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24/11/13 História dos Francos (c. 591) | História Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa www.ricardocosta.com/traducoes/textos/historia-dos-francos-c-591 1/14 Selecione o idioma Pow ered by Tradutor História dos Francos (c. 591) Gregório de Tours (c. 540-594) Tradução: Josemar Machado (mailto:) (UFES (http://www.ufes.br/) ) Revisão: Edmar Checon de Freitas (mailto:[email protected]) (UFF (http://www.historia.uff.br/) ) Aqui começa o Primeiro Prefácio O culto das belas letras está em decadência e morre nas cidades da Gália. Enquanto as boas e as más ações se realizam, a barbárie dos povos se desencadeia, redobra o furor dos reis, as igrejas são atacadas pelos heréticos e protegidas pelos católicos, a fé do Cristo torna-se mais ardente entre muitos, mas indiferente entre outros, as igrejas enriquecem pelos devotos e são despojadas pelos infiéis, não podemos encontrar um único letrado bastante versado na arte da dialética para descrever tudo isso em prosa ou em versos métricos. Freqüentemente muitos se lamentam, dizendo: “Maldita a nossa época, pois o estudo das letras está morto entre nós, e não encontramos no povo ninguém capaz de relatar por escrito os acontecimentos presentes”. Assim, como eu não cessava de escutar essas reflexões e outras semelhantes, disse a mim mesmo que, para que a lembrança do passado se conservasse, ela devia chegar ao conhecimento dos homens que estão por vir, mesmo sob uma forma grosseira. Eu não posso calar os conflitos dos medíocres nem a vida daqueles que vivem honestamente. Eu fui, sobretudo, estimulado, porque freqüentemente escutei dizer em meu círculo, para minha surpresa, que poucos compreendem um retórico a filosofar, mas muitos um rústico a falar. Quanto ao cálculo dos anos, eu decidi tomar o começo do mundo por ponto de partida do Livro Primeiro, ao qual indiquei abaixo os capítulos. Começo (do quadro) dos capítulos do Livro Primeiro I. Adão e Eva II. Caim e Abel III. Enoch, o justo IV. O Dilúvio V. Chus, inventor da idolatria VI. Babilônia VII. Abraão e Ninus VIII. Isaac, Esaú, Jó e Jacó IX. José no Egito X. A travessia do Mar Vermelho XI. O povo no deserto e Josué XII. Cativeiro do povo de Israel e as gerações até Davi XIII. Salomão e a construção do Templo XIV. Divisão do Reino de Israel XV. Cativeiro da Babilônia XVI. Natividade do Cristo XVII. Os diversos reinos das nações XVIII. Em que época Lyon foi fundada XIX. Presentes dos magos e morte dos bebês XX. Milagres e paixão do Cristo XXI. José que se esconde XXII. Tiago, o apóstolo XXIII. Dia da ressurreição do Senhor XXIV. Ascensão do Senhor e morte violenta de Pilatos e de Herodes XXV. Paixão dos apóstolos e Nero XXVI. Tiago, Marcos e João, o evangelista XXVII. Perseguição sob Trajano XXVIII. Adriano; invenções dos heréticos; paixão de São Policarpo e de Justiniano XXIX. São Potino, Irene e os outros mártires de lyoneses XXX. Dos sete homens que foram enviados à Gália para pregar XXXI. A Igreja de Bourges XXXII. Crocus e o templo de Auvergne XXXIII. Os mártires que foram supliciados em Auvergne XXXIV. São Privado, mártir XXXV. Cerin, bispo e mártir 1

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Selecione o idioma Pow ered by Tradutor

História dos Francos (c. 591)Gregório de Tours (c. 540-594)

Tradução: Josemar Machado (mailto:) (UFES (http://www.ufes.br/) )Revisão: Edmar Checon de Freitas (mailto:[email protected]) (UFF (http://www.historia.uff.br/) )

Aqui começa o Primeiro Prefácio

O culto das belas letras está em decadência e morre nas cidades da Gália. Enquanto as boas e as másações se realizam, a barbárie dos povos se desencadeia, redobra o furor dos reis, as igrejas são atacadaspelos heréticos e protegidas pelos católicos, a fé do Cristo torna-se mais ardente entre muitos, masindiferente entre outros, as igrejas enriquecem pelos devotos e são despojadas pelos infiéis, nãopodemos encontrar um único letrado bastante versado na arte da dialética para descrever tudo issoem prosa ou em versos métricos.

Freqüentemente muitos se lamentam, dizendo: “Maldita a nossa época, pois o estudo das letras estámorto entre nós, e não encontramos no povo ninguém capaz de relatar por escrito osacontecimentos presentes”. Assim, como eu não cessava de escutar essas reflexões e outrassemelhantes, disse a mim mesmo que, para que a lembrança do passado se conservasse, ela deviachegar ao conhecimento dos homens que estão por vir, mesmo sob uma forma grosseira. Eu nãoposso calar os conflitos dos medíocres nem a vida daqueles que vivem honestamente. Eu fui,sobretudo, estimulado, porque freqüentemente escutei dizer em meu círculo, para minha surpresa,que poucos compreendem um retórico a filosofar, mas muitos um rústico a falar. Quanto ao cálculodos anos, eu decidi tomar o começo do mundo por ponto de partida do Livro Primeiro, ao qualindiquei abaixo os capítulos.

Começo (do quadro) dos capítulos do Li vro Pri mei ro

I. Adão e EvaII. Caim e AbelIII. Enoch, o justoIV. O DilúvioV. Chus, inventor da idolatriaVI. BabilôniaVII. Abraão e NinusVIII. Isaac, Esaú, Jó e JacóIX. José no EgitoX. A travessia do Mar VermelhoXI. O povo no deserto e JosuéXII. Cativeiro do povo de Israel e as gerações até DaviXIII. Salomão e a construção do TemploXIV. Divisão do Reino de IsraelXV. Cativeiro da BabilôniaXVI. Natividade do CristoXVII. Os diversos reinos das naçõesXVIII. Em que época Lyon foi fundadaXIX. Presentes dos magos e morte dos bebêsXX. Milagres e paixão do CristoXXI. José que se escondeXXII. Tiago, o apóstoloXXIII. Dia da ressurreição do SenhorXXIV. Ascensão do Senhor e morte violenta de Pilatos e de HerodesXXV. Paixão dos apóstolos e NeroXXVI. Tiago, Marcos e João, o evangelistaXXVII. Perseguição sob TrajanoXXVIII. Adriano; invenções dos heréticos; paixão de São Policarpo e de JustinianoXXIX. São Potino, Irene e os outros mártires de lyonesesXXX. Dos sete homens que foram enviados à Gália para pregarXXXI. A Igreja de BourgesXXXII. Crocus e o templo de AuvergneXXXIII. Os mártires que foram supliciados em AuvergneXXXIV. São Privado, mártirXXXV. Cerin, bispo e mártir

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XXXVI. Natividade de São Martinho e invenção da cruzXXXVII. Jacques, bispo de NisibisXXXVIII. Morte de Antônio mongeXXXIX. Vinda de São MartinhoXL. A matrona MelanieXLI. Morte violenta do imperador ValenteXLII. Reino de TeodoroXLIII. Morte violenta do tirano MáximoXLIV. Urbicus, bispo de AuvergneXLV. São Hilídius, bispoXLVI. Os bispos Nepotiano e ArtemiusXLVII. Castidade de (dois) amantesXLVIII. Morte de São Martinho

Fim do quadro dos capítulos do Livro I.

Em nome do Cristo, começo do Li vro Pri mei ro das Hi stóri as

Antes de descrever as lutas dos reis com as nações adversárias, dos mártires com os pagãos, das igrejascom os heréticos, eu desejo confessar minha fé, para que aquele que me leia não duvide que soucatólico. Eu quis também, para aqueles que se desesperam com a aproximação do fim do mundo,indicar claramente o número de anos que escorre desde o começo do mundo, recolhendo nascrônicas e histórias um resumo dos fatos passados. Mas antes, eu suplico aos leitores que medesculpem se nas cartas e nas sílabas me acontece de transgredir as regras da arte da gramática, poisnão as possuo plenamente.

Meu único cuidado é reter sem nenhuma alteração nem hesitação do coração aquilo que nos ordenaacreditar na Igreja, pois sei que aquele que se tornou culpado de pecados pode obter o perdão de Deuspela pureza de sua fé.

Assim, eu acredito em Deus Pai Todo-Poderoso. Eu acredito em Jesus Cristo, seu filho único, NossoSenhor nascido do Pai, que não foi engendrado, que sempre existiu com o Pai, não no tempo, masantes do tempo, pois o Pai não poderia ser assim designado se ele não tivesse tido um Filho e estetambém não seria um filho se ele não tivesse um Pai. Quanto àqueles que dizem: “Foi um tempo ondenão existia ainda”, eu os renego com execração e declaro que eles estão excluídos da Igreja. Euacredito que o Cristo é o Verbo do Pai por quem todas as coisas foram criadas. Eu acredito que esseVerbo foi feito carne, que o mundo foi redimido por sua Paixão e acredito que foi Sua humanidade enão Sua divindade quem sofreu a Paixão. Eu acredito que Ele ressuscitou no terceiro dia, que libertouo homem que estava perdido, que subiu aos céus, que está sentado à direita do Pai e voltará e julgaráos vivos e os mortos.

