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Capítulo 1 Em defesa do significado H oje pela manhã, inúmeras pessoas ao redor do planeta levantaram da cama e se arrumaram para o trabalho. Algumas saíram de casa, antes de amanhecer, em seus carrões, para chegar a seus escritórios em arranha-céus, com computadores de última geração e clientes empertigados. Outras saíram de casa, antes de amanhecer, de pés descalços, carregando suas ferramentas, para reivindicar um bom lugar perto da entrada do mercado de sua cidadezinha. Algumas pessoas confrontaram suas musas para criar obras artísticas ou resolver problemas científicos complexos. Algumas confrontaram o tédio para concluírem seus turnos em caixas registradoras, centrais de te- leatendimento ou linhas de montagem. Algumas entregaram seus currículos vestindo terno e gravata, procurando bons benefícios e um caminho seguro até uma aposentadoria confortável. Algumas ofereceram seu trabalho vestindo jeans velhos nas esquinas, procurando alguém que quisesse alugar seus mús- culos por pelo menos um dia. Certas pessoas em cada uma dessas e de muitas outras categorias pelas quais podemos definir o trabalho encontraram um senso de significado, propó- sito e mesmo abundância em seu dia de trabalho. Outras pessoas encontraram tédio, frustração e uma sensação de desespero. Qual delas era você? Quais delas eram as pessoas que você lidera? Vicktor Frankl era um psicólogo iniciante que seguia as pegadas de Freud quando a Segunda Guerra Mundial irrompeu. Frankl sobreviveu três anos em um campo de concentração nazista. Quando foi libertado, sua família, seu lar e seus escritos haviam desaparecido. Antes da guerra, Frankl estava desenvolvendo um sistema de psicoterapia baseado em nossa necessidade de significado. Uma vez encarcerado, suas especulações filosóficas sobre o que ajuda as pessoas a se curar e enfrentar adversidades deixaram de ser apenas brincadeiras cerebrais; elas foram testadas no fogo de uma apavorante e longa

Em defesa do significado H - larpsi.com.br · Capítulo 1 Em defesa do significado 23 independentemente de nossas circunstâncias externas. Quando encontramos significado em nosso

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Capítulo 1

Em defesa do significado

H oje pela manhã, inúmeras pessoas ao redor do planeta levantaram da cama e se arrumaram para o trabalho. Algumas saíram de casa, antes de amanhecer, em seus carrões, para chegar a seus escritórios em

arranha-céus, com computadores de última geração e clientes empertigados. Outras saíram de casa, antes de amanhecer, de pés descalços, carregando suas ferramentas, para reivindicar um bom lugar perto da entrada do mercado de sua cidadezinha. Algumas pessoas confrontaram suas musas para criar obras artísticas ou resolver problemas científicos complexos. Algumas confrontaram o tédio para concluírem seus turnos em caixas registradoras, centrais de te-leatendimento ou linhas de montagem. Algumas entregaram seus currículos vestindo terno e gravata, procurando bons benefícios e um caminho seguro até uma aposentadoria confortável. Algumas ofereceram seu trabalho vestindo jeans velhos nas esquinas, procurando alguém que quisesse alugar seus mús-culos por pelo menos um dia.

Certas pessoas em cada uma dessas e de muitas outras categorias pelas quais podemos definir o trabalho encontraram um senso de significado, propó-sito e mesmo abundância em seu dia de trabalho. Outras pessoas encontraram tédio, frustração e uma sensação de desespero.

Qual delas era você?Quais delas eram as pessoas que você lidera?Vicktor Frankl era um psicólogo iniciante que seguia as pegadas de

Freud quando a Segunda Guerra Mundial irrompeu. Frankl sobreviveu três anos em um campo de concentração nazista. Quando foi libertado, sua família, seu lar e seus escritos haviam desaparecido. Antes da guerra, Frankl estava desenvolvendo um sistema de psicoterapia baseado em nossa necessidade de significado. Uma vez encarcerado, suas especulações filosóficas sobre o que ajuda as pessoas a se curar e enfrentar adversidades deixaram de ser apenas brincadeiras cerebrais; elas foram testadas no fogo de uma apavorante e longa

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provação. O livro de Frankl, Man’s Search for Meaning, que vendeu mais de 9 milhões de cópias, tornou-se um clássico. Contra o pano de fundo da terrível adversidade, sua insistência na possibilidade – ou mesmo na necessidade – de se encontrar significado na vida se torna profundamente crível. Afinal, a adver-sidade geralmente perturba nosso senso de significado e rouba da vida o que antes lhe conferia sentido e propósito. Em épocas problemáticas, nossa busca por significado se torna mais difícil e mais instigante. Frankl cita a famosa frase do filósofo Nietzsche: “aquele que tem um porquê para viver consegue supor-tar quase qualquer como.”

Aquele que tem um porquê de trabalhar também consegue suportar quase qualquer como. Obviamente, as pessoas encontram significado em mui-tos ambientes – na privacidade de seus lares e na vastidão da natureza, em igrejas, campos de esportes e centros comunitários, em círculos familiares e de amizade. Porém, o trabalho tira uma grande parte do nosso tempo e da nossa energia. A maioria das pessoas passa mais tempo no trabalho do que no lazer, em reuniões familiares, em encontros religiosos ou em passatempos. As orga-nizações em que trabalhamos são, portanto, o principal ambiente não apenas para cumprir tarefas, mas para encontrar um senso permanente de significado na vida. O trabalho é um lugar universal para travarmos nossa busca universal por significado.

Significado no trabalho

Este livro fala do porquê e do como do significado no trabalho.O porquê se refere à busca humana por significado, que ocorre em nos-

sos escritórios e fábricas, uma busca que nos motiva, inspira e define. O como nos leva aos aspectos práticos de como os líderes facilitam essa busca pessoal-mente e entre seus empregados. Oferecemos muitas ferramentas e princípios específicos para ajudar os líderes a dar significado ao trabalho, não apenas para construírem um significado pessoal, mas para ajudarem as empresas a terem êxito no mercado de trabalho das atividades humanas.

