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 Hipotireoidismo e doença aterosclerótica coronariana Hyp othyroidi sm and at herosc lerosi s Marcelo Chiara Bertolami Henri Paulo Zats Seção Médica de Dislipidemias do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Endereço para correspondência: Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo - Seção Médica de Dislipidemias. Av. Dr. Dante Pazzanese, 500. Ibirapuera - CEP 04012-180 - São Paulo - SP - Tel.: 5549-4205 - E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 08/2003. Aceito em 02/2004. Unitermos: hipotireoidismo, dislipidemia, aterosclerose. Unterms: hypothyr oidism , dislipidemia, a therosclerosis. Sumário O hipotireoidismo tem importância clínica na etiologia de dislipidemias e no desenvolvimento da aterosc ler ose. Mais comum ent e depende da f alência primária da glândula, que tem maior prevalência em populações idosas, particularmente do sexo feminino, podendo apresentar-se na forma clínica manifesta ou subclínica, que cursa assintomática, com alteração discreta do TSH sérico. O tratamento do hipotireoidismo está vinculado à forma clínica: na forma manifesta é indiscutível. Também está indicado na forma subclínica acompanhada de dislipidemia secundária. A reposição de hormônios tireoideanos deve ser gradual e lenta, com cuidado especial em pacientes com coronariopatia manifesta, controlando-se os níveis séricos de TSH, que idealmente devem ser mantidos abaixo de 2 mU/L. Sumary The hypothyroidism has clinical importance in the etiology of dislipidemias and in the development of atherosclerosis. More commonly it is due to the primary failure of the gland that is more prevalent among elderly populations, particularly women. It can be presented in the clinically manifest or in the subclinical form which follows asymptomatic, presenting mild alterations of serum TSH. The treatment of hypothyroidism is linked to the clinical form: for the manifested form it is unquestionable. It is also indicated in the subclinical form accompanied by secondary dislipidemia. Reposition of thyroid hormones must be gradual and slow, with special precaution for patients suffering of clinical coronary disease. The control of TSH serum levels ideally should be kept under 2 um/L. Numeração de páginas na revista impressa: 104 à 108 Resumo - O hipotireoidismo tem importância clínica na etiologia de dislipidemias e no desenvolvimento da aterosc ler ose. Mais comum ent e depende da f alência prim ária da glândula, que tem maior prevalência em populações idosas, particularmente do sexo feminino, podendo apresentar-se na forma clínica manifesta ou subclínica, que cursa assintomática, com alteração discreta do TSH sérico. O tratamento do hipotireoidismo está vinculado à forma clínica: na forma manifesta é indiscutível. Também está indicado na forma subclínica acompanhada de dislipidemia secundária.

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Hipotireoidismo e doença aterosclerótica coronariana

Hypothyroidism and atherosclerosis

Marcelo Chiara BertolamiHenri Paulo Zats

Seção Médica de Dislipidemias do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia da Secretaria de Estado da Saúdede São Paulo.

Endereço para correspondência: Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia da Secretaria de Estado da Saúde deSão Paulo - Seção Médica de Dislipidemias. Av. Dr. Dante Pazzanese, 500. Ibirapuera - CEP 04012-180 - São

Paulo - SP - Tel.: 5549-4205 - E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 08/2003. Aceito em 02/2004.

Unitermos: hipotireoidismo, dislipidemia, aterosclerose.

Unterms: hypothyroidism, dislipidemia, a therosclerosis.

SumárioO hipotireoidismo tem importância clínica na etiologia de dislipidemias e nodesenvolvimento da aterosclerose. Mais comumente depende da falência primária daglândula, que tem maior prevalência em populações idosas, particularmente do sexofeminino, podendo apresentar-se na forma clínica manifesta ou subclínica, que cursaassintomática, com alteração discreta do TSH sérico. O tratamento dohipotireoidismo está vinculado à forma clínica: na forma manifesta é indiscutível.Também está indicado na forma subclínica acompanhada de dislipidemia secundária.A reposição de hormônios tireoideanos deve ser gradual e lenta, com cuidadoespecial em pacientes com coronariopatia manifesta, controlando-se os níveisséricos de TSH, que idealmente devem ser mantidos abaixo de 2 mU/L.

