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História da igreja latinoamericana 1930-85

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Page 1: História da igreja latinoamericana 1930-85
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ENRIQUE DUSSEL

HISTÓRIA DA IGREJA LATINO-AMERICANA

(1930 a 1985)

2ª edição

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Título original Los últimos 50 años (1930-1985) en Ia historia de Ia Iglesia en América Latina © Indo-American Press Service - Editores - Colômbia, 1986 Tradução Eugenia Flavian Revisão José Joaquim Sobral

© PAULUS - 1989 Rua Francisco Cruz, 229 04117-091 São Paulo (Brasil) Fax (011) 575-7403 Tel. (011) 572-2362 ISBN 85-349-0380-8

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SIGLAS E ABREVIATURAS

AC - Ação Católica ACO - Ação Católica Operária ACU - Agrupamento Católico Universitário (Cuba) AEC - Associação de Educação Católica ANEC - Associação Nacional de Estudantes Católicos (Chile) ASICH - Associação Sindical Chilena (1941) ASJ - Ação Social da Juventude Católica (Peru) CCTRN - Central Sindical Rerum Novarum (Costa Rica, 1943) CEBs - Comunidades Eclesiais de Base CEDOC - Confederação Equatoriana de Operários

Católicos CEHILA - Comissão de Estudos de História da Igreja da

América Latina CELAM - Conselho do Episcopado Latino-americano CENAMI - Centro Nacional de Ajuda às Missões Indígenas (México) CENCOS - Centro Nacional de Comunicação Social

(México) CHR - Conferência Haitiana dos Religiosos CIAS - Centro de Pesquisas e Ação Social CIEC - Confederação Latino-americana de Educação

Cristã (Bogotá) CIMI - Conselho Indigenista Missionário CLAJOC - Conferência Latino-americana da JOC CLAR - Conferência Latino-americana de Religiosos CLASC - Confederação Latino-americana de Sindicalis- tas Cristãos (Santiago) CNBB - Conferência Nac. dos Bispos do Brasil (1952) CNOC - Conferência Nacional de Operários Católicos (1936)

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CON

CONFERRE

~- Conferência de Organizações Católicas

Nacionais (México)

- Conferência dos Religiosos (Chile)

CONFREGUA - Conferência dos Religiosos da Gua- CONIP COPEI COSDEGUA CTCR DC DEI EATWOT ECN EECR ELN EUA FANAL FLAC FSLN HGIAL HI INPE 6

temala - Coordenadoria Nacional da Igreja Popular (El Salvador) - Democracia Cristã Venezuelana - Confederação dos Sacerdotes da Guatemala - Central dos Trabalhadores Costa-rique- nhos - Democracia Cristã - Departamento de Estudos e Pesquisas (Costa Rica) - Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo - Exército Cristão Nacionalista (Bolívia) - Escola Ecumênica de Ciências Reli- gíosas - Exército de Libertação Nacional (Colômbia) - Estados Unidos da América - Federação Agrária Nacional (Colôm- bia) - Formação, Liturgia, Apostolado, Catequese (Cuba) - Frente Sandinista de Libertação Na- cional - Historia General de Ia Iglesia en América Latina (CEHILA) - Historia de Ia Iglesia en América Latina (E. Dussel) - Instituto Nacional de Pastoral Equa- toriana

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INPROA - Instituto para a Reforma Agrária (Chile) IPLA -Instituto de Pastoral para a América Latina (Quito) IRFED -Instituto de Pesquisa e Formação Social (Paris, 1958) ISAL -Igreja e Sociedade na América Latina (Bolívia) ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros ISPLA - Instituto de Pastoral Itinerante (Equador) ITAC - Instituto Teológico da América Central JAC - Juventude Agrária Católica JEC - Juventude Estudantil Católica JOC - Juventude Operária Católica JUC - Juventude Universitária Católica LEC - Liga Eleitoral Católica LEO - Liga Espiritual Operária (Costa Rica) MAPU - Movimento de Ação Popular Universitária (Chile) MEB - Movimento de Educação de Base (1961) MFC - Movimento Familiar Cristão (Uruguai) MIEC - Movimento Independente de Estudantes Católicos MLN - Movimento de Libertação Nacional (Tupa maros) MNCL - Movimento Nacional Cristão de Libertação (Equador) MP - De Medellín a Puebla (E. Dussel, Loyola) MSPTM - Movimento de Sacerdotes para o Terceiro Mundo ODCA - Organização Democrática Cristã da Amé- rica OSLAM - Organização de Seminários Latino-america- nos (Tlalpan) SEDAC - Secretariado Episcopal da América Central 7

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SEDOC - Serviço de Documentação (Vozes) SIAC - Secretariado Latino-americano de Ação Ca-

tólica (Santiago) SSM - Secretariado Social Mexicano (1922) TL - Teologia da Libertação UNE - União Nacional dos Estudantes UNEC - União Nacional dos Estudantes Católicos

(Peru) UPCA - União Popular Católica Argentina (1919) URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas UTC - União dos Trabalhadores da Colômbia (1945) 8

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Nota introdutória

A história da Igreja durante este meio século será dividida em três períodos, para tomar mais inteligível um processo bastante complexo que, embora apresente gra- des diferenças nacionais, mantém certa homogeneidade latino-americana. Já se escreveu muito sobre o tema, por isto faremos síntese bem resumida.1

1. Como bibliografia geral podem ser consultadas as seguintes obras: Historia General de Ia Iglesia en América Latina (HGIAL) da Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina (CEHILA), Ed. Sígueme, Salamanca, cujos tomos I/1 (1983), V (1984), VII (1979) já foram editados; o tomo II foi publicado, em co-edição, por Ed. Paulinas, São Paulo/Ed. Vozes, Petrópolis, 1977 (t.II/1 e II/2, 2ªed. 1985); o torno X, sobre Hispanos nos Estados Unidos, apareceu em MACC, San Antonio (Texas), 1984. O torno VI, sobre a América Central, foi editado em 1985; está sendo impresso o tomo VIII, sobre a região andina. Ternos em nosso poder os materiais sobre o Caribe (torno IV) e, parcialmente, o material do tomo IX (sobre o Cone Sul). Publiquei a Historia de la Iglesia en América Latina, (HI), Mundo Negro, Madri-México, 1984 (5ª ed.), que apareceu em inglês corno A History of the Church in Latinoamerica, Eerdmans, Grand Rapids, 1981. Para o período de 1968-1979, publicamos a obra De Medellín a Puebla, (MP), Edicol, México, 1979 (com tradução para o português, Ed. Loyola, 3 vol., São Paulo, 1981-1983). Veja-se também a época de que estamos tratando em Hans-Jürgen Prien, Die Geschichte des Christentums in Lateinamerika, Vandenhoeck und Ruprecht Gottingen, 1978 (publicado em 1985 em tradução castelhana por Ed. Sígueme, Salamanca). Também Carlos Pape, Katholizismus in Lateinamerika, Steyler, Siegburg, 1963; Richard Pattee, El catolicismo contemporáneo en Hispanoamérica, Fides, Buenos Aires, 1951. Visões de conjunto em Frederick Pike, "La Iglesia en Latinoamérica", in Nueva Historia de la Iglesia, Ed. Cristiandad, Madrid, t. V, 1977, pp. 316-371; Methol Ferré, "La Iglesia Latinoamericana de Río a Puebla (1955-1979)", in Fliche- Martin, Historia de la Iglesia, EDICEP, Valencia, tomo I complementar, 1981, pp. 697-725. Na obra de Hubert Jedin, Handbuch der Kirchengeschichte, Herder, Freiburg, t. VII, 1979, Felix Zubillaga escreve por países: "Die Kircke in Lateinamerika", pp. 685-768 (com bibliografia nas pp. 685-688). Obras como a de Lloyd Mecham, Chruch and State en Latin America, Univ. of North Caroline Press, Chapel Hill, 1966, podem ser úteis.

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I. A IGREJA NA ERA DOS POPULISMOS (1930- 1959)

Este período fica claramente delimitado por dois

acontecimentos: por um lado, a repercussão na América La- tina da crise econômica de 1929, que terá conseqüências imediatas na vida da Igreja latino-americana. Por outro lado, em janeiro de 1959, João XXIII anuncia a convocação de um concílio ecumênico. Este lapso de tempo, quase três décadas, será para a Igreja na América Latina tempo de confrontos, amadurecimento e "modernização" estrutural, que dará seus frutos no período seguinte. 1. A Igreja na conjuntura mundial

De 1914 a 1945, com duas guerras pela hegemonia

do mundo capitalista, o poder passa da Inglaterra para os Estados Unidos; seu centro é a crise econômica de 1929. 0 domínio do "centro", ou países desenvolvidos, sobre a "periferia" menos desenvolvida diminui deixando lugar político e econômico para o fenômeno do populismo,2 da modernização nacional, da industrialização nos países- chave (principalmente do Cone Sul e México). A Revo- lução Russa de 1917 (e a Mexicana de 1910) cria nos meios da Igreja romana o espectro do comunismo. Alemanha, Japão, Itália e outros países, que che –garam à revolução capitalista com atraso, procuram na via

2. Cf. Octavio lanni, La formación del Estado populista en América Latina, Era, México, 1975; Francisco Weffort, Populismo, marginación y dependencia, San José, 1973; G. Germani -Torcuato di Tella, Populismo y contradicciones de clase en América Latina, Era, México, 1973; A. Niekerk, Populism and Political Development in Latin America, Rotterdam, 1974; E. Dussel, "El estatuto i- deológico dei discurso populista", in ldeas y Valores, n. 50, Bogotá, ago. 1977, pp. 35-69.

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fascista (populismo do centro) a maneira de desenvolver seu potencial industrial e colonial.

É nesse contexto que os papados de Pio XI (1922-1939) e Pio XII (1939-1958) ocupam totalmente o período que tratamos. Na época de Pio XI, que simpatizou com os "nacionalismos" desconfiando do socialismo, destacare- mos dois anos fundamentais. Em 1931, quando escreve a encíclica Quadragesimo Anno (dia 15 de maio), onde critica o socialismo, e Non abbiamo bisogno (29 de junho), colocando limites ao fascismo de Mussolini. Em 1937, quando condena o nazismo de Hítler com Mit brennender Sorge (14 de março) e põe limites ao socialismo com a encíclica Divini Redemptoris (19 de março). A isto acrescentamos certa tendência a assinar "acordos", entre os quais não devemos esquecer aquele tão ambíguo feito com o nazismo no dia 20 de julho de 1933. 3

Pio XII- cuja obsessão era salvar as estruturas da Igreja no meio de uma Europa destruída, vendo com bons olhos o triunfo nazista sobre a URSS como o mal menor, mas também compreendendo o perigo totalitário do Estado fascista contra a Igreja institucional- reconhece o governo de Franco em setembro de 1937. Na América Latina, a instauração da II República Espanhola, no dia 14 de abril de 193 1, o triunfo da Frente Popular, em 1936, e a guerra civil até 1939, serão determinantes para a "divisão" dos cristãos. Da mesma forma, o conflito mexicano dos "Cristãos", de 1926 a 1929, terá influência sobre os militantes.

Um fato a ser constatado é a estranha semelhança e até íntima ligação da política norte-americana e vaticana,4

3. Sobre a Igreja em geral, nesta época, podem ser consultadas as obras de Hubert Jedin, op. cit., t. VIII; A. Fliche-V. Martin, Histoire de l’Eglise, tomo corres- pondente; L. Rogier-R. Aubier et alii, Nouvelle histoire de l’Eglise, Paris, t. IV, 1979 etc. 4. Cf. Avro Manhattan, The Vatican in World Politics, Gaer, Nova York, 1949; Jacques Mitterrand, La politique exterieure du Vatican, Dervy - Livres, Paris,

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em relação à América Latina, em questões tais como as revoluções das Filipinas, Cuba e Porto Rico (1898), a solução da crise "Cristera" (1929) e a política da "guerra fria" a partir de 1945.

2. As duas fases deste período

A Igreja latino-americana passa por duas fases. A

primeira (1930-1945), claramente populista no aspecto político e econômico, sob a presença do presidente F. D. Roosevelt (1933-1945), nos Estados Unidos. Nesta fase são os países mais modernizados (do Cone Sul: Brasil, Argen- tina, Chile) os que darão os passos mais importantes, já que o México terá desenvolvimento atípico pelo anticlericalis- mo da revolução de 1910. O Chile será o país que vai mostrar o caminho do modelo chamado "Nova Cris- tandade",5 seguindo de certa maneira a linha francesa de Jacques Maritain (O humanismo integral, 1936), afas- tando-se do Partido Conservador e da oligarquia tradicio- nal. Nos outros países a Igreja enfrentará o populismo com "massas" cristãs em congressos e encontros de multidões. A Igreja recupera o poder perdido durante um século de "perseguições" liberais.

A segunda fase (1945-1959) em que, reorganizada em algumas de suas estruturas fundamentais, a Igreja passa a apoiar os populismos, no começo, com um "anticomunis- mo" próprio da "guerra fria", mas mais tarde (aproxima- damente a partir de 1954 em alguns países) começa a afastar-se de tais governos, para não ser derrotada junto

1959; Robert Gaham, Vatican Diplomacy, Princeton Univ. Press, 1959. Ver, de modo especial, Samuel Silva Gotay, "La Iglesia católica en el proceso político de Ia americanización de Puerto Rico (1898-1930)", in HGIAL, op. cit., t. IV (a Igreja no Caribe) (em preparo). 5. Cf. minha "Introducción General", à HGIAL, t. I/1, pp. 73-80; Pablo Richard, Morte das cristandades e renascimento da Igreja, Ed. Paulinas, São Paulo, 2ª ed., 1984.

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com eles. No final da década de 50, a Igreja está reorgani- zada em nível nacional e, pela primeira vez, em nível latino-americano para poder transformar-se em uma das prota-gonistas dos períodos posteriores. O Cone Sul continuará sendo, ainda, o lugar eclesial de maior criatividade, na época de H. Truman (1945-1953) e de D. Eisenhower (1953-1961), e das Democracias Cristãs européias (de De Gasseri na Itália e Adenauer na Alemanha).

3. Os grandes desaflos

Na nossa opinião foram quatro as maneiras que a Igreja latino-americana teve para responder e ganhar ter- reno diante do Estado populista e a modernização do capitalismo dependente continental. A primeira delas foi a Ação Católica. Dada a função da pequena burguesia nos fascismos do centro e nos populismos da periferia, já que constituem as burocracias do Estado,6 a Igreja romana (diante do fascismo italiano) e a latino-americana (diante dos populismos) criaram um modelo de compromisso secular dos leigos sob a direção da hierarquia episcopal. Pio XI organizou-o na Itália, no dia 22 de outubro de 1923; na Polônia, em 1925; na Iugoslávia e Checoslováquia, em 1927; na Áustria, em 1928. Nesse mesmo ano é lançada a idéia em Buenos Aires e lentamente se espalha por toda a América Latina. Os jovens sacerdotes Antonio Caggiano (mais tarde cardeal argentino) e Miguel Dado Miranda (mexicano) estudam o modelo no final da década de 20 em Roma. Em 1938 abre-se uma sede mundial da Ação Cató- lica em Roma. Em 1951 realiza -se o I Congresso Mundial

6. Cf. Nicos Poulantzas, a função da pequena burguesia in Poder político y clases sociales, Siglo XXI, México, 1972; Las crisis de las dictaduras, Siglo XXI, México, 1976; Las clases sociales en el capitalismo actual, Siglo XXI, México, 1976; "Las clases medias", in A. Solari - R. Franco-J. Jutkowitz Teoría, acción social y desarrollo en América Latina, Siglo XXI, México, 1976, pp. 301-335; Emilio de Ipola, Ideología y discurso populista, Folios, México, 1982.

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do Apostolado Secular. Pouco antes, em 1945, foi organi- zada a I Semana Interamericana de Ação Católica, em Santiago do Chile; em 1949 a II em Havana; a III em Chimbote (Peru), em 1953.

Uma segunda fase foi constituída pela Ação Ca- tólica especializada. Cardijn havia fundado a Juventude Operária Católica (JOC) na Bélgica em 1913. Seu lan- çamento oficial ocorreu em 1925, com reservas por sua posição classista. Expandiu-se lentamente na América Latina; sua maior influência ocorre no final da década de 50 até a metade da década de 60. Por seu lado, a Juventude Universitária Católica (JUC), que surge da Juventude Es- tudantil Católica (JEC), ligada ao MIEC e Pax Romana, terá a maior importância porque será ali que os jovens cristãos descobrirão a necessidade do compromisso político, refor- mista no começo - neste período - e, mais tarde revo-lucionário - de 1959 em diante. O livro de José Comblin, O fracasso da Ação Católica (1959) escrito no Recife, é a primeira análise que mostra o fim desta época.

A segunda maneira são os grandes Congressos de

massas, que Roma tinha experimentado desde o final do século XIX na Europa. O I Congresso Eucarístico Inter- nacional, de 1881, tinha como tema o "Reinado Social de Cristo". Em 1922, no Congresso Eucarístico de Roma, diante do fascismo em formação, 69 cardeais pedem a celebração de Cristo Rei, que se consagra em 1925. Desde o I Congresso Eucarístico Nacional do México, passando pelos realizados em 1926 em La Paz, em 1928 em Manágua, a Cristo Rei em Guayaquil em 1929, em Salvador (Brasil) em 1933, ao Congresso Eucarístico Internacional em Bue- nos Aires em 1934, e muitos outros, estas concentrações de centenas de milhares de crentes impressionavam os gover- nos populistas e deram força, de fato e politicamente, à Igreja para negociações concretas.

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Entre 1957-1961 foram organizados outros tipos de experiências: a "Grande Missão" em uma cidade ou país, de Tegucigalpa a Buenos Aires, mas agora com orientação mais espiritualista e principalmente com missionários espanhóis. Pretendia-se "converter" em massa. Nos anos 30, porém, pensava-se influir politicamente. A peregrina- ção ao Cristo de Esquipulas, com a qual se conseguiu enfraquecer o governo de J. Arbenz em 1953 (Guatemala), pode ser o melhor exemplo deste tipo de manifestações religiosas.

