Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA • III África do século VII ao XI UNESCO Representação no BRASIL Ministério da Educação do BRASIL Universidade Federal de São Carlos EDITOR MOHAMMED EL FASI EDITOR ASSISTENTE I. HRBEK
1. Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da
Histria Geral da frica HISTRIA GERAL DA FRICA III frica do sculo
VII ao XI EDITOR MOHAMMED EL FASI EDITOR ASSISTENTE I. HRBEK UNESCO
Representao no BRASIL Ministrio da Educao do BRASIL Universidade
Federal de So Carlos
2. Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da
Histria Geral da frica HISTRIA GERAL DA FRICA III frica do sculo
VII ao XI
3. Coleo Histria Geral da frica da UNESCO Volume I Metodologia
e pr-histria da frica (Editor J. Ki-Zerbo) Volume II frica antiga
(Editor G. Mokhtar) Volume III frica do sculo VII ao XI (Editor M.
El Fasi) (Editor Assistente I. Hrbek) Volume IV frica do sculo XII
ao XVI (Editor D. T. Niane) Volume V frica do sculo XVI ao XVIII
(Editor B. A. Ogot) Volume VI frica do sculo XIX dcada de 1880
(Editor J. F. A. Ajayi) Volume VII frica sob dominao colonial,
1880-1935 (Editor A. A. Boahen) Volume VIII frica desde 1935
(Editor A. A. Mazrui) (Editor Assistente C. Wondji) Os autores so
responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste
livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so
necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao. As
indicaes de nomes e apresentao do material ao longo deste livro no
implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a
respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade,
regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas
fronteiras ou limites.
4. Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da
Histria Geral da frica HISTRIA GERAL DA FRICA III frica do sculo
VII ao XI EDITOR MOHAMMED EL FASI EDITOR ASSISTENTE I. HRBEK
Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
5. Esta verso em portugus fruto de uma parceria entre a
Representao da UNESCO no Brasil, a Secretaria de Educao Continuada,
Alfabetizao e Diversidade do Ministrio da Educao do Brasil
(Secad/MEC) e a Universidade Federal de So Carlos (UFSCar). Ttulo
original: General History of Africa, III: Africa from the seventh
to the eleventh century. Paris: UNESCO; Berkley, CA: University of
California Press; London: Heinemann Educational Publishers Ltd.,
1988. (Primeira edio publicada em ingls). UNESCO 2010 Coordenao
geral da edio e atualizao: Valter Roberto Silvrio Tradutores: David
Yann Chaigne, Joo Bortolanza, Luana Antunes Costa, Lus Hernan de
Almeida Prado Mendoza, Milton Coelho, Sieni Maria Campos Reviso
tcnica: Kabengele Munanga Preparao de texto: Eduardo Roque dos Reis
Falco Reviso e atualizao ortogrfica: Ilunga Kabengele Projeto
grfico e diagramao: Marcia Marques / Casa de Ideias; Edson Fogaa e
Paulo Selveira / UNESCO no Brasil Histria geral da frica, III:
frica do sculo VII ao XI / editado por Mohammed El Fasi. Braslia :
UNESCO, 2010. 1056 p. ISBN: 978-85-7652-125-9 1. Histria 2. Histria
medieval 3. Histria africana 4. Culturas africanas 5. frica 6. Isl
I. El Fasi, Mohammed II. UNESCO III. Brasil. Ministrio da Educao
IV. Universidade Federal de So Carlos Organizao das Naes Unidas
para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO) Representao no Brasil
SAUS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar
70070-912 Braslia DF Brasil Tel.: (55 61) 2106-3500 Fax: (55 61)
3322-4261 Site: www.unesco.org/brasilia E-mail:
[email protected] Ministrio da Educao (MEC) Secretaria
de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad/MEC)
Esplanada dos Ministrios, Bl. L, 2 andar 70047-900 Braslia DF
Brasil Tel.: (55 61) 2022-9217 Fax: (55 61) 2022-9020 Site:
http://portal.mec.gov.br/index.html Universidade Federal de So
Carlos (UFSCar) Rodovia Washington Luis, Km 233 SP 310 Bairro
Monjolinho 13565-905 So Carlos SP Brasil Tel.: (55 16) 3351-8111
(PABX) Fax: (55 16) 3361-2081 Site:
http://www2.ufscar.br/home/index.php Impresso no Brasil
6. V SUMRIO SUMRIO
Apresentao....................................................................................VII
Nota dos
Tradutores...........................................................................
IX
Cronologia........................................................................................
XI Lista de
Figuras..............................................................................
XIII
Prefcio...........................................................................................XIX
Apresentao do
Projeto..................................................................XXV
Captulo 1 A frica no contexto da histria
mundial............................... 1 Captulo 2 O advento do Isl
e a ascenso do Imprio Muulmano....... 39 Captulo 3 Etapas do
desenvolvimento do Isl e da sua difuso na
frica.....................................................................................
69 Captulo 4 O Isl como sistema social na frica, desde o sculo
VII... 113 . Captulo 5 Os povos do Sudo: movimentos
populacionais.................. 143 Captulo 6 Os povos falantes de
banto e a sua expanso....................... 169 Captulo 7 O Egito
desde a conquista rabe at o final do Imprio Fatmida
(1171)...................................................................
197 Captulo 8 A Nbia crist no apogeu de sua
civilizao........................ 233 Captulo 9 A conquista da
frica do Norte e a resistncia berbere....... 267 Captulo 10 A
independncia do Magreb.............................................
293 .
7. VI frica do sculo VII ao XI Captulo 11 papel do Saara e dos
saarianos nas relaes entre o O Norte e o
Sul......................................................................
327 Captulo 12 O advento dos
fatmidas.................................................... 369
Captulo 13 Os
almorvidas..................................................................
395 . Captulo 14 Comrcio e rotas do trfico na frica
Ocidental............... 431 Captulo 15 A regio do Chade na
qualidade de entroncamento.......... 509 A Captulo 16 zona
guineana: situao geral (captulo redigido em
1977).............................................................................
537 Captulo 17 zona guineana: os povos entre o Monte Camares e A a
Costa do
Marfim.............................................................
569 Captulo 18 s povos da Guin superior (entre a Costa do Marfim e
O a
Casamncia).....................................................................
619 Captulo 19 chifre da
frica..............................................................
653 O Captulo 20 s relaes da Etipia com o mundo
muulmano............ 671 A . Captulo 21 costa da frica Oriental e
as ilhas Comores.................. 685 A Captulo 22 interior da
frica Oriental ........................................... 721 O
Captulo 23 frica Central ao norte do
Zambeze............................. 753 A Captulo 24 frica
Meridional ao sul do Zambeze........................... 779 A
Captulo 25
adagascar........................................................................
799 M Captulo 26 dispora africana na
sia............................................... 825 A Captulo 27
s relaes entre as diferentes regies da frica............... 861 A .
Captulo 28 frica do sculo VII ao XI: cinco sculos formadores... 881
A Membros do Comit Cientfico Internacional para a Redao de uma
Histria Geral da
frica.............................................................931
Dados biogrficos dos autores do volume
III......................................933 Abreviaes e listas de
peridicos.......................................................937
Referncias
bibliogrficas..................................................................945
ndice
remissivo..............................................................................1021
8. VII APRESENTAO APRESENTAO Outra exigncia imperativa de que a
histria (e a cultura) da frica devem pelo menos ser vistas de
dentro, no sendo medidas por rguas de valores estranhos... Mas
essas conexes tm que ser analisadas nos termos de trocas mtuas, e
influncias multilaterais em que algo seja ouvido da contribuio
africana para o desenvolvimento da espcie humana. J. Ki-Zerbo,
Histria Geral da frica, vol. I, p. LII. A Representao da UNESCO no
Brasil e o Ministrio da Educao tm a satisfao de disponibilizar em
portugus a Coleo da Histria Geral da frica. Em seus oito volumes,
que cobrem desde a pr-histria do continente africano at sua histria
recente, a Coleo apresenta um amplo panorama das civilizaes
africanas. Com sua publicao em lngua portuguesa, cumpre-se o
objetivo inicial da obra de colaborar para uma nova leitura e
melhor compreenso das sociedades e culturas africanas, e demonstrar
a importncia das contribuies da frica para a histria do mundo.
Cumpre-se, tambm, o intuito de contribuir para uma disseminao, de
forma ampla, e para uma viso equilibrada e objetiva do importante e
valioso papel da frica para a humanidade, assim como para o
estreitamento dos laos histricos existentes entre o Brasil e a
frica. O acesso aos registros sobre a histria e cultura africanas
contidos nesta Coleo se reveste de significativa importncia. Apesar
de passados mais de 26 anos aps o lanamento do seu primeiro volume,
ainda hoje sua relevncia e singularidade so mundialmente
reconhecidas, especialmente por ser uma histria escrita ao longo de
trinta anos por mais de 350 especialistas, sob a coordenao de um
comit cientfico internacional constitudo por 39 intelectuais, dos
quais dois teros africanos. A imensa riqueza cultural, simblica e
tecnolgica subtrada da frica para o continente americano criou
condies para o desenvolvimento de sociedades onde elementos
europeus, africanos, das populaes originrias e, posteriormente, de
outras regies do mundo se combinassem de formas distintas e
complexas. Apenas recentemente, temse considerado o papel
civilizatrio que os negros vindos da frica desempenharam na formao
da sociedade brasileira. Essa compreenso, no entanto, ainda est
restrita aos altos estudos acadmicos e so poucas as fontes de
acesso pblico para avaliar este complexo processo, considerando
inclusive o ponto de vista do continente africano.
