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ACADEMIA MILITAR
DIRECO DE ENSINO
Curso de Cavalaria
Tirocnio para Oficial
2008/2009
TRABALHO DE INVESTIGAO APLICADA
A Pacificao de Moambique no Final do Sculo XIX, Luz
da Velha Aliana.
Autor: Aspirante Tirocinante de Cavalaria Miguel Pelgio Santos de Almeida
Orientador: Tenente-Coronel de Infantaria Antnio Jos Marracho
Lisboa, 23 de Setembro de 2009
ii
Agradecimentos
Escrever uma dissertao implica deixar cair o dogma e estar aberto a novas
ideias. Implica recluso mas tambm a descoberta de novos lugares e o contacto com
as pessoas. Sem elas, no conseguiramos encontrar alternativa aos becos sem sada
a que o trabalho inevitavelmente leva. sempre um esforo colectivo.
Queria publicamente expressar a minha gratido e reconhecimento aos
seguintes:
Biblioteca da Academia Militar e em particular Dona Paula, por todo o apoio
e ateno que demonstraram;
Ao Arquivo Histrico Diplomtico, pela sua permanente disponibilidade;
Biblioteca Nacional, onde um funcionrio me fez repensar o que significa
estar no Exrcito;
Ao meu orientador, o Tenente-coronel Antnio Jos Marracho, por mesmo no
meio de problemas familiares ter arranjado tempo para me auxiliar;
Ao meu curso, com quem pude desabafar, e que por passar pelas mesmas
dificuldades me compreendeu melhor do que ningum.
minha irm Paula e Adriana por me terem ajudado nas revises.
A todos aqueles que por esquecimento no estejam aqui mas que auxiliaram
na realizao deste trabalho.
A todos vs os meus melhores votos.
iii
Resumo
Portugal tem com a Inglaterra a mais velha aliana do mundo.
Assinada em 1386 por D. Joo I, para garantir proteco contra Castela e para
assegurar a independncia nacional, foi evoluindo atravs das sucessivas ratificaes.
No sculo XIX d-se a corrida a frica e em 1884-5, a Conferncia de Berlim
obriga a que as potncias europeias tomem medidas activas de ocupao do territrio.
O projecto portugus do Mapa Cor-de-Rosa e o Ingls de ligar o Cabo ao Cairo
so incompatveis e o choque de interesses leva ao azedar das relaes.
A 11 de Janeiro de 1890 d-se o Ultimatum Britnico e com ele surgir mais de
uma dcada de anglofobismo que marcar a poltica portuguesa.
No final do mesmo ano, a British South Africa Company invade o distrito de
Manica em Moambique, destabilizando a administrao portuguesa e agravando o
sentimento contra a Inglaterra. Tambm o Acordo de 1891, de delimitao de
fronteiras, se mostra prejudicial e enterra de vez o sonho do Mapa Cor-de-Rosa.
Loureno Marques entretanto tornara-se o mais importante porto regional. A
construo de uma linha frrea entre este e Pretria vem agravar a severa crise
econmica que Portugal enfrenta.
Multiplicam-se os boatos de que para solucionar o problema, ser necessrio
proceder alienao das colnias.
Em 1898, Inglaterra e Alemanha assinam um acordo secreto, em que partilham
entre si o territrio portugus, caso no se consiga pagar um eventual emprstimo.
Resta saber qual o estado da Aliana no meio de todos estes acontecimentos.
PALAVRAS-CHAVE: Velha Aliana, Conferncia de Berlim, Ultimatum,
Tratado de 1891, Convenes Anglo-Alems de 1898
iv
Abstract
Portugal and England have the worlds oldest alliance.
Signed in 1386 by D. Joo I, to ensure protection against the Kingdom of
Castela and to ensure national independence, it evolved throughout a different number
of ratifications.
In the nineteenth century, the race for Africa and in particular the Berlin
Conference, forced European countries to take active measure for Africas occupation.
The Portuguese project of the Mapa Cor-de-Rosa and the English one to
connect the city of Cabo to the Cairo could not co-exist and led to demise between
their relations.
January 11th 1890, was the day of the British Ultimatum. With it would rise more
than a decade of resentment that would leave a mark on Portuguese policies.
In that same year the British South Africa Company invaded Manica in
Mozambique thus destabilizing the Portuguese regional administration and making the
anti-British sentiment even worse. The Agreement of 1891 that regulated the boarders
was also bad for Portugal and buried the dream of the Mapa Cor-de-Rosa.
In the meanwhile Delagoa had become the most important regional port. The
construction of a railway line between it and Pretoria made Portugals severe economic
crisis even worse.
Rumors spread that to solve the crisis it would be necessary to alienate the
colonies.
In 1898, England and Germany signed a secret agreement in which they shared
the Portuguese colonies amongst themselves if Portugal was not able to pay out an
eventual loan.
One question can then be asked. What was the state of the Alliance in the
middle of all these events?
KEY WORDS: Old Alliance, Berlin Conference, British Ultimatum, Treaty of 1891,
Anglo-German Alliance
v
ndice
Introduo ......................................................................................................................... 1
1. A Velha Aliana....................................................................................................... 4
1.1. Origens ............................................................................................................... 4
1.2. Uma Aliana em Evoluo................................................................................. 5
1.3. Vantagens para Inglaterra ................................................................................. 6
1.4. Vantagens para Portugal ................................................................................... 6
1.5. Breves Concluses ............................................................................................ 7
2. Provncia de Moambique no Sculo. XIX ............................................................... 7
2.1. Generalidades .................................................................................................... 7
2.2. Moambique....................................................................................................... 8
2.3. Os Prazos da Coroa .......................................................................................... 9
2.4. Os Super-Prazos ............................................................................................. 10
2.5. Companhias Majestticas/Charter .................................................................. 11
2.5.1. Cecil Rhodes e a British South Africa Company (BSAC) ........................ 11
2.5.2. Companhia de Moambique .................................................................... 12
2.6. Breves Concluses .......................................................................................... 14
3. Conferncia de Berlim ............................................................................................. 14
3.1. Loureno Marques e o Direito Internacional at 1885 .................................... 14
3.2. A Conferncia .................................................................................................. 15
3.3. Breves Concluses .......................................................................................... 18
4. Ultimatum Britnico ................................................................................................. 19
4.1. De Berlim ao Ultimatum ................................................................................... 19
4.2. Consequncias ................................................................................................ 22
4.3. Breves Concluses.......................................................................................... 23
5. Tratado Anglo-Portugus de 1891 .......................................................................... 24
5.1. Tratado de 20 de Agosto de 1890 ................................................................... 24
5.2. Modus Vivendi de 14 Novembro de 1890 ....................................................... 25
vi
5.3. Manica .............................................................................................................. 25
5.3.1. Misso a Gungunhana ............................................................................. 28
5.4. Tratado de 1891 ............................................................................................... 29
5.5. Breves Concluses .......................................................................................... 30
6. As Convenes Anglo-Alems de 1898 ................................................................. 31
6.1. O Caminho-de-Ferro de Loureno Marques ................................................... 31
6.2. A envolvente Poltica ....................................................................................... 33
6.3. O Emprstimo .................................................................................................. 33
6.4. Convenes Anglo-Alems de 1898 .............................................................. 37
6.5. Tratado de Windsor de 1899 ........................................................................... 39
6.6. Breves concluses ........................................................................................... 41
7. Concluses Finais ................................................................................................... 42
Bibliografia ...................................................................................................................... 47
ANEXOS ......................................................................................................................... 50
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana
1
Introduo
Cada momento tem o seu referencial prprio (Santos, 1979)
Estudar a Histria mais do que saber que este indivduo ou aquela nao
agiram de certa forma ou tomaram determinado rumo em detrimento doutro.
tambm a tomada de conscincia de um dado contexto social e geogrfico, onde
existem influncias que muitas vezes nos so alheias e das quais nem sequer nos
apercebemos, tornando o seu estudo no apenas til, mas tambm apaixonante. As
presses e condicionantes a que os nossos antepassados estiveram sujeitos so
semelhantes s nossas e sabendo-o podemos ser capazes de dar mais um passo no
caminho do equilbrio com o nosso referencial. (Santos, 1979)
Foi a fama que Mouzinho adquiriu ao terminar a Campanha de Gaza, com a
captura de Gungunhana, que primeiro chamou a ateno para a problemtica da
Pacificao de Moambique.
Uma pesquisa inicial, veio no entanto a revelar, o quo secundria foi na
realidade a ameaa que os poderes africanos representaram para o futuro da colnia
portuguesa, face verdadeira ameaa, resultante de jogadas polticas entre as
grandes potncias europeias com interesse em Moambique. O envolvimento ingls
em todo o processo, contribuiu decisivamente para desviar o foco da nossa pesquisa
do campo militar e levou-nos a analisar a evoluo poltica da situao perante a
aliana militar que existe h sculos entre Portugal e Inglaterra.
Em torno de Portugal, e atacando os seus interesses vitais actuam sempre as
mesmas foras estrangeiras e internacionais; estas aparecem sob coberturas
ideolgicas diversas consoante as pocas. (Nogueira, 2000)
Este trabalho refere um perodo durante o qual Portugal foi obrigado a mostrar
aos seus pares europeus que ainda tinha a fora e a habilidade para manter o seu
imprio ultramarino. Mas teria?
De 1890 a 1900 decidiu-se a pacificao da provncia de Moambique.
Depois da Conferncia de Berlim (1884-85), que obriga a uma ocupao
efectiva do territrio e do Ultimatum Britnico (1890) que deixa o pas moralmente de
rastos, o futuro da nossa colnia ultramarina v-se seriamente ameaado pelas
pretenses Britnicas e Alems.
Salvou-a a habilidade poltica de alguns dos nossos diplomatas apoiada no
terreno pela presena de bravos soldados comandados por uma nova gerao de
oficiais Africanistas como Mousinho, Aires de Ornelas, Caldas Xavier, Paiva
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana
2 Trabalho de Investigao Aplicada
Couceiro, Freire de Andrade e Eduardo Galhardo. As vitrias polticas e militares
adiaram o colapso do imprio ultramarino e levantaram o nimo da nao.