Assim, a busca por significado agrega valor em dois sentidos da palavra. Primeiro, os seres humanos são máquinas de criar significado que encontram valor inerente em entender a vida. O significado que tiramos de uma expe-riência determina o seu impacto sobre nós e pode transformar o desastre em oportunidade, a perda em esperança, o fracasso em aprendizado, o tédio em reflexão. O significado que criamos pode fazer a vida parecer rica e plena,

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independentemente de nossas circunstâncias externas. Quando encontramos significado em nosso trabalho, encontramos significado na vida.

Além de herdar valor, o significado tem valor de mercado. O trabalho significativo resolve problemas reais, contribui com benefícios reais e, assim, agrega valor real para os consumidores e investidores. Os empregados que encontram significado em seu trabalho são mais satisfeitos, mais envolvidos e, dessa forma, mais produtivos. Eles trabalham mais, são mais dedicados e têm mais paixão e criatividade. Aprendem a se adaptar. Estão mais conectados às necessidades do consumidor. E persistem. Os líderes não investem em criar significado apenas porque é nobre, mas porque é lucrativo. Gerar significado também gera dinheiro.

A organização abundante

Neste livro, referimo-nos a empresas significativas em ambos os sentidos da palavra como sendo “organizações abundantes”. Uma organização abundante é um ambiente de trabalho em que os indivíduos coordenam suas aspirações e ações para criar significado para si mesmos, valor para as partes envolvidas e esperança para a humanidade como um todo. Uma organização abundante é aquela que tem pra dar e vender aquilo que mais importa: criatividade, espe-rança, resiliência, determinação, desenvoltura e liderança.

As organizações abundantes são organizações lucrativas, mas, em vez de se concentrar apenas em pressupostos de competição e escassez, as orga-nizações abundantes também se concentram em oportunidades e sinergia. Em vez de aceitarem a quebra do significado pelo medo em tempos difí-ceis, as organizações abundantes concentram-se em tirar ordem, integri-dade e propósito do caos e da desintegração. Em vez de se concentrarem em propostas limitadas e unicamente de interesse próprio, as organizações abundantes integram uma diversidade de propostas, necessidades e expe-riências humanas.

Em bons tempos e em tempos difíceis, as organizações abundantes criam significado para os empregados que as constituem e para os clientes que nego-ciam com elas. Os trabalhadores, clientes, investidores e a sociedade se bene-ficiam quando os empregados encontram significado no trabalho, e quando as empresas conferem significado à sociedade. Essa lógica se aplica a pequenas e grandes organizações, a agências públicas e empresas privadas, a lojas locais e conglomerados globais.

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O valor de mercado do porquê

Mesmo que você não seja um daqueles raros indivíduos abençoados com o dom de encontrar alegria até em um campo de concentração, sabe intuiti-vamente que você e o seu trabalho seriam mais produtivos, mais satisfató-rios, mais criativos se o trabalho envolvesse não apenas sua cabeça e suas mãos, mas seu coração e seu espírito. O que a maioria das pessoas sabe intuitivamente, a pesquisa confirma: quando os empregados encontram sig-nificado no trabalho, eles se preocupam o suficiente para desenvolver sua competência; trabalham mais e são mais produtivos; persistem mais e são mais positivos quanto à sua experiência de trabalho. Há mais: quando os empregados são mais positivos, os clientes geralmente respondem da mes-ma forma. A postura dos empregados é um indicador fundamental da pos-tura dos clientes, e clientes satisfeitos ajudam as empresas que frequentam a crescer. Em suma:

1. Os empregados que encontram significado no trabalho são mais compe-tentes, comprometidos e contribuem mais.

2. A competência, o comprometimento e o senso de contribuição dos em-pregados, por sua vez, levam a um maior comprometimento por parte do cliente.

3. O comprometimento do cliente, por sua vez, leva a melhores resultados financeiros para a empresa.

Criar significado é um objetivo importante e um indicador fundamental do sucesso organizacional no longo prazo. Os capitais intangíveis explicam por volta de 50% do valor de mercado de empresas com acionistas.1 Os intangíveis representam os recursos e capacitações de uma empresa que não podem ser tocados ou colocados em uma planilha orçamentária, mas que dão confiança aos investidores quanto aos ganhos futuros da empresa. Os intangíveis com-preendem características como liderança, talento, inovação, habilidade e visão. Os investidores valorizam essas capacitações organizacionais intangíveis por-que elas ajudam as empresas a crescerem.

A competência, o comprometimento e a paixão ou a energia estão entre esses recursos intangíveis. Os empregados podem ser competentes, e até com-prometidos, mas, ainda assim, não ter paixão pelo que fazem. O significado

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reforça a paixão dos empregados pelo trabalho, pois relaciona o que fazem com um bem maior que também traz lucros no mercado de trabalho. A paixão pelo trabalho é um recurso intangível que tem um impacto direto sobre o valor de mercado da firma.

Considere alguns pontos adicionais sobre o valor das organizações abun-dantes para os empregados e clientes (exemplificadas aqui por organizações em que os empregados gostam de trabalhar, que os investidores admiram, que investem em pessoas e que têm práticas de trabalho positivas):

♦ Ao longo de um período de 10 anos (1998 a 2008), as “melhores empresas para trabalhar” têm uma apreciação de 6,8% em suas ações, comparada com 1,0% da empresa média.

♦ Ao longo de um período de sete anos, as empresas mais admiradas na lis-ta da revista Fortune tiveram o dobro do retorno de mercado em relação à concorrência.

♦ A probabilidade de uma oferta pública inicial (nova empresa) ter êxito varia de 60% a 79% quando a nova empresa investe em seus funcio-nários.

♦ 61 hospitais no Reino Unido tiveram um declínio de 7% na taxa de mor-talidade quando investiram no bem-estar de seus funcionários.

♦ Um aumento de um desvio-padrão em práticas de trabalho de alto de-sempenho gera um aumento de $27.044 em vendas por empregado e um aumento de $3.814 em lucros por empregado.

