Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

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  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    1/1111Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    Histria eEconomia

    Revista Interdisciplinar

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    Histria eEconomia

    Revista Interdisciplinar

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    4/1114 Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    HISTRIA E ECONOMIA - revista interdisciplinar.

    Brazilian Business School. - v. 7, n. 1, (2010). - So Paulo:

    Meca Comunicao, 2010

    Semestral

    ISSN 1808-5318

    1. Histria - Peridicos 2. Economia - Peridicos 3. Finanas -

    Peridicos 4. Brasil - Peridicos I. Brazilian Business School.

    CCD 330.981

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    5/1115Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    Expediente

    Histria e EconomiaRevista Interdisciplinar

    BBS Brazilian Business School

    Editor:John Schulz

    Vice editor:Adalton Francioso Diniz

    Secretrios gerais:Roberta Barros Meira, Rafael Balan Zappia

    Secretrio adjunto:Anderson Floriano

    Conselho editorial:

    Adalton Franciozo Diniz (Faculdade Csper Lbero;PUC- SP) Andr Villela (EPGE/FGV) Antnio

    Penalves Rocha (USP) Carlos Eduardo Carvalho (PUC/SP) Carlos Gabriel Guimares (UFF)

    Flavio Saes (USP) Gail Triner (Rutgers University) Jaime Reis (ICS - Universidade de Lisboa)

    John Schulz (BBS) Jonathan B. Wight (University of Richmond) Jos Luis Cardoso (ICS - Uni-

    versidade de Lisboa) Marcos Cintra (Unicamp) Pedro Carvalho de Mello (ESALQ) Renato Leite

    Marcondes (USP/Ribeiro Preto) Ricardo Feij (USP/Ribeiro Preto) Steven Topik (University of

    California Irvine) Vitoria Saddi (INSPER)

    Agradecimento aos pareceristas externos:

    Rogrio Arthmar (UFES)

    Luiz Eduardo Simes de Souza (UFAL)

    Alexandre Queiroz Guimares (PUC - MG)

    Wilson Luiz Rotatori Corra (UFSJ)

    Fausto Saretta (UNESP)

    Jnia Furtado (UFMG)

    Antnio Juc (UFRJ)

    Projeto grfco e arte: Meca Comunicao Estratgica Tel. 55 11 2447-0681

    Apoio editorial: Denise Freitas

    Diagramao: Valter Luiz de Freitas

    Tiragem:1.000 exemplares

    Impresso: Neoband

    BBS Brazilian Business School

    Al. Santos, 745 1 andar So Paulo SP Brasil

    Tel. 55 11 3266-2586 Fax 55 11 3289-3345

    [email protected] www.bbs.edu.br

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    Sumrio

    Apresentao

    O momento de Histria e Economia

    The moment of Histria e Economia

    Conselho editorial.....................................................................................................................................9

    Nota do editor

    Editors note

    John Schulz.............................................................................................................................................11

    Artigos

    In Hoc Signo Vinces: moeda e poder da monarquia na poca moderna

    Grasiela Fragoso da Costa.......................................................................................................................13

    A parte onde cria aquele onde menos ouro se v: ouro e crdito em Minas Gerais durante o

    sculo XVIII

    Raphael Freitas Santos...........................................................................................................................31

    Poltica econmica e crises cambiais: A gesto fnanceira do Imprio do Brasil nos primrdios

    do padro-ouro (1846-1858).

    Jos Tadeu de Almeida............................................................................................................................49

    Cmbio: uma questo da poltica

    Esther Kuperman....................................................................................................................................67

    Regimes Cambiais: A Teoria na Prtica

    Joo Basilio Pereima / Marcelo Curado.................................................................................................87

    Roteiro para submisso de artigos....................................................................................109

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    O Pas e as Disciplinas

    e propores continentais, o Brasil

    se fechou em si mesmo ao longo da

    segunda metade do sculo 20. A in-

    dustrializao tardia do Pas materializada sob a

    forma de substituio de importaes foi o tema

    dominante nesse perodo. Durante a ltima dca-

    da, entretanto, a viso do Brasil mudou de forma

    signicativa. Tal episdio teve tambm repercus-

    so na academia, observando um movimento no

    qual tanto a esquerda quanto a direita passa-

    ram a buscar novas idias de fora do Pas. Os his-

    toriadores e economistas procuraram entender omundo inclusive em reas nas quais o Brasil pos-

    sua pouco contato prvio. Atualmente, a Cora

    do Sul e a ndia podem ser modelos para o Brasil.

    Neste nterim, o Brasil, que liderou o

    mundo em termos de crescimento econmico

    por diversas dcadas e, recentemente, superou

    um processo de pr-hiperinao, tem muito a

    contar para o mundo. Ao nosso ver, Histria e

    Economia um frum multilingustico para es-

    tudiosos brasileiros e de outros pases. Tambm

    entendemos que esta revista uma forma na qual

    os pesquisadores do Brasil podem expressar suas

    experincias a acadmicos e demais interessados

    no exterior.

    Os estudos interdisciplinares estiverem

    em voga, no mnimo a partir da publicao dosAnnalles em 1929. Os historiadores, em sua

    grande maioria, apesar de serem inuenciados

    por idias de reas distintas, raramente produzi-

    O momento de Histria e Economia

    The moment of Histria e Economia

    D

    The Country and the Disciplines

    f continental proportions Bra-

    zil looked predominantly inwards

    throughout most of the second halfof the twentieth century. Import substitution and

    autarky dominated thinking accross the politi-

    cal spectrum. Over the past decade the outlook

    changed dramatically with both the left and

    the right searching outside for new ideas and

    for material fulllment. Historians and econo-

    mists seek to understand the world including ar-

    eas with which Brazil had little previous contact.

    Today South Korea and India may be role modelsand are at least benchmarks for Brazil.

    Meanwhile Brazil, which led the world

    in economic growth for a number of decades,

    and which recently overcame near hyperina-

    tion, has something to tell the rest of the world.

    We view Histria e Economia as a multi-

    lingual forum for both Brazilian and internation-

    al scholars. We also see our journal as a means

    by which Brazilian researchers communicate the

    Brazilian experience to academics and other in-

    terested parties abroad.

    Interdisciplinary studies have been in

    vogue at least since the appearance of the An-

    nales in 1929. In practice, historians, although

    inuenced by ideas from many elds, rarely un-

    dertake research in conjunction with scholars

    trained in other disciplines. Collective studies

    tend to be by groups of historians. Brazil has a

    O

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    ram trabalhos em co-autoria com acadmicos de

    outras disciplinas. Esforos coletivos tendem a

    incluir apenas historiadores. Esta revista preten-

    de ser um frum de propagao de idias ino-

    vadoras de historiadores e economistas. De fato,o Brasil tem um grande nmero de economistas

    cujos trabalhos de histria econmica possuem

    reconhecimento internacional e contriburam

    para o avano da histria. Tal tradio teve incio

    nos anos 50 com Celso Furtado, seno antes. As-

    sim, usando da credibilidade desses acadmicos

    brasileiros, o intuito da revista o de estimular

    a pesquisa e a comunicao por acadmicos das

    duas disciplinas.

    A revista abarca trs reas: histria eco-

    nmica geral, histria nanceira e histria das

    idias econmicas. Em histria nanceira inclu-

    mos moeda, instituies e instrumentos nan-

    ceiros e nanas pblicas. A histria das idias

    econmicas abrange as adaptaes que econo-

    mias, como as do Brasil e de Portugal, termina-

    ram por implementar no pensamento econmicotradicional.

    Ser por meio do encontro entre histria

    e economia e do Brasil com o mundo que esta

    revista dever fazer sua contribuio.

    Conselho editorial

    large number of outstanding economists whose

    work on economic history is recognized around

    the world. This tradition started with Celso

    Furtado in the fties if not earlier. We intend to

    take advantage of this existing situation to en-courage research and communication by schol-

    ars of both disciplines.

    Histria e Economia dedicates itself to

    three areas: General Economic History, Finan-

    cial History and the History of Economic Ideas.

    Within Financial History we include money, -

    nancial institutions and instruments, and public

    nance. The History of Economic Ideas encom-passes the adaptations that relatively backward

    economies, such as Brazil and Portugal, have

    made of economic thought from the advanced

    countries.

    It is on the intersections of history and

    economics and of Brazil and the world where we

    wish to make our contribution.

    Editorial board

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    ince the medieval bill of Exchange,

    exchange has been a major preoccu-

    pation for international businessmen.

    Brazil suffered exchange problems almost atbirth as her currency fell by two thirds during

    the countrys rst decade. Once the separatist

    movements terminated, the imperial authori-

    ties turned their attention to exchange policy

    including a lengthy debate on the virtues of

    convertible currency. Although the country only

    adopted the gold standard in 1906, the system

    which prevailed during the previous two genera-

    tions gave the economy most of the advantages

    of the gold standard and price stability while al-

    lowing a oat during periods of low commodity

    prices. World War I and the Depression together

    destroyed the gold standard, and the Vargas

    Government of the 1930s imposed stringent ex-

    change controls. These controls survived longer

    in Brazil than they did in most other states. Bra-

    zils currency became convertible only in 1989while even today exporters and investors face a

    good deal of bureaucracy to close exchange.

    The BBS Historia e Economia Seminar

    on Exchange, held last August 13, had as key-

    note speakers Arnim Lore and Celina Arraes.

    My friend Arnim was the director of the Central

    Bank who presided over the dismantling of ma-

    jor exchange controls in 1989. Today he the vice

    president of the FIESP (Federation of Industriesof So Paulo) Committee on International Trade.

    Celina served as international director of the

    Nota do editor

    Editors note

    Sesde o perodo medieval, as letras de

    cmbio tm sido uma grande preocu-

    pao dos empresrios internacionais.

    O Brasil teve problemas de cmbio praticamentedesde o nascimento, quando a sua moeda caiu

    em dois teros durante a primeira dcada do pas.

    Uma vez que os movimentos separatistas foram

    encerrados, as autoridades imperiais voltaram

    sua ateno para a poltica de cmbio, incluin-

    do um longo debate sobre as virtudes da moeda

    convertvel. Embora o pas s adotasse o padro

    ouro em 1906, o sistema que prevaleceu durante

    duas geraes anteriores deu economia a maio-

    ria das vantagens do padro-ouro e a estabilida-

    de dos preos, permitindo uma utuao durante

    o perodo de preos baixos das commodities. A

    I Guerra Mundial e a Depresso em conjunto

    destruram o padro-ouro, e o Governo Vargas

    da dcada de 1930 imps controles rigorosos

    no cmbio. Esses controles sobreviveram mais

    tempo no Brasil do que na maioria dos outrosestados. A Moeda tornou-se conversvel no Bra-

    sil apenas em 1989, embora os exportadores e os

    investidores ainda hoje enfrentam uma boa dose

    de burocracia para fechar cmbio.

