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História da Música Ocidental I A Música no Fim do Mundo Antigo No século V da era cristã, os bárbaros chegavam à Europa do Norte e do Leste, e a civilização romana, comum a toda a Europa desagregavase em fragmentos. No tempo da sua grandeza, Roma fizera reinar a paz em quase toda a Europa Ocidental e em muitas zonas da África e Ásia, no entanto, enfraquecera e perdera capacidade de se defender. O declínio e a queda de Roma marcaram profundamente a história europeia, mas paralelamente ao processo de destruição iniciavase um processo inverso de criação, centrado na Igreja Cristã. Até o século X, foi esta instituição o principal laço unificador e canal de cultura da Europa. As comunidades cristãs cresceram e disseminaramse por todo o império. Em 312 o imperador Constantino fez do cristianismo a religião da família imperial. Em 395 a unidade política do mundo antigo foi formalmente desfeita, com a divisão do Império do Oriente e Império do Ocidente, tendo como capitais Bizâncio ou Constantinopla e Roma. Quando o último imperador do Ocidente, Rômulo Augusto foi deposto do seu trono em 476, os alicerces do poder papal estavam já firmemente estabelecidos e a Igreja encontravase em condições de assumir a missão civilizadora e unificadora de Roma. Herança grega Ao longo de toda a Idade Média os artistas e intelectuais têm procurado ensinamentos, correcções e inspiração na Roma e Grécia antigas, nos mais diversos campos de actividades. Na literatura e noutros campos como a escultura, os artistas medievais e renascentistas tinham a vantagem de poderem estudar e imitar os modelos da antiguidade. Os músicos da Idade Média não conheciam um único exemplo da música grega ou romana, embora alguns hinos tenham sido identificados no Renascimento. Apesar de não haver vestígios autênticos da música da antiga Roma, sabemos por relatos, baixosrelevos, mosaicos, frescos e esculturas, que a música desempenhava um papel importante na vida militar, no teatro, na religião e nos rituais de Roma.

História da Música Ocidental I

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História da Música Ocidental I

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  • Histria da Msica Ocidental I

    A Msica no Fim do Mundo Antigo

    No sculo V da era crist, os brbaros chegavam Europa do Norte e do Leste, e a civilizao romana, comum a toda a Europa desagregava-se em fragmentos. No tempo da sua grandeza, Roma fizera reinar a paz em quase toda a Europa Ocidental e em muitas zonas da frica e sia, no entanto, enfraquecera e perdera capacidade de se defender. O declnio e a queda de Roma marcaram profundamente a histria europeia, mas paralelamente ao processo de destruio iniciava-se um processo inverso de criao, centrado na Igreja Crist. At o sculo X, foi esta instituio o principal lao unificador e canal de cultura da Europa. As comunidades crists cresceram e disseminaram-se por todo o imprio. Em 312 o imperador Constantino fez do cristianismo a religio da famlia imperial. Em 395 a unidade poltica do mundo antigo foi formalmente desfeita, com a diviso do Imprio do Oriente e Imprio do Ocidente, tendo como capitais Bizncio ou Constantinopla e Roma. Quando o ltimo imperador do Ocidente, Rmulo Augusto foi deposto do seu trono em 476, os alicerces do poder papal estavam j firmemente estabelecidos e a Igreja encontrava-se em condies de assumir a misso civilizadora e unificadora de Roma. Herana grega

    Ao longo de toda a Idade Mdia os artistas e intelectuais tm procurado ensinamentos, correces e inspirao na Roma e Grcia antigas, nos mais diversos campos de actividades. Na literatura e noutros campos como a escultura, os artistas medievais e renascentistas tinham a vantagem de poderem estudar e imitar os modelos da antiguidade. Os msicos da Idade Mdia no conheciam um nico exemplo da msica grega ou romana, embora alguns hinos tenham sido identificados no Renascimento. Apesar de no haver vestgios autnticos da msica da antiga Roma, sabemos por relatos, baixos-relevos, mosaicos, frescos e esculturas, que a msica desempenhava um papel importante na vida militar, no teatro, na religio e nos rituais de Roma.

  • Houve uma razo importante para o desaparecimento das tradies musicais romanas no incio da Idade Mdia: a maior parte desta msica estava associada a prticas sociais que a igreja primitiva via com horror, ou a rituais pagos que julgava deverem ser eliminados. De tal forma que foram feitos todos os esforos para afastar essa msica da Igreja e apagar por completo a memria dela. No entanto, houve elementos da prtica musical antiga que sobreviveram. Alm disso, as teorias musicais estiveram na base das teorias medievais e foram integradas na maior parte dos sistemas filosficos. A mitologia grega atribua msica uma origem divina e designava como seus inventores e primeiros intrpretes a deuses e semideuses como Apolo, Anfio e Orfeu. Neste mundo pr-histrico a msica tinha poderes mgicos, era capaz de curar, de purificar o corpo e o esprito e de operar milagres na Natureza. Tambm no Antigo Testamento se atribuam msica tais poderes. Desde os tempos mais remotos a msica foi um elemento indissocivel das cerimnias religiosas. No culto de Apolo era a lira o instrumento caracterstico. A lira e a sua variante de maiores dimenses, a ctara, eram instrumentos de 5 e 7 cordas, mais tarde de 11, e eram tocadas quer a solo que como acompanhamento de voz ou da recitao de poema picos. No culto de Dionsio, o aulo era o instrumento caracterstico, sendo um instrumento de palheta simples ou dupla, muitas vezes com dois tubos, com um timbre estridente, associava-se ao canto de um certo tipo de poema, o ditirambo. Tambm nas grandes tragdias da poca clssica, obras de squilo, Sfocles e Eurpides, os coros e outras partes musicais eram acompanhadas pelo aulo. Tanto a lira como o aulo devem ter sido trazidos para a Grcia atravs da sia Menor e desde o sculo VI. a.C eram tocados a solo, e a partir do sculo V a.C os concursos e festivais de msica eram cada vez mais populares. J no sculo IV a.C Aristteles manifestava-se contra o excesso de treino profissional na educao musical e h uma reaco contra o excesso de complexidade tcnica, sendo que no incio na era crist a teoria musical grega estava muito simplificada. A msica grega assemelhava-se da igreja primitiva em vrios aspectos fundamentais. Ambas eram monofnicas, isto , uma melodia sem harmonia ou contraponto, ainda que muitas vezes instrumentos embelezassem a melodia,

  • criando assim uma heterofonia, eram quase inteiramente improvisada se estavam sempre associadas ao texto. Foi a teoria e no a prtica dos gregos que afectou a msica da Europa Ocidental na Idade Mdia. Essas teorias eram de dois tipos: 1. Doutrinas sobre a natureza da msica, o seu lugar no cosmos, os seus efeitos e a forma conveniente de a usar na sociedade humana; 2. Descries sistemticas dos modelos e materiais da composio musical. Entre os gregos, a msica era concebida como algo comum a todas as actividades que diziam respeito busca da beleza e da verdade. Nos ensinamentos de Pitgoras (VI. a.C), a msica e a aritmtica no eram disciplinas separadas. Os nmeros eram considerados a chave de todo o universo espiritual e fsico e o sistema de sons e ritmos musicais, regido pelos nmeros, exemplificava a harmonia do cosmos. Para alguns pensadores gregos a msica estava tambm ligada astronomia. Cludio Ptolomeu, o mais sistemtico dos tericos antigos da msica, no sculo II d. C, pensou que as leis matemticas estavam na base do sistema de intervalos musicais e do sistema dos corpos celestes, e acreditava que certos modos estavam associados a certos planetas. Plato deu a essa ideia uma forma potica no mito da msica das esferas, a msica produzida pela revoluo dos planetas, mas que os homens no conseguiam ouvir. Poesia lrica significava poesia cantada ao som da lira. Aristteles apresenta na Potica a melodia, o ritmo e a linguagem como elementos da poesia. A ideia grega de que a msica est associada palavra ressurgiu ao longo da histria sob as mais variadas formas, desde a inveno do recitativo aos Lieder e Drama Musical de Wagner. Sistema Musical Grego A teoria musical grega compunha-se em 7 tpicos: notas, intervalos, gneros, sistema de escalas, tons, modulao e composio meldica. O bloco fundamental a partir do qual se construam as escalas era o tetracorde, formado por um intervalo de 4P. Havia 3 tipos de tetracorde: o diatnico ( t, T,T), o cromtico ( t, t, 3m) e o enarmnico ( t, t , 3M).

  • Dois tetracordes podiam combinar-se de duas formas diferentes. Se a ltima nota de um tetracorde fosse a primeira do seguinte, os tetracordes eram conjuntos, se eram separados por um tom inteiro diziam-se disjuntos. Daqui derivou o sistema perfeito completo, uma escala de duas oitavas composta por tetracordes alternadamente conjuntos e disjuntos, sendo o l mais grave um tom suplementar. Uma harmonia ou modo era caracterizada por um certo nmero de atributos. Clenides atribuiu s oitavas os nomes tnicos de mixoldia (si-si), ldia (d-d), frgia (r-r), drica (mi-mi). Segundo Aristteles, os modos musicais apresentam diferenas fundamentais entre si e quem os ouve afectado por eles. Msica na Roma Antiga Roma foi buscar a sua msica erudita Grcia, especialmente depois de se tornar uma provncia romana em 146 a.C., e possvel que esta cultura helnica importada tenha substitudo uma msica indgena, etrusca ou italiana. A verso romana do aulo, a tbia, desempenhava um papel importante nos ritos religiosos, na msica militar e no teatro. Tambm se destacavam instrumentos de sopro como a tuba ou a trombeta comprida, a trompa circular chamada corno e de menores dimenses, a buzina. Muitas passagens das obras de Ccero e Quintiliano revelam que a familiaridade com a msica fazia parte da educao do indivduo culto. Nos tempos ureos do Imprio Romano, at o sculo III d.C, foram importadas do mundo helenstico obras de artes, arquitectura, msica, filosofia, ritos religiosos e outros bens culturais. Vrios textos documentam a popularidade de virtuosos, a existncia de coros, orquestras, festivais e concursos de msica. Com o declnio econmico do imprio nos sculo III e IV a produo musical em grande escala, dispendiosa, acabou por desaparecer. O mundo antigo levou Idade Mdia algumas ideias fundamentais no domnio da msica: 1. Uma concepo da msica consistindo essencialmente numa linha meldica pura monofonia;

  • 2. A ideia da melodia intimamente ligada palavra, especialmente ao ritmo e mtrica; 3. Uma tradio de interpretao musical baseada na improvisao, sem notao fixa mas segundo convenes comummente aceites; 4. Uma filosofia da msica como um sistema bem ordenado, indissocivel do sistema da Natureza, e como uma fora capaz de afectar o pensamento e a conduta do homem; 5. Uma teoria acstica cientificamente fundamentada; 6. Um sistema de formao de escalas com base nos tetracordes; 7. Uma terminologia musical. Os conhecimentos e ideias no domnio da msica foram transmitidas ao Ocidente por diversas vias como a Igreja Crist, cujos ritos e msica derivaram inicialmente de fontes judaicas mas despojados de instrumentos e danas que os acompanhavam no templo, os escritos dos Padres da Igreja e os tratados enciclopdicos do princpio da Idade Mdia acerca de msica e outros temas. Os Primeiros Sculos da Igreja Crist Embora algumas caractersticas da msica da Grcia antiga e das sociedades mistas orientais-helensticas do mediterrneo oriental tenham sido seguramente absorvidas pela igreja crist, certos aspectos foram liminarmente rejeitados. Tal como, a ideia de cultivar a msica apenas pelo prazer que tal arte proporciona e, acima de tudo, as formas e tipos de msica associados aos grandes espectculos pblicos, como festivais, concursos e teatros, alm da msica executada em situaes de convvio mais ntimo, que foram considerados como imprprios para Igreja, pela necessidade de desviarem o nmero crescente de convertidos de tudo o que os ligava ao passado pago. Herana Judaica O templo e a sinagoga serviam funes religiosas distintas. O segundo templo de Jerusalm, que existiu no mesmo lugar que o primeiro templo de Salomo de 539 a.C, at sua destruio pelos romanos em 70 d.C, era um local de culto pblico. Esse culto consistia principalmente num sacrifcio,