9. VIII frica do sculo VII ao XI A publicao da Coleo da Histria
Geral da frica em portugus tambm resultado do compromisso de ambas
as instituies em combater todas as formas de desigualdades,
conforme estabelecido na declarao universal dos direitos humanos
(1948), especialmente no sentido de contribuir para a preveno e
eliminao de todas as formas de manifestao de discriminao tnica e
racial, conforme estabelecido na conveno internacional sobre a
eliminao de todas as formas de discriminao racial de 1965. Para o
Brasil, que vem fortalecendo as relaes diplomticas, a cooperao
econmica e o intercmbio cultural com aquele continente, essa
iniciativa mais um passo importante para a consolidao da nova
agenda poltica. A crescente aproximao com os pases da frica se
reflete internamente na crescente valorizao do papel do negro na
sociedade brasileira e na denncia das diversas formas de racismo. O
enfrentamento da desigualdade entre brancos e negros no pas e a
educao para as relaes tnicas e raciais ganhou maior relevncia com a
Constituio de 1988. O reconhecimento da prtica do racismo como
crime uma das expresses da deciso da sociedade brasileira de
superar a herana persistente da escravido. Recentemente, o sistema
educacional recebeu a responsabilidade de promover a valorizao da
contribuio africana quando, por meio da alterao da Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) e com a aprovao da Lei
10.639 de 2003, tornou-se obrigatrio o ensino da histria e da
cultura africana e afro-brasileira no currculo da educao bsica.
Essa Lei um marco histrico para a educao e a sociedade brasileira
por criar, via currculo escolar, um espao de dilogo e de
aprendizagem visando estimular o conhecimento sobre a histria e
cultura da frica e dos africanos, a histria e cultura dos negros no
Brasil e as contribuies na formao da sociedade brasileira nas suas
diferentes reas: social, econmica e poltica. Colabora, nessa direo,
para dar acesso a negros e no negros a novas possibilidades
educacionais pautadas nas diferenas socioculturais presentes na
formao do pas. Mais ainda, contribui para o processo de
conhecimento, reconhecimento e valorizao da diversidade tnica e
racial brasileira. Nessa perspectiva, a UNESCO e o Ministrio da
Educao acreditam que esta publicao estimular o necessrio avano e
aprofundamento de estudos, debates e pesquisas sobre a temtica, bem
como a elaborao de materiais pedaggicos que subsidiem a formao
inicial e continuada de professores e o seu trabalho junto aos
alunos. Objetivam assim com esta edio em portugus da Histria Geral
da frica contribuir para uma efetiva educao das relaes tnicas e
raciais no pas, conforme orienta as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino da
Histria e Cultura Afrobrasileira e Africana aprovada em 2004 pelo
Conselho Nacional de Educao. Boa leitura e sejam bem-vindos ao
Continente Africano. Vincent Defourny Fernando Haddad Representante
da UNESCO no Brasil Ministro de Estado da Educao do Brasil
10. NOTA DOS TRADUTORES IX NOTA DOS TRADUTORES A Conferncia de
Durban ocorreu em 2001 em um contexto mundial diferente daquele que
motivou as duas primeiras conferncias organizadas pela ONU sobre o
tema da discriminao racial e do racismo: em 1978 e 1983 em Genebra,
na Sua, o alvo da condenao era o apartheid. A conferncia de Durban
em 2001 tratou de um amplo leque de temas, entre os quais vale
destacar a avaliao dos avanos na luta contra o racismo, na luta
contra a discriminao racial e as formas correlatas de discriminao;
a avaliao dos obstculos que impedem esse avano em seus diversos
contextos; bem como a sugesto de medidas de combate s expresses de
racismo e intolerncias. Aps Durban, no caso brasileiro, um dos
aspectos para o equacionamento da questo social na agenda do
governo federal a implementao de polticas pblicas para a eliminao
das desvantagens raciais, de que o grupo afrodescendente padece, e,
ao mesmo tempo, a possibilidade de cumprir parte importante das
recomendaes da conferncia para os Estados Nacionais e organismos
internacionais. No que se refere educao, o diagnstico realizado em
novembro de 2007, a partir de uma parceria entre a UNESCO do Brasil
e a Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade do
Ministrio da Educao (SECAD/ MEC), constatou que existia um amplo
consenso entre os diferentes participantes, que concordavam, no
tocante a Lei 10.639-2003, em relao ao seu baixo grau de
institucionalizao e sua desigual aplicao no territrio nacional.
Entre
11. X frica do sculo VII ao XI os fatores assinalados para a
explicao da pouca institucionalizao da lei estava a falta de
materiais de referncia e didticos voltados Histria de frica. Por
outra parte, no que diz respeito aos manuais e estudos disponveis
sobre a Histria da frica, havia um certo consenso em afirmar que
durante muito tempo, e ainda hoje, a maior parte deles apresenta
uma imagem racializada e eurocntrica do continente africano,
desfigurando e desumanizando especialmente sua histria, uma histria
quase inexistente para muitos at a chegada dos europeus e do
colonialismo no sculo XIX. Rompendo com essa viso, a Histria Geral
da frica publicada pela UNESCO uma obra coletiva cujo objetivo a
melhor compreenso das sociedades e culturas africanas e demonstrar
a importncia das contribuies da frica para a histria do mundo. Ela
nasceu da demanda feita UNESCO pelas novas naes africanas
recm-independentes, que viam a importncia de contar com uma histria
da frica que oferecesse uma viso abrangente e completa do
continente, para alm das leituras e compreenses convencionais. Em
1964, a UNESCO assumiu o compromisso da preparao e publicao da
Histria Geral da frica. Uma das suas caractersticas mais relevantes
que ela permite compreender a evoluo histrica dos povos africanos
em sua relao com os outros povos. Contudo, at os dias de hoje, o
uso da Histria Geral da frica tem se limitado sobretudo a um grupo
restrito de historiadores e especialistas e tem sido menos usada
pelos professores/as e estudantes. No caso brasileiro, um dos
motivos desta limitao era a ausncia de uma traduo do conjunto dos
volumes que compem a obra em lngua portuguesa. A Universidade
Federal de So Carlos, por meio do Ncleo de Estudos Afrobrasileiros
(NEAB/UFSCar) e seus parceiros, ao concluir o trabalho de traduo e
atualizao ortogrfica do conjunto dos volumes, agradece o apoio da
Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (SECAD),
do Ministrio da Educao (MEC) e da UNESCO por terem propiciado as
condies para que um conjunto cada vez maior de brasileiros possa
conhecer e ter orgulho de compartilhar com outros povos do
continente americano o legado do continente africano para nossa
formao social e cultural.
12. XI Cronologia Cronologia Na apresentao das datas da
prhistria convencionouse adotar dois tipos de notao, com base nos
seguintes critrios: Tomando como ponto de partida a poca atual,
isto , datas B.P. (before present), tendo como referncia o ano de
+1950; nesse caso, as datas so todas negativas em relao a +1950.
Usando como referencial o incio da Era Crist; nesse caso, as datas
so simplesmente precedidas dos sinais ou +. No que diz respeito aos
sculos, as menes antes de Cristo e depois de Cristo so substitudas
por antes da Era Crist, da Era Crist. Exemplos: (i) 2300 B.P. = 350
(ii) 2900 a.C. = 2900 1800 d.C. = +1800 (iii) sculo V a.C. = sculo
V antes da Era Crist sculo III d.C. = sculo III da Era Crist
13. XIII Lista de Figuras Lista de Figuras Figura 1.1 Figura
2.1 Figura 2.2 Figura 2.3 Figura 2.4 Figura 3.1 Figura 3.2 O Velho
Mundo em
230/845...............................................................................
19 Representao da
Meca.........................................................................................
44 Representao de
Medina.....................................................................................
45 Pgina do Coro em escritura kufique, sculo IX (Abbasia,
Iraque)..................... 48 A expanso do Estado
Islmico............................................................................
62 As regies islamizadas aproximadamente no ano
500/1100................................. 71 Um elemento em detalhe
do minbar (em cedro esculpido) da mesquita de
Kayrawn...............................................................................................................
76 Figura 3.3 Um As regies islamizadas aproximadamente no ano
900/1500.......................... 95 Figura 5.1 A frica do Oeste
no sculo
XI.........................................................................
146 Figura 5.2 A mesquita de Tegdaoust/Awdghust, aps escavaes e
trabalhos de conservao dos
muros........................................................................................
158 Figura 6.1 A expanso
banta................................................................................................
173 Figura 6.2 Objeto cermico da antiga idade do ferro
(Urewe)............................................. 185 Figura 6.3
Objeto cermico da antiga idade do ferro
(Urewe)............................................. 185 Figura 6.4
Plantao de bananas em Rutare,
Ruanda..........................................................
186 Figura 6.5 Exemplo de reconstituio de um forno da antiga idade
do ferro em Ruanda... 188 Figura 6.6 Escavaes de fornos da antiga
idade do ferro: Kabuye XXXV.......................... 189 Figura
6.7 Escavaes de fornos da antiga idade do ferro: Nyaruhengeri
I......................... 189 Figura 6.8 Escavaes de fornos da
antiga idade do ferro: Gisagara VI..............................
190 Figura 6.9a a c Perfis de fornos da antiga idade do ferro
reconstitudos.............................. 191 Figura 7.1 O Egito
rabe.....................................................................................................
202
14. XIV frica do sculo VII ao XI Figura 7.2 A mesquita Ibn Tln,
no
Cairo.........................................................................
212 Figura 7.3 Mesquita fatmida do sculo XI. Detalhe da
fachada......................................... 212 Figura 7.4
Tmulo da poca fatmida, em
Fustt.................................................................
213 Figura 7.5 Egito: vaso (fatmida) de cermica lustrada, do sculo
X.................................... 223 Figura 7.7 Bb alNasr: uma
das portas da muralha da cidade
fatmida.............................. 228 Figura 7.8 Mesquita
alDjuysh. Vista geral do lado
leste.................................................. 229 Figura
8.1 A Nbia
crist.....................................................................................................
236 Figura 8.2 O edifcio da mesquita no velho Dongola, estado
atual...................................... 240 Figura 8.3 O palcio
real do velho Dongola, transformado em mesquita em
1317............. 240 Figura 8.4 Retrato de Kyros, bispo de Faras
(866902)....................................................... 242
Figura 8.5 Plano do stio cristo de DebeyraOeste
(24R8)............................................. 243 . Figura
8.6 Plano de Kasr alWizz, conjunto monstico nbio.
........................................... 243 Figura 8.7 Clice em
vidro encontrado na catedral de
Faras............................................... 248 . Figura
8.8 Retrato de Marianos, bispo de Faras
(10051036)............................................. 254 .
Figura 8.9 Arquitetura das igrejas nbias, segundo
perodo................................................. 259 Figura
8.10 Arquitetura das igrejas nbias, terceiro
perodo................................................ 262 Figura
8.11 Transepto norte da catedral de Faras e grande pintura mural
policromtica, representando a Natividade (aproximadamente do ano
1000)...........................263 Figura 9.1 A conquista do
Magreb pelos
rabes..................................................................
