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1 História Fernanda Corrêa Coutinho Gisele Pereira Dias Mário Cesar do Nascimento Bevilaqua INTRODUÇÃO A ansiedade faz parte da condição humana e pode ser analisada ao longo da história a partir de diferentes perspectivas. 1 Estu- dos sob as mais diversas abordagens, como antropológica, filosófica, religiosa, médi- ca e psicológica, mostram o quanto essa sensação intriga e motiva os pesquisado- res a buscar constantemente novos enten- dimentos a respeito desse sentimento que faz parte da história da humanidade. Este capítulo apresenta um panora- ma da história da ansiedade e detalha o momento no qual o termo passou a fazer parte da história da medicina, bem como traz um recorte dos transtornos de ansie- dade ao destacar desde a elaboração até o desenvolvimento do conceito de trans- torno de pânico e sua influência na clínica médica contemporânea. Relatos da Antiguidade apontam a ansiedade como uma característica pre- sente no cotidiano dos homens na Grécia Antiga. Na mitologia desse país, por exem- plo, Pã, o deus dos bosques, dos campos, dos rebanhos e dos pastores, era temido por aqueles que necessitavam atravessar as florestas à noite. Com sua aparência as- sustadora, metade homem e metade car- neiro, causava sustos, gritos, medos, pa- vores e sofrimento àqueles que cruzavam as matas. As trevas e a solidão das traves- sias induziam os que as realizavam a pa- vores súbitos, desprovidos de qualquer causa aparente, como um “ataque de pâ- nico”. Daí a origem da palavra pânico. 2 Na Grécia Antiga, apesar de não existir uma palavra para descrever a an- siedade, já se usavam termos como ma- nia, melancolia, histeria e paranoia pa- ra definir sentimentos pouco conhecidos, porém vividos em sua plenitude. Relatos bíblicos apontam que os sintomas de me- do excessivo já apareciam naquela época e eram atribuídos ao relacionamento com Deus 3 e ao distanciamento deste. No início do século XVII, o termo ansiedade começou a ser usado na escri- ta médica sobre doenças mentais. 4 Não se falava em “psiquiatria”, já que essa pala- vra não se enquadrava na linguagem mé- dica até Johann Reil criá-la, em 1808. O uso do termo ansiedade também signifi- cava o início de uma distinção entre os níveis normais vividos pela população em geral depois de desapontamentos no amor, preocupações financeiras e proble- mas de saúde e os níveis excessivos apre- sentados por pessoas que reagiam de for- ma mais intensa a eventos similares. Em acréscimo, o que hoje consideramos sín-

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HistóriaFernanda Corrêa Coutinho

Gisele Pereira Dias Mário Cesar do Nascimento Bevilaqua

INTRODUÇÃO

A ansiedade faz parte da condição humana e pode ser analisada ao longo da história a partir de diferentes perspectivas.1 Estu-dos sob as mais diversas abordagens, como antropológica, filosófica, religiosa, médi-ca e psicológica, mostram o quanto essa sensação intriga e motiva os pesquisado-res a buscar constantemente novos enten-dimentos a respeito desse sentimento que faz parte da história da humanidade.

Este capítulo apresenta um panora-ma da história da ansiedade e detalha o momento no qual o termo passou a fazer parte da história da medicina, bem como traz um recorte dos transtornos de ansie-dade ao destacar desde a elaboração até o desenvolvimento do conceito de trans-torno de pânico e sua influência na clínica médica contemporânea.

Relatos da Antiguidade apontam a ansiedade como uma característica pre-sente no cotidiano dos homens na Grécia Antiga. Na mitologia desse país, por exem-plo, Pã, o deus dos bosques, dos campos, dos rebanhos e dos pastores, era temido por aqueles que necessitavam atravessar as florestas à noite. Com sua aparência as-sustadora, metade homem e metade car-neiro, causava sustos, gritos, medos, pa-

vores e sofrimento àqueles que cruzavam as matas. As trevas e a solidão das traves-sias induziam os que as realizavam a pa-vores súbitos, desprovidos de qualquer causa aparente, como um “ataque de pâ-nico”. Daí a origem da palavra pânico.2

Na Grécia Antiga, apesar de não existir uma palavra para descrever a an-siedade, já se usavam termos como ma-nia, melancolia, histeria e paranoia pa-ra definir sentimentos pouco conhecidos, porém vividos em sua plenitude. Relatos bíblicos apontam que os sintomas de me-do excessivo já apareciam naquela época e eram atribuídos ao relacionamento com Deus3 e ao distanciamento deste.