  • acompanhado por um coro, instrumentos de corda e em dias importantes, como a vspera da Pscoa, introduziam-se instrumentos de sopro. H um parelelismo evidente entre o sacrifcio no templo e a missa crist, que era um sacrifcio simblico, usando o vinho e o po. A sinagoga era um centro de leituras e homilias em que as Escrituras eram lidas e comentadas. O que a liturgia crist ficou a dever sinagoga foi principalmente a prtica das leituras associadas a um calendrio e o seu comentrio pblico num local de reunio dos crentes. A cidade de Bizncio ou Constantinopla foi reconstruda por Constantino e designada em 330 como capital do seu imprio reunificado. A partir de 395 foi instaurada a diviso permanente do Imprio do Oriente e Ocidente, e at conquista dos turcos em 1453, esta cidade permaneceu como capital do Imprio do Oriente. Bizncio foi a sede do governo mais poderoso da Europa e o centro de uma cultura florescente onde se combinavam elementos helensticos e orientais. A prtica musical bizantina deixou marcas no cantocho ocidental e as peas mais caractersticas da msica medieval bizantina so os hinos. No Ocidente coexistiram vrias liturgias e corpos de cnticos distintos entre o sculo V e VIII, sendo que a maiorias das verses locais desapareceram ou foram absorvidas pela prtica uniforme que tinha em Roma a sua autoridade central. Entre o sculo XI e XVI a liturgia da igreja ocidental foi-se romanizando cada vez mais. O reino franco, ou Imprio Carolngio, fundado por Carlos Magno ocupava a zona da actual Frana, Sua e Alemanha ocidental. praticamente todo o corpo do cantocho provm de fontes francas, que provavelmente se basearam em verses romanas, com acrescentos e correces da responsabilidade dos escribas e msicos locais. O cantocho conservado nos mais importantes manuscritos francos transmite o repertrio organizado sob a orientao do Papa Gregrio entre 590 e 604. Em virtude do papel que o Papa Gregrio I ter desempenhado neste processo, tal repertrio adquiriu o nome de Gregoriano. Ele e os seus sucessores tentarem impor este repertrio gregoriano e suprimir os diversos dialectos do cantocho, como o cltico, galicano, morabe e ambrosiano, no conseguindo elimin-los por completo. Em 789 Carlos Magno impe o uso do rito romano em todo o territrio do Imprio.

  • O mais importante centro da igreja ocidental a seguir a Roma era Milo, uma cidade florescente ligada a Bizncio e ao Oriente por laos culturais fortes. O bispo de Milo Santo Ambrsio foi responsvel pela introduo da salmodia no responsrio do Ocidente e o Papa Celestino I incorporou-a mais tarde na missa em Roma. Tambm no decurso do sculo IV o latim substitui o grego como lngua oficial da liturgia em Roma. Os cantos da liturgia romana constituem um dos mais antigos repertrios vocais ainda em uso e incluem algumas das realizaes meldicas mais notveis de todos os tempos. Ainda assim, no possvel separ-los do seu contexto e propsito litrgicos. Esta perspectiva est sem sintonia com a convico dos Padres da Igreja de que o valor da msica residia no seu poder de elevar a alma contemplao divina e de que a msica podia influenciar o carcter de quem as ouvia. A sua filosofia determinava no fundo que a msica fosse serva da religio. Canto litrgico e canto secular na Idade Mdia As duas categorias principais dos servios religiosos so o ofcio e a missa. Os ofcios celebravam-se todos os dias a horas determinadas pelo clero secular e pelos membros das ordens religiosas. Compe-se de oraes, salmos, cnticos, antfonas, responsos, hinos e leituras. A msica para os ofcios est compilada num livro chamado Antifonrio. A missa o servio religioso mais importante da Igreja Catlica e tem o nome de missa solemnis na Igreja. s partes invariveis do servio d-se o nome de ordinrio da missai: Kyrie; Gloria; Credo; Sanctus; Benedictus; Agnus Dei. Estas partes so cantadas pelo coro, embora nos primeiros tempos do cristianismo fossem tambm cantadas pela congregao. A partir do sculo XIV estes textos so muitas vezes elaborados em polifonia. Uma missa especial, tambm objecto de arranjos polifnicos a partir de meados do sculo XV a missa Requiem. Nesta o Gloria e o Credo so suprimidos pelo Dies Irae (Dia de Ira). A msica para missa vem compilada num livro litrgico, o Graduale. Os textos da missa e dos ofcios so coligidos no Missal e no Brevirio.

  • A Notao do Cantocho A pauta de 4 linhas, uma das quais designada por uma clave como correspondente a d ou a f. Estas claves no indicam alturas de som absolutas mas relativas. Todas as notas, chamadas neumas tm basicamente a mesma durao independentemente da forma, sendo que um ponto frente do neuma duplica o valor e um trao horizontal significa que deve ser ligeiramente prolongado. Categorias e Formas de Cantocho No conjunto das peas de cantocho podemos distinguir as que usam textos bblicos e as que usam textos no bblicos. O cantocho pode ainda ser classificado segundo a forma como cantado, em antifonal, em que os coros alternam entre si, responsorial, em que a voz do solista alterna com o coro, e directo, sem alternncia. Outra classificao baseia-se na relao entre as notas e as slabas. Aqueles em que as slabas correspondem cada uma a uma nota designam-se por silbicos, os que tm longas passagens meldicas sobre uma nica silabada so os melismticos. De forma geral, a linha meldica do canto faz corresponder s slabas acentuadas as notas mais agudas ou atribui um maior nmero de notas a essas slabas. Chama-se a este procedimento acento tnico. A melodia adapta-se ao ritmo do texto e s funes litrgicas que o canto desempenha. Uma melodia do cantocho divide-se em frases e perodos , correspondentes s do texto. Estas divises so assinaladas atravs de uma linha vertical na pauta, mais curta ou mais comprida, consoante a importncia da subdiviso. Na maioria dos casos a melodia tem forma em arco. H 3 tipos principais de canto no que diz respeito forma: 1. Salmodia Na fronteira entre o falar e o canto. Consiste em uma nica nota de recitao em duas frases equilibradas correspondentes a duas metades de um versculo de salmo, podendo haver uma introduo com 2 ou 3 notas; 2. Forma Estrfica Exemplificada nos hinos, em que a mesma melodia cantada para as sucessivas estrofes do texto;

  • 3. Formas Livres Incluem os outros tipos, podendo derivar do desenvolvimento de um dado tipo de melodia ou podem ser totalmente originais. Entre os sculo V e IX os povos do Norte e do Ocidente da Europa converteram-se ao Cristianismo e s doutrinas e ritos da Igreja de Roma. Modos Eclesisticos O desenvolvimento do sistema de modos medieval foi um processo gradual. A sua forma acabado foi atingida no sculo XI. O sistema inclua 8 modos identificados por nmeros e agrupados aos pares: os modos mpares eram autnticos e os pares plagais. As notas no representam ainda uma altura de som absoluta. Os modos eram um meio de classificar os cnticos e de os ordenar nos livros litrgicos. Para alm da final, a nota a partir da qual se constri o modo e em que normalmente acabam as melodias, outra nota importante a tenor, em que nos autnticos se situa uma 5 acima da final e nos plagais uma 3 abaixo do tenor do modo autntico, sendo que sempre que calha na nota si sobe para d. A final, o tenor e o mbito da melodia so os 3 elementos que contribuem para caracterizar um modo. Cada modo plagal difere do autntico no tenor e no mbito da melodia. O nico acidente legitimamente usado do cantocho o si b. No sculo X alguns autores aplicaram os nomes dos tonoi e harmoniai gregos aos modos eclesisticos. No sculo XI, Guido de Arezzo, um monge, props uma srie de slabas para o ensino da leitura primeira vista e para ajudar os cantores a memorizarem uma sequncia de tons ou meios-tons das escalas que comeam em d ou sol. As slabas derivam de um hino do sculo IX e cada uma das 6 slabas a 1 slaba de cada uma das 6 frases do hino que comeam com as notas na sequncia ut, re, mi, fa, sol e la, por ordem regularmente ascendente. A este processo d-se o nome de solmizao.

  • Notao No sculo IX comearam a ser colocados sinais acima das palavras, indicando uma linha meldica descendente, ascendente ou uma combinao de ambas, chamados neumas adiastemticos. Com o passar do tempo tornou-se necessria uma notao mais precisa e no sculo X os escribas colocavam neumas a uma altura varivel acima do texto para indicarem mais claramente a configurao da linha meldica, cuja designao de neumas diastemticos. A inveno da pauta j descrita por Guido de Arezzo, tornou possvel registar com preciso a altura relativa das notas de uma melodia e libertou a msica da sua dependncia at ento com a transmisso oral. A notao com neumas numa pauta era ainda bastante imperfeita, pois representava a altura das notas mas no indicava a sua durao relativa. Na prtica moderna as notas do cantocho so tratadas como tendo todas basicamente a mesma durao. Monodia no litrgica e secular Entre as primeiras formas de msica profana encontram-se as canes dos goliardos do sculo XI e XII, sendo os goliardos, estudantes e clrigos errantes que. Os temas dos textos so quase sempre sobre mulheres, vinho ou stiras. Um outro tipo de cano monofnica deste perodo o conductus, com textos de mtrica regular, geralmente de carcter srio e com um tema litrgico ou profano. Uma caracterstica importante do conductus que a melodia era quase sempre composta de novo em vez de ser adaptada do cantocho ou de outra fonte. Um dos mais antigos tipos conhecidos de cano em lngua verncula a chanson des geste, um poema pico, narrativo, que relata os feitos heroicos nacionais, cantado ao som de um forma meldica simples. Os indivduos que cantavam as chanson des gestes e outras canes seculares da Idade Mdia chamavam-se jograis ou menestris, uma categoria de msicos profissionais que comea a surgir por volta do sculo X. Estes cantavam, tocavam e danavam canes compostas por outros ou extradas do domnio da msica popular.