    O Seminrio BBS Histria e Econo-

    mia sobre o Cmbio, realizada em 13 de agosto

    passado, teve como palestrantesArnim Lore e

    Celina Arraes. Meu amigo Arnim foi diretor do

    Banco Central, que presidiu o desmantelamen-

    to dos controles de cmbio em 1989. Hoje, ele

    vice-presidente da FIESP (Federao das In-

    D

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    12/11112 Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    Nota do editor

    dstrias de So Paulo) - Comisso do Comrcio

    Internacional. Celina atuou como diretora inter-

    nacional do Banco Central no governo que acaba

    de terminar. Ela liderou iniciativas para criao

    de um mecanismo de compensao da AmricaLatina que utilizasse moedas locais e diminusse

    o trabalho dos exportadores. As duas participa-

    es nos honraram profundamente.

    Nosso seminrio foi aberto com uma

    histria geral de cmbio no Brasil apresentada

    por Andr Villela, professor da Fundao Getu-

    lio Vargas no Rio de Janeiro e um dos membros

    de nosso conselho editorial.

    Tivemos tambm cinco apresentaes

    que publicaremos nesta edio. Duas so rela-

    cionados com a circulao de ouro e de crdito

    durante o perodo colonial, uma na tentativa de ir

    do padro-ouro no ano 1846-1858, e duas sobre

    as polticas de troca contempornea. Como sem-

    pre, estamos ansiosos por comentrios e crticas.

    O conselho editorial gostaria de expres-

    sar seu agradecimento a Roberta Barros Meira

    pela coordenao deste seminrio e desejar-lhe

    sorte na organizao de nosso seminrio para

    este ano que ser: Sustentabilidade: Dimenses

    histricas e econmicas.

    Central Bank in the government which

    just ended. She led initiatives to establish a

    Latin American clearing arrangement which

    utilizes local currencies and to reduce paper

    work for exporters. Their participation honorsus profoundly.

    Our seminar opened with a general his-

    tory of exchange in Brazil delivered by Andr

    Villela, a professor at the Fundao Getulio Var-

    gas in Rio de Janeiro and one of the members of

    our editorial board.

    We also had ve presentations which weare publishing in this issue. Two are related to

    gold, circulation, and credit during the colonial

    period, one on the attempt to go on the gold stan-

    dard in the years 1846-1858, and two on con-

    temporary exchange policies. As always we look

    forward to comments and criticism.

    The editorial board would like to express

    its appreciation to Roberta Barros Meira forcoordinating this seminar and wish her luck in

    organizing our seminar for this year which shall

    be: Sustainability: Historical and Economic

    Dimensions.

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    13/11113Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    In Hoc Signo Vinces

    moeda e poder da monarquia

    na poca moderna

    Grasiela Fragoso da CostaMestrado/UFRJ/[email protected]

    Resumo

    Por que criar uma Casa da Moeda na Amrica Lusa em nais do sculo XVII?

    Para compreendermos o terreno dessa discusso, analisaremos a situao do meio circulante e as diculdades econmicas advindas

    da falta de numerrio nas principais praas comerciais da Amrica Lusa no sculo XVII. Num segundo momento, examinaremos

    duas fases dessa instituio: a Casa da Moeda Itinerante, na qual essa instituio circulou pela Capitania da Bahia, do Rio de Ja-

    neiro e de Pernambuco entre 1694 a 1702, com o objetivo de se cunhar a moeda provincial, uma moeda especca para a Amrica

    Lusa, com cunho e valor diferentes das do reino; e a Casa da Moeda Denitiva, que se inicia em 1703 na capitania do Rio de Janeiro,

    fruto de uma outra paisagem poltica, com maior peso na complicada trama de formao da Monarquia Portuguesa.

    .

    Palavras-chaves:Moeda metlica, Casa da Moeda, Rio de Janeiro, sculo XVIII

    Abstract

    Why create a mint in Portuguese America in the late seventeenth century?

    To comprehend this discussion, we analyzed the situation of the currency and the economic difculties that were consequences of

    the lack of cash in the main business centers of Portuguese America in the seventeenth century. Then, we examined two phases of

    this institution: 1- the Itinerant Mint, which moved among three captancies: Bahia, Rio de Janeiro and Pernambuco between 1694

    and 1702. The mints goal was to produce the provincial currency: a specic currency for Portuguese America, with different values

    from that of continental Portugal Kingdoms one), and 2- the Permanent Mint, which opened in 1703 in Rio de Janeiro, the result ofa new political landscape, with more importance to the development of the Portuguese Monarchy.

    Key words:Currency, Mint, Rio de Janeiro, Eigtheenth Century

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    14/11114 Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    O

    In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna

    Moeda e metais preciosos

    So as moedas uns documentos com queigualmente se autorizam as histrias; porque,

    por elas, se entra no conhecimento da grandeza

    e do poder dos soberanos, pela riqueza dos me-tais e pela diversidade dos cunhos. 1

    btidos pela fora, pela conquista de

    novos territrios e, na maioria das ve-

    zes, pelo comrcio, os metais precio-

    sos, personicados nas moedas, desempenharam

    um importante papel nas economias modernas.

    Alm de matria-prima para a fabricao domeio circulante, eram eles ingredientes indispen-

    sveis no exerccio de poder e de soberania real,

    na medida que compunham o que Eli Heckscher

    denominou de entesouramento, de potncia -

    nanceiranas mos do prncipe (HECKSCHER,

    1983, 654).

    Segundo o mesmo autor, as reservas de

    metais preciosos existentes dentro de um reino

    eram uma das bases mais importantes de poder

    da Monarquia, pois sua soberania, sua autono-

    mia frente s outras Monarquias se traduzia por

    sua capacidade de entesouramento, ou seja, na

    reserva de objetos caros e de fcil realizao,

    guardados para serem utilizados num momento

    de necessidade sbita e inesperada, como uma

    m colheita ou mesmo uma guerra:

    Um prncipe deve contar com umgrande tesouro, e tambm seus sditos, para

    fazer frente a todas as eventualidades. (...) Se

    tivssemos guerra ou uma m colheita, como

    temos tido, ou se necessitssemos de uma ar-

    tilharia, armas ou outra ajuda do estrangeiro,

    no a moeda que atualmente dispomos que

    poderia nos abastecer disso. E o mesmo ocor-

    reria se padecssemos de uma grande penria

    de trigo dentro do pas... Nossas mercadorias

    no poderiam, tampouco, em caso de sensvelescassez, contrastar essa situao, nem sequer

    1 SOUZA, C. Histria Genealgica da Casa Real Portugueza e dosDocumentos, Lisboa:Rgia Ofcina Sylviana e Academia Real, 1749,p.100.

    nos anos de abundncia no bastam para pro-

    curarmos a quantidade suciente de artigos ne-

    cessrios. Portanto, se se juntassem a guerra e

    uma m colheita, como outras vezes ocorreu,

    o que teramos de fazer? Nos veramos, indu-

    bitavelmente, em uma situao muito difcile expostos a um grande perigo por parte do

    estrangeiro.Em troca, se existisse um tesouro

    acumulado dentro do pas, estaramos, apesar

    da guerra e da m colheita, em condies de

    lhes fazer frente durante dois ou trs anos. (...)

    O dinheiro , por assim dizer, uma despensa na

    qual se armazenam todas as mercadorias apete-

    cveis. (HECKSCHER, 1983, 657)

    Esse texto, datado do sculo XVI, nosd uma boa amostra de como era sabido que a

    falta de um tesouro poderia tornar vulnerveis

    as defesas de um reino. Nesse mesmo trecho, o

    autor descreve o dinheiro como uma dispensa,

    na qual se armazenam todas as mercadorias.

    Percebemos com isso mais uma funo da mo-

    eda: alm de poder ser utilizada como uma re-

    serva de valor, a moeda se constitui tambm em

    instrumento que viabiliza e agiliza as trocas. Em

    outras palavras, a moeda, em especial as cunha-

    das em metal precioso, ouro ou prata, funciona

    como o equivalente geral das trocas, ou seja, a

    mercadoria especca pela qual todas as outras

    mercadorias comparam e medem o seu valor, e

    pela qual se pode adquirir qualquer outra merca-

    doria. (MARX, 1983, 31-149)

    Demonstrando o quo vital representava

    a moeda para os reinos, no perodo compreen-

    dido em nossa anlise era comum que a moeda

    aparecesse em documentos, relacionada ima-

    gem do sangue, vital elemento que, ao circular,

    d vida s partes do corpo. A carta do Governa-

    dor do Brasil, Cmara Coutinho, de 1694, um

    bom exemplo:

    Toda a opresso, e runa que se teme,

    nasce da falta do dinheiro, que aquele nervo

    vital do corpo poltico, ou o sangue dele, que

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    15/11115Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    derivando-se e correndo pelas veias deste cor-

    po, o anima e lhe d foras... 2

    Ao circular, a moeda ativava as trocas

    comerciais e nutria o corpo poltico da Monar-

    quia, mantendo a vitalidade de sua economia e

    sua fora perante o estrangeiro. Essa fora, trans-

    gurada no poder de compra da moeda cunhada

    sob a efgie e as armas do monarca em exerccio,

    estava ligada reserva interna de metais, o en-

    tesouramento, pois nas trocas feitas entre dife-

    rentes reinos a moeda era cotada por seu valor

    intrnseco, ou seja, pela quantidade de metal

    precioso nela existente. Logo, quanto mais metaldisponvel para a cunhagem, maior o nmero de

    moedas e maior a quantidade de metal precio-

    so no seu toque. Ao contrrio, se houvesse uma

    baixa nas reservas de metais, a Monarquia tinha

    de promover a alterao do seu valor nominal,

    ou de face, para compensar a escassez. Todavia,

    essas alteraes aumentavam o poder de compra

    dessa moeda somente no interior de seus do-

    mnios, desvalorizando-as perante as trocas noestrangeiro.3

    A partir disso, podemos perceber como a

    imbricao moeda-metal precioso era, na viso

    mercantilista, signo de poder e de soberania real,

    uma vez que proporcionava Monarquia o sus-

    tento do seu corpo poltico e sua capacidade de

    reiterao no tempo.4

    Para impor sua poltica monetria no es-

    trangeiro frente s outras Monarquias e interna-

    mente frente a seus sditos, o monarca contava

    com o empenho de uma instituio em particular,2 Fragmento da carta do Governador do Brasil, Antnio LusGonalves Cmara Coutinho de 1692. Apud Anais da BN do RJ vol.LVII, 1935, pp.147-153. BRAUDEL, F. A Moeda In: ____.Civilizaomaterial, Economia e Capitalismo, sculo XV-XVIII, vol 1, So Paulo:Martins Fontes, 1997, p.399-437.3 Essa prtica era denominada de levantamento da moeda. Esses levan-tamentos, na verdade, rebaixavam o valor da moeda, pois consistiam

    num aumento do seu valor extrnseco, ou valor nominal, sem alterar aquantidade de metal precioso existente no seu toque, ou seja, seu valorintrnseco.4 Para saber mais sobre o assunto: DEYON, P. O Mercantilismo. SoPaulo: Editora Perspectiva, 1992; FALCON, F. J. C. Mercantilismo eTransio, So Paulo: Brasiliense, 1996.

    a Casa da Moeda. Criada para zelar pela quali-

    dade e delidade do dinheiro em circulao, a

    Casa da Moeda tinha o monoplio da emisso

    das moedas e da cotao dos metais preciosos

    em circulao.5

    Seus membros, denominadosem geral de moedeiros, possuam privilgios es-

    peciais e juravam na sua cerimnia de sagrao

    f e lealdadeno servio Coroa.