Mas nisto tudo, onde estava a Velha Aliana? Ter sido evocada?
Se no o foi, qual a razo? Se o foi, para que resultados?
Face ao tema temos ento como objectivos especficos os seguintes:
Compreender as bases em que assenta a Aliana Luso-Inglesa;
Compreender luz da poca em estudo a importncia da Provncia de
Moambique;
Analisar o impacto resultante da Conferncia de Berlim e do Ultimatum
Britnico;
Analisar os tratados que regiam a poltica internacional ultramarina na
altura.
A execuo deste trabalho est assente exclusivamente no Mtodo de
Investigao Documental.
Como questo central da tese definimos a seguinte:
Face s ambies das potncias europeias sobre a provncia de
Moambique, ter-se- a Inglaterra mantido fiel Velha Aliana no perodo de
1890 a 1900?
De igual forma, como questes derivadas levantmos as seguintes:
Como se adaptou Portugal Conferncia de Berlim?
De que forma se manifestaram as ambies anglo-alems?
Como justificaram os ingleses as suas pretenses?
Que influncia teve a opinio pblica portuguesa de ento?
Tero sbditos ingleses actuado revelia do governo?
A quem deve Portugal a conservao da provncia de Moambique?
Ter-se- Portugal afastado da Aliana?
Como linhas orientadoras temos as seguintes hipteses bsicas:
A Aliana Inglesa tem servido de igual modo ambas as potncias;
Portugal estava a conseguir adaptar-se s determinaes da Conferncia
de Berlim;
Moambique era vital na poltica da frica Austral;
Os poderes africanos foram jogados contra Portugal;
O Conflito Anglo-Boer permitiu a Portugal salvar a sua provncia.
O trabalho est estruturado na introduo e sete captulos, no qual se incluem
as concluses. No final, encontram-se os vrios anexos que auxiliam compreenso
da monografia.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana
3 Trabalho de Investigao Aplicada
O primeiro captulo versa sobre as origens da histrica aliana, levando em
conta as suas sucessivas ratificaes. Analisa tambm as vantagens que esta traz a
cada um dos pases e as obrigaes que acarreta.
No segundo captulo, discutem-se algumas generalidades importantes sobre
Moambique, dando relevo questo das etnologias africanas, dos problemas
econmicos e dos sistemas administrativos. abordada a origem das companhias
majestticas que, como se ver, tero vital papel durante o perodo em estudo.
No terceiro captulo, trata-se a questo da conferncia de Berlim, a sua
gnese, as alteraes que provocou na poltica internacional e mais importante ainda,
as adaptaes a que obrigou Portugal. Refere-se a um perodo anterior quele que
nos propomos estudar, no entanto fundamental para a compreenso do referencial
africano da altura.
O quarto captulo, sobre o Ultimatum Britnico, o primeiro relativo poca em
anlise. Consequncia directa da Conferncia de Berlim e das subsequentes aces
portuguesas, a prova mais viva e marcante que os interesses de ambas as naes
divergiam.
O quinto captulo refere alguns acontecimentos que simbolizaram a expanso
britnica no interior africano. Aborda-se a questo da invaso de Manica por foras da
British South Africa Company de Cecil Rhodes.
Analisa-se tambm o tratado de 1891 em que se delimitaram as esferas de
influncia entre os dois pases, levando em conta a perda de poder quando
comparado com o Tratado de Agosto de 1890, rejeitado devido a quezlias polticas
internas do ps-ultimato.
O sexto captulo uma reflexo sobre as pretenses das vrias potncias
europeias e africanas na frica portuguesa, sobre o que torna Loureno Marques no
mais importante porto moambicano e sobre o papel das repblicas Boer na poltica
regional. Faz referncia ao tratado Anglo-alemo de 1898, as suas causas e
consequncias, bem como a maneira como Portugal evitou a penhora do seu territrio.
Analisam-se algumas notas secretas relativas ao acordo, onde Inglaterra e
Alemanha dividem entre si o territrio portugus.
Terminamos, no stimo captulo, com algumas das concluses mais essenciais
a que a elaborao da dissertao nos fez chegar.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX
4
1. A Velha Aliana
1.1. Origens
A amizade tradicional que une Portugal a Inglaterra bastante anterior prpria
Aliana
Em termos geogrficos natural que assim o seja. Se a Inglaterra, isolada na sua
ilha, tem natural tendncia para se expandir pelo mar, afirmando-se como potncia
martima, Portugal, com uma posio extrema na Pennsula Ibrica um natural porto
de passagem e de apoio aos navios vindos do Norte.
Assim, iniciaram-se cedo as relaes entre os dois pases. Logo em 1147 foram
cruzados ingleses que auxiliaram D. Afonso Henriques na tomada de Lisboa (tambm
eles de passagem a caminho de Jerusalm), mais tarde em 1303, fruto do comrcio
intenso, Eduardo I redige a Carta Mercatoria onde estabelece alguns privilgios
comerciais concedidos aos mercadores portugueses e em 1352 Eduardo III concede
salvo-conduto e toma sob a sua proteco, defesa e salvaguarda os mercadores,
capites e equipagens de Portugal, para que possam ir, entrar e residir em todos os
estados submetidos sua coroa1. (Guedes, 1938)
D. Fernando promulga em 1373, um antecessor da Aliana, o Acordo de Tgilde -
um tratado de paz, amizade e ajuda militar, ofensiva e defensiva que, em plena Guerra
dos Cem Anos, colocaria Portugal no lado de Inglaterra contra Henrique II de Castela
e os seus aliados franceses2.
D. Fernando morre em 1383, sucedendo-lhe D. Joo I. Joo I de Castela, por sua
vez, acha-se com direito ao trono portugus e avana sobre Portugal sendo derrotado
em Aljubarrota.
Garantida a independncia nacional o monarca portugus sente necessidade de
encontrar um equilbrio externo que garanta a defesa do Reino numa emergncia.
Assim assinado com o Duque de Lencastre o Tratado de Windsor, em 9 de Maio
de 1386, do qual resulta a integrao portuguesa na guerra dos Cem anos (Mattoso,
s.d) e a mais antiga aliana entre naes que o Ocidente conhece - a de Portugal com
a Inglaterra .
1 Um ano mais tarde esse mesmo soberano celebraria com Portugal um tratado de comrcio
com a durao de 50 anos. 2 D Fernando acabaria por entrar em guerra com Castela. Ao ver que esta no corre de feio,
assina a paz e compromete-se a abandonar o acordo e a voltar a colocar-se do lado de Castela
e Frana.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 1 A Velha Aliana
5 Trabalho de Investigao Aplicada
1.2. Uma Aliana em Evoluo
Ao longo dos anos as condies e circunstncias que tinham dado origem ao
tratado original3 alteraram-se, levando a sucessivas revalidaes.
Assim, at 1890, tivemos as seguintes ratificaes da aliana4 (Pereira, s.d):
I. Londres, 16 de Junho 1373 [tratado antecessor da Aliana];
II. Windsor, 9 de Maio de 1386;
III. Londres, 29 de Janeiro de 1642;
IV. Westminster, 20 de Julho 1654;
V. Whitehall, 26 de Abril de 1660;
VI. Whitehall, 23 de Junho de 16615;
VII. Lisboa, 7 de Maio de 1703;
VIII. Viena, 22 de Janeiro de 1815
Particularizamos aqui e porque ser importante para o resto do trabalho, o artigo
secreto que acompanhava a ratificao de 1661, pois nele se fala pela primeira vez
em colnias.
Nele se diz:
() fica, por este artigo secreto, estipulado e combinado que Sua Majestade
Britnica, em vista das grandes vantagens e acrscimos de domnios conseguidos
pelo mencionado tratado de Casamento, comprometer e obrigar, como o presente
artigo impe a defender e proteger todas as conquistas ou colnias pertencentes
Coroa de Portugal contra todos os seus inimigos, tanto presentes como futuros;
(Artigo Secreto, Tratado de Whitehall, 23 de Junho de 1661)
Assim, resumem-se os aspectos essenciais da aliana nos seguintes pontos
(Viriato, 1914):
I. Um tratado de amizade constante e perptua entre Portugal e Gr-Bretanha;
II. Em que nenhuma tratado com outras naes se pode sobrepor;
III. Em que nenhuma das partes se juntar ou auxiliar, de qualquer maneira, os
inimigos da outra;
3 Ver frmula do Tratado no Anexo B
4 Mais tarde, seriam assinadas pelo menos outras duas ratificaes. Uma em Londres a 14 de
Outubro de 1899, e outra j fora do perodo em estudo, a 16 de Novembro de 1904. 5 Ver frmula do Tratado no Anexo B
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 1 A Velha Aliana
6 Trabalho de Investigao Aplicada
IV. Cada uma das partes impedir danos e descrditos e avisar a outra de futuros
ataques;
V. Nenhuma parte receber inimigos ou fugitivos rebeldes, excepto fugitivos
exilados;
VI. Nenhuma consentir que inimigos da outra parte se armem nas suas terras;
VII. Quando uma das partes for atacada ou invadida, a outra parte quando
requerido, dever mandar auxlio de homens, armas, etc., para a defesa dos
territrios na Europa, excepto quando faam falta no seu prprio pas6;
VIII. De igual modo, em quaisquer conquistas ou colnias que uma das partes
aliadas veja ofendida, dever a outra, quando solicitado, enviar auxlio para a
sua defesa ou recuperao quando perdida;
IX. Quando Portugal se vir ameaado por Espanha ou Frana, a Inglaterra
compromete-se a fazer os possveis para manter a paz e quando tal no for
possvel a lutar ao lado de Portugal.
1.3. Vantagens para Inglaterra
Face aos acordos de aliana, a Inglaterra consegue, alm de um elevado peso
poltico em Portugal, evitar que os dois poderes da Pennsula Ibrica se aliem de
modo a fazer perigar os seus interesses sobre as rotas de acesso martimo na regio7.
Garante tambm o livre acesso aos portos portugueses e a garantia de que em
caso de necessidade, estes no sero usados por outra grande potncia.