275 Figura 9.2 Parte das fortificaes bizantinas da cidade de
Tebessa...................................... 280 Figura 10.1 Vista
geral do vale no qual foi erguida a cidade de
Fez.................................... 305 Figura 10.2 Minarete da
mesquita de Karwiyyn de
Fez.................................................... 306 Figura
10.3 A Kubba Baradiyyin em Marrakesh: detalhe da ornamentao da
cpula....... 308 . Figura 10.4a e b O ribt de
Ss...........................................................................................
313 . Figura 10.5 O grande tanque de Rakda, nas proximidades de
Kayrawn.......................... 314 Figura 10.6 Porta e arcos
cegos da fachada oeste da mesquita de
Crdova......................... 323 Figura 11.1 O
Saara.............................................................................................................
331 Figura 11.2 Mesquita do sculo X, na cidade de Tozeur,
Djarid.......................................... 349 Figura 11.3 Um
dos osis do
Mzb.....................................................................................
353 Figura 12.1 O Magreb na primeira metade do sculo
V/XI................................................ 371 Figura
12.2 Vista panormica da pennsula de Mahdiyya (nos anos
1970)......................... 377 Figura 13.1 O imprio almorvida:
cidades e
monumentos................................................. 396
Figura 13.2 Marrakesh: escavaes no primeiro palcio
almorvida.................................... 410 Figura 13.3a
Ornamentos almorvidas: detalhes de uma porta em bronze
(Fez)................ 415 Figura 13.3b Ornamentos almorvidas de uma
porta da poca, com aldraba em bronze
(Fez)..........................................................................
416 Figura 13.4 Os pases da bacia do Senegal na poca
almorvida......................................... 422 . Figura
13.5a Cunho monetrio almorvida e instrumentos de gravao em
moedas.......... 426 Figura 13.5b Peas de moeda almorvida em
ouro..............................................................
426 . Figura 14.1 A zona desrtica a ser atravessada: mapa atual das
isoietas. ............................. 435 .
15. Lista de Figuras XV Figura 14.2 Itinerrios descritos por
Ibn
Hawkal................................................................
441 Figura 14.3 Um exemplo de cermica moldada in loco, imitando
potes importados do Magreb (data provvel: sculos
XXII)........................................................ 459
Figura 14.4 Oficinas monetrias de cunhagem de ouro s vsperas da
tomada do poder pelos
fatmidas........................................................................................
463 Figura 14.5 Cunhagem de dirrs no Magreb ocidental durante o
perodo idrsida............. 464 Figura 14.6 Cunhagem do ouro no
mundo muulmano ocidental aps 910....................... 465 .
Figura 14.7 Tegdaoust/Awdghust: pesos em vidro
fatmidas............................................. 467 Figura
14.8 Cunhagem em ouro dos almorvidas. Oficinas de cunhagem.
......................... 470 . Tegdaoust/Awdghust: fios de ouro
produzidos com uma pedra de Figura 14.9 . filetagem.
..........................................................................................................
472 Tegdaoust/Awdghust: meios lingotes de ouro encontrados em
Figura 14.10
escavaes........................................................................................................
472 Figura 14.11 Corrente de prata descoberta nas escavaes de
Tegdaoust/Awdghust......... 476 Figura 14.12 Itinerrios de alBakr;
parte
ocidental...........................................................
478 . Figura 14.13 Itinerrios de alIdrs; parte ocidental.
.......................................................... 481
Figura 14.14 Os pontos do trfico transaariano, sculos
IXXI........................................... 486 Figura 14.15
Tegdaoust/Awdghust: lamparina a leo com reservatrio decorado com
impresses
pivotantes......................................................................................
489 Tegdaoust/Awdghust: caneca em vidro importada, talvez da
Ifrkiya ou Figura 14.16 do Egito
(?).....................................................................................................
490 Figura 14.17 Zonas de produo do ouro na frica
Ocidental........................................... 496 . Figura
14.18 Tegdaoust/Awdghust: um exemplo indito de estatueta
antropomrfica...... 502 Figura 14.19 Tegdaoust/Awdghust: uma das
balanas descobertas, restaurada pelo Museu do Ferro, em
Nancy.............................................................................
506 Figura 15.1 Objetos em bronze provenientes das escavaes de
Houlouf........................... 517 Figura 15.2 Jarro de
prapresentao humana proveniente de
Houlouf............................. 517 Figura 15.3 O outeiro de
Deguesse, no extremo norte de
Camares................................... 518 Figura 16.1 A zona
guineana: lugares mencionados no
texto.............................................. 539 Figura 16.2
Representao grfica, vista superior, do stio de
Wassu................................... 550 Figura 16.3 Dois
crculos de pedra de Wassu, com linhas frontais mais ou menos
completas no
leste.............................................................................................
551 Figura 16.4 A pedra em lira de
KerBatch..........................................................................
552 . Figura 16.5a a h As escavaes de
IgboUkwu....................................................................
558 Figura 16.5a Pingente miniatura em bronze representando uma
cabea, vista de perfil...... 558 Figura 16.5b Pingente em bronze
representando uma cabea decorada de carneiro............ 558 Figura
16.5c Crnio de leopardo em bronze, montado sobre uma haste de
cobre............... 558 Figura 16.5d Pingente em bronze,
representando um pssaro e dois ovos, com crtalos e amarraes em
pequenas correntes de fio de
cobre...................................... 558 Figura 16.5e
Pedestal cilndrico em
bronze..........................................................................
559 Figura 16.5f Taa em bronze sobre pedestal.
.......................................................................
559 .
16. XVI frica do sculo VII ao XI Figura 16.5g Animal sobre uma
concha em
bronze.............................................................
559 Figura 16.5h Taa de bronze em forma de
croissant............................................................
559 Figura 17.1 Cidades e stios mencionados no
texto.............................................................
570 Figura 17.2 Grupos lingusticos, povos e reinos mencionados no
texto............................... 572 Figura 17.3 Cermica
decorada com pintura, proveniente das escavaes realizadas em
Nyarko, nos arrabaldes da metrpole comercial de Begho, Repblica de
Gana............................................................................................................
580 Cermica com engobo e gravura feita com rolete, proveniente das
Figura 17.4 escavaes realizadas em New Buipe, Repblica de Gana,
sculos
VIIIX...................................................................................................582
Cermica decorada por estampagem, proveniente das escavaes
realizadas Figura 17.5 . em New Buipe, Repblica de Gana, sculos
VIIIX.........................................582 Cermicas com
bordas salientes, ricamente decorada, Figura 17.6 (7 e 8) do perodo
II, proveniente de Nkukoa Buoho, proximamente a Kumasi, c.
5001200...............................................................................584
Materiais da cultura neoltica de Kintampo, do perodo I, Figura 17.7
(9, 10 e 11) proveniente de Nkukoa Buoho, prxima a Kumasi, c.
1500/500..................................................................................584
Figura 17.8 ceramistas dangme do stio da Idade do Ferro de
Cherekecherete, Os nas plancies de Accra (Gold Coast), sucessores
dos povos da Idade do Ferro do sculo VII ao sculo XI, fabricavam
cermica decorada, representando cabeas de animais domsticos e de
seres humanos, . modeladas e
estilizadas......................................................................................587
Figura 17.9 Cabea de terracota proveniente de uma figura oni (rei),
. exumada em Ita Yemoo, regio de Ife, 26,3 cm de altura.
.................................595 Cabea de terracota proveniente
de estatueta representando talvez uma Figura 17.10 rainha, revelada
em Ita Yemoo, regio de Ife, 23,1 cm de
altura......................596 Figura 17.11 Cabea de terracota
encontrada prxima da rota de Ifewara, regio de Ife, 22,5 cm de
altura.............................................................................................597
Figura 17.12a a f Objetos encontrados durante as escavaes de
IgboUkwu..................... 606 . Figura 17.12a Pingentes de
bronze, com forma de cabeas de elefantes, provenientes do depsito
de objetos reais, altura: 7,4
cm....................................................606 Figura
17.12b Tema ornando um basto de comando, proveniente do depsito de
. objetos reais, altura: 14,5
cm..........................................................................606
Figura 17.12c Pingente de bronze, com forma de cabea de carneiro,
proveniente . do depsito de objetos reais, altura: 8,9
cm....................................................606 Figura
17.12d Pote em bronze envolvido por cordas, com base de bronze
servindo como altar. Depsito de objetos reais, 30,48 cm de
comprimento.................607 Figura 17.12e Pote de forma
redonda, proveniente do depsito de objetos reais, altura: 29
cm...................................................................................................607
Figura 17.12f Pote de terracota, muito decorado, proveniente da
descarga de IgboUkwu, altura: 40,6
cm............................................................................607
Figura 18.1 frica do Oeste: grandes regies fsicas.
.......................................................... 622
.
17. Lista de Figuras XVII Figura 18.2 Famlias lingusticas da
frica do Oeste mapa simplificado indicando algumas das principais
lnguas..........................................................................
624 Figura 18.3 Os manden e as suas
lnguas.............................................................................
627 Figura 18.4 Movimentos populacionais na alta
Guin........................................................ 634
Figura 19.1 O chifre da
frica.............................................................................................
655 Figura 19.2 Interior da igreja de Tcherqos (Saint Cyriacus), em
Agowo, sculos IXX da Era
Crist...............................................................................
656 Figura 19.3 Evangelho de Abba Guerima, com a figura de So
Marcos, sculo XI............ 665 Figura 19.4 Moeda do rei Armah,
sculo VII da Era
Crist............................................... 668 . Figura
21.1 Escavaes no stio de Manda..
........................................................................
693 . Figura 21.2 Cermica descoberta em Mro Deoua, em
Comores......................................... 696 Figura 21.3
Velha mesquita shrz de Domoni Anjouan, nas ilhas Comores, sculo
XI...........................................................................................................
697 Figura 22.1 As principais sociedades da frica Oriental do sculo
VII ao IX. ................... 723 . Figura 23.1 Culturas arcaicas
da frica Oriental e
Austral................................................. 755 .
Figura 23.2 Stios arqueolgicos da frica
Central.............................................................