No início do século XVII, o termo ansiedade começou a ser usado na escri-ta médica sobre doenças mentais.4 Não se falava em “psiquiatria”, já que essa pala-vra não se enquadrava na linguagem mé-dica até Johann Reil criá-la, em 1808. O uso do termo ansiedade também signifi-cava o início de uma distinção entre os níveis normais vividos pela população em geral depois de desapontamentos no amor, preocupações financeiras e proble-mas de saúde e os níveis excessivos apre-sentados por pessoas que reagiam de for-ma mais intensa a eventos similares. Em acréscimo, o que hoje consideramos sín-

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dromes de ansiedade grave era, naque-le período, vinculado a quadros depressi-vos.5

Já no século XVIII, os médicos no campo da doença mental concentraram-se nos pacientes com delírios ou outros sinto-mas de transtornos que requeriam cuidado institucional. A ansiedade era vista estrita-mente sob o enfoque biológico, passando a ser considerada por seus aspectos físicos e destacando-se os sintomas corporais a ela relacionados. Segundo o médico escocês William Cullen (1710-1790), nesse perío-do era comum associar a ansiedade a al-gum tipo de “doença do nervo”, uma vez que o sistema nervoso era claramente acio-nado, o que deu origem ao termo neurose.4

Os primeiros anos do século XIX tes-temunharam uma mudança parcial do fo-co no campo da saúde mental. Apesar de não ser uma hegemonia mundial, passou--se a cogitar a possibilidade de as causas das doenças mentais serem psicológicas, e não físicas. Nessa época, já se tentava entender o medo de falar em público, a aversão a animais, a agitação excessiva, a angústia e a dificuldade para dormir, con-ferindo-se explicações psicossomáticas a tais sintomas.6 Considerava-se que ansie-dade intensa e tristeza poderiam levar a condições orgânicas.

Contudo, na França do início do sé-culo XIX, os ataques de pânico eram enten-didos como crises agudas de angústia, sen-do definidos pelo médico Landré-Beauvais como “um certo mal-estar, inquietude, agi-tação excessiva”. Sintomas como tontura, taquicardia e inquietude ainda eram vistos como parte da doença neurocirculatória. O termo neurose fazia referência a distúrbios orgânicos e somáticos, não estando rela-cionado a transtornos mentais.5

Ainda em meados do século XIX, os sintomas de ansiedade eram encontrados em nosologias médicas espalhadas pelas seções dedicadas a coração, orelha, intes-

tino e cérebro. A ansiedade continuava a ser vista e tratada como uma questão físi-ca – no sentido de ser um distúrbio do ór-gão sintomático, como evidenciam os li-vros de medicina desse período, nos quais é possível encontrar as principais fontes de estudos históricos dos transtornos de ansiedade.3

No que se refere aos sintomas de an-siedade, começou-se a esboçar uma pro-gressiva mudança a partir de 1850. As causas somáticas, que até então eram plenamente aceitas, passaram a dividir a atenção com possíveis causas psicoló-gicas.5 De fato, o tratamento e o estudo da ansiedade só foram designados à seção psiquiátrica no final do século XIX.7

Nessa fase, a classificação diagnósti-ca não era considerada essencial para o trabalho clínico, embora alguns sistemas de classificação já existissem. Entre es-tes, o de Emil Kraepelin (1856-1926) era o único que apresentava um sistema de classificação dos transtornos mentais com utilidade clínica. Ele procurava entender os transtornos psiquiátricos por meio da observação de seus desfechos, dividindo--os em 13 grupos baseados em seu curso e resultado. Como exemplo, separou a de-mência de outros transtornos.7