A terceira maneira é a Ação Social principalmente no setor trabalhista. O corporativismo proposto pela Qua-dragesimo Anno (1931) abriu o caminho para a "Doutrina Social", que Pio XII tanto incentivou: uma espécie de crítica reformista ao capitalismo. Grupos como "Economia e Humanismo" do padre Lebret (1942) ou o "personalismo" de E. Mounier (que fundou Esprit em 1932) terão influência na América Latina. Em geral os movimentos eram "pater-nalistas": agrupamentos operários sem compromisso clas-sista, anticomunistas, freqüentemente "devocionistas". No entanto, na década de 50, pela atuação da JOC, faz-se presente certo classismo. Os sindicatos reformistas radica-lizam-se e começa uma tomada de consciência cristã da classe operária. O desenvolvimentismo de alguns grupos, como o Instituto de Pesquisas e Formação Social (IRFED, Paris, 1958), faz-se presente no final do período. Agrupa-mentos, sindicatos, centros de estudo, publicações, rádios, cooperativas etc., multiplicam-se em todos os países.

A quarta maneira é o anticomunismo mais ou menos combativo. Na primeira fase (1930-1945) o anti-comunismo da Igreja liga-se à sua antiga aliança com os partidos conservadores e a oligarquia tradicional. Na se- gunda fase do pós-guerra (1945-1959) torna-se muito mais militante dentro da política americana da "guerra fria", começando a apoiar as ditaduras de novo naipe: cada vez

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menos populistas e mais autoritárias, como as de Trujillo, Somoza, Stroessner etc. Quanto mais militante esse anti-comunismo (como na Guatemala ou na Colômbia), mais estreita a aliança com as classes dominantes. Na medida em que a Igreja encontra um modelo democrático ou moderni-zador (como no Chile), seu anticomunismo toma-se menos necessário, como nos casos de Mons. Sanabria na Costa Rica e Mons. Larraín no Chile. 4. A modernização do aparelho eclesial

Achamos que podem ser identificados pelo menos

três níveis, onde se produz a renovação a partir de um modelo de "Nova Cristandade"; renovação lenta a partir dos anos 30 e que se acelera de 1945 a 1959.

O primeiro nível é o da renovação intelectual.7 A reação antipositivista, iniciada pelo argentino frei Mamer- to Esquiú (1826-1883) e Jacinto Ríos (1842-1892) será levada adiante pela releitura tomista moderna feita por Martínez Villada (1886-1959), relacionado com Blondel e Maritain. Jackson de Figueiredo, no Brasil, e mais ainda Tristão de Atayde (Alceu de Amoroso Lima), José Vas-concelos ou Antonio Caso, no México, Víctor Andrés Be-launde, são intelectuais deste período inovador. Os estu- dantes também se organizavam; celebrou-se o I Congresso Ibero-americano de Estudantes Católicos em Roma, 1933; o II Congresso foi em Lima, em 1939; o III em Bogotá, em 1944. Por outro lado, depois da antiga Universidade Cató- lica de Santiago do Chile (1869), foi fundada a Xaveriana de Bogotá (1937), a Católica de Lima (1942), a de Medellín (1945), a do Rio de Janeiro e São Paulo (1947), Porto Alegre (1950), Campinas (1956), Quito (1956), Córdoba e 7. Cf. minha HI, op. cit., pp. 177ss., e meu artigo, "Hipótesis para una historia de la teología en América Latina (1492-1980)", in Historia de la teología en América Latina, DEI, San José, 1981, pp. 418ss.

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Buenos Aires (1960), Valparaíso e Centroamérica na Guatemala (1961) etc. A I Assembléia Ibero-americana de Universidades Católicas foi realizada em Lima, em 1944.

Grandes revistas filosóficas e teológicas como Sapientia (Buenos Aires), Revista Eclesiástica Brasileira (Petrópolis), Teología y Vida (Santiago), Stromata (Buenos Aires), Christus (México) e muitas outras fecundavam a renovação intelectual da nova geração.

A obra de Juan Luis Segundo SJ, Función de la iglesia en la realidad rioplatense, 1959 (Barreiro y Ramos, Montevidéu, 1962) é a reflexão teológica que encerra esta época e inaugura a teologia latino-americana contempo- rânea.

0 segundo nível é a renovação pastoral. Em pri- meiro lugar toma-se consciência da situação existente gra- ças ao Centro de Pesquisas Sociais e Religiosas (Buenos Aires), Centro de Pesquisa e Ação Social (Santiago), Cen- tro de Pesquisas Sociais (Bogotá), Centro de Pesquisas Sócio-religiosas (México) e os padres jesuítas que fundam CIAS em quase todos os países.8 No final do período, promove-se a chamada "pastoral de conjunto" que parte das experiências do Pe. Boulard na França. Lenta renovação litúrgica, com traduções bíblicas atualizadas e missais bilíngües. Renovação catequética, até a fundação do Insti- tuto Catequético Latino-americano em Santiago, em 1961. Renovação da espiritualidade, com a presença de benediti- nos de Solesmes, em Los Condes (Chile, 1938), beneditinas em Santa Escolástica (Buenos Aires), a abadia de Einsie-

8. Cf. Isidoro Alonso, La Iglesia en América Latina. Estructuras eclesiásticas, FERES, Bogotá, 1964. Do mesmo autor, La Iglesia en América Central, FERES, Bogotá, 1962, William J. Gibbons, Basic Eclesiastical Statistics for Latin America, Maryknoll, Nova York, 1960. O já citado Isidoro Alonso publicou estudos sociográficos de todos os países latino-americanos; veja-se, ainda, "Les statistiques religieuses en Amérique Latine", in Social Compass, XIV, 5-6, 1967, pp. 365-398. François Houtart, de Louvain, foi certamente pioneiro nesta matéria sociológica, da mesma forma que Pe. Boulard.

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deln funda Los Toldos (Argentina, 1947) etc. Depois virá a difusão dos trapistas (Azul, Argentina) e os Irmãozinhos e Irmãzinhas de Charles de Foucauld. A partir da encíclica de Pio XII Mystici corporis Christi, a Igreja começa a ser encarada como "comunidade" fraterna mais do que corno instituição jurídica; daí também a renovação da paróquia como "comunidade missionária" - influência pastoral vinda da França do pós-guerra.

O terceiro nível é a organização nacional e latino-americana das instituições que foram surgindo pela mo-dernização da Igreja no modelo de "Nova Cristandade". Em primeiro lugar nascem as conferências episcopais nacio- nais a partir de 1952, que são os órgãos nacionais de coordenação do trabalho dos bispos, até então completa- mente isolados. Hélder Câmara, Manuel Larraín e tantos outros são os que unificam os episcopados nacionais. Da mesma forma os religiosos e religiosas começam a reunir- se por países (como a CONFERRE no Chile, em 1954), conseguindo a unidade continental com a Conferência Latino-americana de Religiosos (CLAR, Rio, 1958).

Junto a estes aparece grande número de novos órgãos confederativos: Organização de Seminários Latino-americanos (OSLAM, Tlalpan, 1958), Secretariado Lati- no-americano da Ação Católica (SIAC, Santiago, 1946), Conferência Latino-americana da JOC (Rio, 1959), Movi-mento Familiar Cristão (Montevidéu, 1951), Confederação Latino-americana de Sindicalistas Cristãos (CLASC, San-tiago, 1954), Confederação Latino-americana de Educação Cristã (CIEC, Bogotá, 1945) etc. Todo este esforço de integração latino-americana culmina, de certa maneira, na I Conferência do Episcopado Latino-americano no Rio de Janeiro, de 25 de julho a 4 de agosto de 1955.9 Nesta conferência é fundado o Conselho Episcopal Latino - ame-

9. Cf.. minha HI, op. cit., pp. 186ss.

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ricano (CELAM) que terá tanta importância histórica para a Igreja na América Latina e para o continente em geral. Estão dadas as estruturas para o passo seguinte. 5. A Igreja no Cone Sul - Brasil

No Brasil, a 2 de julho de 1930, Dom Sebastião Leme (1930-1942) é elevado ao cardinalato no Rio de Janeiro. Quando vem a revolução de outubro desse ano, de Getúlio Vargas, a Igreja está preparada para lançar-se na arena política do populismo. O arcebispo de Porto Alegre, Dom João Becker, onde nascera o processo getulista, a- poiou os insurgentes desde o começo. Nesse ano ele escreveu uma pastoral sobre "O comunismo russo e a civilização cristã".10 Becker nomeou o padre Vicente Scherer como capelão militar da revolução "gaúcha".

Em agosto de 1921 aparece a revista A Ordem sob a direção de Jackson de Figueiredo (1891-1928), que lança uma linha nacionalista e católica brasileira. Em 1922 é fundado o Centro Dom Vidal que também terá função dirigente na restauração católica.

O cardeal Leme, imediatamente após o triunfo da revolução de 1930, organiza manifestações de massas em honra a N. Sra. Aparecida e ao Cristo Redentor do Corco- vado (1931), fazendo com que o governo compreendesse a importância maciça da Igreja. Sabendo-se, além disto, que Dom Leme esteve por trás da Liga Eleitoral Católica (LEC), entre 1932-1933, para impor aos programas dos partidos políticos as reivindicações da Igreja, pode-se entender o papel político da Igreja no próprio nascimento do populis- mo getulista. 10. José 0. Beozzo, "A Igreja no Brasil (1930-1939)", in. HGIAL, vol 3, Ed. Vozes, Petrópolis (em preparo); Thomas Bruneau, 0 catolicismo brasileiro em época de transição, Ed. Loyola, São Paulo, 1974.

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No dia 24 de agosto de 1934, Dom Leme estava enviando a Roma o estatuto da Ação Católica, que foi aprovado em 9 de junho de 1935. Ao mesmo tempo contínuavam os congressos eucarísticos nacionais em Salvador (1933), Belo Horizonte (1936), Recife (1939), São Paulo (1942) com os mesmos efeitos de atrair multidões.

Cabe destacar a pastoral coletiva do episcopado contra o comunismo (1937), que marcou o final desta fase. Com efeito, a promulgação do "Estado Novo" (1939) destruiu muitas das prerrogativas anteriores da Igreja. Por isto, o I Concilio Plenário Brasileiro, de 2 a 20 de julho de 1939, preparou a unidade da Igreja diante da precária fase que estava despontando.

No dia 15 de março de 1932, o padre Leopoldo Brentano SJ fundou, em Pelotas, o Círculo Operário Pelotense. Três anos depois contava com catorze mil membros. Em 1936 reuniu-se a Confederação Nacional de Operários Católicos (CNOC) com trinta e quatro mil membros. Os Círculos eram inspirados no corporativismo fascista. Chegaram a ter duzentos mil membros na década 1950-1960. A Juventude Operária Católica (JOC) começa a sua expansão depois da queda do getulismo. A Ação Católica Operária (ACO) organizase rapidamente.

Graças a Tristão de Atayde, maritainiano, e outros intelectuais, a revista A Ordem abandona a linha corporativista. De qualquer m aneira, o conservadorismo da LEC, do movimento "Integralista" e de muitos outros, formou no Brasil um setor de catolicismo direitista com simpatias fascistas, tendência esta que se prolonga até a década de 80.

Com a morte de Dom Leme em 1942, a Igreja fica sem liderança. Somente em 1952, o padre Hélder Câmara sugere a fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Hélder Câmara havia revitalizado a LEC entre 19461950, para pressionar o presidente GasparDutra. Durante o segundo governo de Vargas (1951-1954) as

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relações não variam. Neste período todo, foi surgindo na Igreja brasileira um senso de autonomia perante Roma; por isto Dom Leme se opôs ao acordo entreRoma e o Brasil,já que poderiam pactuar para dominar a Igreja do Brasil. A atual personalidade da Igreja brasileira germinou nesta época. - Argentina

Na Argentina,11 o papa Pio X, no dia 23 de abril de

1919, aprovara a organização da União Popular Católica Argentina (UPCA), depois de numerosos congressos realizados desde 11 de maio de 1883, quando fora fundada a Associação Católica. Pio XI, por seu lado, transformou a UPCA em Ação Católica, no dia 23 de setembro de 1928, sob a direção do episcopado, o que se tomou efetivo em 5 de abril de 1931.

No dia 20 de abril de 1934 é organizado, em Buenos Aires, o XXXII Congresso Eucarístico Internacional, com a presença do cardeal Eugênio Pacelli sob a cruz de Palermo.

A figura profética de Mons. Gustavo Franceschi, que funda a revista Criterio (1922) e os cursos de Cultura Católica, abre a consciência cristã ao problema social. No entanto, é o nacionalismo católico de direita que inspira a revolução militar de José F. Uriburu, que a história lembra com o nome de "a década infame". A figura conservadora do cardeal Santiago Copello - nomeado no dia 26 de

11. Gerardo Farrell, Iglesia y pueblo en Argentina (1860-1974), Patria Grande, Buenos Aires, 1976; Antonio Quarracino,"La Iglesia en Argentina enlosúltirnos cincuenta años'', in Criterio 1777, 1977, pp. 724ss.; Juan Carlos Zuretti, Nueva historia eclesiástica argentina, Buenos Aires, 1972; L. Gera G.-Rodríguez M., "Apuntes para una interpretación, de la Iglesia argentina", in Víspera 4,15,1970, pp. 59-88; H. J. Prien, op. cit., pp. 584-592. Sobre o Uruguai, cf. H. J. Prien, op. cit.,pp. 592ss.; sobre o Paraguai, cf id., ibid., pp. 598ss.; cf. A. Methol Ferré, "Las correntes religiosas", in Nuestra Tierra n. 35, Montevidéu, 1969.

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janeiro de 1936 - lidera a Igreja neste período. Nessa época éfundado o jornal El Pueblo. Com Perón (19461955), a Igreja mantém aliança de apoio mútuo, obtendo alguns benefícios (educação religiosa nas escolas, capelanias militares etc.); mas a partir de 1953 começam as hostilidades que vão até a queda do governo. A incipiente Democracia Cristã não consegue avançar no período desenvolvimentista posterior. - Chile

No Chile,12 a Igreja separou-se do Estado em 1925, o

que terminou para sempre com o padroado herdado da era colonial. Esta Igreja junto aos Andes certamente foi a que melhor interpretou os "sinais dos tempos" e imprimiu um sentido exemplar de ação eclesial para toda a América Latina neste período. Não caiu na tentação de anticomu~ nismo fácil e organizou as instituições para o futuro. A Igreja chilena trabalhou em duas linhas fundamentais: seu fortalecimento interno mediante a Ação Católica e sua atuação externa tanto no setor político (democrático) como no setor trabalhista-sindical.

No dia 25 de outubro de 1931, mediante carta pastoral do episcopado, era fundada a Ação Católica. Seus antecedentes foram: em 1915, a Associação Nacional de Estudantes Católicos (ANEC) que se alterou fundamentalmente, a partir de 1928, com a presença do padre Oscar Larson; em 1921, a Associação da Juventude Católica Feminina. A AC também sofreu a influência do padre Alberto Hurtado (1901-1952), que, em 1941, funda a Associação Sindical Chilena (ASICH); nesse mesmo ano ele escreve: ¿Es Chile un país católico?, adiantando-se ao famoso livro de Godin na França e à revista Mensaje em

12. Cf. Fernando Aliaga, "Historia de Ia Iglesia en Chile", in HGIAL, t. IX (em preparo).

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1951. Por seu lado, Clotário Blest fundava o grupo "Germe" em 1928. 0 padre Femando Vives SJ organizava a Liga Social em 193 1, a União de Trabalhadores Católicos e a Vanguarda Operária Juvenil. Em 1934 começava a Ação Popular que, em 1945, tinha cento e sessenta centros onde se dava assistência médica, jurídica, atendimento aos aposentados etc.

O fundo da questão se estabeleceu no fato de que a Igreja, especialmente graças à figura de Mons. José María Caro (1939-1958), elevado a cardeal em 1946, nunca apoiou o Partido Conservador, de direita, como sendo o seu partido. Ao contrário, através de consulta a Roma, Eugênio Pacelli enviou uma carta, no dia 12 de abril de 1934, onde indicava a posição suprapartidária da Igreja. Isto permite aos jovens a Ação Católica participarem primeiro no Partido Conservador (desde 1931), para depois fundarem a Falange (novembro de 1939), sob a direção de Eduardo Frei (que será a futura Democracia Cristã chilena). Mons. Manuel Larraín, bispo de Talca desde 1938 - a figura mais importante da Igreja latino-americana no século XX até sua morte em 22 de abril de 1966, organizador da conferência episcopal chilena em 5 de novembro de 1952 e da I Conferência do Episcopado Latino-americano no Rio de Janeiro, em 1955 - defendeu a Falange contra os ataques do conservadorismo.

Ato profético foi aquele de Mons. J. M. Caro que, no dia 23 de agosto de 1939, aceita como legítimas as autoridades da Frente Popular, que lhe permitem a organização do I Congresso Eucarístico Nacional em 194 1. Em 1946 reúne-se o I Concílio Plenário Chileno - sem esquecer que foi um bispo chileno, Mons. Casanova, quem organizou o I Concilio Plenário Latino-americano, em Roma, em 1899 -. É por tudo isto que a Igreja chilena alcançava nítida liderança no âmbito latinoamericano no período que vai do Concilio Vaticano II a Medellín.