758 Figura 23.3 Tumba do Kisaliano antigo (sculo VIIIX). Stio de
Kamilamba................... 760 . . Figura 23.4 Tumba do Kisaliano
clssico (sculo XXVI). Stio de Sanga.......................... 761
Figura 23.5 Cermica e pulseira em marfim, de
Sanga........................................................ 764
Figura 23.6 Cermica do estilo luangua, proveniente do abrigo
rupestre de Makwe, leste da
Zmbia.................................................................................................
773 Figura 23.7 Cermica moderna de estilo
lungwebungu.......................................................
775 Figura 24.1 Alguns dos grupos tnicos definidos pelo estilo de
cermica na frica Austral, entre 700 e
900......................................................................................
780 Figura 24.2 Grupos tnicos e movimentos populacionais na frica
Austral, entre 950 e
1000...............................................................................................
782 Organizao espacial dos pastores bantos. A casa do chefe
encontrase Figura 24.3 geralmente no alto de um declive, atrs do
ptio dos homens e do
estbulo.............................................................................................................
787 Figura 24.4 Planta de K2, por volta de 1050. A estrela designa
o ptio dos homens........... 793 Figura 24.5 Esquema de Mapungubwe
em 1075 e 1150.....................................................
795 Figura 25.1 Madagascar e as ilhas
Comores........................................................................
801 Figura 25.2 Caneleira: Cinnamomum
Zeylanicum..............................................................
806 Figura 26.1 batalha dos cls, de Khamsa de Nizm, um manuscrito
datada de A 866/1461.
Bagd...............................................................................................
835 Figura 27.1 As relaes entre as diferentes regies da frica do
sculo VII ao XI.............. 862 Figura 27.2 um acampamento ao
outro. Transumncia de pastores no Sahel De maliano, arredores de
Gumbu do
Sahel............................................................
865 Figura 28.1a a g As diferentes raas de gado na
frica....................................................... 887 .
Figura 28.2 Casa de tijolo cru: cmodo
abobadado.............................................................
893 Figura 28.3a e b produo de estatuetas de terracota existia no
territrio da atual A Repblica do Nger entre os sculos VI e
X.............................................. 897
18. XVIII frica do sculo VII ao XI Figura 28.4 Busto feminino
de terracota (escavaes de 1972; sondagem de J. Devisse em Kumbi
Saleh). Engobo ocre.
...................................................... 898 .
Pavimento em cacos: canto de um ptio trazido luz em Ita Yemoo,
Figura 28.5 na regio de Ife. A escala est em
ps...............................................................
899 Figura 28.6 Joia filigranada encontrada em Tegdaoust,
Mauritnia..................................... 900 Figura 28.7
Pingentes em cornalina, colares em prolas de cornalina e objetos de
vidro provenientes da cmara funerria de IgboUkwu.
..................................... 902 . Colares de prolas
coloridas provenientes do depsito de objetos reais em Figura 28.8 .
IgboUkwu.......................................................................................................
902 . Figura 28.9a a c Tecidos descobertos nas grutas de Tellem, no
Mali................................... 907 Figura 28.9a Desenho de
reconstituio da tnica trapezoidal (Z9) proveniente da gruta Z,
sculos XIIXIII da Era
Crist......................................................... 907
Tnica de algodo trapezoidal (C71186I) proveniente da gruta C Figura
28.9b (sculos XIXII da Era
Crist.........................................................................
907 Crnio tellem (2337N51), coberto por uma toca de algodo (C202)
Figura 28.9c proveniente da gruta C, sculos XIXII da Era
Crist.................................... 907 Figura 28.10
Fusaiolas descobertas em
Tegdaoust...............................................................
908 Figura 28.11 Cuba de ndigo no norte da Costa do
Marfim............................................... 908 P Figura
28.12 roduo de sal, Walata: caravana vinda da sebkhra de Idjl
(Mauritnia), com uma carga de barras de
sal........................................................................
910
19. XIX Prefcio Prefcio por M. Amadou Mahtar MBow, Diretor
Geral da UNESCO (1974-1987) Durante muito tempo, mitos e
preconceitos de toda espcie esconderam do mundo a real histria da
frica. As sociedades africanas passavam por sociedades que no
podiam ter histria. Apesar de importantes trabalhos efetuados desde
as primeiras dcadas do sculo XX por pioneiros como Leo Frobenius,
Maurice Delafosse e Arturo Labriola, um grande nmero de
especialistas no africanos, ligados a certos postulados,
sustentavam que essas sociedades no podiam ser objeto de um estudo
cientfico, notadamente por falta de fontes e documentos escritos.
Se a Ilada e a Odisseia podiam ser devidamente consideradas como
fontes essenciais da histria da Grcia antiga, em contrapartida,
negava-se todo valor tradio oral africana, essa memria dos povos
que fornece, em suas vidas, a trama de tantos acontecimentos
marcantes. Ao escrever a histria de grande parte da frica,
recorria-se somente a fontes externas frica, oferecendo uma viso no
do que poderia ser o percurso dos povos africanos, mas daquilo que
se pensava que ele deveria ser. Tomando frequentemente a Idade Mdia
europeia como ponto de referncia, os modos de produo, as relaes
sociais tanto quanto as instituies polticas no eram percebidos seno
em referncia ao passado da Europa. Com efeito, havia uma recusa a
considerar o povo africano como o criador de culturas originais que
floresceram e se perpetuaram, atravs dos sculos, por
20. XX frica do sculo VII ao XI vias que lhes so prprias e que
o historiador s pode apreender renunciando a certos preconceitos e
renovando seu mtodo. Da mesma forma, o continente africano quase
nunca era considerado como uma entidade histrica. Em contrrio,
enfatizava-se tudo o que pudesse reforar a ideia de uma ciso que
teria existido, desde sempre, entre uma frica branca e uma frica
negra que se ignoravam reciprocamente. Apresentava-se
frequentemente o Saara como um espao impenetrvel que tornaria
impossveis misturas entre etnias e povos, bem como trocas de bens,
crenas, hbitos e ideias entre as sociedades constitudas de um lado
e de outro do deserto. Traavam-se fronteiras intransponveis entre
as civilizaes do antigo Egito e da Nbia e aquelas dos povos
subsaarianos. Certamente, a histria da frica norte-saariana esteve
antes ligada quela da bacia mediterrnea, muito mais que a histria
da frica subsaariana mas, nos dias atuais, amplamente reconhecido
que as civilizaes do continente africano, pela sua variedade
lingustica e cultural, formam em graus variados as vertentes
histricas de um conjunto de povos e sociedades, unidos por laos
seculares. Um outro fenmeno que grandes danos causou ao estudo
objetivo do passado africano foi o aparecimento, com o trfico
negreiro e a colonizao, de esteretipos raciais criadores de
desprezo e incompreenso, to profundamente consolidados que
corromperam inclusive os prprios conceitos da historiografia. Desde
que foram empregadas as noes de brancos e negros, para nomear
genericamente os colonizadores, considerados superiores, e os
colonizados, os africanos foram levados a lutar contra uma dupla
servido, econmica e psicolgica. Marcado pela pigmentao de sua pele,
transformado em uma mercadoria entre outras, e destinado ao
trabalho forado, o africano veio a simbolizar, na conscincia de
seus dominadores, uma essncia racial imaginria e ilusoriamente
inferior: a de negro. Este processo de falsa identificao depreciou
a histria dos povos africanos no esprito de muitos, rebaixando-a a
uma etno-histria, em cuja apreciao das realidades histricas e
culturais no podia ser seno falseada. A situao evoluiu muito desde
o fim da Segunda Guerra Mundial, em particular, desde que os pases
da frica, tendo alcanado sua independncia, comearam a participar
ativamente da vida da comunidade internacional e dos intercmbios a
ela inerentes. Historiadores, em nmero crescente, tm se esforado em
abordar o estudo da frica com mais rigor, objetividade e abertura
de esprito, empregando obviamente com as devidas precaues fontes
africanas originais. No exerccio de seu direito iniciativa
histrica, os prprios africanos sentiram profundamente a necessidade
de restabelecer, em bases slidas, a historicidade de suas
sociedades.
21. Prefcio XXI nesse contexto que emerge a importncia da
Histria Geral da frica, em oito volumes, cuja publicao a Unesco
comeou. Os especialistas de numerosos pases que se empenharam nessa
obra, preocuparam-se, primeiramente, em estabelecer-lhe os
fundamentos tericos e metodolgicos. Eles tiveram o cuidado em
questionar as simplificaes abusivas criadas por uma concepo linear
e limitativa da histria universal, bem como em restabelecer a
verdade dos fatos sempre que necessrio e possvel. Eles esforaram-se
para extrair os dados histricos que permitissem melhor acompanhar a
evoluo dos diferentes povos africanos em sua especificidade
sociocultural. Nessa tarefa imensa, complexa e rdua em vista da
diversidade de fontes e da disperso dos documentos, a UNESCO
procedeu por etapas. A primeira fase (1965-1969) consistiu em
trabalhos de documentao e de planificao da obra. Atividades
operacionais foram conduzidas in loco, atravs de pesquisas de
campo: campanhas de coleta da tradio oral, criao de centros
regionais de documentao para a tradio oral, coleta de manuscritos
inditos em rabe e ajami (lnguas africanas escritas em caracteres
rabes), compilao de inventrios de arquivos e preparao de um Guia
das fontes da histria da frica, publicado posteriormente, em nove
volumes, a partir dos arquivos e bibliotecas dos pases da Europa.
Por outro lado, foram organizados encontros, entre especialistas
africanos e de outros continentes, durante os quais se discutiu
questes metodolgicas e traou-se as grandes linhas do projeto, aps
atencioso exame das fontes disponveis. Uma segunda etapa (1969 a
1971) foi consagrada ao detalhamento e articulao do conjunto da
obra. Durante esse perodo, realizaram-se reunies internacionais de
especialistas em Paris (1969) e Addis-Abeba (1970), com o propsito
de examinar e detalhar os problemas relativos redao e publicao da
obra: apresentao em oito volumes, edio principal em ingls, francs e
rabe, assim como tradues para lnguas africanas, tais como o
kiswahili, o hawsa, o peul, o yoruba ou o lingala. Igualmente esto
previstas tradues para o alemo, russo, portugus, espanhol e chins
1, alm de edies resumidas, destinadas a um pblico mais amplo, tanto
africano quanto internacional. 1 O volume I foi publicado em ingls,
rabe, chins, coreano, espanhol, francs, hawsa, italiano, kiswahili,
peul e portugus; o volume II, em ingls, rabe, chins, coreano,
espanhol, francs, hawsa, italiano, kiswahili, peul e portugus; o
volume III, em ingls, rabe, espanhol e francs; o volume IV, em
ingls, rabe, chins, espanhol, francs e portugus; o volume V, em
ingls e rabe; o volume VI, em ingls, rabe e francs; o volume VII,
em ingls, rabe, chins, espanhol, francs e portugus; o VIII, em
ingls e francs.
