ANOS, apresentou um quadro agudo de fraqueza nas mãos que progrediu, rapidamente, para os membros superiores e inferiores, tronco e região cervical. Foi atendida no pronto socorro do HCFMUSP, onde constatou-se tetraparesia, associada à hipertensão arterial e à hipocalemia. Medicada com cloreto de potássio (KCl) intravenoso, a paciente apresentou melhora dos sintomas sendo, em seguida, transferida para o Serviço de Endocrinologia e Metabologia do HC-FMUSP. Referia hipertensão arterial há 2,5 anos, mas negava poliúria e polidpsia. Cinco meses antes do episódio relatado, a paciente apresentou quadro semelhante, sendo atendida em outro serviço de onde trazia o seguinte relatório: quadro de tetraparesia grau 4, com hiporreflexia global e hipoestesia subjetiva. Potássio: 2,0 mEq/L; CPK: 7.759U/L. Tinha sido medicada com injeção intravenosa de KCl, apresentando reversão do quadro. Sua mãe é hipertensa. Exame físico: PA: 150x100 mmHg (posição supina e ortostática); P: 82bpm. Diminuição da força muscular nos membros com hiporreflexia glo- bal. Fundo de olho normal. Avaliação laboratorial: Hb: 11,3g/dL; Leucócitos: 7.300/mm 3 . Plaquetas: 261.000. caso especial caso especial Hiperaldosteronismo Primário Revisitado Vanessa Quintas Passos Leandro Aurélio L. Martins Maria Adelaide A. Pereira Claudio E. Kater Serviço de Endocrinologia e Metabologia (VQP, MAAP) e Divisão de Anatomia Patológica (LALM), Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi- dade de São Paulo (HC-FMUSP) e Disciplina de Endocrinologia e Metabologia (CEK), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP- EPM), São Paulo, SP Recebido em 30/08/00 Revisado em 16/03/01 Aceito em 30/03/01 Local e data da reunião: Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) em 17 de Agosto de 2000. Edição: Maria Adelaide Albergaria Pereira

Hiperaldosteronismo Primário Revisitado caso especialHiperaldosteronismo Não Tumoral Um segundo grupo - caracterizado mais pela ausência de tumor do que propriamente pela presença

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Arq Bras Endocrinol Metab vol 45 nº 3 Junho 2001 285

RESUMORESUMO

Esta apresentação tem o objetivo de discutir o tema “hiperaldosteronismoprimário” (HAP). Inicialmente, serão apresentados os dados clínicos, la-boratoriais, radiológicos e o resultado do estudo anátomo-patológico dotumor de uma paciente portadora de “aldosteronoma”, seguindo-se umadiscussão centrada em três pontos principais: 1) a investigação de HAP empacientes com hipertensão arterial; 2) o diagnóstico etiológico do HAP; e 3)o tratamento das várias formas de apresentação do HAP. (Arq Bras(Arq BrasEndocrinol Metab 2001;45/3:285-301)Endocrinol Metab 2001;45/3:285-301)

Unitermos: Unitermos: Hiperaldosteronismo primário; Aldosteronoma; Hipertensão arteri-al; Hipocalemia; Relação aldosterona:renina; Tumor adrenal.

APRESENTAÇÃO DO CASOAPRESENTAÇÃO DO CASO

Dra. Vanessa Quintas Passos (Residente de 1ºDra. Vanessa Quintas Passos (Residente de 1º ano, Serviço deano, Serviço deEndocrinologia e Metabologia do HC-FMUSP)Endocrinologia e Metabologia do HC-FMUSP)

UMA MULHER BRANCA DE 30 ANOS, apresentou um quadro agudo defraqueza nas mãos que progrediu, rapidamente, para os membros

superiores e inferiores, tronco e região cervical. Foi atendida no prontosocorro do HCFMUSP, onde constatou-se tetraparesia, associada àhipertensão arterial e à hipocalemia. Medicada com cloreto de potássio(KCl) intravenoso, a paciente apresentou melhora dos sintomas sendo, emseguida, transferida para o Serviço de Endocrinologia e Metabologia doHC-FMUSP.

Referia hipertensão arterial há 2,5 anos, mas negava poliúria epolidpsia. Cinco meses antes do episódio relatado, a paciente apresentouquadro semelhante, sendo atendida em outro serviço de onde trazia oseguinte relatório: quadro de tetraparesia grau 4, com hiporreflexia globale hipoestesia subjetiva. Potássio: 2,0 mEq/L; CPK: 7.759U/L. Tinha sidomedicada com injeção intravenosa de KCl, apresentando reversão doquadro. Sua mãe é hipertensa.

Exame físico: PA: 150x100 mmHg (posição supina e ortostática);P: 82bpm.

Diminuição da força muscular nos membros com hiporreflexia glo-bal. Fundo de olho normal.

Avaliação laboratorial: Hb: 11,3g/dL; Leucócitos: 7.300/mm3.Plaquetas: 261.000.

caso especialcaso especialHiperaldosteronismo Primário Revisitado

Vanessa Quintas PassosLeandro Aurélio L. MartinsMaria Adelaide A. Pereira

Claudio E. Kater

Serviço de Endocrinologia eMetabologia (VQP, MAAP) e

Divisão de Anatomia Patológica(LALM), Hospital das Clínicas da

Faculdade de Medicina da Universi-dade de São Paulo (HC-FMUSP) e

Disciplina de Endocrinologia eMetabologia (CEK), UniversidadeFederal de São Paulo (UNIFESP-

EPM), São Paulo, SP

Recebido em 30/08/00Revisado em 16/03/01

Aceito em 30/03/01

Local e data da reunião: Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade deMedicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) em 17 de Agosto de 2000.

Edição: Maria Adelaide Albergaria Pereira

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Glicemia: 87mg/dL; Hemoglobina glicosilada:4,5%; Colesterol: 169mg/dL; HDL: 40mg/dL; LDL:110mg/dL; Triglicérides: 94mg/dL; Uréia: 10mg/dL;Creatinina: 0,7mg/dL; Calcio iônico: 4,2mg/dL; P:1,4mg/dL; Na: 145mEq/L (normal: 135-145mEq/L);K: 1,7mEq/L (normal: 3,5-5mEq/L); CPK: 8.405U/L(normal: 24-173U/L); Cortisol basal: 11,6 µg/dL e após2mg VO de dexametasona: 1,9µg/dL; DHEAS:110µg/dL; Testosterona: 14ng/dL; Metanefrinasurinárias: 0,83µg/mgCr (normal: 0,05-1,2µg/mgCr);Aldosterona (A): 46ng/dL (normal, em posição supina:9-16ng/dL); Atividade plasmática de renina (APR):<0,2ng/mL/h (normal, em posição supina: 0,2-2,8ng/mL/h); Relação A:APR: >230.

Após infusão intravenosa de solução salinaisotônica (2L em 2hs), a aldosterona manteve-se eleva-da em 59,2ng/dL, confirmando o diagnóstico dehiperaldosteronismo primário (HAP).

Tomografia computadorizada (TC) de abdomerevelou um tumor de 3cm de diâmetro na adrenalesquerda. Após ter sido medicada e compensada comespironolactona e KCl, a paciente foi submetida comsucesso à adrenalectomia por via laparoscópica.

ESTUDO ANÁTOMO-PATOLÓGICOESTUDO ANÁTOMO-PATOLÓGICO

Dr. Leandro Aurélio L. Martins (Residente de 2ºDr. Leandro Aurélio L. Martins (Residente de 2ºano, Divisão de Anatomia Patológica do HC-ano, Divisão de Anatomia Patológica do HC-FMUSP)FMUSP)O exame macroscópico mostrava glândula supra-renal pesando 10g e exibindo tumor encapsuladomedindo 3,3cm no seu maior eixo, de coloraçãoamarelo-ouro (figura 1). O exame histopatológicoexibe neoplasia em arranjo alveolar, constituída porduas populações de células com citoplasma abun-dante e com citoplasma eosinófilo. Observava-seárea de hiperplasia da camada glomerulosa, adja-cente a neoplasia e ausência de sinais de malig-nidade.

Os seguintes marcadores imuno-histoquímicosforam positivos: vimentina, sinaptofisina, 35BH11 e34BE12, enquanto AE1/AE3, cromogranina eACTH, foram negativos.

O quadro histopatológico, correlacionado ao per-fil imuno-histoquímico e aos dados clínico-laboratoriaisé compatível com o diagnóstico de adenoma adrenocor-tical produtor de aldosterona (“aldosteronoma”).

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Figura 1Figura 1: Aspecto macroscópico do tumor da supra-renal esquerda.

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DISCUSSÃODISCUSSÃO

Prof. Dr. Claudio E. Kater (Professor Adjunto , DisProf. Dr. Claudio E. Kater (Professor Adjunto , Dis--ciplina de Endocrinologia e Metabologia, UNIFEciplina de Endocrinologia e Metabologia, UNIFE--SP)SP)O hiperaldosteronismo primário (HAP), descritopor Jerome Conn em 1955, acompanhou-se de algu-mas novidades ao longo desses 45 anos, todas relati-vamente importantes do ponto de vista classifi-catório, na medida em que novas doenças que en-volvem a síndrome do HAP vem sendo reportadas.Além do tumor descrito no caso índice - o “aldos-teronoma” característico da síndrome de Conn -,definiram-se outros subgrupos que produziam oquadro sindrômico de HAP, como as “hiperplasias”,uma entidade descoberta por acaso durante explo-ração cirúrgica para HAP, na qual não se detectou otumor suspeito. Desde então, constatou-se ser umaentidade relativamente freqüente. Além destes,foram descritos o “hiperaldosteronismo supressivopor dexametasona”, o “carcinoma”, a “secreção ec-tópica de aldosterona por tumores ovarianos” e ou-tras entidades ainda menos comuns, conforme vere-mos adiante.