Eu acredito que o Espírito Santo procedeu do Pai e do Filho, que não lhes é inferior, que não éverdade que não tenha existido antes, mas que é igual a ambos, e que, sempre coeterno com o Pai e oFilho, é Deus, estando consubstancial em natureza com eles, igual a eles por sua todo-poderosa,sempiterna como eles em sua essência, que não foi jamais sem o Pai nem o Filho e que não é inferiornem ao Pai nem ao Filho. Eu acredito que essa Trindade Santa subsiste com Suas Pessoas distintas,que uma é a Pessoa do Pai, outra do Filho e outra do Espírito Santo. Eu confesso que nessa Trindadehá apenas uma única Divindade, uma única Potência, uma única Essência. Eu acredito que a bem-aventurada Maria permaneceu virgem após sua concepção como ela o era antes, e acredito fielmenteem tudo o que foi instituído em Nicéia por 318 bispos.

Quanto ao fim do mundo, eu penso como aprendi dos antigos que antes virá o Anticristo. Pois oAnticristo instituirá antes a circuncisão pretendendo ser o Cristo, pois ele colocará no templo deJerusalém sua estátua para que o adoremos como o Senhor o disse. Nós leremos: “Vós vereis aabominação da desolação se instalar no lugar santo”. Mas esse dia permanece ignorado de todos oshomens. O Senhor mesmo declara, quando diz: “Ninguém sabe nada desse dia, nem dessa hora, nemmesmo os anjos dos céus, nem o Filho, salvo somente o Pai”. Sobre isso nós responderemos aosheréticos que nos atacam, pretendendo que o Filho é inferior ao Pai, pois Ele ignora esse dia. Que elessaibam, pois, que essa palavra Filho designa o povo cristão de quem Deus profetizou: “Eu serei paraeles um pai, e eles serão para mim filhos”. Se a predição fosse aplicada ao Filho único, jamais Deusteria colocado os anjos antes Dele. Ele disse, com efeito: “Nem os anjos dos céus, nem o Filho, paramostrar que ele não falava do Filho único, mas do povo adotivo”. Nosso fim é o Cristo, ele mesmo, quenos dará a vida eterna com uma larga bem-aventurança, se nos convertermos a Ele.

Quanto à cronologia desse mundo, as Crônicas de Eusébio, bispo de Cesaréia, e de padre Jerônimo,expõem claramente, apresentando um cálculo de toda a série dos anos. Por sua vez, Horósio, que fezpesquisas muito diligentes, reuniu em um volume a cronologia completa, desde o começo do mundoaté o seu tempo. Victorius , também fez a mesma coisa, assim como uma pesquisa sobre a data das

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solenidades da Páscoa. Seguindo os exemplos dos escritores pré-citados, nós nos propomos, se oSenhor condescender-nos e nos prestar Seu socorro, de calcular todo o conjunto dos anos, desde acriação do primeiro homem até o nosso tempo. Assim, nós chegaremos mais facilmente secomeçarmos pelo próprio Adão.

I. No começo, o Senhor formou o céu e a terra em seu Cristo, que é o princípio de todas as coisas, istoé, em Seu Filho, e, após a criação de todos os elementos do mundo inteiro, Aquele, pegando umaporção frágil de limo, fabricou um homem à Sua imagem e à Sua semelhança e soprou o sopro de vidasobre a face desse homem que se tornou assim uma alma vivente. Enquanto ele dormia, uma costelalhe foi retirada, uma mulher. Eva foi criada. Não é duvidoso que esse primeiro homem, Adão,prefigurou antes de pecar o Senhor redentor. O próprio Senhor, quando dormiu durante a Paixão, ede seu lado corria água e sangue, simbolizou a Igreja virgem e imaculada, redimida pelo sangue epurificada pela água, essa Igreja, que não tem mais esforço nem ferrugem, porque por seu esforço elafoi lavada nas águas por causa da ferrugem estendida sobre a cruz.

Pois, esses primeiros homens, que viveram felizes no meio das graças do Paraíso, seduzidos por umaastúcia de serpente, transgrediram os preceitos divinos e, expulsos de sua morada angelical, foramentregues aos sofrimentos do mundo.

II. Tendo conhecido seu companheiro, a mulher concebeu e deu a luz a dois filhos. Mas enquantoDeus acolheu favoravelmente o sacrifício de um dos dois, o outro se encheu de um ciúme ardente e,primeiro parricida, se dirigiu para retomar o sangue fraternal; ele atacou seu irmão, bateu-lhe, matou-lhe.

III. Desde então, a raça inteira está violentada para uma criminalidade execrável, à exceção de Enoch,o justo, que, andando nas vias de Deus, foi adotado por causa de sua honestidade pelo próprio Senhor,que o arrancou do meio do povo pecador. Nós lemos, com efeito, isto: “Enoch foi com Deus edesapareceu porque Deus o levou.”

IV. O Senhor, irritado com as iniqüidades do povo que não andava sob seus traços, provocou o dilúvioe destruiu todos os seres vivos da superfície da Terra que inundou esse dilúvio. Só Noé, que lhe eramuito fielmente ligado, e que representava um exemplar de seu modelo divino, foi salvo numa arcacom sua própria mulher e aqueles seus três filhos para que sua posteridade fosse continuada.

Aqui os heréticos nos criticam, nos perguntando por que a Escritura Santa disse que Deus se colocouem cólera. Que eles saibam, pois, que nosso Deus não se coloca em cólera como um homem. Ele ficadescontente para nos amedrontar, nos persegue para nos chamar à ordem, se coloca em cólera paranos corrigir. Mas eu não hesito em pensar que esta espécie de arca simbolizava a mãe Igreja. Elatambém, com efeito, vagava no meio das torrentes e dos rochedos deste século, nos acolhendo em seuseio maternal, seu piedoso abraço e sua proteção nos defendem contra os males que nos ameaçam.

De Adão até Noé nós contamos dez gerações: Adão, Set, Enos, Cainã, Malaleel, Jared, Enoch,Matusalém, Lamech, Noé. Durante essas dez gerações, 2.242 anos escorreram. Adão foi enterrado naterra dos Enacim, que foi antes nomeada Hebron, como indica claramente o Livro de Josué.

V. Noé tinha antes do Dilúvio três filhos: Sem, Cham e Jafé. Povos saíram de Jafé assim como deCham e de Sem e, como conta a história antiga, é por eles que o gênero humano se disseminou sobtodos os céus. O filho primogênito de Cham foi Chus. Este foi o primeiro inventor da arte da magia eda idolatria que lhe ensinou o diabo. Primeiro ele elevou, à instigação do diabo, um ídolo destinado aser adorado; ele mostrou também aos homens um pretendido milagre das estrelas e do fogo caindo docéu. Ele retornou junto aos persas e os persas o denominaram Zoroastro, isto é, a estrela viva.Preparados assim por ele para adorar o fogo, estes o adoram mesmo como um deus que um fogodivino teria consumido.

VI. Como os homens se multiplicando se dispersaram por toda a terra, eles descobriram ao sair doOriente a planície verdejante de Sennaar, onde, edificando uma cidade, eles tentaram construir umatorre para tocar os céus. Mas Deus os confundiu, por sua vez, em sua vã pretensão e, em sua língua,dispersando o mundo sobre uma vasta extensão através de toda a terra, e o nome que se chamava acidade era Babel, isto é, confusão, porque Deus aí teria confundido suas línguas. Babilônia foiedificada por Nemrod, o gigante, filho de Chus. Ela estava disposta, como conta a História de Orósio,em forma de quadrados, em uma planície admirável.

Suas muralhas, de pedra argilosa e de barro cozido, revestidas de betume, tinham cinqüenta cúbitosde largura, duzentos cúbitos de altura e 470 estádios de torno. Um estádio mede cinco arependis,havia vinte e cinco portas de cada lado, o que perfazia (um total de) cem portas. Os batentes dessasportas, de uma grandeza extraordinária, eram de bronze fundido. O mesmo historiógrafo conta bemoutras coisas sobre essa cidade e acrescenta: “Apesar dessa magnificência de edifício, ele foi arruinadoe demolido”.

VII. O filho primogênito de Noé foi Sem. Abraão é seu descendente na décima geração. Essas

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gerações são: Noé, Sem, Arphaxad, Salé, Héber, Falech, Rheu, Saruc, Tharé, que engendrou Abraão.Durante essas dez gerações, a saber, de Noé até Abraão, se conta 942 anos. Nesse tempo reinavaNinus, que edificou a cidade de Ninus, que se chama Nínive. O profeta Jonas avaliou o comprimentode seu perímetro em três jornadas de marcha. Foi no quadragésimo-terceiro ano de seu reinado quenasceu Abraão. Esse Abraão é o princípio de nossa fé. Ele recebeu as promessas.

O Cristo Nosso Senhor lhe revelou que nasceria e sofreria por nós operando uma mudança de vítima;ele próprio disse assim nos Evangelhos: “Abraão sobressaltou-se por ver meu dia; ele o viu, ele serejubilou” . Esse holocausto foi oferecido sob o monte Calvário, onde o senhor foi crucificado, contaSulpício Severo em sua Crônica, e ainda a opinião corrente, na própria cidade de Jerusalém. Sob essemonte se estabeleceu a cruz santa, a qual o Redentor foi pregado e da qual seu sangue bem-aventurado correu.

Esse Abraão recebeu o sinal da circuncisão para mostrar que o que ele operou em seu corpo nósdevemos suportar em nosso coração, como disse o profeta: “Circuncisai-vos para vosso Deus, ecircuncidais o prepúcio de vosso coração, e não seguireis os deuses estrangeiros”. Depois, ainda:“Todos aqueles que não tiverem o coração circuncidado não entrarão em meu santuário”. Deusdenominou Abraão o pai de numerosas nações após ter juntado uma sílaba a seu nome.