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6. A Igreja na região de Bolívar - Peru

No Peru 13, Sánchez Cerro decretou o casamento civil e o divórcio entre 4 a 8 de outubro de 1930. O episcopado reagiu com carta pastoral, em novembro de 1931, "Sobre problemas de ordem religiosa social". A separação dos apristas do governo melhorou a relação com a Igreja. Em 1935 foi decretada a educação religiosa nas escolas públicas. Carlos Arenas Loayza funda o partido União Popular, em 1931, para defender os interesses da Igreja, que recebe o apoio do bispo de Cuzeo, Mons. Pedro Pascual Farfán que, junto com Mons. Mariano Holguín, foram os grandes bispos da época. Não se deve esquecer Víctor Andrés Belaúnde (1883-1966) e sua obra, publicada em 1930, La realidad nacional, e José de Ia Riva y Agüero (1885-1944), leigos católicos progressistas e proeminentes na vida nacional.

O I Congresso Eucarístico Nacional, de 1935, impressiona o populismo como em outros países. Mas é a Ação Católica, fundada em 1935, que representa a renovação real. Seus antecedentes foram: a Ação Social da Juventude Católica (ASJ), em 1926, e o Centro Fides, de 1930. Em 1940 o padre F. Stiglich organiza a Juventude Estudantil Católica (JEC) e, em 1943, aparece a União Nacional de Estudantes Católicos (UNEC), cujo primeiro assessor foi o padre Juan Landázuri Ricketts (arcebispo e cardeal de Lima, a partir de 1954); o segundo foi o padre Geraldo Alarco e o terceiro, nos anos 60, padre Gustavo Gutiérrez. Em 1953 a Ação Católica volta-se para a ação social. Por isto, entre 1955 e 1956, são fundados os partidos 13. Cf. Jeffry Klaiber, Religión y revolución en el Perú (1824-1976), Univ. del Pacífico, Lima, 1977, pp. 176ss.; do mesmo autor, "Historia de Ia Iglesia en el Perú", in HGIAL, t. VIII (no prelo).

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Ação Popular e Democrata Cristão. Tudo culmina na I Semana Social peruana, em 1959, que marca o começo da nova época. Junto com o cardeal de Lima, cabe lembrar o seu auxiliar, Mons. J. Dammert Bellido, - bispo de Cajamarca a partir de 1962 - historiador e grande apóstolo entre os indígenas. - Bolívia

Na Bolívia,14

organizou-se o I Congresso Eucarístico Nacional em La Paz, em 1926; o II Congresso em 1939; e o III Congresso, em 1946, em Sucre; o IV em Santa Cruz, em 1964. Muitos outros congressos reunindo multidões permitiam que a Igreja ganhasse a rua. Sendo escasso o clero nacional, muitos missionários estrangeiros entraram no país. Embora se tivesse pensado em fundá-la desde 1933, só em 1938 foi organizada a Ação Católica em Cochabamba, graças a Mons. Gutiérrez, que se formou no Chile. Desde o século XIX havia organizações de leigos como O Cruzado, a União Católica, que lhe serviram de antecedentes.

O próprio R. Estensoro publicou, em 1938, uma série de artigos, dentro da linha de Maritain e Bernanos, contra o fascismo espanhol, mas a linha franquista acaba se impondo rapidamente.

Em 1957 organiza-se a Grande Missão, urbana e nacional, com missionários estrangeiros, como se fez em outros países.

- Equador

No Equador,15 o então bispo de Guayaquil, posteriormente primeiro cardeal de Quito, Carlos María de la

14. Cf. Josep Barnadas, "Historia de Ia Iglesia en Bolívia'', in HGIAL, t. VIII (no prelo). 15. Cf. a "Historia de Ia Iglesia en el Ecuador" de José María Vargas, in HGIAL, t. VIII (no prelo).

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Torre decide celebrar com concentração popular a festa de Cristo Rei em 1929 e, mais tarde, em Quito, em 1933. A partir de 1931 começa a organização de ações sociais operárias. A Confederação Equatoriana de Operários Católicos (CEDOC) chegou a contar com setenta mil filiados em 1938. Em 16 de julho de 1954 nasceu a Universidade Católica de Quito.

Em 1956 procedeu-se ao estabelecimento da Conferência Episcopal Equatoriana.

A ligação entre Igreja e Estado ficou estabelecida pelo Modus vivendi assinado em 24 de julho de 1937, que regulamenta essa ligação até os nossos dias.

- Colômbia

Na Colômbia,16 Mons. Miguel Angel Builes (18881971) orquestrou a luta contra os liberais, maçons e comunistas, com sua pastoral de 1929 e com a que foi subscrita pelo episcopado em 1930. Pela ambigüidade de Mons. Ismael Perdomo (1928-1950) de Bogotá, o conservadorismo perdeu o poder em 9 de fevereiro de 1930. 0 apoio a Valencia mostrou que a Igreja colombiana nunca conseguirá o que a Igreja chilena dessa época obteve com tanta lucidez: a independência política em relação ao conservadorismo oligárquico.

Em 29 de julho de 1933 é fundada a Ação Católica Colombiana. Na ação social, entre outras, cabe destacar a União dos Trabalhadores da Colômbia (UTC), fundada em 1945 corri finalidade anticomunísta, antiliberal e apolítica. Seu semanário Justiça social lançou algumas raízes. Da mesma maneira, em 1946, a Federação Agrária Nacional (FANAL) também foi anticomunista declarada. Em 1947 o padre José J. Salcedo organiza a emissora Sutatenza (Boyacá)

16. Cf. Rodolfo de Roux, "La Iglesia colombiana en el período 1930-1962", in HGIAL, t. VII, pp. 517ss.

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de longo alcance. A Revista Xaveriana foi, desde 1933, um testemunho da intelectualidade católica.

É importante esclarecer a posição da Igreja perante o Estado. Quando, em 1935, o Congresso Nacional interpela a Igreja sobre a educação, o divórcio e outros assuntos, esta reage, mas no final é proclamada a liberdade de culto. Em 1942 assina-se novo acordo. 0 que não impede que em 1948 o episcopado se manifeste sobre as "relações entre Igreja e Estado", alertando sobre o perigo marxista na universidade. A mesma conferência episcopal declara-se anticomunista em 1944. Com a morte de Jorge Eliécer Gaitán em 1948 toma a culpar o comunismo e o liberalismo pelos ataques contra a Igreja (que chegaram até a incendiar o palácio episcopal de Bogotá) em 9 de abril. Ainda em 22 de setembro de 1958 o episcopado continua acusando o comunismo pela "violência" que se expande por todo o país. - Venezuela

Na Venezuela,17 desde a morte de Juan Gómez (1936), muda a situação para a Igreja e começa o florescimento da Ação Católica e a organização do ensino católico nas escolas particulares. Quando em 1946 a Ação Democrática quer fechar as escolas católicas, enfrenta a resposta do episcopado em 30 de agosto de 1947. 0 governo tem de retroceder sendo isso o começo do COPEI (a Democracia Cristã venezuelana). Em 1945 existia o Círculo de Operários de Caracas, cujo promotor era o padre Manuel Aguirre Elorriaga. A Igreja moderniza-se.

17. Cf. Carlos Felice Cardot, "La Iglesia venezolana entre 1930-1962", in HGIAL, t. VII, pp. 552ss.; e Luis Ugalde, no mesmo volume, pp. 625ss.

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7. A Igreja no México e América Central - México

O México18 marca toda esta época da Igreja latirioamericana. Desde o final do século XIX vira-se a reação e ação social da Igreja: semanas sociais, publicações e até o Partido Católico Nacional (1911-1917) - que chegou a ter até meio milhão de votos e trinta e um deputados ganhando em quatro províncias, tudo depois da revolução de 1910. Na Constituição de 1917 a Igreja ficou "fora da lei", sem o menor direito, nem ao menos de ter seus templos e até "os ministros dos cultos têm incapacidade legal para serem herdeiros dos ministros do mesmo culto". 0 Congresso Eucarístico Nacional de 1924, na cidade do México, foi duramente reprimido. 0 governo, de maneira sectária, aumentou desmedidamente as ações anticlericais. Em 25 de julho de 1926 o episcopado decretou a suspensão do culto religioso em toda a república, medida que durou até 21 de junho de 1929. Assim surgiu a "guerra cristera" em Jalisco, Colima, Zacatecas, Guariajuato, Michoacán e Durango ao redor da figura de Mons. Francisco Orozco y Jiménez; segunda revolta camponesa, esta contra Plutarco Elías Calles ou Álvaro Obregón. 0 jesuíta Miguel Augustín Pro foi acusado de atentar contra o presidente e foi fuzilado na delegacia de polícia. Por intervenção do embaixador norteamericano Dwight Morrow, o Delegado Apostólico e os bispos Pascual Díaza e Leopoldo Ruiz, os "cristeros" depuseram as armas; muitos foram assassinados posteriormente, e a Igreja continuou "fora da lei". 1 S. Cf. Carlos Alvear Acevedo, "La Iglesia de México en el período 1900-1962", in HGIAL, t. V, pp. 313ss.; Jean Meyer, La Cristiandad, Siglo XX1, México, t. I-III, 1973-1974. Deve ser incluído também o t. X da HGIAL, MACC, San Antonio, 1983, de Richard Santos, Luciano Hendren, John Fitzmorris, Carmen Tafolla, Moisés Sandoval. Salvador Alvarez, Edwin Silvest, autores da ''Historia de Ia Iglesia entre los speaking spanish" nos Estados Unidos.

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No início do governo de Lázaro Cárdenas (19341940), as coisas ficaram na mesma. 0 apoio da Igreja à nacionalização do petróleo (1938) fez mudar a posição do governo que se encaminhou para um modus vivendi de relações toleráveis.

Em 1922 era fundado o Secretariado Social Mexicano (SSM) pelo episcopado. Em 1929 a Ação Católica começa sua organização, sob os auspícios do Secretariado Social na época do padre Miguel Dario Miranda, seu diretor de 1924 até 1937 (futuro cardeal da sede do México). A partirde 1946 o diretor do SSM foi o padre Pedro Velásquez grande organizador do apostolado social, figura comparável à de Alberto Hurtado e Gustavo Franceschi, que, de militante anticomunista nos anos 40 e 50, passa a ser animador da Conferência de Medellín. - América Central

Na América Central a situação era diferente. A figura

mais notável de todo este período foi a de Mons. Víctor Sanabria Martínez (1899-1952), na Costa Rica.19 Na carta pastoral, de 25 de abril de 1938, ele escrevia:

"A questão social! Palavra de valor transcendental hoje em dia!

Que fez a Igreja para resolvê-la e que pode fazer atualmente neste mesmo sentido?"20

Quando o governo populista de Calderón Guardia (a

partir de 1940) começou a ser hostilizado pela oligarquia, Mons. Sanabria fez com que Guardia fosse condecorado pelo núncio Mons. Faffi. Chegou a um entendimento com

19. Cf. Miguel Picado, "Historia de Ia Iglesia en Costa Rica", in HGIAL, t. VI, 1985. 20. Texto de 25 de abril de 193 8 de Mons. V. Sanabria (citado por Miguel Picado, in op. cit.). 30

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o Partido Comunista costa-riquenho, em 14 de junho desse ano, que se transformou na Vanguarda Popular. Mons. Sanabria declarou: "os católicos, que o desejarem, podem ingressar na nova organização". Salvou assim o governo popular até 1948.

Em 16 de dezembro de 1935, Mons. Rafael Otón Castro instituía a Ação Católica por carta pastoral. Entre 1942 e 1943, Mons. Sanabria reformula a instituição e esclarece os seus objetivos, orientando-a principalmente para operários e camponeses. A Liga Espiritual Operária (LEO) era o seu centro. A Juventude Operária Católica (JOC) apoiava suas ações. Depois organizou o sindicalismo cristão. O padre Carlos Rodríguez Quirós dedicou-se a estes movimentos. Em 1945 organizou a 1 Semana Interamericana de Assessores Jocistas.

Em 15 de setembro de 1943 foi fundada a central sindical Rerum Novarum (CCTRN). Em 1945 esta central estabelece a sua autonomia em relação à Igreja. Em 1948 enfrenta a CTCR (Central de Trabalhadores Costa-riquenhos da Vanguarda Popular) que será, mais tarde, o motivo da guerra civil e queda do governo. O padre Benjamín Núñez começou uma longa campanha contra o arcebispo e desempenhou importante papel no Exército de Libertação antigovernista.

Mons. Rubén Odio Herrera (1952-1959) é o sucessor de Sanabria; ele apóia a política anticomunista de Figueres no pós-guerra. - Guatemala

Na Guatemala,21 durante a época do arcebispo Luís

Duroy y Suré (1929-1938) surge, em 1935, a Ação Católica rural.

21. Cf. Ricardo Bendaña Perdomo, "Historia de Ia Iglesia en Guatemala", in HGIAL, t. VI, 1985.

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Nas regiões de Petén e Zacapa, o padre Rafael González funda a Ação Católica clássica. Enquanto isto, Mons. Mariano Rossell y Arellano (1938-1964) ocupa a sede guatemalteca e, em 1942, celebra o I Congresso Catequético Nacional. Por outro lado, Vizcaíno, Leal funda a Academia Superior de Cultura "Rafael Landívar" que, mais tarde, será Universidade. Com o seu semanário Acción Social Cristiana, em 1944, o movimento Rerum Novarum insere nítida presença cristã no mundo operário.

Mons. Rossell se salienta por sua constante campanha anticomunista. Em 12 de outubro de 1945 publica carta pastoral "Sobre a ameaça comunista". Em 21 de novembro de 1947 volta ao mesmo tema. Em 18 de agosto de 1949 toma pública uma instrução "Sobre a excomunhão dos comunistas". Em 195 1, como medida de força diante do populista eleito Jacobo Arbenz Guzmán, realiza o I Congresso Eucarístico Nacional, com a presença maciça de duzentas mil pessoas.

Ao começar a reforma agrária, Arbenz conta com a oposição da oligarquia agrária, da United Fruit (da qual são confiscados cem mil hectares) e dos Estados Unidos. Mons. Rossell apóia Somoza, Trujillo e Carlos Castillo Armas que, no pacto de Tegucigalpa, a 24 de dezembro de 1953, escrevem no item 12:

"As travas ao magistério da Igreja favoreceram em grande medida a penetração do comunismo na Guatemala".

No dia 9 de abril de 1954 comunica por carta

pastoral:

“... Obedecendo às orientações da Igreja que nos ordena combater e desbaratar os esforços do comunismo, devemos mais uma vez levantar a nossa voz de alerta aos católicos... "

Logo vai lamentar o seu engano descobrindo "outras

forças ocultas( ... ) para tomar a exercer sobre a Guaternala

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o domínio ignominioso do passado" (discurso de 10 de outubro de 1954).

De 11 a 15 de fevereiro realiza ainda o I Congresso Eucarístico Centro-americano, e o núncio Mons. Paupini nomeia o padre Mário Casariego como bispo auxiliar. - El Salvador

Quando em El Salvador22 foi aniquilado, de forma sangrenta, o levante camponês, deixando um saldo de trinta mil mortos (entre eles Farabundo Martí), o arcebispo Belloso alegrava-se por terem sido "conjurados os males presentes"; o padre José Alférez, no dia 28 de fevereiro, celebrou na catedral uma ação de graças; o padre Francisco Castro pronunciou uma oração patriótica felicitando o governo superior e o exército nacional por sua luta "contra o ateísmo". 0 padre salesiano José Miglia lançava uma cruzada anticomunista nos cárceres repletos de camponeses e a imprensa nacional abria, pela primeira vez, as portas à Igreja, para imprimir cinqüenta mil exemplares de folhetos de "cristianização e anticomunismo". Somente graças à nomeação de Mons. Luis Chávez González (19381977) para arcebispo de San Salvador- cujo sucessor será Oscar Arnulfo Romero - vai se produzindo lenta mudança na orientação social da Igreja salvadorenha. - Honduras

Em Honduras23 acontecia a mesma coisa. 0 arcebispo Turcios y Barahona (sagrado em 1947), lança em 1954 carta pastoral onde declara que o comunismo é intrinsecamente mau por seu ateísmo, mas não diz quase nada do 22. Cf. Rodolfo Cardenal, "Historia de Ia Iglesia en El Salvador", in HGIAL, t. VI, 1985, 23. Cf. Marcos Carías, "Historia de Ia Iglesía en Honduras", in HGIAL, t. VI, 1985.

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capitalismo. Em 1959 realiza-se a Grande Missão de Tegucigalpa contra "a invasão materialista e desmoralizadora", consagrando o país ao Sagrado Coração. Em 1955 organizamse os Cavalheiros de Cristo Rei em San Vicente, oradores leigos militantes. Graças ao padre Domínguez são fundadas organizações camponesas e operárias, utilizando o programa de rádio que o padre Molina Sierra começara em 1955.

- Nicarágua

O arcebispo José Antonio Lezcano y Ortega, na

Nicarágua 24, atribuiu o terremoto de 31 de março de 1931 aos pecados públicos contra Deus. De 12 a 3 de março de 1934 celebrou-se o I Concilio Provincial Nicaragüense, em Léon. Alguns anos antes, de 31 de dezembro de 1928 a 1º de janeiro de 1929, fora organizado o I Congresso Eucarístico Nacional. Com a ascensão de Somoza García, a Igreja não demonstrou inconformidade, não opôs resistência e a política anticomunista da "guerra fria" estava de acordo com a do governo. Em 1957 até foi lamentado o assassinato de Anastásio Somoza.

8. A Igreja no Caribe

- Santo Domingo

No Caribe, a situação de Santo Domingo25 esteve

completamente dominada por Rafael Trujillo (1930-1961), que desde o começo não procurou perseguir a Igreja, mas tê-la do seu lado. Logo no dia 20 de fevereiro de 1931, na

24. Cf Jorge Eduardo Arellano, "Historia de Ia Iglesia en Nicaragua", in. HGIAL, t. VI, 1985. 25. Cf. William, Wipfler Poder, influencia y impotencia. La Iglesia como factor socio-político en República Dominicana, CEPAE, Santo Domingo, 1980, pp. 84ss.