    A primeira Casa da Moeda instalada

    na Amrica Portuguesa data de 1694. Ao ana-

    lisarmos o contexto poltico-econmico desse

    perodo, vemos como a moeda, ou melhor, sua

    escassez e aviltamento, era um problema de pri-meira grandeza. Problema esse que afetava no

    s a sede da Monarquia, como tambm suas

    conquistas na Amrica Lusa. O sculo XVII foi

    um perodo de grande diculdade para a Monar-

    quia Portuguesa, uma vez enredada por conitos

    internos que marcaram a separao das Coroas

    de Espanha e Portugal, a Monarquia Restaurada

    teve de lidar com um estado crescente de di-

    culdades nanceiras, advindas das despesas deguerra e da montagem do novo governo.6

    No ultramar, a ofensiva holandesa e

    inglesa contribuiu para o agravamento da situ-

    ao. No Oriente, a entrada desses novos perso-

    nagens nas transaes comerciais gerou a perda

    do monoplio portugus sobre o comrcio das

    especiarias, resultando numa forte queda nos

    rendimentos do Estado da ndia. No Ocidente, os

    holandeses conseguiram tambm atrapalhar dois

    dos principais negcios lusos no Atlntico: a pro-

    duo de acar com a tomada de Pernambuco,

    Olinda e Recife, nos anos de 1620 e o comr-

    cio de escravos com a conquista de Angola por

    5 Regimento que Sua Majestade que Deus guarde manda observar naCasa da Moeda, Lisboa, 1687. Apud GONALVES, C. B. A Casa daMoeda do Brasil, 290 anos de sua histria. Editora: Casa da Moeda,RJ, 1989, p.113-137.

    6 Sobre as guerras de restaurao em Portugal: GODINHO, V. M. 1580e a Restaurao In: ____. Ensaios II, Sobre Histria de Portugal, Lis-boa: Livraria S da Costa Editora, 1978, p. 257-291. Sobre a situaonanceira no reino nesse perodo: HESPANHA, A. M. A Fazenda In:____. (Org.) Histria de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: EditorialEstampa, 1998, pp. p.203-238.

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    16/11116 Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    volta de 1640.7

    A situao se complicou ao longo do

    sculo. O acar brasileiro nesse momento um

    dos principais produtos de reexportao do qualPortugal dependia para pagar as importaes es-

    senciais sobrevivncia de sua economia es-

    tava em baixa no continente europeu, devido s

    guerras do norte da Europa e da concorrncia da

    produo aucareira das Antilhas holandesas e

    inglesas.8

    Essa instabilidade econmica se re-

    etia nos constantes desequilbrios da balanacomercial lusa. O numerrio j escasso nessa

    poca, em parte por causa do declnio das im-

    portaes de prata vinda da Amrica espanhola,

    esvaa-se para fora do Reino. Conforme obser-

    vou Thomas Maynard, cnsul-geral ingls em

    Lisboa, em 1671:

    Todo o acar deles que chegou este

    ano, com todos os produtos que este Reino pdeexportar, no pagar sequer metade das merca-

    dorias que so importadas, portanto, todo dinhei-

    ro sair do Reino deles dentro de poucos anos 9

    O colapso nanceiro acabou por gerar

    uma crise monetria. A moeda j escassa passou

    a sofrer sucessivas deterioraes. Para remediar

    a carncia e o aviltamento da moeda metlica,

    a monarquia portuguesa tomou algumas medi-das. Uma das mais polmicas foram as leis de

    levantamento da moeda. O que signicava esse

    7Sobre a ofensiva holandesa e inglesa no ultramar: ALENCASTRO,L. F. As guerras pelos mercados de escravos In: ____. O Trato dosViventes, So Paulo: Cia. das Letras, 2000, p.188-246. BOXER, C.R. A luta global com os holandeses In ____. O Imprio MartimoPortugus. 1415-1825. So Paulo: Companhia das Letras, 2002,p.120-140. CHAUDHURI, K. A Concorrncia Holandesa e Inglesa In:BETHENCOURT, F. & CHAUDHURI, K. (Orgs.) Histria da ExpansoPortuguesa, Do ndico ao Atlntico, Lisboa: Crculo de Leitores, 1998,vol 2, p.82-106. MELLO, E. C. Olinda Restaurada, Guerra e Acar noNordeste, 1630-1654. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.

    8Refere-se a importao de produtos como: cereais, tecidos e outrosprodutos manufaturados. GODINHO, V. M. Flutuaes econmicas edevir estrutural do sculo XV ao sculo XVII; Portugal, as frotas doacar e as frotas do ouro In: ____. Ensaios II... p.177-205 e 425-448,respectivamente.9 Apud BOXER, C. R. O Imprio Martimo Portugus... p.164.

    levantamento?

    Os levantamentos da moeda

    Levantar moeda consistia em reco-

    lh-la e fundi-la novamente ou simplesmentecarimb-la com um novo valor, mais alto do que

    o anterior. O levantamento, na verdade, era um

    rebaixamento do valor da moeda, pois se referia

    a um aumento do seu valor extrnseco, ou valor

    nominal, sem alterar a quantidade de metal pre-

    cioso existente no seu toque, ou seja, seu valor

    intrnseco.

    Esses levantamentos eram tambm ummeio de se arrecadar impostos, pois, a cada re-

    marcao, uma pequena parte do metal precioso

    era conscada pela Coroa.10Conforme Rita de

    Sousa, entre 1640 e 1688, contam-se seis des-

    valorizaes para o ouro e cinco para a prata,

    que se traduziram no montante de 243% e 133%

    respectivamente:

    No perodo compreendido entre 1640e 1688, a poltica monetria caracterizou-se por

    intensas desvalorizaes que, sobretudo, visa-

    ram um aumento das receitas do Estado atra-

    vs das receitas de senhoriagem. Um conjunto

    de medidas legislativas refere explicitamente

    a canalizao dos lucros das recunhagens e

    contramarcaes para as despesas de guerra.

    (SOUSA, 1999, 76-115)11

    10LEVI, M. B. Elementos para o Estudo da Circulao da Moeda naEconomia Colonial In: Estudos Econmicos, 13 (n especial), FEA/USP, p.825-840, 1983. Para saber mais sobre o assunto: SAMPAIO, A.C. J. Crdito e circulao monetria na Colnia: o caso fuminense,

    1650-1750. Anais do V Congresso Brasileiro de Histria Econmicae 6 Conferncia Internacional de Histria de Empresas. ABPHE, 20.FARIAS, S. de C. Moeda In: VAINFAS, R. (Dir.) Dicionrio do BrasilColonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.403-405. VIEI-RA, D. T. A Poltica Financeira. In: Holanda, S. B. (Dir.) Histria Geralda Civilizao Brasileira - I. A poca Colonial - 2. Administrao,Economia e Sociedade. So Paulo: Difel, 1985, p.340-351.11 O imposto de senhoriagem cobrado aos particulares na Casa daMoeda, sempre que estes a ela se dirijam para transformar metais emmoeda ou recunhar moedas que no cumprem as devidas condieslegais. A diferena estabelecida na lei entre o preo do metal em barra eo preo do metal em moeda igual ao imposto de senhoriagem, sendo o

    montante anual deste imposto funo quer da taxa, quer do volume anu-al de amoedao. No caso da cunhagem no ser gratuita, a existnciadeste imposto faz com que os particulares se dirijam Casa da Moedaapenas quando o valor monetrio excede o valor metlico./Essa tese jse encontra disponvel na verso impressa pelo Instituto Nacional, Casada Moeda, Lisboa, ano de 2006.

    In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    17/11117Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    Alm destas medidas que desvaloriza-

    vam a moeda, diminuindo seu poder de compra

    no estrangeiro12, o dano do cerceio tinha se tor-

    nado uma verdadeira calamidade. O cerceamento

    da moeda consistia na raspagem de suas bordascom o intuito de extrair fragmentos do seu metal,

    para a cunhagem de novas moedas. (MADEIRA,

    1993, 33-34) A prtica do cerceio, que alterava o

    peso da moeda, e as constantes remarcaes que

    mudavam seu valor nominal acabaram por faci-

    litar a falsicao, tanto por meio do aviltamento

    da liga como na alterao do valor nominal da

    moeda.

    A Amrica Lusa tambm sofria com essa

    escassez e deteriorao do meio circulante. A

    soluo encontrada para minimizar tal problema

    foram os aumentos nominais nas moedas, pe-

    las Cmaras. Em 1643, o Governador da Bahia

    decretou o aumento de 25% e 50%, respectiva-

    mente, para as moedas de ouro e de prata, nestas

    includas as patacas de origem peruana.13 Uma

    consulta do Conselho Ultramarino de 1681 nosinforma que pela lei de 23 de maro de 1679El

    Reymandava marcar, em um ms, todas as pata-

    cas no Estado do Brasil e que essas passassem a

    correr por 640 ris.14

    Esta lei, porm, no foi executada na Ca-

    pitania do Rio de Janeiro. A justicativa para esta

    exceo, fornecida pelo Mestre de Campo Pedro

    Gomes, que estava governando a referida Capi-tania, que, em 1676, a Cmara e os povos da-

    quele Estadohaviam acrescentado dois vintns

    nas patacas e um vintm na meia pataca, para ver

    se o dinheiro se conservava nessa Capitania.15

    12 Diminua o seu poder de compra, pois no comrcio com o estran-geiro a moeda deveria correr a peso, ou seja, pelo seu valor intrnseco.HECKSCHER, E. Las Relaciones de Cambio com El Extranjero In: Lapoca Mercantilista..., p.680-706.13 MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlntico, 1570-1670, vol. 2,

    Lisboa: Editorial Estampa, 1988, p.175.14 Arquivo Histrico Ultramarino, Coleo Castro Almeida, Rio deJaneiro Doravante AHU CA RJ doc 1766-1769, cd 1, 1681, f. 33-34. Proviso de 23 de maro de 1679, relativo ao Carimbo Coroado de640 ris sobre oito reales.15 Idem.