  • Trovadores e Troveiros

    A substncia potica e musical das canes dos trovadores e troveiros no era regra geral muito profunda mas as estruturas formais revelam grande variedade e engenho. As canes eram predominantemente de amor, embora haja algumas sobre questes polticas e morais. Tanto os trovadores, como os troveiros e a sua msica floresceram num ambiente aristocrtico. As suas canes foram conservadas em colectneas (cancioneiros). O tratamento meldico das suas canes era geralmente silbico. O mbito da melodia no excedia muitas vezes a 6 e quase nunca a 8. Os modos mais utilizados so o 1(r) e 7(sol) e respectivas plagais. Certas notas so alvo de cromaticismo de forma a assemelhar os modos aos actuais maior e menor. Os troveiros, do norte de Frana, cantavam em langue doil, o dialecto do francs medieval que deu origem ao francs moderno, e as frases so quase sempre claramente definidas, relativamente curtas e com uma configurao meldica clara e fcil de memorizar, com afinidades com as canes do folclore francs. Muitas das suas canes tm refres, que so versos ou pares de versos recorrentes no texto com uma repetio da frase musical correspondente. Os trovadores, do sul de Frana cantavam em langue doc, e as suas melodias sugerem muitas vezes um tratamento rtmico mais livre. As suas canes so mas sofisticadas e um pouco mais complexas na estrutura rtmica do que as dos troveiros. A sua arte foi modelo de uma escola alem de poetas-compositores, os Minnesinger. A repetio, a variao e o contraste de frases musicais breves e claras do origem a uma estrutura formal mais ou menos caracterstica. Minnesinger Escola alem de poetas-compositores que cantavam sobre um amor ainda mais abstracto do que os trovadores e cujas canes tinham muitas vezes um cariz religioso, sendo a msica mais sbria. A maioria das msicas eram cantadas em compasso ternrio. As canes estrficas eram tambm muito comuns como em Frana. As melodias tendiam para uma organizao mais rgida atravs da repetio de frases meldicas.

  • As canes monofnicas dos trovadores e troveiros eram uma expresso artstica prpria da aristocracia feudal. Instrumentos Musicais A lira romana continuou a ser usada na Idade Mdia, mas o mais antigo instrumento caracteristicamente medieval foi a harpa, trazida para o continente da Irlanda e Gr-Bretanha no sculo IX. O principal instrumento de corda friccionada era a vielle, com 5 cordas, que era um prottipo da viola do Renascimento e do violino moderno. Outro instrumento de cordas era o organistrum, com 3 cordas, tocado com uma roda giratria manivela. O saltrio era um gnero de ctara tocada dedilhadamente ou percutivamente, e o antepassado do cravo e clavicrdia. O alade j conhecido desde o sculo IX foi trazido da Pennsula Ibrica pelos rabes. Tambm havia flautas rectas e transversais. As trombetas s eram usadas pela nobreza. O instrumento popular universal era a gaita de foles. Os tambores comearam a ser utilizados no sculo XII principalmente para marcar o tempo no canto e dana. Na Idade Mdia alm dos rgos das igrejas, havia 2 variedades de menores dimenses. O rgo porttil era pequeno e suspenso por uma correia no pescoo do executante. O rgo postivo era tambm transportvel mas tinha que se pousar numa mesa e requeria outro executante para acionar o fole. Na sua maioria, os instrumentos chegaram Europa da sia. Antecedentes da Polifonia Primitiva

    Nos primeiros mil anos da era crist, a Igreja do Ocidente absorvera e adaptara para uso prprio tudo o que pde ir buscar Antiguidade e ao Oriente. Por volta de 600 d.C este processo de absoro e converso estava j praticamente concludo e ao logo dos 400 anos seguintes o material foi sistematizado, codificado e disseminado por toda a Europa Ocidental. O sculo XI foi crucial na histria da Europa Ocidental. Nestes anos presenciou-se um reanimar da vida econmica, um aumento da populao, o nascimento das cidades modernas, a reconquista de Espanha aos muulmanos, a conquista de Inglaterra pelos Normandos, a 1 cruzada, um ressurgimento

  • cultural com as tradues do grego e do rabe, os primrdios da universidade e da filosofia escolstica e a difuso da arquitectura romana. Na msica tambm houve uma srie de mudanas que se foram dando muito gradualmente: 1. A inveno da notao musical tornou possvel escrever msica de uma forma definitiva, que podia ser aprendida a partir de um manuscrito; 2. A composio foi pouco a pouco substituindo a improvisao com base em estruturas meldicas tradicionais. A partir de ento as obras musicais passam a existir independentemente da sua execuo; 3. A msica comeou a ser mais conscientemente estruturada e sujeita a princpios ordenadores, como a teoria dos modos eclesisticos, dos ritmos e regras relativamente consonncia e dissonncia; 4. A polifonia comeou a substituir a monofonia. O perodo que vai de meados do sculo XII ao fim do sculo XIII designado por ars antiqua. O organum, o conductus, e o motete tiverem como centro irradiador Paris. As principais inovaes tcnicas foram a codificao de um sistema rtmico modal e a inveno de um novo tipo de notao para ritmos mensurveis. O esprito da msica era objectivo. Os compositores visavam um equilbrio frio dos elementos musicais no mbito de uma estrutura formal slida atravs da adeso aos princpios rtmicos modais com agrupamento ternrio dos tempos, da dependncia relativamente ao cantocho enquanto base de composio, da deliberada limitao do mbito das melodias, da textura linear, e do vocabulrio harmnico elementar de 5s e 8s.

    Organum Primitivo Num tratado annimo, Musica enchiriadis e no Scolica enchiriadis, so descritas duas formas de cantar em conjunto, ambas designadas pelo nome organum. Num dos tipos do organum primitivo, uma melodia de cantocho interpretada por uma voz, a vox principalis, duplicada 5 ou 4 inferior por uma 2 voz, a vox organalis, podendo ambas ser duplicadas 8.

  • Foram sendo dados passos importantes no sentido da independncia meldica e da igual importncia das vozes, atravs do movimento contrrio e oblquo e a vox organalis canta regra geral acima da vox principalis, embora se cruzem frequentemente. A diversidade rtmica era rudimentar, sendo que a vox organalis canta ocasionalmente duas notas contra uma da vox principalis. Em todos os organa do sculo XI os intervalos consonantes so o unssono, 4, 5 e 8, sendo os restantes acidentes que exigem uma resoluo. No final do sculo XI a polifonia tinha-se j desenvolvido ao ponto dos compositores conseguirem combinar duas linhas melodicamente independentes, recorrendo ao movimento oblquo e contrrio. Organum Melismtico No sculo XII surge um novo tipo de organum. Neste tipo a melodia do cantocho original corresponde voz mais grave, mas cada nota prolongada de modo a permitir que a voz mais aguda cante frases de comprimento varivel contra ela. Este no s aumentou a durao das peas como retirou voz mais grave o seu carcter original de melodia bem definida, transformando-a numa srie de notas soltas a que se sobrepe elaboraes meldicas. A voz mais grave, que sustentava e mantinha a melodia principal, passou a ser chamada tenor . Uma vez que o organum melismtico se aplicou inicialmente a uma textura de 2 vozes, era tambm denominado por organum duplum ou purum. A palavra organum foi adquirindo novos sentidos, sendo por vezes usada para definir toda a msica polifnica at meados do sculo XIII. Modos Rtmicos O sistema que os compositores conceberam para a notao do ritmo mostrou-se adequado a toda a msica polifnica at o sculo XIII. Em vez de apresentar duraes relativas fixas por meio de smbolos diferentes, indicava padres rtmicos pela combinao de notas e grupos de notas. Por volta de 1250 estes padres j tinham sido codificados como uma srie de 6 modos rtmicos identificados por um nmero, correspondentes mtrica da poesia francesa e latina.

  • I. II. III. . IV. . V. .. VI. Segundo este sistema, uma melodia deveria consistir numa repetio de nmero indefinido do padro escolhido, terminando cada frase com uma pausa, que substitua a ltima nota da unidade. Na prtica, o ritmo da melodia era mais flexvel. Qualquer uma das notas se podia dividir em unidades mais pequenas ou as vrias notas do padro podiam combinar-se formando apenas uma. Uma melodia no modo I podia ser cantada sobre um tenor que matinha longas notas sem medida rigorosa ou organizadas segundo a estrutura do modo V. A polifonia medieval at o sculo XIV permaneceu dominada pela diviso ternria do tempo, produzindo um efeito semelhante aos modernos 6/8 e 9/8. O modo rtmico era indicado ao cantor atravs de ligaduras, derivadas dos neumas, que agrupavam conjuntos de 2, 3 ou mais notas, e pela escolha e ordem das notas. Organum de Notre Dame O sistema rtmico e a notao foram-se desenvolvendo gradualmente ao longo dos sculo XII e XIII para satisfazerem as necessidades de uma escola de compositores polifnicos que exerciam a sua actividade em Paris e noutras localidades do Centro-Norte de Frana. As mais altas realizaes do organum tiveram origem principalmente no trabalho da Escola de Notre Dame. O grosso da msica da missa e dos ofcios continuava a ser o canto monofnico. Lonin (+1201) era um poeta e msico, cnego da catedral de Paris, a Notre Dame. Escreveu um ciclo de graduais, aleluias e responsrios a duas vozes para todo o ano litrgico, intitulado Magnus Liber Organi. Uma das caractersticas distintivas do seu estilo era a justaposio de elementos antigos e novos, fazendo alternar passagens de organum melismtico

  • com o ritmo mais animados das clusulas de descante, em que ambas as vozes se moviam num ritmo semelhante. medida que o sculo XIII foi avanando, o organum purum foi sendo gradualmente abandonado, a favor do descante, e as clusulas comearam por se transformar em peas quase independentes, dando origem ao motete. Protin (+1236) deu continuao obra produzida pela gerao de Lonin. A estrutura formal bsica do organum, em que h uma alternncia de trechos de canto em unssono com trechos polifnicos no foi modificada, mas dentro dos trechos polifnicos manifestou-se uma tendncia para uma maior preciso rtmica. Protin teve um papel determinante pela insero de novas partes em obras antigas, pela substituio das partes antigas de organum melismtico por clusulas de descante e outras clusulas de substituio. O tenor do organum de Protin era estruturado de forma caracterstica, numa srie de motivos rtmicos idnticos e repetidos, correspondendo geralmente ao III e V modos rtmicos, que produz um efeito ntido de agrupamento binrio de 2 ou mltiplos de 2 compassos. As melodias do tenor de Protin eram ainda compostas por notas mais breves do que as de Lonin, e tinham de ser repetidas na sua totalidade ou em parte. Uma importante inovao de Protin foi a expanso do organum de 2 para 3 e 4 vozes, dando origem ao organum triplum e quadruplum. Conductus Polifnico O conductus desenvolveu-se a partir de fontes semilitrgicas e acolheu mais tarde letras seculares. Os conductus polifnicos escritos por Protin e por outros compositores da escola de Notre Dame tinham um estilo musical menos complexo do que o do organum. A msica era escrita a 2, 3, ou 4 vozes, que como no organum, se mantinham num mbito bastante restrito, cruzando-se vrias vezes e organizando-se harmonicamente volta das consonncias perfeitas de 4, 5 e 8. As 3s tambm tm um lugar de destaque, ainda que no fossem vistas como consonncias.