Concede Inglaterra um acesso privilegiado ao continente europeu no caso de
nova guerra como a que houve contra Napoleo.
Acrescentam-se s vantagens polticas e militares, privilgios econmicos aos
sbditos ingleses.
1.4. Vantagens para Portugal
Para Portugal, a Aliana tem a gritante vantagem de se tornar um garante de
soberania e independncia face Espanha e outras potncias.
6 Faz-se aqui o reparo que o tratado abrange apenas casos em que haja uma agresso, no
contempla uma guerra ofensiva. Assim, se uma das partes desencadear um conflito, a outra
no ter a obrigao de a socorrer. 7 Veja-se a como so importantes as rotas que circundam a Pennsula Ibrica olhando para a
questo de Gibraltar, ainda hoje actual.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 1 A Velha Aliana
7 Trabalho de Investigao Aplicada
Como vimos, pelo acordo de 1661, tambm as nossas colnias se encontram ao
abrigo da proteco inglesa.
Por acrscimo, Portugal tem conseguido contar com o apoio diplomtico ingls em
tudo aquilo que no prejudique os interesses ou orientaes britnicos.
1.5. Breves Concluses
Os Tratados da Aliana tm sido ratificados sucessivamente medida que a
envolvente internacional se altera.
No tratado original em 1386, Portugal tem uma populao e potencial militar
semelhantes da Inglaterra, logo, as obrigaes so semelhantes. Ao longo das
restantes ratificaes, vemos que cada vez mais cabe aos ingleses a obrigao de
assegurar a defesa do nosso territrio. A sua preocupao no que Portugal tenha
que defender a Gr-Bretanha mas sim que Portugal conceda livre passagem pelo seu
territrio, quaisquer que sejam as circunstncias.
Como Viriato (1914) menciona, a soberania de Portugal no tem sido
assegurada pelos Tratados da Aliana, mas sim pela posio geogrfica. Inglaterra
no consentiria ver surgir na Pennsula Ibrica uma potncia que pudesse perigar os
seus interesses e que lhe negasse acesso aos pontos de apoio naval. Inglaterra
proteger-nos-ia at de ns mesmos se necessrio.
.
2. Provncia de Moambique no Sec. XIX
2.1. Generalidades
Antes de iniciar o estudo sobre as influncias estrangeiras envolvidas na
pacificao de Moambique, achmos por bem enquadrar luz da poca a provncia
que aqui do nosso interesse. No sendo nosso objectivo um conhecimento
morfolgico, econmico ou etnolgico aprofundado, existem no entanto alguns
conceitos gerais que auxiliaro compreenso de tudo o resto.8
Muitos dos dados aqui apresentados reportam-se a um perodo anterior ao que
vamos estudar, mas contextualizam os moldes em se efectivava a ocupao
portuguesa.
8 Para ajudar compreenso veja-se tambm o mapa em anexo. Anexo C
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX
8 Trabalho de Investigao Aplicada
Segundo Antnio Rita-Ferreira, autor do livro Agrupamento e Caracterizao
tnica dos Indgenas de Moambique (Lisboa, 1975), os muitos anos de estudos de
vrios autores sobre as etnologias moambicanas, levaram a que se criasse uma
enorme confuso, onde facilmente o leitor se perde ficando sem saber de quem e de
onde se est a falar. De facto, durante a realizao deste trabalho, esta foi uma
realidade quase omnipresente.
Assim, de entre muitas possveis, Plissier9 d-nos a seguinte diviso:
1. Tsongas (Thongas, Tongas) - correspondente grande etnia heterognea que
ocupa o sul do Save;
2. Bitongas pequena etnia que ocupa o interior de Inhambane;
3. Tongas- subgrupo da etnia Chona, na margem direita do Zambeze
4. Angunes (Vangunes, Vtuas, Angonis, Ngoni, Nguni, etc) - diferentes estratos
deixados em Moambique pelas invases resultantes da exploso dos Zulus
no incio do sc. XIX. Desta etnia faziam parte os Vtuas de Gungunhana que
segundo se calcula, no seu apogeu podero ter chegado a atingir cerca de um
milho de indivduos.
2.2. Moambique
Moambique a colnia esquecida at s viagens de Livingstone.
Era, desde o sculo XVI, uma rea sem limites certos nem fronteiras definidas,
e verdadeiramente um campo de aco de colonos livres, agrupados ou dispersos a
seu capricho e por seu interesse (Plissier, 2000).
Um ensaio estatstico de 1859, de Francisco Maria Bordalo, avalia em 70 000
habitantes 10 (incluindo rabes, mestios e indianos) a populao de Moambique, no
entanto, outros autores afirmam que deveria rondar os 300 000 habitantes.
Por volta de 1860, os estabelecimentos e feitorias moambicanos apresentam
um dfice de 50 211$00, enquanto que Cabo Verde com uma populao semelhante
apresentaria um lucro de 21 000$00 enviado para a metrpole.
Dos lucros moambicanos, 80% ficar-se-ia a dever a impostos alfandegrios,
uma vez que o controlo dos impostos dos contribuintes se tornava impossvel por falta
de autoridade suficiente para os fazer cobrar.
Entre 1851 e 1890, quase todos os Governadores-Gerais da provncia foram
militares oriundos da Marinha ou do Exrcito, sendo esta uma poltica comum em
Portugal. Em 1857, o nmero total de soldados rondaria os 1100 espalhados pelo
9 (Plissier, 2000)
10 Entenda-se como habitante a populao que obedece metrpole.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX
9 Trabalho de Investigao Aplicada
territrio sendo que, pela sua escassez, em caso de necessidade, o governador
apelava geralmente a todos os homens vlidos disponveis para auxiliar.
2.3. Os Prazos da Coroa
Os Prazos da Coroa, ou simplesmente Prazos como eram chamados, eram um
mtodo colonial administrativo que se iniciou no Sec XVII. Apesar de vigorarem um
pouco por todo o Moambique, era na Zambzia11 que tinham maior expressividade.
O Mtodo consistia em arrendar os terrenos a senhores que ficavam assim com
poderes quase ilimitados sobre estes. O arrendamento tinha a durao normal de trs
geraes e a sucesso era feita atravs do ramo feminino da famlia, sendo que as
mulheres, provenientes da metrpole, tinham a obrigao de casarem com
portugueses de origem semelhante e de habitarem no Prazo (a ideia era que estes
pertencessem a portugueses puros12).
Os Senhores dos Prazos, semelhana dos feudais, tinham a obrigao de
manter homens armados para a proteco do mesmo, bem como de defender a
colnia e manter os fortes da administrao central. Tinham tambm de manter as
estradas abertas e cobrar imposto, o mussoco - devido a todos os homens vlidos
maiores de 16 anos - impondo as suas leis aos chefes indgenas.
Os Prazos eram uma excelente forma de penetrar no interior do territrio e
estabelecer uma forma de soberania portuguesa a pouco ou nenhum custo
(Geographical Section of the Naval Intelligence Division, 1920) porm, devido
distncia da metrpole e falta de superviso, o controlo foi-se perdendo a pouco e
pouco. Os senhores arrendavam os prazos e aumentavam-nos por herana e
conquista, transformando-os em micro-estados (Plissier, 2000), alguns dos quais com
uma rea superior de Portugal Continental. Aos poucos, transformaram-se em algo
que, muitas vezes, ao invs de defender os interesses metropolitanos, se insurgia
contra esses mesmos interesses, usando os seus prprios recursos. Alguns dos
maiores inimigos de Portugal em Moambique foram senhores dos Prazos revoltados.
11
Territrio compreendido entre a foz do rio Zambeze at confluncia com o Arungua e,
entre o Rio Save at ao Ligonha. 12
Isto no foi conseguido e aos poucos os Prazos comearam a ser entregues a mestios e
outros.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX
10 Trabalho de Investigao Aplicada
2.4. Os Super-Prazos
A partir de 1826 iniciaram-se as migraes Angunes.
Os pequenos senhores dos prazos, sem condies para resistir deixaram a
Zambzia ou uniram-se, juntamente com os seus achicundas13, a senhores mais fortes
dispostos a resistirem nas suas aringas14.
Em meados do sculo XIX, a Zambzia controlada por quatro poderosas famlias
de senhores dos prazos: a famlia de Joaquim da Cruz em Massangano, Vaz dos
Santos de Massangire, Gonalo Caetano Pereira em Maranga e de Manuel Antnio de
Sousa na Gorongosa.
De todos estes senhores, seria Manuel de Sousa (ou Gouveia15 como era
conhecido pelos indgenas e Ingleses) que, do alto da sua aringa na montanha do
Gorongosa, melhor iria servir a coroa portuguesa.
A sua autoridade seria uma lana da soberania portuguesa em Moambique e
acabaria por morrer em defesa da mesma.
Natural de Goa, Manuel de Sousa chegou a Moambique por volta de 1853 onde
obteve a sucesso de seu tio. As suas vitrias contras os Angunes atraram grande
nmero de achicundas e de outros aventureiros que conseguiu moldar numa fora de
combate usada muitas vezes ao servio de Lisboa e atravs do qual conseguiu o
controlo de um territrio com mais de 80 000km2. Consegue pacificar Manica,
abandonada desde o inicio das migraes angunes, sendo nomeado Capito-mor da
mesma em 1863.
Como veremos mais adiante no trabalho seria um dos portugueses que seria feito
prisioneiro pelos homens da British South Africa Company no Kraal de Umtasa em
1890. Este episdio, onde pela primeira vez um chefe local v Manuel de Sousa
derrotado e indefeso, acabaria por ditar a sua morte poltica. Pouco depois do
incidente, alguns dos seus capites e os chefes tribais, comeariam a revoltar-se e a
querer dividir os seus territrios. Acabaria por morrer em combate no Baru em 189216
13
Soldados escravos que mais tarde acabaram por se constituir numa etnia prpria, entretanto
j extinta. H que ver que alguns destes homens eram escravos por opo devido s regalias
que usufruam. 14
O castelo dos senhores de prazos seria a aringa, isto , um formidvel acampamento
entrincheirado, constitudo por um recinto cercado de estacas enterradas no cho que
pegavam e voltavam a crescer oferecendo uma barreira vegetal que resistia bastante bem
artilharia da poca. As grandes aringas, comparveis aos kraals do centro e sul de Angola,
podiam chegar a ter dois quilmetros de permetro e albergar at 6 000 homens - e, num caso,
15 000 pessoas. (Plissier, 2000) 15
Valente na linguagem local. 16
Ver ANEXO S.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX
11 Trabalho de Investigao Aplicada
2.5. Companhias Majestticas/Charter
A expresso inglesa charter significa carta rgia ou foral e est intimamente ligada
ao conceito de companhia majesttica.