22. XXII frica do sculo VII ao XI A terceira e ltima fase
constituiu-se na redao e na publicao do trabalho. Ela comeou pela
nomeao de um Comit Cientfico Internacional de trinta e nove
membros, composto por africanos e no africanos, na respectiva
proporo de dois teros e um tero, a quem incumbiu-se a
responsabilidade intelectual pela obra. Interdisciplinar, o mtodo
seguido caracterizou-se tanto pela pluralidade de abordagens
tericas quanto de fontes. Dentre essas ltimas, preciso citar
primeiramente a arqueologia, detentora de grande parte das chaves
da histria das culturas e das civilizaes africanas. Graas a ela,
admite-se, nos dias atuais, reconhecer que a frica foi, com toda
probabilidade, o bero da humanidade, palco de uma das primeiras
revolues tecnolgicas da histria, ocorrida no perodo Neoltico. A
arqueologia igualmente mostrou que, na frica, especificamente no
Egito, desenvolveu-se uma das antigas civilizaes mais brilhantes do
mundo. Outra fonte digna de nota a tradio oral que, at recentemente
desconhecida, aparece hoje como uma preciosa fonte para a
reconstituio da histria da frica, permitindo seguir o percurso de
seus diferentes povos no tempo e no espao, compreender, a partir de
seu interior, a viso africana do mundo, e apreender os traos
originais dos valores que fundam as culturas e as instituies do
continente. Saber-se- reconhecer o mrito do Comit Cientfico
Internacional encarregado dessa Histria geral da frica, de seu
relator, bem como de seus coordenadores e autores dos diferentes
volumes e captulos, por terem lanado uma luz original sobre o
passado da frica, abraado em sua totalidade, evitando todo
dogmatismo no estudo de questes essenciais, tais como: o trfico
negreiro, essa sangria sem fim, responsvel por umas das deportaes
mais cruis da histria dos povos e que despojou o continente de uma
parte de suas foras vivas, no momento em que esse ltimo
desempenhava um papel determinante no progresso econmico e
comercial da Europa; a colonizao, com todas suas consequncias nos
mbitos demogrfico, econmico, psicolgico e cultural; as relaes entre
a frica ao sul do Saara e o mundo rabe; o processo de descolonizao
e de construo nacional, mobilizador da razo e da paixo de pessoas
ainda vivas e muitas vezes em plena atividade. Todas essas questes
foram abordadas com grande preocupao quanto honestidade e ao rigor
cientfico, o que constitui um mrito no desprezvel da presente obra.
Ao fazer o balano de nossos conhecimentos sobre a frica, propondo
diversas perspectivas sobre as culturas africanas e oferecendo uma
nova leitura da histria, a Histria geral da frica tem a indiscutvel
vantagem de destacar tanto as luzes quanto as sombras, sem
dissimular as divergncias de opinio entre os estudiosos.
23. Prefcio XXIII Ao demonstrar a insuficincia dos enfoques
metodolgicos amide utilizados na pesquisa sobre a frica, essa nova
publicao convida renovao e ao aprofundamento de uma dupla
problemtica, da historiografia e da identidade cultural, unidas por
laos de reciprocidade. Ela inaugura a via, como todo trabalho
histrico de valor, para mltiplas novas pesquisas. assim que, em
estreita colaborao com a UNESCO, o Comit Cientfico Internacional
decidiu empreender estudos complementares com o intuito de
aprofundar algumas questes que permitiro uma viso mais clara sobre
certos aspectos do passado da frica. Esses trabalhos, publicados na
coleo UNESCO Histria geral da frica: estudos e documentos, viro a
constituir, de modo til, um suplemento presente obra2. Igualmente,
tal esforo desdobrar-se- na elaborao de publicaes versando sobre a
histria nacional ou sub-regional. Essa Histria geral da frica
coloca simultaneamente em foco a unidade histrica da frica e suas
relaes com os outros continentes, especialmente com as Amricas e o
Caribe. Por muito tempo, as expresses da criatividade dos
afrodescendentes nas Amricas haviam sido isoladas por certos
historiadores em um agregado heterclito de africanismos; essa viso,
obviamente, no corresponde quela dos autores da presente obra.
Aqui, a resistncia dos escravos deportados para a Amrica, o fato
tocante ao marronage [fuga ou clandestinidade] poltico e cultural,
a participao constante e massiva dos afrodescendentes nas lutas da
primeira independncia americana, bem como nos movimentos nacionais
de libertao, esses fatos so justamente apreciados pelo que eles
realmente foram: vigorosas afirmaes de identidade que contriburam
para forjar o conceito universal de humanidade. hoje evidente que a
herana africana marcou, em maior ou menor grau, segundo as regies,
as maneiras de sentir, pensar, sonhar e agir de certas naes do
hemisfrio ocidental. Do sul dos Estados Unidos ao norte do Brasil,
passando pelo Caribe e pela costa do Pacfico, as contribuies
culturais herdadas da frica so visveis por toda parte; em certos
casos, inclusive, elas constituem os fundamentos essenciais da
identidade cultural de alguns dos elementos mais importantes da
populao. 2 Doze nmeros dessa srie foram publicados; eles tratam
respectivamente sobre: n. 1 O povoamento do Egito antigo e a
decodificao da escrita merotica; n. 2 O trfico negreiro do sculo XV
ao sculo XIX; n. 3 Relaes histricas atravs do Oceano ndico; n. 4 A
historiografia da frica Meridional; n. 5 A descolonizao da frica:
frica Meridional e Chifre da frica [Nordeste da frica]; n. 6
Etnonmias e toponmias; n. 7 As relaes histricas e socioculturais
entre a frica e o mundo rabe; n. 8 A metodologia da histria da
frica contempornea; n. 9 O processo de educao e a historiografia na
frica; n. 10 A frica e a Segunda Guerra Mundial; n. 11 Lbia
Antiqua; n. 12 O papel dos movimentos estudantis africanos na
evoluo poltica e social da frica de 1900 a 1975.
24. XXIV frica do sculo VII ao XI Igualmente, essa obra faz
aparecerem nitidamente as relaes da frica com o sul da sia atravs
do Oceano ndico, alm de evidenciar as contribuies africanas junto a
outras civilizaes em seu jogo de trocas mtuas. Estou convencido de
que os esforos dos povos da frica para conquistar ou reforar sua
independncia, assegurar seu desenvolvimento e consolidar suas
especificidades culturais devem enraizar-se em uma conscincia
histrica renovada, intensamente vivida e assumida de gerao em
gerao. Minha formao pessoal, a experincia adquirida como professor
e, desde os primrdios da independncia, como presidente da primeira
comisso criada com vistas reforma dos programas de ensino de
histria e de geografia de certos pases da frica Ocidental e
Central, ensinaram-me o quanto era necessrio, para a educao da
juventude e para a informao do pblico, uma obra de histria
elaborada por pesquisadores que conhecessem desde o seu interior os
problemas e as esperanas da frica, pensadores capazes de considerar
o continente em sua totalidade. Por todas essas razes, a UNESCO
zelar para que essa Histria Geral da frica seja amplamente
difundida, em numerosos idiomas, e constitua base da elaborao de
livros infantis, manuais escolares e emisses televisivas ou
radiofnicas. Dessa forma, jovens, escolares, estudantes e adultos,
da frica e de outras partes, podero ter uma melhor viso do passado
do continente africano e dos fatores que o explicam, alm de lhes
oferecer uma compreenso mais precisa acerca de seu patrimnio
cultural e de sua contribuio ao progresso geral da humanidade. Essa
obra dever ento contribuir para favorecer a cooperao internacional
e reforar a solidariedade entre os povos em suas aspiraes por
justia, progresso e paz. Pelo menos, esse o voto que manifesto
muito sinceramente. Resta-me ainda expressar minha profunda gratido
aos membros do Comit Cientfico Internacional, ao redator, aos
coordenadores dos diferentes volumes, aos autores e a todos aqueles
que colaboraram para a realizao desta prodigiosa empreitada. O
trabalho por eles efetuado e a contribuio por eles trazida mostram,
com clareza, o quanto homens vindos de diversos horizontes,
conquanto animados por uma mesma vontade e igual entusiasmo a
servio da verdade de todos os homens, podem fazer, no quadro
internacional oferecido pela UNESCO, para lograr xito em um projeto
de tamanho valor cientfico e cultural. Meu reconhecimento
igualmente estende-se s organizaes e aos governos que, graas a suas
generosas doaes, permitiram UNESCO publicar essa obra em diferentes
lnguas e assegurar-lhe a difuso universal que ela merece, em prol
da comunidade internacional em sua totalidade.
25. Apresentao do Projeto XXV Apresentao do Projeto pelo
Professor Bethwell Allan Ogot Presidente do Comit Cientfico
Internacional para a redao de uma Histria Geral da frica A
Conferncia Geral da UNESCO, em sua dcima sexta sesso, solicitou ao
Diretorgeral que empreendesse a redao de uma Histria Geral da
frica. Esse considervel trabalho foi confiado a um Comit Cientfico
Internacional criado pelo Conselho Executivo em 1970. Segundo os
termos dos estatutos adotados pelo Conselho Executivo da UNESCO, em
1971, esse Comit compese de trinta e nove membros responsveis
(dentre os quais dois teros africanos e um tero de noafricanos),
nomeados pelo Diretorgeral da UNESCO por um perodo correspondente
durao do mandato do Comit. A primeira tarefa do Comit consistiu em
definir as principais caractersticas da obra. Ele definiuas em sua
primeira sesso, nos seguintes termos: Em que pese visar a maior
qualidade cientfica possvel, a Histria Geral da frica no busca a
exausto e se pretende uma obra de sntese que evitar o dogmatismo.