Mais do que uma revisão geral sobre o tema, oenfoque desta apresentação será sobre algumas novi-dades recentemente reportadas sobre aspectos diagnós-ticos e terapêuticos do HAP.

Características da Síndrome do HAPCaracterísticas da Síndrome do HAPA perspectiva de se diagnosticar um número maior decasos de HAP numa população de hipertensos “essen-ciais” é, hoje em dia, muito maior do que se supunhano passado. Nós estamos pessoalmente confirmandoesses dados que a literatura vem apresentando nos últi-mos 7-8 anos.

A hipersecreção de aldosterona resultante de umtumor promove retenção inapropriada de sódio e fluí-dos e excreção de ions hidrogênio e potássio, resultan-do em quadro de hipertensão arterial, ao qual podemestar associados hipocalemia e alcalose.

Quando se compara as síndromes de excesso dosprincipais hormônios produzidos no córtex adrenal -aldosterona, andrógenos e cortisol -, vemos que oquadro clínico característico do excesso de aldosterona(ou de outro mineralocorticóide) é relativamente poucoexpressivo se comparado à hipersecreção de cortisol ouandrógenos. Enquanto o excesso de aldosterona está as-sociado unicamente com hipertensão arterial e distúr-bios hidroeletrolíticos o excesso de cortisol é capaz deproduzir manifestações clínicas muito mais amplas,comprometendo inúmeros orgãos e sistemas.

Hiperaldosteronismo TumoralHiperaldosteronismo TumoralEstatísticas recentes mostram que apenas 50-60% doscasos de HAP são decorrentes de um “adenoma produ-tor de aldosterona” (APA). Nos anos 50, acreditava-seque todos os casos resultavam de um “aldosteronoma”,mas com o tempo começaram a ser descritos casos dehiperplasia, que nas primeiras revisões pareciam com-preender 10 a 20% dos casos de HAP. Até há pouco,nossos dados apontavam para valores de 40%, mas ou-tros grupos já mostram que a distribuição relativa decasos de hiperplasia e de tumores é equivalente.

Na revisão de mais de 150 casos, compilados atémeados da década de 80, no Clinical Study Center doSan Francisco General Hospital, na California, ostumores - também denominados de “hiperaldostero-nismo tumoral” -, eram responsáveis por 62% doscasos. Embora mais modesta, nossa estatística doServiço de Endocrinologia da UNIFESP-EscolaPaulista de Medicina, - de cerca de 40 casos nos últi-mos 10 anos -, mostra que o adenoma adrenocorticalcorresponde a 50% dos casos de HAP. Dados maisrecentes de outros grupos já apontam para uma maiorpreponderância de casos de hiperplasia.

O APA ocorre com maior frequência em mu-lheres jovens, como no caso apresentado (mulher de30 anos). Diferente das hiperplasias, onde homens emulheres são acometidos indistintamente (geralmentenuma faixa etária mais avançada), 3/4 dos adenomasacometem mulheres e apenas 1/4 os homens.

Interessante é que entre os tumores, existe umsubgrupo que apresenta comportamento bioquímicodistinto. Enquanto a maioria dos adenomas clássicosnão responde a manobras que intervêm no SRA - sis-tema renina-angiotensina (pela ausência de receptorespara angiotensina no tecido neoplásico), um pequenosubgrupo mostra resposta evidente aos estímulos peloSRA, já que preservam, em número e afinidade,receptores para a angiotensina nas células tumorais.Assim, qualquer manobra que estimule, mesmo quediscretamente, os níveis de angiotensina, ou a própriainjeção de angiotensina sintética, produz elevação sig-nificativa da aldosterona, resposta diversa daquelahabitualmente observada nos adenomas típicos. Estesubgrupo, denominado de “APA - responsível àangiotensina”, corresponde a cerca de 8% dos casosde HAP, ou cerca de 15 a 18% dos casos de aldos-teronomas.

O “carcinoma adrenal produtor de aldosterona”é uma entidade incomum, responsável por menos de2% dos casos de HAP, enquanto “neoplasias comsecreção ectópica de aldosterona” são descritas apenasesporadicamente na literatura. Curiosamente, os

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poucos casos descritos eram devidos a tumores ovari-anos, não se conhecendo outra fonte de secreçãoectópica de aldosterona.

Hiperaldosteronismo Não TumoralHiperaldosteronismo Não TumoralUm segundo grupo - caracterizado mais pela ausênciade tumor do que propriamente pela presença de hiper-plasia -, é denominado de “hiperaldosteronismo nãotumoral” ou “pseudo-primário”, correspondendo a cer-ca de 40-50% dos casos de HAP. A principal entidadedeste grupo é o “hiperaldosteronismo idiopático” (IHA,do inglês idiopathic hyperaldosteronism), que mantém essadenominação até hoje por não conhecermos ainda suaetiologia. É provável que não se trate de um problemaintrínseco ou primário adrenal, mas talvez de umadoença do receptor de angiotensina.

O “IHA” caracteriza-se pela hipersensibilidadeadrenal a manobras que ativam o SRA, o mesmo ocor-rendo na vasculatura arterial. Desta maneira, pequenaselevações da concentração de angiotensina produzempor um lado, hiperaldosteronismo e por outro, vaso-constrição. Devido ao envolvimento vascular direto –associado à expansão do volume plasmático -, os níveispressóricos geralmente são mais severos do que nostumores. Desta maneira, adrenalectomia total bilateralnos casos de hiperplasia, pode produzir melhora, masnão a correção dos níveis pressóricos. Portanto, amaioria desses pacientes, mesmo tendo normalizadoseus níveis de potássio, necessitam de medicação anti-hipertensiva adicional.

Uma outra entidade, descrita por nosso grupo hácerca de 20 anos, é a “hiperplasia adrenal primária”, umsubgrupo das hiperplasias que corresponde a 6% doscasos de HAP. Caracteristicamente este subgrupo apre-senta comportamento bioquímico autônomo - indepen-dente de angiotensina -, semelhante àquele observadono “APA”, e diametralmente oposto ao IHA clássico.

Um terceiro subgrupo bastante conhecido, masmuito raro, é o “hiperaldosteronismo supressível pordexametasona”, uma condição geneticamente determi-nada, caracterizada pela expressão anômala da enzimaresponsável pela produção final de aldosterona (aldos-terona sintetase) na zona fasciculada, sob controle doACTH. Pequenas oscilações fisiológicas do ACTH,aumentando a secreção de aldosterona, produzem asíndrome de hiperaldosteronismo, cujas manifestaçõespodem ser controladas pela supressão com dexameta-sona ou outro glicocorticóide.

PseudoaldosteronismoPseudoaldosteronismoDenomina-se “pseudoaldosteronismo” ou “pseudoal-dosteronismo primário” a uma síndrome semelhante

ao HAP, caracterizada por hiperatividade mineralo-corticóide, hipertensão arterial, hipocalemia e reninasuprimida, mas com aldosterona também suprimida.Nesta situação o responsável é um outro mineralocor-ticóide, e o segundo deles em importância é a deoxi-corticosterona (DOC), que se encontra quase sempreelevada nesta situação. Embora outros mineralocor-ticóides possam estar envolvidos em síndromes maisraras, a imensa maioria das situações de “pseudoaldos-teronismo” se deve à presença de excesso de DOC(hiperDOCismo ou hiperdeoxicorticosteronismo).

Não se deve confundir este termo com outroocasionalmente empregado nesta disciplina, o “hipe-raldosteronismo pseudo-primário”, que alguns autoresescolheram como sinônimo de hiperaldosteronismonão tumoral ou por hiperplasia (IHA).

Evolução Natural e Diagnóstico Precoce do HAPEvolução Natural e Diagnóstico Precoce do HAPÉ importante conhecer, do ponto de vista fisiopatológi-co, como evoluem os casos de HAP. Num determinadomomento (tempo zero, ou início da história natural deum tumor ou hiperplasia produtores de aldosterona) aconcentração de aldosterona começa a se elevar, e con-tinua por um período de dias/semanas, passando paraníveis normais altos, e depois de meses/anos, para níveismoderada ou já significativamente elevados (figura 2).O que ocorre neste período de tempo é, fundamental-mente, uma retenção continuada de sódio e de fluidos,promovida pelos níveis inapropriadamente elevados dealdosterona, que vão gradualmente expandindo o volu-me do líquido extracelular e o volume plasmático. Comisso, baro e quimiorreceptores das arteríolas aferentes doglomérulo são ativados e as células do aparelho juxta-glomerular prontamente informadas a reduzir a libe-ração de renina. Desta maneira, após alguns dias/sema-nas, a concentração (ou atividade plasmática de) reninajá se encontra baixa e, ao cabo de vários meses, encon-tra-se invariavelmente suprimida. Neste período, e atra-vés deste mecanismo, a hipertensão possivelmente jáestá instalada.

Este fenômeno pode ser facilmente observadoem animais de experimentação pela administração con-tinuada de aldosterona e comprovado em portadoresde HAP, nos quais a descontinuação autorizada dotratamento com espironolactona (Aldactone®) – querevertera completamente as manifestações clínicas dadoença -, permite a reinstalação gradual do quadro.