    Alm desses aumentos, uma srie de me-

    didas foi ordenada pelo Conde de bidos, Vice-

    Rei do Brasil, para conter a anarquia monetria.

    O Regimento por ele escrito, datado de 1663,

    previa, por exemplo, a recunhagem de todasas moedas de ouro e prata e o consco das que

    no estivessem de acordo com as prescries do

    referido Regimento.16Tudo indica, porm, que

    pouco resultado teve tal intento. Por carta de 2

    de janeiro de 1687, enviada ao Governador da

    Capitania do Rio de Janeiro, Joo Furtado de

    Mendona,El Reyrelatou os males que padecia

    o meio circulante:

    Joo Furtado de Mendona, eu El Rey

    vos envio muito saudar. O dano do cerceio da

    moeda se introduziu de sorte neste Reino que

    desejando dar todo remdio conveniente e ne-

    cessrio a to perigoso delito e de que resulta

    tanta confuso e perda Repblica, fui servido

    mandar publicar uma lei com pena de morte a

    todos os que cerceassem moeda (...) e sendo as

    patacas o que recebiam o maior dano por terem

    mais capacidade para o cerceio, [estando] forado Reino j cerceadas, por ser moeda que no

    nacional com que receba em si o maior preju-

    zo por ser em benefcio dos estrangeiros para

    se lhe dar o remdio de que necessitam, man-

    dei publicar a lei que com esta se vos remete

    e porque acabada a reduo das patacas se h

    de passar a dar remdio a moeda nacional para

    que ela se acabe de todo este delito do cerceio,

    se considera tanta a importncia de perda que

    no bastam o cabedal da Fazenda Real para se

    satisfazer as partes cando por minha conta 17

    A lei a que tal carta faz aluso a de

    1686, que ordenava o recolhimento das moedas

    para que lhes fossem postos cordes e marcas,

    com a nalidade de dicultar a prtica do cer-

    ceio, to perigoso delito e de que resulta tanta

    16 SOMBRA, S.Historia Monetria do Brasil colonial: repertriocronolgico com introduo, notas e carta monetria.Rio de Janeiro:

    Laemmert, 1938, p. 81-84. BARROS, M. D. de. O Regimento do Condede bidos diante da histria e da legislao monetria. Rio de Janei-ro: Anais do Museu Histrico Nacional, vol.IV, 1943. Edgar ArajoRomero. O Regimento do Conde de bidos, 7 /7/1693. Revista Casada Moeda, n9-14, mai-jun de 1948 a maro-abril 1949.17 AHU CA RJ - doc 1766 a 1769, cd 1, 1687, f. 34-36.

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    18/11118 Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    confuso e perda Repblica.18 Os prejuzos

    eram de tal monta, que no bastavam os recursos

    da Fazenda Real para socorr-los, tendo o Rei de

    dispor de seus prprios meios para trazer alvio

    vida de seus sditos.

    Nesse perodo, Portugal se encontrava

    com seu stock de metais em baixa, devido aos

    constantes desequilbrios da balana comercial,

    que faziam com que o pouco numerrio de que

    dispunha corresse para fora do Reino.19E o que

    lhe era mais caro, o parco numerrio existente no

    Reino e nas terras da Amrica Lusa, eram as pa-

    tacas castelhanas. Logo, essa abundncia de mo-edas estrangeiras nas terras pertencentes ao Rei

    de Portugal, que, devido escassez de numerrio

    haviam se tornado a principal moeda disponvel

    para as trocas, mexia com a soberania da Mo-

    narquia Portuguesa, no s pelo fato de serem

    falsicadas, mas tambm por demarcarem certa

    dependncia lusa frente prata castelhana. To

    importantes eram essas patacas para a economia

    da Amrica Lusa, que o levantamento de 1688,

    no qual se ordenava que essas passassem a correr

    a peso, foi embargado na Bahia, em Pernambuco

    e no Rio de Janeiro.

    O dito levantamento ordenava que o au-

    mento fosse de 20% no valor de face das moedas

    de ouro e prata. Sendo que as patacas castelhanas

    passariam a correr pelo peso, com a oitava a 100

    ris. Esse era o ponto mais polmico do levanta-

    mento, pois somente as patacas de sete oitavas,

    raras em terras brasileiras, receberiam alguma

    vantagem, mas no chegariam aos 20% previs-

    tos na lei. As demais patacas cerceadas de menor

    valor intrnseco as de quatro a seis e meiaoita-

    vas estavam fora do acrscimo, por terem seus

    pesos adulterados. Contudo, esse era o gnero de18 Idem. Para uma viso mais ampla sobre a circulao monetria nas

    demais capitanias no sculo XVII vide : GALANTE, Lus Augusto Vicen-te. Uma histria da circulao monetria no Brasil do sculo XVII. Tese(Doutorado em Histria)-Universidade de Braslia, Braslia, 2009.19 Nesse contexto do XVII, no s Portugal sofria com a escassez demetal precioso como tambm toda a Europa. VILAR, P. O Ouro e a Mo-eda na Histria-1450-1920, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, passim.

    moeda de que dispunha a Amrica Lusa para as

    suas transaes. (AZEVEDO, 1947, 328, 349)

    Pela lei de 1679, todas as patacas, inde-

    pendentemente do seu peso, estavam correndo a640 ris; logo, o fato de correrem a 100 ris a

    oitava implicava numa perda para seus possui-

    dores, pois no mximo elas valeriam 600 ris.

    Afora isso, a multiplicidade de valores intrnse-

    cos, devido a variaes de peso, causaria muita

    confuso no comrcio; primeiro, pela necessida-

    de de se pesar cada uma, e, depois, pela falta de

    troco. A reclamao foi geral. Por volta de 1690,

    o Rio de Janeiro em Cmara protestava ao Rei,descrevendo os prejuzos que viriam da execu-

    o de tal lei:

    a primeira runa e prejuzo irreparvel

    que dentro de um ou dois anos se h de sa-

    car e tirar todo este gnero de moeda nas frotas

    que vierem e forem e car totalmente a terra

    exausta de toda a dita moeda, porque como o

    acar est na baixa (...) e tem pouca sada (...)

    remeteram os comissrios e mercadores destaterra, em cuja mo est e vai parar toda a dita

    moeda para o Reino pois tenha o mesmo valor

    que c tendo o lucro certo sem o risco de perde-

    rem no acar. Tanto assim que nas frotas de

    1688 e 1689 se levaram mais de 400 mil cruza-

    dos desta cidade (...) faltando o dinheiro, como

    certo e precisamente h de faltar, se ho de des-

    fabricar os engenhos (...) porque no ho de ter

    os senhores com que fornecer e fabricar os seus

    engenhos e partidos porquanto a mais principalfbrica dos engenhos conta de escravos e de

    bois os quais se compram sempre a dinheiro e

    os no querem vender os donos e credores de

    outra maneira (...) no s se ameaa e se se-

    gue esta runa e prejuzo dos moradores e povo

    desta cidade mas tambm que se segue a fa-

    zenda Real de Sua Majestade, certa e infalvel

    perda porque os contratos e rendas reais viram

    diminudas e se ande arrematadas por menor, a

    metade do que at agora andavam (...) se aca-

    bar a nova colnia do Sacramento porque no

    h de haver dinheiro para se lhe acudir assim

    para os socorros para os soldados como com os

    In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    19/11119Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    mantimentos necessrios (...) at os hospitais

    se no admite nem querem admitir os soldados

    e mais pobres doentes por no haver dinheiro e

    nem efeitos com que se curam...20

    O documento acima nos mostra como a

    moeda era um problema de primeira grandeza na

    conjuntura do sculo XVII. A escassez de nume-

    rrio, combinada com a produo de um acar

    de segunda pela Capitania do Rio de Janeiro,

    num cenrio de diminuio da procura desse g-

    nero no estrangeiro, comprometia a reiterao de

    sua economia, essencialmente baseada na produ-

    o vinda dos engenhos.

    Com a queda do preo do acar, as

    frotas vindas do Reino preferiam negociar suas

    mercadorias em troca de moedas. Isso signica-

    va, para o Rio de Janeiro, uma diminuio das

    suas exportaes e uma diminuio de sua ca-

    pacidade de investimentos, devido evaso do

    meio circulante. Essa queda nas vendas do a-

    car, ou sua comercializao por preos muitobaixos, colocava em risco o funcionamento dos

    engenhos, a principal unidade produtiva da eco-

    nomia da Amrica Lusa, signo de poder e prest-

    gio; por conseguinte, colocava em risco a prpria

    organizao social presente na Amrica Lusa,

    que tinha no topo de sua hierarquia a nobreza da

    terra, formada principalmente por senhores de

    engenhos de acar. (FRAGOSO, 2002)

    Cmara Coutinho, Governador do Brasil

    na poca, especialmente preocupado com as di-

    culdades nanceiras vividas pela Amrica Lusa,

    enviou ao Rei D. Pedro II uma representao da-

    tada de 4 de julho de 1692, na qual destacava

    as graves consequncias da falta de numerrio.

    Nessa mesma carta, ele sugere ao soberano a

    20 AHU CA RJ doc 1766 a 1769, cd 1, 1691. Conrmando os prejuzos

    advindos do cumprimento da lei de 1688, somam-se as certides passa-das nessa mesma poca pelas principais autoridades da Capitania: osirmos do Colgio da Cia. de Jesus, o Prior do Convento N. Sr. do Car-mo, o frei Francisco da Cruz, guardio do Convento de So Francisco,o Provedor da Santa Casa de Misericrdia e o Ouvidor Geral. AHU CARJ 1766 a 1769, cd 1, f. 20-32.

    cunhagem de dois milhes de moedas provin-

    ciais, que seriam distribudas pela Bahia, Per-

    nambuco e Rio de Janeiro.

    Assim, em face das inmeras represen-taes provenientes das diferentes Capitanias do

    Brasil, por suas Cmaras e seus Governadores,

    somando-se a estas o pedido de Cmara Couti-

    nho, o Rei de Portugal, entendendo a necessi-

    dade de se criar uma moeda prpria Amrica

    Lusa com cunho e valor diferentes da moeda

    do Reino21e que circulasse somente nessas ter-

    ras instituiu em 8 de maro de 1694 a primeira

    Casa da Moeda no Brasil, para a cunhagem daprovincial: a Casa da Moeda Itinerante.

    A moeda provincial trazia, pois, em suas

    razes, o embate em torno da questo do valor da

    moeda, ocorrido no sculo XVII entre Amrica

    Lusa e Lisboa.