Este tipo de corporaes surgiu na Europa e atravs de um foral dado pela
autoridade do estado recebiam determinados direitos, privilgios e obrigaes a ser
aplicados nos territrios a que se destinavam. O charter conferia normalmente um
monoplio comercial companhia a que era dado, numa rea geogrfica especfica ou
sobre um determinado produto.
As Companhias Majestticas foram utilizadas como forma de garantir a presena e
soberania do estado e como forma de expanso territorial quando o governo central
no tinha meios ou no estava preparado para o fazer por si.
Os ingleses tiveram uma grande tradio no uso destas companhias17 e em frica
utilizaram-nas por razes econmicas tal como fez Portugal. A grande diferena
persiste no facto de que a Inglaterra no tinha problemas em deixar a administrao
dos seus territrios a uma companhia Charter, enquanto que Portugal pelo contrrio,
receava entregar os direitos de soberania na mo de interesses comerciais, chamando
a si sempre que possvel os encargos da administrao do territrio. (Warhurst, 1962)
2.5.1. Cecil Rhodes e a British South Africa Company (BSAC)
Cecil John Rhodes18, nascido em Inglaterra, viria a tornar-se num empresrio
magnata do ouro e dos diamantes na frica do Sul, tendo sido nomeado o sexto
primeiro-ministro da colnia do Cabo.
Imperialista convicto usou da sua riqueza e influncia poltica para, atravs da
Bristish South Africa Company19 (BSAC), que fundou em 1888, pr em curso uma
agressiva poltica colonial em nome do desenvolvimento do imprio ingls no interior
africano.
Em 1889, a BSAC recebe o Charter Real oferecendo ao Foreign Office20 uma
sada exposio diplomtica constante - e nem sempre apoiada pelo Direito
Internacional - que mantinha com outras potncias coloniais relativamente ocupao
de frica.
17
Formaram ao longo da sua histria mais de vinte enquanto que Portugal apenas teve trs. 18
Ver fotografia e caricatura em Anexo K 19
Ver Anexo L 20
Ministrio dos Negcios Estrangeiros ingls.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX
12 Trabalho de Investigao Aplicada
A esta companhia, foram concedidos os direitos de negociar com os lderes
africanos, de explorar os recursos minerais dos territrios que administrava e de
garantir a sua segurana atravs da manuteno de uma fora policial.
Atravs da Chartered21, e por vezes revelia do governo ingls, seria levada a
cabo uma poltica armada de expanso colonial que no respeitaria fronteiras e que
colidiria vezes sem conta com os interesses portugueses, sendo Cecil Rhodes
considerado o maior inimigo de Portugal em frica.
Rhodes fundou a Rodsia tanto do norte como do sul em territrios disputados
com Portugal. A ele se deve o projecto ingls de unir o Cabo ao Cairo atravs de uma
via-frrea e devem-se tambm, como adiante se ver, alguns episdios que colocaram
em risco as relaes entre os velhos aliados.
2.5.2. Companhia de Moambique
Face crise econmica que o pas enfrenta a partir de 1890, Antnio Enes22 vai
proceder a uma necessria remodelao financeira e administrativa em Moambique,
no hesitando em entregar amplas faixas do territrio a capital estrangeiro. A
alternativa era perder a colnia a curto prazo. (Telo, 1992)
Ser a Companhia de Moambique23, fundada em 1888 pelo Coronel Paiva de
Andrada, o modelo desta nova poltica, tornando-se na mais importante das duas
charter portuguesas na frica oriental24.
Recebendo de Enes poderes majestticos em 11 de Fevereiro de 1891, -lhe
atribuda a soberania sobre as provncias de Manica e Sofala e o seu territrio
limitado ao norte pelo curso do Zambeze, a noroeste pelo rio Ruenya, a oeste pela
fronteira da provncia, e a sul pela interseco do meridiano 33 com o paralelo 22.
21
Outro nome pelo qual era conhecida na poca a British South Africa Company. 22
Poltico, jornalista e administrador colonial, foi um dos heris da Pacificao de Moambique.
Era ento Comissrio Rgio de Moambique (1891-1892). 23
Ver ANEXO M.Tinha como propsito adquirir concesses dos direitos minerais na rea das
bacias hidrogrficas do Punge e do Buzi, contando para isso com forte participao de capitais
franceses e ingleses. 24
Foram em Moambique criadas trs grandes companhias. A Companhia de Moambique, a
Companhia do Nyassa e a Companhia da Zambzia, sendo que apenas a ltima no recebeu o
charter real. companhia do Nyassa coube administrar os territrios do norte de Moambique
previstos pelo tratado de Junho de 1891 num territrio imenso que constitui cerca de 25% da
extenso da provncia. companhia da Zambzia coube o territrio que corresponde actual
provncia de Tete. Ambas as companhias eram constitudas por capitais maioritariamente
alemes e franceses.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX
13 Trabalho de Investigao Aplicada
Esta extenso que correspondia a 25% de Moambique obrigou a que a
Companhia fizesse subconcesses (at proibio do governo) a 15 companhias
subordinadas, a maioria das quais de capital estrangeiro.
A durao da concesso de direitos companhia foi limitada a um perodo de 50
anos, podendo ser rescindida caso no se cumprissem os acordos estipulados.
Os estatutos da companhia, aprovados pelo governo, diziam que esta devia ser
considerada portuguesa para todos os efeitos, tendo o seu escritrio principal em
Lisboa. A direco estaria a cargo de um concelho de administrao composto por 11
a 17 directores, com uma maioria constituda por portugueses.
Entre outros, a companhia exercia na provncia os seguintes direitos:
Administrao e explorao dos territrios;
Exclusividade dos direitos de construo e explorao de caminhos-de-ferro,
estradas, canais e distribuio de gua;
Liberdade para explorar qualquer comrcio ou indstria permitidos por lei;
A regulao do lcool e de armas que devia ser feita em harmonia com as
medidas adoptadas nos territrios administrados directamente pelo governo;
Domnio sobre todas as terras pertencentes ao estado e autoridade para adquirir
novas terras dentro e fora do territrio da companhia, sem prejuzo para o regime
especial dos Prazos - a companhia ficava no entanto proibida de vender ou
transferir qualquer terra com dimenso superior a 5000 hectares contguos, a
qualquer pessoa ou companhia. Deve ceder ao governo qualquer terra que este
necessite para efeitos militares ou construo de edifcios oficiais;
Colecta de quaisquer contribuies ou taxas j em vigor e implementao de
novas sob aprovao do governo;
Todas as determinaes da companhia tinham fora de lei excepto se o governo
reclamasse num prazo de 120 dias.
Como deveres a Companhia tinha de:
Jurar fidelidade a Portugal, usando a bandeira portuguesa. Devia tambm garantir
a segurana dos interesses portugueses dentro do seu territrio;
Actuar de acordo com as clusulas e acordos estabelecidos pelo governo com as
potncias estrangeiras;
Entregar ao governo central 10% das aces da companhia e 7,5% dos lucros
totais da companhia, sendo que em troca este se abstinha de cobrar taxas directas
ou indirectas;
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX
14 Trabalho de Investigao Aplicada
Manter foras policiais terrestres e navais, sendo que o governo se reservava na
autoridade de guarnecer militarmente as fronteiras do territrio;
Em tempo de guerra proporcionar para o transporte de material (foras militares)
uma reduo de 75% dos custos habituais, bem como auxiliar com todos os meios
ao seu dispor o esforo de guerra;
Respeitar todos os credos religiosos na provncia.
2.6. Breves Concluses
Face extenso do territrio irrisrio o nmero de habitantes portugueses que
em meados do sculo XIX vive em Moambique. um facto que se ir tornar mais
importante quando, como nos prximos captulos se ver, surgir a preocupao da
ocupao efectiva. Seria interessante ter os dados relativos s colnias inglesas
limtrofes, de modo a haver um termo de comparao, para quando se falar da
questo da ocupao efectiva.
O sistema dos prazos, como mtodo barato que Portugal desenvolveu para
administrar o territrio, teria tido sucesso caso houvesse uma fiscalizao suficiente e
eficiente na provncia. No houve. A fora estava concentrada nos Senhores.
As companhias majestticas surgem no fim do sculo em Moambique como
forma de recuperar o controlo, efectivar a presena portuguesa e desenvolver a
provncia. Com fortes capitais estrangeiros, arranjam-se garantias que as mantenham
debaixo da alada portuguesa. So eficazes e mantiveram-se activas durante grande
parte do sculo XX, no entanto o governo portugus nunca foi capaz de as utilizar com
eficincia dos ingleses sentiu sempre a necessidade do controlo directo.
3. Conferncia de Berlim
3.1. Loureno Marques e o Direito Internacional at 1885
Em 1795, quando a Inglaterra ocupa o Cabo da Boa Esperana, o explorador
portugus Lacerda e Almeida fez ouvir a sua voz preconizando a expanso inglesa em
frica e a futura coliso com interesses portugueses.
A partir de 1834, a Inglaterra decreta a abolio do trfico de escravos e a pretexto
de luta contra este, procura aumentar a sua presena em vrios territrios de frica.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 3 Conferncia de Berlim
15 Trabalho de Investigao Aplicada
Destacam-se ento trs litgios com Portugal relativos s suas possesses. O primeiro
diz respeito a Molembo, Cabinda e Ambriz, o segundo ilha Bolama e o terceiro
relativo Baa de Loureno Marques a que faremos referncia.