O potássio, por ser um íon predominantementeintracelular, tem uma reserva enorme, sendo capaz demanter níveis sanguíneos normais por tempo relativa-mente maior. Mesmo após semanas/meses, sua con-centração sérica pode ainda estar na faixa normal. Para

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que hipocalemia clínica e manifesta possa efetivamenteser notada, decorre um tempo mais longo - geralmentemeses/anos -, do que a expansão de volume e asupressão da renina. Presumo que um paciente queapresente no diagnóstico níveis de potássio de 1,7 a 2meq/L, tenha um tempo de evolução da doença demuitos anos, podendo ter sido diagnosticado bemantes. Os sinais e sintomas resultantes de hipocalemia,como parestesias, cãimbras, fraqueza muscular, para-lisia flácida, poliúria e arritmias cardíacas, podem estarausentes, ou então se manifestar de maneira evidentequando a hipocalemia é severa, como no caso dapaciente apresentada.

Diagnóstico Laboratorial do HAPDiagnóstico Laboratorial do HAPBioquimicamente, o HAP é uma combinação clássicade aldosterona elevada com renina reduzida. Osníveis de aldosterona (tanto no sangue como naurina) podem estar desde discretamente elevados, oumesmo na faixa superior da normalidade, até muitoaltos, e os de renina, geralmente reduzidos, mas fre-quentemente suprimidos. Portanto, quando determi-nados concomitantemente no HAP, estão sempre emdireções opostas.

O IHA (hiperplasia adrenal) é o subgrupo deHAP que tende a ter os níveis de aldosterona maismodestamente elevados, muito frequentemente nafaixa normal, mas com renina baixa, embora não neces-sariamente suprimida. Por isto, este subgrupo escapamais facilmente ao diagnóstico, até porque valores dealdosterona na faixa normal alta (12 a 15 ng/dL), ou

reninas na faixa normal baixa (0,2 a 0,4 ng/mL/h), sãofrequente e infelizmente pouco valorizados para odiagnóstico.

O Valor do Potássio no Diagnóstico do HAPO Valor do Potássio no Diagnóstico do HAPHipocalemia sempre foi a marca registrada do HAP.Entretanto, níveis séricos normais de potássio não au-torizam a “exclusão” do diagnóstico. Nas grande sériesde casos de HAP, publicadas há 25 ou 30 anos, osníveis de potássio mostravam-se quase sempre baixos,frequentemente na faixa de 2,0 a 3,2 meq/L, e os desódio, habitualmente na faixa normal alta, entre 142 e145 meq/L. Estes são os casos “clássicos”, idênticos aoda paciente apresentada, que tinha níveis de 1,7 - 2,0 e145 meq/L, respectivamente.

Vale salientar, entretanto, que naquelas sériessempre existiu uma sub-população de pacientes comníveis de potássio normais, especialmente nos casos dehiperplasia, que correspondia a menos de 10% doscasos. Além disso, normocalemia pode ser observadano HAP, devido a flutuações na concentração sérica depotássio, à presença de comprometimento da funçãorenal e, principalmente, na eventualidade do pacienteestar ingerindo dieta com restrição de sódio e/ou comelevado teor de sais de potássio.

Graças ao interesse na detecção precoce e aosprocedimentos diagnósticos mais sensíveis, que nãolevam necessariamente em conta a presença dehipocalemia, podemos identificar, atualmente, umnúmero muito maior de pacientes normocalêmicoscom diagnóstico comprovado de HAP, provavelmenteatingindo mais de 50% dos casos detectados.

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Figura 2Figura 2: Diagrama da história natural e evolução clínica do hiperaldosteronismo primário.

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Além disso, estudos de rastreamento de HAPem populações de ambulatórios gerais, não necessaria-mente de hipertensos, tem possibilitado a identificaçãoprecoce de pacientes não somente normocalêmicos,mas também normotensos!

Há quase 20 anos, Emmanuel Bravo, da Cleve-land Clinic, em Cleveland, Ohio, mostrava que aprevalência de hipocalemia espontânea em casos deHAP era de 80 a 90%, já que este era o “marcador” dadoença. Nos restantes 10-20% dos casos, nos quais osníveis de potássio eram normais, “suspeitos” ou fron-teiriços (pacientes sob dieta hipo ou assódica ou emuso de reposição de potássio), utilizava-se uma ma-nobra para provocar hipocalemia administrando ao pa-ciente uma sobrecarga oral de sódio, através de dietahipercloretada. Na presença de excesso de aldosterona,a adição por aguns dias de 6 a 10 g/dia de NaCl a umadieta normal, era suficiente para aumentar a excreçãourinária de potássio e provocar hipocalemia em pelomenos metade daqueles casos.

Ainda segundo dados de Bravo, a presença dehipocalemia espontânea em pacientes hipertensossistêmicos tem sensibilidade de 75% e especificidadede 95%, na identificação de HAP, afastado o uso dediuréticos e outros fatores iatrogênicos. A hipocalemiaprovocada pela sobrecarga de sódio, melhora a sensi-bilidade diagnóstica para 85%, elevando ainda mais aespecificidade para 98%.

Aqueles que se utilizam da dosagem de potássiopara investigar HAP devem estar alertas para o fato deque em significativa parcela de casos, esses níveis nãoestão necessariamente reduzidos, ou então, situam-senuma faixa que habitualmente não chama a atenção,entre 3,4 e 3,7 meq/L. É habitual o clínico mostrar-sedesatento a esses níveis discretos de hipocalemia,mesmo sabendo que todas as possíveis causas de errona dosagem do potássio (analíticas e, principalmente,pré-analíticas, como garroteamento do braço, hemóliseda amostra, etc), superstimam sua concentração.Muitos colegas me consultam a respeito do diagnósti-co de HAP apenas quando encontram valores depotássio sérico na faixa extrema de 1,5 a 2,0 meq/L.Independente de desatenção ou simples desconheci-mento, é importante ressaltar e valorizar esta obser-vação do grau de tolerância do organismo à depleçãode potássio, expressa por estes valores séricos críticos.Diferente do que ocorre na depleção aguda de potás-sio, quando concentrações séricas nem tão acentuadasresultam em arritmia e parada cardíaca, níveis de 1,5 a1,7 meq/L são vistos esporadicamente (e razoavel-mente tolerados) em pacientes com HAP, uma idio-sincrasia justificada pelo longo período de depleção.

A Adição da Renina no Diagnóstico do HAPA Adição da Renina no Diagnóstico do HAPOutro parâmetro que passou a ser investigado posteri-ormente na evolução natural do hiperaldosteronismofoi o SRA. Na época da identificação do HAP, con-hecia-se pouco sobre o SRA-aldosterona e Conn aindanão tinha disponível nenhum ensaio para a dosagem derenina. Quase uma década depois é que a investigaçãodo HAP passou a englobar a determinação da ativi-dade plasmática da renina (APR, através de radioimu-noensaio para dosagem da angiotensina I gerada emcondições pré-determinadas), quando se documentouque a renina estava sistematicamente suprimida, emdecorrência da conhecida e evidente expansão do vol-ume do líquido extracelular e do volume plasmático.

Além da dosagem basal da APR, manobrasdinâmicas de estímulo permitiram alguma perspectivana diferenciação entre as duas principais etiologias doHAP, tumoral (APA) e não tumoral (IHA).

Dentre os vários testes de estímulo propostos(dieta hipo ou assódica por vários dias, administraçãooral ou IV de furosemida e estímulo postural) esteúltimo é o mais prático, simples e eficiente. Nos ade-nomas a APR encontra-se suprimida e consistente-mente não responsível ao se assumir a posição eretapor 2 hs. Este teste pode ser feito com o indivíduodeambulando ou não, após uma noite deitado ou, demaneira mais prática, após 30 a 45min recostado ecom as pernas distantes do chão. Nos casos de IHA,a APR encontra-se baixa, mas não suprimida, emuitas vezes apresenta algum esboço de resposta aode estímulo postural.

É importante estar atento para a existência,entre pacientes “hipertensos essenciais com reninabaixa”, de um subgrupo que possa ser diagnosticadocomo HAP. Em nossa experiência esta sub-populaçãopode chegar a 20% dos casos. As manifestações clíni-cas tendem a ser mais discretas, mas com o mesmopadrão bioquímico de renina baixa ou mesmo suprim-ida, em contraste com os “hipertensos essenciais comrenina normal”. Tanto os níveis de potássio como osde aldosterona (plasmática ou urinária) não estão nec-essariamente muito alterados, embora a relação aldos-terona:renina esteja elevada.

O ensaio para dosegem da APR, embora hojedisponível de rotina, tem inúmeras causas de erro, geral-mente no processamento pré-analítico, dificultandomuitas vezes sua interpretação correta. Um radioimu-noensaio recente dosa diretamente a enzima (renina),dispensando a relativa complexidade da determinação daAPR. Maior experiência ainda é necessária para avaliarsua utilidade no diagnóstico do HAP.A Relação Aldosterona: Renina Plasmática naA Relação Aldosterona: Renina Plasmática na

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Identificação de Casos de HAPIdentificação de Casos de HAPUma vez que no HAP os níveis plasmáticos de aldos-terona e de renina movem-se em direções opostas, parecerazoável se empregar um índice que combine o poderdiagnóstico de ambos os parâmetros para discriminarcom maior acurácia casos até insuspeitos da doença. Por-tanto, a relação aldosterona-renina (A:APR) – a primeiramedida em ng/dL e a segunda em ng/mL/h -, tornou-se,mais recentemente, um importante instrumento diag-nóstico no rastreamento do HAP.