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presença do núncio Mons. José Fietta, promete à Igreja o "amparo da cooperação que vos brindará o governo que presido", para que a Igreja fosse "fonte de consolo, elemento moral de poderosa influência no estabelecimento do nosso progresso, do nosso bem-estar".26 No dia 6 de março érestaurada a personalidade jurídica da Igreja. O ditador exclui o padre Rafael Castellanos da sucessão a Mons. Alejandro Noel e consegue pôr o dócil Ricardo Pittini como arcebispo de Santo Domingo; este atingirá graus inigualáveis de cumplicidade, a ponto de pedir a Trujillo em 1938 que retire sua renúncia à reeleição para presidente. O massacre de haitianos na região fronteíriça, em 1936, foi ocultado até pelos sacerdotes da missão jesuíta. A Igreja recebeu do governo: três catedrais, restauração de edifícios históricos, escolas, reitorias, conventos, novos seminários, centros de retiro, subvenções e salários para bispos, sacerdotes etc., veículos, equipamentos audiovisuais, ornamentos litúrgícos. Em 1954 assinou-se o acordo, no dia 16 de junho, ignorando os crimes e as injustiças do tirano. No Congresso Internacional sobre a Cultura Católica em 1956, com a presença até do cardeal Spellman de Nova York, o cardeal De la Tom, de Quito, elogiou o Generalíssimo por ser "o fiel intérprete dos sentimentos de seu povo". Somente em 25 de julho de 1959, Mons. Hugo Polanco Brito começa a demarcar as responsabilidades, dizendo: "eu pessoalmente, como bispo de Santiago, não tenho outros superiores senão o Papa e Deus, aos quais prestarei contas das minhas ações."27

26. Zenón Castillo de Aza, Trujillo y otros benefactores de la Iglesia, Handicap, Ciudad Trujillo, 1961, p. 216. 27. Hugo Polanco Brito, Discursos y escritos (1934-1965), t. I (inédito).

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-Porto Rico

Em Porto Rico,28 como em Cuba e nas Filipinas, a anexação aos Estados Unidos em 1898 deixará marcas inapagáveis na Igreja: profunda "americanização" antilatino-americanista. Por isto, o fervoroso e místico católico Pedro Albizu Campos, fundador do Partido Nacionalista porto-riquenho - condenado e encarcerado até 1948 - é pessoa a ser lembrada. A nefasta ação no final do século XIX de Mons. Luis Chapelle, arcebispo de Nova Orleans, e de seu assistente, Mons. Blenk, como bispo de San Juan, conseguiu dividir a Igreja em "americanistas" e "nacionalistas", escisão esta que continua até os dias de hoje.29 De qualquer maneira o Vaticano aceitou como positiva a ocupação americana e os núncios sempre propiciaram o processo de "americanização", tanto em Cuba quanto nas Filipinas. - Cuba

Em Cuba,30 a figura de Mons. Manuel Arteaga y Betancur (1879-1963), arcebispo de Havana (1941), mais tarde cardeal, é central neste período em que sucedeu ao arcebispo Manuel Ruiz y Rodríguez. Desde a revolução de 33, a Igreja, por influência romana, ocupa-se da questão social. Em 1932 fora organizado o Agrupamento Católico Universitário (ACU), graças ao padre Felipe Rey de Castro SJ. Mediante a carta pastoral de 17 de dezembro de 1938, funda-se a Ação Católica, mas somente em 1942 ela co-

28. Cf. Sarnuel Silva Gotay - Mario Rodríguez, "Historia de Ia Iglesia en Puerto Rico", in HGIAL, t. IV (em preparo). 29. Samuel S. Gotay, La Iglesia católica en el proceso político de Ia americanización de Puerto Rico (1898-1930) (inédito). 30. Cf. Raúl Gómez Treto, "Historia de Ia Iglesia en Cuba (1959-1979)", in HGIAL, t. IV (ern preparo); Walfredo Piñeros Corrales, Cambias ocurridos en Ia Iglesia católica en Cuba durante los últimos 50 años, Havana, 1982 (inédito). Estes dois trabalhos pertencem a CEHILA-Cuba, coordenado por Rafael Cepeda.

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meça a trabalhar efetivamente. A Juventude Operária Católica (JOC) reúne os seus primeiros centros a partir de 23 de janeiro de 1947. Dia 15 de agosto de 1946 abriu suas portas a Universidade Católica Santo Tomáz de Villanueva. Em 1957 existiam, em Cuba, 209 paróquias, 6 dioceses, 245 comunidades religiosas (87 masculinas), 162 colégios religiosos (52 masculinos) com quarenta mil estudantes; 667 sacerdotes que dirigiam 426 templos; um seminário maior aberto em setembro de 1945, onde estudavam também negros e mulatos, por vontade expressa de Mons. Arteaga.

A partir de 1955 começou a polítização da juventude católica, sendo censurada pelo episcopado. Os dias de Fulgêncio Batista y Zaldívar, cujo poder começou no dia 4 de setembro de 1933, estavam chegando ao fim. - Haiti

No Haiti,31 depois da ocupação americana (1914-1934), como na Nicarágua, deixaram urna "Garde d'Haiti". A Igreja, quase que exclusivamente francesa no seu episcopado e alto clero, recebe forte impulso de missionários canadenses. No entanto, o sobressalto de 1946 não significou renovação. Em 1953 é nomeado como bispo auxiliar de Port-au-Prince Mons. Remy Augustin, haitiano; mas o novo arcebispo é o francês Mons. François Poirier. Somente em 1957, com François Duvalier, reivindica-se um clero nacional, negro, haitiano, mas para controlar a Igreja à maneira de Trujillo em Santo Domingo. Seus dois primeiros ministros de educação foram sacerdotes e a Santa Sé nada objetou naquele caso.32

31. Ernst Verdien-William Smarth, "Histoire de I'Eglise en Haiiti", in HGIAL, t. IV (em preparo). 32- Dever-se-ia incluir aqui todo o Caribe inglês e holandês. Cf. Eric Williams, Some Historical Reflections on the Church in the Caribbean, Port of Spain, 1973; Keith Hunte, "The Church in the West Indies", in HGIAL, t. IV em preparo);

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9. Tensões no modelo de "Nova Cristandade"

A "Cristandade colonial" (1492-1808) entrou em crise no século XIX diante do ataque dos liberais. Só por volta de 1930 tenta-se reconstituir um novo ideal (que denominamos "Nova Cristandade" com sociólogos e historiadores latino-americanos contemporâneos). A Igreja, depois de ter-se oposto ao Estado liberal e ser por ele perseguida, pode agora estabelecer relações de aliança, concórdia ou tolerância com o Estado populista (talvez a única exceção tenha sido o México, durante quinze anos). No entanto vai-se produzindo uma escisão entre duas posições. Uma que procura o poder conseguido pelo fortalecimento da Igreja e a necessidade de aliança com a nascente burguesia industrial, para preservar o estado de coisas tradicional, oligárquico e conservador. Outra que procura usar esse poder numa causa democrática, modernizadora, progressista, que inclui a opção pela ação social, ainda ambígua. Líderes cristãos como Eduardo Frei Montalva, no Chile, ou Pedro Albizu Campos, em Porto Rico, assinalam este segundo caminho. Os movimentos cristãos simpáticos ao franquismo, ao hispanismo, ao corporativismo anticomunista. indicam o primeiro caminho. De qualquer maneira, figuras como a de Alberto, Hurtado, no Chile, Pedro Velásquez, no México, ou Gustavo Franceschi, na Argentina, não podem deixar de ser lembradas como significativas deste período. Richard Buhler, A History of the Catholic Church in the Belize, BISRA, Belize, 1976; John Harricharan, "The Catholic Church and the english-speaking Caribbean", in HGIAL, t. IV (em preparo); J. Vemooy, "La Iglesia católica romana del Surinam", in HGIAL, t. IV (em preparo) etc.

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II. RENOVAÇÃO DA IGREJA SOB O SIGNO DE MEDELLÍN (1959-1972)

Este segundo período será delimitado por dois acontecimentos. O anúncio do Concilio Vaticano II, em janeiro de 1959, e a realização em Sucre (Bolívia) da XIV Assembléia Ordinária do CELAM, que muda a estratégia não só deste órgão, mas também da Igreja, em uma de suas importantes instituições funcionais. A II Conferência Geral de Medellín (1968) é seu centro de convergência, que continuará incentivando grandes setores da Igreja por dezenas de anos. 1. A Igreja na década do desenvolvimento e sua crise

A escolha de João XXIII, no dia 28 de outubro de

1958, não deixou pressentir que, em janeiro de 1959, ele convocaria um Concílio.33 No dia 19 de janeiro, no Caribe, triunfa a revolução castrista. Se lembrarmos que Stalin morreu em 1953, que o XX Congresso do Partido, em 1956, enterrou com Krutschev unia época na URSS, e se acrescentarmos que, em 1961, foi eleito John Kennedy nos Estados Unidos, poderemos compreender que foi época de distensão e fim da "guerra fria". Na América Latina, a "Aliança para o Progresso" (1961), no meio da chamada "Década do Desenvolvimento" (1955-1965), indica um momento de otimismo do capitalismo dependente. 0 papa João XXIII lançava Mater etMagistra (1961) e Pacem in Terris (1963) que deram lugar a uma renovação nos com-

33. Cf. bibliografia geral das histórias da Igreja na Europa ( nota 3 acima).

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promissos políticos na América Latina. 0 próprio papa falava da "Igreja dos pobres".34

Junto com o desenvolvimentismo, uma corrente revolucionária percorria a América Latina. Camilo Torres morre em 15 de fevereiro de 1966 e, em 1967, "Che" Guevara. Nesse ano Paulo VI (1963-1978) lança Populorum Progressio, onde fala do "imperialismo internacional do dinheiro". Um ano antes, 17 bispos dos países pobres tomam pública a "Declaração dos bispos do Terceiro Mundo" em 31 de Julho de 1966, que terá uma longa história. É nesta época que a "teoria da dependência" começa a colocar em questão teoricamente o "desenvolvimentismo" mostrando a necessidade não de reformas, mas de libertação estrutural continental.

A Revolução Cultural chinesa de 1966, a rebelião juvenil mexicana, afogada em sangue em 2 de outubro de 1968 em Tlatelolco, as manifestações anteriores, em Berkeley, contra a guerra do Vietnam, o "maio" de Paris, fizeram deste ano (expressão da crise do capitalismo em 1967) um momento central. 0 "córdoba 30" em 1969 também será histórico. Salvador Allende ganha as eleições no Chile, em 1970, e o papa lança Octogesima Adveniens (197 1) onde se admite um socialismo democrático. 2. Fases dos momentos colegiais

A Igreja latino-americana passou por duas fases que

são emolduradas dentro de grandes reuniões, encontros, conferências, seminários. A primeira fase (1959-1968) é como que a grande renovação preparatória dos grandes acontecimentos. 0 Concílio Vaticano II começa dia 11 de outubro de 1962. Comparecem 601 bispos latino-america

34. Expressão adotada pelo papa João XXIII e pelo Concilio Vaticano II(cf. Ecclesia Christi Lumen Gentium, 8, Coleção de Encíclicas, BAS, Madri, t. 1, 1967, p. 2.493).

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nos (22,23%) contra 849 europeus (31,60%). 0 cardeal A. Caggiano de Buenos Aires foi um dos cinco que presidiram a abertura.35 Quando o Concílio se encerrava em dezembro de 1965, havia-se produzido um movimento profundo na Igreja desde o México até a Argentina. 0 CELAM realizou várias assembléias anuais em Roma presididas por Mons. M. Larraín (presidente do CELAM de 1963 a 1966)

De imediato houve alvoroço em certos grupos minoritários, mas proféticos. Primeiro, o Encontro Episcopal Latino-americano de Bafios (Equador), em junho de 1966, com os responsáveis pelas comissões de educação, apostolado secular, ação social e pastoral de conjunto. Depois vem a X Assembléia do CELAM em Mar del Plata, sobre "0 papel da igreja no desenvolvimento e na integração da América Latina" (em outubro do mesmo ano), onde o governo ditatorial de Ongania impediu a presença de Dom Hélder Câmara. 0 Encontro de Pastoral Universitária em Buga (Colômbia), em 1967, propõe a reforma nas universidades católicas, permitindo a reestruturação de importantes centros intelectuais (no Chile significou greves, passeatas, manifestações estudantis, assim como em outros países). O Encontro Latino-americano de Vocações (Lima, 1967) planeja a reforma dos seminários teológicos. O I Encontro Pastoral de Missões Indígenas em Melgar (Colômbia, abril de 1968) faz penetrar na Igreja a questão indigenista. Por último, o Encontro da Pastoral Social em Itapoã (Brasil) em maio de 1968. Tudo isto preparou o caminho para o acontecimento fundamental da Igreja latinoamericana do século XX: a II Conferência do Episcopado Latino-americano em Medellín36 sobre a "Presença da Igreja na atual transformação da América Latina".

35. Sobre esta questão, cf. minha HI, op. cit., pp. 219-223. 36. Cf. Hernán Parada, Crónica de Medellín, Indo-American Press, Bogotá, 1975; minha MP, pp. 67ss.

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A partir desse momento, segunda fase (1968-1972), começa o trabalho de renovação de toda a Igreja, partindo do CELAM. O IPLA (Instituto Pastoral) de Quito, de onde sairão mais de 500 agentes de pastoral - entre eles o padre Rutilio Grande SJ, mártir de El Salvador, e tantos outros - o Instituto de Catequese (Manizales), de Liturgia (Medellín), de Juventude (Bogotá), realizam trabalho de aprofundamento e extensão. Os Encontros de Renovação Episcopal que causaram mudanças profundas em muitos bispos (o de Medellín em julho de 197 1, com a participação de 56 prelados, desde Adalberto Almeida, arcebispo de Chihuahua, até Mons. Jorge Enrique, de La Paz, e Mons. Oscar A. Romero, de El Salvador).

Por outro lado, nos sínodos romanos de 1967 e 1969 as vozes latino-americanas se fizeram ouvir, sendo que no III Sínodo de 1971 os bispos latino-americanos tiveram peso significativo. Naquestão de "Justiça no mundo" mostraram uma clara posição de libertação exposta pelo secretário Executivo do CELAM, Mons. Eduardo Pirônio. E no seio da Espanha, ainda franquista, organiza-se no Escorial, de 8 a 15 de julho de 1972, o encontro "Fé Cristã e Transformação Social na América Latina", onde mais de 30 teólogos da Libertação expõem, na Europa, a experiência vivida pela Igreja latino-americana durante esses anos.37

3. Os grandes desarios

Os grandes desafios da Igreja neste período parecem

ser três. Primeiro, o desafio dopovo latino-americano, como sujeito histórico da formação social concreta, histórica, como bloco social dos oprimidos, cuja "memória" remonta até antes da chegada dos espanhóis ou portugueses

37. Cf. Fe cristiana y cambio social en América Latina, Sígueme, Salarnanca, 1972, com versão para o inglês (Orbis Books, Nova York), o italiano, o francês etc.

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à América Latina. É toda a questão da cultura popular, a religião do povo (o catolicismo popular), o protagonismo político desse povo com o qual a Igreja institucional estava acostumada a "conviver", mas que tinha deixado de animar de dentro. Agia sobre ele, mas não era ele mesmo como cristão. 0 Movimento de Sacerdotes para o Terceiro Mundo, na Argentina - desde 1966 - é o primeiro movimento que se insere no popular (não exclusivamente classista e devendo evitar o desvio populista). As "Comunidades Eclesiais de Base" - que surgem em muitas partes da América Latina, mas principalmente no Nordeste do Brasil - serão a resposta para a organização cristã do povo como "Povo de Deus" (Lumen Gentium do Concilio Vaticano II). Esta corrente impõe-se no catolicismo latino-americano (tanto o progressista quanto o de libertação) a partir de meados da década de 70.

O segundo é o desafio de optar só pela reforma ou também pela revolução. A revolução cubana de 59 colocou aos cristãos a possibilidade do triunfo imediato através dos "focos". O caminho das armas foi encarado política e eticamente possível. Por outro lado, pela primeira vez se discutiu seriamente a "opção socialista". Foi no Chile, desde a crise do ILADES, em 1969, e a fundação do MAPU, que "Cristãos para o socialismo" (1972) começam o longo caminho histórico de encontro entre cristãos e marxistas. A época da "guerra fria" e dos antimarxismos dos anos 30 ficou para trás, mas nem por isso findaram as disputas, em todos os níveis, entre cristãos reformistas, progressistas, que esperam o desenvolvimento do capitalismo dependente, e os que lutam pela utopia da superação desse capitalismo. O desafio fica ainda mais profundo no período seguinte.