    Neste panorama, a escassez de numerrio

    provocava iniciativas das Capitanias na tentativade se amenizar o problema. Algumas Cmaras

    com apoio dos seus Governadores, mesmo sem

    autorizao rgia promoveram, aumentos no-

    minais nas moedas que circulavam na Amrica

    Lusa, como a ocorrida em 1643, na Bahia, e em

    1676, no Rio de Janeiro.22Estas aes indepen-

    dentes e a anarquia monetria vivida tanto aqui

    quanto no Reino, levou a Monarquia a demons-

    trar sua fora, por meio da lei de 1688. Esta lei,que no foi amplamente aceita pelas principais

    Capitanias da Amrica Lusa, como evidenciado

    pela documentao da poca, se tornou alvo de

    protesto das Cmaras.

    A proximidade de algumas datas sugere

    uma relao entre esses eventos apresentados e

    a criao da Casa da Moeda Itinerante. Por vol-

    ta de 1690-91, partem da Cmara do Rio de Ja-neiro reclamaes contra o cumprimento da lei

    2110% a mais sobre o acrscimo anterior de 20%.22AHU CA RJ doc 1766-1769, cd 1, 1681, f. 33-34.

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    21/11121Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    de forma a favorecer seus vassalos da Amrica

    Lusa, em especial os da praa uminense. A

    Casa cou temporariamente no Rio at 1700,

    passando para Pernambuco nesse mesmo ano

    e funcionando por l at 1702. J em 1703 elaretorna, agora de maneira denitiva, para o Rio

    de Janeiro.

    Esta Casa da Moeda que circulou pela

    Bahia em 1694, pelo Rio de Janeiro em 1698 e

    por Pernambuco em 1700, denominada de Itine-

    rante foi a resposta dada pela Coroa Portuguesa

    para o problema da escassez e do aviltamento do

    numerrio vivida pela Amrica Lusa no sculoXVII. Com a abertura desta Casa na Bahia, bus-

    cava a Monarquia Lusa aliviar a crise nanceira

    advinda da falta de numerrio e, no mesmo sen-

    tido, a evaso das moedas para o Reino.

    Mas o sculo XVIII coloca a Casa da

    Moeda numa nova paisagem poltica. Se at en-

    to o papel desempenhado pela Casa Itinerante

    foi a cunhagem da moeda provincial, a desco-berta das minas de ouro conferiu um novo peso

    poltico a essa instituio, que passou a ser um

    dos canais de administrao e envio do ouro para

    o Reino.

    A Casa da Moeda do Rio de

    Janeiro 1703

    A Casa da Moeda que se instalou no Rio

    de Janeiro no alvorecer do sculo XVIII teve umpeso diferente da Casa da Moeda Itinerante. No

    s pelo tipo de moeda cunhada mas, sobretudo,

    pela importncia que essa Casa adquiriu na ma-

    lha poltica da Monarquia Portuguesa. Antes de

    investigarmos em pormenores essa Casa da Mo-

    eda do Rio de Janeiro, vale a pena analisarmos

    um pouco a viragemque o sculo XVIII empre-

    endeu nos rumos da Monarquia Lusitana.

    Antes mesmo do to sonhado ouro bra-

    sileiro ser descoberto, a Amrica Lusa j vinha

    desfrutando de uma crescente importncia na

    cartograa poltica do Imprio. Segundo Be-

    thencourt, uma srie de medidas militares e ad-

    ministrativas vinham sendo postas em prtica

    por Portugal para assegurar suas possesses noAtlntico Sul. A articulao entre as duas partes

    do Atlntico, costa brasileira e costa africana, co-

    meou a tomar contornos expressivos no XVII.

    To estratgico se mostrava o domnio sobre os

    portos de comercializao de escravos em Luan-

    da, que Salvador Correia de S e Benevides le-

    vantou tropas no Rio de Janeiro para tirar Angola

    do jugo holands. Se no incio do XVII a situa-

    o do Brasil na balana econmica do Imprioera de inferioridade se comparada ao Oriente, ao

    nal do mesmo sculo a situao se inverteu, e

    as rendas da Amrica Lusa a superaram as do

    Oriente. (BETHENCOURT, 1998, 320-335;

    ALENCASTRO, 2000; BOXER, 1973)

    Esta guinada, de fato, foi dada em de-

    corrncia dos descobrimentos do ouro. Segun-

    do Boxer, a Coroa Portuguesa soube jogar coma vaidade dos paulistas, quando solicitava seu

    auxlio na prolongada procura por metais pre-

    ciosos. Por volta de 1690, o Monarca autorizava

    explicitamente o Governador do Rio de Janeiro

    a induzir os principais paulistas a reunirem-se

    s buscas de minas, atravs de promessas se-

    gundo as quais eles seriam feitos gentis-homens

    da casa real e cavaleiros das trs ordens mili-

    tares, de Cristo, de Avis e Santiago. (BOXER,

    2000, 61)26Esse esforo por achar ouro e prata

    na regio sudeste da Amrica Lusa se relaciona

    com o fato de as economias de So Paulo e Rio

    de Janeiro estarem margem das plantations

    nordestinas, fabricantes do produto-rei. Para o

    Rio de Janeiro, cujo acar o comrcio reinol

    preteria, as investidas no serto eram a tentati-

    va de melhorar a reproduo de sua sociedade.Afora isso, mesmo que houvesse incentivos da

    Coroa, as expedies foram custeadas, em parte,26 mais precisamente nota 9.

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    22/11122 Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    pela fazenda dos sertanistas da nobreza da ter-

    ra. Com isso, a faanha da descoberta, embora

    empreendida por vassalosDel Rey, foi entendida

    como uma conquistadesses sertanistas, do local.

    (GRAGOSO, 2002, 52-53)27

    As descobertas dos veios aurferos

    consolidaram o interesse da Coroa portuguesa

    no Atlntico Sul, sobretudo a partir do scu-

    lo XVIII. A explorao do ouro produziu uma

    tremenda mudana na paisagem geopoltica no

    centro-sul da Amrica Lusa. (BOXER, 2000,

    163-189) Com a necessidade de se abastecer as

    regies mineradoras, rotas de fornecimento e co-mrcio foram criadas. (SCHWARTZ, 1998, 86-

    120; BOXER, 2000, 57-86; RUSSEL-WOOD,

    1998, 471-525) Nesse novo contexto, o Rio de

    Janeiro emergiu como uma das pedras mais pre-

    ciosas da Coroa do Rei de Portugal, o ponto de

    convergncia de embarcaes e circuitos mer-

    cantis. (SAMPAIO, 2003, 139-184; BICALHO,

    2003) No por acaso, foi nessaporta de entrada

    das minasque se instalou, de maneira denitiva,a Casa da Moeda.

    Segundo Noya Pinto, as notcias cada

    vez mais alvissareiras sobre a produo aurfera

    e seu confronto com os minguados quintos ar-

    recadados impulsionaram a Coroa a tomar uma

    postura administrativa de cerco ao ouro. Em

    1702, foi criada uma Casa de Fundio no Rio

    de Janeiro, ao mesmo tempo em que se instalava

    a Casa da Moeda. E, dois anos aps, duas Casas

    de Registro foram fundadas: uma em Santos e

    outra em Paraty. (PINTO, 1979, 39-112)28

    27 Mais precisamente nota 26 onde o autor cita a Carta de GasparRodrigues Paes AHU, CA, doc. 3.093.28 Tambm no incio do sculo XVIII foi aprovado o Regimento paraas Minas de Ouro, 19/4/1702; em 1709 foram criadas as Capitanias deSo Paulo e Minas do Ouro, com a jurisdio separada da Capitania doRio de Janeiro. SALGADO, G. (Org.). Fiscais e meirinhos: a adminis-

    trao no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. Parasaber mais sobre a estrutura administrativa e scal imposta em Minaspara o recolhimento dos direitos e tributos reais recomenda-se o recentetrabalho de CAMPOS, M. V. Governo de mineiros: de como meter asMinas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado 1693 a 1737. SoPaulo, 2002, Tese. (Doutorado em Histria) USP, FFLCH.

    Conforme pesquisas de Michel Morine-

    au29 retomadas em trabalhos de Rita de Sousa,

    podemos constatar que grande parte do ouro que

    chegava a Portugal era ouro em moeda. A anli-

    se realizada pela autora da composio de duasfrotas, em momentos temporalmente diferentes,

    nos permite conrmar a predominncia do trans-

    porte de ouro j amoedado. Diversas notcias da

    Gazeta de Lisboa relatam as grandes quantidades

    de ouro em moeda que chegavam ao Reino. Por

    exemplo: em julho de 1718, a frota sada do Rio

    rumo a Lisboa levava em sua carga 432.052 mo-

    edas; em agosto de 1721, a frota sada da Bahia

    rumo a Lisboa levava 24.773 moedas para SuaMajestade e 283.487 moedas para particulares.

    Para que possamos contextualizar a represen-

    tatividade desses nmeros, em 1718 a Casa da

    Moeda de Lisboa havia cunhado apenas 162.167

    moedas de ouro, emisso, portanto, muito aqum

    das 432.052 vindas apenas do Rio.

    Os estudos de Leonor Costa, Maria Ma-

    nuela Rocha e Rita de Sousa demonstram que asCasas da Moeda do Brasil, sobretudo a do Rio

    de Janeiro, e a Casa da Moeda de Lisboa, fun-

    cionavam como espaos de amoedao comple-

    mentares.30 Conforme os dados indicados por

    essas autoras, as emisses de moeda portuguesa

    de ouro no Rio, se confrontadas com as emisses

    de ouro em Lisboa no perodo de 1730 a 1794,

    foram signicativamente mais elevadasdo que

    as da ocina monetria da capital do Reino.

    A carta rgia de 1702, que ordenou a29 Morineau encontra-se a realizar um trabalho a partir dos livros dosManifestos da Casa da Moeda de Lisboa, em que procura determinaros montantes de moedas cunhadas no Brasil e legalmente chegadas emPortugal. SOUSA, R. M. O Brasil e as emisses monetrias de ouro emPortugal (1700-1797), Penlope, Fazer e Desfazer a Histria, n23,2000, p.89-107.30 Essa complementaridade descrita pelas autoras se refere aos uxosde emisso entre as Casas da Moeda. Se havia uma queda nas emissesda ocina monetria de Lisboa, era porque ocorrera um aumento nasemisses das ocinas da Amrica Lusa. Alm disso, outro trao distin-

    tivo entre as Casas da Moeda era os destinatrios de suas emisses.Nas Casas da Amrica Lusa a maior porcentagem de moedas cunhadasia para os particulares enquanto a Casa da Moeda de Lisboa emitiaem maior quantidade para o Estado. COSTA, L., ROCHA, M. M. R.,SOUSA, R. M. O Ouro Cruza o Atlntico In: Revista do Arquivo PblicoMineiro, Belo Horizonte, Ano XLI, p.71-83, Julho-Dezembro de 2005.