Entretanto, este artifício não é nenhuma novi-dade, tendo sido publicado há anos atrás, mas esqueci-do ou deixado de lado por razões desconhecidas, talvezenvolvendo aspectos de praticidade ou custo. É evi-dente que desde que se disponha da dosagem plas-mática concomitante de aldosterona e APR, basta umasimples conta de dividir. Seu emprego, entretanto, pas-sou a ser rotineiro apenas nessa última década, quandoa detecção de casos de HAP elevou-se numa frequên-cia assustadora.

As dosagens para se determinar a relação A:APRsão feitas numa amostra matinal de sangue colhida como indivíduo em pé, em atividade normal, 2 a 4hs apóster-se levantado e durante uma visita ambulatorial derotina. Não há necessidade de qualquer preparo prévio,jejum, ou mesmo interrupção de medicamentos.

Nestas condições, quando se encontra umarelação A:APR menor do que 20, o diagnóstico deHAP é improvável e acima de 20, suspeito. Valoresmaiores do que 25 tornam o diagnóstico fortementesuspeito, maiores do que 30 provável e acima de 40,quase certo. Desta maneira, pode-se eleger qualquerponto de corte (cutoff) acima de 20 para a relaçãoA:APR: o teste ganha grande sensibilidade quandousamos um cutoff mais baixo, 20 ou próximo dele; aocontrário, ganha em especificidade, se escolhemos umcutoff próximo de 40.

Não se deve esquecer que para qualquer teste derastreamento de doenças, habitualmente se opta porum valor de corte associado a alta sensibilidade, sacrif-icando-se, evidentemente, a especificidade. Por exemp-lo, a escolha de um cutoff de 20, durante um virtualscreening para HAP num ambulatório de hipertensão,cardiologia ou nefrologia, permite com grande chancea detecção de todos os possíveis casos de HAP, embo-ra estejamos incluindo um número significativo defalso-positivos, pela perda de especificidade. Para queo diagnóstico de HAP seja efetivamente descartadonestes falso-positivos, deveremos empregar outrostestes e procedimentos - habitualmente com o pacienteinternado -, que seriam trabalhosos e forçosamentemais onerosos. Por outro lado, ao escolher um valor de

corte que permita alta especificidade (40 ou mais, porexemplo), corremos o risco de não diagnosticar umaparcela de casos verdadeiros de HAP, aqui classificadoscomo falso-negativos.

O melhor valor de corte, portanto, é aquele quepermita combinar a melhor (mais alta) sensibilidadecom a melhor (mais alta) especificidade. Este pontopode ser determinado através de curvas ROC (receiver-operator characteristics), estudando-se extensamenteuma amostra populacional significativa.

Existem alguns poucos e pequenos fatoresinterferentes na interpretação da relação A:APR,favorecendo resultados falso-positivos ou falso-nega-tivos. Por exemplo, a idade avançada, a insuficiênciarenal e o uso de beta-bloqueadores, tendem a pro-duzir resultados falso-positivos, fundamentalmentepor conta dos níveis mais baixos de renina encontra-dos nestas situações; na maioria das vezes, entretan-to, a concentração plasmática de aldosterona acom-panha os níveis de renina, afetando pouco a relaçãoA:APR. Resultados falso-negativos podem ser encon-trados em pacientes com HAP em uso crônico dediuréticos ou de antagonistas de canal de cálcio, espe-cialmente os dihidrodipiridínicos. Os primeirospodem elevar significativamente a APR e os últimos,reduzir a secreção de aldosterona. Em presença dehiperaldosteronismo, a relação A:APR mostra-se bas-tante confiável com o uso de prazosin, hidralazina ouinibidores da ECA, medicamentos que podem, por-tanto, ser mantidos, enquanto os demais menciona-dos talvez mereçam ser interrompidos para investi-gação posterior.

Na figura 3, estão representados os valores indi-viduais da relação A:APR, determinados retrospectiva-mente de estudos anteriores de nosso grupo. Vê-se,nos casos de APA, que a média dos dados foi de230±180, mesmo valor do caso da paciente apresenta-da (232); os valores mais baixos encontrados em APAestão na faixa de 40, e os mais elevados acima de 400,atingindo muitas vezes valores acima de 1000; noIHA, os valores tendem a ser mais baixos, 64±50, va-riando de 20 a 110.

Interessante notar que nos casos conhecidos epublicados de hipertensão essencial, usados como con-troles de HAP, a média dos valores é baixa, mas obser-vam-se alguns poucos pacientes com valores mais ele-vados, na faixa de HAP, que passaram desapercebidosna ocasião, mas hoje certamente teriam sido diagnosti-cados como HAP. Vê-se, também, que indivíduoscontroles normais tem valores da relação de 9±6, nãoultrapassando 15.Prevalência de HAP – Porque se Pensa Tão PoucoPrevalência de HAP – Porque se Pensa Tão Pouco

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no Diagnóstico?no Diagnóstico?Se, numa população específica de hipertensos, consi-derarmos o diagnóstico de HAP apenas quando o con-junto de sinais e sintomas estiver evidente, encon-traremos uma prevalência provavelmente da ordem de0,1 a 0,5%. Estes dados estão disponíveis em qualquerlivro de texto sobre o assunto.

Se pesquisarmos sistematicamente os níveis depotássio em todo paciente hipertenso, independente desintomas, e valorizarmos o achado de hipocalemia leveou moderada, e mesmo níveis normais baixos de potás-sio, a detecção de HAP dobra ou triplica, elevando aprevalência para a faixa de 0,5 a 2%. Este tem sido oprocedimento habitual de rastreamento bioquímicopara HAP preconizado pela maioria dos Serviços deHipertensão, desde há muitos anos. A inclusão da deter-minação de APR no screening para HAP, parece elevaros dados de prevalência para algo ao redor de 2 a 5%dos hipertensos, quando se encontram valores suprimi-dos.

Parece óbvio que se passarmos a investigar a pos-sibilidade de HAP em populações de hipertensos (emesmo de não hipertensos) por meio de um teste ouprocedimento ainda mais sensível, por exemplo a deter-minação da relação A:APR, a prevalência da doençaseria, como parece ser, muito maior, provavelmente nafaixa de 5 a 10%.

Considerando que os casos clínicamente mani-festos sejam apenas a ponta de um iceberg, testes derastreamento extremamente sensíveis, como por exem-plo a determinação do volume plasmático, poderiam

detectar um número ainda maior de casos. Realistica-mente, entretanto, há que se levar em conta a signi-ficativa perda de especificidade, a complexidade doprocedimento e todo o custo envolvido no processo.

O quadro 1. mostra estudos de rastreamento eprevalência de HAP realizados em amostras da popu-lação geral, em ambulatórios de hipertensos e em cen-tros de saúde. Os primeiros estudos, englobandoamostras de 700 a 4.000 indivíduos hipertensos, eramdatados de 1976, 1981 e 1987, antes, portanto, da uti-lização da relação A:APR, e quando apenas se utiliza-va a hipocalemia como “identificador” do HAP.Nestes estudos, a prevalência de HAP não ultrapassou0,2%. Entretanto, desde que se passou a utilizar a re-lação A:APR, de 1993 até os dias de hoje, a pre-valência de HAP vem aumentando para índices nafaixa de 8,1% a 13,4%. Embora pareça difícil acreditarem prevalências tão altas, pessoalmente tenho encon-trado números muito maiores do que antes imaginava.Um estudo prospectivo colaborativo multicêntrico esistematizado incluindo indivíduos do norte ao sul dopaís poderia trazer uma resposta a esta questão, pelomenos no Brasil.

Dois grandes centros de estudos em hiperten-são, a Mayo Clinic, em Rochester, Minesotta, EUA(William Young Jr) e o Hospital Greensleaves, emBrisbane, Australia (Richard Gordon), reportaramdados interessantes. No primeiro, a média de pacientesdiagnosticados com HAP, de 1960 a 1991, era de 12pacientes por ano; entre 1992 e 1999, quando pas-saram a utilizar a relação A:APR, a média anual

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Figura 3Figura 3. Valores individuais da relação aldosterona (em ng/dL):renina (em ng/mL/h) em pacientes com hiperaldosteronismoprimário por adenoma (APA) ou hiperplasia (IHA) e com hipertensão essencial com renina baixa (HERB) e voluntários normais nãohipertensos.

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elevou-se 10 vezes. No segundo, o número de casoscomprovados de HAP, de 1983 a 1990, era menor doque 10 por ano, mas de 1991 a 1999, com o uso darelação A:APR, elevou-se para 90 pacientes/ano.

A relação A:APR deverá ser interpretada comprecaução quando o valores basais de aldosterona plas-mática estiverem abaixo de 12 ng/dL. Adicionalmente,quando os valores de APR estiverem muito baixos ousuprimidos (<0,1 ng/mL/h, na maioria dos ensaios),recomenda-se que sejam corrigidos para 0,2 ng/mL/h,permitindo maior confiança na interpretação darelação. Habitualmente, os níveis suprimidos de APRtêm, isoladamente, maior poder diagnóstico (valorpreditivo positivo) do que aldosterona elevada.