VIII. Quando esse último fez cem anos, engendrou Isaac. Depois, Isaac teve em sexagésimo ano doisfilhos gêmeos de Rebeca. O primeiro foi Esaú ou Edom, isto é, o Camponês, que por glutonariavendeu sua primogenitura. É o pai dos idumeus, dos quais saiu Jobab na quarta geração. Ele teve Esaú,Raguel, Zara, Jobab ou Jó. Esse último viveu 249 anos; ele estava no seu octogésimo-nono ano quandoele foi libertado de sua enfermidade. Após sua cura ele viveu 170 anos, todos os seus bens lhe foramrestituídos em dobro e teve a alegria de ter tantos filhos quantos tinha perdido.

IX . O segundo foi Jacó. Jacó, o preferido de Deus, como ele disse pela boca do profeta: “Eu amei Jacó,mas odiei Esaú”. Depois de sua luta com o anjo, Jacó foi chamado Israel, e dele saíram os israelitas. Eleengendrou doze patriarcas: Rubens, Simão, Levi, Judá, Issachar, Zabulon, Dan, Naphatali, Gad, Asser.Depois eles engendraram José de Rachel quando ele estava no nonagésimo segundo ano de sua idade.Ele amou este último mais que seus outros filhos. Ele teve ainda dela Benjamin, o último de todos.Quando José tinha a idade de dezesseis anos, ele, que prefigurava o Redentor, teve sonhos que relatoua seus irmãos: parecia-lhe que ligava feixes de trigo e que seus irmãos adoravam o seu, e outra vez queo Sol e a Lua, assim como onze estrelas, avançavam diante dele. Essa coisa provocou junto a seusirmãos um grande ódio contra ele. Inflamados de ciúme, eles o venderam por trinta peças de prata aosismaelitas, que iam ao Egito.

Na iminência de uma fome, no momento em que eles desciam ao Egito, eles foram reconhecidos porJosé, mas eles não reconheceram José. Finalmente, ele se fez conhecer a eles depois de tê-lossubmetido a numerosas provas, e quando trouxeram Benjamin, pois este último também nascera deRachel, sua mãe. Depois desses acontecimentos, todos os israelitas desceram ao Egito, e porintermédio de José gozaram do favor do faraó. Quanto a Jacó, depois de ter abençoado seus filhos,morreu no Egito e foi enterrado por José no sepulcro de seu pai na terra de Canaã. Após a morte deJosé e do faraó, toda a raça foi reduzida à servidão. Ela foi libertada por Moisés depois das dez pragasdo Egito, quando o faraó desapareceu no Mar Vermelho.

X . Como muitos falaram dessa travessia do mar, pareceu-me que devia inserir neste resumo algunsdetalhes sobre o sítio deste reino e sobre a própria travessia. O Nilo corre através do Egito como vós osabeis perfeitamente, e ele o irriga no seu curso, e é por isso que os egípcios são chamados tambémhabitantes do Nilo. Numerosos visitantes desses lugares dizem que suas margens são agora cheias demonastérios sagrados. Sobre a margem desse rio está situada não a Babilônia que nós evocamosacima, mas a cidade de Babilônia, na qual José edificou, com uma arte admirável, silos em pedras decantaria e em pedra não-talhada. Eles são muitos largos na base, mas estreitos no topo, de sorte que otrigo aí é introduzido por uma pequena abertura. Esses silos se vêem ainda hoje.

Foi desta cidade que o rei se dirigiu em perseguição aos hebreus com exércitos de carros e umanumerosa tropa a pé. O rio dito acima, que vem do Oriente, vai à direção do Ocidente para o marVermelho; mas à Ocidente, se destaca um lago ou um braço do Mar Vermelho. Ele corre em face deoeste em torno de cinqüenta milhas de comprimento e dezoito de largura. Na extremidade destelago, a cidade de Clysma foi edificada não por causa da fertilidade do lugar, pois ele não é dos maisestéreis, mas pela comodidade de seu porto, aonde os navios que vinham da Índia aí paravam e deonde as mercadorias compradas são encaminhadas através de todo o Egito.

Os hebreus, que através do deserto se dirigiam em direção ao lago, chegavam até o dito mar e aídescobriram a água doce, eles aí acamparam. É nesse lugar, que está limitado por sua vez pelo desertoe o mar, que eles pararam como está escrito: “Faraó, sabendo que o mar e o deserto os tinham cercadoe que eles não tinham solução para poder avançar, marchou em sua perseguição”. À aproximação dosegípcios, Moisés, que o povo tinha aclamado, jogou, sob a ordem da divindade, uma vara sob o mar,

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que se dividiu, e eles marcharam no seco e, protegidos de todos os lados, como disse a Escritura, poruma muralha de água chegaram direito, são e salvos, até a margem que está ao pé do monte Sinai, soba condução de Moisés, enquanto os egípcios se afogaram.

Contou-se muitas coisas sobre essa travessia, como eu disse, mas nós nos reservamos a não reproduzirnesta página apenas os fatos que nós obtivemos de pessoas competentes e de uma maneira certa dehomens que foram àqueles lugares. Eles contam também que os sulcos que foram feitos pelas rodasdos carros permanecerem até os nossos dias e que são discerníveis no fundo da água tanto quanto oolhar aí possa penetrar. A agitação do mar os esconde um pouco; mas logo que ele se acalma elesreaparecem de novo miraculosamente tais como eles eram.

Outros dizem que depois de terem feito um pequeno circuito através do mar, os hebreus teriamvoltado à mesma margem de onde tinham partido. Outros ainda afirmam que a entrada no mar foi amesma para todos, mas no dizer de alguns, cada tribo viu se abrir sua via própria; eles interpretaramabusivamente o testemunho dos Salmos: “Ele dividiu o Mar Vermelho em sendas”. Nós precisamosinterpretar estas sendas num sentido espiritual e não ao pé da letra. Há, com efeito, neste século, quechamou ao figurado um mar, muitas “sendas”. Todos os homens não podem uniformemente, nemseguindo o mesmo caminho, chegar à vida eterna.

Uns, com efeito, a alcançam na primeira hora; são aqueles, que, nascidos de novo pelo batismo,podem perseverar sem ser maculados por todos os pecados da carne até o fim da vida presente. Outrosa alcançaram na terceira hora; são aqueles que, em sua maioria, se converteram; outros à sexta; sãoaqueles que reprimem os ardores da luxúria. É, pois, a essas diferentes horas, como expôs oevangelista, que eles são conduzidos à obra da vinha do Senhor segundo sua fé pessoal. Tais são assendas pelas quais se atravessa esse mar.

Quanto à assertiva segunda a qual os hebreus chegados até o mar e teriam retornado para ocupar amargem do lago, é uma alusão ao que o Senhor disse a Moisés: “No seu retorno, que eles acampem naregião de Phiairoth, que é entre Magdal e o mar frente a Beelsephon”. Não é duvidoso que essapassagem do mar e a coluna de nuvens simbolizam nosso batismo, assim como disse o bem-aventurado apóstolo Paulo: “Eu não quero vos deixar ignorar, irmãos, que nossos pais foram todos sobuma nuvem que todos foram batizados sob a condução de Moisés no meio da nuvem e do mar”.Quanto à coluna de fogo, ela prefigurou o santo espírito. Da natividade de Abraão até a saída do Egitodos filhos de Israel e a passagem do Mar Vermelho, que teve lugar no octogésimo ano de Moisés,conta-se um número de quatrocentos e sessenta de dois anos.

X I. Em seguida, durante quarenta anos, os israelitas habitaram o deserto. Eles foram instruídos nasleis e foram alimentados de alimentos angélicos. Em seguida, depois de ter recebido a lei eatravessado o Jordão com Josué, eles obtiveram a terra prometida.

X II. Após sua morte, enquanto eles desprezaram os preceitos divinos foram freqüentementesubmetidos ao jugo dos povos estrangeiros. Mas, convertendo-se, eles sofreram, e com o socorro deDeus eles foram libertados pelos braços dos homens fortes. Depois disso, eles pediram ao Senhor, porintermédio de Samuel, um rei como as outras nações; eles receberam primeiro Saul, depois David.Assim, de Abraão até David houve quatorze gerações: Abraão, Isaac, Jacó, Judá, Pharis, Esdrom, Aram,Aminadab, Naasson, Salma, Booz, Obeth, Jessé, David; Davi engendrou, por sua vez, de Betsabé aSalomão. Este último foi elevado ao trono pelo profeta Nathan, por seu irmão e por sua mãe.

X III. Depois da morte de David, quando seu filho começou a reinar, o Senhor lhe apareceu eprometeu-lhe concordar com o que ele pedisse. Mas ele, desdenhando as riquezas terrestres, pediu, depreferência, a sabedoria. Isto agradou ao Senhor assim que o escutou: “Você não buscou os reinos domundo, nem suas riquezas, mas você buscou a sabedoria; recebei-a, pois. Antes de você não houveninguém que fosse tão sábio e após você não haverá.” É o que se provou em seguida no julgamentoque ele pronunciou em um litígio entre duas mulheres a respeito de uma criança. Salomão edificouum templo admirável ao Senhor; empregou muito ouro e prata, bronze e ferro, de sorte que algunsdiziam que jamais semelhante edifício tinha sido construído no mundo.