As pretenses inglesas de ento eram baseadas nas exploraes que o capito
William F. Owen levou a cabo em 1822. Este executou tratados com rgulos africanos,
hasteou a bandeira inglesa em diversos pontos a sul da Baa de Loureno Marques e
chegou mesmo a sitiar uma fortaleza portuguesa. Assim, em 1860, a Inglaterra afirma
que o territrio ao sul de Loureno Marques lhe pertence, esquecendo documentos de
1721 e de 1817 em que reconhecia a autoridade portuguesa de Loureno Marques at
Cabo Delgado.
Quando, em 1869, Portugal assina com o Transvaal um acordo em que este
reconhecia a sua soberania sobre os territrios em disputa, a Inglaterra reclama
diplomaticamente e prope-se uma arbitragem internacional em que o Presidente
francs, o Marechal Mac Mahon, escolhido como rbitro. Este d razo a Portugal.
Para fazer valer a sua soberania, Portugal apoiou-se ento nos seguintes
fundamentos: o fundamento da prioridade de descobrimento, o da conservao do
territrio durante sculos, o da introduo da civilizao atravs do cristianismo, o da
conquista pelas armas, e o do reconhecimento do seu domnio pelos chefes indgenas.
Diz Luciano Cordeiro, num memorando de 1883 que os princpios do direito
internacional relativo aos direitos coloniais em vigor eram:
A Descoberta prioridade e nacionalidade dos descobridores;
A Posse iniciada e ou prolongada;
Reconhecimento implcito ou explcito.
3.2. A Conferncia
Finda a guerra Franco-Prussiana e unificada a Alemanha (1870), assiste-se
passagem de um sistema unipolar em que a Inglaterra a potncia incontestada, para
um sistema multipolar, em que a Alemanha e EUA assumem cada vez maior
preponderncia (Telo, 2004). A revoluo industrial e a necessidade de novas
matrias-primas, bem como a saturao dos mercados, faz desviar os olhares para
frica onde esto novos prestgios polticos e novos mercados para o comrcio.
Inicia-se um ciclo de exploraes pelo continente africano cujas histrias
fantsticas ocupam as primeiras pginas dos jornais mundiais e vo aumentar o
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 3 Conferncia de Berlim
16 Trabalho de Investigao Aplicada
fascnio pelo continente. Livingstone25, Stanley26, Savorgnan de Brazza27 so os novos
heris daquele tempo. No esquecer que anteriormente os portugueses tinham
efectuado 12 surtidas no vasto serto entre Angola e Moambique (Caetano, 1971),
sem nunca, no entanto, saber partilhar as suas descobertas com o mundo atravs dos
novos meios de divulgao da informao.
Este furor africano leva a que Portugal comece lentamente a repensar a sua
posio com as colnias africanas, criando em 1875 a Sociedade de Geografia de
Lisboa.
Tambm na Blgica, Leopoldo II mostra a sua determinao em adquirir um
mercado colonial organizando em Bruxelas, em 1876, um congresso Geogrfico onde
se estuda forma de penetrar o interior de frica com fins cientficos e humanitrios.
Funda-se ento a Associao Internacional Africana que deveria estabelecer estaes
hospitaleiras e cientficas de apoio aos viajantes e deveria cooperar na luta ao trfico
negreiro. Portugal apenas foi aceite como participante no Congresso aps um protesto
diplomtico. Os representantes Bocage, Teixeira de Vasconcelos e Luciano Cordeiro
no compareceram porque ltima hora, o governo no abriu crditos para a
viagem. (Caetano, 1971)
Em 1880, Brazza funda um entreposto comercial28 na margem do rio Zaire e em
1881, Stanley funda outro entreposto29 frente ao francs, na margem oposta. Portugal,
que sempre firmara os seus direitos histricos no Congo, assistiu sereno a estas
expedies cientficas que iam resvalando em expedies de ocupao colonial
(Caetano, 1971). Anos mais tarde, num discurso Cmara dos Deputados em 14
Junho de 1885, Luciano Cordeiro diria:
tempo de perguntarmos o que sucedia em Portugal durante esta sucesso
rpida, impetuosa, de tantos factos que de to perto e fatalmente se relacionaram com
os nossos interesses, com os nossos direitos, com as nossas tradies coloniais. Que
fazamos ns?
Bismark, que at 1883 afirmara no ter interesses em frica comea a
entusiasmar-se. As primeiras expedies alems tm iniciativas privadas mas depois
comeam a ser protegidas pelo governo. Em 1884 hasteiam-se bandeiras alems nos
25
David Livingstone, missionrio escocs e explorador de frica entre 1840 e 1873. Fotografia
no ANEXO E. 26
Henry Morton Stanley jornalista Anglo-Americano e explorador entre 1870 e 1874. Fotografia
no ANEXO E. 27
Italiano que naturalizou francs. Foi explorador ao servio da sociedade de Geografia de
Paris. Fotografia no ANEXO E. 28
Actual Brazzaville. 29
Leopoldville, actual Kinshasa.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 3 Conferncia de Berlim
17 Trabalho de Investigao Aplicada
Camares e no Togo. Mais tarde, partindo de Zanzibar lanam-se as bases para a
frica Oriental Alem.
A aco francesa e belga no Congo levam a que Portugal e Inglaterra tentem
resolver os seus diferendos antigos relativos a esse territrio, redigindo o Tratado do
Zaire (para definir as fronteiras em frica) em 1884, no entanto, as contestaes das
diferentes potncias europeias levam a que a Inglaterra se recuse a levar o documento
a discusso parlamentar a menos que sejam resolvidas as divergncias com Frana,
Alemanha, Holanda e EUA.
Acusa-se o Tratado do Zaire de:
Servir os ingleses colocando Portugal como tampo do Congo, fechando a
costa e rio e obrigando os zairenses a uma situao de dependncia;
De deixar a regulamentao do rio Rio Zaire unicamente na mo de
portugueses e ingleses;
De excessivas vantagens comerciais dadas a ingleses;
De uma poltica fiscal incomportvel da parte dos portugueses
Estas acusaes correm a imprensa europeia e fica patente que no interessa
uma negociao mas sim a anulao do tratado. A opinio pblica inglesa tambm
ela no favorvel e obriga o seu governo a retirar-se definitivamente do tratado.
Barbosa do Bocage30 envia a 12 de Maio de 1884 uma carta ao embaixador
portugus em Londres31, afirmando que era sua ideia reunir mesma mesa todas as
potncias, de forma a no as deixar fazer acordos paralelos entre si. No entanto,
Bismark que havia promovido campanha activa contra o Tratado que vai pegar na
ideia de Bocage e, juntamente com o governo francs convocar uma conferncia a ter
lugar em Berlim.
O convite (de Berlim e Paris) entregue em Lisboa a 12 de Outubro de 1884. So
de igual modo convidados a Blgica, a Espanha, a Holanda, a Inglaterra, os Estados
Unidos e posteriormente outros pases como Sucia, Rssia, Itlia e ustria-Hungria.
A ordem de trabalhos a seguinte: 1- A liberdade de Comrcio na Baa do Congo; 2-
A liberdade de Navegao no Rio Congo e Nger; 3- A efectivao das novas
ocupaes na costa de frica. Os direitos alegados por Portugal ficaram fora de
discusso.
30
Jos Vicente Barbosa du Bocage, primo em segundo grau do poeta Manuel Maria Barbosa
do Bocage. Foi zologo e poltico ocupando em 1884 o cargo de Ministro dos Negcios
Estrangeiros. 31
Lus Augusto Pinto de Soveral, conhecido como Marqus de Soveral. Foi Ministro de
Portugal em Londres durante todo o final do sculo XIX, com a excepo de um pequeno
interregno em que ocupou o cargo de Ministro dos Negcios Estrangeiros (de 1894 a 1897).
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 3 Conferncia de Berlim
18 Trabalho de Investigao Aplicada
De forma a acabar com o problema da questo do Congo, durante a conferncia
os EUA e os diversos pases europeus, acharam por bem reconhecer a independncia
do Congo. Portugal conseguiu apenas ficar como nao mais favorecida na
delimitao das fronteiras.
A conveno acabou em 26 Fevereiro de 1885 e dela saram os seguintes pontos:
Declarao sobre liberdade de comrcio na embocadura do Zaire;
Declarao sobre trfico de escravos;
Acto de navegao no Zaire;
Acto de Navegao no Nger;
Regras uniformes relativas ocupao do litoral do continente africano.
De acordo com este ltimo ponto uma potncia ficava obrigada a anunciar
publicamente a sua inteno, dando hiptese de reclamao s outras. Firmou-se a
necessidade de uma ocupao efectiva das costas (parcialmente motivada pela
necessidade de controlo do trfico negreiro), devendo o pas reclamante ser capaz de
fazer valer o respeito pelas leis internacionais.
Portugal, que como vimos j tinha acedido exigncia de uma ocupao efectiva
durante os litgios das Ilhas Bolama, Ambriz e Loureno Marques, no se achava em
condies de reclamar deste ponto.
O interior de frica no foi abrangido no acordo, pois tal teria obrigado diviso
imediata do continente e nenhum pas se encontrava preparado para isso.
3.3. Breves Concluses
excepo de Portugal, o interesse ingls em frica adiantou-se ao do resto da
Europa.
Dos primeiros litgios coloniais (do sculo XIX), vm-se as bases em que
assentava ento o Direito Internacional: a descoberta, a posse e o reconhecimento.
Frei Joo dos Santos, Gaspar Bocarro, Jos Monteiro, Jos da Rosa, Lacerda e
Almeida so apenas alguns dos portugueses que antes (sculos por vezes) de
Livingstone haviam empreendido a rdua tarefa de explorar o interior Africano. Doze
surtidas haviam j sido feitas quando os relatos nem sempre fidedignos do ingls
despertam a corrida a frica. Nunca souberam estes divulgar as suas descobertas
numa atitude que, vezes e vezes sem conta, nos tem tornado menores que os demais.
A falta de unidade poltica em momentos vitais leva Portugal inaco quando os
interesses nacionais comeam a ver-se afectados.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 4 Ultimatum Britnico
19 Trabalho de Investigao Aplicada
Bocage d o mote para uma conferncia internacional mas permite que sejam
outros a organiz-la. Como resultado: os direitos de Portugal ficam fora da discusso e
atravs de subterfgios arranja-se forma de dar ao Congo a independncia. Talvez o
resultado tivesse sido mais favorvel a Portugal se em vez de Conferncia de Berlim
falssemos antes em Conferncia de Lisboa.