O terceiro se refere ao próprio "modelo" da Igreja, ou seja o modo de entender a função da Igreja na sociedade política e civil. 0 modelo de cristandade, que se apoiava no

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Estado para realizar as suas atividades (educação religiosa nas escolas do Estado, capelães militares, subvenções para templos etc.) entra em crise, abrindo o caminho para o modelo de Igreja dos pobres. Trata-se, como pensa o CELAM (1963-1972) de irradiar o testemunho cristão diretamente ao povo, ao pobre. O "pobre" se transforma no lugar de todas as opções, discussões e ações. A "Teologia da Libertação" (TL) - reflexão de uma geração inteira de teólogos latino-americanos que não se deve atribuir a pessoas - chega a formular esta opção histórica pelo pobre que transforma a Igreja em "Igreja dos pobres" e que entrega ao povo, como sujeito protagônico histórico, a responsabilidade de sua própria evangelização: a "Igreja servidora" da libertação do povo dos pobres, no espírito de João XXIII. 4. Renovação das estruturas eclesiais

Neste período os bispos deixam de ser ilhas solitárias

e se unem até constituírem verdadeiros movimentos. Um dos sinais dos novos tempos foi a atitude tomada diante da questão da terra, a reforma agrária. Em 1961 o padre Antônio Melo está à frente de dois mil camponeses que ocupam terras. Dom Hélder os apóia, assim como o cardeal Motta. Enquanto que D. Geraldo P. Sigaud se opõe e publica um "Catecismo anticomunista", na linha do movimento "tradição, família e propriedade" (Fiducia). Dia 11 de março de 1962 Mons. M. Larraín entrega os 342 hectares de Alto Las Cruces para que o INPROA (Instituto para a Reforma Agrária) organize os camponeses como proprietários das antigas terras da Igreja. 0 cardeal Silva Henríquez entrega 1.213 hectares a seus camponeses em Las Pataguas. Da mesma forma o arcebispo de Cuzco, Mons. Jurgens Byrne. entrega, em 1963, 15.000 hectares da Igreja aos camponeses. Em 1969 Mons. Leônidas Proaflo faz o mes

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mo com a estância Tepeyac de 3.000 hectares entregues a CESA. Estes atos de empobrecimento voluntário da Igreja são seguidos de ações concretas, não mais como ajuda, mas como promoção do próprio movimento popular. Dom Hélder no Brasil; Mons. Larraín no Chile; Mons. A. Devoto, de Nevares; Enrique Angelelli na Argentina; Sérgio Méndez Arceo em Cuernavaca - que assiste ao 1 Encontro de Cristãos para o Socialismo, Santiago, 1972; Mons. Antúlio Parrilla Bonilla-que em Porto Rico presencia a queima de cadernos militares como ato de protesto; Mons. Gerardo Valencia, em Buenaventura, a favor da população negra; o cardeal J. Landázuri que doa o milhão de pesos recebido do governo para reformar a catedral, para consertar a prisão e um novo hospital, e tantos outros como Mons. Jorge Manrique em La Paz, Felipe Benítez em Villarica, Carlos Parteli no Uruguai, não podem ser esquecidos.

Mas ao mesmo tempo há profunda renovação na estrutura sacerdotal. Movimentos como o dos Sacerdotes para o Terceiro Mundo na Argentina (desde 1965) que começam pensando em questões como o celibato sacerdotal e acabam optando pela "revolução popular"; o movimento ONIS (1968) no Peru; Golconda (1968) na Colômbia; Sacerdotes de Guatemala (COSDEGUA, 1969); o grupo dos "80" no Chile (1970); "Sacerdotes para o povo" no México (1970); o grupo SAL na Colômbia; o "Movimento Nacional Cristão de Libertação" (MNCL) no Equador; "Êxodo" na Costa Rica; ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina) na Bolívia e tantos outros, demonstram que o sacerdote deixa de ser apenas um profissional do culto, do ritual, para transformar-se em profeta social, real, histórico.

As ordens e congregações religiosas também. Como já dissemos, nasce a CLAR (Conferência Latino-americana de Religiosos), cuj a I Assembléia Geral se realiza em Lima (1960). As comunidades femininas, principalmente (que

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chegam a ter quase 40 mil membros) abraçam a "opção pelos pobres". De 15 a25 de agostode 1968, com apresença do geral da ordem, padre Constantino Koser, os franciscanos - de tão longa história no continente - realizam o I Encontro Latino-americano Franciscano. De 25 dejaneiro a 2 de março de 1972 organiza-se em Medellín o I Curso de Provinciais Religiosos da América Latina. Certamente, a renovação deste decênio (1962-1972) não tem parâmetro igual na história das ordens religiosas no nosso continente.

Do seu lado, os movimentos de leigos também mostraram vitalidade igual e de forma crescente. No começo foram invasões de templos e protestos pedindo a reform a da Igreja (como a de Corpus Domini de Buenos Aires, em 4 de abril de 1966, ou a tomada da Catedral de Santiago por 300 leigos, no dia 11 de agosto de 1968, ou a ocupação pacífica de igrejas, como em Lima em 1970). A Ação Católica estava em profunda crise, principalmente depois da crise da JUC brasileira. Por outro lado, o sindicalismo cristão seculariza-se e o militante cristão começa a "confundir-se" com a massa de líderes que lutam pela classe trabalhadora ou camponesa num sentido estritamente elassista.

A encíclica Humanae Vitae (1968), sobre moral no casamento, de fato concede mais autonomia à consciência do casal cristão que percorre seu caminho no Movimento Familiar Cristão (Montevidéu, 1961).

O compromisso reformista político canaliza-se através da Democracia Cristã. Expande-se a partir do Chile em 1947 até a Venezuela (COPEI); no mesmo ano surge a Organização Democrática Cristã da América (ODCA), que em 1954 éfundada na Argentina e Bolívia, em 1956 no Peru e Guatemala, em 1960 em El Salvador, Paraguai e Panamá, em 1961 em Santo Domingo, em 1962 no Uruguai e Brasil, em 1964 no Equador e Colômbia. Quando em 1964 Eduardo Frei chega ao poder no Chile, ou em 1968 Rafael Caldera

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na Venezuela, a DC começa seu afastamento da juventude cristã revolucionária. 5. A Igreja perante a realidade do socialismo na América Latina

Em 19 de janeiro de 1959, com o triunfo de Fidel

Castro em Cuba,38 começa a primeira fase da relação entre Igreja e revolução que é o "desconcerto", como indica R. Gómez Treto. No dia 29 dejaneiro o episcopado lança uma circular "Diante dos fuzilamentos" agudamente crítica. De 13 a 18 de fevereiro defende o ensino privado. Em 17 de maio alerta sobre o socialismo nas leis da reforma agrária. Por último, organiza o Congresso Católico Nacional que culmina em 29 de novembro diante da venerada imagem da Virgem Maria da Caridade do Cobre. Mons. Enrique Pérez Serantes, que em 1953 defendeu Fidel Castro no ataque ao quartel Moncada, salvando-lhe a vida, presidia o ato com a presença do próprio comandante Castro. Gritava-se "Cristo sim, outro não", "Cuba sim, Rússia não". Era época de "guerra fria" ainda. O próprio CELAM na IV Assembléia de Fómeque (Colômbia), em 19 de novembro, condenava "os enganos do comunismo" e a "incompatibilidade do comunismo com o cristianismo". Em 7 de agosto de 1969 a circular coletiva do episcopado declara que "a maioria absoluta do povo cubano, que é católica, só por engano poderia ser conduzida a um regime comunista". Os poucos bens da Igreja foram afetados pela Reforma Urbana de 14 de setembro, quando foram confiscadas as propriedades e reduzidos os aluguéis a favor das massas empobrecidas.

A segunda fase de "confronto" começou com o discurso de Fidel. Castro no dia 2 de junho de 1969, quando 38. Cf. nota 30 acima. Também Aldo Bünting, "La Iglesia en Cuba. Hacia una nueva frontera", in Revista de CIAS, 193, Buenos Aires, 1970, pp. 21 ss.; minha MP, pp. 84ss.

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declarou "Quem for anticomunista será anti-revolucionário". Os cristãos dirigentes da pequena e alta burguesia passaram em massa para a oposição. Começou a emigração para Miami e o envolvimento de muitos em ações conspiratórias contra o governo. Em 6 de junho de 1961 o ensino é nacionalizado, a moeda anulada, os cemitérios confiscados, reprime-se a procissão da Caridade do Cobre e tudo culmina com a expulsão de cento e trinta e três sacerdotes em 12 de setembro, entre os quais estava o futuro arcebispo de Havana, Mons. Francisco Oves Martínez. Dos 745 sacerdotes que havia em 1960, em 1969 ficam apenas 230; de 2.225 religiosas, em 1970 ficam umas 200.

A terceira fase (1962-1967) será de "evasão", do silêncio, da reflexão. Chegam os novos ventos do Concílio, a presença do delegado apostólico Mons. César Zacchi com experiência em países socialistas do leste, cujo secretário é o padre Pietro Sambi, que veremos em 1979 na Nicarágua. Dia 21 de dezembro de 1964 falecia, com honras de comandante morto em campanha, o padre Guillermo Sardinas, que tinha participado da guerra junto com Castro, obtendo o grau de comandante, e que desde 1959 se havia reintegrado como pároco de Cristo Rei em Havana. Em 1966 abriu-se o novo seminário maior San Carlos e San Ambrosio. A Ação Católica foi dissolvida e foi reorganizada na FLAC (Formação, Liturgia, Apostolado, Catequese), que se preparou para que Cuba estivesse presente em Medellín (1968), embora o impacto desta Conferência tenha sido muito limitado em Cuba.

A quarta fase (a partir de 1968), de "reencontro", foi iniciada pelo próprio Castro, que no Congresso de Intelectuais em Havana, na presença de 500 dirigentes do mundo inteiro, exclamou: "Estes são os paradoxos da história: quando vemos setores do clero que se tomam forças revolucionárias, como resignar-nos a ver setores do marxismo se tomarem forças eclesiásticas?"39

39. Citado por Alain Gheebrant, La Iglesia en América Latina, Siglo XXI, México, 1970, p. 194.

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Em 20 de abril de 1969, através de um Comunicado, o episcopado condena o bloqueio econômico e político realizado pelos Estados Unidos. Em 9 de julho Mons. Oves é sagrado arcebispo. Dia 8 de setembro é lançado outro Comunicado:

"Devemos aproximar-nos do homem ateu com todo o respeito e caridade firaterna... Na empresa do desenvolvimento, na promoção de todos os homens e do homem total há um campo enorme de empenho comum entre todas as pessoas de boa vontade, sejam elas crentes ou atéias".40

De 23 a 30 de abril de 1971 realizou-se o Congresso

Nacional de Educação e Cultura. Fidel Castro esteve no Chile de 5 de novembro a 4 de dezembro e manteve o "Diálogo" com os "80" sacerdotes que visitariam Cuba em fevereiro de 1972. Uma delegação cubana esteve presente em Santiago do Chile para o I Encontro Latino-americano de Cristãos para o Socialismo.

No Chile,41 de 1959 a 1968 ocorre uma etapa de renovação "desenvolvimentista" inspirada pelo Centro Belarmino. O cardeal Raúl Silva Henríquez ocupa em 1961 o arcebispado de Santiago. Em 1960 fora realizada uma "Semana pastoral" com a presença do cônego Boulard. Em 1962 élançado o I Plano de Pastoral de Conjunto. As dioceses de Talca e Santiago, como já dissemos, realizam a reforma agrária em algumas terras que a Igreja ainda possuía (196 1). Cinco mil jovens fazem uma peregrinação a Maipu, dia 7 de outubro, para orar pelo êxito do Concílio. O episcopado lança a carta pastoral sobre "O dever social e político do momento atual". A revista Mensaje dedica um número às "Reformas revolucionárias na América Latina".

40. Obra citada de Raul Gómez Treto (inédita), p. 37. 41. Cf. Femando Aliaga, "História de Ia Iglesia en Chile”, in HGIAL, t. IX (em preparo); in MP, pp. 92ss; cf. HI, pp. 257ss.

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Pode-se dizer que a Igreja chilena foi a mais ativa da América Latina no Concílio, por sua organização, seus teólogos, pelo projeto levado em consideração para o texto Sobre a Igreja. Além disto em 1963 foram organizadas as "Semanas Sociais", a Grande Missão de Santiago e em 1967 os Sínodos de Santiago, Concepción e Talca. O Chile foi também fator essencial na realização da Conferência de Medellín.

No entanto, desde que Eduardo Frei assumiu o governo (1964-1970) começou o declínio da liderança latino-americana da Igreja chilena. A Democracia Cristã reprime um movimento camponês realizado em Puerto Montt em 1967. Alguns cristãos começam a mostrar descontentamento. 0 episcopado publica o último grande documento dentro da linha criativa, não condenatória: "Chile: vontade de ser" (1968). Pouco depois a "Igreja jovem" toma a catedral de Santiago pedindo reformas, no dia 11 de agosto. O grupo de direita Fiducia ("Tradição, Família e Propriedade") toma-se mais ativo. Começa a crise fundamental - para entender todo o desenvolvimento posterior da Igreja latino-americana - no Instituto Latino-americano ILADES. Pierre Bigo e Roger Vekemans da linha "desenvolvimentista", como dizem os outros, acusam Gonzalo Arroyo e Franz Hinkelammert de "marxistas" (os três primeiros são jesuítas e somente Arroyo échileno). Em 1969 a situação se toma insustentável e o ILADES se divide em dois. Vekemans irá mais tarde para a Venezuela (1970) e chegará a Bogotá onde incentivará o presbítero Alfonso López Trujillo em sua meteórica carreira (bispo auxiliar de Bogotá, arcebispo e cardeal de Medellín). Gonzalo Arroyo fundará mais tarde "Cristãos para o Socialismo", como veremos.

Enquanto isso, no mesmo ano de 1969, a Democracia Cristã se divide, sendo fundado o Movimento de Ação Popular Unitária (MAPU) que integrará o governo socia-

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lista da Unidade Popular, que ganha as eleições no dia 4 de setembro de 1970.42

Em 16 de abril de 1971, como resultado do encontro de "80" sacerdotes sobre "Participação dos cristãos na construção do socialismo no Chile", aparece uma declaração pública onde se anuncia: "Como cristãos não vemos incompatibilidade entre cristianismo e socialismo". No dia 27 de maio o episcopado replica com a carta pastoral sobre "Cristãos, política e socialismo", precedida por outro documento (22 de abril) dirigido aos sacerdotes.

De 23 a 27 de março de 1972 realiza-se em Santiago o 1 Encontro de Cristãos pelo Socialismo. Gonzalo Arroyo diz:

"A análise objetiva darealidade política latino-americana leva à

convicção de que os repetidos fracassos da esquerda em atrair as massas para a luta decidida contra as forças nacionais e internacionais do capitalismo, exige a incorporação maciça dos cristãos no processo revolucionário".

Nas conclusões toma-se mais explícito:

"A construção do socialismo é um processo criativo que combate

qualquer esquematismo dogmático e qualquer posição acrítica ... Nestas condições, a religião perde seu caráter de ópio dopovo ... constituindo-se em mais um fator de inspiração na luta pela paz, pela liberdade e pela justiça".

Em 11 de setembro de 1973, Augusto Pinochet

enterra esta experiência da Igreja com uma repressão nunca vista.

A relação cristianismo-socialismo começou a ser colocada explicitamente nos grupos estudantis cristãos, principalmente a partir de 1959, e pela revolução cubana. O

42. Cf. Pablo Richard, Cristianos por el socialismo, Sígueme, Salamanca, 1976, onde constam os acontecimentos de 1970 a 1973.

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antecedente mais longínquo aconteceu no Brasil, onde a JUC, por proposta do padre Almery Bezerra e partindo da problemática do "Ideal Histórico" do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), analisou o tema no "Congresso pelos 10 anos" da sua fundação. 0 pensamento do padre T. Cardornnel. e principalmente de Henrique de Lima Vaz será praticado como "compromisso político" na "Ação Popular", agrupamento político, cujo "Documento de Base" admite uma ação revolucionária e marxista. Em junho de 1968 o Congresso Nacional da JOC-ACO condena o capitalismo e constata a "luta de classes", admitindo a análise marxista da realidade social. Dezenas de grupos cristãos na América Latina aceitam a estratégia revolucionária dos "focos" de "Che" Guevara, como o caso da "Guerrilha do Teoponte" de Néstor Paz Samora (1970, Bolívia), cujo caso mais conhecido foi o do padre Camilo Torres (morto em 15 de fevereiro de 1966). Com o fracasso da teoria dos "focos", a Unidade Popular chilena constituiu novo modelo democrático. Mas da mesma forma, com a sua derrota pelo golpe militar, outros caminhos serão tentados no futuro. 6. A Igreja perante o "desenvolvimentismo" do Cone Sul

- Brasil

No Brasil este período tem três fases.43 A primeira termina sem dúvida em 1964. Dom

Hélder Câmara, que havia trabalhado na LEC, que foi assessor nacional da Ação Católica desde 1947, fundou a CNBB; isto graças a duas pessoas: o núncio Dom Armando Lombardi (que só será substituído em 1964) e Mons. Montini (colaborador em Roma de Pio XII). Foi a época da

43. Cf. SEDOC (Serviço de Documentação) desde 1964; a obra de TH. Bruneau, já citada; minha MP, pp. 193 -211. 52

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liderança carismática da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Nesta época foram fundadas 43 dioceses novas (com 109 bispos novos), 11 novas arquidioceses (com 42 arcebispos), 16 prelazias. Estes bispos jovens, progressistas serão fundamentais a partir de 1968. Além disto a CNBB nesta época estava nas mãos dos bispos do Nordeste.44

De 1959 a 1961 a Igreja enfrentou a questão do ensino, fazendo pressão sobre o governo através da Associação de Educação Católica (AEC). A lei de "Diretrizes e Bases para a Educação Nacional", de 20 de dezembro de 196 1, aceitou os pontos de vista da Igreja. Ao mesmo tempo vai acontecendo lentamente a ruptura da Igreja com a oligarquia agrária. As declarações de Natal, em 1951; de Campina Grande, em 1956; e de novo em Natal, 1959 que apóiam os camponeses, o sindicalismo rural - abrem o caminho da transformação social.45 Em julho de 1962 é o próprio Comitê Central da CNBB que declara que "ninguém pode ignorar o clamor das massas que estão sendo martirizadas pela fome".

A partir da experiência colombiana na emissora Sutatenza, começa no Brasil um enorme movimento de educação radiofônica. Pouco a pouco surge no Recife, ao redor de Paulo Freire, o Movimento de Educação de Base (MEB) em 1961. Enquanto isto, a Ação Católica, principalmente a JEC-JUC e a JOC (nasceu também a Juventude Agrária Católica - JAC) vão se radicalizando e assumem posições classistas e políticas. O dominicano Thomas Cardormel é um dos iniciadores teóricos desse movimento em direção àesquerda desde 1959. Em 1961, Aldo Arantes, militante da JUC é eleito presidente da União Nacional de Estudantes (UNE).