Da saída do Egito dos filhos de Israel até a construção do templo, que teve lugar durante o sétimo anodo reino de Salomão, contam-se quatrocentos e oitenta anos do testemunho da história dos reis.

X IIII. Depois da morte de Salomão o reino foi dividido em duas partes por causa da duração deRoboão. Duas tribos ficaram com Roboão; chamavam-nas Judá. A Jeroboão adveio dez tribos queforam denominadas Israel. Depois disso, eles (os judeus) caíram na idolatria e nem as prédicas dosprofetas, nem seus próprios males, nem os desastres da pátria, nem a queda de seus reis, os corrigiram.

X V. Finalmente o Senhor, irritado, incitou contra eles Nabucodonosor, que os levou em cativeiro àBabilônia com tudo o que decorava o templo. Durante esse cativeiro, Daniel, profeta eminente, que,cercado de leões famintos, não tinha sofrido nenhum ferimento, e três crianças, que tinham escapadodo meio das chamas vivas, partiram cativas. Foi também durante esse cativeiro que Ezequiel

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profetizou e nasceu o profeta Esdras.

Desde David até a destruição do templo e o cativeiro da Babilônia, houve catorze gerações: David,Salomão, Roboão, Abia, Asa, Josafá, Joram, Ozias, Joatham, Achaz, Ezequiel, Manassés, Amon e Josias.Durante essas catorze gerações conta-se um número de trezentos e noventa anos . E eles (os judeus)foram libertos desse cativeiro por Zorobabel, que restaurou, em seguida, o templo e a cidade. Essecativeiro é, eu o penso, o símbolo do cativeiro na qual é conduzida a alma pecadora e onde ela seráhorrivelmente exilada, se Zorobabel, isto é, o Cristo, não libertá-la.

O próprio Senhor, com efeito, disse no Evangelho: “Quando o Filho vos tiver libertado, vós sereislivres.” Que se preparem então em nós um templo onde ele condescenderá habitar, um templo onde afé luzirá como ouro, onde a eloqüência da predicação resplandecerá como a prata, onde todos osornamentos desse templo visível brilham graças à pureza de nossos sentimentos. Que à nossa boa-vontade ele condescenda consentir um efeito salutar, pois “se não é ele que terá edificado a morada, éem vão que trabalharão aqueles que a quiseram edificar”. Diz-se que esse cativeiro durou setenta anos.

X VI. Tendo retornado graças a Zorobabel, como nós o dissemos, logo eles murmuraram contra Deus,logo eles se jogaram aos pés dos ídolos e imitaram as abominações que praticavam os gentios. Pois,enquanto desprezavam os profetas de Deus, eles foram entregues aos gentios, colocados sob o jugo,massacrados até que o próprio Senhor, prometido pela voz dos patriarcas e dos profetas, desceu noseio da Virgem Maria por intermédio do Espírito Santo, condescendendo nascer para a redençãotanto desta nação quanto de todas as nações.

Desde a transmigração até a natividade do Cristo, houve catorze gerações: Jechonias, Salathiel,Zorobabel, Abiúde, Eliacim, Azor, Sadoc, Joachim, Eliud, Eleazarde, Mathan, Jacó, José, esposo deMaria, de quem Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu, e da qual José conta como a décima quarta.

X VII. Para não ter o ar de conhecer que existe somente o povo hebreu, lembremos os outros reinos eem que tempo da história dos israelitas eles existiram: no tempo de Abraão, Ninus reinava sobre osassírios, Europa sobre Sycione ; em relação aos egípcios, era o décimo sexto governo que em sualíngua eles chamavam dinastia. No tempo de Moisés, junto aos Argians, reinava Tropas, seu sétimorei; na Ática, Cécrops, o primeiro rei ; junto aos egípcios Cencris, o décimo segundo, aquele que foiafogado no Mar Vermelho; junto aos assírios, Agatad, o décimo sexto; junto aos Sicionianos, Marate.

No tempo de Salomão, quando ele reinava sobre Israel, entre os latinos reinava o quinto rei, Sylvios;entre os lacedemônios, Festus; em Corinto, o segundo rei, Óxion; entre os egípcios, os tebanosreinavam desde 126; entre os assírios reinava Eutrope; entre os atenienses, o décimo rei, Agasate.

No tempo em que Amon reinava sobre Judá, quando o povo partiu em cativeiro para a Babilônia,Argeu reinava sobre os macedônios, Gygès sobre os lídios, Vafrés sobre os egípcios; na Babilônia eraNabucodonosor, que os trouxera em cativeiro, entre os romanos, o sexto rei, Servius.

X VIII. Depois desses personagens, Júlio César foi o primeiro imperador que obteve o podermonárquico sobre todo o império. O segundo foi Otávio, sobrinho de Júlio César, que chamamosAugusto. É dele que o mês de agosto tirou seu nome. É durante o décimo nono ano de seu reino queLyon foi fundada nas Gálias, como nós descobrimos de uma maneira muito certa. Essa cidade foi emseguida ilustrada e muito belamente qualificada com o sangue dos mártires.

X IX . No quadragésimo terceiro ano do reino de Augusto, Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu pelacarne, como nós o dissemos, da Virgem Maria em Belém, fortaleza de David. Vendo do lado doOriente uma grande estrela, magos vieram com presentes e modestamente adoraram a criança,oferecendo seus presentes. Herodes, ciumento de sua realeza e se esforçando para perseguir o CristoDeus, colocou as crianças à morte. Ele próprio também foi atingido em seguida pela justiça divina.

X X . Pois enquanto o Senhor nosso Deus, Jesus Cristo, pregava a penitência, distribuindo a graça dobatismo, prometendo o reino celeste a todas as nações, operando prodígios e milagres entre aspopulações, transformando água em vinho, fazendo desaparecer as febres, dando a luz aos cegos,devolvendo a vida aos homens enterrados, libertando os possuídos dos espíritos imundos, curando osleprosos que tinham vergonha de sua pele miserável, e, enquanto realizava ainda muitos outrosmilagres, mostrando às populações da maneira mais manifesta que ele era seu Deus, a cólera seacendeu entre os judeus, seu ciúme se desencadeou e seu espírito, alimentado do sangue dos profetas,trabalhou criminosamente preparando a morte do Justo.

Também para que fossem cumpridos os oráculos dos velhos profetas, ele foi traído por um discípulo,condenado pelos pontífices, ridicularizado pelos judeus, crucificado com criminosos e depois de terentregue a alma, guardado pelos soldados. Essas coisas acontecidas, as trevas se espalharam pelomundo inteiro e muitos que tinham se convertido gemendo confessaram-se a Jesus, filho de Deus.

X X I. Prendeu-se também José que, após o ter embalsamado, o tinha enterrado em seu própriosepulcro. José foi fechado em uma cela e guardado pelos príncipes dos próprios padres que tinham,

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como o relatam os atos de Pilatos endereçados ao imperador Tibério, mais de animosidade contra eleque contra o próprio Senhor. Ele também estava guardado pelos próprios padres enquanto que este ofoi por soldados. Mas quando o Senhor ressuscitou enquanto os guardas estavam alarmados por umavisão angélica e não se encontravam na tumba, as paredes da cela na qual José estava detidosuspenderam-se no ar durante a noite e ele foi libertado da prisão por um anjo que o descobriu, depoisos muros foram colocados no lugar. Como os pontífices culpavam os guardas eles reclamavam cominsistência o corpo santo, os soldados disseram-lhe: “Devolvei-vos vós mesmos José, nósdevolveremos o Cristo; mas, dizendo a verdade, vós não sois mais capazes de devolver o benfeitor deDeus que nós o filho de Deus”. Os tendo assim confundidos, os soldados foram liberados sob essadesculpa.

X X II. Relata-se que quando o apóstolo Tiago viu o Senhor já morto sobre a Cruz, teria atestado ejurado que não comeria pão até contemplar o Senhor ressuscitado. Também quando no terceiro dia oSenhor voltou após ter vencido triunfalmente o Tártaro, ele se mostrou a Tiago e disse: “LevantaiTiago, come, porque eu ressuscitei dentre os mortos”. Esse personagem Tiago, “O Justo” se chama o“irmão do Senhor” porque era filho de José, que o tinha engendrado de outra mulher.

X X III. Nós acreditamos que o domingo da ressurreição teve lugar no primeiro dia (da semana) e nãono sétimo, como muitos pensam. É o dia da ressureição do Nosso Senhor Jesus Cristo que nóschamamos precisamente domingo, por causa da santa ressurreição. Foi o primeiro dia que viu a luz nocomeço do mundo, e foi o primeiro que mereceu contemplar o Senhor ressuscitando da tumba.

Desde o cativeiro de Jerusalém e a destruição do Templo até a Paixão do Nosso Senhor Jesus Cristo,isto é, até o décimo sétimo ano de Tibério, conta-se 668 anos.

X X IV. O Senhor ressuscitado se entreteve durante quarenta dias com seus discípulos do reino deDeus. Diante seus olhares Ele foi levado numa nuvem e subiu aos céus onde está sentadogloriosamente à direita do Pai. Quanto a Pilatos, ele enviou seus atos a Tibério César e fez um resumotanto dos milagres do Cristo quanto de sua paixão e de sua ressurreição. Esses atos nos são hojeconservados. Disso fez Tibério um resumo aos senadores, mas o Senado os rejeitou com indignaçãoporque eles não lhe tinham sido endereçados em primeiro lugar. É daí que os primeiros germes doódio contra os cristãos se multiplicaram.