Kraepelin teve destacada influência na criação da primeira nomenclatura ofi-cial para os transtornos mentais, publica-da em 1918, com a ideia de ser a clas-sificação utilizada em hospitais e de pos-sibilitar uma melhor comunicação entre clínicos e cientistas. Esse sistema, porém, nunca foi popularizado. Ao fim dos anos de 1940, houve crescente reconhecimento internacional da necessidade de consenso científico sobre a terminologia das doen-ças mentais, o que levou, em 1946, à cria-ção do National Institute of Mental Heal-th (NIMH), culminando com um projeto para desenvolver um sistema de diagnós-tico mais abrangente.7 Dois anos depois,

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a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a sexta edição da Classificação internacional de doenças (CID-6), que, pe-la primeira vez, incluiu uma seção para transtornos mentais.

Na segunda metade do século XIX, começou-se a estudar a ansiedade por meio da mente humana. Nesse período, o termo pânico foi descrito pela primeira vez na psiquiatria. O termo utilizado por um dos pioneiros da psiquiatria inglesa, Henry Maudsley (1835-1918), em 1879, foi “pânico melancólico”. Sua obra Body and Mind foi, inclusive, uma das referên-cias para o trabalho de Charles Darwin (1809-1882) (Quadro 1.1).

Só no fim do século XIX os sintomas de ansiedade foram reunidos em um no-vo conceito nosológico e passaram ao cui-dado da psiquiatria, com base nos tra-balhos de psiquiatras franceses e de Sig-mund Freud.

Freud, na década de 1890, publi-cou um trabalho teórico bastante difun-dido naquele período. O manuscrito cita-va a “neurose de angústia” e definia seus sintomas: irritabilidade geral, expectativa ansiosa e ataques de ansiedade, entre ou-tros. Os sintomas resultavam de um pro-blema hereditário ou de uma excitação somática oriunda de um mau funciona-mento do sistema nervoso e poderiam es-tar associados de diversas formas.

Freud entendia a “neurose de angús-tia” como uma forma de “neurose atual”, resultado de uma condição reativa com origem em eventos da infância.3,8-10 Para ele, existiam duas formas clínicas funda-mentais de manifestação da angústia: por meio de crise de ansiedade ou do “esta-do crônico”.5 Associada à neurose de an-gústia estava a agorafobia – considera-da um esforço do paciente para evitar os “ataques de angústia” em situações nas quais não era possível pedir ajuda. É in-teressante pontuar que a estreita relação

entre os ataques de pânico e a agorafo-bia, hoje consolidada, já aparecia nos tex-tos de Freud.5

O conceito diagnóstico de “neurose de angústia” impactou a literatura médi-ca e teve grande aceitação pelos psiquia-tras por muitas décadas. É possível com-parar a introdução de Freud sobre a “neu-rose de angústia” com a introdução dos conceitos de transtorno de ansiedade ge-neralizada (TAG) e transtorno de pânico da terceira edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM--III): ambos apresentaram um novo para-digma que foi rapidamente aceito pela co-munidade científica e gerou uma vasta li-teratura sobre o tema.11

No início do século XX, a crença na hereditariedade das emoções e uma con-tínua ênfase nos aspectos biológicos da ansiedade influenciaram a compreensão acadêmica e médica dos transtornos de ansiedade. Ribot, um estudioso da épo-ca que contribuiu muito para o conceito de ansiedade, identificou diferentes tipos de transtornos de ansiedade, tais como o TAG e as fobias específicas.4

No que se refere aos transtornos de ansiedade, o foco deixou de ser somente o biológico para ser uma busca da com-preensão do ambiente como fator de in-fluência. Por exemplo, em 1938, B.F. Skin-ner definiu a ansiedade como um conjun-to de respostas condicionadas a eventos aversivos, ou seja, a ansiedade era vista como manifestações de respostas apren-didas. Naquele momento, o behaviorismo desempenhou papel importante ao enfa-tizar que o ambiente contribui para de-sencadear esses transtornos.11 Essa nova forma de entender a ansiedade forneceu subsídios para uma renovada abordagem de tratamento. A terapia comportamental utiliza técnicas de exposição que, até ho-je, têm-se mostrado eficazes para comba-ter os sintomas de ansiedade.17