♦ Somente 13% dos empregados que não têm comprometimento reco-mendariam os produtos ou serviços da sua empresa, comparados com 78% dos empregados comprometidos.

♦ Os empregados que não têm comprometimento têm uma probabilidade dez vezes maior de dizerem que deixarão a empresa dentro de um ano.

Franklin D. Roosevelt, presidente norte-americano durante a Grande Depressão da década de 30 disse: “Sempre soubemos que o interesse pessoal desenfreado era má moral. Sabemos agora que é má economia.” Isso é ainda mais verdadeiro nas culturas transparentes e fluidas de hoje.

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Líderes como criadores de significado

Como são criadas as organizações abundantes? Essa é a tarefa da liderança.Essencialmente, a crise de significado é uma crise de liderança. Espe-

ramos estruturar para os líderes as conversas privadas e os critérios de deci-são corporativa que definem as organizações abundantes. A abundância não é prerrogativa apenas para líderes de pessoas ricas, pessoas espertas, pessoas de prestígio, pessoas bem-sucedidas. O significado não está em falta apenas para pessoas pobres, pessoas medíocres, pessoas com dificuldades, pessoas que so-frem. Os grandes líderes reconhecem a importância vital da abundância e do significado para todos em sua organização. Inclusive para si mesmos.

O Great Places to Work Institute tem feito levantamentos das melhores empresas para trabalhar nos Estados Unidos desde 1980. Ele atua hoje em mais de 30 países. Seus levantamentos servem como confirmação do impacto do porquê de trabalhar nos resultados empresariais. Um portfólio consistindo de todas as empresas da bolsa de valores na lista de Melhores Locais para Tra-balhar a cada ano, de 1998 a 2008, teria obtido um retorno anual de 6,80%, comparado com apenas 1,04% no mesmo período para empresas na lista Stan-dard and Poors 500. Mesmo ações de empresas da lista compradas em 1998 e guardadas pelos próximos 10 anos teriam alcançado um retorno de 4,15%, que é muito maior que os índices comparáveis.

Por que essas empresas têm um desempenho tão notável? É claro que elas ganham dinheiro com um excelente serviço e muitas outras práticas só-lidas de gestão, ou não sobreviveriam. Além disso, essas vencedoras usam a qualidade complexa do significado de várias maneiras. Por exemplo, nos últi-mos 25 anos, cinco empresas mantiveram uma avaliação alta: Goldman Sachs, Nordstrom, Publix Supermarkets, REI e W.L. Gore & Associates.2 Os líderes da Goldman construíram uma cultura de “pessoas inteligentes trabalhando juntas”, uma cultura de cooperação e sinergia. A Nordstrom construiu uma reputação de serviço excepcional ao cliente, contratando empregados que se alegram em “prever e satisfazer as necessidades do consumidor”. A Publix Supermarkets, fundada em 1930, também tem um forte foco no cliente, por meio de “líderes” que tratam “associados” (e não “empregados”) com respeito e que se tornam ativos em suas comunidades. A REI (uma cooperativa de equipamentos de recreação) treina os líderes para construírem a cooperação entre os empregados e entre os empregados e os clientes para cumprir sua missão de “inspirar, educar e equipar para uma vida de aventura e ativida-des ao ar livre”. Os líderes da Gore & Associates incentivam os empregados

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a buscar a inovação, vivenciando um conjunto de princípios condutores de “liberdade, imparcialidade, comprometimento e responsabilidade”. Em cada uma dessas empresas excepcionais, os líderes trabalham para transformar o significado que os empregados encontram em seu trabalho em abundância organizacional sustentável. Embora cada empresa tenha uma visão singular de como fazer essa conexão, todas desenvolvem líderes que ajudam os funcioná-rios a encontrarem um significado no trabalho que contribua para o sucesso organizacional.

A criação de significado se aplica tanto a países quanto a empresas. O Butão é um país pequeno localizado nas montanhas do Himalaia, ao sul da Ásia. Apesar de muitos países usarem o índice do Produto Interno Bruto (PIB) para medir o sucesso nacional, em 1972, o Rei Jigme Singye Wangchuck, do Butão instituiu o índice de Felicidade Interna Bruta (FIB) para avaliar o pro-gresso de seu país. O rei instituiu políticas sociais e econômicas para auxiliar os cidadãos butaneses a encontrar significado e bem-estar em suas vidas. O FIB inclui medidas do progresso do desenvolvimento sustentável, da preservação de valores culturais, da conservação do meio-ambiente e do estabelecimento de um bom governo. Mesmo tendo um PIB per capita baixo, os cidadãos do Butão, estão entre os mais felizes do mundo, com cerca de 50% dos cidadãos informando que são “muito felizes”. Sua expectativa de vida está entre os 10% melhores do mundo. O Butão tornou-se a mais nova democracia mundial em 2008, quando o rei proclamou eleições para o parlamento. Jigmi Thinley, o pri-meiro primeiro-ministro do Butão, disse: “Enriquecimento material e éticas consumistas não devem levar ao empobrecimento de espírito. A verdadeira felicidade e o bem-estar estão na educação, na saúde e nos ambientes sociais sustentáveis, os quais incluem relações de atenção e partilha nas quais famílias ajudam umas às outras.” 3

Seja em empresas ou países, os líderes têm a tarefa de criar uma dire-ção para suas organizações que seja repleta de significado – que ecoe não apenas nas mentes e mãos, mas nos corações daqueles que lideram. Neste livro, vamos além de casos de estudo, para sintetizar e integrar teoria, pesqui-sa e experiência de diversas disciplinas de modo a propor sete motivadores do significado que os líderes bem-sucedidos usam para moldar o significado. Um líder individual pode estar predisposto a se concentrar em um ou dois elementos de uma organização abundante, conforme mostram os exemplos supracitados. Reunimos esses e muitos outros exemplos para oferecer aos lí-deres um menu com questões e atividades significativas para ajudá-los a criar significado para os empregados e transformá-lo em abundância organizacio-nal sustentável.