De Berlim sai tambm a partio das costas africanas e a necessidade de
ocupao efectiva dos territrios. Portugal que j se utilizara antes do argumento da
ocupao efectiva nos seus litgios com Inglaterra, nada teve para reclamar.
4. Ultimatum Britnico
4.1. De Berlim ao Ultimatum
Com a Conferncia de Berlim, decidiu-se a diviso e ocupao do litoral africano.
No interior, imperava agora a ideia das esferas de influncia. Estas, eram
obrigatoriamente definidas por tratado, e obedeciam a um regime jurdico especfico.
Para a sua posse no eram necessrios actos precedentes de ocupao. Qualquer
nao podia adquirir os direitos da outra. Assim, de modo a ser eficaz necessria a
assinatura de todos os pases interessados. (Caetano, 1971)
J por vrias vezes exploradores portugueses haviam realizado a travessia costa a
costa e, como tal Portugal achava-se soberano do interior de frica desde logo pelos
direitos histricos que tinha sobre este
O regenerador Barbosa do Bocage relana o sonho j antigo de unir as costas de
Angola e Moambique num projecto denominado de frica Meridional Portuguesa, sob
o auspcio da Sociedade de Geografia de Lisboa.
As intenes de Portugal colidiam com as esferas de influncia de trs grandes
potncias: a Frana, a Alemanha e a Inglaterra.
Bocage inicia em 1886 negociaes com as duas primeiras potncias.
Frana aceita o plano portugus (na Conveno Luso-Francesa de 1886) em troca
do reconhecimento da soberania sobre a Bacia de Casamansa.
Cai o governo32 e o progressista Barros Gomes que vai terminar as negociaes
com a Alemanha. Esta acede a Portugal (na Conveno Luso-Alem de 1886) em
troca do reconhecimento de que a fronteira sul de Angola ficaria pelo rio Cunene,
ficando a Alemanha com a outra margem.
32 Para uma lista dos governos entre 1890 e 1900, ver ANEXO A .
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 4 Ultimatum Britnico
20 Trabalho de Investigao Aplicada
Em anexo aos acordos estabelecidos, seguia um mapa onde aparecia marcado a
cor-de-rosa, a esfera de influncia entre as duas costas que Portugal reclamava para
si.33
Portugal decidiu deixar a Inglaterra fora das negociaes numa primeira fase,
esperando obter primeiro o consentimento de Frana e Alemanha. No estava em
causa uma mudana da poltica de alianas externas, antes, uma tentativa de
compensao diplomtica e a conquista de uma maior margem negocial face ao peso
esmagador da hegemonia britnica (Teixeira, 1990). A Inglaterra, receosa do
crescente poder colonial alemo viu na situao uma possvel aproximao
portuguesa Alemanha e respondeu energicamente.
A 13 de Agosto de 1887, o governo ingls entrega um protesto onde afirma que
excepo do litoral, Portugal tem pouca ou nenhuma presena efectiva no territrio,
relembrando a conferncia de Berlim. Em algumas reas que deseja chamar a si
existem estabelecimentos britnicos de importncia excepcional.
Como agravante, o projecto da frica Meridional Portuguesa colidia com o projecto
de Cecil Rhodes, apoiado pela Gr-Bretanha, para estabelecer a ligao frrea Cabo-
Cairo. Para esta ser possvel era necessria uma ligao frica do Sul, atravs da
Bechuanalandia, Matabeles, Machona e Barotze, terras abrangidas quase na
totalidade pelo mapa portugus.
Rhodes obtm o exclusivo da explorao mineira na Mashona e Matabeles e
auxilia missionrios escoceses a formar a African Lakes Company que actua junto do
Lago Niassa.
Ainda em 1887, partem para frica um srie de exploradores portugueses com o
objectivo de cimentar a posio do pas e efectivar a ocupao do territrio. Paiva de
Andrada ocupa a Zambzia, Victor Cordon e Antnio Maia Cardoso o Niassa e outras
regies do norte de Moambique. Artur Paiva e Paiva Couceiro na costa ocidental
ocupam o Bi e Serpa Pinto depois de ocupar o Tungue empreende uma misso na
regio dos Macololos. (Bethencourt (eds), et al., 1998)
Durante cerca de dois anos a poltica nacional a de adiar a resoluo da situao
mantendo as suas expedies.
Em 1889 a Bristish South Africa Company de Rhodes inicia uma expanso sem
limites definidos em direco ao Niassa. Portugal contrape criando o distrito tampo
33
Oficialmente o mapa s publicado em 1886, no entanto, concebido pela Sociedade de
Geografia de Lisboa, o mapa aparece pela primeira vez num seu manifesto logo em 1881
(Nowell, 1982) Era ento presidente da Sociedade de Geografia Barbosa do Bocage. Ver
ANEXO I
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 4 Ultimatum Britnico
21 Trabalho de Investigao Aplicada
do Zumbo, no reconhecido pela Inglaterra. Quando Barros Gomes fala dos direitos
seculares na regio, Salisbury responde:
, fortes em runas, que nunca foram reconstrudos ou substitudos, s podem
provar, se alguma coisa provam, que pelo que respeita a esse territrio a soberania de
que eram instrumento e garantia est em runas tambm () O facto de importncia
capital que o referido territrio no est sob o governo efectivo de Portugal ou por
ele ocupado e que, se alguma vez o esteve, o que muito duvidoso, essa ocupao
cessou durante um perodo de mais de dois sculos. () A ateno desse governo
(portugus) foi realmente chamada para esses territrios pelas empresas coroadas de
xito dos viajantes e colonizadores britnicos. (Negcios Externos, 1890 cit., n. 136,
pag. 101, in Caetano, 1971)
Quando Serpa Pinto empreende a sua expedio regio dos Macololos
encontra l hasteada a bandeira inglesa e verifica que estes, at ento vassalos de
Portugal so agora protegidos pelos ingleses34. Vai ser Joo Coutinho35, um oficial da
marinha, que vai submeter novamente a regio ao poder portugus. Os rgulos
maculolos aps a aco de Coutinho reconheceram o seu erro, declarando-se sbitos
fiis e acusaram a African Lakes Company de os ter impelido ao combate
denunciando os tratados concludos com os cnsules britnicos36 (Plissier, 2000). Os
ingleses consideraram a aco um Casus Belli.
So inteis as tentativas posteriores de mediao ou qualquer soluo de
acordo. So concentradas foras navais inglesas em pontos estratgicos de frica
Zanzibar, Gibraltar, S. Vicente de Cabo Verde.
A 11 de Janeiro de 1890 enviado para Lisboa o seguinte memorando:
O governo de S.M. no pode aceitar como satisfatrias ou suficientes, as
seguranas dadas pelo governo portugus tais como ele as interpreta. O cnsul
interino de S.M. em Moambique telegrafou, citando o prprio Major Serpa Pinto que a
expedio estava ainda ocupando o Chire e que Katunga e outros locais mais no
territrio dos macololos iam ser fortificados e receberiam guarnies. O que o governo
de S.M deseja e em que insiste o seguinte:
Que se enviem ao governador de Moambique instrues telegrficas imediatas para
que todas e quaisquer foras militares portuguesas actualmente no Chire e nos pases
34
Ver a reclamao portuguesa feita por Mr. Petre, embaixador ingls em Lisboa. Anexo O. 35
Ver foto de Joo de Azevedo Coutinho. Anexo H. 36
A 8 de Novembro homens do rgulo macololo Mlauri, levando consigo a bandeira britnica,
atacaram armados com espingardas modernas. J nesta altura se calculava que estas
tivessem sido fornecidas pela African Lakes Company e pelo cnsul Buchanan.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 4 Ultimatum Britnico
22 Trabalho de Investigao Aplicada
macololos e machonas se retirem. O governo de S.M entende que sem isto as
seguranas dadas pelo Governo portugus so ilusrias.
Mr. Petre ver-se- obrigado, vista das suas instrues, a deixar
imediatamente Lisboa com todos os membros da sua legao, se uma resposta
satisfatria precedente intimao no for por ele recebida esta tarde; e o navio de
S.M. Enchantress est em Vigo esperando as suas ordens.
(Negcios Estrangeiros, cit, pag 198) 37.
Era o Ultimatum e o fim do Mapa Cor-de-rosa.
4.2. Consequncias
O governo portugus teme o corte de relaes e acede s exigncias. A
primeira consequncia poltica a queda do governo progressista e a subida ao poder
de um governo regenerador. Bocage volta ao ministrio dos negcios estrangeiros e
Antnio Enes ocupa a pasta da Marinha e Ultramar.
Em vo tenta-se mitigar os efeitos da derrota poltica apelando a uma
resoluo internacional atravs de arbitragem, como previsto na Acta Final de Berlim,
no entanto, esta recusada.
Em Portugal, os nimos esto ao rubro e uma onda nacionalista e anglofbica
varre o pas de ls a ls. Nas lojas, afixam-se cartazes em que se recusa a venda a
ingleses e nos cafs afixam-se as caras daqueles que haviam vendido a honra
nacional.
Se o ultimato no mudou significativamente as relaes com Inglaterra
mantendo-se a velha aliana entre os dois, foi no entanto um passo de gigante para a
queda do regime anos depois. A monarquia fica desacreditada e isso aproveitado
pelos republicanos. Constituiu o Outono da monarquia e a Primavera da repblica
(Teixeira, 1990). neste perodo fervoroso que Alfredo Keil e Lopes de Mendona
compem o futuro hino A Portuguesa.
As colnias, at ento vistas por muitos como um encargo oneroso, o qual no
justificava os inmeros problemas, passam a ser encaradas como um desgnio
nacional. Vm-se subitamente investidas de um carcter sagrado em nome da
vocao colonial do povo portugus. (Bethencourt (eds), et al., 1998)
37
In (Caetano, 1971)
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 4 Ultimatum Britnico
23 Trabalho de Investigao Aplicada
4.3. Breves Concluses
Repartido o litoral africano aps a Conferncia de Berlim, inicia-se a corrida ao
interior de frica. Portugal com interesses histricos no serto adapta-se s
determinaes de Berlim e estar na vanguarda do esforo de ocupao.