44. Cf. Th. Bruneau, op. cit., p. 198. 45. Cf. Emanuel Kadt, Catholic Radicals in Brazil, Oxford Univ. Press, Londres, 1970.

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A Igreja não precisa mais ser aliada do Estado, como no modelo de nova cristandade, para realizar a sua função na sociedade civil; ela mesma possui agora instituições para realizarem diretamente sua ação no mundo. Esta ação, no entanto, é desenvolvimentista, efetuada por minorias proféticas que agem "sobre" o povo.

A segunda fase (1964-1968). Com o golpe de estado

militar, esta fase é retrocesso a posições já superadas. Na assembléia da CNBB em 1964, realizada em Roma pelo Concilio, são eleitos: o cardeal Agnelo Rossi como presidente, D. Scherer como responsável pelos leigos e D. Brandão Vilela como vice-presidente. O Plano de Conjunto (1964), que devia cumprir o Plano de Emergência (1962), ficou nas mãos de uma CNBB - sem Hélder Câmara - que não tinha liderança nem vontade de dirigir. Além disto começa a perseguição aos membros da AC, JOC e Ação Popular. O MEB é desarticulado e grandes líderes são presos ou saem do país para o Exílio. Começa o regime de Segurança Nacional que alguns anos depois se expande por toda a América Latina.

A terceira fase (1968-1973) começa quando, nas

eleições de 1968 da CNBB, D. Aloísio Lorscheider é eleito secretário geral: ele mostra imediatamente grande capaci~ dade de organização e vontade de mudança. E aqui que germina lentamente, no meio das perseguições e do martírio (o padre Antônio Henrique Pereira Neto será assassinado, depois de torturado, no dia 27 de abril de 1969; tinha 28 anos, era assessor da JUC de Recife e secretário de Dom Hélder)46

6 a Igreja que vai substituir a chilena, mostrando o caminho e o modelo de ação cristã na América Latina no final do século XX.

46. Cf. minha HI, pp. 234-243 e 287ss.

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- Argentina

Na Argentina47 deste período (1955-1976), dos 18 anos entre o segundo e o terceiro governo de Perón, de caráter desenvolvimentista e da volta de Perón o peronismo, a Igreja se divide rapidamente em duas posições altamente radicalizadas: uma que opta pela aliança com as classes dominantes (primeiro desenvolvimentista com Frondizi, depois militarista a partir de Onganía) e outra que se compromete com as classes populares (cujos principais expoentes serão os 850 "Sacerdotes para o Terceiro Mundo", com uma opção popular e até socialista latino-americana em alguns casos). Diante de uma hierarquia conservadora (cuja cabeça foi o cardeal Antonio Caggiano, também bispo das Forças Armadas), o clero jovem teve que carregar o peso da renovação eclesial durante o Concilio, em Medellín e daí até o começo da mais violenta repressão sofrida pela Igreja argentina (já em mãos da direita peronista desde 1973).

A partir da queda de Perón, alguns puseram suas esperanças na jovem Democracia Cristã, que rapidamente demonstrou suas limitações nas eleições de 1957. Por outro lado reaparece a JUC nas reuniões nacionais de Lavallol, de Santa Fé (1961), Embalse (1962), Tandil (1963). Do "Humanismo" universitário e a Democracia Cristã, assumem-se posições mais radicais de esquerda, o "socialcristianismo"; alguns destes grupos participarão mais tarde do movimento Montoneros, da esquerda peronista. Em 1965 Mons. A. Podestá, bispo de Avellaneda, setor operário de Buenos Aires, instaura uma Igreja que se compromete com os oprimidos.

No ano de 1966, com o golpe militar de Onganía, o clero jovem começa a se opor ao catolicismo de direita

47. Além da bibliografia da nota 11 acima, cf. Pablo Richard, Morte das cristandades e nascimento da Igreja, Ed. Paulinas, São Paulo, 1982, pp. 117ss.; MP, pp. 106-162; HI, pp. 243ss.; 293ss.

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pró-militar (que reúne no governo muitos participantes dos "Cursilhos de Cristandade").' Em 28 de junho de 1965, 80 sacerdotes, juntamente com o bispo Podestá e Antonio Quarracino, reúnem-se para refletir sobre o Concilio. O I Encontro Nacional é efetuado em Córdoba de 1 a 2 de maio de 1968, do movimento que se chamará Sacerdotes para o Terceiro Mundo (MSPTM). O II Encontro realizou-se em maio de 1969; o III, em maio de 1970. Na Declaração de São Miguel elaborada pelo episcopado durante sua reunião anual de 21 a 26 de abril de 1969, para adaptar Medellín à Argentina, encontra-se o ponto máximo de avanço da Igreja. Em Cristianismo y Revolución (revista fundada em setembro de 1966) atinge-se a abordagem mais crítica do ponto de vista teológico-político do período. Serão anos de profunda polarização, com o nascimento de um modelo de "Igreja dos pobres", que serárnuito reprimido posteriormente.48

No Paraguai,49 governa Alfredo Stroessner desde 1954. Entre 1966 e 1976 a Igreja adquire certo distanciamento do governo e começa uma defesa ativa dos direitos humanos. Isto faz com que o ano de 1969 tenha sido especialmente difícil. Mons. Felipe S. Benítez declara que "a Igreja não pode calar diante da violação dos direitos humanos". O bispo de Villarica apóia alguns operários em greve; o governo acusa-o de comunista; seus 75 sacerdotes defendem o bispo. O próprio Mons. Aníbal Mena Porta chega a excomungar o chefe de polícia pelas prisões e torturas, em 26 de outubro. A revista Comunidad é desapropriada em 31 de outubro. O padre Francisco de Paula Oliva SJ é expulso da Universidade católica. Em 1971, ainda, o padre Uberfil. Monzón é preso e torturado. A Igreja, então, se afasta do regime.

48. Cf. HI, pp. 299ss. 49. Sobre o Paraguai, cf. HI, pp. 248ss., 296ss., 316ss.; MP, pp. 220-225.

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- Uruguai

No Uruguai,50 desde 1955 o modelo populista de exportações é esgotado pelo domínio norte-americano. A sociedade civil na sua totalidade entra em crise. A Igreja, perseguida pelos liberais, num país profundamente leigo, tinha levado vida discreta. Em 1962 é fundado o Movimento de Libertação Nacional (MLN Tupamaros); muitos jovens cristãos entram em suas fileiras.

Na época do Concílio, a Igreja se renova. Em 1968, 27 sacerdotes de Tacuarembó e seu bispo assinam uma carta sobre "os sofrimentos, aflições e esperanças dos homens de nossa região". O padre Juan C. Zaffaroni SJ lidera a marcha de cortadores de cana de açúcar. Mons. Carlos Parteli, no documento final do Encontro Sócio pastoral de Montevidéu, em dezembro de 1968, depois de descrever a "época de ouro" do modelo uruguaio de exportações agropecuárias, conclui: "Hoje descobrimos tudo o que havia de aparente neste desenvolvimento da sociedade uruguaia". Em 1969 começa a perseguição aos Tupamaros e com isto inicia-se também a repressão contra a Igreja. Em 12 de agosto de 1970, o provincial dos jesuítas intercede pelo padre Justo Asiaín e pelo pastor Emílio Castro (atualmente, 1984, autoridade máxima do Conselho Ecumênico de Igrejas em Genebra) por estarem presos. Há encarcerados, torturados, assassinados: leigos, mulheres, religiosas, sacerdotes; Mons. Parteli, no sermão do dia 25 de agosto de 1972, fala dos "assassinatos, detenções e o terror imperante".

50. Sobre o Uruguai, cf. MP, pp. 212; HI, III, p. 317.

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7. A Igreja na área de Bolívar - Peru

No Peru51 a Igreja atravessa um processo de profunda mudança de orientação. As "Exigências Sociais do Catolicismo no Peru" é o tema da I Semana Social de 1959, em Lima, que já está descobrindo o compromisso da ação social da Igreja. Na II Semana, sobre "propriedade" em Arequipa, segue-se dentro da mesma linha. Nesse mesmo ano, o episcopado lança a carta pastoral sobre "Os católicos e a política", tema ao qual volta em 1963: "Política, dever cristão". O cardeal Juan Landázuri Ricketts (sagrado em Lima desde 1962) é o homem da renovação do Concílio principalmente no que se refere àliturgia e catequese. Tudo isto desemboca no IV Congresso Eucarístico Nacional de Huancayo em 1965. Em 1966 o episcopado declara que "estamos especialmente preocupados com a situação social e econômica da população camponesa da serra". Em 1967 é organizada a Missão Conciliarem Lima. Chegamos assim a 1968 e ao golpe militar de Velazco Alvarado, de caráter nacionalista e populista, e à II Conferência de Medellín. No mês de julho, em Chimbote, o padre Gustavo Gutiérrez expunha a um grupo de sacerdotes o que seria o ponto de partida da Teologia da Libertação. Quando o governo dita a lei da reforma agrária, o cardeal e a Igreja felicitam o governo - afastando-se assim da oligarquia agrária -e a diocese de Cuzco realiza a reforma nas terras que a Igreja ainda possuía. Apóia-se o governo por ocasião da nacionalização do petróleo de Brea e Pariñas. A lei industrial de 1970 também é apoiada. Mas com a reforma urbana, quando um grupo de marginalizados ocupa alguns terrenos,

51. Cf. Catalina Romero, "Cambios en la relación Iglesia-Sociedad en el Perú, 1958-1978", in Debates en Sociología, n.7, Lima, 1979, pp. 115-141; e do mesmo autor, a parte correspondente ao Peru in HGIAL, t. VIII (no prelo).

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o bispo auxiliar Mons. Bambarén celebra uma missa pelos "invasores", e isto provoca confronto com o governo que vai se encaminhando lentamente para a direita.

Para o Sínodo romano de 1971, a Igreja peruana apresenta o documento mais avançado talvez, onde chega a dizer, depois de uma análise da miséria na América Latina, que "poristo tantos cristãos hoje em dia reconhecem nas correntes socialistas certo número de aspirações que levam dentro de si mesmos em nome da fé".

- Bolívia

Na Bolívia52 como em muitos lugares, a renovação veio de "fora" - do Concílio Vaticano II. Na década de 60 cabe destacar as experiências de "Igreja aymará" conduzidas no final do período por Mons. Adhemar Esquivel (auxiliar de La Paz desde 1969). Em 1965 começa a renovação teológica no seminário de Cochabamba (com padres espanhóis da OCSHA). Da JEC e JOC surgem alguns dirigentes sempre expulsos do país.

A experiência de "Che" Guevara na guerrilha de Nancahuazu (1967) será continuada no Teoponte pelo místico cristão Néstor Paz (1970)53 Igreja e Sociedade na América Latina (ISAL) desde 1969 toma-se elemento de compromisso no mundo mineiro e rural; sua III Assembléia Nacional, de Cochabamba, em fevereiro de 1971, representa um momento fundamental. Nesse ano Mons. Manrique faz declarações que não eliminam a opção socialista para os cristãos; em 25 de julho de 1971 o próprio cardeal Maurer declara: "tachamos de comunistas aqueles que defendem direitos legítimos". No entanto o núncio Gravelli faz pressões, desde julho de 1971, para condenar a linha do

52. Cf. Josep Barnadas, op, cit. (inédito). 53. Cf. Hugo Assmann, Teoponte, una experiencia guerrillera, Oruro, ISAL, 1971.

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Secretariado de Ação Social. O golpe de estado de Hugo Banzer representa o fim deste período, e começa uma perseguição frontal contra a Igreja que se comprometeu com os pobres. -Equador

No Equador54 no verão de 1964, o Instituto Pastoral

itinerante (ISPLA) começa a renovação de uma Igreja profundamente tradicional. Mais tarde é organizado o Instituto Nacional de Pastoral (INPE) com um grupo de sacerdotes que se reúnem como "Grupo de reflexão". Sendo Mons. Leônidas Proaño, bispo de Riobamba, o presidente do departamento de pastoral do CELAM, é fundado em 1967 o Instituto Pastoral Latino-americano (IPLA) em Quito, instituição fundamental no processo de renovação latino-americana em seu conjunto (será fechado pelas novas autoridades do CELAM em 1973). O padre Rafael Espín, diretor do IPLA, mobiliza um movimento sacerdotal de extensão nacional. O Encontro Nacional érealizado em abril de 1971. Enquanto isto, a diocese de Riobamba, protótipo por muitas ações proféticas, lança seu "Plano pastoral" que transforma as paróquias em diaconias em 1969. - Colômbia

Na Colômbia,55 o Concílio causa sensação mais pela

forma que pelo conteúdo. A reforma das rubricas em liturgia, a nova catequese, o abandono do hábito e da batina etc. Não foi este o caso do sacerdote Camilo Torres Res

54. Cf. José Moreno Alvarez, "La Iglesia en el Ecuador desde 1962", in HGIAL, t VIII (no prelo); minha MP, pp. 146- 151; HI, pp. 295ss., 316ss. 55. Cf. Rodolfo de Roux, "La Iglesia colombiana desde 1962", in HGIAL, t. VII, pp. 559ss.; MP, pp. 170-180; HI, pp. 258ss., 295ss. Sobre a Igreja na Venezuela, cf. A. Micheo-L. Ugalde, in HGIAL, t. VII, pp. 632ss.; MP, pp. 180-184; HI, pp. 315ss.

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trepo (1929-1966), de família conservadora e oligárquica, sociólogo de renome, um dos fundadores da "sociologia latino-americana", que estudou em Louvain e marcou época:

"Abandonei o sacerdócio -escreve em 1965 -pelas mesmas razões que me levaram a abraçá-lo. Descobri o cristianismo como uma vida totalmente voltada para o amor ao próximo... No entanto considero-me sacerdote até a eternidade e entendo que meu sacerdócio e seu exercício são cumpridos na realização da revolução colombiana, no amor ao próximo, na luta pelo bemestar da maioria".

Sua morte, no dia 26 de fevereiro daquele 1966, teve

muitas conseqüências. Foram expulsos os diretores da revista El Catolicismo (8 de setembro), sendo que um dos seus diretores, o padre Mário Revollo, que é hoje arcebispo de Bogotá e presidente do episcopado colombiano em 1984. Depois veio o XXXIX Congresso Eucarístico Nacional de Bogotá, em agosto de 1968, com a presença do papa Paulo VI; pela primeira vez na história um papa visitava a América Latina. A Igreja colombiana, seu episcopado ("um dos mais conservadores da América Latina", no dizer de um comentarista) impugna o Documento de Base redigido em janeiro do mesmo ano. A II Conferência Geral realizada em Medellín, a partir de 24 de agosto, repercutiu menos na Colômbia que em outros países pela oposição que o episcopado sempre manifestou, chegando a críticas frontais sobre as orientações da XXIX Assembléia de dezembro de 1973, Justiça e exigências cristãs, das quais Mons. López Trujillo será fervoroso e obediente cumpridor. O grupo Golconda tornará públicos os seus pontos de vista em julho de 1968, encabeçado por Mons. Gerardo Valencia Cano, bispo dos negros da diocese de Buenaventura.

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8. A Igreja no México, América Central e Caribe - México

No México56 vive-se este período claramente dividido em duas fases. A primeira até 1968, começa com a fundação tardia da JOC, em 1959. Em 1961 é institucionalizada a Conferência de Organizações Católicas Nacionais (CON), que coordena as mais dinâmicas instituições leigas, sacerdotais e religiosas do país; seu coordenador foi o padre Pedro Velásquez (que, como vimos, era o diretor do Secretariado Social Mexicano - SSM - desde 1946 até sua morte em 1968). Mons. Samuel Ruiz, bispo de Chiapas, está ligado à origem da CON, da UMAE, da pastoral indigenista, sendo um dos protagonistas em Medellín, pessoa fundamental neste período, sem dúvida. Em 1962 reúne-se a I Conferência dos Sacerdotes Sociais, que já eram mais de 30 (e que nos anos 70 chegarão a ser 150). Enquanto isto, organiza-se uma União (UMAE) entre os bispos, retinindo os mais progressistas (desde 1964), sendo que em 1967 coordenava 25 prelados. Transformou-se em grupo mobilizador do episcopado e fundou a Comissão Episcopal de Pastoral de Conjunto. Por sugestão da CON, em maio de 1964 organiza-se o I Congresso sobre "desenvolvimento e integração".

Partindo dabase surgem experiências como o Centro Nacional de Ajuda das Missões Indígenas (CENAMI, 1961); o Centro Nacional de Comunicação Social (CENCOS), este último fundado durante o Concílio por Álvarez Icaza, que rompe com o episcopado em 1970 para continuar sua função cristã de forma independente. Nestes anos na dio-

56.Cf. Jesus García, "La Iglesia mexicana desde 1963", in HGIAL, t. V, pp. 361-493; MP., pp. 158-170; HI, pp. 256ss., 312ss.; Edward Larry Mayer, La política social de Ia Iglesia católica en México, 1964-1974, tese de doutoramento, UNAM, México, 1977 (inédito).

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cese de Cuernavaca acontecem dois confrontos com Roma. O caso do convento beneditino fundado por Gregório Lemercier (onde utilizavam a psicanálise, 1966-1967) e o conflito com o CIDOC de Mons. lvan Illich (que viveu seu momento crítico entre 1968 e 1969).

O fato é que 1968, em virtude dos acontecimentos de Tlatelolco (2 de outubro), abre a segunda fase. Trinta e sete sacerdotes definem-se publicamente e começam a discernir opções. No I Congresso Nacional de Teologia "Fé e Desenvolvimento", realizado de 24 a 28 de novembro de 1969, vislumbram-se as primeiras pistas da Teologia da Libertação, com a presença de padres como Luis del Valle ou Javier Lozano, que nesta época estavam entre os teólogos progressistas.

0 documento apresentado por uma comissão ad hoc sobre "Justiça no mundo", para o sínodo de 1971, pelo episcopado mexicano, foi um dos mais avançados da época, mostrando uma linha de compromisso com os pobres. - América Central

Na América Central,57 o episcopado centroamericano ditou sua I Carta Pastoral, em Manágua em 1956, dentro de uma linha anticomunista militante.