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Recessões de significado

Em bons ou maus mercados, as organizações que não tiverem resultados lu-crativos vão esmorecer, deixando até os trabalhadores mais capazes girando os polegares de tédio. Em qualquer economia, as organizações também devem fazer sentido para as pessoas que as compõem. Quando nossas organizações encerram nossos valores mais nobres e incorporam nossas melhores aspira-ções, elas inspiram os nossos melhores esforços, e são eles que nos impedirão de naufragar quando vierem tormentas e o navio furar. Ou, quando uma cal-maria nos levar à letargia e insolência.

Na recessão recente, muitos governos “tiraram a água” de empresas com recursos tóxicos. Todavia, tirar água de navios soçobrados é uma má analogia para o que torna as organizações dignas de serem lançadas ao mar. Antes de sair ao mar aberto, devemos não apenas tirar a água, mas consertar os va-zamentos. Os “vazamentos” em organizações ocorrem não apenas quando os líderes não conseguem ótimos produtos e lucros sólidos, mas quando abrem mão de princípios éticos, isolam-se das consequências de suas escolhas, ab-dicam de responsabilidades por estratégia e inovação, ou perdem a chance de agir em momentos oportunos. Os “vazamentos” organizacionais também ocorrem quando os empregados disponibilizam seu tempo, mas não investem seu coração, quando abandonam a criatividade ou a integridade ou quando perdem de vista o impacto do seu trabalho. As organizações que sobrevivem em recessões e crescem na recuperação têm líderes que oferecem aos empre-gados o bem-estar econômico e uma abundância de significado e propósito.

Tanto em épocas magras como em momentos de prosperidade, os valores da organização são testados e forjados, preparando o terreno para o futuro. O significado é moldado ou dissipado. Lealdades são ganhas ou perdidas. O ta-lento e a habilidade são afiados ou abandonados. A criatividade e a habilidade de resolver problemas são desenvolvidas ou enfraquecidas. E a sustentabilida-de futura é garantida ou ameaçada.

Precisamos de organizações abundantes nos contextos em que predomi-na o déficit, que desafiam nosso senso existente de significado, e de contextos em que predomina o crescimento, que dão vazão à expansão.

Mesmo quando a economia mundial melhora, os fantasmas da nossa “re-cessão psicológica”4 nos assombram. Os desafios financeiros estão embutidos nas tendências mais amplas que permeiam a sociedade. Nas épocas difíceis, as pessoas têm uma sensação crescente de mal-estar, anomia e isolamento que lhes rouba o significado e a direção. As crises nos mercados financeiros ecoam

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as crises nas vidas pessoais e movimentos sociais – crises que, quase por defi-nição, solapam nossa capacidade de encontrar sentido em nossas vidas e des-cobrir o que fazer depois. As crises sabotam as rotinas cotidianas que brotaram de nossos valores, crenças e experiências passadas. As crises interrompem os pressupostos que temos, mesmo sem notarmos, sobre o que significa a vida em épocas boas e más. As crises aumentam nossa sensação de mal-estar, anomia, isolamento ou déficit, roubando-nos o significado e direção.

As questões de Frankl sobre o porquê e o como do significado se aplicam em maus e bons mercados, no trabalho e em casa, em ambientes domésticos e em organizações que cobrem o globo. Os bons tempos podem nos distrair temporariamente dessas questões, mas as questões sempre voltam. Como su-gere Frankl, a busca por significado diz mais respeito à maneira como pensa-mos do que às circunstâncias que nos rodeiam. O pensamento deficitário pode abundar mesmo em meio à plenitude.

A prevalência do pensamento deficitário

Você já foi roubado? A casa da nossa amiga Rena foi arrombada. Levaram um pequeno cofre contendo algumas heranças de família e documentos pessoais, juntamente com um pouco de dinheiro, um computador e joias. Rena não é uma pessoa rica. O que levaram tinha relativamente pouco valor econômi-co, mas continha muita coisa que trazia à sua vida um sentido de identidade, significado e conexão com o seu passado – uma carta escrita ao seu filho ado-tado pela mãe biológica, medalhas que seu pai ganhara na Segunda Guerra Mundial, um diário pessoal, uma pilha de cartas de sua mãe, a antiga caixa de música de sua avó e a aliança de uma amiga falecida. Rena perdeu a sensação de viver em uma comunidade segura, de ter sua casa como um abrigo seguro e de confiar que uma presença benevolente protegia sua família. Como se pode imaginar facilmente, Rena se tornou mais medrosa e vigilante, mais protetora em relação a seus filhos, mais interessada em anúncios de segurança doméstica na TV. As portas estão sempre trancadas. O sono é interrompido por pesade-los. Rena gostaria de criar um muro impenetrável para proteger sua casa, sua família, seu coração.

Assim como Rena, quando os empregados perdem aquilo com que pas-samos a contar e esperar – seja uma pessoa, uma renda, uma posição, ou no-ções menos concretas como segurança, identidade ou direção –, eles têm a tendência de cair no pensamento deficitário, um problema comum quando as

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pessoas correm o risco de perder não apenas seus tesouros pessoais, mas sua aposentadoria, seus colegas, seus empregos. O pensamento deficitário é pro-vavelmente inevitável, talvez até proveitoso em certas situações, mas quando o pensamento dos líderes é dominado por uma proposta de autoproteção, o pensamento deficitário se torna o ladrão. O pensamento deficitário pode nos trancafiar em uma prisão que nós mesmos criamos, uma prisão dominada por medo, isolamento, desorientação e competição por recursos escassos. Mesmo se conseguirmos de volta o que perdemos – mesmo que a economia melhore, a aquisição seja revertida, ou se acabarmos com um emprego melhor do que antes – nosso pensamento deficitário pode continuar gerando muito desassos-sego em nossas vidas.