Outras etiologias de hipertensão arterial, mesmocom hipocalemia, podem apresentar valores da relaçãoA:APR normais e, assim, virtualmente excluir HAP. Arelação A:APR encontra-se na faixa normal, ao redor de10, em situações onde aldosterona e APR estão ambaselevadas, como na hipertensão renovascular, tumoressecretores de renina, malignização de hipertensão, usode diuréticos, etc. Por outro lado, APR baixa ou suprim-ida com aldosterona também baixa, ocorrem em casosde pseudoaldosteronismo primário (excesso de outromineralocorticóide), insuficiência renal com hipoaldos-teronismo hiporreninêmico (acidose tubular renal tipoIV) e em outras entidades menos comuns.

Confirmação do Diagnóstico de HAPConfirmação do Diagnóstico de HAPUma vez suspeitado pelo encontro de hipertensão,com ou sem hipocalemia, renina suprimida e/ou arelação A:APR elevada, o diagnóstico de HAP neces-sita de confirmação. Fundamental, neste ponto, é a ca-racterização da autonomia do excesso de aldosteronaatravés de testes de supressão, conforme realizado nocaso apresentado.

Podem ser utilizados para este fim manobrascomo a infusão de solução salina, ingestão de dietahipercloretada por alguns dias, ou o emprego de outromineralocorticóide, de maneira análoga ao que se faz nasíndrome de Cushing, quando se administra dexa-metasona para suprimir os níveis de cortisol. Nestecaso, podemos utilizar o acetato de deoxicorticosterona(DOCA, 10mg IM a cada 12hs) ou a fludrocortisona(0,2 mg VO a cada 12hs), ambos durante 3 dias. Entre-tanto, o teste mais simples, menos invasivo e de menorrisco (por exemplo, para um paciente hipertenso severoe cardiopata), consiste na ingestão por 3 a 5 dias deuma dieta rica em sódio, com cerca de 6 a 10g de NaClpor dia. A observação de eventual queda (> 50%) dosníveis plasmáticos e/ou urinários de aldosterona nesseperíodo exclui o diagnóstico de HAP. Para a maioriados autores, manutenção da aldosterona urinária emníveis >12 µg/24 hs após supressão, estabelece o diag-nóstico de certeza de HAP.

Como Diferenciar Tumor (APA) de Como Diferenciar Tumor (APA) de Hiperplasia (IHA)Hiperplasia (IHA)Uma vez estabelecido o diagnóstico sindrômico, opasso seguinte é a diferenciação entre tumor (APA) ehiperplasia (IHA) - as causas mais comuns de HAP -,levando-se em conta que há 50% de chance para cadauma delas.

Além de prevalências distintas por sexo e idade,outras diferenças bioquímicas entre APA e IHA per-mitem estabeler um diagnóstico diferencial confiável,posteriormente complementado pelos procedimentosde imagem. As alterações bioquímicas são mais pronun-ciadas no adenoma do que na hiperplasia, como aldos-terona basal mais elevada (> 25 ng/dL no APA e < 25no IHA), bem como dos esteróides precursores DOC,18-hidroxicorticosterona, 18-oxo- e 18-hidroxicortisol.

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Quadro 1Quadro 1. Prevalência de hiperaldosteronsimo primário (HAP) nos últimos 25 anos, segundo o método de rastreamento.

População estudadaPopulação estudada n=n= MétodoMétodo CutoffCutoff PrevalênciaPrevalência AnoAno AutorAutor ReferênciaReferência

Geral 689 HipoK+ 0,1% 1976 Berglund 3Hipertensos 1.000 HipoK+ 0,1% 1981 Danielson 10Hipertensos 3.783 HipoK+ 0,2% 1987 Sinclair 32Voluntários Hipertensos 785 Aldo:APR 12,0% 1993 Gordon 19Hipertensos 199 Aldo:APR >30 8,5% 1994 Gordon 18Hipertensos 110 Aldo:APR >30 11,8% 1996 Widimsky 40Hipertensos 574 Aldo:APR 13,0% 1998 Rossi 31Hipertensos Não Selecionados 495 Aldo:APR >27 8,1% 1998 Lim 23Hipertensos Não Selecionados 125 Aldo:APR >27 13,4% 1999 Lim 24Hipertensos 305 Aldo:APR >25 9,5% 2000 Fardella 12Normotensos 205 Aldo:APR >25 1,5% 2000 Fardella 12Hipertensos 350 Aldo:APR >20 5,1% 2000 Loh 26

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Entretanto, melhor definição diagnósticabaseia-se na evidência de que nos tumores existe ausên-cia ou redução do número e afinidade de receptores deangiotensina II e, na hiperplasia, aumento. Caracteri-za-se assim, no APA e no IHA, respectivamenteresistência e hipersensibilidade aos procedimentos quemanipulam o SRA, como o teste da postura, a dietahipossódica, a administração de diuréticos e deespironolactona (SPL). Em todos eles, a aldosteronaplasmática não apresenta resposta no tumor, maseleva-se acentuadamente na hiperplasia.

Assim, à semelhança do que ocorre no indiví-duo normal, pacientes com IHA caracteristicamenteelevam seus níveis de aldosterona plasmática 2 a 4vezes quando assumem a posição ereta por 2 a 4h. NoAPA, ao contrário, embora os níveis de aldosteronabasal sejam muito mais elevados, não ocorre elevaçãoadicional, havendo até mesmo queda dos valores. Istose dá pela ausência de receptores para angiotensina epelo fato da APR estar suprimida nos adenomas. Asexceções à regra, - elevação da aldosterona em algunstumores e ausência de resposta em certos casos dehiperplasia -, caracterizam os casos atípicos, respectiva-mente o “APA responsível à angiotensina” e a “hiper-plasia adrenal primária”.

Considera-se resposta normal ao teste da postu-ra, conforme observada em indivíduos normais e noIHA, um incremento de aldosterona maior do 30%em relação ao valor basal; no APA, eventuais elevaçõessão consistentemente menores do que 30%. Este valorde corte foi estabelecido por nosso grupo, pela análisede curvas ROC (receiver operator characteristic), nasquais procura-se determinar o ponto de corte quetenha a melhor especificidade e sensibilidade do teste.

Da mesma maneira, o teste terapêutico com SPLpermite que se avalie o comportamento da aldosteronaplasmática e, principalmente, urinária. num período detempo mais longo. Após semanas ou meses do uso deSPL, tendo-se eliminado a sobrecarga de sódio e fluidos,obtém-se a normalização dos níveis de PA, potássio eAPR em casos de HAP. Mesmo assim, tanto a concen-tração plasmática como a urinária de aldosterona não sealteram no APA, enquanto elevam-se substancialmenteno IHA, conforme a explicação anterior.

Hoje em dia, dada a facilidade e ampla disponi-bilidade dos procedimentos de imagem, não se costumaaguardar pelos resultados de testes bioquímicos paraestabelecer o diagnóstico de HAP, partindo-se pronta-mente para a investigação radiológica. Trata-se de umainversão de princípios básicos da investigação clínica, eda própria índole do endocrinologista, apenas justifica-da pelo respeito a ansiedade do médico e do paciente.

Deve-se ter em mente, entretanto, que resultadosaparentemente paradoxais podem ocorrer e confundir ocenário como, por exemplo, o encontro de uma lesãoem uma das adrenais em presença de resultados bio-químicos sugestíveis de hiperplasia; pode-se tratar tantode um adenoma (APA) responsível à angiotensina,como de uma IHA clássica com presença de um nódulodominante, ou único, e mesmo de um incidentaloma.

Deve ser lembrado que as hiperplasias podemser uni ou multinodulares, micro ou macronodulares, emesmo ocorrer com adrenais de aspecto normal àimagem.

Opções Terapêuticas no HAPOpções Terapêuticas no HAPA abordagem terapêutica do HAP é cirúrgica oumedicamentosa, dependendo do diagnóstico do sub-tipo. A opção cirúrgica é reservada para os tumoresadrenais (adrenalectomia unilateral).e para os casosespecíficos de “hiperplasia adrenal primária” (adrena-lectomia parcial ou subtotal). Hoje em dia, cada vezmais se emprega a via videolaparoscópica, que nasmãos de cirurgiões experientes apresenta mínimamorbi-mortalidade peri-operatória.

O tratamento farmacológico, contínuo oupreparatório para a cirurgia, é baseado no uso deespironolactona (SPL), um agente antagonista com-petitivo específico do receptor de aldosterona. Noscasos de HAP supressível por glicocorticóides, o trata-mento consiste na administração de dexametasona.

A dose habitualmente empregada de SPL(Aldactone®, Searle) varia de 100 a 400 mg/dia,usada apenas uma vez ao dia, que é a nossa preferên-cia, mas podendo ser fracionada em duas vezes. Noscasos de intolerância gastrointestinal ao produto, eespecialmente quando do uso prolongado em home-ns, por causa de seus efeitos anti-androgênicos adi-cionais, produzindo ginecomastia, redução da libido,etc, podem ser utilizados outros agentes diuréticospoupadores de potássio. A amilorida é a melhor alter-nativa à SPL, mas não é comercializada no Brasil,como produto isolado. Pode ser obtida no mercadonorte-americano sob o nome comercial de Midamor®

(MS&D), e é empregada em doses de 10 a 40mg/dia. Seu mecanismo de ação é distinto, agindonos canais de cálcio e sódio não mineralocorticóides-sensíveis, produzindo natriurese sem expoliação depotássio. Outra alternativa, menos eficiente, é o tri-antereno, um produto disponível há anos, mas tam-bém não encontrado no mercado brasileiro, a não serem combinação. Disponível no mercado norte-ame-ricano (Dyrenium ®, SK&B), pode ser usado emdoses de 50 a 200 mg/dia.