"Muito pouco conhecem dos fundamentos filosóficos do comunismo ateu os que pensam que sua finalidade suprema e melhorar as condições econômicas do operário e do camponês".

A renovação será lenta. Na Guatemala58 só em 1959 é

organizada a conferência episcopal. É fundada a emissora Metropolitana e a conferência de religiosos (CONFREGUA). Ainda em 15 de agosto de 1962 o epis-

57. Sobre a América Central, cf. P. Richard-C. Meléndez, La lglesia de los pobres en América Central, 1960-1982, DEI, San José, 1982; e o t. VI da HGIAL, 1985. 58. Cf. Ricardo Bendaña, op. cit.; MP, pp. 226ss.

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copado alerta contra o perigo comunista através de campanha pela "justiça social". Quando em 1964 morre Mons. Rossell, sucede-o Mons. Mário Casariego - uma das épocas mais obscuras de tão importante sede episcopal. Em 1966 começa grande repressão contra as organizações populares da Igreja; há mártires, assassinatos, torturas.59

Só em agosto de 1968, 800 agentes de pastoral realizam a I Semana de Pastoral de Conjunto, onde começa a renovação pós-conciliar da Igreja guaternalteca. Os sacerdotes fundam um movimento (COSDEGUA) que chega a ter 594 membros.

- Nicarágua

Na Nicarágua60 também foi de importância decisiva o

I Encontro Pastoral realizado de 20 de janeiro a 1º de fevereiro de 1969, sob a direção de Mons. Julián Barni. Participaram 258 agentes (bispos, sacerdotes, religiosos, leigos). O padre Noel Garcia SJ declarou que "a Igreja da Nicarágua carece da verdadeira liderança espiritual dos seus pastores". Os padres Paulo Antonio Vega e Florián Ruskamp tiveram importante atuação. Ernesto Cardenal já havia fundado sua comunidade contemplativa de Solentiname seguindo as diretrizes de Thomas Merton; e o padre Fernando Cardenal SJ era presidente de uma comissão do episcopado para organizar a pastoral juvenil. No dia 29 de junho de 1971 os bispos lançaram uma carta pastoral "Sobre o dever do testemunho e da ação cristã na ordem política".

59. Cf. Thomas Melville, Guatemala, The Politicis of Land Owership, Free Press, Nova York, 1971. 60. Cf. Jorge E. Arellano, op. cit.; MP, pp. 235ss.

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- Honduras

Em Honduras61 as Escolas Radiofônicas começaram seus programas em 1961. 0 padre Pablo Ghuillet expandiu o programa para o sul e só na paróquia de El Corpus havia 160 grupos de camponeses que se mobilizaram através desses programas. Em 1963, em Comayagua, são redefinidos os objetivos das escolas radiofônicas, adotando-seo sistema brasileiro já imposto por Paulo Freire. O padre Molina Sierra é o iniciador desta renovação. Deste movimento surgirá a Ação Cultural Popular hondurenha, dentro do setor camponês. É em 1969 que se começa a ver o fruto da renovação inspirada pelo Concílio e por Medellín. - El Salvador

Em El Salvador62 os Encontros de Atualização (1958-1962), pregados pelo padre italiano Lombardi, prepararam o caminho. O Secretariado Social Arquidiocesano promove a carta dos bispos "Sobre o compromisso temporal do leigo" em 1960. A renovação, no entanto, começa propriamente no I Seminário Nacional de Pastoral de Conjunto realizado em 1970, sob a direção de Mons. Chávez y Rivera y Damas. Em 1970 o padre Inocêncio Alas é seqüestrado em virtude do I Seminário de Pastoral e em dezembro do mesmo ano é assassinado o padre Nicolás Rodríguez, tendo início assim uma nova época.

- Panamá

No Panamá63 o seqüestro e desaparecimento do padre Héctor Gallegos (1938-1971) marca a Igreja do

61. Cf. Marcos Cajías op. cit.; MP, pp. 233ss. 62. Cf. Rodolfo Cardenal, op. Cit,; MP, pp. 231ss. 63. Cf. MP, pp. 151-157.

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istmo. Organizador das Comunidades de Base, promoveu o povo em suas lutas, opôs-se à injustiça. Quando o episcopado se dirige ao Sínodo de Roma, através de comunicado em 20 de agosto de 1971, afirma:

"Sacerdotes panamenhos e estrangeiros têm sofrido intimidações pessoais ora por seu trabalho no meio dos pobres, ora por terem falado no púlpito as mesmas coisas que declaramos sobre o caso do padre Héctor Gallegos ...”.

- Caribe

No Caribe, em Santo Domingo,64 a Igreja não desempenhou papel saliente desde a morte de Trujillo (30 de maio de 1961). A Igreja adotou a posição antipopular de se opor sistematicamente a Juan Bosch, acusando-o de comunista, e até organizou um "Comitê Cívico anticomunista" que não viu com bons olhos a anulação do contrato com a Esso. O próprio Mons. Polanco Britos, em seu sermão de 8 de setembro de 1963, talvez por sua ambigüidade, abriu caminho para o golpe de 25 de setembro. A Igreja permaneceu em total silêncio no tempo da ocupação norte-americana e, embora tenha sofrido o assassinato do padre Arthur Mackinmon, não se opôs nem condenou a ocupação da ilha pelos Estados Unidos; assim como não opôs resistência ao novo reinado de Joaquim Balaguer (1966-1978). - Haiti

No Haiti,65 François Duvalier dominou totalmente a

Igreja durante este período, com dura repressão e com o

64. Cf. W. Wipfler, op. cit.; MP, pp. 238ss. 65. Cf. William Smarth, "L'Eglise concordataire sous Ia dictadure des Duvalier, 1957-1980", in HGIAL, t. IV (em preparo). No t. IV dessa obra do CEHILA pode ser consultado o material sobre Porto Rico e as Antilhas Britânicas, francesas e ex-holandesas

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consentimento do Vaticano - que aceitou seus caprichos. Tudo começou em maio de 1959, com aoposição à nomeação de Mons. Maurice Choquet como bispo de Cap Haitien. Chega até a expulsar o arcebispo de Port-au-Prince, Mons. François Poirier, em 24 de novembro de 1960. Daí em diante expulsa os sacerdotes estrangeiros e depois também os haitianos que tanto defendera, seqüestrando e assassinando leigos e realizando sistemática repressão. 9. Do "desenvolvimento" à "libertação"

Durante este período observamos a passagem de um

modelo de "Nova Cristandade" (Ação Católica, Democracia Cristã são os melhores expoentes) ao compromisso da Igreja com o próprio povo explorado dos pobres (Comunidades Eclesiais de Base, compromisso político não-confessional e freqüentemente em linha radical e até revolucionária, diálogo com o socialismo etc.): um modelo de "Igreja dos pobres". Já em 1963 Juan Luis Segundo colocava esta mudança de modelo em seu trabalho "O futuro do cristianismo na América Latina";66 nós mesmos em nossa Hipótesis para história de la Iglesia en América Latina (1964) apontávamos a crise do modelo, partindo da experiência de Nazaré com Paul Gauthier (1959). No entanto, será preciso esperar até 1968, quando os trabalhos de Gustavo Gutiérrez (La pastoral de la Iglesia en América Latina, Lima, 1968), de Richard Shaull67 de Rubem Alves (Religión: ópio o instrumento de liberación, Montevidéu, 1968) abrem o caminho para o movimento da Teologia da Libertação.

66. Lettre, n. 54, Paris, 1963, pp. 7-12. 67. Cf. a história da teologia no apêndice final de minha obra A History of the Church in Latin America, Eerdmans, Grand Rapids, 1982, na etapa posterior a 1968.

67

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1 O atrito, então, não será mais Igreja conservadora,

tradicionalista e modernizadora; mas entre progressistas, modernizadores ou "desenvolvimentistas" -com apoio dos tradicionalistas - mas ainda não organizados suficientemente, e os movimentos comprometidos com a libertação. De qualquer maneira, a igreja deixa de ser uma instituição àmargem da história latino-americana, que ficava na defensiva diante dos acontecimentos externos, transformando-se, em protagonista histórico partindo da vida real, política, econômica, cultural e religiosa do povo dos pobres explorados. 68

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III. A IGREJA, OS REGIMES DE SEGURANÇA NACIONAL E A REVOLUÇÃO CENTRO-AMERICANA (1972-1984)

Este terceiro período começa com a XIV Assembléia do CELAM em Sucre, realizada de 15 a 23 de novembro de 1972, e com os golpes militares que lançam sombra sobre a América Latina (desde o golpe brasileiro, em 1964, até o argentino, dez anos depois, suas conseqüências ainda se estendem até 1984, pois em dezembro desse ano voltam as autoridades eleitas pelo voto no Uruguai, mas no Chile, por exemplo, ainda não).

1. A Igreja na conjuntura e as três fases

Sob os governos de R. Nixon (1969-1974) e G. Ford

(até o ano de 1977), com a direção do Departamento de Estado em mãos de Henry Kissinger, a América Latina viveu momentos de terror.68

Na primeira fase (1972-1976), fins do pontificado de Paulo VI (que morreria em 1978), a Igreja latinoamericana sofreu repressão nunca imaginada em outras épocas. Os sínodos romanos de 1974 (o IV), o de 1977 (o V) e de 1980 (o VI), já não tiveram a importância dos anteriores. O Papa lançou uma grande encíclica reunindo os temas da evangelização e libertação: Evangelii Nuntiandi, no dia 8 de dezembro de 1975. Os jesuítas realizavam em Roma sua XXXII Congregação extraordinária, concluindo que "a Companhia deve estar a serviço da Igreja neste período de rápidas mudanças no mundo e deve responder ao desafio

68. Cf. MP, pp. 245-295.

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que esse mundo coloca". Sua opção pela justiça foi prioridade decidida naquele ano de 1973.

A segunda fase (1976-1979) começa com a nomeação de J. Carter (1977-1981) que, inspirado pela Comissão Trilateral, pressionado pela crise iniciada em 1967, mas que atingiu seu ponto de "estagflação" em 1974-1975, teve que produzir alguma "abertura" e parar de apoiar as ditaduras militares. A queda de Balaguer e a eleição de Guzmán, em Santo Domingo, indicavam mudança. É a época do interregno de Paulo VI a João Paulo I e depois de João Paulo II (desde 1978).

A terceira fase (a partir de 1979) abre-se com dois acontecimentos: a III Conferência Geral de Puebla, no início de 1979, e o triunfo da Revolução Sandinista em 19 de julho do mesmo ano. Mas ao mesmo tempo, a eleição de R. Reagan (1981-1989) e o plano de incluir os problemas religiosos corno problemas políticos na região ("Declaração de Santa Fé em 1979, e o "Instituto de Religião e Democracia", coordenado por Michael Novak),69 tornam de novo a situação extremamente tensa. Na América do Sul acontece a "abertura", mas na América Central e Caribe continua a política tradicional do "garrote". João Paulo II faz-se presente no México em 1979 e lança a encíclica Laborem exercens (1981) de grande transcendência, mas ao mesmo tempo incentiva uma política contrária, em sua visita à Nicarágua, no dia 4 de março de 1983, especialmente pela "Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação" (3 de setembro de 1984) e o diálogo com Leonardo Boff no Santo Ofício (no dia 7 do mesmo mês).

69. O catolicismo conservador norte-americano mostrou-se extremamente ativo. Cf. o "Documento de Santa Fé", in DIAL, Paris, D 757, 1981. O Instituto de Religião e Democracia nasceu em Washington em abril de 1981 (cf. DIAL, 38, 1982, pp. 1 ss).

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2. Os grandes desafios

Pensamos que são três os grandes desafios que de certa m aneira aprofundarn as respostas já dadas no período anterior.

O primeiro desafio é entroncar com a vida do povo, mas o povo sofredor, que suporta a mais violenta repressão já vista na América Latina, talvez, desde o tempo da conquista. Mas o povo vive em resistência ativa, sabe festejar no meio do martírio. As Comunidades Eclesiais de Base, que haviam surgido no período anterior, têm enorme expansão a partir de 1972. Além dos encontros nacionais (cinco no Brasil e doze no México) aconteceram verdadeiros "Concílios" da base. O I Encontro Latino-americano de Comunidades Eclesiais de Base foi realizado no Brasil em 1980. O II Encontro, de 23 a 28 de julho de 1984, com 220 delegados de 12 países, tornou públicas as suas "Conclusões" em quatro partes: "A prática profética de nossas comunidades; a comunidade como alternativa de serviço, a CEB e a organização popular; nossa espiritualidade como Igreja dos pobres".

As CEBs indicam no item 28:

"Em nosso caminho em prol da libertação encontramos outros irmãos que também estão organizados e procuram a libertaçáo do povo, querem ser uma alternativa para este sistema de opressão. É motivo de ação de graças a Deus, saber que contamos com outras organizações que, embora não tenham nascido à luz da fé, procuram, no entanto, uma nova sociedade, justa e humana."70

Como se pode observar, a Igreja não vai ao povo;

agora é o próprio povo-igreja que fala de si mesmo. Este modelo de Igreja faz tremer o conceito clerical ou elitista de Igreja e daí as tensões existentes na América Latina.

70. DIAL 185, 28 de setembro de 1984, p. 3.

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O segundo desafio foi lançado a partir da defesa dos direitos humanos, o lado negativo da repressão, ou a resistência como exigência de respeito diante da tortura, morte e exílio (são milhares os cristãos exilados)." A Igreja abandona a posição narcisista anterior de lutar em defesa de seus próprios direitos (de ensino, de culto etc.), para defender os direitos do outro, do pobre, do indefeso, do que não tem voz. Através de centenas de pastorais dos episcopados, declarações de sacerdotes, religiosos, comunidades de base, associações de "Justiça e Paz", de "Vicariato da Solidariedade" etc., a "instituição" eclesial mostra sua função histórica contra os regimes de Segurança Nacional. É um passo qualitativo para a frente.

O terceiro desafio, não mais junto ao povo martirizado, mas no povo protagonista, é o dos processos revolucionários, especialmente o centro-americano desde 1979. Desta vez a Igreja não chega "tarde" para condenar ou aprovar; por meio de suas bases participa plenamente nos processos revolucionários -não sem contradições internas e críticas violentas dos grupos cristãos conservadores. O II Encontro de Cristãos pelo Socialismo, em Quebec, em outubro de 1974, o III Encontro, em Roma, em janeiro de 1977, o IV, em Barcelona, em 1983, mostram que este movimento segue seu curso tornando-se mundial. Mas na realidade seu curso mais profundo se efetua na vida cotidiana da Nicarágua, E1 Salvador, Guatemala, dentro dos movimentos populares. Por isto, a questão marxista permanece de pé. O Geral dos Jesuítas dizia em sua intervenção no IV Sínodo Romano de 1977:

"A catequese não pode fazer caso omisso do marxismo

especialmente em uma época que, com toda razão, inclui a dimensão política da vida e obrigações do cristão."72

71. Cf. por exemplo, II Encontro de Cristãos Latino-americanos no exílio, Bruxelas, abril de 1984 (in Servicio de Información Religiosa - Servir, Bogotá, n. 10, 1984, na íntegra). 72. Servir n. 25, 1977, p. 1.

72

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Esta ordem, que, como outras, tem tantos mártires na América Latina, pela voz de seu novo Geral, o padre Piet Hans Kolvenbach, reafirma:

"Para que a oração sobre as Bem-aventuranças seja verdadeira, deve basear-se na comunhão de vida e de morte, a exemplo do Senhor, com os pobres e com os que choram, com as vítimas da injustiça e com os que têm fome". 73

3. Crescimento da Igreja e tensões internas

Por um lado, a Igreja dos pobres, que expressa

claramente seu modelo de Igreja na declaração dos bispos do Nordeste brasileiro "Ouvi o clamor do meu povo" (1973), vai crescendo em todos os países. Uma pastoral popular que trabalha partindo da religiosidade do próprio povo, que não utiliza mais a crença do povo, mas o mobiliza a cumprir os seus próprios interesses. Uma Igreja que tem seus mártires em bispos como Enrique Angelli na Argentina e Oscar Arnulfo Romero em El Salvador, porque não podemos relacionar as dezenas de sacerdotes e religiosos e os milhares de membros do povo cristão martirizados ao longo destes anos. Uma Igreja que tem sua teologia como reflexo de sua própria práxis; que tem sua memória na História da Igreja que vai relatando os seus passos.

Por outro lado, como o Memorandum do grupo mais representativo de teólogos alemães contemporâneos indicava em 1977, há toda uma corrente contra a opção pelos pobres e a Teologia da Libertação, que desconfia das comunidades eclesiais de base e tenta desmembrar (trocar programas, professores, lugares etc.) os institutos do CELAM cuja "força propulsora desta campanha é o padre Roger Vekemans"; "por parte do episcopado latíno-ame

73. Homilia de outubro de 1983 em Roma (ibid. n. 28, 1983, p. 1).

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ricano esta campanha tem o apoio dos bispos colombianos A. López Trujillo e Dario Castrillón".74 O certo é que em Sucre, no dia 23 de novembro de 1972, foi escolhido Mons. Alfonso López Trujillo como secretário geral do CELAM; em 1970 foi escolhido presidente e reeleito em 31 de março de 1979 em Los Teques (Venezuela) por mais um período. Quando na assembléia do Haiti (1983) precisou abandonar os cargos de direção, Mons. López Trujillo estivera durante onze anos dirigindo o CELAM, deixando em seu lugar Mons. Dario Castrillón corno secretário executivo e Mons. Antonio Quarracino como presidente, pessoas de sua confiança. A partir desta alta instância foram modificados os institutos do CELAM, foram lançadas campanhas em nível latino-americano contra os teólogos da libertação, contra a revolução nicaragüense, contra as Comunidades Eclesiais de Base. A escolha da nova comissão da CNBB (Brasil) em 1983, dentro de uma linha exatamente contrária, serviu para contrabalançar a situação de constante tensão intraeclesial. A unidade da Igreja é vivida na contradição. 4. Desdobramento da Teologia latino-americana

Certamente um dos aspectos mais originais da

história recente da Igreja latino-americana é sua novidade teológica. Na história da teologia latino-americana 75 podese detectar de 1959 a 1968 uma etapa de preparação, amadurecimento, entre o ConcÍlio e Medellín, do tipo desenvolvimentista ou como "teologia da revolução". Só em 1968, como já dissemos, aparecem as primeiras obras de Teologia da Libertação propriamente ditas, como as de

74. Veja-se o texto completo em Uno más uno de 26 de dezembro de 1977, México, p. 3. 75. Veja-se meu trabalho "Hipótesis para una historia de Ia teología en América Latina", "Hipótesis de Ia teología en América Latina", DEI, San José, 1981, pp. 401-452.