O mundo do pensamento deficitário permeia a vida pessoal e organi-zacional. Os ladrões da crise minam a capacidade dos líderes de fomentar a abundância. As dificuldades econômicas, incertezas políticas, problemas fami-liares, doenças, mortes e mesmo o sofrimento, é claro, não são novidades para a humanidade. Realidades duras sempre habitaram nossos mundos coletivos. Mas é totalmente diferente quando eles se mudam para o nosso porão, nosso quarto de hóspedes, ou mesmo para a suíte master. Quando compreendemos a precariedade das coisas de que dependemos para nossa segurança, não po-demos restaurar a segurança totalmente até que essas necessidades mudem. É aí que entram os grandes líderes.

Por volta dos 3 anos, as crianças em todas as culturas começam a importu-nar seus pais com a pergunta “por quê?”. A busca por significado começa cedo, mas as filosofias da juventude, que acomodavam confortavelmente a existência distante dos problemas, podem exigir uma reavaliação quando os problemas se tornam nossos parceiros. Os problemas podem ser simples, como uma nova política empresarial; ou complicados, como uma falência; remotos como um cliente descontente a 3 mil quilômetros, ou pessoais como perder um filho. Os líderes devem refinar e redefinir suas próprias respostas para a pergunta “por que?”, e devem ajudar outras pessoas a fazerem o mesmo. Devem abordar não apenas o significado do sofrimento, mas o significado da prosperidade, opor-tunidade ou de mais um dia batendo em portas. Quando precisamos resolver problemas complexos, preservar os lucros e manter a motivação para continuar tentando, a busca por significado sai do domínio dos filósofos e teólogos, e encontra seu caminho para o topo das listas de afazeres de líderes corporativos determinados.

Os líderes dirigem a busca por significado em bons e maus momentos. Em mercados aquecidos, quando o talento é escasso, o significado é importan-te porque os empregados são, essencialmente, voluntários que podem esco-

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lher onde alocar seu tempo e sua energia. Em recessões, deve-se esperar que o envolvimento e a satisfação dos empregados caiam junto com o mercado; con-tudo, muitas organizações enxergam falsos positivos nessas pesquisas por causa do efeito de gratidão (os empregados se comparam com seus colegas e amigos menos afortunados e se sentem gratos por ter um emprego, mesmo que não seja especialmente significativo). De qualquer maneira, as memórias duram mais tempo que as recessões. Os empregados que se sentem maltratados du-rante um período difícil ou cujo significado no trabalho somente é encontrado na contenção da crise provavelmente vão sair quando as coisas melhorarem e eles tiverem mais opções.

Considere os seguintes casos de empregados e líderes em diferentes ti-pos de empresas e estágios em suas carreiras:

♦ Inseguranças pessoais. Vicki, uma jovem profissional recém-formada, se achava sortuda por ter o emprego ideal em uma empresa conhecida. Ela se dedicava às tarefas que lhe eram atribuídas e negociava habilmente a política cotidiana do escritório. Contudo, durante uma séria crise econô-mica, a empresa fez uma primeira, depois uma segunda e uma terceira rodada de demissões em questão de meses. A princípio, somente as pes-soas com desempenho inferior foram mandadas embora; depois, mesmo pessoas talentosas foram cortadas, para enfrentar o mercado de trabalho cada vez menor. A atmosfera no escritório mudou, de amigável para cí-nica e de cooperativa para competitiva. Vicki trabalhava ainda mais para manter o seu emprego e se preocupava incessantemente com o futuro. As demandas do trabalho a afastavam de seus passatempos e amigos, in-vadiam seu relacionamento com o marido e revolviam velhos problemas com depressão e ansiedade. Os ritmos e rotinas da vida começaram a parecer tortuosos e erráticos, quase irreconhecíveis, e toda a sua história era maculada pelo medo.

♦ Equilíbrio trabalho/vida. Raj é um empreendedor indiano de suces-so, orgulhoso da empresa que construiu. A empresa que começou há 12 anos hoje tem mais de 80 empregados, com uma marca forte e le-aldade dos clientes. Ele sabe, porém, que para dar o próximo passo e continuar a crescer, terá que investir em se tornar mais global e ainda mais inovador. Isso exigirá energia pessoal e mais tempo viajando pela América do Norte, Europa e Ásia, as perspectivas mais prováveis para a sua empresa. Com filhos adolescentes em casa, que ficam felizes de vê-lo chegar e, às vezes, de vê-lo partir, Raj sabe que pagaria um

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alto preço pessoal pela próxima fase de crescimento da empresa. Ele questiona se tem a energia necessária para fazer o que seria necessário para promover a empresa, ou se deveria relaxar um pouco com os su-cessos obtidos.

♦ Menos segurança e flexibilidade. Grant e Shirlyn trabalharam muito durante suas vidas profissionais. Grant fundou sua empresa atual há 25 anos, logo que saiu da faculdade. Shirlyn deu aulas particulares até seus filhos crescerem, e depois começou a trabalhar como professora. Eles esperavam que, quando o último filho saísse de casa para a faculdade, tivessem mais oportunidades de viajar e ter passatempos. Embora Grant se sinta razoavelmente seguro em seu emprego, as condições inconstan-tes do mercado o levaram a demitir 25% dos empregados. Aqueles que permaneceram têm que compensar pelos que saíram. As pessoas estão preocupadas com seu emprego e frustradas por trabalharem mais. As re-duções no orçamento escolar também levaram a turmas maiores e a mais estresse para Shirlyn. As economias de Grant e Shirlyn para a aposenta-doria encolheram em 20% com a queda na bolsa de valores, e eles terão que trabalhar mais três ou quatro anos para recuperá-las. O trabalho se tornou penoso diante dessas realidades imprevistas. Mas o trabalho tam-bém traz a questão inevitável: o que dará significado à minha vida quando eu me aposentar?