Surgem dois grandes projectos: o britnico, de unir o Cabo ao Cairo, e o
portugus, de unir Angola Contra-costa. So incompatveis.
A frica Meridional Portuguesa une a conscincia nacional pela primeira vez
em anos.
O projecto corta a rea de influncia de trs potencias: Frana, Alemanha e
Inglaterra.
Negoceia-se com as duas primeiras e o governo ingls sente-se trado. Receia
uma aproximao portuguesa s outras potncias. Portugal apenas queria negociar
com Inglaterra partindo de uma posio de fora, mas no improvvel que o apoio
alemo tivesse segundas intenes.
Nas reclamaes, inglesas diz-se que os direitos histricos portugueses de
nada valem depois de Berlim. uma extrapolao. Berlim nada nos diz do interior
africano.
Portugal reage, e lana uma srie de expedies cientficas, que procuram
pacificar e ocupar o interior.
H dois pesos e duas medidas. As expedies portuguesas no garantem uma
ocupao efectiva mas as inglesas sim - esta a viso de Londres.
Quando a expedio de Serpa Pinto leva ao Ultimatum, o pas acorda do sonho
cor-de-rosa. Depois do choque, vem a indignao e a onda anglofbica que durar o
resto da dcada ir prejudicar em muito os interesses nacionais.
Na altura em que mais se precisa, o partido republicano apenas ir prejudicar a
j inexistente unidade poltica.
Para Inglaterra, o Ultimatum a Portugal um episdio menor e mal conhecido
da sua histria.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891
24 Trabalho de Investigao Aplicada
5. Tratado Anglo-Portugus de 1891
5.1. Tratado de 20 de Agosto de 1890
Ainda com as tenses ao rubro por causa do Ultimatum, surge a necessidade
de resolver questes de limites fronteirios pendentes da provncia de Moambique.
Em atropelo, firma-se em Londres o Tratado de 20 de Agosto38.
De acordo com este, a Inglaterra ficaria com a regio do Chire at ao Zumbo,
ficando Portugal, em compensao, com o territrio de Manica. Para a pretenso
portuguesa de unir Angola a Moambique, a Inglaterra dar-nos-ia permisso para
atravessar a sua esfera de influncia construindo estradas, pontes, linhas telefnicas e
caminhos-de-ferro entre as duas provncias, tudo isto ao longo de uma zona de vinte
milhas na margem norte do Zambeze. Em contrapartida Inglaterra ficava com os
mesmos privilgios numa faixa de 10 milhas na margem sul, desde Tete confluncia
com Chob. Portugal ficava tambm obrigado a construir uma linha de caminhos-de-
ferro entre a esfera britnica e o porto da Beira, sendo que na obra teria que haver um
engenheiro ingls. Os territrios em questo no poderiam ser cedidos a terceiros sem
consentimento da Inglaterra.
Salisbury via no tratado as fundaes da paz na frica Meridional, porm, em
Portugal, foi recebido como uma humilhao pior que a do ultimato. O parlamento
recusou-se a ratific-lo e o governo (de Antnio de Serpa) cai novamente em 16 de
Setembro.
Tambm Cecil Rhodes, interessado na ricamente mineralizada rea de Manica,
e acrrimo opositor das garantias dadas a Portugal se congratulou com a no
ratificao.
Aps a recusa do tratado de Agosto a Inglaterra torna-se diplomaticamente
mais ambgua. Por um lado teme uma aproximao portuguesa Alemanha e a
prpria rainha Vitria, sentindo que a instabilidade politica portuguesa punha em causa
o regime monrquico, faz presso para uma atitude mais moderada do governo. Por
outro, Salisbury v a recusa ao tratado como um golpe pessoal. Segundo ele os
termos deste eram mais que generosos. Numa carta pessoal a Petre39 diz:
I write a line to reinforce my telegram of yesterday; the Portuguese are in a
fools Paradise if they imagine we are going to take anything less than the Convention
of 20 August. () We may take more territory and less communication, or more
38
Frmula do Tratado no ANEXO P 39
Embaixador Ingls em Lisboa e amigo pessoal de Lord Salisbury.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891
25 Trabalho de Investigao Aplicada
communication and less territory. But whatever is withdrawn from us in one respect
must be supplied in another. () Otherwise they must expect much more injurious
terms in the delimitation of frontier than those of August 20.
(24 December 1890 Salisbury Pappers 81/Misc, in Warhurst, 1962)
5.2. Modus Vivendi de 14 Novembro de 1890
O novo governo ir propor a Salisbury um Modus Vivendi que regule as relaes
entre Portugal e Inglaterra na provncia de Moambique, at que se chegue a novo
acordo.
No Modus Vivendi entra em execuo o seguinte (Almada, 1947):
1. Um decreto estabelecendo a liberdade de navegao do Zambeze;
2. Facilitar e permitir o trnsito no Zambeze, Chire e Punge e por terra na parte
no navegvel destes rios;
3. Facilitar comunicaes entre portos da costa e a esfera de influncia britnica,
principalmente no tocante a comunicaes telegrficas e postais;
4. A manuteno do status quo nos termos do Tratado de 20 de Agosto, por um
perodo de 6 meses.
O acordo de Modus Vivendi foi prorrogado a 13 de Maio de 1891 de forma a
manter-se vlido at 14 de Junho desse mesmo ano.
.
5.3. Manica
Depois da queda do governo a 16 de Setembro de 1890 segue-se um ms
tumultuoso na poltica interna nacional, com a sucesso de vrios ministros, bem
como das batalhas e intrigas palacianas.
Em Londres domina a ideia de que h m vontade em Portugal e que esta, aliada
falta de recursos, nada faz e nada deixa fazer. (Almada, 1947)
Entre o perodo desde a rejeio do Tratado de Agosto e a assinatura do Modus
Vivendi passam-se mais de dois meses. Nesse perodo em que sobre o territrio no
existe regulamentao Cecil Rhodes v uma oportunidade, um perodo que
denominar de Free hand onde a Chartered v carta aberta para resolver por si a
questo das fronteiras e assim ocupar o interior.
Ora o acordo de Agosto havia colocado algumas das possesses da Companhia
de Moambique dentro da esfera de influncia inglesa e tal havia feito com que Paiva
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891
26 Trabalho de Investigao Aplicada
de Andrada, administrador da Companhia sasse da metrpole para tentar manter
alguns dos direitos de explorao que esta se arriscava a perder.
Quando visitava Neves Ferreira, Andrada foi avisado de que Archibald Ross
Coulquhoun 40- administrador da Mashonaland e oficial da BSAC, havia assinado com
o rgulo Mutassa Rei de Manica41- um tratado em que este concedia direitos de
explorao aos ingleses42.
Acontece que, no s Mutassa era reconhecido pelos portugueses como sendo
um vassalo de Gungunhana (que por sua vez era reconhecido como um vassalo
portugus)43, como tambm em 1876 havia sido nomeado Sargento-Mor44 pelo
governante local Manuel Antnio de Sousa , o Gouveia a quem j aludimos.
Este ttulo, apesar de largamente honorfico parecia implicar a soberania
portuguesa sobre quem o detinha (Warhurst, 1962). Por sua vez, Andrada em 1888
afirma ter hasteado a bandeira portuguesa no seu Kraal. 45
Andrada e Gouveia partem imediatamente para o local, a fim de que Mutassa
explicasse a situao e negasse o acordo feito com os ingleses. Ainda em
Macequece, so visitados por um mensageiro do Capito Forbes, oficial da BSAC, que
40
Oficial da BSAC. Foi primeiro administrador da Rodsia do Sul e mais tarde ao servio da
coroa inglesa viajou por todo o mundo acabando a supervisar a construo do canal do
Panam. 41
Ver mapa em ANEXO R 42
Houve ento entre Colquhoun e Mutassa uma pequena e tradicional troca de oferendas - a
madontua ou antigo direito que os rgulos recebiam para deixar os negociantes brancos passar
livremente nos seus territrios. Esta teria sido constituda por um revlver, treze espingardas
Martini-Henri e treze cartucheiras com cinquenta cartuchos cada. 43
Esta questo sobre se Mutassa era ou no vassalo de Gungunhana e se este por sua vez
era ou no vassalo portugus foi um dos debates da altura. Se por um lado Portugal
apresentava documentos em que era certificada esta relao entre Portugal e os vrios
poderes africanos, por outro Salisbury negava que documentao apenas portuguesa pudesse
constituir argumento suficiente. 44
O mais baixo dos dois postos administrativos conferidos por Portugal aos chefes africanos e
aliados. 45
Este situava-se junto da fronteira entre a zona de influncia inglesa e portuguesa (de acordo
com o Tratado de Agosto de 1890). A impreciso dos registos cartogrficos da altura deram a
Salisbury a hiptese de argumentar que tal como a BSAC dizia, era bem possvel que Mutassa
ficasse dentro dos limites ingleses. A maioria dos cartgrafos e registos da altura dizem no
entanto que ficaria na zona portuguesa.
Na pgina 496 do Manual of Portuguese East Africa, escrito pelo almirantado ingls em 1920
reconhece-se que o Kraal se encontra de facto na esfera portuguesa. Isto leva a perguntar se,
apesar do apoio que Salisbury d aos argumentos portugueses sobre a questo de Manica,
no ter no que diz respeito a Mutassa, aceite os argumentos de Cecil Rhodes sobre a
necessidade de controlar a regio e feito os possveis para que esta se mantivesse sob
domnio ingls ainda que sem qualquer razo legal.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891
27 Trabalho de Investigao Aplicada
lhes disse que luz do tratado com Colquhoun de 14 de Setembro, a regio havia sido
ocupada por foras da Chartered e que os portugueses se deviam abster de qualquer
aco na regio.
Sem fazer caso, Gouveia entra a 9 de Novembro no Kraal, acompanhado por
70 homens juntando-se-lhe a 13 de Novembro Paiva de Andrada e Rezende. A fora
total rondaria os 280 homens.