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Em lugar dos diuréticos mencionados, podemosutilizar bloqueadores dos canais de cálcio e inibidoresda enzima de conversão. Embora sejam menos efe-tivos, funcionam adequadamente para o controle dapressão arterial, mas não normalizam os níveis depotássio.

Alguns derivados da progesterona, à semelhançada SPL, têm sido pesquisados, visando aumentar apotência anti-mineralocorticóide e reduzir os efeitosanti-androgênicos. Assim, o canrenoato de potássio,com poucos dados disponíveis, não mostrou-se superi-or à SPL e, mais recentemente, a eplerenona, ainda emfase de investigação clínica, parece promissora, pois éum antagonista da aldosterona eficiente com menoratividade anti-androgênica que a SPL e, portanto,recomendável ao homem e mesmo à mulher, evitandoa ocorrência de irregularidades menstruais.

A maioria dos estudos com Aldactone® utilizadoses altas, de 400 mg/dia; nós utilizamos 200 a300mg, que parecem suficientes, embora alguns casospossam precisar de doses maiores. A redução da PA ésignificativa e o efeito hipotensivo é muito maior noscasos de HAP e na hipertensão com renina baixa, doque em qualquer outro tipo de hipertensão.

A relação A:APR elevada parece ser preditiva daresposta hipotensora da SPL, e uma única medida podeser a base para individualizar o manuseio da hiperten-são. Estudos epidemiológicos recentes sugerem que ouso de diuréticos não poupadores de potássio emhipertensos é um fator de risco para morte súbitacardíaca. Entretanto, em casos de HAP mais resistentesao tratamento farmacológico convencional, podemosassociar à SPL, doses pequenas de diuréticos tiazídicos,potencializando seu efeito sobre a PA.

Alguns estudos comprovam que o tratamentofarmacológico de longa duração em pacientes comHAP é uma alternativa viável para controlar a PA e ahipocalemia, em lugar da cirurgia, especialmente em setratando de pacientes com grande risco cirúrgico.

Evitando o Hipoaldosteronismo Pós-CirúrgicoEvitando o Hipoaldosteronismo Pós-CirúrgicoO emprego de SPL como parte do tratamento do HAPvisa a normalização da PA e dos níveis de potássio eAPR para, então, recomendar cirurgia nos casos deAPA. Isto é feito não somente para propiciar aopaciente menor risco cirúrgico, como para permitir atotal recuperação da zona glomerulosa contralateral aoadenoma, certamente atrofiada. Como esta recuperaçãofuncional pode levar algum tempo, recomendamossempre que o paciente seja tratado por vários mesescom SPL, aguardando a completa normalização dosníveis de potássio e APR, agentes tróficos da zona

glomerulosa. Caso contrário, poderemos ser surpreen-didos, dias após a adrenalectomia, com um quadro, porvezes grave, de hipoaldosteronismo, que necessitará detratamento de reposição com fludrocortisona por perío-dos variáveis. No caso da paciente aqui apresentada,pode ter ocorrido provavelmente um hipoaldosteronis-mo relativo, já que, depois de operada apresentou níveisreduzidos de aldosterona. Este comportamento é emtudo semelhante à síndrome de Cushing por adenomaadrenocortical produtor de cortisol. A desatenção coma recuperação contralateral pode resultar em quadrosgraves de insuficiência glicocorticóide.

DISCUSSÃO ABERTADISCUSSÃO ABERTA

Dr. Alexandre Bitencourt Rosendo (médico resiDr. Alexandre Bitencourt Rosendo (médico resi--dente, Serviço de Endocrinologia do HC-FMUSP)dente, Serviço de Endocrinologia do HC-FMUSP)Qual o papel da cintilografia adrenal no diagnósticodiferencial do hiperaldosteronismo primário?

Prof. Dr. Claudio Elias Kater (Professor Adjunto deProf. Dr. Claudio Elias Kater (Professor Adjunto deMedicina, Disciplina de Endocrinologia da UniMedicina, Disciplina de Endocrinologia da Uni--versidade Federal de São Paulo)versidade Federal de São Paulo)Os procedimentos da Medicina Nuclear não podemjamais ser desprezados, embora não tenham grandeespecificidade. Não dispomos, na verdade, de um fárma-co com especificidade suficiente para detectar um tumorprodutor de aldosterona. Existe, além disso, um arsenalde outros procedimentos de imagem, o que torna a cin-tilografia adrenal praticamente dispensável. Por outrolado, não tenho maior experiência com a cintigrafia. Noinício dos anos 80, acompanhei na UC San Francisco,alguns estudos com o agente NP-59, um derivado sin-tético do colesterol com melhor resolução cintigráfica.Ele era utilizado durante supressão do ACTH com dex-ametasona, permitindo o mapeamento de tumores,mas, em geral, apenas aqueles com mais de 2cm dediâmetro, inviabilizando a detecção de parcela significa-tiva dos aldosteronomas.

Dr. Luiz Roberto SalgadoDr. Luiz Roberto Salgado (médico assistente,(médico assistente,Serviço de Endocrinologia e Metabologia do HC-Serviço de Endocrinologia e Metabologia do HC-FMUSP)FMUSP)Você acha necessário confirmar o diagnóstico de hiperal-dosteronismo com o teste de infusão salina em um pa-ciente com relação aldosterona:renina maior do que 40?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterEstamos, no momento, conduzindo um grande estudocolaborativo para avaliar a variabilidade da relaçãoaldosterona:renina na população geral e, em particular,em indivíduos hipertensos. Nosso objetivo é determi-

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nar qual o melhor nível de corte (cutoff) a partir doqual podemos dispensar outros procedimentos diag-nósticos. Existe, obviamente, uma relação custo-bene-fício a ser considerada, já que muitos indivíduos sus-peitos da doença necessitam de internação para pro-cedimentos diagnósticos, como a supressão com salina,que por sua vez não é isenta de riscos. Assim, quantomaior o nível de corte estipulado, por exemplo 40,maior a chance de poder dispensar outros procedimen-tos. Por outro lado, há redução de sensibilidade, cor-rendo-se o risco de perder alguns pacientes com mani-festações bioquímicas muito discretas da doença.Como não temos ainda esse dado, não sabemos as por-centagens de resultados falso-positivos e falso-nega-tivos com os vários níveis de cutoff. Por isso, escolhe-mos arbritariamente investigar todos os pacientes quetenham relação aldosterona:renina igual ou maior doque 25. Mesmo aqueles com valores bem mais eleva-dos serão, inicialmente, investigados por completo, aúnica maneira de se detectar resultados falso-positivos.Corremos um pequeno risco, evidentemente, com osfalso-negativos, aqueles portadores de HAP com va-lores da relação abaixo de 25, mas esta parcela deve serdesprezível.

Dr. Luiz Roberto SalgadoDr. Luiz Roberto SalgadoConsiderando que a determinação de renina e aldos-terona após manobras posturais e a administração dedrogas, não tem muita especificidade no diagnósticodiferencial do hiperaldosteronismo primário, qual ovalor diagnóstico do cateterismo de veias adrenais,para deteminação de aldosterona?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterEmbora os procedimentos atuais de imagem sejamexcelentes para a detecção de pequenas lesões adrenais,a facilidade e universalização de seu uso descortinaramo complexo problema dos incidentalomas. Passamos aencontrar, com freqüência, indivíduos com quadro bio-químico típico de hiperplasia, mas com uma imagemsuspeita de adenoma adrenal, ou quadro bioquímico deadenoma, mas com anormalidades em ambas asadrenais. De qualquer maneira, antes de tudo eurecomendo que se estabeleça junto com uma equipeespecializada de radiologistas, um protocolo apropriadopara exploração das adrenais nos casos suspeitos dehiperaldosteronismo. A chance de se perder pequenostumores adrenais, com diâmetros da ordem de 1,5 a2cm, relativamente freqüentes, é significativa nas mãosde radiologistas pouco experientes e sem um protocolocomum de investigação. Deve ser lembrado, também,que embora a aparelhagem seja importante, o cuidado

e a atenção com o procedimento em si são vitais. Apar-elhos de última geração podem não detectar tumorespequenos se o paciente não for adequadamente instruí-do a não se movimentar e respirar corretamentedurante o procedimento, por exemplo. Quando a sus-peita bioquímica é fortemente favorável a um adenoma,mas uma imagem bem realizada for negativa, pode sernecessário indicar o cateterismo seletivo de veiasadrenais, com coleta em separado de sangue paradosagem de aldosterona e cortisol, já que oscilações doACTH podem elevar a produção de aldosterona. Aqui,também, há necessidade de um bom intervencionistapara melhor acurácia diagnóstica.

Prof. Dr. Marcello Delano Bronstein (médicoProf. Dr. Marcello Delano Bronstein (médicoassistente, Serviço de Endocrinologia eassistente, Serviço de Endocrinologia eMetabologia HC-FMUSP) Metabologia HC-FMUSP) A resposta da hipertensão à espironolactona, nos casos dehiperaldosteronismo primário, sugere autonomia daadrenal e maior possibilidade de cura cirúrgica?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterConforme publicamos há algum tempo, a resposta àadministração de espironolactona, tanto dos níveis depotássio, que invariavelmente se elevam, quanto eespecialmente dos níveis pressóricos, é preditiva deautonomia do sistema. Isto praticamente garante oprognóstico e o sucesso cirúrgico, quer a lesão seja umadenoma, quer seja uma hiperplasia primária. Estaforma peculiar de hiperplasia é uma das poucas queresponde à redução de massa, diferente da hiperplasiasimples ou idiopática, na qual mesmo a adrenalectomiatotal bilateral não consegue normalizar os níveis depressão arterial elevados, embora normalize o potássio.