SumaryThe hypothyroidism has clinical importance in the etiology of dislipidemias and in thedevelopment of atherosclerosis. More commonly it is due to the primary failure of thegland that is more prevalent among elderly populations, particularly women. It can

be presented in the clinically manifest or in the subclinical form which followsasymptomatic, presenting mild alterations of serum TSH. The treatment of hypothyroidism is linked to the clinical form: for the manifested form it isunquestionable. It is also indicated in the subclinical form accompanied by secondarydislipidemia. Reposition of thyroid hormones must be gradual and slow, with specialprecaution for patients suffering of clinical coronary disease. The control of TSHserum levels ideally should be kept under 2 um/L.

Numeração de páginas na revista impressa: 104 à 108

Resumo - O hipotireoidismo tem importância clínica na etiologia de dislipidemias e no

desenvolvimento da aterosclerose. Mais comumente depende da falência primária daglândula, que tem maior prevalência em populações idosas, particularmente do sexofeminino, podendo apresentar-se na forma clínica manifesta ou subclínica, que cursaassintomática, com alteração discreta do TSH sérico. O tratamento dohipotireoidismo está vinculado à forma clínica: na forma manifesta é indiscutível.Também está indicado na forma subclínica acompanhada de dislipidemia secundária.

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A reposição de hormônios tireoideanos deve ser gradual e lenta, com cuidadoespecial em pacientes com coronariopatia manifesta, controlando-se os níveisséricos de TSH, que idealmente devem ser mantidos abaixo de 2 mU/L.

Introdução

A associação entre o hipotireoidismo e a doença aterosclerótica coronariana (DAC) éconhecida há muitos anos. É provável que a principal alteração presente nahipofunção tireoideana, responsável pelo maior risco aterosclerótico, seja a

dislipidemia, freqüentemente encontrada nesses pacientes. A forma clínica deapresentação do hipotireoidismo é de fácil caracterização e tem implicações bemcomprovadas nos vários sistemas orgânicos, enquanto a forma subclínica, como seráabordado adiante, mostra-se tênue na caracterização e tem sido motivo de estudoquanto à importância na determinação da DAC e à indicação para tratamento.

Na população em geral, a prevalência do hipotireoidismo é em torno de 0,5% a 2,4%.Estas taxas sofrem influências de fatores como a idade, sexo e raça, sendo maior embrancos do que em negros, em mulheres e em indivíduos acima de 65 anos(1). Acorrelação entre hipotireoidismo e dislipidemia é clara e demonstrada(2), variando de4%(3) a 10,3%(4) a detecção da deficiência da glândula em pacientes

dislipidêmicos. Não há relação proporcional entre os níveis séricos de lípides e os doshormônios tireoideanos, mas costuma ser identificado aumento mais significativo decolesterol plasmático quando o TSH está acima de 20mU/L(5). Em Ambulatório deCardiologia se encontrou prevalência de 14,3 % de hipotireoidismo em população comcolesterol total acima de 200 mg%, chegando a 17,3% em pacientes acima de 65anos e atingindo 19% no grupo de sexo feminino(6).

A tireóide e o hipotireoidismo

A tireóide é uma glândula endócrina de vital importância para o organismo. Seushormônios, T4 (tiroxina) e T3 (triiodotironina), têm ação em células periféricas pormeio da ativação de receptores nucleares específicos (com maior afinidade pelo T3)

que determinam aumento da formação de RNA-mensageiros e proteínas derivados degenes que influenciam em processos como do hormônio do crescimento, miosina decadeia pesada, bomba de cálcio do retículo endoplasmático e várias enzimas(7).Essa produção está inserida no eixo hipotálamo-hipofisário, controlada pela secreçãode TSH (thyroid-stimulating hormone) pela hipófise e de TRH (thyroid-releasinghormone) pelo hipotálamo, em uma alça de estímulo e regulação por feedback apartir dos níveis plasmáticos dos hormônios em questão.

O hipotireoidismo é uma síndrome que resulta da redução de secreção dos hormôniospela tireóide. Essa síndrome é classificada como primária quando há falência daprópria glândula na secreção dos seus hormônios, tendo como principais etiologias atireoidite auto-imune (Hashimoto) e o tratamento prévio - cirúrgico ou radioisotópico- de hipertireoidismo. O hipotireoidismo primário é responsável por aproximadamente90% a 95% dos casos de hipofunção da glândula. O hipotireoidismo secundário écausado pela disfunção da glândula hipófise, tendo a diminuição ou ausência deestímulo do TSH como sua principal etiologia. Pode, ainda, ser classificado emhipotireoidismo terciário quando a disfunção hipotalâmica estiver presente(7).