  • Como hbito neste perodo, a base do ritmo era a diviso ternria do compasso, mas era caracterstico do conductus que as vozes evolussem quase ao mesmo ritmo, o que contrasta com a maior variedade rtmica dos organa. A letra era quase sempre tratada de forma silbica e grande parte dos conductus engloba passagens longas sem letra no incio ou fim da pea, chamadas caudae, que vinham frequentemente introduzir uma variedade rtmica entre as vozes, semelhantes aos contrastes rtmicos do organum. O tenor, em vez de provir de um canto eclesistico ou de qualquer outr a fonte preexistente, era muitas vezes uma melodia composta de novo que servia de cantus firmus para uma determinada composio. O conductus foi uma das primeiras expresses na histria da msica ocidental da ideia de uma obra polifnica inteiramente original. Tambm como no organum, as vozes podiam ser duplicadas 8. A partir de 1250 tanto o organum como o conductus foram caindo em desuso, e na segunda metade do sculo XIII o tipo mais importante de composio polifnica passou a ser o motete. Motete Lenin introduziu nos seus organa partes bem distintas em estilo de descante, as clusulas de substituio. Esta ideia fascinou os compositores da gerao seguinte. Antes de meados do sculo comearam a ser adaptadas letras para as vozes mais agudas das clusulas, geralmente tropos ou parfrases, em verso latino rimado. Por fim, as clusulas destacaram-se dos longos organa como composies independentes. Provavelmente por causa da letra, as recm-autnomas clusulas de substituio receberam o nome de motete. O estilo difundiu-se de Paris para toda a Europa Ocidental, sendo na sua maioria annimos. Foram adaptadas novas letras a velhas msicas e o contrrio. O repertrio das melodias dos motetes pertencia ao domnio pblico. O tipo mais antigo de motete, baseado numa clusula de substituio com textos latinos acrescentados s vozes mais agudas sofreu diversas modificaes: 1. As vozes mais agudas foram postas de parte, sendo apenas o tenor conservado com a melodia de cantocho, e foram escritas novas melodias para o acompanhar, podendo assim introduzir uma maior variedade

  • rtmica no fraseado das melodias e dando uma maior liberdade aos compositores relativamente ao texto escolhido; 2. Foram escritos motetes para serem cantados fora dos servios religiosos, em cenrios profanos, e usados textos tambm profanos, normalmente em vernculo; 3. Antes de 1250 comeou a ser habitual utilizar textos diferentes para as vozes superiores. Este princpio de politextualidade chegou at o sculo XIV. Na primeira metade do sculo XIII praticamente todos os tenores de motetes tinham textos latinos extrados do repertrio dos tenores de clusulas do Magnus Liber de Lonin, e tendiam a desenvolver-se segundo padres rtmicos regulares e repetitivos. A partir de meados do sculo os tenores passaram a ser extrados de outras fontes que no os livros de Notre Dame. a par deste alargamento de repertrio deu-se um relaxamento progressivo no modo como eram utilizados os modos rtmicos, dando origem a uma flexibilidade rtmica crescente. Os compositores aprenderam ainda a comear e a terminar as frases em pontos diferentes para as vrias vozes, evitando o efeito pra-arranca. As modificaes na estrutura rtmica do motete ao longo do sculo foram ainda mais profundas do que as modificaes do vocabulrio harmnico. A 5 e a 8 eram consonncias perfeitas aceites para os tempos fortes, enquando a 4 tendia cada vez mais para ser considerada como dissonncia. As 3s comearam tambm a adquirir o estatuto de consonncias na prtica. As mudanas de consonncias seguiam o ritmo da voz do tenor ou seja, sobre cada nota do tenor devia haver uma consonncia, enquanto entre estas as outras vozes eram livres de fazer dissonncias. As cadncias comearam tambm a ser mais frequentemente escritas sob formas que permanecem ao longo do sculo XIV e XV.

  • Notao no Sculo XIII Os progressos no domnio do ritmo ao longo do sculo XII foram acompanhados por mudanas na notao. Na primeira metade do sculo a organizao rtmica baseava-se nos modos rtmicos, em que nenhuma nota tinha um valor fixo, sendo a mtrica da letra ou o uso das ligaduras o principal meio de indicar o modo. Como os textos das vozes mais agudas dos motetes no tinham qualquer regularidade mtrica e costumavam ser tratados silabicamente, as ligaduras no tinham qualquer utilidade segundo a regra inflexvel de que cada ligadura no pode receber mais do que uma slaba. Numa obra atribuda a Franco de Colnia, Ars cantus mensurabilis, de cerca de 1250, encontramos a codificao de um sistema praticvel, onde se estipulam regras para fixar o valor das notas isoladas, das ligaduras e das pausas. Tal como nos modos, a notao franconiana baseava-se no princpio do agrupamento ternrio. As vozes superiores dos motetes passaram a ser escritas em pginas contguas ou em colunas separadas na mesma folha, com o tenor por baixo numa nica pauta, a toda a largura da folha, designando-se este tipo de pauta por partitura de coro, que foi a forma habitual de escrever composies polifnicas desde 1230 at o sculo XVI. Panorama Social do Sculo XIV Comparativamente ao sculo XIII, que foi uma era de estabilidade e unidade, o sculo XIV foi uma era de mudana e diversidade. O grande smbolo deste contraste foi o Cisma do Ocidente, que consistiu na existncia de um Papa em Avignon e outro em Roma, sendo que a Igreja e a supremacia do Papa comeou a ser contestada. As crticas a esta diviso da Igreja tiveram expresso no s por escrito mas tambm em movimentos divisionistas que foram precursores da Reforma Protestante. Enquanto o sculo XIII conciliava a revelao divina com a razo humana, a filosofia do sculo XIV tendia a conceber este dois domnios como separados, estando assim lanadas as bases para a separao da religio e da cincia, da Igreja e do Estado.

  • A quebra do progresso econmico e a crise causada pela Peste Negra e a Guerra dos Cem Anos entre Frana e Inglaterra deram origem a um descontentamento urbano e a abandonos do campo. O crescimento urbano dos dois sculos anteriores reforou o poder poltico da burguesia e levou a um declnio da aristocracia feudal. Frana evoluiu no sentido de uma monarquia absoluta centralizada enquanto a Pennsula Itlica se dividia em pequenos estados rivais. A crescente independncia e importncia dos interesses seculares traduziu-se no progressivo florescimento da literatura em lngua verncula. Tambm se assistiu aos primrdios do humanismo e a um ressurgimento do estudo da literatura clssica grega e latina. A literatura e o ensinou das artes afastou-se cada vez mais da perspectiva estvel, unificada e de base religiosa como no sculo XIII e aproximou-se mais dos fenmenos variados e mutveis da vida humana. Ars Nova Ars Nova foi o ttulo de um tratado escrito em 1322 pelo compositor e poeta Philippe de Vitry (+1361). A designao veio a ser usada para designar o estilo musical que imperou em Frana na primeira metade do sculo XIV. Os compositores tinham conscincia de estarem a abrir um caminho novo. Os principais problemas tcnicos em discussoo eram a aceitaoo dos princpios da diviso binria do compasso e o uso de 4 semibreves como equivalentes a uma breve. Os compositores do sculo XIV produziram muito mais msica profana do que sacra. O motete, que comeara por ser uma forma sacra, j estava bastante secularizado antes do final do sculo XIII e esta tendncia continuou a acentuar-se. Num antigo documento musical francs do sculo XIV, o Roman de Fauvel, esto interpretadas 167 peas de msica. Na grande maioria so monofnicas, como rondis, baladas e canes de refro, mas tambm inclui motetes polifnicos. Alguns destes introduzem a nova diviso binria da breve. Muitos dos textos so denuncias do clero e surgem muitas aluses a acontecimentos polticos contemporneos. No sculo XIV, o motete tornou-se a forma tpica de

  • composio para a celebrao musical de solenidades importantes, eclesisticas ou seculares, funo que conservou at a primeira metade do sculo XV. Alguns dos motetes do Roman Fauvel so de Philippe de Vitry, que se destacou como poeta e compositor. Os tenores dos seus motetes desenvolvem-se muitas vezes em segmentos de ritmo idnticos, sendo que a frmula rtmica pode variar aos determinado nmero de repeties, mas tudo isto se passa numa escala de muito maiores dimenses. O tenor mais longo, os ritmos mais complexo e toda a sua linha meldica evolui to lentamente que deixa de ser perceptvel como uma melodia, funcionando apenas como um alicerca sobre o qual construda a pea. Motete Isorrtmico medida que foi avanando o sculo XIV, os tericos e compositores comearam a considerar os tenores dos motetes de Philippe de Vitry como sendo constitudos por dois elementos distintos: a color, que o conjunto dos intervalos meldicos, e a talea, que a estrutura rtmica. A talea e a color podiam combinar-se de vrias maneiras, e os motetes construdos com base no uso destas repeties da talea e color foram designadas por isorrtmicos. Em certos casos, no s o tenor que escrito isorritmicamente mas tambm as vozes mais agudas. Esta tcnica aplicava-se ainda a outras formas musicais e veio a ser aplicada de forma cada vez mais sistemtica e complexa. A isorritmia era um meio de conferir unidade a longas composies para as quais no havia um processo eficaz de organizao formal, e a estrutura era oculta, na medida em que as repeties da talea e color no eram evidentes. Guillaume de Machaut (+1377) foi o compositor mais importante da ars nova em Frana. Teve uma instruo clerical e trabalhou ao servio da corte francesa. Machaut ganhou fama no s como compositor mas tambm como poeta, e a sua obra incluiu exemplos de quase todas as formas em uso no seu tempo, e revelam tendncias progressivas e conservadores. A maioria dos motetes de Guillaume de Machaut baseiam-se no modelo tradicional, com um tenor instrumental e textos diferentes para as duas vozes mais agudas e exemplificam as tendncias da poca no sentido de uma maior

  • secularizao, maior durao e muito maior complexidade rtmica. A estrutura isorrtmica abrange por vezes no apenas o tenor mas tambm as vozes superiores. As cantigas monofnicas de Machaut podem ser consideradas como um prolongamento da tradio dos troveiros em Frana. Onde ilustrou mais claramente as tendncias da ars nova foi nos viralais, rondis e baladas polifnicos, as chamadas formes fixes, onde explorou as possibilidades da nova diviso binria do tempo. A sonoridade dominante de 3s e 6s e a impresso geral da ordem harmnica distinguem a sua msica da ars antiqua. O novo lirismo do sculo XIV revela-se na linha meldica flexvel e delicadamente trabalhada do solista. A voz mais aguda, ou cantus a voz principal, sendo o tenor composto para a acompanhar e o triplum ou contratenor e uma eventual 4 voz so organizados em consonncia com o tenor. As baladas de Machaut ou cantilenas, cuja forma em parte herana dos troveiros, compunham-se normalmente de 3 ou 4 estrofes, todas elas cantadas com a mesma msica mas com finais s vezes diferentes e seguidas de um refro. O vilarai e o rondel s utilizavam 2 frases musicais e os rondeis de Machaut tm um contedo musical sofisticado. A Messe de Notre Dame de Machaut a composio musical mais famosa do sculo XIV um arranjo a 4 vozes para o ordinrio da missa acrescido da frmula final Ite, missa est. Ela importante pelas amplas propores e textura a 4 vozes, invulgar na poca, e por ser concebida como um todo musical. At aqui ningum parecia dar importncia ao facto do Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus, Benedictus e Agnus Dei serem ou no no mesmo modo, baseados ou no no mesmo material temtico, apresentando entre si ou no algum tipo de unidade, pelo que a concepo de Guillaume de Machaut excepcional. A relao entre andamentos baseia-se numa semelhana genrica de atmosferas e estilos. O Gloria e Credo tm uma elaborao directa em estilo silbico, maneira do conductus, a msica austera, com progresses paralelas e dissonncias estranhas, acordes cromticos e pausas abruptas, com uma forma estrfica livre. A msica tem um estilo impessoal e solene. No Credo o andamento abranda abruptamente com uma sucesso de acordes prolongados, dando um ntido