Entretanto, Pilatos não permaneceu impune por sua maldade criminosa, o assassinato que cometeucontra Nosso Senhor Jesus Cristo: ele se matou com as próprias mãos. Muitos acreditam que ele foimaniqueísta, baseando-se nessa frase que se lê no Evangelho: “Vários vieram dentre os galileus, paralhe anunciar que Pilatos tinha misturado seu sangue àquele de seus sacrifícios”. Da mesma maneira, orei Herodes, enraivecido contra os apóstolos do Senhor, foi atingido pela vontade divina por todos osseus crimes. Intumescido e cheio de vermes, ele pediu uma faca para curar seu mal e achou a liberdadegolpeando-se com sua própria mão.

X X V. O bem-aventurado apóstolo Pedro chegou a Roma sob o imperador Cláudio, o quarto desdeAugusto. Ali ele pregou e provou por numerosos milagres, da maneira mais evidente, que o Cristo é oFilho de Deus.

Foi desde essa época que começou a existir cristãos na cidade de Roma. Pois, como o nome do Cristose espalhava cada vez mais através das populações, o ciúme da antiga serpente se levantou contra Elee em todas as entranhas o imperador Nero, este debochado, vão e soberbo. Esse súcubo se entregavaaos homens ao mesmo tempo em que os desejava; ele, que violou sua mãe da maneira mais imunda,suas irmãs e todas as mulheres de sua corte, atingiu o ápice de sua malícia atacando primeiro o cultodo Cristo e desencadeando uma perseguição contra os crentes.

Ele tinha ao seu lado Simon, o mágico, homem cheio de crueldade e antigo mestre em toda a arte damagia. Esse personagem tinha sido expulso pelos apóstolos do Senhor, Pedro e Paulo. Furioso porqueeles pregavam o Cristo filho de Deus e desdenhavam a adoração dos ídolos, Nero fez Pedro perecersobre a cruz e Paulo pela espada. Mas ele próprio, que buscava fugir de uma revolta dirigida contra ele,se matou com suas próprias mãos a quatro milhas da cidade.

X X VI. Tiago, irmão do Senhor, e Marcos, o Evangelista, receberam então a coroa de um martírioglorioso pelo nome de Cristo; mas o primeiro de todos que entrou nesse caminho foi o mártir levitaEtienne. Após o assassinato do apóstolo Tiago, uma grande calamidade se abateu sobre os judeus.Com efeito, quando da ascensão de Vespasiano, o templo foi incendiado e 600.000 judeus pereceramnessa guerra, pela espada e pela fome. Quanto à Domiciano, ele foi o segundo depois de Nero aexercer a repressão com rigor contra os judeus. Ele confinou o apóstolo João ao exílio na ilha dePatmos, e cometeu diversas crueldades contra as populações. Depois de sua morte, o bem-aventuradoapóstolo evangelista João voltou do exílio. Quando ele ficou velho e cheio de dias, após uma vidaperfeita a serviço de Deus, ele se deitou vivo em um sepulcro. Relata-se que ele não experimentou amorte até que o Senhor viesse de novo para julgar; é ele mesmo quem diz nos evangelhos nessestermos: “Eu quero que ele permaneça até que Eu volte”.

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X X VII. O terceiro após Nero, Trajano, desencadeou uma perseguição contra os cristãos. É sobre eleque o bem-aventurado Clemente, que foi o terceiro bispo da Igreja Romana, sofreu o martírio, que SãoSimeão, bispo de Jerusalém, filho de Cleofas, foi, diz-se, crucificado pelo nome do Cristo e que Inácio,bispo de Antioquia, foi conduzido à Roma e entregue às feras. Tudo isso se cumpriu no tempo deTrajano.

X X VIII. Depois dele, Hélios Adriano foi imperador. Foi por Hélios Adriano, sucessor de Domiciano,que Jerusalém foi denominada aelia, porque foi ele quem a restaurou. Depois dessas paixões dossantos, não foi suficiente ao partido adverso ter excitado as nações incrédulas contra os adoradores doCristo; foi necessário ainda desencadear cismas entre os próprios cristãos. Provocou heresias, e a fécatólica dividida e interpretada de uma maneira e de outra. Com efeito, sob o reino de Antonino,surgiu o erro absurdo dos marcionitas e dos valentinianos, e Justino, o filósofo, após ter escrito obrassobre a igreja católica, recebeu a coroa do martírio pelo nome do Cristo.

Na Ásia, onde se desencadeou uma perseguição, o bem-aventurado Policarpo, discípulo de João,apóstolo e evangelista, foi consagrado ao Senhor pelo fogo no octogésimo-primeiro ano de sua idadecom um puríssimo holocausto. Nas Gálias muitos foram coroados de pérolas celestes em nome doCristo graças a seus martírios. As narrativas de suas paixões são conservadas fielmente entre nós atéos nossos dias.

X X IX . Entre esses mártires havia o primeiro bispo da igreja de Lyon, Pothin, e cheio de dias sofreu esuportou diversos suplícios em nome do Cristo. Pois o bem-aventurado Irineu, sucessor desse mártir,que tinha sido enviado a esta vila pelo bem-aventurado Policarpo, se distinguiu por suas admiráveisvirtudes. Em um curto espaço de tempo converteu inteiramente, sobretudo pela predicação, a cidadeao cristianismo. Mas quando veio a perseguição, o diabo perpetrou, pela mão de um tirano, matançase uma tão grande multidão de cristãos aí foi degolada por ter confessado o nome do Senhor queatravés dos lugares escorreu o sangue cristão. Nós não podemos recolher seu nome (do tirano), nemseus nomes (dos cristãos), pois o Senhor os registrou no livro da vida. Infligindo ao bem-aventuradoIrineu diversos suplícios em sua presença, o carrasco o consagrou ao Senhor Cristo pelo martírio.Depois dele quarenta e oito mártires foram também supliciados, entre eles nós lemos que o primeirofoi Véctios Epagathus.

X X X . Sob Dece, imperador, numerosos conflitos se desencadearam contra o nome cristão, e houvetantos massacres de cristãos que é impossível numerá-los. Babylas, bispo de Antioquia, com trêscrianças, a saber, Urbano, Prilidan e Epolon; Xisto, bispo da igreja romana, e Laurent, arcediago,assim como Hipólito, pereceram martírios por terem confessado o nome do Senhor. Valentiniano eNovatien, que eram então os principais chefes dos heréticos, atacaram a nossa fé sob a pressão doinimigo.

Nesse tempo, sete homens, que tinham sido ordenados bispos, foram enviados para pregar nas Gálias,como conta a história da paixão do santo mártir Saturnino. Ele disse: “Sob Dece e Grat, cônsules,assim como uma fiel lembrança disso é conservada, a cidade de Toulouse recebeu São Saturnino, seuprimeiro e eminente bispo”. Vejamos, pois, aqueles que foram enviados: junto aos turanginos o bispoGatien, entre os arlesianos o bispo Trophine, em Narbonna o bispo Paulo, em Toulouse o bispoSaturnino, entre os parisienses o bispo Denis, na Auvergne o bispo Austremoine; junto aos limusinos,Martial foi designado como bispo. Um deles, o bem-aventurado Denis, bispo de Paris, depois de tersofrido diversos suplícios em nome do Cristo, terminou a vida presente golpeado pela espada.

Quanto à Saturnino, quando estava seguro de sofrer o martírio, disse a dois de seus padres: “Veja queeu já estou imolado, e o momento de minha desaparição é iminente. Eu vos peço não abandonar-mecompletamente enquanto meu fim não tiver sido completo como ele deve ser”. Enquanto que, apóssua prisão, ele foi conduzido ao capitólio, aqueles o abandonaram e ele ficou estendido sozinho.Quando se viu abandonado por eles, conta-se que ele fez essa súplica: “Senhor Jesus Cristo, escute-medo alto de teu santo céu. Que jamais essa igreja mereça o destino de ter um pontífice escolhido entreseus habitantes”. Pois nós sabemos o que se passou até agora nessa cidade. Quanto a ele, foi amarradoatrás de um touro furioso e precipitado do alto do capitólio. Assim ele terminou sua vida.

Gatien, Trophine e Austremoine, assim como Paulo e Marcial, que viveram na maior santidade depoisde terem conquistado a Igreja dos povos e difundido em todos os lugares a fé do Cristo, faleceramnuma bem-aventurada contrição. Assim deixando a terra, uns pela via do martírio, outros porcontrição, esses homens foram igualmente reunidos no mundo celeste.

X X X I. Um de seus discípulos, encontrando-se na cidade de Bourges, anunciou aos habitantes aqueleque dá a salvação a todos, o Cristo Senhor. Entre estes, somente alguns eram crentes; ordenadosclérigos, eles se iniciaram na prática do canto e aprenderam como se constrói uma igreja e como sedevem celebrar as solenidades em honra do Deus Todo-Poderoso; mas, ainda tendo somente poucosrecursos para construir, eles buscaram a casa de um habitante para dela fazer uma igreja. Os senadorese outros personagens mais afortunados do lugar estavam então ligados aos cultos pagãos; quanto aos

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crentes, eles pertenciam aos meios pobres, conforme a palavra do Senhor, onde ele culpa os judeusnesses termos: “Os prostituídos e os publicanos vos precederão no Reino de Deus”.