    In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    23/11123Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    transferncia da Casa da Moeda de Pernambuco

    para Rio de Janeiro, deu tambm um novo ca-

    rter a essa instituio, ao ordenar que nela se

    lavrassem as moedas de ouro correntes no Reino

    e fossem para ele destinadas.31

    A Casa da Moedaque reaberta na da Bahia em 1714 e a criada em

    Minas em 1725, mais especicamente em Vila

    Rica, tambm cunharam moedas nacionais as

    que corriam no Reino. Pelo pouco que se sabe,

    essas emisses so menores do que as da Casa do

    Rio. Alm da mudana no tipo de moeda a ser la-

    vrada pela Casa, a importncia que essa institui-

    o vai adquirindo, na primeira metade do sculo

    XVIII, pode tambm ser percebida nos variadosemprstimos feitos por ela para a manuteno

    e viabilizao da administrao, da defesa e da

    prpria urbanizao da Amrica Lusa.

    Quadro 1: Emprstimos feitos pela Casa

    da Moeda do Rio de Janeiro

    Esses dados, embora pouco numerosos

    e incompletos, so uma boa pista de uma outra

    faceta dessa instituio: a contribuio dada pela

    Casa da Moeda para a organizao e viabilizao

    da administrao lusa na Amrica. Sua presena

    no Rio de Janeiro trouxe tambm ganhos para a

    localidade. Como vimos no quadro acima, seus31 CALMON, P. Histria do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria JosOlympio, vol. III, 1971, p 893. Cunhar moedas nacionais para o Reinoera a principal funo da Casa, mas isso no implica em dizer queela no cunhava moedas para particulares e que tambm no emitia amoeda provincial.

    rendimentos foram aplicados em obras na Cadeia

    e na Cmara, em pagamentos de naus guarda-

    costas e postos militares na Capitania, contri-

    buindo assim para a prpria defesa local.

    A partir da anlise de um conito ocor-

    rido em 1755, provocado pela interferncia do

    Intendente Geral do Ouro nos assuntos da Casa

    da Moeda32, pudemos perceber que a Casa do

    Rio funcionou como um centro a partir do qual

    os materiais necessrios fundio dos metais

    eram redistribudos. Pensando nos aspectos tc-

    nicos necessrios transformao e ao reno do

    ouro, ter nas mos o canal de comunicao depedido e recebimento dos tais materiais era ter o

    controle sobre a converso da matria bruta em

    produto comercializvel: as moedas e as barras.

    Isso, obviamente, se analisado dentro dos aspec-

    tos legais.

    Segundo Rita de Sousa, essa prtica da

    Casa da Moeda socorrer as despesas da Monar-

    quia Lusa acontecia tambm no Reino.

    Na dcada de [17]30, poca dos coni-

    tos na colnia do Sacramento, so numerosos os

    avisos dirigidos ao Tesoureiro da Casa da Moeda

    para que este entregasse ao Conselho Ultramari-

    no determinados montantes, destinados a pagar

    32AHU CA RJ doc 18492, 1/2/1755.

    ANO QUANTIA FINALIDADE

    1699 ___ Pretenso dos ociais da Cmara em comprar uma casa para os Governadorese reedicarem o edifcio da cmara.

    1701 ___ Obras no edifcio da cmara e cadeia.1712 ___ Pagamento de postos militares.1713 275:194 cruzados Resgate da cidade.1723 100:000 cruzados Destacamento para Montevidu.1737 92:000 cruzados Destacamento para Sacramento.1756 40:000 cruzados Custeamento de nau guarda costa.

    Fontes: Fundo Secretaria do Estado do Brasil, Provedoria da Fazenda, Cdice 60 v 12 169, AHU C.A. RJ doc4502, cd 2, 23/8/1724, doc 9742, cd 3, 10/7/1737.

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    24/11124 Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    fornecimentos de munies, fardas, plvora e di-

    versos materiais de guerra, que se destinavam ao

    Rio de Janeiro, a Nova Colnia, a Pernambuco e

    a Paraba. (COSTA, 2006)

    Esse prestgio acabou por incitar o cime

    de alguns setores no Reino, que tramavam contra

    o funcionamento das Casas da Moeda no Brasil

    no plural, pois vale lembrar que em 1725 tnha-

    mos funcionando aqui, alm da Casa da Moeda

    do Rio de Janeiro, a da Bahia, aberta em 1714, e

    a de Minas, em 1725.

    A correspondncia de Manuel de Sousa,um dos Provedores da Casa da Moeda do Rio

    de c.1700 a 1721, j alertava para as intrigas ur-

    didas em Lisboa contra as Casas da Moeda no

    Brasil; teriam estas escapado no ano passado da

    extino, mas neste no sei se lograro a mesma

    fortuna, (BOXER, 1965, 28)dizia o Conselhei-

    ro Ultramarino Antnio Rodrigues da Costa, em

    1716.

    Procuramos analisar at aqui algumas

    questes que envolveram a abertura de uma Casa

    da Moeda na Amrica Lusa em nais do XVII,

    bem como suas diferentes fases. Nossa ateno

    agora, se voltar para o interior da Casa da Mo-

    eda do Rio de Janeiro, para a compreenso do

    seu funcionamento, suas legislaes internas,

    sua hierarquia.

    Sobre a organizao das

    Casas da Moeda

    Existem dois balizadores para a organi-

    zao das Casas da Moeda na Amrica Lusa: 1- o

    Regimento de 9 de setembro de 1687, o mesmo

    da Casa da Moeda de Lisboa, e 2- a instruo

    feita por Rocha Pita, na poca Chanceler da Re-

    lao do Brasil e primeiro Superintendente da

    Casa da Moeda aberta na Bahia.

    O Regimento de 1687 foi o segundo a

    ser observado pela Casa da Moeda de Lisboa, da-

    tando o primeiro de 1498, reinado de D. Manuel

    I. Pelas primeiras linhas do novo Regimento,

    cam patentes os motivos de sua reformulao:

    por estar hoje impraticvel o antigo porque elaat agora se governava, tanto pelas alteraes

    do tempo, como pela nova forma que se deu

    ao lavramento do dinheiro.33 Segundo Rita de

    Sousa, a nova forma do lavramento do dinheiro a

    qual o texto se refere so as alteraes ocorridas

    na tcnica produtiva em nais do seiscentos que

    modicaram a cunhagem da moeda. Esta deixou

    de ser feita pelo uso do martelo passando a ser

    realizada pela tcnica do balanc.34Essa altera-o tcnica feita na produo da moeda par-

    te das medidas tomadas pelo Estado Portugus

    para manter a qualidade da moeda em circulao,

    pois, como vimos anteriormente, o dano do cer-

    ceio tinha se alastrado pelo reino e pela Amri-

    ca Lusa, pondo em risco a utilizao do pouco

    dinheiro sonante disponvel para as transaes

    comerciais.

    O Regimento de 1687 traz algumas al-

    teraes em relao ao anterior, mormente a per-

    da da importncia dos Moedeiros no plano pro-

    dutivo e o desmembramento do ofcio de Juiz,

    dando origem ao cargo de Provedor e de Tesou-

    reiro. (SOUSA, 1999, 44-45) Relacionando os

    ofcios s suas correlativas funes no tocante

    s fases de fabrico da moeda, temos o seguinte

    quadro organizacional:

    33 Regimento que Sua Majestade que Deus guarde manda observar naCasa da Moeda, Lisboa, 1687. Apud GONALVES, Clber Batista. ACasa da Moeda do Brasil..., 1989, pp.113-137.34 balanc era uma prensa de parafuso com um brao terminado porpesos horizontalmente xado na extremidade superior do referido

    parafuso. Acionado pelo brao humano, usualmente dois a quatrohomens, esse veio-parafuso, em cuja extremidade inferior era colocadoum cunho, descia rapidamente, esmagando o disco metlico contra umoutro cunho xo aposto na parte central do balance e na perpendiculardo cunho mvel, obtendo-se assim a moeda cunhada. Apud SOUSA,Rita Martins de. Moeda e Metais Precisos... p.34.

    In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    25/11125Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    Quadro 1: Os ofcios segundo as suas

    funes

    Segundo o Regimento, o principal ofcio

    da Casa da Moeda era o deProvedor. Tinha este

    por obrigao dar notcia ao Conselho da Fazen-

    da sobre qualquer alterao na moeda dos reinos

    vizinhos, para se saber os preos pelo quais cor-

    riam os cmbios, e tambm sobre toda novidade

    a propsito da moeda no reino e nas conquistas.

    Era ele igualmente responsvel pela scalizao

    do trabalho da Casa e pela assistncia s poss-

    veis faltas dos materiais necessrios ao lavra-

    mento da moeda. Era ele tambm incumbido da

    eleio dos 104 moedeiros, aos quais passaria

    suas cartas, am de que o Conservador osarmas-

    se e dessejuramento.

    Ao Provedor tambm caberia requerer

    por escrito aos Corregedores e Juzes do Crime

    para que o assistissem nas execues do ouro e

    prata dos ourives ou quaisquer outros que perten-

    cessem Moeda. Tinha ele tambm permisso

    para pr ou suspender verbas nos ordenados dos

    ociais da Casa, aos que no estivessem satis-fazendo as suas obrigaes, fazendo autos que

    remeteria ao Conservador. Esses autos no po-

    deriam ser feitos contra o Tesoureiro, Escrives,

    Fundidores e Juzes da Balana, porque contra

    estes no procederia antes de dar conta ao Rei

    pelo Conselho da Fazenda. Poderia, tambm, fa-

    zer autos que seriam remetidos ao Conservador

    de quaisquer pessoas que dissessem palavras in-

    juriosas a algum ocial da Moeda.

    Era o Provedor aconselhado a chamar

    Casa da Moeda os homens de negcio que lhe

    parecessem necessrios para saber das notcias

    que fossem interessantes ao bom funcionamento

    da Casa.

    Depois do Provedor, o ofcio mais im-

    portante era o de Tesoureiro. Ele no s cen-tralizava todo o processo de amoedao, como

    tambm se relacionava com as partes (os particu-

    lares) na entrega do metal amoedado. (SOUSA,

    1999, 46) Pelas palavras do Provedor da Casa da

    Moeda do Rio de Janeiro, Jos da Costa Matos,

    em 1751 se conrma a importncia deste ofcio

    na hierarquia da Casa: Este ofcio tem de orde-

    nado trezentos mil rs por ano. E sendo na srie

    do Regimento o primeiro depois do meu lugar, o mais inferior no ordenado aos ociais da

    Mesa do Despacho...35Essa Mesa era formada

    pelo Provedor, pelo Tesoureiro, pelos Escrives

    e pelos Juzes da Balana. Curiosamente, nos or-

    denados declarados em 1759 na Casa da Moeda

    de Lisboa, o Tesoureiro era o ocial da Casa com

    o ordenado mais elevado; recebia o Provedor,

    900.000 ris/ano e, o Tesoureiro, 1.200.000 ris/

    ano.