No dia 15, e terminada uma reunio na cabana de Mutassa, em que este
negara alguma vez ter negociado com os ingleses ouve-se porta desta um tumulto:
Momentos depois de estar conversando com o rgulo, na escura palhota em
que estavam as mulheres de sua famlia, senti grande rebulio l fora, que me
explicavam como sendo causado por questes entre rapazes pequenos, mas pouco
depois ouvi pronunciar a palavra ingleses; sa fora da palhota e vi alguns homens com
o uniforme da polcia da British South Africa Company armados com espingardas ()
Respondeu-me (o major Forbes) que estava preso; em roda sobre os rochedos
estavam pretos de Mutaa armados e alguns com espingardas Martini-Henri;
reconheci que tinha havido uma traio combinada (). Momentos depois vejo a meu
lado igualmente presos o capito-mor de Manica e Joo de Rezende.
(Relatrio do Coronel Joaquim Carlos Paiva de Andrada, Enviado ao Cnsul de Portugal no
Cabo da Boa Esperana em 30 de Dezembro de 1890).
A histria de captura dos portugueses, que eram cerca de 200 homens, por
uma pequena fora de 20 homens, preencheu inmeras pginas da imprensa
britnica, tendo este evento ficado registado como o Golpe de Forbes 46.
Estes acontecimentos tiveram lugar um dia depois da assinatura do Modus
Vivendi. Este curto espao serviu de desculpa a Cecil Rhodes, que afirmou ter sido
impossvel informar os seus oficiais, num perodo to reduzido, de que deveriam
cessar operaes. No entanto apenas uma desculpa pois ainda antes de o acordo
de Agosto ser rejeitado se percebe na correspondncia de Rhodes que se vai
proceder anexao de Manica. (Warhurst, 1962)
Gouveia e Andrada so enviados para a cidade do Cabo, enquanto que a 19
de Novembro o Capito Forbes, acompanhado pelo Baro de Rezende, que mantinha
46 Paiva de Andrada explica no seu relatrio sobre o incidente que estes homens no eram de
forma alguma levados para lutar apesar do que dizem os ingleses. Da a ausncia de qualquer
resistncia.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891
28 Trabalho de Investigao Aplicada
preso sob palavra, ocupou pacificamente Macequece e disparou para a Beira com a
inteno de dela se apoderar47. (Plissier, 2000)
Em Lisboa, as notcias de Manica exaltaram novamente os nimos. O partido
republicano aproveita a situao e tenta sem sucesso a revolta no Porto em 5 de
Janeiro de 1891. Confirma-se perante a Europa a fragilidade da monarquia
portuguesa.
Centenas de voluntrios aparecem a fim de partir para frica e defender a
colnia. O governo acaba por enviar uma expedio a maior desde o sc. XVI.
Porm, por no ser esperada em Moambique e no ter os meios logsticos de que
necessita, no faz mais do que guarnecer Loureno Marques, Inhambane, Beira e
prazos de Sena, sofrendo dezenas de baixas por doena.
Sero os esforos diplomticos de Soveral e Bocage junto de Salisbury a fazer
com que este esteja complacente com a posio portuguesa e condene os abusos da
BSAC ordenando o cessar do avano de Forbes para a Beira e a evacuao de
Macequece. Sob o Kraal de Mutassa, no entanto, disse no poder afirmar com certeza
que se encontrava na esfera portuguesa e, assim, no ordenou a sua retirada.
A Companhia podia facilmente ter anexado a Beira. Cecil Rhodes ver os seus
planos anexionistas frustrados, mais pelo governo britnico do que pelos prprios
portugueses. (Plissier, 2000)
5.3.1. Misso a Gungunhana
Ao mesmo tempo que se d a invaso de Manica, dois oficiais da BSAC so
enviados ao Kraal do rei de Gaza. O objectivo era conseguir que este desse a
Mutassa o direito de realizar tratados com a Chartered. Se possvel, deveriam tentar
que Gungunhana desse preferncia proteco inglesa e no portuguesa, ou ento
que se conseguisse, entre ambas as partes, o reconhecimento da independncia do
seu poder. (Geographical Section of the Naval Intelligence Division, 1920)
Ansioso por obter o melhor proveito da situao vivida entre a BSAC e Portugal,
Gungunhana agiu sub-repticiamente, chegando a afirmar que aceitava a proteco
47
O objectivo ltimo era o de consegui abrir um caminho at ao mar e ento construir um
caminho-de-ferro desde a Beira at ao interior, que permitisse mandar bens e mantimentos
para sustentar os colonos ingleses. importante frisar que desde o litoral at Manica os
transportes eram feitos exclusivamente com carregadores, uma vez que o gado e os cavalos
eram mortos pelas moscas Ts-ts que infestavam a regio.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891
29 Trabalho de Investigao Aplicada
inglesa, enviando a Londres dois emissrios48 e mostrando-se disposto a ceder a
cidade da Beira, que dizia fazer parte dos seus domnios. A imprensa inglesa em
Londres deu grande importncia ao assunto e foi esta uma das razes das
dificuldades de Portugal, em assegurar a Salisbury que o rgulo era seu vassalo.
Como oferta ao rgulo, seguia ainda um carregamento de 1000 espingardas e uma
grande quantidade de munies. Estas chegaram por mar e foram ento levadas rio
acima, para o territrio dos vtuas. Porm, o navio em que seguiam o Countess of
Carnarvon - foi capturado pelos portugueses, no seu regresso pelo Limpopo49.
Todos estes acontecimentos e tenses apenas serviram para exasperar ainda
mais as opinies pblicas de ambos os pases.
5.4. Tratado de 1891
Rhodes tudo tinha feito para que sucessivamente se adiassem quaisquer solues
definitivas. A sua ideia era fazer expirar o Modus Vivendi e ganhar nova oportunidade
de expanso.
Portugal teme que ele seja bem sucedido. Porm, em plena crise causada pela
apreenso do Countess of Carnarvon, Salisbury mostra manter-se leal para com as
negociaes e, em 14 de Abril, apresenta as suas propostas.
Inicialmente exigido que a independncia de Gungunhana seja reconhecida por
ambas partes, no entanto, tal intransigentemente recusado por Portugal. Este acede
contudo a algumas modificaes na sua fronteira em Manica a troco das possesses
pelos prazos da Zambzia.
Aps as negociaes, chega-se aos termos definitivos do tratado50 em 18 de Maio
e este assinado em Lisboa a 11 de Junho de 1891.
A principal alterao, uma ampliao da fronteira de Manica, de forma a
compreender o planalto e as terras de Mutassa, mas deixando a Portugal a regio de
Macequece. Concede-se em contrapartida, uma vasta extenso ao norte do Zambeze
para cima de Tete, e entre este e Zumbo at ao paralelo 15 S. Reservam-se os
direitos de passagem no territrio adjacente ao Zambeze, abaixo do Zumbo.
As clusulas relativas livre navegao so estendidas aos rios Limpopo, Buzi e
Save.
48
O governo ingls recusou continuar as negociaes com Gungunhana nesse sentido para
no ferir ainda mais as susceptibilidades portuguesas. Nota-se aqui um esprito conciliador,
muito provavelmente contra os desgnios de Cecil Rhodes. 49
Alm da entrega das armas, de notar que o Rio Limpopo de acordo com o Tratado de
Agosto, no era um rio de livre circulao como o Zambeze. 50
Ver ANEXO Q.
A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891
30 Trabalho de Investigao Aplicada
O imposto de trnsito atravs dos territrios portugueses fica marcado nos 3%.
As restantes clusulas do tratado de 20 de Agosto de 1890 so repetidas com
excepo da alternativa da linha de fronteira ao norte do Zambeze. (Almada, 1947)
A opinio generalizada era de que, se o tratado de 1890 era mau, o novo ainda
era pior. Implicou a perda das regies aurferas do planalto de Manica em troca de
uma zona maior, mas bem menos valiosa. Portugal ficava com os portos de Loureno
Marques e Beira que, apesar de muito lucrativos para a colnia, deixavam no entanto
a economia moambicana em dependncia directa da economia da frica do Sul e
das Rodsias (Caetano, 1971). A BSAC ficou com os territrios que formariam a
Rodsia do Sul (Matabeles, Machonas, Manica) e Rodsia do Norte (actual Zmbia).
Tambm o corredor de comunicao para oeste deixa de ser mencionado,
enterrando definitivamente o sonho do Mapa Cor-de-rosa.
Ainda assim o tratado foi acolhido de uma forma surpreendentemente positiva
relativamente ao acordo de Agosto de 1890. Isto ficou a dever-se aos duros
acontecimentos ocorridos nos meses que intermediaram os dois tratados, assim como
crise econmica que abalou o pas, tornando-se preeminente a necessidade de uma
rpida resoluo.
5.5. Breves Concluses
quase unnime a opinio de que o Tratado de 1891 foi ainda mais oneroso que o
de 1890. Para alm de nos espoliar as ricas regies de Manica, de fora ficou tambm
o acesso previsto em Agosto de 1890 contra-costa angolana.
O Ultimatum Britnico deixou o sonho do Mapa Cor-de-Rosa moribundo, mas o
Tratado de 1891 deixou-o morto e enterrado.
O anglofobismo cegara os polticos nacionais e foi necessrio um estalo na cara
Manica - para que se abrissem os olhos.
de facto verdade que os acontecimentos de Manica aconteceram em vsperas
do Modus Vivendi51 e isto desculparia Rhodes, se no fosse o facto da sua
correspondncia anterior ao Tratado de Agosto denunciar j uma inteno de invadir
Manica e chegar ao mar atravs da Beira. O Free-Hand m desculpa.
Mas e quanto a Mutassa?
Os textos ingleses do sculo XX do quase como certo que se encontrava na
esfera portuguesa. Deixam, no entanto, a reserva de que os conhecimentos
51
Apesar de Portugal, logo desde o falhado Tratado de Agosto, ter suspendido todas as
exploraes nas zonas abrangidas pelo mesmo, sem necessidade do Modus Vivendi.