  • destaque frase, tcnica que se passou a usar neste mesmo andamento desde ento. O declnio relativo da composio de msica sacra neste perodo foi devido em parte diminuio do prestgio da Igreja e crescente secularizaoo das artes. A partir do sculo XII houve declaraes eclesisticas contra a msica mais complicada e as exibies de virtuosismo dos cantores. Em Itlia, esta atitude oficial teve como efeito o desencorajar da composio sacra polifnica. A composioo de motetes e partes da missa continuava a desenvolver-se em Frana. Certos trechos da missa podiam ser escritos em estilo motete, enquanto os outros eram andamentos corais maneira do conductus, com um texto para todas as vozes. Os compositores de finais do sculo XIV e incio do sculo XV escrevem missas e hinos em estilo de cantilena, ou seja, para uma voz a solo com normalmente duas partes instrumentais a acompanha-la. Msica Italiana no Sculo XIV

    A msica italiana tem uma histria diferente da francesa devido s diferenas de atmosfera social e poltica. A polifonia era cultivada em crculos de elite, nos quais constitua um divertimento profano. Nas cortes os trovatori italianos do sculo XIII tinham seguido os passos dos trovadores. A polifonia na msica sacra italiana do sculo XIV baseava-se em larga medida na improvisao. O madrigal era escrito para duas vozes e os textos eram idlicos, buclicos, amorosos ou poemas satricos. As estrofes tinham todas a mesma msica e no final de cada uma era adicionado um par de versos com uma msica e compasso diferente, chamado ritornello. Uma caracterstica que aproxima o madrigal da forma mais antiga, o conductus, a presena de passagens melismticas decorativas no fim e por vezes no incio dos versos. Outras formas de composio seculares italianas foram a caccia e a ballata. medida que se aproximava o final do sculo XIV, a msica dos compositores italianos comeou a perder as suas caractersticas especificamente nacionais e a absorver o estilo francs contemporneo. Os italianos comearam a escrever canes sobre textos franceses e em formas francesas, e as suas obras surgem muitas vezes nos manuscritos do final do sculo em notao francesa.

  • Msica Francesa no Final do Sculo XIV A corte papal de Avignon foi um centro mais importante para a composio de msica profana do que de msica sacra. Aqui e noutras cidades do Sul de Frana floresceu uma sociedade cavalheiresca, favorvel para os compositores franceses e italianos do final do sculo XIV. A sua msica compunha-se essecialmente de baladas, vilarais e rondis para voz solo com suporte instrumental, e a maioria dos textos foram provavelmente escritos pelos prprios compositores. Algumas das baladas referem acontecimentos e personagens da poca, mas no na maioria cantigas de amor com melodias e harmonias elaboradas. O estilo corresponde ao aspecto visual nos manuscritos, com artifcios de notao e decoraes, como escrever uma cano de amor em forma de corao ou um cnone em forma de crculo. A flexibilidade rtmica tambm um aspecto caracterstico da msica profana francesa do final do sculo XIV. O tempo subdivide-se em vrias maneiras diferentes e a linha da frase pode ser quebrada com pausas ou mantida em suspenso atravs de um encadeamento de sncopas. A msica sofisticada das cortes do Sul de Frana destinava-se a ouvintes cultivados e intrpretes profissionais. A sua complexidade de ritmo e notao passaram de moda no fim do sculo e no Norte de Frana era cultivado um gnero mais simples de polifonia profana, por msicos que eram herdeiros dos troveiros. Os seus poemas tinham um carcter popular em vez dos sentimentos de amor corts e a msica tinha vida e frescura, com ritmos vigorosos e simples, semelhantes aos das canes polifnicas. Msica Ficta Boa parte da msica francesa e italiana do sculo XIV inclui o uso de notas elevadas ou abaixadas atravs de acidentes escritos ou na interpretao. Esta alterao era comum nas cadncias em que um acordo de 6 menor imposta pelo modo era transformado em 6 Maior ao fazer-se a cadncia, ou em tornar a 3 Maior em menor ao contrair-se para unssono. O sistema da msica vera aceitava meios-tons entre mi-f, si-d, l-si b. Qualquer nota fora deste domnio era considerada como falsa ou ficta. Compositores e escribas tinham relutncia em

  • passar para o papel notas que no faziam parte do sistema em vigor mas os cantores eram ensinados a executar tais alteraes. Instrumentos Os instrumentos baixos mais usados no sculo XIV eram as harpas, as vielas, os alades, os saltrios, os rgos portativos, as flautas travessas e doces, e entre os instrumentos altos eram a chamarela, as cornetas de madeira, as trompetas de varas e as sacabuxas. Os instrumentos de percusso incluam timbales, sinos e cimbales. A sonoridade dominante era clara, luminosa ou estridente. Os primeiros instrumentos de tecla da famlia da clavicrdia e do cravo foram inventados no sculo XIV, se bem que o seu uso s se generalizou no sculo XV. Na Alemanha, no final do sculo, foi acrescentada uma pedaleira ao rgo, que permitia ao executante escolher a fileira de tubos. No incio do sculo XV foi introduzido um segundo teclado. Msica em Inglaterra no Sculo XV A msica continuou a evoluir no sentido de um estilo internacional ao longo do sculo XV. A composio continuou a centralizar-se nas formas profanas, sendo que a textura de cantilena chegou at ser transposta, em certa medida, para o motete e a msica da missa. A msica inglesa e a de toda a Europa de Norte, caracteriza-se h muito por uma relao estreita com o estilo popular, contrastando pela evoluo do estilo do continente, e por uma relutncia em levar as teorias musicais abstratas s ltimas consequncias na prtica. Na msica inglesa sempre houvera ume tendncia para as tonalidades maiores, para uma maior plenitude de som e para um uso mais livre de 3s e 6s do que na msica do continente. A improvisao e a escrita musical em 3s e 6s eram correntes na prtica polifnica inglesa j no sculo XIII. As obras da escola de Notre Dame eram tambm conhecidas nas Ilhas Britnicas. O repertrio bsico do cantocho em Inglaterra era o do rito sara, da catedral de Salisbria, cujas melodias diferem do rito romano, para cantus firmus das suas composies.

  • O conductus e alguns tipos de tropos do ordinrio compostos maneira de conductus apresentam uma nova linha estilstica, que se comea a esboar no sculo XIII mas adquire uma grande importncia no sculo XV, que o facto da linha meldica ser acompanhada por 2 outras vozes, geralmente em movimento paralelo, sendo as 3s, 6s paralelas e as sonoridades cheias da sua preferncia. Tal forma de compor consistia em regras para de descantar, ou seja, para cantar uma voz no escrita sobre um cantus firmus, evoluindo a voz acrescentada ao mesmo ritmo que a melodia, nota contra nota, formando sempre consonncias com ela. Em finais do sculo XII as regras de descante j proibiam as 5s e 8s perfeitas consecutivas, admitindo um nmero limitado de 3s e 6s paralelas. Esta forma de escrita afectou todos os tipos de composio no sculo XV. A sua designao fauxbourdon. Esta era uma composio escrita a 2 vozes que evolua em 6s paralelas, com 8s intercaladas e sempre com uma 8 no fim de cada frase. A estas vozes escritas acrescentava-se uma 3 voz na execuo que movia invariavelmente uma 4 abaixo do soprano. Na tcnica de fauxbourdon a melodia principal era a do soprano, enquanto na maioria das composies inglesas a melodia do cantus firmus se fazia ouvir na voz do meio ou na voz mais grave. No estilo de cantilena mais antigo as 2 vozes mais graves mantinham-se de certa forma isoladas, mantendo um ritmo mais lento e funcionando como um pano de fundo mais ou menos neutro para a melodia. Agora, e voz mais aguda e o tenor esto ligados como num dueto, tornando-se quase iguais em importncia e no ritmo. Este novo estilo exerceu uma forte influncia sobre todos os tipos de composio, no sentido de uma textura homofnica ou homorrtmica, de harmonias consonantes e do reconhecimento da sonoridade de 3 e 6 como um elemento fundamental do vocabulrio harmnico Motete do Sculo XV Nos motetes isorrtmicos do sculo XIV e incio do sculo XV, os tenores eram geralmente melodias de cantocho e conservaram ainda outras caractersticas tradicionais como a politextualidade e a textura contrapontstica. Por volta de 1450 esta forma conservadora de motete desapareceu. Na 1 metade do sculo XV, o termo motete comeou a ser aplicado a pelas escritas sobre textos litrgicos, a qualquer composio polifnica sobre um

  • texto latino, abrangendo antfonas e responsrios. A partir do sculo XVI, o termo passou tambm a aplicar-se a outras composies sacras em outras lnguas alm do latim. A Msica no Ducado de Borgonha Os duques da Borgonha, embora vassalos feudais dos reis de Frana, tinham um poder quase igual ao dos seus suseranos. Ao longo da 2 metade do sculo XIV e do incio do sculo XV, atravs de uma srie de casamentos polticos e de uma estratgia diplomtica foram adquirindo territrios que abarcavam boa parte do que a hoje a Holanda, Blgica, Nordeste de Frana, Luxemburgo e Lorena, e anexaram-nos aos seus feudos de origem, o ducado de Borgonha, no Centro Leste de Frana. A maioria dos grandes compositores nortenhos de finais do sculo XV eram oriundos da regio que compreende a moderna Blgica, e muitos deles estavam de alguma forma ligados corte de Borgonha. No final do sculo XIV e incio do sculo XV foram criadas um pouco por toda a parte da Europa capelas com excelentes recursos musicais. Papas, imperadores, reis e prncipes disputavam os servios de cantores e compositores eminentes. Os duques da Borgonha tinham uma capela com um corpo auxiliar de cantores, instrumentistas e compositores que faziam msica para os servios divinos, para os divertimentos profanos da cortes, e acompanhavam o seu senhor nas viagens. A corte e a capela de Filipe, o Bom, duque de Borgonha de 1419 a 1467, foram as mais brilhantes da Europa. Alm da capela, Filipe tinha ainda um grupo de menestris, tocadores de trombeta, tambor, viela, alade, harpa, rgo, gaita de foles e chamarela, que incluam franceses, italianos, alemes e portugueses. A atmosfera cosmopolita desta corte no sculo XV era ainda reforada pelas frequentes visitas de msicos estrangeiros e pela enorme mobilidade dos prprios elementos da capela. O estilo musical era claramente internacional. O prestgio da corte borgonhesa era tal que o tipo de msica a cultivado influenciou outros centros musicais europeus, como as capelas do Papa de Roma, do imperador da Alemanha, dos reis de Frana e Inglaterra e das diversas cortes de Itlia.