    35 AHU CA RJ doc 15144, cd 5, 1751. Grifo nosso.

    Direo Provedor

    Tesouraria Tesoureiro

    Contabilidade Escrivo da Receita

    Escrivo da Conferncia

    Guarda Livros

    Controle da

    Quantidade

    Fiel do Ouro e ajudante

    Fiel da Prata e ajudante

    Guarda do Cunho

    Controle da

    Qualidade

    Juzes da Balana (2)

    Ensaiadores (2) e ajudantes

    Fabricao Fundidor

    Abridor dos Ferros ou Cunhos

    Moedeiros (104)

    Auxiliares Serralheiro

    Porteiro

    Contnuo

    Meirinho

    Fonte: SOUSA, Rita. Moeda e Metais Precisos no PortugalSetecentista (1688-1797). Lisboa: Universidade Tcnica deLisboa, 1999, Anexo 2.1, p.283. (Tese de Doutorado Indita).

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    26/11126 Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    O Escrivo da Receita & Despesa e o

    Escrivo da Conferncia eram os responsveis

    pelos registros contabilsticos da Casa, poden-

    do o Escrivo da Receita substituir o Provedor

    quando necessrio. Isso ocorreu na Casa do Rionos anos de 1721 a 1723, quando o ento Prove-

    dor, Manuel de Sousa, regressava para o reino,

    deixando a direo da Casa por conta de Fran-

    cisco da Silva Teixeira, o Escrivo da Receita &

    Despesa.

    O Guarda Livrosera responsvel no s

    por acomodar os livros nos armrios, como tam-

    bm pelo recolhimento daqueles que registramas diversas fases do fabrico da moeda, designa-

    dos por livros daEmenta.

    OFiel do ouro ou da prataera o respon-

    svel por receber e dar feito em moeda todo o

    ouro que se lhe entregar. Devendo conrmar o

    justo peso das moedas, antes de chegarem ao

    controle da qualidade realizado pelo Juiz da Ba-

    lana. Feita a entrega da moeda, deveria o Fielapresentar a parte em sizalhas 36 ao Fundidor

    para nova fundio, enquanto a escovilha 37era

    de sua pertena. O Regimento, no captulo 62,

    exigia a separao dos ofcios de el, fundidor e

    guarda-cunho,pois no deve o ocial que faz a

    moeda fundir o metal de que se obra, nem ter em

    seu poder os ferros com que se cunha.

    Os Juzes da Balana e os Ensaiadoreseram os responsveis pelo controle da qualida-

    de da moeda. Aos Juzes da Balana competia

    a aferio do peso das moedas, sendo a balana

    mais importante a que se encontrava na Casa do

    Despacho, onde se fazia a entrega do dinheiro

    j amoedado. Embora houvesse esse controle no

    legtimo peso das moedas, admitia-se legalmente

    uma pequena variao, para mais, as febres(so-

    36 As sizalhas so os resduos das barras de metal. In: SOUSA, RitaMartins de. Moeda e Metais Precisos... nota 33, p.47.37 A escovilha corresponde s partculas de metal precioso que cavamnos utenslios onde se realizava a fundio do metal. In: SOUSA, RitaMartins de. Moeda e Metais Precisos... nota 34, p.47.

    bra) ou para menos, os fortes (falta).

    J aos Ensaiadores cabia o exame da

    qualidade do metal de que era composta a mo-

    eda. O dinheiro deveria sair com a devida lei: aprata deveria ter de lei onze dinheiros e o ouro

    vinte e dois quilates. O ltimo ensaio ocorria j

    depois da moeda feita, para se prevenir dos casos

    em que o dinheiro tivesse sido adulterado.

    Da fabricao participavam o Fundidor,

    os Abridores dos Ferros ou Cunhos e os Moe-

    deiros. O Fundidor, alm de responsvel pela

    fundio dos metais, que deveria ocorrer semprecom o conhecimento do Provedor, a m de que

    este nomeasse um dos Ensaiadores para Guarda

    da Fundio, cabia-lhe tambm a compra de todo

    o ouro que circulava pela Casa da Moeda. Por

    isso, este ofcio deveria andar sempre em pessoa

    de cabedal e crdito. OsAbridores dos Ferros ou

    Cunhoseram os ociais incumbidos da perfeio

    da marca da moeda, que continha o nome do So-

    berano, as Armas e a Cruz.

    Os Moedeiros no tinham o estatuto de

    ociais da Casa da Moeda, pois o trabalho que

    prestavam nela era descontnuo. No poderiam

    ser mais do que 104, sendo repartidos em doze

    Tiradores, dezoito Fieiros, quinze Cunhadores e

    quinze Contadores, sendo os restantes quarenta e

    quatro encaminhados pelo Provedor para as ati-

    vidades que lhe parecessem mais convenientes.Segundo Rita Martins de Sousa, essas atividades

    podiam ser a compra de ouro e prata, sobretudo

    quando a falta de metais preciosos era excessi-

    va na Casa da Moeda; como foi o caso de 1685

    na Casa da Moeda de Lisboa, como a compra de

    moedas com o peso fora da lei; como ocorreu em

    Lisboa em 1733. Devido ao cerceamento da mo-

    eda de ouro, os Moedeiros foram enviados para

    as cabeas das comarcas para comprarem as mo-

    edas com falta de peso. (SOUSA, 1999, 51)

    In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    27/11127Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    Os Moedeiros deveriam ser sempreo-

    ciais de tenda aberta, morador da cidade e, em

    nenhum caso, poderia ser nomeado Moedeiro

    um ourives. Eles eram escolhidos pelo Provedor

    e enviados para o Conservador do Cabido parase armarem moedeiros. Consta que, no ritual

    de sagrao, o Moedeiro portando um capacete,

    de joelhos prestava o juramento solene sobre os

    Santos Evangelhos e recebia do Provedor o grau

    que lhe era conferido atravs de duas leves pan-

    cadas sobre o capacete, dadas com uma espada

    namente lavrada. Essas pancadas signicavam

    f e lealdade e dedicao ao trabalho. (GON-

    ALVES, 1948, 3-14) Para gozarem de seus pri-vilgios era necessrio ter uma certido e o nome

    constar no Livro da Matrcula da Casa da Moe-

    da; para tanto, tinham de pagar 4.000 ris cada

    um que se armasse moedeiro: 2.000 iriam para

    o Conservador e, os outros 2.000, para a Corpo-

    rao. Afora essas condies, os Moedeiros no

    poderiam falir de crdito, pois, se isso ocorresse,

    era-lhes retirada a carta e seu lugar era ocupado

    por outro. (SOUSA, 1999, 51)

    Completando o quadro da Casa, temos

    os Auxiliares. O Serralheiro era o responsvel

    por acudir qualquer conserto nos engenhos. Ao

    Porteiro cabia zelar pela Casa durante o dia e,

    de noite, lhe servir de guarda, devendo residir

    na prpria Casa da Moeda. O Meirinhodeveria

    servir de carcereiro da priso que havia na Casa

    da Moeda. J o Contnuoera incumbido da cor-

    respondncia da Casa da Moeda.

    Na verdade, a instalao da Casa na

    Bahia no tomou a amplitude que tal Regimento

    permitia. D. Pedro II, Rei de Portugal, passou al-

    gumas instrues ao Provedor da Casa da Moeda

    da Bahia, orientando que: no se embarace mui-

    to com o Regimento, porque tem algumas coisas

    impraticveis, quando se possa ajustar com ele

    no essencial, no deve reparar nas circunstn-

    cias e acidente. (GONALVES, 1989, 112)

    Com a vinda daCasa da Moeda Itineran-

    te para o Rio de Janeiro em 1698, Joo da Ro-

    cha Pita, atendendo a vontade de Sua Majestade

    escreveu uma instruo, constando de dezoito

    apontamentos, para que por ela se guiasse o Su-perintendente da Casa no Rio de Janeiro, o De-

    sembargador Miguel de Siqueira Castelo Bran-

    co. Essa Instruo38versava, dentre outras coi-

    sas, sobre o direito de nomeao do Tesoureiro,

    que deveria ser eleito pelo Senado da Cmara,

    tal qual havia ocorrido na Bahia; sobre os preos

    que deveriam ser pagos na compra dos metais

    preciosos pela Casa; sobre a importncia do Pro-

    vedor e do Ensaiador Manuel de Sousa dentroda Casa da Moeda, faltando por algum caso a

    pessoa de Jos R Rangel, servir em seu lugar

    Manuel de Sousa que vai por ensaiador, homem

    de muita verdade e percia na sua ocupao, e

    que para administrar a casa tem toda a sucin-

    cia necessria. (GONALVES, 1989, 155-157)

    O primeiro Provedor da Casa da Moeda

    do Rio de Janeiro foi Jos Ribeiro Rangel. Estej havia servido de Juiz da Moeda39 na Casa

    da Bahia em 1694, juntamente com Manuel de

    Sousa, que desempenhava na poca o ofcio de

    Ensaiador. Em 1700, a Casa da Moeda situada

    no Rio de Janeiro foi transferida juntamente com

    os seus ociais para Pernambuco. Seria Ran-

    gel a exercer ali o ofcio de Provedor; porm,

    ele seguiu para o Reino, passando a Manuel de

    Sousa a administrao da Casa de Pernambu-

    co. Com a volta da Casa para o Rio de Janeiro

    em 1702, agora de maneira denitiva, Manuel

    de Sousa continuaria na sua direo at 1721,

    quando retornaria ao Reino. Manuel faleceu em

    1722. Foi Francisco da Silva Teixeira, o ento

    Escrivo da Receita & Despesa, que assumiu a

    direo da Casa interinamente at 1723, quando

    38 Instruo que mandou o Dr. Joo da Rocha Pita ao Superintendentedo Rio de Janeiro Desembargador Sindicante Miguel de SiqueiraCastelo Branco. Apud, GONALVES, C. B. A Casa da Moeda doBrasil...1989, p.155-157.39 De incio os Provedores eram denominados Juzes e agregavam asfunes que depois seriam do Tesoureiro e do prprio Provedor.

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    28/11128 Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    seguiu para as Minas para servir nas Casas de

    Fundio e Moeda. Ficou em seu lugar, Manuel

    de Moura Brito, Escrivo da Receita & Despesa.

    Manuel de Moura Brito foi Provedor Interino at

    1726, quando se teve uma nova proviso para ocargo. Concorreram para este o prprio Manuel

    de Moura Brito, Dionsio Batista Mendona, o

    j citado Francisco da Silva Teixeira e Joo da

    Costa Matos. Designado por proviso real em 25

    de junho de 1725, o novo Provedor efetivo, Joo

    da Costa Matos, foi empossado em 24 de maro

    de 1726.40

    Consideraes FinaisA Casa da Moeda Itinerante foi fruto da

    negociao vivida no sculo XVII entre Amrica

    Lusa e Lisboa sobre a moeda, sua escassez, seu

    aviltamento e a alterao do seu valor. Essa Casa

    Itinerante representou tambm mais uma oportu-

    nidade de participao de autoridades locais na

    administrao rgia.