Sob muitos aspectos, ela constitui uma exposio dos problemas
indicadores do atual estdio dos conhecimentos e das grandes
correntes de pensamento e pesquisa, no hesitando em assinalar, em
tais circunstncias, as divergncias de opinio. Ela assim preparar o
caminho para posteriores publicaes. A frica aqui considerada como
um todo. O objetivo mostrar as relaes histricas entre as diferentes
partes do continente, muito amide
26. XXVI frica do sculo VII ao XI subdividido, nas obras
publicadas at o momento. Os laos histricos da frica com os outros
continentes recebem a ateno merecida e so analisados sob o ngulo
dos intercmbios mtuos e das influncias multilaterais, de forma a
fazer ressurgir, oportunamente, a contribuio da frica para o
desenvolvimento da humanidade. A Histria Geral da frica consiste,
antes de tudo, em uma histria das ideias e das civilizaes, das
sociedades e das instituies. Ela fundamentase sobre uma grande
diversidade de fontes, aqui compreendidas a tradio oral e a
expresso artstica. A Histria Geral da frica aqui essencialmente
examinada de seu interior. Obra erudita, ela tambm , em larga
medida, o fiel reflexo da maneira atravs da qual os autores
africanos veem sua prpria civilizao. Embora elaborada em mbito
internacional e recorrendo a todos os dados cientficos atuais, a
Histria ser igualmente um elemento capital para o reconhecimento do
patrimnio cultural africano, evidenciando os fatores que contribuem
para a unidade do continente. Essa vontade de examinar os fatos de
seu interior constitui o ineditismo da obra e poder, alm de suas
qualidades cientficas, conferirlhe um grande valor de atualidade.
Ao evidenciar a verdadeira face da frica, a Histria poderia, em uma
poca dominada por rivalidades econmicas e tcnicas, propor uma
concepo particular dos valores humanos. O Comit decidiu apresentar
a obra, dedicada ao estudo de mais de 3 milhes de anos de histria
da frica, em oito volumes, cada qual compreendendo aproximadamente
oitocentas pginas de texto com ilustraes (fotos, mapas e desenhos
tracejados). Para cada volume designouse um coordenador principal,
assistido, quando necessrio, por um ou dois codiretores
assistentes. Os coordenadores dos volumes so escolhidos, tanto
entre os membros do Comit quanto fora dele, em meio a especialistas
externos ao organismo, todos eleitos por esse ltimo, pela maioria
de dois teros. Eles se encarregamda elaborao dos volumes, em
conformidade com as decises e segundo os planos decididos pelo
Comit. So eles os responsveis, no plano cientfico, perante o Comit
ou, entre duas sesses do Comit, perante o Conselho Executivo, pelo
contedo dos volumes, pela redao final dos textos ou ilustraes e, de
uma maneira geral, por todos os aspectos cientficos e tcnicos da
Histria. o Conselho Executivo quem aprova, em ltima instncia, o
original definitivo. Uma vez considerado pronto para a edio, o
texto remetido ao DiretorGeral
27. Apresentao do Projeto XXVII da UNESCO. A responsabilidade
pela obra cabe, dessa forma, ao Comit ou, entre duas sesses do
Comit, ao Conselho Executivo. Cada volume compreende por volta de
30 captulos. Cada qual redigido por um autor principal, assistido
por um ou dois colaboradores, caso necessrio. Os autores so
escolhidos pelo Comit em funo de seu curriculum vitae. A preferncia
concedida aos autores africanos, sob reserva de sua adequao aos
ttulos requeridos. Alm disso, o Comit zela, tanto quanto possvel,
para que todas as regies da frica, bem como outras regies que
tenham mantido relaes histricas ou culturais com o continente,
estejam de forma equitativa representadas no quadro dos autores.
Aps aprovao pelo coordenador do volume, os textos dos diferentes
captulos so enviados a todos os membros do Comit para submisso sua
crtica. Ademais e finalmente, o texto do coordenador do volume
submetido ao exame de um comit de leitura, designado no seio do
Comit Cientfico Internacional, em funo de suas competncias; cabe a
esse comit realizar uma profunda anlise tanto do contedo quanto da
forma dos captulos. Ao Conselho Executivo cabe aprovar, em ltima
instncia, os originais. Tal procedimento, aparentemente longo e
complexo, revelouse necessrio, pois permite assegurar o mximo de
rigor cientfico Histria Geral da frica. Com efeito, houve ocasies
nas quais o Conselho Executivo rejeitou originais, solicitou
reestruturaes importantes ou, inclusive, confiou a redao de um
captulo a um novo autor. Eventualmente, especialistas de uma questo
ou perodo especfico da histria foram consultados para a finalizao
definitiva de um volume. Primeiramente, uma edio principal da obra
em ingls, francs e rabe ser publicada, posteriormente haver uma
edio em forma de brochura, nesses mesmos idiomas. Uma verso
resumida em ingls e francs servir como base para a traduo em lnguas
africanas. O Comit Cientfico Internacional determinou quais os
idiomas africanos para os quais sero realizadas as primeiras
tradues: o kiswahili e o haussa. Tanto quanto possvel, pretendese
igualmente assegurar a publicao da Histria Geral da frica em vrios
idiomas de grande difuso internacional (dentre outros: alemo,
chins, italiano, japons, portugus, russo, etc.). Tratase, portanto,
como se pode constatar, de uma empreitada gigantesca que constitui
um ingente desafio para os historiadores da frica e para a
comunidade cientfica em geral, bem como para a UNESCO que lhe
oferece
28. XXVIII frica do sculo VII ao XI sua chancela. Com efeito,
podese facilmente imaginar a complexidade de uma tarefa tal qual a
redao de uma histria da frica, que cobre no espao todo um
continente e, no tempo, os quatro ltimos milhes de anos,
respeitando, todavia, as mais elevadas normas cientficas e
convocando, como necessrio, estudiosos pertencentes a todo um leque
de pases, culturas, ideologias e tradies histricas. Tratase de um
empreendimento continental, internacional e interdisciplinar, de
grande envergadura. Em concluso, obrigome a sublinhar a importncia
dessa obra para a frica e para todo o mundo. No momento em que os
povos da frica lutam para se unir e para, em conjunto, melhor
forjar seus respectivos destinos, um conhecimento adequado sobre o
passado da frica, uma tomada de conscincia no tocante aos elos que
unem os Africanos entre si e a frica aos demais continentes, tudo
isso deveria facilitar, em grande medida, a compreenso mtua entre
os povos da Terra e, alm disso, propiciar sobretudo o conhecimento
de um patrimnio cultural cuja riqueza consiste em um bem de toda a
Humanidade. Bethwell Allan Ogot Em 8 de agosto de 1979 Presidente
do Comit Cientfico Internacional para a redao de uma Histria Geral
da frica
29. 1 A frica no contexto da histria mundial CAPTULO 1 A frica
no contexto da histria mundial Ivan Hrbek Um extraterrestre que
tivesse visitado o Velho Mundo no incio do sculo VII da era crist
e, posteriormente, a ele voltasse cinco sculos mais tarde
aproximadamente em 1100 facilmente concluiria com as suas observaes
que a totalidade dos seus habitantes brevemente tornarseia
muulmana. Por ocasio da sua primeira visita, a comunidade que se
reunira em Meca, pequena cidade perdida na imensido de desertos da
Arbia, em torno do pregador da nova religio, o profeta Maom, no
totalizava sequer uma centena de membros, os quais eram obrigados a
enfrentar a crescente hostilidade dos seus compatriotas. Cinco
sculos mais tarde, os fiis do isl se haviam disseminado sobre um
territrio que se estendia das margens do rio Ebro, do Senegal e do
Nger, no Oeste, at as margens dos rios SyrDaria e Indus, no Leste,
e avanava ao Norte at o Volga, em pleno corao do continente
euroasitico, atingindo ao sul a costa oriental da frica. Na poro
central deste territrio, os muulmanos constituam a maioria da
populao, ao passo que, em algumas regies da sua periferia, eles
estavam entre os dirigentes ou em meio aos comerciantes, dedicados
a sempre empurrar mais alm as fronteiras do Isl. Sem dvida, o mundo
islmico j perdera nesta poca a sua unidade poltica: dividido em
numerosos Estados independentes, ele inclusive fora obrigado a
ceder terreno em algumas regies (no Norte da Espanha, na Siclia e,
at o final do perodo considerado, em uma pequena parte
30. 2 frica do sculo VII ao XI da Palestina e do Lbano),
contudo, ele no deixava de representar uma cultura e uma civilizao
relativamente homogneas cuja vitalidade estava longe de ser
esgotada. Entrementes, o isl cessara de constituir uma religio
exclusivamente rabe; a nova f lograra aliar e assimilar os mais
diversos elementos tnicos para fundi los no crisol de uma
comunidade cultural e religiosa nica. Nascido sob o sol ardente da
pennsula arbica, o isl soubera aclimatarse a diferentes latitudes e
junto a povos to distintos quanto os camponeses da Prsia, do Egito
e da Espanha, os nmades berberes somalis e turcos, os montanheses
afegos e curdos, os prias da ndia, os comerciantes soninqus e os
dirigentes do Knem. Numerosos dentre estes povos se haviam tornado,
por sua vez, ardentes defensores do isl, retomando a flmula das mos
dos rabes e propagando a f em novas direes. Perante um xito to
resplandecente, o nosso extraterrestre no poderia deixar de
demonstrarse to impressionado quanto os numerosos historiadores que
no hesitaram em qualificar como era islmica este perodo contido
entre os sculos VII e XI, qui mais alm. Certamente, os povos
muulmanos no dominaram o conjunto do planeta e tampouco exerceram
uma influncia poltica, religiosa ou cultural decisiva sobre o
restante do mundo; a expresso deve ser tomada num sentido
totalmente relativo: dentre as diferentes reas culturais da poca, o
mundo islmico foi a mais dinmica e progressiva em certo nmero de
domnios da atividade humana. Evidentemente, seria inexato passar em
silncio pelas transformaes ocorridas em outras regies ou subestimar
as realizaes de outros povos na frica, sia e Europa durante o mesmo
perodo, haja vista que nestas regies j se desenhavam algumas
tendncias anunciadoras da evoluo ulterior, as quais certamente
influenciariam os destinos do mundo. A ascenso da civilizao islmica
A conquista rabe apresenta numerosas similaridades com as outras
tentativas do mesmo tipo identificadas pela histria, entretanto,
ela se distingue igualmente destas ltimas em mltiplos aspectos.