  • 1 Gerao Franco-Flamenga

    Guillaume Dufay (+1474) habitualmente associado corte de Borgonha, embora nunca tenha sido um elemento regular da capela ducal. Trabalhou em Itlia, ao serviao da famlia Malesta, foi membro da capela papal em Roma, trabalhou ao servio do Duque de Sabia, a capela do Papa em Florena e Bolonha e em Cambrai onde obteve o ttulo de cnego. Dufay frequentou a escola de uma catedral e era doutor em Direito Cannico pela Universidade de Bolonha. As obras de Dufay conservaram-se num grande nmero de manuscritos, principalmente de origem italiana. Os principais tipos de composio no perodo borgonhs foram as missas, os magnificats, os motetes e as chansons profana com textos em francs. A combinao predominante de vozes era a mesma da ballade francesa e da ballata italiana, um tenor e contratenor, evoluindo ambos no mbito d-sol, e um soprano ou discantus no excedendo o mbito de 10, l-d ou d-mi. Tal como no sculo XIV, a tendncia era para que na interpretao, cada linha meldica tivesse um timbre diferente e o conjunto da pea uma textura transparente, com predomnio da melodia principal. O estilo pode ser definido como uma combinao da suavidade harmnica do fauxbourdon com uma dose de libertao da melodia e independncia contrapontstica, incluindo momentos de imitao. A linha meldica tpica do discantus evolui em frases lricas, expressivas, desembocando em longos melismas antes das cadncias importantes. A grande maioria das composies do perodo borgonhs eram em forma de compasso ternrio, com frequentes misturas de ritmos. O compasso binrio era usado em substituies de obras mais longas como um meio de introduzir um contraste. Chanson Borgonhesa A chanson borgonhesa no sculo XV, era a designao genrica para qualquer composio polifnica sobre um texto profano em francs. Eram canes a solo com acompanhamento, e os seus textos eram quase sempre poemas de amor, e seguiam o modelo do rondel s vezes na forma tradicional

  • com refro de 2 versos, outras numa forma desenvolvida com estrofes e refres de 4 e 5 versos. As chansons foram o produto mais caracterstico da escola de Borgonha, embora os compositores continuassem a escrever ballades na forma tradicional aabC. Gilles Binchois (+1460) foi outro compositor mestre das chansons, cujas melodias revelam melancolia e expressividade sensual, com uma sonoridade lmpida e rica das vozes e instrumentos. No limiar entre a Idade Mdia e o Renascimento. Motetes Isorrtmicos De incio no havia um estilo sacro distinto do estilo profano nos motetes. Ambos eram escritos maneira de chansons, com um soprano melodicamente livre associado a um tenor e apoiado por um contratenor na habitual textura a 3 vozes. O soprano podia ser composto de novo ou podia ser uma forma embelezada de uma melodia de cantocho, como exemplo na composio Alma Redemptoris Mater de Dufay. Este procedimento totalmente diferente do modo como tais temas eram utilizados no tenor do antigo motete dos sculo XIII e XIV, onde a melodia gregoriana no era mais do que uma base para a estrutura da pea. Nos motetes borgonheses pretendia-se que as melodias gregoriana fossem reconhecidas, e no se limitavam a ser um resduo simblico da tradio, mas eram uma parte concreta e musicalmente expressiva da composio. Alm dos modernos motetes ao estilo da chason, Dufay e os seus contemporneos continuaram a cultivar ocasionalmente o costume dos motetes isorrtmicos para cerimnias pblicas solenes. Nuper rosarum flores uma composio de Dufay no antigo estilo de motete isorrtmico. Missas Foi nas missas que os compositores do perodo borgonhs desenvolveram um estilo musical especificamente sacro. A partir do sculo XIV houve um crescimento crescente de composies polifnicas da missa. At 1420 as diversas seces do ordinrio eram compostas como peas independentes, excepo da missa de Machaut. Uma das realizaes fundamentais do sculo XV foi tornar prtica regular a composio a abranger todas as 5 divises do

  • ordinrio. O motivo desta evoluo foi o desejo dos msicos de darem coerncia a uma forma musical ampla e complexa e a impresso de unidade musical. Isto obtinha-se quase todas as partes do ordinrio eram compostas no mesmo estilo geral e alm disso, cada andamento tomava para cantus firmus um cntico apropriado do Graduale, normalmente ornamentada no soprano, sendo a impresso de unidade reforada pela associao litrgica, mais do que pela semelhana musical. As missas que continuavam a usar temas gregorianos tm o nome de Missa de Cantocho. O modo mais prtico de conseguir uma interligao musical clara entre as vrias seces da missa usar em todas o mesmo material temtico. De incio, a ligao consistia em anunciar no incio de cada andamento o mesmo motivo meldico, geralmente no soprano, que em breve foi substitudo pelo uso do mesmo cantus firmus em todos os andamentos. A forma musical cclica que da resulta tem o nome de Missa de Tenor ou Missa de Cantus Firmus. As primeiras missas neste gnero foram compostas por compositores ingleses mas na segunda metade do sculo XV era j a forma habitual de compor missas. A tradio do motete medieval sugeria que a melodia do cantocho fosse extrada do repertrio do cantocho fosse colocada no tenor, mas a nova concepo do sculo XV exigia que a voz mais grave estivesse livre para funcionar como alicerce, especialmente nas cadncias. O tenor passou assim a ser a 2 voz mais grave, colocando-se abaixo dela uma voz chamada de contratenor baixo ou baixo, e acima do tenor situava-se o contratenor alto ou alto, sendo que na posio mais aguda ficava o soprano designado por cantus, discantus ou superius. Estas 4 vozes surgiram em meados do sculo XV e conservou-se at hoje como forma padro. Um outro legado do motete medieval foi o costume de escrever o tenor de uma missa de cantus firmus em notas mais longas do que as restantes vozes e isorritmicamente, quer impondo uma certa estrutura rtmica a uma dada melodia de cantocho e repetindo-a com a mesma estrutura, quer conservando o ritmo original de uma melodia profana e alternando com as sucessivas aparies da melodia, tornando-a mais lenta ou mais rpida. Assim, tal como no motete isorrtmico, a identidade da melodia extrada do cantocho podia ficar absolutamente camuflada e situava-se numa voz interior e no na mais grave. As melodias usadas como cantus firmus eram extradas de cnticos da missa ou de

  • uma fonte profana. O nome da melodia tomada como emprstimo era dado missa a que servia de cantus firmus. H inmeras obras baseadas na cano popular Lhomme arm, sobre a qual todos os compositores do final do sculo XV e do sculo XVI, de Dufay e Ocheghem a Palestrina, escreveram pelo menos uma missa. Alguns aspectos das missas de cantus firmus de Dufay so caractersticos de um estilo musical erudito que se tornou dominante a partir de 1450. A evoluo valorizou principalmente os aspectos que viriam a distinguir o estilo musical da poca do Renascimento da Idade Mdia tardia: o controlo das dissonncias, sonoridades consonantes, incluindo sucesses de sexta-terceira, a igual importncia das 4 vozes, congruncia e independncia meldica e rtmica das diversas linhas e recurso ocasional imitao. A Era Renascentista e Humanismo

    O sculo XV e XVI foram marcados por um reavivar da sabedoria da antiguidade grega e romana, especialmente nos domnios da poesia, gramtica, retrica, histria e filosofia moral. O Humanismo foi o movimento intelectual mais caracterstico do perodo a que os historiadores chamam de Renascimento, que se estende de 1450 a 1600. Este movimento que se designou por humanismo renascentista, incitou os pensadores a avaliarem as suas vidas, obras de arte, costumes e estruturas sociais e polticas segundo os padres da antiguidade. A realizao pessoal em vida era to importante como a salvao aps a morte, e exprimir toda a gama de emoes e gozar os prazeres dos sentidos j no eram coisas ms. Foram descobertos antigos manuscritos com tratados musicais gregos de Aristides Quintiliano, Cludio Ptolomeu, Clenides e Euclides e foram estudadas as obras de Aristteles e Plato. A convico de que a escolha de um modo era a chave do compositor para despertar as emoes do ouvinte foi tambm introduzida pela leitura dos antigos filsofos. Sistemas de Afinao A procura de novos sistemas de afinao foi estimulada pelo desejo de se conseguirem consonncias mais suaves e pela expanso dos recursos tonais para alm dos modos diatnicos, at s notas da escala cromtica. medida que os

  • compositores procuravam obter novos efeitos expressivos, comearam a explorar ciclos de 5s. O efeito mais importante que o humanismo teve sobre a msica foi o de a associar mais estreitamente s artes literrias. Os poetas passaram a preocupar-se mais com o som dos seus versos e os compositores com a imitao desse som. A pontuao e a sintaxe orientavam o compositor para estruturar as peas e as cadncias. As imagens e o sentido do texto inspiravam os motivos e as texturas da msica, a mistura de consonncias e dissonncias, os ritmos e as duraes das notas. Procuravam-se novas formas de dramatizar o contedo do texto e os compositores passaram a respeitar a regra de seguir o ritmo da fala. Estas mudanas de perspectiva que tornavam a msica mais expressiva e cativante operou ao longo de todo o perodo do Renascimento. Este foi mais um movimento cultural geral do que um conjunto especfico de tcnicas musicais. Os governantes dos estados da Pennsula itlica procuravam engradecer-se com palcios e decoraes com obras de arte, capelas com cantores, instrumentistas e compositores, e foram eles que trouxeram para Itlia os compositores e msicos mais talentosos de Frana, Flandres e Pases Baixos. Os msicos, prevalentemente da Europa do Norte, traziam consigo as tcnicas de cantar e compor as canes na sua lngua nacional, mas ao mesmo tempo iam assimilando alguns aspectos da msica improvisada e popular italiana, uma forma menos complexa, dominada pelo soprano e muitas vezes danvel. Imprensa Musical Esta actividade criou uma forte procura de msica para cantar e tocar. Foram compilados manuscritos com o repertrio local em cada centro e copiados outros manuscritos. Este processo era caro e nem sempre transmitia fielmente as obras dos compositores. Com os progressos da imprensa tornou-se possvel uma muito maior e mais exacta difuso da msica escrita. A arte de imprimir livros com caracteres mveis foi aperfeioada por Johann Gutenberg cerca de 1450 e foi aplicada aos livros litrgicos, com notao de cantocho por volta de 1473. Em finais do sculo XV surgiram em diversos livros de teoria ou manuais de ensino, exemplos de msica impressa com blocos de madeira e este mtodo continuou a ser usado isoladamente e conjungado com

  • a impresso de caracteres mveis. A impresso nica, com caracteres que imprimiam pautas, notas e texto numa nica operao foi praticada pela 1 vez em Londres por volta de 1520 por John Rastell. Veneza, Roma, Nuremberga, Paris, Lyon, Lovaiana e Anturpia tornaram-se os principais centros desta actividade. A preocupao com a plenitude da harmonia e a prtica da imitaoo exigiam que o compositor ajustasse constantemente o movimento de uma voz ao das outras ao inventar uma pea. O mtodo antigo que consistia em comear por uma estrutura a 2 vozes, geralmente tenor-soprano, acrescentando de seguida a 3 e a 4 voz era agora imprprio. Foram publicadas tabelas de consonncia que mostravam quais as opes possveis para as outras vozes se o soprano e o tenor tivessem um dado intervalo entre si. As aplicaes da arte da imprensa msica foi um acontecimento de amplas consequncias. Em vez de um reduzido nmero de manuscritos copiados mo e sujeitos a todo o tipo de erros, os msicos tinham um fornecimento tambm de msica nova. Alm disso, a existncias de cpias impressas significava que muitas obras musicais se conservaram, podendo ser estudadas e interpretadas pelas geraes seguintes. Compositores do Norte da Europa A maioria dos compositores e intrpretes entre 1450 e 1550 passou pelo servio de um imperador de Espanha, Alemanha, Bomia ou ustria, do rei de Frana ou das cortes italianas ou do Papa. 2 Gerao Franco-Flamenga Johannes Ockeghem (+1497) serviu 3 reis em Frana e tornou-se famoso como compositor e mestre de muitos compositores da gerao seguinte. Comps missas, chansons e motetes. A maioria das missas de Ockeghem so semelhantes na sonoridade global s de Dufay. 4 vozes de natureza basicamente idntica interagem numa textura contrapontstica de linhas meldicas independentes. No entanto, o baixo que at 1450 raramente descia do d, agora desde at sol ou f. O resultado o de uma