    Se de incio a funo da Casa Itineran-te aberta na Bahia em 1694 foi a cunhagem da

    moeda provincial que signicou uma conquista

    para as principais famlias da terra, por assegu-

    rar as exportaes de acar, afastando assim o

    perigo da paralisao da economia pela falta de

    numerrio e pela desfabricaodos engenhos

    dentro do contexto das descobertas e explorao

    dos veios aurferos essa instituio foi ganhando

    um novo peso dentro da geopoltica do Imprio

    Ultramarino. Agora marcadamente voltado para

    o Atlntico Sul.

    Juntamente com essa mudana da con-

    juntura poltica que deu uma nova feio Casa

    da Moeda do Rio de Janeiro, ocorreu tambm

    uma alterao no perl dos Provedores que esti-

    veram frente da Casa de 1702 a 1750. Manuel

    de Sousa veio do reino para a Casa da Bahia em

    1694 no cargo de Ensaiador, passando a Prove-

    40 AHU CA RJ doc 4135, cd 2, 1725.

    dor em Pernambuco em 1700 e Provedor da Casa

    do Rio de 1702 a 1721. Pela sua correspondncia

    nota-se uma estreita ligao com membros da

    alta administrao lusa, como o Marqus de Ma-

    rialva, seu compadre, e o Conselheiro do Ultra-marino Antnio Rodrigues da Costa. Diferente

    de Joo da Costa Matos, que inaugurou uma li-

    nha sucessria dentro da Casa. Este foi Provedor

    de 1725 a 1750, seu lho Jos de 1750 a 1811

    e depois seu neto tambm Joo da Costa Ma-

    tos. Se Manuel guardava estreitas relaes com

    membros da administrao lusa, Joo tem na sua

    trajetria um histrico de participaes no local:

    foi Escrivo dos Quintos do Ouro, Almoxarifeda Fazenda, Capito de Fortaleza e casado duas

    vezes com moas nascidas no Rio de Janeiro.

    Essa mudana no perl dos Provedores pode ser

    fruto de um rearranjo poltico entre a Monarquia

    e asprincipais famliasda terrapara um melhor

    controle sobre os canais de envio do ouro para o

    reino, at porque Joo da Costa Matos exerceu

    concomitantemente ao cargo de Provedor e de

    Superintendente das Casas de Fundio em Mi-

    nas, substituindo Eugnio Freire de Andrade.

    In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    29/11129Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    Bibliografa

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    30/11130 Histria e Economia Revista Interdisciplinar

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    31/11131Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    A parte onde cria aquele ondemenos ouro se v:

    ouro e crdito em Minas Gerais durante o sculo XVIII

    Resumo:

    O costume de vender ado e a frequncia com que se recorria a operaes de crdito so referncias constantes em relatrios de fun-

    cionrios da coroa portuguesa, no que tange a economia mineira setecentista. O objetivo desse artigo , a partir do escopo terico-

    conceitual da histria social e da anlise de fontes de origem cartorial, compreender a dinmica do crdito cotidiano praticado pela

    populao mineira durante o sculo XVIII. O uso de tal metodologia capaz de ampliar as interpretaes sobre crdito, elucidando

    questes relativas s trocas cotidianas; e, o uso de tais fontes, de ter um maior conhecimento sobre as prticas dos indivduos em

    sua vivncia no mercado.

    Palavras-chave:Crdito, Prticas Creditcias, Colnia, Minas Gerais

    Abstract:

    The custom of selling on credit and the frequency of credit transactions are constant references in the reports of Portuguese colonial

    ofcials concerning eighteenth-century Minas Gerais. The aim of this article is understand the dynamics of everyday credit practiced

    in Minas Gerais during the eighteenth century. This article was based on the methodology of Social History and the analysis ofnotarial documents. The use of such methodology and sources helps understand the concept of credit, claries issues about daily

    trade; and informs about the market practices of the people..

    Keywords: Credit, credit practices, colony, Minas Gerais.

    Raphael Freitas SantosProfessor Assistente Temporrio/UFOP e doutorado em Histria Econmica/UFF

    [email protected]

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    32/11132 Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    A parte onde cria aquele onde menos ouro se v:ouro e crdito em Minas Gerais durante o sculo XVIII

    citao que d nome ao artigo capaz

    de ilustrar a relao entre ouro e cr-

    dito em Minas Gerais durante o scu-

    lo XVIII. O trecho foi retirado de uma carta do

    governador da capitania, escrita em 1720. Nela,D. Pedro de Almeida se espantava com o fato de

    sendo este pas [as Minas] a parte onde cria,

    aquele onde menos ouro se v.1(grifo nosso).

    Se, assim como no restante da Amrica Portu-

    guesa, em Minas Gerais faltavam moedas, como

    teria sido possvel ter desenvolvido ali um mer-

    cado relativamente importante, em um contexto

    de precria circulao monetria? Talvez a res-

    posta para essa questo possa estar nas operaescotidianas de crdito praticadas pela populao

    da regio, na vivncia do mercado.

    A historiograa tradicionalmente salien-

    tou a escassa liquidez pela qual passava a econo-

    mia da Amrica Portuguesa, como uma das ex-

    plicaes para as limitaes do desenvolvimento

    de um mercado auto-centrado no Brasil colonial.

    Alis, salientou Arruda, a carncia de moedasna colnia sempre se constituiu num problema

    srio, a ponto de, em vrios momentos, ter se ins-

    titucionalizado a circulao de bilhetes de extra-

    o ou de permuta. (ARRUDA, 1980, 346) 2

    De acordo com Russell-Wood, a escas-

    sez de dinheiro lquido teria sido uma das razes

    para o declnio da prosperidade na Bahia a partir

    do sculo XVIII: em 1712 o conselho municipalestimou que a quantidade total de moeda circu-

    lante da Bahia no ultrapassava 500.000 cruza-

    dos. (RUSSEL-WOOD, 1981,53) Ktia Matto-

    so sugeriu, ainda para a Bahia, que essa falta

    de numerrio que se traduzia quase sempre pela

    falta de moeda divisionria tinha uma inuncia

    muito grande e decisiva sobre as modalidades de

    compra e venda de mercadorias quer se tratasse

    1 APM Seo Colonial: Caixa 4, 802-806.2 Como foi o caso, por exemplo, dos bilhetes de extrao que circula-ram como moeda no Distrito Diamantino durante o perodo da RealExtrao. Ver: FURTADO, Jnia F. O livro da capa verde. O regimentodiamantino de 1771 e a vida no distrito diamantino no perodo da RealExtrao. So Paulo: Annablume, 1996, p. 152.

    de operaes do tipo grossistas ou do tipo reta-

    lhistas. (MATTOSO, 1978, 261)

    A circulao decitria de moedas no

    teria sido muito diferente ao sul da Amrica por-tuguesa. Segundo Nazzari, como a economia

    paulista do sculo XVII sofria de uma escassez

    de moeda, certas mercadorias, como o tecido

    de algodo, eram com frequncia usadas local-

    mente para o pagamento de dvidas. (NAZZA-

    RI,2001,92) Tamanha era a escassez de moedas

    no Rio de Janeiro que, como em muitos outros

    lugares, o mercado acabou gerando moedas

    substitutas. Para tanto, produtos de grande circu-lao acabaram tomando o lugar do dinheiro nas

    transaes comerciais. Um desses substitutos foi

    o acar. De acordo com Sampaio, sua utiliza-

    o como moeda uma constante na documenta-

    o seiscentista. (...) Alm disso, o acar apare-

    ce constantemente nas escrituras do sculo XVII

    como meio de pagamento, sobretudo nas vendas

    rurais (SAMPAIO, 2003). Mesmo durante o se-

    tecentos, o dinheiro parecia pouco participar dodia-a-dia dos indivduos da sociedade uminen-

    se. (SAMPAIO, 2002)

    De acordo com a historiograa, apesar

    de todo ouro extrado em Minas Gerais, a situa-

    o ali no deveria ter sido muito diferente: seja

    pela dinmica do sistema colonial que canalizava

    o ouro para a Metrpole, seja pela especializa-

    o da produo que consumia todos os recursos

    extrados. (NOYA PINTO, 1979) Mas, se por

    um lado a historiograa vem atribuindo como

    caracterstica marcante de todo o perodo colo-

    nial brasileiro a precria circulao monetria

    mesmo na capitania de Minas Gerais, apesar de

    toda a extrao de ouro , trabalhos recentes vem

    buscando relativizar essa mxima. Nesse sentido

    ngelo Carrara (2010), em artigo recente, ar-

    gumentou que a to propalada falta de moeda,

    presente inclusiva na prpria documentao do

    Arquivo Histrico Ultramarino, nada mais era do

    A

  • 7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar

    33/11133Histria e Economia Revista Interdisciplinar

    que o reconhecimento das diculdades existen-

    tes em uma das unidades monetrias praticadas

    na capitania: a oitava do ouro em p.

    Segundo o autor, no restam dvida queo destino natural do ouro extrado de Minas Ge-

    rais era os mercados atlntico e, principalmen-

    te, europeu. No entanto, antes de percorrer este

    caminho que esteve predestinado, boa parte do

    ouro que no teria sido enviado as casas de

    fundio imediatamente ao momento de sua ex-

    trao, mas sobretudo no momento em que era

    preciso remet-lo para fora da capitania circu-

    lou de mo e mo sob sua forma de p e gros.(CARRARA, 2010)

    Como j apontava Pandi Calgera

    (1960, 11-12), ao contrrio de muitas outras re-

    gies da Amrica portuguesa, alm das moedas

    de prata coloniais, do bilho de cobre e das bar-

    ras de metal, nas Minas, o ouro em p circulou

    durante muito tempo livremente e acabou se tor-

    nando a principal moeda nas trocas comerciaiscotidianas. Em relatrio enviado a Coroa portu-

    guesa, Jos Joo Teixeira ilustra com preciso

    essa prtica monetria. Segundo o funcionrio

    da Coroa,

    So inmeras as quantias de ouro em

    p, que giram na Capitania de Minas e inni-

    tos os pagamentos que se fazem com ele. Est

    calculada a perda que costuma haver nestes pa-

    gamentos midos em cinco por cento, porque a

    experincia tem mostrado que toda pessoa que

    tiver cem oitavas de ouro e as for gastando em

    pagamentos midos, vem a perder cinco; parte

    deste ouro ca pegado nas balanas, parte nos

    papis em que se embrulha e parte se desen-

    caminha com o ar, o que acontece s partcu-

    las mais sutis. (COELHO. Apud. ZEMELLA,

    1990,164)

    importante ressaltar que a circulaode ouro em p no teve impacto apenas na capi-

    tania de Minas Gerais. Segundo Carrara (2010,

    237), a circulao mercantil constituda pela

    produo de our