A dosagem laboratorial dos hormônios de eixo faz o diagnóstico anatômico dadisfunção. Quando apenas os hormônios tireoideanos estão reduzidos, com aumentocompensatório do TSH, caracteriza-se o hipotireoidismo primário. Nocomprometimento secundário, ocorre a redução do TSH e dos hormônios tireoideanos- por baixo estímulo endócrino - com aumento compensatório do TRH, enquanto na

forma terciária há a redução da produção de TRH e, por conseguinte, de todos oshormônios do eixo. Esta revisão abordará principalmente o hipotireoidismo primário,com alguma menção às outras formas, quando necessário.

A síndrome do hipotireoidismo é dita clínica ou manifesta quando apresenta quadrosclínico e laboratorial típicos, com TSH sérico elevado e T3 e T4 séricos diminuídos,

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na maioria dos casos, acompanhada de sintomas bem definidos, principalmentequando adequadamente pesquisados. O denominado hipotireoidismo subclínico écaracterizado quando existem níveis séricos de T3 e T4 livre normais e TSHaumentado, na ausência de sintomas. Apesar da síndrome clínica bem caracterizada,existe, principalmente na população idosa, predominância de sintomas inespec íficosou com maior dificuldade de identificação clínica. Nesse sentido, a ocorrência dedepressão é muito importante, pela alta freqüência de aparecimento. Salienta-se queela pode ser leve e apenas percebida após o tratamento, pela mudança decomportamento que este proporciona.

Do ponto de vista laboratorial, os níveis de TSH habitualmente utilizados para aclassificação diagnóstica são TSH > 10 mU/L para hipotireoidismo clínico e TSH entre4 e 10 mU/L para hipotireoidismo subclínico. Entretanto, demonstrou-se que otratamento de reposição com hormônio tireoideano é capaz de levar à diminuição docolesterol total elevado, alteração metabólica mais comum e precoce relacionada àsíndrome subclínica em pacientes com dosagem inicial de TSH a partir de2,77mU/L(8).

Os sintomas clássicos do hipotireoidismo têm início insidioso e incluem intolerância aofrio, fadiga, astenia, pele seca, queda de cabelo, perda ponderal, diminuição do ritmo

intestinal e mialgias. Ao exame físico, podem estar presentes bradicardia,hipertensão diastólica, hipotermia, hipoventilação, fala arrastada, atitudes lentas,edema discreto em face, mãos e perimaleolar, pele seca e "aveludada". A depressãoé um sintoma comum, às vezes acompanhado de déficit cognitivo, porém muitopouco diagnosticado na prática clínica. Isso é de particular importância na populaçãoidosa, quando se camufla a depressão com a limitação das atividades, sendo muitasvezes confundida com a demência senil ou simplesmente atribuída ao processo"fisiológico" de envelhecimento.

O hipotireoidismo subclínico é encontrado em média em 7,8% da população adulta.Sua evolução é bastante variável: em pacientes acima de 60 anos, no período de 12meses, foi observado que em 5,5% dos casos com TSH elevado houve normalização,

76,7% dos pacientes permaneceram com T4 livre normal à hiperestimulação crônicado TSH e 17% evoluíram para hipotireoidismo manifesto, com falência da respostacompensatória ao TSH(9). A presença de anticorpos contra a peroxidase tireóidea(anti-TPO) é fator capaz de predizer a evolução para a falência, talvez indicandoatividade auto-imune vigente(9), principalmente quando associada à dosagem inicialde TSH acima de 10 mU/L.

Hipotireoidismo e dislipidemia

Os hormônios tireoideanos podem influenciar quase todas as fases do metabolismolipoprotéico, com efeitos nas células adiposas, hepatócitos e células somáticasperiféricas.

Concentrações plasmáticas reduzidas dos hormônios da tireóide acarretam diminuiçãoda atividade da lipase lipoprotéica (ou lipoproteína lipase - LLP) e da lipase hepática(LH)(10), levando à redução do metabolismo das lipoproteínas ricas em triglicérides,as formas remanescentes dos quilomícrons, e da lipoproteína de densidadeintermediária (IDL), mas principalmente da lipoproteína de muito baixa densidade(VLDL). Embora não seja a manifestação mais comum da dislipidemia secundária aohipotireoidismo, como se verá adiante, pode haver aumento da concentração séricade triglicérides, carreados pelas VLDL e, eventualmente, pelas IDL.O principal mecanismo fisiopatológico, entretanto, está na redução importante dadepuração das lipoproteínas de baixa densidade (LDL), c arreadoras de colesterol(11).