  • textura mais cheia e densa, com uma sonoridade mais sombria e mais homognea. As suas linhas meldicas desenvolvem-se em frases longas, num fluxo flexvel muito semelhante ao do cantocho melismtico, com raras cadncias e poucas pausas. Para fazer variar a sonoridade, Ockeghem escrevia trechos inteiros como trios ou duetos, omitindo uma ou duas das vozes, ou ento opunha um par de vozes a outro par, processo que frequentemente utilizado na msica sacra e profana do incio do sculo XVI. Outra forma para contrastar consistia em escrever passagens em que todas as vozes cantavam com o mesmo ritmo, dando origem a uma textura homofnica ou homorrtmica. Esta forma de composio foi rara nas geraes seguintes. Cnone A propenso para dar largas ao virtuosismo e para demonstrar publicamente a percia profissional, que levava os compositores medievais a escreverem motetes isorrtmicos, parece persistir na execuo de cnones. O mtodo mais corrente consistia em fazer derivar uma ou mais vozes adicionais de uma nica voz inicial. As vozes adicionais podiam ser escritas pelo compositor ou cantadas a partir das notas da voz inicial, modificadas de acordo com certas instrues. Estas podiam determinar que a 2 voz comeasse um certo nmero de tempos ou compassos depois, ou que esta podia ser uma inverso ou retrogradao da 1 voz. Outra possibilidade consistia em fazer evoluir as 2 vozes a velocidades diferentes, chamados cnones de mensurao. Todos estes processos podiam ser combinados entre si. Alm disso, a voz derivada podia reproduzir a melodia a um determinado intervalo de distncia desta. Uma composio podia ainda ser um cnone duplo, ou seja, 2 cnones cantados ou tocados em simultneo. Um exemplo de escrita cannica a Missa Prolationum de Ockeghem, em que todos os andamentos so construdos com cnones mensurais. Outra obra importante a Missa Cuiusvis Toni, uma missa que pode ser cantada em qualquer modo, conforme se leia a msica de acordo com uma ou outra de 4 combinaes diferentes de claves e fazendo ajustamento necessrios para evitar o intervalo de

  • trtono. Estas ferramentas so subtilmente dissimulados, sendo o cnone perfeito aquele que no devia levantar sequer as suspeitas de um ouvinte vulgar. Algumas das missas de Ockeghem baseiam-se num cantus firmus, utilizando determinada melodia como estrutura bsica de cada andamento. Na maioria destas o tratamento dado melodia bastante livre, com excepo Missa lhomme arm. Nos sculo XV e XVI as missas sem cantus firmus passaram a ser designadas a partir do modo em que eram escritas, e se no tivessem cantus firmus ou outra caracterstica especfica eram chamadas Missa sem nome. As missas de Ockeghem atestam uma reaco extremamente marcada contra as missas e motetes em estilo de chanson escritas no sculo XV, sendo que a gerao seguinte dos compositores religiosos franco-flamengos reestabeleceu um equilbrio entre a elevao mstica e a clareza expressiva. As figuras eminentes dessa gerao so Jacob Obrecht, Heinrich Isaac e Josquin des Prez, tendo todos adquirido formao e experincia musical nos Pases Baixos e ligados directa ou indirectamente a Johannes Ockeghem. As suas obras ilustram bem o animado intercmbio musical que se verificou nos sculo XV e XVI na Europa do Norte e do Sul entre os centros franco-flamengos e os de Itlia e Espanha. Na sua msica encontramos portanto uma variedade e mistura, ou at fuso de elementos do Norte e do Sul. O tom srio, a tendncia para a adopo de uma estrutura rgida e os ritmos fluentes do Norte e a disposio mais espontnea, textura mais simples, ritmos mais marcados e as frases mais claramente articuladas dos Italianos. Chanson Embora a msica sacra polifnica, especialmente as composies sobre o ordinrio da missa, tenha adquirido maior prestgio na 2 metade do sculo XV, houve muitas composies profanas. As chansons borgonhesas foram-se expandindo e de 1460 a 1480 as chansons revelam um uso crescente de contraponto imitativo. As chansons de Ockeghem atingiram uma grande popularidade. As chansons eram livremente alteradas, escritas em novos arranjos e transcritas para instrumentos e, acima de tudo, constituram uma reserva inesgotvel de

  • cantus firmus para missas. Deste modo, Ockeghem utilizou o superius da sua chanson Ma maitresse, completo e sem alteraes, para o Gloria de uma missa. Harmonice Musices Odhecaton

    Foi uma das mais antigas antologias musicais que inclui chansons do perodo borgonhs gerao de Obrecht, Isaac e Josquin, escritas aproximadamente entre 1470 e 1500. Muitas das chansons esto escritas a 3 vozes a as de 4 vozes mostram como o gnero evoluiu no incio do sculo XVI, no sentido de uma textura mais densa, de um contraponto imitativo, de uma estrutura harmnica clara, de uma maior igualdade das vozes e de uma unio mais estreita entre elementos novos e antigos da chanson. O compasso binrio tambm tendeu a substituir o ternrio do perodo borgonhs. Muitas das chansons, tal como missas, baseavam-se ou numa melodia popular ou numa das vozes de uma chanson mais antiga. De 1500 a 1520 os compositores franco-flamengos que estiveram ligados corte real francesa de Paris, cultivaram diversos tipos de chansons. Algumas eram composies inteiramente originais, outras incorporavam melodias j existentes. Ao contrrio de Ockeghem, Josquin abandou praticamente as formes fixes, sendo muitos dos seus textos estrfico, o tecido polifnico j no em camadas mas entremeado com imitao, e o par tenor-cantus j no constitui o esqueleto da msica. Os compositores deste perodo procuravam combinar elementos populares com a tradio cortes e contrapontstica da chanson. 3 Gerao Franco-Flamenga Josquin des Prez Foi um dos maiores compositores de todos os tempos. A sua obra inclui missas, motetes, chansons e outras peas profanas. As missas ofereciam poucas oportunidades para a realizao de novas experincias dado o texto invarivel e o formalismo litrgico. Os motetes eram mais livres, podendo ser escritos sobre uma vasta gama de textos, sugerindo novas possibilidades de relacionamento entre texto e msica. Como

  • consequncia, no sculo XVI, o moteto veio a ser a forma de composio sacra preferida pelos compositores. A msica de Josquin revelam aspectos tradicionais e elementos modernos, sendo possvel dizer-se que ele est na fronteira entre a Idade Mdia e o mundo moderno. Nas missas, os aspectos mais evidentes so os conservadores. A maioria delas utiliza uma melodia popular como cantus firmus mas todas abundam de virtuosismo tcnico. Missas de Imitao A missa Malheur me bat de Josquin des Prez ilustra uma tcnica que se vem a tornar mais recorrente ao longo do sculo XVI. Esta missa baseia-se numa chanson de Ockeghem, mas em vez de uma voz, todas as vozes da chanson so objecto de livre desenvolvimento. Uma missa que utiliza vrias vozes, incluindo os motivos caractersticos, passagens fugadas e respostas, ou mesmo a estrutura geral ou substncia musical, de uma chanson, missa ou motete preexistente denomina-se Missa de Imitao. Um extremo consiste em aplicar simplesmente uma nova letra a uma msica j existente. O passo decisivo no sentido da missa de imitao dado quando o modelo escolhido deixa de ser uma nica linha meldica, passando a ser toda a textura contrapontstica. A missa de imitao faz algo de novo a partir do material musical, especialmente atravs da combinao de motivos preexistente numa textura contrapontstica original, com recurso imitao sistemtica entre todas as vozes. A missa de imitao comea a substituir a missa de cantus firmus como forma dominante por volta de 1520. Do ponto de vista do compositor, as melodias profana tinham certas vantagens enquanto ponto de partida para organizar um longo andamento polifnico, porque a forma musical era mais pronunciada do que a do cantocho e as implicaes harmnicas mais definidas. A cano popular Lhomme arm teve tanta popularidade graas sua forma tripartida e ao seu acentuado equilbrio harmnico. Outra vantagem das canes profana relativamente s melodias do cantocho era a de no estarem associadas a um calendrio eclesistico, tornando a missa mais uniformemente utilizvel.

  • Texto e Msica Boa parte da msica vocal da gerao de Josquin atesta a influncia do humanismo e a da chanson e formas italianas contemporneas, nos esforos que os compositores fizeram para tornarem o texto compreensvel e respeitarem a correcta acentuao das palavras. Esta tendncia contrastava com o estilo ornamentado e melismtico de Ockeghem e doutros compositores franco-flamengos da 1 gerao. A msica popular italiana ter chamado a ateno de Josquin para as potencialidades da harmonia simples da nota-contra-nota. Msica Reservada Era a msica adequada das palavras, capaz de exprimir a fora de cada emoo diferente e tornar evidentes as coisas do texto. Este termo comeou a ser usado no sculo XVI para designar o novo estilo musical que inclua um grau at ento indito de cromatismo, variedade modal, ornamentos e contrastes de ritmo. 4 Gerao Franco-Flamenga Os anos de 1520 a 1550 foram marcados por uma diversidade cada vez mais acentuada da expresso musical. Em cada pas novos tipos e formas de msica comearam gradualmente a modificar o estilo cosmopolita dos mestres franco-flamengos e o nmero e importncia das composies musicais tambm aumentaram. Mesmo os mais conservadores abandonaram quase por completo os cnones e outros processos antigos de composio. A missa de imitao foi substituindo a tcnica antiga de um nico cantus firmus. As melodias de cantocho continuavam a ser utilizadas como temas de missas e motetes, mas eram tratadas de uma maneira mais livre. Tanto as missas como os motetes comearam a ser escritos para 5 ou 6 vozes. Nicolas Gombert (+1556) foi membro da capela do imperador Carlos V e a sua obra representa o estilo do motete do Norte da Europa de 1520 a 1550, que basicamente uma srie contnua de frases imitativas interligadas por cadncias. Esta estrutura s interrompida por uma nica e breve seco contrastante em

  • compasso ternrio e harmonia de fauxbourdon. A textura quase sempre suave e uniformemente densa, sem muitas pausas e com as dissonncias cuidadosamente preparadas e resolvidas. Jacobus Clemens (+1556) conhecido por Clemens non Papa, foi outro compositor cujos motetes so semelhantes ao estilo de Gombert, embora as frases sejam mais claras e demarcadas umas das outras, os motivos meldicos mais cuidadosamente delineados de acordo com o sentido das palavras e mais atento definio modal atravs das cadncias e da linha meldica. Adrian Willaert (+1562) est bem longe do conservadorismo de Gombert e Clemens. Foi um pioneiro na criao de uma relao mais estreita entre texto e msica e participou em experincias nos domnios do ritmo e do cromaticismo. Nas suas composies sacras, que constituem o grosso da sua obra, o texto determina a forma musical em todas as suas dimenses. Foi um dos primeiros a exigir que as slabas fossem rigorosamente impressas debaixo das notas correspondentes, dando ateno acentuao do latim vulgar. Afirmao de Estilos Nacionais