Prof. Dr. Marcello Delano BronsteinProf. Dr. Marcello Delano BronsteinQuando se deve investigar a reposta à dexametasonaem casos de hiperaldosteronismo primário?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterEu nunca tive a oportunidade de estudar um caso dehiperaldosteronismo supressível por dexametasona.Esta é uma entidade rara, de ocorrência familial e queacomete pacientes mais jovens. A suspeita é fortalecidapela presença de vários casos na família, razão pela quala condição vem sendo designada de “hiperaldostero-nismo familiar tipo 1”, em contraste com o subgruporeportado recentemente por Richard Gordon e cola-boradores. Esta nova forma, “hiperaldosteronismofamiliar tipo 2”, engloba casos familiares de adenomasprodutores de aldosterona ou de hiperplasia idiopática,não supressíveis por dexametasona. Sempre que se

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encontrar mais de um caso na família, especialmenteem jovens, deve-se indicar a supressão com dexameta-sona. Habitualmente a resposta é brilhante, tantoaguda como cronicamente. Como a condição resultade uma anomalia genética, casos suspeitos de hiperal-dosteronismo supressível por dexametasona podem teramostras de DNA analisadas por um consórcio inter-nacional. Após o PCR pode ser identificada a mutaçãoresponsável pela expressão da aldosterona-sintetase nazona fasciculada, tornando os casos suspeitos hoje emdia relativamente fáceis de serem diagnosticados.Deve-se ter cuidado com este diagnóstico bioquímico,uma vez que a administração aguda de dexametasonaem doses baixas, pode reduzir substancialmente osníveis de aldosterona plasmática em casos de adenoma,suprimindo o componente ACTH dependente de suaprodução.

Dra. Maria Adelaide Albergaria PereiraDra. Maria Adelaide Albergaria Pereira (médica(médicaassistente, Serviço de Endocrinologia eassistente, Serviço de Endocrinologia eMetabologia HC-FMUSP) Metabologia HC-FMUSP) A elevada prevalência de hiperaldosteronismo primárioem pacientes hipertensos provavelmente se deva à pre-sença de hiperaldosteronismo idiopático. Qual a im-portância prática desse diagnóstico? Isto vai mudar aconduta terapêutica?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterSe for possível detectar, numa população primaria-mente designada como de hipertensos sistêmicosidiopáticos, portanto sem etiologia definida, umaparcela que seja de causas definidas, certamente tere-mos melhor especificidade terapêutica. O que vocêquestiona, com pertinência, é que se não existe nomomento uma terapia específica para o hiperaldos-teronismo idiopático, qual o interesse em identificá-loscorretamente? Em primeiro lugar, a espironolactona(Aldactone®), por ser um antagonista competitivo daaldosterona nos seus sítios de ação, reverte sistematica-mente a hipocalemia e melhora os níveis pressóricos,embora sem normalizá-los. Contudo, isto é suficientepara que os pacientes tenham melhor prognóstico doque com um tratamento inespecífico. Entre os medica-mentos inespecíficos mais receitados para o tratamen-to da hipertensão arterial, estão os diuréticos tiazídicosque, se usados indevidamente, trazem o risco de pro-duzir ou agravar a hipocalemia, com seus efeitos inde-sejáveis inerentes. Além disso, pacientes com hiperal-dosteronismo idiopático não diagnosticado podemnecessitar de combinações de drogas para o controle dapressão arterial, que poderiam, do ponto de vistacusto-benefício, ser desnecessárias ou até prejudiciais.

A possibilidade de se identificar casos de hiperaldos-teronismo idiopático associada à perspectiva de seobter, a médio ou longo prazo, alguma terapia especí-fica já justificaria a identificação deste grupo. Do pontode vista prático, entretanto, não temos um tratamentoúnico totalmente efetivo e, na medida em que estespacientes não se beneficiam da cirurgia, talvez não hajamesmo uma vantagem evidente.

Dr. Alexander Augusto de Lima Jorge (médicoDr. Alexander Augusto de Lima Jorge (médicopós-graduando, Serviço de Endocrinologia epós-graduando, Serviço de Endocrinologia eMetabologia do HC-FMUSP)Metabologia do HC-FMUSP)Em qual paciente hipertenso, tratado com diurético einibidores de enzima conversora, você suspenderia amedicação para explorar hiperaldosteronismo primá-rio? Por quanto tempo o paciente deve ficar sem medi-cação para fazer as determinações de renina e aldos-terona? Qual a medicação que não interfere com essasdeterminações? Alguns laboratórios fazem a dosagemda renina e não a determinação da atividade plasmáti-ca de renina. Nesses casos qual o valor recomendadopara a relação aldosterona: renina?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterNão tenho resposta para nenhuma dessas perguntas nomomento. Minhas considerações estão sendo revistas,na medida em que novas situações e procedimentosestão sendo desenvolvidos. Na verdade, ainda estamosprocurando obter respostas a algumas questões: a re-lação aldosterona: APR está bem determinada e é fácilde ser empregada. Já a renina dosada por RIE, é ummétodo relativamente recente que ainda carece de valo-res de referência. Temos um protocolo que pretendecomparar os valores das duas determinações de renina everificar se há alguma vantagem em redefinir novos limi-tes de corte para a relação aldosterona:renina (por RIE).Alguns estudos nesta linha não encontraram correlaçãosignificante entre os dois métodos de dosagem da reni-na (APR e RIE), porque este é um processo dinâmicosem a necessidade de haver uma relação específica. Qualdos dois métodos será mais útil futuramente é aindauma questão aberta.

Tradicionalmente, para se investigar casos sus-peitos de hiperaldosteronismo primário, deve-se sus-pender toda e qualquer medicação que possa, potencial-mente, interferir com o sistema renina-angiotensina,especialmente diuréticos, β-bloqueadores e inibidores daECA. Quanto à relação aldosterona:APR, temos procu-rado não interferir na medicação do paciente, que é areal filosofia de um screening. Retira-se uma amostra desangue durante consulta de rotina, em atividade ambu-latorial normal, sem necessidade de repouso ou deam-

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bulação. O paciente mais idoso pode até sentar-se, man-tendo os pés no chão, não devendo apenas estar deitado.Os dados apresentados de valores falsamente elevadosou falsamente baixos da relação aldosterona:APR têmjustificativa teórica: β-bloqueadores suprimem a reninae podem resultar em valores falso-positivos. Se estacondição for muito prevalente deveremos interromper ouso de β-bloqueadores.Da mesma maneira, resultadosfalso-negativos - níveis reduzidos da relação em pacientecom hiperaldosteronismo primário -, podem estar asso-ciados ao uso de diuréticos, elevando desproporcional-mente a renina. Talvez, também, possa ser necessáriosuspender este tipo de medicação, mas nessa fase inicialdo screening preferimos não interferir em nada, parapodermos conhecer melhor o perfil e comportamentodeste teste.

Dr. Jean Jorge Silva de Souza (médico Dr. Jean Jorge Silva de Souza (médico residente, Serviço de Endocrinologia eresidente, Serviço de Endocrinologia eMetabologia do HC-FMUSP)Metabologia do HC-FMUSP)Um paciente portador de hiperaldosteronismo pri-mário e de incidentaloma adrenal pode ter seu quadrofuncional atribuído, erroneamente, ao tumor. Quandoeu devo suspeitar dessa situação?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterEvidentemente, quando o diagnóstico bioquímico dehiperaldosteronismo por adenoma é ineqüívoco, a re-moção da lesão deverá corrigir o quadro. De outraforma ele persistirá. Mas onde estará então a lesãoprimária, se o tumor removido era um incidentaloma?Eu não me recordo de ter visto tal situação na prática.Por outro lado, virtualmente todas as grandes séries depacientes mostram persistência de hipertensão arterialem alguns casos operados, quer pelo fato dos indivídu-os serem portadores de hipertensão essencial de base,quer pela longa exposição ao excesso de aldosterona,fazendo com que a pressão arterial se mantivesse fixa.Estes pacientes melhoram, mas não se curam dahipertensão; já uma eventual persistência dehipocalemia ou manutenção da supressão de renina,caracterizam o estado de hiperaldosteronismo, quepode ser comprovado pelas dosagens hormonais pós-cirúrgicas. É possível que a presença de um inciden-taloma possa mimetizar ou encobrir uma lesão espera-da, mas esta deve ser uma eventualidade muito rara.

Dr. Marcelo Cidade Batista (médico assistente,Dr. Marcelo Cidade Batista (médico assistente,Serviço de Endocrinologia e Metabologia do HC-Serviço de Endocrinologia e Metabologia do HC-FMUSP)FMUSP)Qual o kit que o senhor utiliza para as determinações dealdosterona e atividade de renina plasmáticas?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterNós usamos metodologia própria, desenvolvida naUNIFESP em colaboração com o Dr. José GilbertoVieira e o Laboratório Fleury. Para a determinaçãoda atividade plasmática de renina, empregamos umensaio doméstico de geração de angiotensina, uti-lizando um anticorpo específico desenvolvido contraa angiotensina I. A aldosterona também é dosada pormeio de um RIE doméstico com extração prévia.Este ensaio está sendo implementado com o empregode um anticorpo mais específico, evitando a reativi-dade cruzada com outros esteróides incomuns, emespecial aqueles produtos anômalos que podem estarelevados mais especificamente no hiperaldosteronis-mo primário. Idealmente, qualquer ensaio paraesteróides para ser confiável deve ser precedido deextração e separação por cromatografia, em especial aHPLC. Estamos, neste momento, padronizando esteprocedimento.