A produção de colesterol e de LDL não se encontra aumentada, mas a sua remoçãoplasmática, realizada por receptores celulares específicos de membrana, estábastante reduzida. Os hormônios tireoideanos diminuem a síntese e a expressãodesses receptores, levando a aumento sérico das LDL e, conseqüentemente, decolesterol. Também pode haver alteração qualitativa da apoproteína B-100 (apoB),única da LDL e responsável pela afinidade desta lipoproteína pelo receptor. Em

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adição, a lipoproteína (a), derivada da ligação da apoproteína (a) a apoB das LDL,encontra-se elevada no hipotireoidismo(12).

A atividade da enzima Lecitina-Cholesterol-Acyl-Transferase (LCAT), responsávelpela esterificação do colesterol endógeno para melhor armazenamento celular etransporte nas lipoproteínas, está diminuída no hipotireoidismo(10). Isso acarreta, emúltima instância, redução do transporte reverso do colesterol, processoantiaterogênico no qual a lipoproteína de alta densidade (HDL) remove o colesteroldas células periféricas de volta para o fígado.

Os hormônios da tireóide não afetam a conversão do colesterol em ácidos biliares,nem a absorção de colesterol no intestino, de modo que sua excreção é normal.

No quadro clínico-laboratorial, a dislipidemia mais comum no hipotireoidismo primário éa do tipo IIa de Fredrickson, ou seja, a hipercolesterolemia isolada. Na síndrome deorigem hipofisária - hipotireoidismo secundário - é mais comum encontrar-se tambéma elevação, embora não tão marcante, de triglicérides, caracterizando o tipo IIb deFredrickson(11). As modificações na HDL são pequenas, apesar de discreta elevaçãoda fração HDL2 em relação às outras, pela disfunção da LCAT, com HDL-colesterolnormal ou até diminuído(13).

Portanto, em presença de hipotireoidismo, pode-se observar aumento da síntesehepática de colesterol(14) e da secreção de VLDL, concomitantes à redução docatabolismo, pela deficiência de receptores celulares para LDL(15). Este último éconsiderado o distúrbio metabólico lipoprotéico de maior importância encontrado nasíndrome do hipotireoidismo. Essas alterações determinam, em graus variados,elevação do LDL-colesterol associado ou não ao VLDL-colesterol e aos triglicérides.Em associação, ocorre a elevação da apo(a), com aumento sérico da lipoproteína (a)- Lp(a)(16). Esta, além do conhecido efeito pró-trombótico, induz a ligação da LDL àsuperfície celular por receptor independente(17) ou se liga a glicosaminoglicanos naparede dos vasos(18), estimulando a migração de macrófagos(19).

Hipotireoidismo, dislipidemia e aterosclerose

Embora o hipotireoidismo manifesto esteja associado ao desenvolvimento daaterosclerose, evidências mais sólidas em relação à forma denominada subclínica sósurgiram recentemente(20). O estado hipotireóideo provoca depósito deglicosaminoclicanos em tecidos periféricos e induz às mudanças já citadas nometabolismo das lipoproteínas. Entretanto, não havia consenso se a reposiçãohormonal, guiada apenas pelo TSH traria benefício(21), quando a secreção hormonaltireoideana estava preservada. Pior ainda, admitia-se eventual malefício à essareposição, no que concerne ao favorecimento à osteoporose, pela influência nometabolismo do cálcio(21,22), além de que em muitos casos não era observadanormalização das lipoproteínas séricas, atribuída à dislipidemia primária concomitantee independente à disfunção tireoideana. A partir de publicação recente que envolveupopulação de 1.149 mulheres pós-menopausa, foi reconhecida a relação entre ohipotireoidismo subclínico e o desenvolvimento da aterosclerose, particularmente napresença de anticorpos anti-TPO(20). Desse modo, tem-se hoje a perfeita visão deque o hipotireoidismo, mesmo na sua forma subclínica, é causa de dislipidemia e temnítida associação com o desenvolvimento de aterosclerose, particularmente da DAC.O diagnóstico anatômico e funcional dessa síndrome endocrinológica se revesteentão de fundamental importância.

Investigação e tratamento

Embora a dosagem de TSH possa ser preconizada como rotina em mulheres acima de

65 anos (alguns recomendam acima dos 40 anos, a cada cinco anos), tem-seconsolidada hoje a indicação desse exame em determinadas situações:

- Indivíduos que apresentem quadro clínico sugestivo de hipotireoidismo, com apresença de sintomas vagos ou inespecíficos, principalmente se a idade for acima de65 anos;

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- Em idosos, a caracterização de mudança de hábitos de vida, limitação deatividades ou distúrbios cognitivos ou de comportamento que possam sercaracterizados como depressão, perda do prazer das atividades habituais (respeitadaa idade), perda do apetite, astenia ou adinamia;- Dores musculares inexplicadas podem ser atribuídas à miopatia do hipotireoidismo.