Aqueles, pois, não tendo obtido a casa deste a quem eles tinham pedido, foram encontrar um certoLeocádius, eminente senador das Gálias, que pertencia à família de Véctius Epagathus, o qual tinhasofrido o martírio em Lyon em nome do Cristo, como nós lembramos acima. Quando eles lheexpuseram sua petição, ao mesmo tempo em que sua fé, esse homem respondeu: “Se a casa que eutenho na cidade de Bourges devesse ser digna dessa obra, eu não recusaria emprestá-la”.

Escutando estas palavras, eles se prosternaram aos seus pés e, tendo-lhe oferecido 300 peças de ourocom um prato de prata, lhe disseram que essa casa era digna que aí se celebrassem os mistérios.Aceitando deles três peças de ouro a título de agradecimento, ele lhes abandonou generosamente oresto, e como ainda estava engajado nos erros da idolatria, se fez cristão e fez de sua casa uma igreja. Éagora a primeira igreja da vila de Bourges. Ela foi admiravelmente restaurada e ornada das relíquias doprimeiro mártir Etienne.

X X X II. Valeriano e Galiano foram os vigésimos sétimos a governar o Império Romano; elesdesencadearam em seu tempo uma grande perseguição contra os cristãos. Foi então que Cornélioilustrou Roma com seu sangue bem-aventurado e Cipriano Cartago. Em seu tempo também Chrocus,rei dos alamanos, tendo erguido um exército, invadiu as Gálias. Conta-se que esse Chrocus era de umagrande arrogância. Após ter cometido um número de maldades supostamente pelo conselho de umamãe má, ele mobilizou, como nós dissemos, a nação dos alamanos, invadiu todas as Gálias e demoliude cima abaixo todos os monumentos que tinham sido construídos desde a Antigüidade.

Vindo à Auvergne, ele incendiou, destruiu e demoliu o templo que se chama na língua gaulesa,Vasso-Galate. Esse templo tinha sido feito e restaurado admiravelmente. Sua parede era dupla. Eraformado internamente por pequenos blocos de pedra e, no exterior, por pedras de cantaria (taille).Esse muro tinha uma espessura de 30 pés. Quanto ao interior, era decorado de mármore e de mosaico.O piso também era de mármore; por cima tinha um teto de chumbo.

X X X III. Perto dessa cidade, Liminius e Antoliano, mártires, descansam. Foi lá que Cássios eVictorino, associados no amor do Cristo por uma afeição fraternal, ganharam igualmente o reino doscéus vertendo seu próprio sangue. Com efeito, uma tradição antiga conta que Victorino tinhainiciado como servidor do padre do templo pré-citado. Freqüentemente em um burgo que se chama oburgo dos cristãos para perseguir os cristãos, ele encontrou Cássios, que era cristão. Tocado por suaspregações e seus milagres, ele acreditou no Cristo. Deixou as grosserias da idolatria e, santificado pelobatismo, adquiriu um grande nome ao operar milagres. Pouco depois, associados sobre a terra, comonós o dissemos, pelo martírio, (todos os dois) ganharam igualmente o reino celeste.

X X X IV. Quando os alamanos se lançaram sobre a Gália, São Privat, bispo da cidade de Javols, foidescoberto numa gruta da montanha de Mende, onde se entregava aos jejuns e à prece enquanto apopulação era aprisionada na fortaleza do castelo de Grèzes. Enquanto ele não consentiu, como umbom pastor, em entregar suas ovelhas ao lobo, foi forçado a sacrificá-las aos demônios. Maldizendoessa vilania, ao mesmo tempo em que se recusou a cometê-la, ele foi espancado a golpes de bastão atéque o tiveram por morto. Depois dessa tortura, ele entregou a alma no fim de poucos dias. Quanto aChrocus, prenderam-no em Arles, cidade das Gálias, e fizeram-no sofrer diversos suplícios, pois elepereceu de um golpe de espada, expiando como merecia os suplícios que tinha infligido aos santos deDeus.

X X X V. Sob Diocleciano, que foi o trigésimo-terceiro a governar o império romano, uma graveperseguição foi desencadeada contra os cristãos durante quatro anos. Matou-se mesmo uma vez nomuito santo dia de Páscoa uma grande multidão de cristãos, porque eles praticavam o culto doverdadeiro Deus. Nesse tempo, Quirinus, bispo da igreja de Sissek , sofreu um glorioso martírio emnome do Cristo. Depois de ter amarrado ao pescoço uma pedra de calcário, a ferocidade dos pagãos oprecipitou no abismo de um rio. Quando ele caiu no abismo, permaneceu longo tempo sob as águas,sustentado por um milagre divino. Essas águas não engoliram o homem sob o qual o peso do pecadonão exercia pressão.

A multidão do povo à volta, admirando esse fato, se precipitou para livrar o bispo, a despeito do furordos gentios. Vendo isso, ele não suportou ser subtraído ao martírio, mas com olhos levantados ao céu,gritou: “Senhor Jesus, você que está sentado gloriosamente à direita do Pai, não permita que meafastem desse estado, mas, recolhendo minha alma, condescenda-me reunir-me a teus mártires norepouso eterno.” Depois dessas palavras ele entregou sua alma. Seu corpo foi recolhido por cristãos eenterrado com veneração.

X X X VI. Constantino, o trigésimo-quarto a ocupar o império dos romanos, reinou com felicidadedurante trinta anos. Durante o décimo-primeiro ano de seu reino, quando depois da morte deDiocleciano a paz tinha sido devolvida às igrejas, o mui bem-aventurado prelado Martinho nasceu emSabaria, cidade da Panônia, de pais gentios, porém não de baixa condição. Durante o vigésimo ano de

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seu reinado, o dito Constantino aprisionou Crispus, seu filho, e assassinou Fausta, sua mulher, em umbanho quente, porque todos os dois quiseram traí-lo, ele, o imperador.

Em seu tempo o venerável bosque da Cruz do Senhor foi descoberto graças aos esforços de sua mãeHelena, sob a indicação de Judá, um hebreu que depois do batismo recebeu o nome de Quiriacus. Foiaté esta época que o historiógrafo Eusébio prosseguiu sua Crônica. A partir do vigésimo-primeiro anodo reinado deste imperador, Jerônimo fez adições. Ele indicou que o padre Juvencas colocasse osEvangelhos em versos sob o pedido do dito imperador.

X X X VII. Foi sob o reinado de Constâncio que viveu Tiago de Nisibis. Cedendo à suas preces, asorelhas da divina clemência afastaram muitos perigos de sua cidade. Cita-se também Maximino, bispode Trèves, que se distinguiu por sua grande santidade.

X X X VIII. Durante o décimo nono ano do reinado de Constantino, o Jovem, Antônio, morreu no seucentésimo quinto ano. Mas essa morte é datada por Jerônimo, que somente lhe deu cem anos, dodécimo nono ano do reinado de Constâncio, e não com escreveu Gregório daquele de Constantino,o Jovem. O mui bem-aventurado Hilário, bispo de Poitiers foi enviado ao exílio por instigação dosheréticos; aí ele escreveu livros em favor da fé católica que enviou a Constâncio; este, tendo-lheagraciado no curso do quarto ano do seu exílio, permitiu-lhe retornar à sua casa.

X X X IX . Então, aparecia também nossa luz e novos raios luminosos aclararam a Gália; foi o tempo noqual o mui bem-aventurado Martinho começou a pregar nas Gálias. Manifestando às populações pornumerosos milagres que o Cristo, filho de Deus, é o verdadeiro Deus, ele fez recuar a incredulidadedos gentios. Igualmente, destruiu templos, sufocou a heresia, edificou igrejas e, ao mesmo tempo,ilustrou-se por outros numerosos milagres, devolvendo a vida a três mortos para aperfeiçoar seustítulos de glória. Durante o quarto ano (dos reinados) de Valentiniano e de Valente, São Hilário dePoitiers, cheio de santidade e de fé, reputado por seus numerosos milagres, emigrou aos céus; eletambém, nós lemos, ressuscitou dos mortos.

X L. Melânia, nobre matrona e habitante da cidade de Roma, partiu para Jerusalém por devoção,deixando Urbano, seu filho, em Roma. Ele se mostrou tão cheio de bondade e de santidade a todosque foi denominado thècle pelos habitantes.

X LI. Depois da morte de Valentiniano, Valente, seu sucessor no império inteiro, obrigou os mongesao serviço militar e ordenou espancar os refratários a golpes de vara. Em seguida, os romanos fizeramuma encarniçada guerra na Trácia. A carnificina foi tal que os romanos, privados da ajuda dos cavalos,tiveram que fugir a pé. Enquanto eram massacrados pelos godos em uma grande matança, Valente,que ferido por uma flecha, fugia, se refugiou em uma pequena cabana diante da ameaça dos inimigos,mas a cabana, tendo sido incendiada em cima dele, privou-o da sepultura desejada. Foi assim que avingança divina, merecida pela efusão do sangue dos santos, se manifestou finalmente. Nessa partepara Jerônimo, e a partir dessa época, foi Orósio padre que escreveu a seqüência.

X LII. Quando o imperador Graciano viu que a república estava desorganizada, fez de Teodósio seucolega no império. Esse Teodósio colocou toda a sua esperança e sua confiança na misericórdia deDeus. Ele manteve na obediência numerosas nações menos pela espada do que pelos cuidados epreces, consolidando a república e entrando na cidade de Constantinopla como vencedor.