Primeiramente, embora inspirados por um ensinamento religioso, os
rabes no esperavam, em princpio, que os povos conquistados se
convertessem sua comunidade religiosa, mas eles lhes permitiam
conservar as suas prprias crenas. Com o passar de algumas geraes,
todavia, a maior poro das populaes urbanas converterase ao isl e
mesmo os noconvertidos tendencialmente adotavam o rabe,
transformado
31. A frica no contexto da histria mundial 3 em lngua veicular
de uma cultura comum. O imprio rabe fora edificado por um exrcito
de guerreiros nmades, porm esta fora armada tinha sua frente
mercadores citadinos j familiarizados com as culturas dos
territrios ocupados. Contrariamente a outros imprios nmades, o
imprio fundado pelos rabes soube por muito tempo preservar a sua
unidade; enquanto os mongis, por exemplo, haviam adotado as lnguas
e os sistemas religiosos dos territrios ocupados, os rabes, a seu
turno, impuseram a sua lngua e a sua autoridade aos diversos povos
que eles haviam dominado. As conquistas rabes dos sculos VII e VIII
tiveram dois efeitos marcantes e durveis. O mais imediato e
espetacular foi a criao de um novo grande Estado na bacia
mediterrnea e no Oriente Mdio. O segundo, mais lento e tumultuoso,
embora igualmente importante, foi o florescimento de uma nova
cultura no interior deste Estado. O Estado rabe constiturase em um
verdadeiro imprio com uma rapidez raramente igualada na histria. Um
sculo aps o seu surgimento no cenrio mundial, os rabes eram os
senhores de um territrio estendido dos Pirineus, na fronteira com a
Frana, ao Pamir, na sia Central. A Espanha, a frica do Norte, o
Egito, o antigo Imprio Bizantino, ao Sul das montanhas de Toros, e
o Imprio Persa, ao Leste, estavam desde ento ligados a um mesmo
reino imperial, to vasto quanto fora o Imprio Romano em seu apogeu.
Durante pouco mais de um sculo, os conquistadores rabes lograram
preservar a coeso dos territrios dominados. Na segunda metade do
sculo VII, diferentes regies comearam a lhes escapar, ao passo que
os muulmanos no rabes reivindicavam os seus direitos com vistas a
compartilharem o poder poltico e administrativo. No Oeste, a
Espanha, a frica do Norte e, posteriormente, o Egito retomariam
progressivamente a sua independncia, engajandose em trajetrias
distintas. No Leste, diversas dinastias de origem persa ou turca
(de cultura persa) entraram em cena e rapidamente estenderam o seu
domnio s regies orientais do califado. Ao final do sculo XI, o
Imprio rabe perdera h muito tempo a sua grandeza passada. Ele se
desmembrara em um extraordinrio mosaico de pequenos Estados,
poderes regionais e dinastias rivais, dos quais somente um pequeno
nmero era de origem rabe. Assim sendo, o Imprio rabe dos primeiros
conquistadores cedera lugar ao mundo muulmano da Idade Mdia: mundo,
e no mais imprio, pois constitudo de Estados politicamente autnomos
e frequentemente hostis, conquanto conscientes de uma identidade
comum que os diferenciava das outras regies do globo; muulmano, e
no somente rabe, pois fundado em uma f comum, muito mais que sobre
laos tnicos.
32. 4 frica do sculo VII ao XI O segundo resultado durvel da
conquista rabe foi a criao, no seio do Isl, de uma nova civilizao.
Os conquistadores rabes haviam construdo o seu imprio graas nova f
islmica e s suas proezas militares; entretanto, a cultura destes
homens do deserto era, antes, simples e rudimentar. Comparado ao
rico legado clssico helenstico ou persa dos pases conquistados, o
aporte cultural dos rabes aparentava ser assaz limitado. Ele foi
todavia importante em muitos aspectos. Com efeito, alm da sua
religio, os rabes transmitiam a sua lngua, a qual se tornaria a
principal lngua administrativa, literria e cientfica de todo o
mundo muulmano, e ofereciam a sua poesia e as suas concepes
estticas. A civilizao rica e original que caracterizou o mundo
muulmano em seu apogeu era uma sntese de diversas tradies dos povos
que se ligaram ao Isl ou viveram sob o seu domnio. Herdeira das
conquistas materiais e intelectuais dos povos do Oriente Mdio e do
Mediterrneo, ela igualmente tornara seus e assimilara numerosos
traos de origem indiana e chinesa, para a difuso dos quais ela
posteriormente contribuiria. Seria errneo conceber a civilizao
muulmana como um simples conjunto dspar de emprstimos culturais.
Certamente, em um primeiro momento, numerosos elementos
estrangeiros foram adotados sem qualquer transformao, porm eles
seriam progressivamente combinados a outros elementos, amplificados
e desenvolvidos at a adoo de formas originais, alimentando e
estimulando a criatividade muulmana nos planos cientfico, artstico
e tecnolgico. Deste modo surgiu uma civilizao especificamente
muulmana, refletindo o novo universalismo e a nova ordem social.
Fatores geogrficos e econmicos O florescimento desta civilizao
tornouse possvel graas a um conjunto de fatores favorveis,
dialeticamente ligados entre si. O Imprio Muulmano foi edificado em
uma regio que era o bero da mais antiga civilizao do mundo. Os
conquistadores rabes ali haviam encontrado uma cultura e uma
economia urbanas derivadas de uma secular tradio da qual, muito
rapidamente, eles souberam tirar proveito, estabelecendose nas
urbes prexistentes, mas, igualmente, fundando numerosas e novas
cidades. Foi justamente em funo do seu carter urbano que o mundo
muulmano e a sua civilizao distinguiramse mais vigorosamente do
Ocidente cristo, no incio da Idade Mdia. A existncia, no seio do
Imprio Muulmano, de numerosas cidades fortemente povoadas teve
consequncias considerveis no conjunto da sua economia e,
particularmente, no
33. A frica no contexto da histria mundial 5 mbito das relaes
comerciais existentes com outras partes do Velho Mundo. Era no
prprio cerne do imprio que se encontravam os mais importantes
centros econmicos e culturais. Na mesma poca, a Europa Ocidental
oferecia um quadro bem distinto, caracterizado por uma disperso em
comunidades rurais e por uma atividade comercial e intelectual
reduzida sua mais simples expresso. O desenvolvimento econmico e
social do mundo muulmano seguiu, portanto, orientaes gerais
diametralmente opostas quelas que caracterizaram, na mesma poca, a
histria da Europa. A ligao ao Imprio Muulmano de um nmero to grande
de pases favoreceu o desenvolvimento das atividades comerciais a um
ponto tal que no teria sido atingido quando a regio era
politicamente dividida. Se contarmos a partir dos ltimos anos do
sculo VII at o final do sculo XII, o Imprio Muulmano funcionou como
uma zona de livre comrcio. Os bens produzidos em uma das suas
regies estavam rapidamente disponveis nas outras, de modo que os
mesmos hbitos de consumo eram compartilhados por populaes numerosas
e diversas, espalhadas em um vasto territrio. Situado a meio
caminho entre o Oriente e o Ocidente, o mundo muulmano igualmente
contribuiu para difundir as inovaes tcnicas junto aos povos
circunvizinhos. O incremento das trocas comerciais, entre as
diferentes partes do Imprio Islmico e alm das suas fronteiras,
estimulou as produes locais destinadas a novos mercados. Ele tambm
conferiu novo impulso s descobertas e s aplicaes tcnicas na esfera
da navegao, por exemplo, em campos conexos tais como a construo
naval, a astronomia e a geografia, assim como no tocante s prticas
comerciais e bancrias. O crescimento econmico esboado no sculo VIII
e ocorrido durante vrios sculos devese em grande parte ao afluxo de
metais preciosos nas regies centrais do Oriente Prximo. Os
primeiros dinares de ouro foram cunhados ao final do sculo VII
pelos omadas; eles circulavam essencialmente nas antigas provncias
bizantinas, enquanto as regies situadas mais a Leste continuaram
por muito tempo a utilizar as tradicionais moedas de prata. No
sculo IX, o aumento da quantidade de ouro disponvel provocou uma
perturbao no sistema monetrio do Imprio Muulmano: os pases onde,
desde tempos imemorveis, somente haviam circulado moedas de prata,
adotaram uma dupla moeda e em todas as regies orientais do califado
comeouse a cunhar dinares de ouro. No Oeste a situao era diferente:
sobretudo em razo do difcil acesso a minas de ouro, o Magreb e a
Espanha muulmana permaneceram por longo perodo ligados moeda de
prata. A situao no evoluiria seno no sculo X, quando se
desenvolveram as importaes de ouro proveniente do Sudo Ocidental e,
sob
34. 6 frica do sculo VII ao XI os almorvidas, o dinar tornarase
uma moeda internacionalmente reconhecida1. A emisso em grandes
quantidades de excelentes moedas em ouro e prata teve muitas
repercusses na vida econmica dos pases muulmanos. O crescimento do
consumo de diversos bens estimulou a produo, mas, simultaneamente,
desencadeou uma alta brutal nos preos. Do ponto de vista geogrfico,
o Imprio Muulmano igualmente estava em vantagem graas sua posio no
corao do Velho Mundo. Dominando a regio da pennsula, ela prpria
situada entre as duas reas martimas do Mediterrneo e do Oceano
ndico, os muulmanos dispunham de um trunfo decisivo no que tange ao
comrcio com os territrios mais distantes. Em virtude da sua prpria
imensido, das costas do Atlntico s fronteiras chinesas, o mundo
muulmano era a nica grande rea cultural que se mantinha em contato
direto com cada uma das suas congneres Imprio Bizantino, a Europa
Ocidental, a ndia e a China. A sua situao geogrfica igualmente lhe
permitia estabelecer laos com vastas zonas fronteirias e com novos
povos nas plancies fluviais da Eursia, na sia Central, no Sahel
sudans, alm do Saara, e no Sudeste Asitico. Justamente, foi nestas
regies que prosseguiu a expanso do Isl, aps a primeira onda de
conquistas, principalmente ao longo das grandes rotas comerciais
terrestres a via das estepes, dos desertos e dos osis que
interligava a sia Central frica Ocidental e martimas a rota
conduzindo aos pases situados s margens do Oceano ndico e no
Extremo Oriente. Esta posio central conduzia o mundo muulmano a
servir como intermedirio ou ponte entre todas as outras regies do
Velho Mundo. Juntamente com as mercadorias transportadas por terra
ou pelo mar, circulava relevante nmero de ideias e conceitos, bem
como inovaes tecnolgicas e cientficas. Algumas novidades no eram
aceitas seno pelos muulmanos; entretanto, elas eram em sua maioria
adotadas nas regies justapostas ao imprio. Frequentemente, difcil
saber como ou em quais momentos estes aportes culturais ou tcnicos
aconteceram, porm a sua realidade no poderia ser questionada. Assim
sendo, o papel foi um dos primeiros importantes produtos que vieram
da China para a Europa, passando pelos territrios muulmanos. Inveno
originalmente chinesa, ele fora introduzido no Imprio Muulmano por
prisioneiros de guerra chineses trazidos a Samarkand, em 751. Estes
papeleiros chineses ensinaram aos muulmanos as suas tcnicas de
fabricao e Samarkand tornouse a primeira cidade produtora de papel
fora da China. Esta atividade foi posteriormente 1 Conferir C.