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QUADRO 1.1 A concepção darwinista da ansiedade: contribuições para a psiquiatria contemporânea

Em seu livro mais importante, A origem das espécies (1859), Charles Darwin13 expõe sua ideia ino-vadora de que as características físicas e comportamentais de um organismo podem ser conside-radas adaptativas – sendo, assim, selecionadas – quando aumentam a probabilidade de sobrevi-vência e reprodução. Tal princípio, nomeado seleção natural, foi um legado sem precedentes pa-ra a neurobiologia contemporânea. Anos mais tarde, em A expressão das emoções nos homens e nos animais (1872), Darwin14 aplica o princípio de seleção natural aos traços emocionais. Segun-do ele, se hoje, como espécie, exibimos um determinado padrão de respostas emocionais, como as observadas em contextos de medo e ansiedade, devemos isso ao fato de estas provavelmen-te terem constituído importantes características que favoreceram a sobrevivência de nossos an-cestrais. Foram, por esse motivo, selecionadas e mantidas ao longo dos milhares de anos de evo-lução da espécie humana.

O processo evolutivo, entretanto, não está concluído, e jamais estará enquanto existirmos. Ba-sicamente, nossos circuitos neurais são os mesmos dos nossos ancestrais caçadores-coletores. Todavia, a sociedade humana tem passado por transformações contextuais sem precedentes e em velocidade cada vez maior. Essa constatação, defendida pela psicologia evolucionista15 – ra-mo da psicologia que entende os fatores comportamentais e psicológicos sob a ótica darwinista –, leva-nos a pensar que, se alguns de nossos traços de ansiedade foram adaptativos para nossos ancestrais, hoje podem ser considerados um transtorno. Além disso, a ansiedade pode – e, pro-vavelmente, sempre pôde – desencadear respostas psicológicas e comportamentais amplamen-te disfuncionais se ativadas com frequência ou na ausência de estímulos de fato ameaçadores.

Atualmente, a teoria evolucionista de Darwin é o princípio hegemônico da ciência contemporâ-nea, norteando, assim, a forma como a psiquiatria ocidental concebe os transtornos psicopatoló-gicos. Nesse sentido, a ansiedade é vista como um conjunto de respostas comportamentais, en-dócrinas e fisiológicas, como alerta e esquiva, que foram selecionadas ao longo de nossa história evolutiva por sua função adaptativa de nos preparar e proteger contra estímulos potencialmen-te ameaçadores.16 Assim, opondo-se ao dualismo cartesiano corpo versus mente, a teoria darwi-nista concebe os traços psicológicos como orgânicos e fisiológicos, sendo, dessa forma, sujei-tos às mesmas leis de adaptabilidade que regem a seleção natural de todas as demais caracterís-ticas do organismo.

Nesse contexto, os ataques de pânico poderiam ser vistos como uma tentativa extrema de alarme do organismo diante de alguma ameaça percebida, via ativação das respostas simpáticas de luta e fuga do indivíduo. No entanto, não se deve conceber os princípios evolucionistas de forma super-ficial: a ideia de ataques de pânico como tendo, em última instância, função protetora para o orga-nismo, como a maioria das respostas de ansiedade, pode não se sustentar. De fato, a prevalência de ataques de pânico espontâneos ou de ataques decorrentes da associação exagerada a estímu-los não necessariamente ameaçadores, como túneis e pontes, pode nos fazer levantar a hipóte-se de essas crises serem, na verdade, apenas um dos muitos traços de ansiedade distribuídos na população humana. É interessante destacar que a teoria evolucionista de Darwin prevê a variabili-dade como um de seus princípios. O potencial adaptativo de determinada característica é, assim, função do contexto sócio-histórico. Dessa maneira, por sua natureza disfuncional em nossa socie-dade contemporânea, os ataques de pânico tornam-se sintoma, em vez de apenas idiossincrasia.

No século XX, a clínica psiquiátrica passou por um momento histórico impor-tante quando o conceito de ansiedade te-ve sua classificação incluída no DSM, or-ganizado pela American Psychiatric Asso-ciation (APA).