X LIII. Maximiniano, que tinha conseguido uma vitória por sua tirania esmagando os bretões, foiestabelecido imperador por seus soldados. Ele estabeleceu sua sede na cidade de Trèves e, após teradormecido, traiçoeiramente o imperador Graciano o matou. O bem-aventurado Martinho, que era jábispo, veio encontrar esse Maximiniano. No lugar de Graciano, Teodósio, aquele que tinha colocadotoda a sua esperança em Deus, tomou todo o império nas mãos. Em seguida, confiando nasinspirações divinas, despojou Maximiniano do império e o matou.

X LIV. Em Auvergne, após Austremoine, bispo e pregador, o primeiro bispo foi Urbicus, de famíliasenatorial, que se convertera. Ele tinha uma esposa que, segundo o costume eclesiástico, tinharenunciado a todo o comércio com o bispo, e vivia religiosamente. Eles se ocupavam, todos os dois, àprece, à caridade e às boas obras. Enquanto eles se comportavam assim, a perversidade do inimigo,que era sempre ciumenta da santidade, se levantou junto à mulher. Inflamada de concupiscência porseu marido, ele fez dela uma nova Eva.

Inflamada pela paixão, envolvida pelas trevas do pecado, essa mulher retornou à casa da igreja atravésdas trevas da noite. Tendo encontrado tudo cerrado, ela se pôs a bater às portas da casa eclesiástica edizer: “Até quando dormirás tu, bispo? Porque tu desdenhas tua companheira? Porque com as orelhastampadas, recusas tu escutar os preceitos de Paulo? Ele escreveu, com efeito: “Volte em direção aoutro, afim de que Satã não vos tente”. Veja que eu voltei para ti e não foi a um vaso estrangeiro, masao meu próprio vaso que retornei.”

Enquanto ela insistia em fazer esses discursos e outros semelhantes, os escrúpulos do bispo acabaramabrandando-se. E ele a fez penetrar em sua cama e, após ter dormido com ela, a expulsou. Voltando

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em seguida a si, desolado do pecado que perpetrou, ele entrou em um monastério de sua diocese parafazer penitência, e quando aí expiou nos gemidos e nas lágrimas o erro que tinha cometido, voltou àcidade. Quando o curso de sua vida se completou, ele deixou esse mundo. Pois uma filha nasceu dessaunião; ela permaneceu na religião. O dito bispo, assim como sua esposa e filha, foram enterradosnuma cripta em Chantoin, ao longo da calçada pública. Em seu lugar foi colocado o bispo Legonus.

X LV. Quando este último morreu, São Ilidius o sucedeu; era um homem de santidade iminente e deuma virtude notável, que se distinguia de tal maneira por sua santidade que sua reputação penetrouaté nos países estrangeiros. Isso fez com que o chamassem para curar do espírito imundo a filha doimperador de Trèves, o que nós relatamos no livro que escrevemos sobre sua vida. Ele viveu, comoconta a tradição, até muito velho, cheio de dias e de boas obras. Quando ele percorreu com felicidadeaté o fim o caminho dessa vida, emigrou até junto do Cristo e foi enterrado em uma cripta nosarredores dessa cidade. Ele tinha um arcediago que levava o nome de Juste. Esse homem passou ocurso de sua vida nas boas obras, e divide o túmulo de seu mestre. Logo depois da morte do bem-aventurado confessor Ilidius, seu glorioso sepulcro foi teatro de tão numerosos milagres que éimpossível lhes descrever inteiramente e de deles reter a lembrança. E ele teve como sucessor SãoNepociano.

X LVI. São Nepociano foi o quarto bispo de Auvergne. De Trèves, enviou-se embaixadores à Espanha,do qual um certo Artêmios, de uma sabedoria e de uma beleza admiráveis, foi na flor da idade. Ele foitomado por uma febre violenta. Enquanto os outros iam adiante, ele foi deixado doente em Clermontd‘Auvergne. Pois nessa época, ele foi acorrentado em Trèves pelas amarras do casamento. Ele foivisitado e untado de óleo santo por São Nepociano, e por um dom do senhor, a saúde lhe foidevolvida. Como ele tinha recebido do mesmo santo a palavra da predicação, esquecendo tanto suaesposa terrestre quanto suas riquezas pessoais, ele se uniu à Igreja e tornou-se clérigo, distinguindo-sede tal maneira por sua santidade que foi chamado a suceder ao bem-aventurado Nepociano paradirigir as ovelhas do rebanho do Senhor.

X LVII. Na mesma época, Injurieux, um dos senadores de Auvergne que tinha grandes riquezas, pediuem casamento uma moça de condição semelhante, e tendo sido dada uma soma em dinheiro, ele fixouo dia do casamento. Todos os dois eram filhos únicos de seus pais. Quando o dia chegou depois dacelebração da solenidade das núpcias, eles foram colocados em uma mesma cama, segundo o costume.Mas a moça, gravemente contristada e voltada em direção à parede, chorava amargamente: “Por que,disse então o rapaz, tu estás embaraçada? Explique a mim, eu te peço.”

Como ela mantinha silêncio, ele acrescentou: “Eu te imploro por Jesus Cristo, filha de Deus, que meexponha sabiamente o que causou tua dor.” Então ela, voltando-se em direção a ele, respondeu:“Mesmo que eu chore todos os dias de minha vida, jamais minhas lágrimas serão suficientes parapoder lavar a dor tão imensa de meu coração. Eu tinha decidido, com efeito, preservar para o Cristomeu fraco corpo de todo o contato masculino: minha maldição! Eu estou tão abandonada por Ele quenão pude cumprir o que desejava, e o que eu tinha conservado desde o começo de minha vida perdineste último dia que não deveria ter visto. Vejo-me abandonada pelo Cristo mortal, que me prometiapor dote o Paraíso; a sorte me associou a um homem mortal, e no lugar de rosas que não florescem,são pedaços de rosas dessecadas que não somente não me embelezam, mas me enfeiam. Enquanto eudevia cobrir a roupa da pureza sob o rio do cordeiro que corre por quatro braços, a roupa que eu cortoé-me um fardo, e não uma honra. Mas porque prolongar longamente este discurso? Infortunada quesou, eu, a quem a sorte devia merecer os céus, estou hoje mergulhada no abismo. Oh, se tudo issodevia me acontecer, porque o dia de minha vida que marcou o começo de minha vida não foi tambémo fim? Oh, que então eu somente atravessasse a porta da morte antes de ser alimentada do leite! Oh,os sugadores de minhas amas de leite deveriam ter me distribuído para os funerais! Os objetosterrestres me fazem horror, porque eu contemplo as mãos do Redentor transpassadas pela vida domundo. Eu também não olho os diademas nos quais brilham as soberbas pedras preciosas, pois é acoroa de espinho que eu admiro mentalmente. Eu desdenho tuas vastas terras que se estendem aolongo e ao largo porque aspiro as graças do paraíso. Teus terraços me fazem horror, pois contemplo oSenhor residindo sobre os astros.”

Estes propósitos, acompanhados de lágrimas abundantes, tocaram de piedade o rapaz, que respondeu:“Nós fomos as únicas crianças de pais muito nobres de Auvergne. Eles quiseram nos unir paraperpetrar sua descendência com medo que, quando nós desaparecêssemos do mundo, um herdeiroestranho recolhesse a sucessão.” A isto ela replicou: “O mundo não é nada, as riquezas não são nada, apompa desse século não é nada, mesmo a vida da qual gozamos não é nada. Mas a vida que é precisoprocurar é aquela que não está nem confinada, nem terminada pela morte, aquela que nenhumadoença mata, e a qual nenhum poente coloca fim; é a vida na qual permanecemos em uma beatitudeeterna, onde se vive em uma luz que não se apaga e na qual, o que é melhor de tudo, se goza dapresença do próprio Senhor para continuamente contemplá-Lo, somos elevados à condição dos anjose gozamos de uma alegria inalterável.”

A essas palavras, ele replicou: “Tuas palavras muito doces fizeram brilhar em meus olhos a vida eterna

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como uma grande estrela; se tu queres renunciar à concupiscência carnal, eu participarei da tuaresolução.” Ela lhe respondeu: “É difícil ao sexo masculino fazer esse sacrifício às mulheres.Entretanto, se tu o fazes de maneira que nós permaneçamos sem nos corrompermos no século, eu tereservarei uma parte do dote que me foi prometido por meu esposo, o Senhor Jesus Cristo, a quem fizo voto de ser Sua serva e Sua esposa.” Armado do estandarte da cruz, ele disse então: “Eu farei o que tume exortas.” Tendo dado as mãos, eles dormiram e doravante se deitaram durante muitos anos emuma mesma cama, mas conservando uma castidade digna de elogios, o que foi colocado em evidênciamais tarde quando de suas mortes.

Com efeito, logo depois de ter terminado sua prova, a jovem emigrou ao pé do Cristo e depois doofício fúnebre o marido a depositou em um sepulcro, e declarou: “Eu te rendo graças, Senhor JesusCristo, Senhor Eterno Nosso Deus porque eu restituí à Tua piedade esse tesouro maculado tal qual orecebi de Ti quando me foi confiado.” A essas palavras ela replicou sorrindo: “Porque tu falas quandonão te perguntam?”. Depois disso, ela foi enterrada, e ele a seguiu pouco tempo depois. Como os doissepulcros tinham sido colocados ao longo de muros diferentes, um milagre estranho quetestemunhou sua castidade se produziu. Com efeito, uma manhã, enquanto as pessoas seencontravam nos lugares, eles encontraram lado a lado os sepulcros que tinham sido deixados a umagrande distância um do outro, sem dúvida para que esses dois seres que o céu reuniria não tivessemseus corpos separados no monumento onde estavam enterrados. Os habitantes da localidadecontinuaram até os nossos dias a lhes denominar “os dois amantes”. Nós fizemos menção deles noLivro dos Milagres.