Cahen, 1981.
35. A frica no contexto da histria mundial 7 retomada em Bagd,
em seguida na Arbia, na Sria e no Egito, assim como, finalmente, no
Marrocos (sculo IX) e na Espanha muulmana (na primeira metade do
sculo X). Nesta ltima regio, a cidade de Jtiva (Shtiba em rabe)
tornouse o principal centro de fabricao de papel e, a partir dali,
no sculo XII a tcnica foi introduzida na Catalunha, primeira regio
europeia a produzir papel. Desnecessrio sublinhar o considervel
impacto exercido, sobre a cultura e a civilizao em geral, pela
difuso de uma dentre as mais importantes invenes da humanidade. Do
mesmo modo no tocante s matemticas, a numerao decimal inventada na
ndia foi muito prontamente adotada (desde o sculo VIII) pelos
muulmanos os quais denominavam algarismos indianos aqueles que ns
consideramos algarismos arbicos e transmitida ao mundo ocidental
entre o final do sculo IX e a metade do sculo X. A adoo da numerao
decimal pelos muulmanos tornou possvel o desenvolvimento da lgebra,
ramo das matemticas que, at ento, no constitura objeto de nenhum
estudo srio e sistemtico. Sem as bases da lgebra, as matemticas e
as cincias naturais modernas no teriam visto o dia. O mundo islmico
e a frica Vejamos agora qual foi o impacto do mundo muulmano e da
sua civilizao sobre a frica e os povos africanos. Ns abordaremos,
em um primeiro momento, as regies do continente africano que se
encontraram assimiladas ao Imprio Muulmano ao final da primeira
onda de conquistas, a saber, o Egito e a frica do Norte, antes de
nos interessarmos pelas regies que sofreram, de um modo ou de
outro, a influncia do Isl ou dos povos muulmanos, sem terem sido
politicamente anexadas a nenhum dos grandes Estados islmicos da
poca. A histria do Egito islmico entre o sculo VII e o final do
sculo XI aquela, fascinante, de uma importante provncia, embora
relativamente afastada do califado, transformada em centro do
potente imprio dos fatmidas, originalmente simples celeiro,
posteriormente principal entreposto comercial entre o Mediterrneo e
o Oceano ndico, espcie de primo pobre do mundo muulmano no plano
das atividades intelectuais, transformada em um dos grandes centros
culturais rabes. Em mltiplas ocasies, o Egito exerceu influncia no
destino de outras partes da frica; ele foi o ponto de partida da
conquista rabe do Magreb, no sculo VII, em seguida da invaso hill,
no sculo XI. A primeira teve como efeito islamizar a frica do Norte
e a segunda arabizla. Foi a partir do Egito que os bedunos rabes
iniciaram o seu movimento rumo ao Sul e penetraram
36. 8 frica do sculo VII ao XI progressivamente na Nbia,
abrindo deste modo a via para o declnio dos seus reinos cristos e
para a arabizao do Sudo niltico. Embora o Egito tenha cessado,
durante este perodo, de ser uma terra crist e a maioria da sua
populao se tenha convertido ao isl, o patriarcado de Alexandria
continuava a controlar as igrejas monofisistas da Nbia e da Etipia,
constituindose em alguns momentos no instrumento da poltica egpcia
nestes pases. No se deve perder de vista o fato do Egito ser o
destino final de elevado nmero de escravos negros da frica que
foram importados da Nbia (segundo o clebre tratado [bakt]), da
Etipia e do Sudo ocidental e central. Em meio a esta triste
mercadoria humana, havia um certo Kfr que finalmente tornar seia o
verdadeiro chefe do pas. Outros, aos milhares, tornarseiam
militares, exercendo considervel influncia em matria de poltica
interna. Contudo, em sua maioria eles foram empregados em tarefas
modestas e subalternas. Seria necessrio aguardar os sculos XII e
XIII para que o Egito realmente desempenhasse um papel de primeira
ordem, colocandose como campeo do isl frente aos cruzados
ocidentais e aos invasores mongis; todavia, ele no seria capaz de
fazlo sem a consolidao poltica e econmica dos sculos precedentes.
No Magreb, os conquistadores rabes enfrentaram a tenaz resistncia
dos berberes e somente ao final do sculo VII lograram submeter as
principais regies. A maioria dos berberes converteuse ento ao isl
e, malgrado o ressentimento que lhes inspirava a dominao poltica
rabe, eles tornaramse ardentes partidrios da nova f, contribuindo
para propagla do outro lado do estreito de Gibraltar e alm do
Saara. Os guerreiros berberes compunham a grande parte dos exrcitos
muulmanos que conquistaram a Espanha sob os omadas, como as tropas
aglbidas que arrancaram a Siclia dos bizantinos e as foras fatmidas
que conduziram vitoriosas campanhas no Egito e na Sria. A frica do
Norte ocupava uma posiochave no mundo muulmano, poltica e
economicamente. Precisamente do Magreb lanouse a conquista da
Espanha e da Siclia, cujas repercusses so conhecidas na histria do
Mediterrneo Ocidental e da Europa. O Magreb foi um importante elo
entre vrias civilizaes, constituindose como campo de retransmisso
para diversas influncias que circulavam nos dois sentidos. Sob o
domnio muulmano, esta regio da frica esteve novamente ligada a uma
economia de importncia mundial, na rbita da qual ela desempenhou um
papel de primeiro plano. No curso do perodo estudado, ela conheceu
um novo crescimento demogrfico, uma considervel urbanizao e uma
retomada da prosperidade econmica e social.
37. A frica no contexto da histria mundial 9 Do ponto de vista
religioso, os berberes exerceram uma dupla influncia. Antes de
tudo, as suas tradies democrticas e igualitrias levaramnos muito
cedo a aderirem quelas das seitas do isl que pregavam estes
princpios. Embora o kharidjisme berbere tenha sido esmagado aps um
florescimento que durou vrios sculos e conquanto no tenha
sobrevivido seno em algumas comunidades, o esprito de reforma e de
populismo permaneceu como parte integrante do isl magrebino, como
testemunham os grandes movimentos dos almorvidas e dos almorades,
assim como a multiplicao das confrarias sufis. A segunda grande
contribuio dos berberes ao Isl mas, igualmente, frica foi
introduzir a religio muulmana ao Sul do Saara. As caravanas de
comerciantes berberes que atravessavam o grande deserto em direo s
regies mais frteis do Sahel e do Sudo no transportavam somente
mercadorias: elas propagavam novas concepes religiosas e culturais
que encontraram eco no seio da classe dos mercadores antes de
seduzir as cortes dos soberanos africanos2. Uma segunda onda de
islamizao do cinturo sudans reproduzirseia no sculo XI com a
ascenso dos almorvidas, movimento religioso autenticamente berbere.
A influncia do isl berbere e das suas aspiraes reformistas jamais
desapareceu no Sudo: ela ressurgiria com particular vigor no
momento das jihad do sculo XIX. Esta abertura para o Saara e para a
zona sudanesa conferia frica do Norte uma particular importncia
para a economia do mundo muulmano. Quando o ouro sudans comeou a
afluir rumo costa mediterrnea em quantidades cada vez maiores, ele
provocou uma ascenso econmica que permitiu a numerosas dinastias
muulmanas reinantes no Oeste abandonarem a moeda de prata em
proveito da moeda em ouro. A explorao das minas de sal do Saara
intensificouse, em resposta crescente demanda da frica subsaariana
por esta indispensvel substncia mineral. Segundo respeitados
recentes trabalhos, as trocas com a frica subsaariana provavelmente
constituram, durante vrios sculos, o ramo mais frutuoso do comrcio
exterior do Imprio Muulmano3. A zona sudanesa ocidental uma das
regies da frica que, no tendo sido submetida pelos rabes nem por
qualquer outro povo muulmano, jamais fez parte do califado; no
entanto, ela no deixou de sofrer influncias muulmanas sempre mais
fortes em razo dos contatos comerciais e culturais, sendo
finalmente integrada, at certo ponto, ao sistema econmico do Isl. A
situao era sensivelmente a mesma na costa oriental da frica,
apresentando todavia importantes diferenas. 2 3 A difuso do isl
estudada com maior detalhamento no captulo 3, a seguir. E. Ashtor,
1976, pp. 100102.
38. 10 frica do sculo VII ao XI Desde a Antiguidade, a costa
leste era frequentada pelos mercadores vindos do Sul da Arbia e da
Prsia para ali realizarem o seu comrcio. Aps a ascenso do Isl e a
fundao do Imprio Islmico, uma vasta rede comercial controlada por
muulmanos, em sua maioria rabes ou persas, estabeleceuse no Oceano
ndico; interligando as margens do Golfo rabePrsico4 e
(posteriormente) do Mar Vermelho ndia, Malsia, Indonsia e China do
Sul, esta rede estendiase igualmente at a costa oriental da frica,
aos Comores e a certas partes de Madagascar. A prosperidade das
cidades costeiras pertencentes a esta rede estava, em larga medida,
ligada situao econmica geral de toda a rea do Oceano ndico e,
particularmente, dos pases muulmanos. Alm disso, em virtude da
contnua expanso econmica que caracterizou o pe