    Itlia Gradualmente, ao longo do sculo XVI os vrios idiomas nacionais foram ganhando relevo e acabaram por introduzir modificaes no estilo dominante. Foi na Itlia que o processo foi mais relevante. A passagem da msica estrangeira musica nacional claramente ilustrada por Adrian Willaert, nomeado director de S. Marcos em Veneza por volta de 1515, e os seus discpulos Andrea e Giovanni Gabrieli. Num espao de menos de um sculo a Itlia suplantara a Frana, a Flandres e os Pases Baixos como centro da vida musical europeia. Em todos os pases europeus a dependncia musical em relao Flandres e Holanda no incio do sculo XVI foi substituda por uma dependncia relativamente a Itlia no incio do sculo XVII. A frottola foi um gnero que floresceu no final do sculo XV e incio do sculo XVI. Eram canes estrficas, em estilo silbico e a 4 vozes, com uma

  • estrutura rtmica bem marcada, com harmonias simples diatnicas e um estilo claramente homofnico, com a melodia na voz mais aguda. A forma habitual de interpretao consistia numa voz com acompanhamento instrumental. Frana O francs foi sempre a lngua da chanson, e esta desenvolveu-se no sculo XVI num estilo mais marcadamente nacional, nos poemas e na msica. Estas eram canes ligeiras, rpidas, bem ritmadas, maioritariamente em compasso binrio, embora com uma ou outra passagem em ternrio, com a melodia na voz mais aguda e com alguns trechos de imitao, com uma estrutura bsica aabc ou abca. Chanson Franco-Flamenga As chansons de Gombert e Clemens non Papa eram mais contrapontsticas do que as de Paris, com uma textura mais densa, linhas meldicas mais melismticas e ritmo menos marcado. Estes prolongaram a antiga tradio da chanson francesa de estilo mais homofnico. Alemanha A polifonia desenvolveu-se mais tarde do que nos pases da Europa Ocidental, tendo a arte monofnica dos Minnesinger florescido nas cortes cortess no sculo XIV e XV. S a partir de 1530 que os compositores franco-flamengos comearam a ser ouvidos na Alemanha. O Lied polifnico uma cano que conjugava o material meldico alemo com o mtodo conservador de composio e uma tcnica contrapontstica derivada de tradio franco-flamenga. Espanha

    No final do sculo XV, ao mesmo tempo que as obras dos compositores borgonheses e franco-flamengos eram conhecidas, desenvolveu-se uma escola nacional de composio polifnica que, tal como na Alemanha, incorporou alguns elementos de origem popular e resistiu s influncias estrangeiras.

  • O gnero mais importante da polifonia profana era o villancio que pode ser considerado o equivalente espanhol da frottola italiana. Eram breves canes estrficas com estrutura aBccaB, tinham a melodia principal na voz, acompanhada por 2 ou 3 instrumentos. Os villancios foram compilados em cancioneiros. Cristbal de Morales foi o compositor espanhol mais eminente do sculo XVI, cuja fama se estendeu a Itlia. A partir de meados do sculo XVI a tradio tcnica franco-flamenga foi sendo gradualmente incorporada num novo estilo de msica sacra e profana determinado por caractersticas nacionais. Europa de Leste O cantocho ocidental foi uma base comum relativamente msica da igreja catlica. Em toda esta zona os elementos de origem estrangeira combinaram-se com as tradies populares locais. Inglaterra A maior parte da msica polifnica inglesa msica sacra, principalmente missas, magnificats e antfonas. Muitas destas obras revelam uma preferencia por uma sonoridade mais plena, a 5 ou 6 vozes, por oposio textura imitativa a 4 vozes. Uma particularidade inglesa que persistiu ao longo de todo o sculo XVI foi a escrita de longas passagens melismticas sobre uma nica slaba do texto, como uma vocalizao livre, muitas vezes no final dos motetes. A igreja inglesa separou-se definitivamente da igreja catlica de Roma em 1532. O ingls foi assim substituindo o latim gradualmente nos servios religiosos. Em 1548 foi ordenado que se devia cantar apenas em ingls, o que teve implicaes na msica. Desenvolveu-se ento um estilo simples, silbico e honofnico, contrastando drasticamente com o estilo da 1 metade do sculo, ornamentado, denso e melismtico.

  • O Madrigal Foi o gnero mais importante dentro da msical profana italiana do sculo XVI. Atravs dele Itlia foi pela 1 vez na histria o centro musical na Europa. O madrigal do sculo XVI era um termo genrico para uma composio desenvolvida sobre um poema breve, com estrofes de esquema rimtico livre, com um nmero reduzido de slabas, sem refro, com repeties regulares das frases musicais textuais. O madrigal dava aos versos um tratamento muito mais livre, atravs de uma grande variedade de texturas, numa sequncia de partes, umas contrapontsticas outras homofnicas, cada qual baseada numa nica frase do texto. Acima de tudo, o compositor procurava igualar a seriedade, a nobreza e engenho do poema e transmitir as ideias e as paixes do texto. Muitos dos textos trabalhados foram de Petrarca. A maioria dos temas so de carcter sentimental ou ertico, com cenas e aluses inspiradas na poesia buclica e o texto terminava muitas vezes com um clmax epidramtico no ltimo verso ou par de versos. A partir de meados do sculo a produo se madrigais passou a ser normalmente em 5 vozes, embora houvesse 6 e at 10 vozes. O madrigal era uma pea de msica vocal de cmara, concebida para um cantor para cada voz, embora fosse possvel e vulgar dobrar as vozes com instrumentos ou mesmo substitu-las. Os madrigais eram tocados em todo o tipo de reunies sociais palacianas e tambm em peas de teatro. Carlo Gesualdo (+1613) representa o auge do cromatismo no madrigal italiano, e a sua fama de assassino sobreps-se de compositor por ter morto a mulher e o amante. O cromatismo no representou uma mera afeco com a antiguidade clssica, mas sim uma reaco profunda ao texto cujos temas eram muitas vezes o da dor e morte. No madrigal Io parto e non pi dissi!, Gesualdo combina o movimento meldico de meio-tom com as ambguas sucesses de acordes cujas fundamentais se situam distncia de 3. O compositor fragmenta os versos do poema, ainda que consiga um efeito de continuidade, evitando as cadncias convencionais.

  • Claudio Monteverdi (+1643) passou da escrita para conjunto vocal polifnico para os solos ou duetos com acompanhamento instrumental atravs do madrigal. Nos madrigais consegue uma combinao harmoniosa da escrita homofnica e contrapontstica nas diversas vozes, fidelidade ao texto, liberdade no recurso s harmonias e dissonncias expressivas. Muitos dos seus motivos musicais no so meldicos mas declamatrios, ao estilo do recitativo, e a textura afasta-se do modelo tradicional em que as vozes tm igual importncia, convertendo-as num dueto sobre um baixo de suporte harmnico. Os ornamentos dissonantes que eram apenas admitidos na improvisao so tambm incorporados na escrita. A Ascenso da Msica Instrumental no Sculo XIV

    Embora o perodo de 1450 a 1550 tenha sido mais ume era de polifonia vocal no que diz respeito msica escrita, esses mesmos 100 anos assistiram a um interesse pela msica instrumental da parte dos compositores e ao nascimento de estilos e formas de composio para instrumentos. Os instrumentos funcionavam a par das vozes na execuo de todo o tipo de msica polifnica durante a Idade Mdia. Boa parte da msica instrumental era tocada de memria ou improvisada. Outra evoluo positiva foi a dos estatuto dos instrumentistas que na Idade Mdia eram olhados com desprezo. Um sinal crescente deste interesse foi a publicao de livros, a partir de 1511, que descrevem instrumentos e do instrues de como os tocar. Estes livros eram escritos em vernculo e eram dirigidos aos executantes. Os principais problemas nesta poca eram no domnio da altura, temperamento e afinao dos instrumentos, assim como era dada grande importncia msica improvisada, especialmente improvisao de ornamentos sobre uma linha meldica. Instrumentos Os instrumentos eram construdos em sries ou famlia, de forma a obter-se um timbre uniforme, que vai de acordo com o ideal renascentistas de uma massa sonora homognea. Os principais instrumentos de sopro eram as flautas doces, transversais, chamarelas, cromornes, trompetes, cornetos e sacabuxas.

  • Na famlia de cordas ou instrumentos de arco, as violas tinham 6 cordas providas de trastes e estavam afinadas distncia de 4P, com uma 3 maior no centro. O alade foi o instrumento solista domstico mais popular no Renascimento e era construdo em vrios tamanhos. Este permitia tocar a harmonia, a melodia, ornamentos e at mesmo peas contrapontsticas e capaz de produzir uma variedade de efeitos. Era tocado como solista para acompanhar o canto e tambm em conjuntos. Os alaudistas usavam um tipo de notao especfica chamada tablatura, cujo princpio era o de mostrar em que ponto o dedo devia premir as cordas para produzir determinada nota. Havia rgos positivos, embora o rgo porttil medieval no tivesse sobrevivido alm do sculo XV. Os dois instrumentos de tecla eram a clavicrdia, com que o executante podia controlar o volume e vibrato, um instrumento fundamentalmente solistas para ser tocado em pequenas salas, e o cravo, de diferentes tamanhos, incapaz de produzir dinmicas, com uma sonoridade mais robusta do que a da clavicrdia, era tocado a solo ou em conjunto. Relao entre Msica Vocal e Instrumental No incio do sculo XVI a msica instrumental estava ainda muito ligada vocal. Os instrumentos eram usados para dobrar ou substituir as vozes. No ofcio o Magnificat era muitas vezes alternava o coro e o rgo. Tambm se escreviam como peas independentes algumas seces da missa como o Kyrie e o Gloria. Tambm se escreviam peas para rgo sobre cantus firmus litrgico ou n\ao litrgico. As composies derivadas dos modelos vocais eram transcries de madrigais, chansons ou motetes, decorados com grupetos, trilos, escalas e outros ornamentos. A arte da ornamentao meldica era aplicada na execuo vocal e instrumental e, na sua origem, era improvisada. Msica de Dana A dana em sociedade era uma actividade difundida e apreciada no Renascimento. Muita da msica instrumental eram peas de dana para alade, instrumentos de tecla ou conjuntos instrumentais e j no eram improvisadas

  • como na Idade Mdia. Foram publicadas colectneas por Petucci, Attaignant e outros editores. Estas peas tm geralmente uma estrutura rtmica bem marcada e regular e dividem-se em seces distintas. O contraponto escasso embora a melodia seja ornamentada e trabalhada. As danas agrupavam-se em trios ou pares, tendo estes grupos sido os precursores da suite de danas das pocas posteriores. Uma das combinaes preferidas era a de uma dana lenta em ritmo binrio, seguido de outra rpida em ternrio sobre a mesma melodia, fazendo uma variao dela. A msica de dana do sculo XVI comeou a afastar-se do seu propsito original dando origem a um nmero de peas estilizadas que conservavam os ritmos caractersticos e a configurao geral das danas. Na 2 metade do sculo foram publicadas em nmero crescente peas para alade e teclas. Algumas eram arranjos de melodias de uso popular, mas a maioria era escrita para festas das manses burguesas ou cortes aristocrticas. O ballet, florescido na Borgonha e Itlia, foi trazido para Frana no final do sculo XVI. Peas Improvisatrias Muitas particularidades da msica instrumental vm da improvisao, que comearam a ser designadas por escrito. O executante tinha 2 formas de improvisar: ornamentando uma melodia ou adicionando partes contrapontsticas a uma dada melodia. Na 2 metade do sculo a forma principal de msica de tecla em estilo improvisatrio era a toccatta. Sonata Este termo foi ocasionalmente usado a partir do sculo XV para designar peas instrumentais para solistas ou conjuntos. A sonata veneziana do fim do sculo XVI compunha-se de uma srie de seces baseadas no mesmo te