♦ Os riscos do sucesso. Ivan era um vencedor. Na escola, ele tirava as melhores notas, era popular, visto como um futuro líder. No trabalho, progrediu rapidamente, tornou-se rico e poderoso. Ele pagou um pre-ço pessoal, com dois divórcios e filhos distantes, mas esperava que seus filhos entendessem quando crescessem. Ele gostava dos desafios diá-rios do trabalho e colocava sua mente e coração nele. Gradualmente, contudo, Ivan começou a se sentir desconectado do seu trabalho. Sen-tado em seu luxuoso escritório, ele notou que há muito não interagia diretamente com seus clientes, o que o fazia ter orgulho de sua empre-sa. Ele não fazia uma visita aos empregados na linha de frente há anos e, quando os encontrava em reuniões formais, eles pareciam distantes. Os mais próximos continuavam a elogiar o seu talento, e ele era rode-ado por todos os símbolos do sucesso. Mas ele começou a questionar se havia perdido o contato com o que realmente amava. A cada dia, ele se achava cada vez mais parecido com o personagem Scrooge, de Dickens.

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Como líderes, a maioria das pessoas já teve esse tipo de empregado em suas organizações. Muitos de nós já experimentamos dificuldades econômicas e as desvantagens do sucesso, seja pessoalmente ou entre nossas famílias e amigos. Infelizmente, esses casos não são acontecimentos isolados, mas re-presentam padrões cada vez mais comuns no mundo de hoje. Sem se concen-trar demais em realidades deprimentes, os líderes reconhecem uma parte da profundidade e amplitude desse mal. Confira a lista a seguir para uma rápida síntese dessas tendências:

1. Declínio na saúde mental e na felicidade. A New Economics Foun-dation, que calcula os níveis de felicidade em 178 países, conclui que a maioria dos países do mundo enfrenta uma crise de felicidade.5 As esta-tísticas sobre o bem-estar pessoal indicam aumentos na depressão clínica, ansiedade e no consumo de drogas. Entre 8% e 10% dos norte-ameri-canos com mais de 18 anos sofrem de algum transtorno depressivo, ao mesmo tempo em que, nos países em desenvolvimento, a depressão afeta 15% da população, e 80% dos atingidos não são tratados.6 Os transtornos da ansiedade (incluindo transtorno do pânico, transtorno obsessivo-com-pulsivo, transtorno de estresse pós-traumático e fobia social) covariam com a depressão, e por volta de 18% dos cidadãos norte-americanos têm um desses transtornos da ansiedade em um dado ano.7 Os transtornos aditivos (incluindo transtornos da alimentação e abuso de substâncias) também estão aumentando.8 Os transtornos mentais são a principal causa de deficiência nos Estados Unidos para pessoas de 15 a 44 anos, afetando os custos com empregados de maneiras diretas e indiretas. As pessoas parecem estar perdendo o contato com seus pontos fortes, à medida que cada vez mais vidas são dominadas por um foco no que é errado.

2. Mais demandas ambientais, responsabilidade social, propósito organizacional e motivação individual. Os estudiosos estimam que a humanidade consome atualmente 30% mais recursos do que a Terra pode produzir.9 Entre 1961 e 2006, a demanda humana sobre a biosfera mais que dobrou. Essas demandas ameaçam hábitats, a qualidade do ar e a estabilidade climática. Por exemplo, entre 1961 e 2001, o consumo de combustíveis fósseis (carvão, óleo, gás) aumentou em quase 700%. Nas atuais taxas de consumo, podemos esgotar esses combustíveis nos próximos 25 anos.10 Em parte por causa de sua má administração de questões ambientais, muitas instituições sociais estão perdendo o respei-to de quem os apoia. O ceticismo institucional é elevado em ambientes

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políticos, empresariais, educacionais e religiosos. As pessoas desconfiam de organizações que elas acreditam fazer pouco para proteger a Terra ou para cuidar de seus habitantes mais pobres.11 Mais de três quartos (79%) das empresas mais admiradas do mundo perderam reputação nos últimos anos.12 A erosão da reputação corporativa, o maior ceticismo institucio-nal e os péssimos históricos de responsabilidade ambiental estão por trás dessa queda, alienando muitos empregados de potencial elevado.

3. Maior complexidade do trabalho. A tecnologia, a globalização e a de-mografia aumentam a complexidade do ambiente de trabalho. Com os avanços tecnológicos, a meia-vida do conhecimento encurtou. A Internet se tornou a principal fonte de informações, com 60% dos usuários co-nectados diariamente e 70% das empresas com um website.13 Os clientes têm mais informações e opções do que nunca sobre o que e como com-prar, e mercados distantes substituíram os mercados locais em muitos se-tores.14 As empresas globais têm operações nas 24 horas entre suas filiais ao redor do mundo. A demografia da força de trabalho está se tornando cada vez mais diversificada em relação a raça, etnicidade,15 classe social, gênero, orientação sexual, idade, religião e nacionalidade.16 As corpora-ções enfrentam o grande desafio de como respeitar e fazer bom uso des-sas diferenças em forças de trabalho cada vez mais diversas. Por exemplo, à medida que empregados da GenMe ou Geração Y (nascidos entre 1981 e 1999) avançam para a força de trabalho, seus valores (como autoestima, interesse pessoal e lazer17) entram em conflito com os da geração do ba-by-boom,18 criando a necessidade de políticas e práticas que interessem e motivem vários subgrupos. Todas essas tendências tecnológicas, globais e demográficas tornam o trabalho mais complexo, necessitando de mais especialização e mais trabalho de equipe para dar conta. O trabalho de equipe exige uma habilidade sem precedentes em cooperação, priori-zação e comunicação – habilidades pouco desenvolvidas em uma era de mensagens de texto em vez de relações pessoais.

4. Maior isolamento. A proliferação de produtos eletrônicos, a alta mo-bilidade e o desenvolvimento urbano são considerados culpados pelo aumento no isolamento social. Aqueles que passam horas em frente ao computador passam menos tempo com pessoas reais, sem contar os gru-pos de bate-papo. Os lares norte-americanos têm uma média de 2,24 te-levisores, cada aparelho passa ligado uma média de 6h 47min por dia, e as crianças assistem, em média, 1.680 minutos de TV por semana (28 horas

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por semana; 4 horas por dia).19 Menos norte-americanos participam de movimentos cívicos como abaixo-assinados, eleições ou reuniões de clu-bes, e o entretenimento doméstico caiu pela metade em relação a 20 anos atrás.20 A sensação de isolamento se espalha para o ambiente de trabalho à medida que mudanças de emprego, atividades internacionais e grupos de trabalho inconstantes dominam a paisagem ocupacional e corroem o sentido de comunidade. As pessoas perdem suas histórias, a história, os heróis e as rotinas das pequenas interações que formam os laços de co-nexão. Em um ambiente de trabalho, combater essas tendências significa construir uma cultura e um ambiente de trabalho que unam e unifiquem as pessoas.