X LVIII. Durante o segundo ano do reinado de Arcádius e de Honórius, São Martinho, bispo deTours, cheio de milagres da santidade, grande benfeitor dos fracos, morreu no quadragésimovigésimo primeiro ano de sua idade e no vigésimo sexto de seu episcopado em Candes, vila de suadiocese, para emigrar com felicidade junto do Cristo. Ele morreu à meia-noite, um domingo, sob osconsulados de Atticus e de César. Durante sua morte muitos escutaram cantos no céu, que nóscontamos mais longamente no Livro Primeiro de seus milagres. Pois, como o santo de Deus tinhacomeçado a ficar doente em Candes, como nós dissemos, as populações do Poitou e do Tourane aí seencontraram para assistir a sua passagem. Quando ele morreu, uma grande altercação surgiu entre asduas populações.

Com efeito, os poitevinos diziam: “É nosso monge. Ele tornou-se abade entre nós. Nós reclamamosaquele que nos foi confiado. Que vos contentais de ter gozado de sua eloqüência enquanto ele foibispo nesse mundo; vós tomais parte à sua mesa, vós fordes cheios de suas bênçãos, mas vós haveisgozado de seus milagres. Que todas essas coisas vos contentem, pois, e que nos seja permitido levarseu cadáver inanimado.”

A isso os touranginos responderam: “Se vós pretendeis que os milagres feitos entre nós devam noscontentar, sabeis que ele os operou mais quando ele se encontrava entre vós que aqui mesmo, poisdeixando de lado o maior número, ele ressuscitou dois mortos entre vós e um somente entre nós.Como ele mesmo dizia freqüentemente, sua virtude miraculosa foi maior antes de seu episcopado quedepois de seu episcopado. É, pois necessário, que o que ele não acabou entre nós durante sua vida, oacabe após sua morte. Ele vos foi retirado e nos foi dado por Deus. Além disso, se se respeita umcostume instituído de grande utilidade, é na cidade onde ele foi ordenado que segundo a ordem deDeus ele terá seu sepulcro. Na verdade, se vós pretendeis reivindicar um privilégio para vossomonastério, sabeis que seu primeiro monastério se encontrava entre os milaneses.”

Enquanto eles discutiam, o sol se punha e a noite tombava; as portas foram fechadas com um cadeadoe o corpo, colocado no meio, foi guardado pelas duas populações, pois poderia acontecer que à manhãele fosse retirado à força pelos poitevinos. Mas o Deus todo poderoso não queria que a cidade de Toursfosse frustrada de seu próprio patriarca. Pois finalmente, aproximando-se da meia-noite, todo obando dos poitevinos cedeu ao sono e não restou ninguém do efetivo para velar. Quando ostouranginos os viram dormindo, pegaram o fardo do corpo muito santo; uns o jogaram pela janela,outros o recolheram de fora.

Ele foi colocado sob um barco e, com toda a população, desceu o rio Vienne. Chegando ao leito doLoire, dirigiu-se em direção à cidade de Tours, dando grandes ações de graça acompanhadas decantos. Acordados pelas vozes, os poitevinos, que não tinham mais o tesouro que guardavam,voltaram confusos para suas casas. Se alguém pergunta por que desde a passagem do bispo Gatien atéa de São Martinho houve apenas um único bispo, a saber, Litorius, que se saiba que por causa daoposição dos pagãos à cidade de Tours permaneceu longamente privada por longo tempo da bênçãoepiscopal. Com efeito, os cristãos desse tempo celebravam o ofício divino clandestinamente e emlugares secretos, pois quando os pagãos descobriam cristãos, estes eram oprimidos por golpes oudegolados.

Desde a paixão do Senhor até a morte de São Martinho conta-se 412 anos.

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Fim do Primeiro Livro contendo os 5.596 anos que decorreram da origem do mundo até a mortedo bispo São Martinho.

Livro IIAqui começam os capítulos do Livro Segundo

I. Episcopado de BriceII. Os vândalos e a perseguição dos cristãos entre elesIII. Cyrole, bispo dos heréticos e os santos mártiresIV. A perseguição desencadeada sob o reino de AtanaricoV. O bispo Aravatius e os hunosVI. A basílica Saint-Etienne da vila de MetzVII. A mulher de AetiusVIII. O que os historiadores escreveram a respeito de AetiusIX. O que eles contam dos francosX. O que os profetas do Senhor descrevem a respeito dos ídolos dos gentiosXI. O imperador AvitusXII. O rei Childerico e EgidiusXIII. Episcopado de Venerand e de Rústico em AuvergneXIV. O episcopado de Eustáquio de Tours e de Perpétuo e a basílica de Saint-MartinXV. A basílica de Saint-SymphorienXVI. Namatius, bispo, e a igreja de AuvergneXVII. Sua esposa e a basílica de Saint-EtienneXVIII. Como Childerico veio a Orléans e Odoacro a AngersXIX. Guerra dos saxões contra os romanosXX. Victorius duqueXXI. Eparchius bispoXXII. Sidônio bispoXXIII. Santidade de Sidônio bispo e a repressão pela vingança divina das injustiças que elessofreramXXIV. Fome em Borgonha e EcidiusXXV. Eurico perseguidorXXVI. Morte de Santo Perpétuo e o episcopado de Volosien e de VérusXXVII. Como Clóvis conquistou o reinoXXVIII. Como Clóvis desposou ClotildeXXIX. Seu filho primogênito, que foi batizado, morre em sua roupa de criança XXX. Guerra contra os alamanosXXXI. Batismo de ClóvisXXXII. Guerra contra GondebaudXXXIII. Morte violenta de GodesisileXXXIV. Como Gondebaud quis ser convertidoXXXV. Como Clóvis e Alarico se encontraramXXXVI. O bispo QuintienXXXVII. Guerra contra AlaricoXXXVIII. Patriciado do rei ClóvisXXXIX. O bispo LiciniusXL. Morte violenta de Sigeberto, o velho, e de seu filhoXLI. Morte violenta de Chararico e de seu filhoXLII. Morte violenta de Ragnacaire e de seus irmãosXLIII. Morte de Clóvis.

Começo do Livro Segundo

Como nós seguimos a ordem do tempo, nós relataremos em uma desordem completa tanto osmilagres dos santos quanto os massacres dos povos. Eu não penso, com efeito, que se ache absurdoque nós relatemos a vida feliz dos santos no meio das calamidades dos miseráveis, pois não é afantasia do escritor, mas a sucessão cronológica que o impôs.

Um leitor atento, de resto, que faz uma enquete dirigente, descobre na história dos reis de Israel quePhinée, o sacrílego, pereceu no tempo de Samuel, o justo, e que sob o reino de Davi, dito o homem damão forte, sucumbiu Golias, o filisteu. Que se lembre também, que no tempo de Elias, o iminenteprofeta que parava as chuvas quando queria ou as fazia correr sob terras áridas quando desejava, ele,que com sua prece enriqueceu uma pobre viúva, houve massacres de povos, que a fome e a secadesolaram uma terra miserável. Que se lembre dos males que Jerusalém suportou no tempo deEzequias, de quem Deus prolongou a vida por quinze anos. E também sob o profeta Eliseu, que

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ressuscitou dos mortos e que fez, no meio das populações muitos milagres, que massacres e misériasoprimiram esse mesmo povo dos israelitas.

Assim também, Eusébio, Severo, Jerônimo, assim como Orósio, inseriram em suas crônicas às vezesnarrativas de guerras de reis e de milagres de mártires. É assim que nós mesmos compusemos, pois,nosso escrito, para que o inventário dos séculos e o cálculo dos anos até o nosso tempo sejam maisfáceis de serem descobertos em sua totalidade. Encontrando-nos onde estamos, no meio de históriasdos autores pré-citados, vamos tratar, com o socorro de Deus, dos acontecimentos que ocorreramposteriormente.

I. Após a morte do bem-aventurado Martinho, o bispo da cidade de Tours, homem iminente eincomparável nos milagres dos quais nós consagramos grandes volumes, Brice sucedeu-lhe noepiscopado. Ora, esse Brice, quando estava nos primeiros anos de sua juventude, preparavafreqüentemente armadilhas ao santo que estava ainda vivo, porque esse último lhe reprovava semprepor seguir seus caprichos. Foi assim que, num certo dia, quando um doente veio pedir um remédio aàSão Martinho, ele encontrou Brice na praça, que era ainda diácono, e ele disse-lhe simplesmente:“Veja! Eu espero o bem-aventurado homem e eu não sei onde ele está nem o que pode fazer.” Bricerespondeu-lhe: “Se é esse delirante que você procura, olhe lá; veja-o que, segundo seu hábito,contempla o céu como um demente.” Após o encontro ter acontecido, quando o pobre obteve seupedido, o bem-aventurado apostrofou o diácono Brice: “Eu te pareço, Brice, um delirante?”

Como, escutando essas palavras, Brice, confuso, negava que tivesse tido esse propósito, o santohomem replicou: “Minhas orelhas não estavam aplicadas contra a tua boca quando você falava assimde longe? Na verdade, eu te disse: obtive de Deus que depois de mim tu acedesse à dignidadepontifical, mas saiba que durante teu episcopado você terá que suportar muitas adversidades.”

Notas

Base da tradução: GRÉGOIRE DE TOURS. Histoire des Francs. Paris: Les Belles Lettres, 1999.1.