Dr. Marcelo Cidade BatistaDr. Marcelo Cidade BatistaQuando se usa cromatografia, o valor diagnóstico darelação aldosterona-renina é o mesmo?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterOs valores mostrados na minha apresentação são, naverdade, de um estudo retrospectivo. Utilizando osdados de aldosterona e APR, dosados por ocasião dodiagnóstico de hiperaldosteronismo primário, calcu-lamos o valor da relação aldosterona:renina. Exceto20 a 25 pacientes do nosso ambulatório na UNIFE-SP, a maioria destes dados foram colhidos no SanFrancisco General Hospital, ao longo dos últimos 25anos, com metodologia própria daquela instituição,que contemplava cromatografia prévia em papel e,posteriormente, em HPLC. Analisando em retro-specto os vários subgrupos de hiperaldosteronismoque tínhamos publicado, acabamos descobrindo umasub-população de hipertensos ditos essenciais quetinha a relação aldosterona:renina aumentada. Deve-riam, portanto, ser portadores de hiperaldostero-nismo previamente insuspeito. Os grupos bem esta-belecidos tem faixas da relação aldosterona:reninabem estratificadas: todos os adenomas produtores dealdosterona tem realmente valores acima de 40, geral-mente na faixa dos 200 a 500, as hiperplasias têm val-ores acima de 25, na faixa média de 50, e os hiperten-sos essenciais habitualmente abaixo de 20.

Dr. Marcelo Cidade BatistaDr. Marcelo Cidade BatistaIndependente do método utilizado, a sua expectativa éa de que essa relação vai ser válida como screening?

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Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterEu creio que sim. Mas aí voltamos para a pergunta ante-rior, se terá importância detectar especificamente oscasos de hiperaldosteronismo idiopático. Parece-me quevocês tiveram aqui no HC-FMUSP apenas dois casosdetectados neste último ano. Evidente que não pre-cisamos esperar que o indivíduo tenha 1,5 mEq/L depotássio ou se apresente com tetraparesia para que sesuspeite do diagnóstico. Estes são casos extremos.Níveis de potássio sérico na faixa de 3,2 a 3,5 mEq/L,normalmente tidos como “normais” por boa parte dosmédicos, devem ser considerados fortemente suspeitos.O objetivo é fazer o diagnóstico precocemente empacientes com alterações bioquímicas discretas. Ideal-mente, gostaríamos de poder detectar pacientes comhiperaldosteronismo primário mesmo que ainda nor-mocalêmicos e/ou normotensos, através da elevação darelação aldosterona:APR, o índice mais sensível doexcesso de aldosterona.

Prof. Dr. Bernardo Léo Wajchenberg (ProfessorProf. Dr. Bernardo Léo Wajchenberg (ProfessorEmérito da FMUSP) Emérito da FMUSP) Tenho dois pacientes com hiperaldosteronismo pri-mário e tumor adrenal que não foram operados porquenão tinham condições cirúrgicas e foram tratados comAldactone®. Esses pacientes estão sem medicação hávários anos e permanecem normotensos, com aldos-terona e renina normais, como se tivesse havido umaregressão, espontânea ou provocada pela espironolac-tona, do hiperaldosteronismo. Você conhece casossemelhantes?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterEu não saberia explicar porque um indivíduo que temhiperaldosteronismo por tumor comprovado bioquimica-mente, cujo tratamento prolongado com Aldactone®

reverteu o quadro clínico, mantém-se normal depois desuspensa a medicação. Diria que é uma questão de tempopara a doença ressurgir. Existe, também, a questão da pre-sença dos corpúsculos de espironolactona que, ver-dadeiramente, nunca foi esclarecida. Jerome Conndescreveu isso em tumores, mas os corpúsculos são cor-pos inertes, grandes, muito bem identificados, que com-prometem a mitocondria da célula tumoral. Talvez te-nham, por esta razão, a característica de “envenenar” otecido neoplásico interferindo no processo de respiraçãocelular, de maneira que um paciente que use espironolac-tona por tempo prolongado possa tornar o tumor fun-cionalmente inoperante. Talvez seja interessante reavaliarestes seus pacientes agora para constatar uma eventual“cura”. Conheço vários casos de pacientes que recusarama cirurgia e que vinham usando Aldactone® há mais de 5-

7 anos, mantendo-se muito bem controlados com dosesaté reduzidas da droga. Como não ousamos suspender otratamento deles, não sei dizer sobre uma possível “cura”.Em alguns pacientes com aldosteronoma, que vinhamusando Aldactone® por pouco tempo, pedimos autoriza-ção para suspender a droga a estudar a reinstituição doquadro clínico. Este tempo curto, obviamente não foisuficiente para torná-los quiescentes.

Prof. Dr. Helio Bisi (médico assistente, Serviço deProf. Dr. Helio Bisi (médico assistente, Serviço dePatologia do HC-FMUSP)Patologia do HC-FMUSP)Na paciente em questão havia adenoma coincidindocom hiperplasia da glomerulosa. Como interpretaresses achados? Devemos supor que houve evolução dahiperplasia para adenoma?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterNo caso apresentado, observou-se níveis baixos dealdosterona por algum tempo após a cirurgia, compro-vando a retirada de uma lesão funcionante qualquer quetenha sido ela. Embora tenham sido descritos casos dehiperplasia adrenal unilateral, parece-me pouco provávelque este seja o caso. Se a paciente tivesse tido um quadrode hiperplasia na qual se desenvolveu por alguma razãoum adenoma, eu esperaria que a outra glândula contin-uando hiperplasiada não houvesse supressão da aldos-terona no período pós-cirúrgico. Nós pudemos verificarem alguns de nossos casos de adenoma que existe umahiperplasia da zona glomerulosa ipsilateral e não, neces-sariamente, circunjascente ao adenoma ou peri-adeno-matosa. O mecanismo provável para explicar esta con-comitância de achados parece envolver a secreção local eação parácrina de IGFs e outros fatores de crescimentoproduzidos pelas células tumorais, resultando em hiper-plasia focal. Não tenho conhecimento da prevalênciadeste tipo de hiperplasia associada ao tumor. Nem tam-pouco de sua extensão, se apenas circunscrita ou focal,ou envolvendo toda a zona glomerulosa do córtex ipsi-lateral. O que seria natural de se esperar, a atrofia dazona glomerulosa remanescente, na realidade não ocorrecom frequência.

Prof. Eder C.R. Quintão (Professor Titular deProf. Eder C.R. Quintão (Professor Titular deEndocrinologia da FMUSP)Endocrinologia da FMUSP)Como o senhor vê a perspectiva do uso rotineiro deHPLC como método de análise dos hormôniosesteróides? Haveria necessidade de se acoplar umespectrômetro de massa?

Prof. Dr. Claudio Elias KaterProf. Dr. Claudio Elias KaterEste comentário, absolutamente pertinente, pode servisto de duas maneiras: em um laboratório de pesquisa,

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gostaríamos de obter informações corretas através dedosagens precisas. Mecanismos fisiopatológicos sãodesvendados com a certeza e a precisão metodológica.Dosagens imprecisas ou conflitantes não respondem aalgumas questões cruciais e a metodologia parece estarenvolvida no processo. Por outro lado, como a maioriados diagnósticos da patologia adrenal não necessita, obri-gatoriamente, de números precisos, determinações queutilizam kits comerciais de um laboratório de rotina sãotoleradas. Eu tive a oportunidade de vivenciar dois dosmais sofisticados laboratórios de referência em esteróidesno mundo: o de Edward Biglieri, em San Francisco e oCedric Shackleton, em Oakland. Biglieri antes de se for-mar médico era, como Shackleton, bioquímico, e ambosabsolutamente fascinados por esteróides. Ambosdescreveram inúmeras técnicas de separação utilizadashoje em dia nos laboratórios de pesquisa. Empregavamcromatografia em papel desde os anos 60, e sempre uti-lizavam cromatografia preparatória para dosagem deesteróides no plasma ou urina antes dos ensaios. Diziamque sem cromatografia não adiantava nada dosaresteróides, dada sua incrível semelhança estrutural e facil-idade de reatividade cruzada, por melhor que fosse oanticorpo empregado no RIE ou qualquer outro detec-tor. A cromatografia líquida de alta performance era uti-lizada no laboratório de Biglieri, enquanto a cro-matografia a gás e espectrometria de massa, era empre-gada por Shackleton para avalição de um sem número demetabólitos urinários de esteróides

Evidente que, além do alto custo envolvidoneste processo, quer com o HPLC quer com o GC-MS, a quantidade de trabalho refinado também é subs-tancial. Além disso, não se pode ter em qualquer la-boratório amostras de rotina passando por HPLC ouGC-MS porque demorariam um tempo enorme eiriam custar pelo menos 10 vezes mais.

Do ponto de vista de resultados específicos, serealmente se quiser separar sinal de ruído, inegavelmenteprecisamos contar com separação por cromatografia.

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Endereço para correspondência:Endereço para correspondência:

Maria Adelaide Albergaria PereiraAvenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255PAMB, 8o andar - Bloco 305403-000 São Paulo, SPe-mail: [email protected]: 3088-6964

Hiperaldosteronismo Primário RevisitadoPassos, et al.

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