5. Pouco comprometimento dos empregados. Uma análise recente fei-ta pela HR Solutions, Inc. mostra que uma proporção espantosa de 50% dos empregados respondeu “sim” quando questionados se haviam pen-sado em pedir demissão nos últimos seis meses. Segundo um estudo do Saratoga Institute com mais de 19 mil trabalhadores norte-americanos de 17 setores, 72% dos empregados que pediram demissão saíram porque achavam que não estavam sendo reconhecidos por suas contribuições ou suficientemente respeitados e auxiliados por seus líderes.21 O Employee Engagement Index do Gallup Management Journal mostra que apenas 29% dos empregados estão ativamente envolvidos em seus empregos, enquanto 54% não se envolvem e 17% estão ativamente desconectados.22 A Right Management (uma empresa de consultoria) encontrou resulta-dos similares com apenas 34% dos empregados totalmente engajados, enquanto 50% estão completamente desengajados. Nove por cento são envolvidos por sua organização, mas não por seu trabalho, e 7% são en-volvidos por seu trabalho, mas não por sua organização.23 O custo da pro-dutividade perdida é estimado entre $287 e $370 bilhões.24 No Reino Unido, pesquisas do YouGov com mais de 40 mil empregados mostram que apenas a metade (51%) dos empregados se sente plenamente envol-vida por sua empresa.25 Os empregados desconectados são menos pro-váveis de cumprir metas corporativas ou de permanecer na empresa.26 Quando é somente o medo do desemprego que mantém as pessoas no emprego, elas provavelmente não estão dando o máximo.

6. Tendências de descartabilidade. Vivemos em um mundo de produtos cada vez mais descartáveis – desde fraldas e canetas até sapatos e apare-lhos eletrônicos. Em vez de consertarmos e reutilizarmos, descartamos e

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substituímos. Embora a descartabilidade possa facilitar certas coisas, ela também tem um pesado preço ambiental. A tendência de descartabili-dade passa para os relacionamentos, pois os namoros-relâmpago, “com-promissos” casuais e taxas elevadas de divórcio podem colocar crianças e cônjuges na pilha dos descartáveis. Nos Estados Unidos, por volta de 45% dos primeiros casamentos e mais de 60% dos segundos casamentos acabam em divórcio.27 No Canadá e em partes da Europa, as taxas são ainda maiores. As famílias descartáveis têm consequências graves para a estabilidade financeira, saúde pessoal e bem-estar emocional dos par-ceiros, filhos e da sociedade como um todo.28 Nos últimos anos, o mo-vimento da autoajuda, que muitas vezes acarreta soluções rápidas para esses problemas difíceis, transformou-se em um negócio de $9 bilhões.29 Muitos desses livros, fitas ou workshops de autoajuda oferecem falsas esperanças, com poucos casos de sucesso sustentável.30 Quando pessoas desesperadas procuram soluções fáceis sem fazer o trabalho duro e fun-damental da aprendizagem e mudança, a resiliência é enfraquecida e o crescimento e aprendizagem reais esmorecem.

7. Hostilidade e inimizade. A chamada road rage está cada vez mais co-mum, à medida que as pessoas correm para concluir sua jornada à frente das outras. Os reality shows da televisão mostram disputas com vence-dores e perdedores sobre qualquer coisa, desde culinária a novos apren-dizados, enquanto outros nos tornam voyeurs de brigas domésticas. O diálogo político diz menos respeito a resolver problemas e mais a firmar uma posição e falar mais alto que o oponente. O bipartidarismo é tão ultrapassado quanto os telefones de disco. Em 1976, 26,8% dos eleitores nos Estados Unidos moravam em uma região onde um candidato ganha-va com mais de 20 pontos percentuais de vantagem. O número de pes-soas vivendo nessas regiões homogêneas aumentou para 38% em 1992, para 45,3% em 2000, e para 48,3% em 2004 e 2008.31 Esse partidarismo indica bolsões de maior homogeneidade em nossas cidades, reduzindo a oportunidade de aprender a se relacionar com aqueles que enxergam o mundo de maneira diferente. Nas relações pessoais, vencer é algo que atrapalha, pois o acordo e a civilidade são substituídos por disputas e hos-tilidade. Em ambientes de trabalho, competimos erroneamente uns com os outros como o caminho para a vantagem competitiva. As batalhas com vencedores e perdedores acabam com a possibilidade de soluções em que todos ganham. Uma falsa esperança do estado de espírito do “eu pri-meiro” é que vencer trará satisfação pessoal, quando é mais provável que

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leve ao isolamento emocional. A civilidade e a felicidade vêm quando as pessoas encontram satisfação em seu ambiente de trabalho.

Essas tendências desanimadoras sugerem que muitas pessoas enfrentam demandas pessoais e sociais que afetam seu bem-estar, suas famílias, suas co-munidades e, inevitavelmente, sua experiência profissional. Mesmo nas nações mais ricas do mundo, predomina o pensamento de déficit. Trabalhadores em todos os níveis respondem desistindo de sonhos tradicionais, isolando-se, re-duzindo suas expectativas, tornando-se dependentes do governo ou de outras pessoas, ou encontrando uma fuga temporária em comportamentos aditivos. Essas respostas consomem os recursos e o tempo das empresas e da sociedade. Elas podem instigar ciclos viciosos de desespero, retraimento e quebras no significado e propósito pessoais.

E existe algo que os líderes organizacionais – não apenas políticos, psicó-logos, pais e padres – podem e devem fazer a respeito.