Na ausência de quadro clínico sugestivo de disfunção tireóidea, preconiza-se, doponto de vista cardiológico, a dosagem sérica de TSH em pacientes com dislipidemiaque tenham indícios de disfunção tireoidea na família (bócio, cirurgia etc.), no sexo

feminino, em pacientes com idade acima de 65 anos, nos que apresentem dislipidemiaresistente ao tratamento ou que recentemente descompensou sem motivo aparente.

Vistos esses aspectos, ressalta-se a importância da dosagem laboratorial do TSHplasmático como triagem (Figura 1); se alterada, acompanhada da caracterizaçãodos hormônios tireoideanos (habitualmente utilizada a fração T4-livre) e, no caso dehipotireoidismo primário, a verificação da presença de anticorpos anti-TPO(23).

Para o hipotireoidismo primário na sua forma clínica, como já citado, toma-se comoparâmetro o TSH sérico acima de 10 mU/l, que habitualmente, mas nãonecessariamente, está associado em níveis plasmáticos de T3 e T4-livre reduzidos e

com a presença de sintomas. Porém, se o TSH sérico for abaixo de 10 mU/l, masacima de 4mU/L, provavelmente se trata de hipotireoidismo subclínico, a serafastado pela pesquisa minuciosa de sintomas e alterações metabólicas como adislipidemia, devendo ser dosados T4 livre e anticorpos anti-TPO para suaconfirmação e melhor avaliação quanto à terapêutica de reposição hormonal.

A presença de TSH sérico abaixo do normal em pacientes com quadro clínico elaboratorial de hipotireoidismo indica etiologia hipofisária do distúrbio - hipotireoidismosecundário - ou hipotalâmica - hipotireoidismo terciário - a ser esclarecida com adosagem de TRH sérico. Note-se que a situação mais comum que leva à redução deTSH sérico é o hipertireoidismo primário, que teria manifestações clínicas bemdistintas - inclusive rara a associação com dislipidemias, mas que pode apresentar-

se também na forma subclínica, sendo portanto mais do que indispensável acorrelação clínico-laboratorial.

Figura 1(26)

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O tratamento do hipotireoidismo na sua forma manifesta é rotineiro e indiscutível.Salienta-se que a depressão pode ser o único sintoma presente, sendo poucodiagnosticada, porém determinando a necessidade de tratamento de reposição

hormonal. Na síndrome subclínica, caracterizada apenas pela discreta elevação doTSH sérico, o tratamento está vinculado à presença de dislipidemia secundária,esperando-se a normalização dos lípides plasmáticos após atingir-se o estadoeutireóideo(24,25). Entretanto, não é infreqüente a associação do hipotireoidismocom a dislipidemia primária, que será reconhecida quando, após a correção dadeficiência hormonal por alguns meses, permanecer a alteração lipídica, que deveráentão ter enfoque específico.

A reposição de hormônios tireoideanos deve ser gradual e lenta, com cuidadoespecial em pacientes com coronariopatia manifesta, iniciando-se com 25% da dosede levotiroxina calculada para o peso (Tabela 1) e aumentando-se,progressivamente, com controle dos níveis séricos de TSH desejados abaixo de

2mU/L. Após o estabelecimento do estado eutireóideo, deve-se reavaliar aslipoproteínas, pois, como citado, a concomitância do hipotireoidismo e da dislipidemiaprimária é possível e não rara. Na vigência dessa situação, ela deverá ser abordadacom o tratamento específico para a dislipidemia, com o objetivo maior de evitar ouretardar o aparecimento da aterosclerose.

Conclusões

O hipotireoidismo deve ser lembrado como causa de aterosclerose, particularmentena vigência de dislipidemia entre mulheres pós-menopausa. Mais freqüentemente eledepende da falência primária da glândula. Pode apresentar-se na formaclínica

manifesta ou subclínica, que cursa assintomática, com alteração discreta do TSHsérico. O tratamento da forma manifesta é indiscutível e também está indicado naforma subclínica acompanhada de dislipidemia secundária. O tratamento comhormônio tireoideano deve ter início gradual e o aumento de doses deve ser lento,particularmente em pacientes com coronariopatia manifesta, controlando-se osníveis séricos de TSH, que idealmente devem ser mantidos abaixo de 2mU/L.

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