Na medicina, a ansiedade vem sen-do estudada ao longo dos séculos (Fig. 1.1). Contudo, nenhum dos sintomas atu-almente inclusos nos manuais de transtor-nos mentais são novos para a humanida-de. Mudaram o valor relativo, as permuta-

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Figura 1.1Charles Darwin e seu princípio de que a evolução da espécie humana é regida pelas mesmas leis – de adaptação e seleção natural – a que as outras espécies animais estão submetidas.

ções e combinações,3 sendo que hoje tais sintomas são agrupados para melhor clas-sificação e diagnóstico.

CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE NOS MANUAIS DIAGNÓSTICOS E ESTATÍSTICOS DOS TRANSTORNOS MENTAIS: UMA VISÃO HISTÓRICA

A primeira classificação oficial dos transtor-nos mentais, o Statistical Manual for the Use of Institutions for the Insane, foi criada pelos precursores da APA, em 1918, por um dese-jo do censo norte-americano de quantificar

os “loucos”. Suas primeiras edições tinham como base a psicose.7 Em 1942, várias neu-roses foram incluídas, e os estados de ansie-dade foram categorizados. A primeira edi-ção do DSM foi lançada em 1952, com ba-se nesses dados estatísticos, e desenvolvida por Adolf Meyer e outros psiquiatras que participaram ativamente como médicos na II Guerra Mundial. Entre eles, destacam-se William e Karl Menninger.17

DSM-I18

No primeiro DSM, as consequências neu-robiológicas das doenças do cérebro fo-ram reconhecidas como “transtornos cau-

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Figura 1.2História do conceito de ansiedade: importantes eventos que contribuíram para a concepção mo-derna dos transtornos de ansiedade, com enfoque para o transtorno de pânico, ao longo da his-tória da humanidade.

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2000: publicação da versão revisada do DSM-IV (DSM-IV-TR)

Anos de 1990: década do cérebro

1980: publicação da terceira edição do DSM1952: publicação da primeira edição do DSM, pela APA1946: sob influência do reconhecimento à im-portância de sistemas classificatórios para a terminologia em saúde mental, é criado o Na-tional Institute of Mental Health

1918: publicação da primeira nomenclatura oficial para os transtornos mentais, do médico germânico Emil Kraepelin

Década de 1890: Sigmund Freud cunha o termo “neurose de angústia”

Final do século XIX: tratamento e estudo da ansiedade desig-nados à seção psiquiátrica

Início do século XIX: primeiras concepções psicossomáticas dos transtornos mentais; na França, ataques de pânico enten-didos como crises agudas de angústia

Século XVIII: ansiedade vista como distúrbio do órgão sinto-mático (p. ex., taquicardia co-mo disfunção do coração)

Antiguidade Clássica: relatos apontam para a presença de ataques de pânico, como destacado na mitologia grega do deus Pã

1994: publicação da quarta edição do DSM

1987: publicação da versão revisada do DSM-III (DSM-III-R)

1968: publicação da segunda edição do DSM-II

1948: primeira inclusão de seção para transtornos mentais na sexta edição da CID

1938: B.F. Skinner definiu a ansiedade como um conjunto de respostas condicionadas a eventos aversivos

Início do século XX: Ribot identifica diferentes tipos de transtornos de ansiedade, tais como o transtorno de ansiedade generalizada e as fobias específicas

1879: primeiro emprego técnico do termo “pânico” em psiquiatrias, pelo psiquiatra britânico Henry Maudsley

1872: publicação de A expressão das emoções nos homens e nos animais de Charles Darwin

1859: publicação de A origem das espécies, de Charles Darwin

1710-1790: destaque para o médico escocês William Cullen; origem do termo “neurose”

Início do século XVII: o termo “ansiedade” começa a ser usado na literatura médica sobre doenças mentais

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sados por ou associados com enfraque-cimento da função do tecido cerebral”, como, por exemplo, intoxicação, infecção, trauma neurológico e doença congênita. Os transtornos de ansiedade alinhavam--se sob o título de “transtornos de origem psicogenética ou sem uma causa física claramente definida ou mudança estru-tural no cérebro”.18 Eles foram considera-dos exemplos de transtornos psiconeuró-ticos e deram origem ao conceito atual. Os transtornos foram classificados da se-guinte forma:

1. Reação de ansiedade à Esse trans-torno foi referido como “difuso e não restrito a situações ou objetos defini-dos”.18

2. Reação fóbica à Esse transtorno ocor-re quando a ansiedade “torna-se des-tacada a partir de uma ideia, objeto ou situação na vida diária e é substi-tuída por uma ideia simbólica ou si-tuação sob a forma de um medo neu-rótico específico [...] O paciente ten-ta controlar a sua ansiedade evitando os objetos fóbicos ou situações fóbi-cas”.18

3. Reação obsessivo-compulsiva à Es-sa condição foi descrita como an-siedade “associada com a persistên-cia de ideias indesejadas e repetiti-vas de impulso para a prática de atos que podem ser considerados mórbi-dos pelo paciente. O próprio pacien-te pode considerar suas ideias e com-portamentos como sem sentido, mas mesmo assim se sente obrigado a rea-lizar seus rituais”.18

Além desses transtornos relaciona-dos à ansiedade, o DSM apontava outras síndromes que faziam parte do espectro de “transtornos psiconeuróticos”, as quais incluíam reação dissociativa, reação de conversão e reação depressiva. Também fez uma breve referência ao transtorno de

estresse, que é atualmente denominado “pós-traumático”.

DSM-II19

Em 1968, na tentativa de satisfazer às ne-cessidades de psiquiatras de diferentes orientações teóricas, a APA, utilizando o DSM,19 enfatizou a necessidade de se tor-nar universal, aproximando-se da OMS a partir da CID. Durante o processo de de-senvolvimento do DSM-II, a comunicação entre psiquiatras e especialistas incenti-vou a APA a destacar a função comunica-tiva do sistema de classificação e, assim, de certa forma, negligenciou as questões de confiabilidade e validade dos constru-tos nosológicos.

Os transtornos mentais continuaram a ser descritos usando a teoria psicanalíti-ca, e, nesse contexto, o transtorno psico-neurótico foi substituído pelo termo neu-rose. Nessa edição, há três categorias de transtornos de ansiedade, incluindo neu-rose de angústia, neurose obsessivo-com-pulsiva e neurose fóbica. A neurose de an-gústia refere-se ao indivíduo “ansioso so-bre a preocupação prolongada e o entrar em pânico, frequentemente associada a sintomas somáticos [...] não restrita a si-tuações específicas e objetos”;19 já a neu-rose fóbica era “geralmente atribuí da aos temores deslocados para o objeto fóbico ou uma situação de algum outro objeto do qual o paciente está inconsciente”.19

Outros sintomas de ansiedade des-critos no DSM-II incluíam as síndromes depressiva, dissociativa, histérica, fóbica e neurastênica, a despersonalização e os transtornos hipocondríacos.

DSM-III20

Diferentemente do DSM-I e do DSM-II, os conceitos do DSM-III não seguiram qual-

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quer abordagem teórica específica. Os es-tudos farmacológicos ajudaram a redefinir algumas categorias dos transtornos de an-siedade, que passaram a incluir o transtor-no de pânico, o transtorno de ansiedade generalizada, o transtorno obsessivo-com-pulsivo e o transtorno de estresse pós-trau-mático. Os critérios eram muito mais explí-citos, e os transtornos foram subdivididos em categorias específicas. Por exemplo, o transtorno fóbico passou a incluir agora-fobia com ataques de pânico, agorafobia sem ataques de pânico, fobia social e fo-bia simples.11

A maior conscientização sobre a im-portância do desenvolvimento de critérios bem definidos para cada transtorno men-tal acelerou o refinamento e a revisão des-se manual, culminando com a produção de sua versão revisada, o DSM-III-R, em 1987.