Líderes que se concentram no significadocriam uma resposta abundante

Uma crise é algo terrível para desperdiçar. Felizmente, quando as crises in-terrompem o nosso caminho, elas também podem nos fazer parar e pensar, e pensar pode ser o começo da criação de significado no trabalho e em outras áreas. As crises podem nos chocar e nos fazer enfrentar as questões que cos-tumamos deixar de lado: “Quem sou eu? O que estou tentando realizar? O que realmente me faz feliz? No que acredito? Qual é o meu propósito? O que importa mais?”. Quando os líderes investigam por que trabalhamos, eles dão poder aos trabalhadores para que encontrem o significado pessoal que cria valor para os clientes, os investidores, os reguladores e as comunidades.

A abundância implica plenitude: ter para dar e vender, a plenitude que transborda. Quando concentramos nossa atenção no que podemos ganhar com nossas crises, e não apenas no que podemos perder, o pensamento de abun-dância pode substituir o pensamento deficitário, mesmo quando os déficits são a regra. A abundância olha mais para as oportunidades futuras do que para decepções passadas, promove a esperança onde há desespero, sugere mudan-ça para o futuro em vez de permanecer no passado e promove a criação de novo significado onde os velhos significados se romperam. A abundância não implica que as coisas venham de forma fácil e rápida, mas que podemos criar

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significados mesmo em meio aos desafios que enfrentamos. A abundância que imaginamos não é apenas uma abundância de recursos visíveis (dinheiro, pres-tígio, segurança ou posição), mas uma abundância de um sentido intangível de propósito, identidade, crescimento e bem-estar. Reiterando: uma organização abundante é um ambiente de trabalho no qual os indivíduos coordenam suas aspirações e ações para criarem significado para si mesmos, valor para os acio-nistas e esperança para a humanidade como um todo.

Para nossa amiga Rena, cuja casa foi arrombada, um foco nas coisas que os ladrões não roubaram – memórias, vínculos afetivos, habilidades e talentos pessoais, sua profunda fé religiosa, oportunidades de empatia e crescimento – permitiram que ela mudasse gradualmente do pensamento deficitário baseado no medo para um modo de vida concentrado em tudo que ela tinha, e não no que havia perdido. Na bondade e significado pessoal da vida, e não apenas em sua precariedade.

Muitos líderes enxergam a busca dos empregados por significado como uma questão pessoal, enquanto a produtividade e resultados lucrativos são questões da empresa. Também defendemos que as empresas existem para fazer seu trabalho. De fato, em vez de definirmos uma organização por sua estrutura, papéis ou regras, nós a definimos por suas capacitações: no que a organização é boa (a Apple é inovadora, a Disney nos diverte, a Marriott tem a capacidade de servir, e a Walmart tem preços baixos). Para sobreviver, as organizações não apenas devem arregimentar capacitações, mas devem trans-formar as capacitações internas em valor para os stakeholders externos. As em-presas comerciais devem criar produtos ou serviços que os clientes valorizem e nos quais os investidores confiem. As agências governamentais devem satis-fazer as demandas dos cidadãos e responder a mandatos legislativos. As organi-zações sem fins lucrativos somente perduram se defenderem valores voltados para a sociedade. As capacidades relacionam o que ocorre dentro da empresa com o que os clientes pagam e com aquilo em que os investidores confiam.

Todavia, neste livro, também argumentamos que as capacitações orga-nizacionais levam mais prontamente a valores duradouros quando os líderes promovem a construção do significado, em vez de apenas ganharem dinheiro. À medida que costuramos histórias de afirmação, encontramos heróis e causas, incorporamos valores em que confiamos, explicamos princípios que conferem ordem e racionalidade às decisões e rotinas e tornamos visíveis as maneiras como os esforços dos empregados ajudam a empresa a contribuir para um bem maior, criamos organizações que transbordam um senso de significado e abundância. Nas palavras do ex-presidente norte-americano Woodrow Wilson: “Você não está aqui apenas para ganhar a vida. Você está aqui para que o mun-

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do viva de forma mais plena, com maior visão, com um espírito melhor de esperança e realização. Você está aqui para enriquecer o mundo, e você se empobrece se esquecer a missão.”32

Os bolsões de abundância podem florescer em praticamente qualquer organização. A organização inteira não precisa esperar que um executivo caris-mático promova a proposta da abundância. Embora esperemos que os líderes criem abundância organizacional, cada empregado também tem a oportuni-dade e a responsabilidade de criar um espaço de trabalho abundante para si mesmo e para sua equipe. A liderança não se confina à comitiva de executivos.

À medida que as organizações se tornam repositórios de abundância, os empregados ganham antídotos para uma parte do mal-estar, do isolamento e das crises de significado discutidas aqui. Eles também aumentam a capacita-ção da organização de fazer o que faz melhor. Os pesquisadores da Apple que vivenciam a abundância transformam sua criatividade pessoal na inovação de produtos da Apple. Os “anfitriões” da Disney que vivenciam a abundância têm muita satisfação em agradar os frequentadores dos parques temáticos. Os aten-dentes dos hotéis Marriot que vivenciam a abundância servem os clientes com base em uma convicção interior resiliente mais do que por uma conveniência que poderia ser facilmente desfeita. Os caixas do Walmart que vivenciam a abundância se orgulham do compromisso da loja com o preço baixo, que ajuda famílias com dificuldades. Embora as organizações abundantes não necessa-riamente invertam as taxas de divórcio ou impeçam o consumo de drogas, elas podem ser uma fonte de significado e propósito para a sociedade que combata o tédio e o desespero dentro e fora das paredes da empresa.

Independentemente de ser alguém em busca de uma razão para traba-lhar todos os dias, um gerente de uma equipe ou divisão que quer fomentar o envolvimento dos empregados dentro da sua unidade, ou o líder de uma organização inteira comprometida com valores, objetivos, políticas e histórias que a tornam um ótimo lugar para trabalhar, a abundância é uma proposta relevante. O próximo capítulo traz uma visão geral de sete questões e sete campos de investigação que ajudam a promover esse processo de formação de significado, criação de valor e construção de esperança em todos os níveis da vida organizacional.