DSM-III-R21

Nessa edição, a agorafobia passou a ser vista como consequência do transtorno de pânico, deixando de ser uma categoria apartada, e incluiu os termos transtorno de pânico com e sem agorafobia. Houve nítida simplificação dos critérios diagnós-ticos para transtorno de pânico, aproxi-mando-se da clínica. Assim, após um ata-que de pânico com repercussões fóbicas por um mês, obtia-se um diagnóstico afir-mativo. Em suma, foram ressaltadas as consequências fóbicas do ataque de pâni-co, e não apenas seus sintomas físicos.

DSM-IV22

O DSM-IV representa a mais importante revisão do DSM até o momento.11 Foi fei-to, de forma mais elaborada, a partir de pesquisas longitudinais, em vez de usar o

consenso profissional simples, como ocor-reu anteriormente.

No DSM-IV, passaram a fazer parte da nomenclatura formal 12 categorias de transtornos de ansiedade. São elas: trans-torno de pânico, transtorno de pânico com agorafobia, agorafobia sem história de transtorno de pânico, fobia social, fobia específica, transtorno de ansiedade gene-ralizada, transtorno obsessivo-compulsi-vo, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de estresse agudo, transtorno de ansiedade devido a uma condição mé-dica geral, transtorno de ansiedade indu-zido por substância e transtorno de ansie-dade não especificado.22

O transtorno de pânico manteve pra-ticamente a mesma definição. Entretanto, os ataques de pânico passaram a ser defi-nidos de forma a permitir sua ocorrência isolada ou associada a outros diagnósti-cos, sem preencher os critérios para trans-torno de pânico propriamente. Além dis-so, distinguiram-se os ataques de pânico espontâneos, os situacionais (ligados a agorafobia) e aqueles provocados por um estímulo fóbico (mais ligados a fobia es-pecífica).

DSM-IV-TR23

No DSM-IV-TR, os critérios diagnósticos para os transtornos mentais não foram al-terados, mas a descrição de cada transtor-no foi atualizada a fim de refletir os avan-ços atuais do conhecimento.11

Os critérios diagnósticos do transtor-no de pânico no DSM-IV-TR são descritos no Quadro 1.2.

CONCLUSÃO

A abordagem fenomenológica implemen-tada no DSM-III representou um esforço

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Transtorno de pânico 25

consciente para orientar de forma clara os debates teóricos com relação à etiologia da ansiedade. Contudo, hoje em dia, com os esforços da neurociência para entender as bases biológicas da ansiedade, tornou--se possível, por exemplo, selecionar um sintoma de um transtorno de ansiedade, como o medo ou a preocupação, e exa-minar sua neuroanatomia e neuroquími-ca.24 Como esses sintomas costumam ser decisivos nas categorias de diagnóstico, o DSM-5 pode ter de se acomodar em um sistema de diagnóstico dimensional, se-guindo os avanços da ciência.

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QUADRO 1.2 Critérios diagnósticos para o transtorno de pânico segundo o DSM-IV-TR21

A. Tanto (1) como (2):(1) ataques de pânico recorrentes e inesperados.(2) pelo menos um dos ataques foi seguido pelo período mínimo de 1 mês com uma (ou

mais) das seguintes características:a) preocupação persistente acerca de ter ataques adicionaisb) preocupação acerca das implicações do ataque ou suas consequências (p. ex., perder

o controle, ter um ataque cardíaco, enlouquecer)c) uma alteração comportamental significativa relacionada aos ataques

B) Ausência/presença de agorafobiaC) Os ataques de pânico não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex.,

abuso de droga, medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipertireoidismo).D) Os ataques de pânico não são mais bem explicados por outro transtorno mental, como fobia

social (p. ex., ocorrendo quando da exposição a situações sociais temidas), fobia específica (p. ex., quando da exposição a uma situação fóbica específica), transtorno obsessivo-compul-sivo (p. ex., quando da exposição à sujeira, em alguém com uma obsessão de contaminação), transtorno de estresse pós-traumático (p. ex., em resposta a estímulos associados a um es-tressor grave) ou transtorno de ansiedade de separação (p. ex., em resposta a estar afastado do lar ou de entes queridos).

Fonte: American Psychiatric Association.23

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10. Freud S. Obsessions and phobias: their psychical mechanisms and their etiology. In: Freud S. Col-lected papers. London: The Hogarth Press; 1953.

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