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Rubem Alves, Richard Shaull, Gustavo Gutiérrez, Hugo Assmann em 1970 ou Lúcio Gera. Durante esses anos são realizados numerosos encontros e congressos de teologia no México, Bogotá, Buenos Aires etc. De 1968 a 1972 é a época da grande expansão da Teologia da Libertação, que se toma a teologia do CELAM, de seus encontros, seminários, institutos. A partir de 1972 em Sucre começa-se a colocar em questão a Teologia da Libertação, mas é agora que ela passa a aprofundar suas teses iniciais. O Encontro de Teologia no Escorial (Espanha, 1972) e o I Encontro de Teologia Latino-americana no México (agosto de 1975)76 dão ao movimento uma implantação continental. Pouco depois, em Theology in the Americas (Detroit, 1975) se dá a conhecer essa teologia nos meios negros, porto-riquenhos nos EUA, e outros grupos minoritários. Em 1976 começam os encontros da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (EATWOT): o primeiro em Dar-es Salaam (Tanzânia) em 1976; o segundo em Acra (Ghana) 1977; o terceiro em Wennappywa (Sri Lanka) em 1979; o quarto em São Paulo em 1980; o quinto em Delhi em 1981 e o sexto em Genebra em 1983.77 A reunião realizada em Bogotá pelo cardeal J. Ratzinger, de 26 a 30 de março de 1984, com as comissões teológicas de 22 países latino-americanos,78 a já mencionada "Instrução" romana de 3 de setembro e o já referido diálogo com Leonardo Boff pouco depois, estão encaminhados a limitar os efeitos desta teologia latinoamericana.

76. Cf. a obra coletiva do encontro Cautiverio y Liberación, Publicação do I Encontro, México, 1976. 77. Cf. meu artigo "Teologia da periferia e do centro" in Concilium, n. 191, janeiro de 1984, pp. 141-154, com bibliografia. 78. Cf. SIAL n. 8, Roma, 30 de abríl de 1984, pp. 12-15. Veja-se meu artigo "Sobre Ia Teología de la Liberación" in Le Monde Diplomatique, n. 73, México, janeiro de 1985, p. 27.

75

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5. A Igreja perante os regimes de Segurança Nacional

O capitalismo dependente não é possível sem repressão popular. Trata-se do modelo antiinsurrecional e de Segurança Nacional proposto por Kissinger a Richard Nixon e Henry Ford. As datas-chave para o início dos regimes de força são: 31 de março de 1964, golpe de estado no Brasil (Castello Branco); 21 de agosto de 1971 na Bolívia (Hugo Banzer); 27 de junho de 1973, dissolução do congresso no Uruguai; 11 de setembro de 1973 no Chile (Augusto Pinochet); 28 de agosto de 1975 no Peru (F. Morales Bermúdez); 13 de janeiro de 1976 no Equador (G. Rodríguez Lara); 24 de março de 1976 na Argentina (Jorge Videla). Cabe lembrar que no dia 12 de agosto de 1976, de volta do II Encontro Intereclesial de Comunidades de Base em Vitória (Brasil), 17 bispos de diversos países (4 deles "chicanos" dos Estados Unidos) foram presos em Riobamba (Equador), exclamando um deles:

"Se isto acontece conosco que somos gente conhecida, que acontecerá com os camponeses, operários ou indígenas que forem presos?"79

-Brasil No Brasil80 a Igreja recebeu ataque frontal a partir do

golpe de 1964 e principalmente a partir de 1968 pelo Ato Institucional nº 5. Foram seqüestradas, torturadas e até assassinadas centenas de militantes cristãos. Tito de Alencar e Frei Beto padeceram quatro anos de prisão (com alguns anos de torturas, o que levou o primeiro ao suicídio mais tarde). Os padres Rodolfo Lunkenbein (15 dejulho de

79. R. Concagliolo - F. Reyes Matta, Iglesia, prensa y militares, ILET, México, 1978, p. 9 1. 80. Cf. MP, pp. 297-326. A publicação SEDOC fornece informação permanente sobre a Igreja brasileira de grande valor documental.

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1976) e João Bosco Penido Bumier (11 de outubro do mesmo ano) foram assassinados. Em 22 de junho de 1982 ainda eram condenados os padres Aristides Camio e François Gouriou a 15 e 10 anos de prisão, por seus compromissos com os camponeses em São Geraldo do Araguaia. 0 cardeal Paulo Evaristo Ams - defendido em 24 de agosto de 1984 por 3.000 professores de ensino médio público, não-católico, contra ataques da imprensa de direita - lidera a presença da Igreja no mundo operário industrial, urbano e intelectual universitário. As greves metalúrgicas receberam total apoio da Igreja paulista. D. Pedro Casaldáliga conduz o movimento camponês do sertão pobre e faminto que, no V Encontro Intereclesial das Comunidades de Base em Canindé (de 4 a 8 de julho de 1983), declarava:

"A fome generalizada no nosso povo nunca foi tão grande em toda nossa história".81

Dom Tomás Balduíno, presidente do CIMI (Conselho

Indigenista Missionário) alenta e defende a frente indígena onde a Igreja se tomou a única força de defesa das etnias do Brasil. Assim, trata-se de uma Igreja que enfrentou o estado militarista de Segurança Nacional. Dom Luiz Fernandes era coordenador das mais de 80 mil Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) que realizaram seu I Encontro Intereclesial em sua diocese de Vitória (1975). O III Encontro foi em João Pessoa (1978); o IV em Itaici (1981). Milhares de delegados, com a presença dos bispos (33 no V Encontro) expressam uma nova experiência da Igreja. O documento do I Encontro teve repercussão latino-americana: "Uma igreja que nasce do povo".

Dom Hélder Câmara continua sendo o profeta da denúncia. D. Aloísio Lorscheider foi presidente do CE

81. DIAL 111, 1983, p. 2.

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LAM, hoje é cardeal de Fortaleza. D. Ivo Lorscheiter, presidente da CNBB, conduz esta Igreja que tem novo

"modelo". Com efeito, em 6 de maio de 1973 os bispos do Nordeste, no documento "Ouvi o clamor do meu povo" definem o modelo claramente:

"Somente ele, o povo dos sertões e das cidades na união e no

trabalho, na fé e na esperança, pode ser essa Igreja de Cristo que convida, essa Igreja que trabalha pela libertação. E é somente na medida em que entramos nas águas do evangelho que nos tomamos Igreja, Igreja-povo, Povo de Deus".82

-Argentina

Na Argentina,83 um episcopado cuidadosamente

escolhido na linha conservadora (aqui não houve um Hélder Câmara nem um núncio como Armando Lombardi, somente os Pio Laghi) não soube resistir ao ataque do exército e da grande burguesia agrária. Na realidade os bispos justificaram a repressão como meio para aniquilar os movimentos guerrilheiros:

"Quando se vivem circunstâncias excepcionais... (podem) ser

sacrificados, se for necessário, direitos individuais em benefício do bem comum. Mas deve-se proceder sempre dentro da lei e sob seu amparo para uma legítima repressão... forma de exercício da justiça."84 E tudo isto porque "o bem comum (foi) ferido pela guerrilha terrorista".85Também se deve discernir entre a justificação da luta contra a guerrilha e os métodos empregados... A repressão ilegítima também enlutou a Pátria."86

82. ¿Brasil: milagro - engaño?, CEP, Lima, 1973, p. 110. 83. Cf. MP, pp. 352ss. 84. Documento da XXXV Assembléia Plenária da Conferência de Bispos da Argentina, 7 de maio de 1977, in Servir n. 6, 1977, p. 3. 85. Ibid. p. 5. 86. Documento do episcopado "Iglesia y comunidad nacional" da XLII Assembléia do dia 30 de junho de 1981, in Servir, 1981, p. 5. O episcopado "justifica" claramente "a repressão legítima" contra a guerrilha; mas os métodos usados pelos militares a tornam ilegítima. Já a guerrilha não tem nenhum tipo de legitimidade.

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Em 20 de junho de 1973, com a matança da juventude em Ezeiza, começa a repressão contra as forças populares. Com a morte de Perón acelera-se a conjuntura em 1974; a repressão aumenta sob o governo que López Rega de fato exercia, para culminar com o golpe militar de 1976. 0 padre Carlos Mugica (do MSPTM) é assassinado na porta de sua igreja de bairro pobre no dia 11 de maio de 1974; foi um entre tantos. A 4 de agosto de 1976 é assassinado o bispo de La Rioja, Mons. Enrique Angelli, profundamente compromissado com seu povo, quando estava voltando de uma reunião em que examinou a situação do assassinato de dois sacerdotes de sua diocese;87 os responsáveis eram membros da Força Aérea do Chamical. A causa de tanto martírio deve ser procurada no modelo econômico de dependência do capitalismo norte-americano, dirigido em sua etapa mais opressora pelo ministro Martínez de Hoz, que endividou tremendamente o país. Mas o triste é que a Igreja em sua instância hierárquica, por seu modelo de Cristandade, realiza aliança com o Estado militarista e com as classes dominantes e condena a guerrilha sem atenuantes. O movimento de defesa dos direitos humanos como "Justiça e Paz" dirigido pelo Prêmio Nobel Adolfo Pérez Esquivel, cristão militante, e as "Mães da Praça de Maio", também cristãs, entre as quais estavam as duas religiosas francesas torturadas e assassinadas em 13 de dezembro de 1977, representam o outro rosto da Igreja. Por isto na XLVII Assembléia do Episcopado, em 12 de novembro de 1983, quando se pede ao povo que perdoe, os bispos já não têm autoridade, porque a justiça para os torturadores e assassinos é a condição do perdão e da reconciliação.

87. O "Dossiê" Angelli in DIAL 114,1983, e 152,1984, pp. 1-6. No dia 18 de julho foram assassinados os padres Gabriel Longueville e Carlos Murías.

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- Chile No Chile88 o golpe sangrento de 11 de setembro

instaura repressão nunca vivida no país andino. Uma verdadeira "teologia do massacre" justifica a ação dos militares.89 Em 13 de setembro, apenas dois dias depois de estabelecida a ditadura de A. Pinochet, o episcopado condena os Cristãos pelo Socialismo com o documento "Fé cristã e atuação política", quando muitos dos envolvidos estavam mortos, estavam sendo torturados ou aprisionados, ou encaminhavam-se para o exílio. O episcopado, ao condenar a opção socialista e ao não aprovar o golpe, deixava sempre a porta aberta para a solução preferida: a Democracia Cristã cujo caminho agora estava definitivamente fechado. Certos bispos como Tagle em Valparaíso, Fresno (futuro arcebispo de Santiago) de La Serena, Vicuña de Puerto Montt, Valdés de Osorno, manifestaram-se a favor da junta. Ao contrário outros como Hourton, Aristía, González, Pieñera etc., opuseram-se. O cardeal Silva H. primeiro adotou posição eqüidistante. O "Comitê de Cooperação pela Paz", presidido por Mons. Aristía, defendeu o povo reprimido. Quando o comitê é suprimido por pressão do governo, aparece o "Vicariato da Solidariedade". A Igreja permaneceu como a única instituição que fez frente ao Estado militarista. Por isso o secretário do Partido Comunista chileno no exílio, Luis Corvalán, escreve em Moscou:

"Nestas condições a religião perde seu caráter de ópio do povo e, ao contrário, na medida em que a Igreja se compromete com o homem, pode-se dizer que em vez de alienante torna-se fator de inspiração na luta pela paz, liberdade e justiça."90

88. Cf. F. Aliaga. op. cit.; MP, pp. 334ss. 89. Cf. F. Hinkelammert, Ideología del sometimiento, EDUCA, DEI, San José, 1977, pp. 41 ss. 90. Excelsior, México, 2 de junho de 1977, p. 1; e 3 de junho de 1977 pp, 2ss.

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Neste caminho a Igreja descobre novas dimensões, entre elas a problemática da "cultura popular",91 o problema indígena.92 De qualquer maneira, a repressão continua; a recente morte do padre André Jarlán, num bairro de extrema pobreza, pouco depois de ter sido assassinado um jovem amigo do padre,93 mostra a situação desta Igreja nacional. Em 25 de março de 1984, o arcebispo Juan F. Fresno Larraín faz um apelo ao governo para abrir caminho a uma saída democrática de união nacional. - Bolívia

Na Bolívia,94 depois do golpe de Banzer, no dia 23 de

outubro de 1971, cai assassinado pela repressão o padre Maurício Lefevre que fora decano da faculdade de sociologia na universidade nacional. O movimento havia surgido do ECN (Exército Cristão Nacionalista), fascista, perante o qual o núncio Gravelli expressava que "as relações de Igreja e Estado são cordiais".95 Em novembro o núncio acolhia os participantes da XIV Assembléia do CELAM em Sucre - que mudaria a história da Igreja em toda a América Latina. São expulsos os membros de ISAL, fechase a emissora Pio XII, todo cristão progressista é perseguido, os camponeses do Vale de Cochabamba são massacrados em 25 de janeiro de 1974 ("Vimos montanhas de cadáveres de camponeses amontoados como lenha" disse um soldado).96 Pouco antes, em 20 de janeiro de 1973, 99 sacerdotes publicam documento sobre "Evangelho e violência". Quando acontece a abertura democrática, nova

91. Carta do Comitê Permanente "Caminar juntos em Ia Iglesia" de 16 de julho de 1982, item 3.4.2, in Servir n. 22, 1982, p. 15. 92. A Igreja programou especialmente trabalhos entre os Mapuches (antigos araucanos). 93. Foi assassinado em 4 de setembro de 1984 (c£ DIAL 186, 1984, pp. 1-4). 94. Cf. MP, pp. 128ss. e pp. 319ss; também o texto de J. Barnadas, op. cit. 95. Informations Catholiques Internationales, 401, 1972, p. 56. 96. Signos de lucha y esperanza, CEP, Lima, 1969, p. 25.

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mente é ensangüentada pelo golpe de 17 de julho de 1980; em 12 de abril era assassinado o padre Espinal. Nem por isto diminui a crise que sofrem "todos os cidadãos, mas particularmente as classes populares, que foram duramente castigadas pela crise econômica" (diz o episcopado em 26 de novembro de 1983). - Uruguai

No Uruguai,97 embora os bispos se opusessem à dissolução do parlamento em 27 de junho de 1973, no dia 23 de novembro falam de "Esforço de Reconciliação". Este tema (reconciliação) aparece freqüenternente repetido nas declarações dos episcopados desses anos na América Latina. Em 30 de abril de 1975 é aprisionado Héctor Borrat, sendo fechada a revista Víspera. Em valente documento de 12 de outubro do mesmo ano a Igreja afasta-se do governo repressor, ultradireitista, antipopular:

"A Igreja não recebe sua liberdade como dádiva dos homens, mas como atributo essencial que o próprio Deus lhe dá. Por outro lado, esta liberdade é reconhecida pelas leis dos povos civilizados cristãos ou não."98

Em 1º de abril de 1984, na homilia de Mons. Carlos

Parteli sobre "A Boa Notícia da dignidade do homem" fruto de tanta defesa do "Serviço de Justiça e Paz" contra as ações dos militares durante mais de dez anos sob a alegação de luta contra os Tupamaros - anunciando a democracia que se aproxima com as eleições, indica:

"Nosso povo encontra-se na vigília de um novo período histórico,

de restabelecimento de um estado onde serão definidos

97. Cf. MP, pp. 326ss. 98. Signos de lucha y esperanza, p. 199.

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corretamente e defendidos os direitos, deveres e garantias de todos, dentro do âmbito legal e coerente com a tradição nacional".99

- Paraguai

No Paraguai,100 ao contrário de outras épocas, em 8 de março de 1975 o episcopado declara:

"A Igreja, profundamente identificada com a alma e as aspirações do povo paraguaio, está sempre procurando o bem de todo o país... Durante os últimos anos, em virtude de diversos acontecimentos, foi sendo provocada a deterioração da comunidade nacional... Queremos elevar uma oração... para que a Igreja seja fiel à sua missão evangelizadora e defensora do homem e sua dignidade".101

6. A Igreja em situações de menos repressão

- Peru

No Peru102 a Igreja apóia os últimos atos reformistas

de Velazco Alvorado: "A missão libertadora da Igreja, que é anúncio eficaz do evangelho,

significa opção esperançosa por todos os homens, como irmãos, mas especialmente pelos que sofrem a injustiça, pelos pobres e oprimidos... É evidente que a solidariedade com os pobres e oprimidos leva à ação pela mudança das estruturas injustas que mantêm a situação de opressão" - declara a XLII Assembléia do episcopado em janeiro de 1973.103

99. SIAL VII, 8, 1984, p. 8 100. Cf. MP, pp. 330ss. 101. Práxis de los padres de América Latina, Ed. Paulinas, Bogotá, 1979, pp. 682-683. Seria preciso acrescentar aqui urna descrição da Igreja no Haiti, Santo Domingo, Guaternala, Honduras, El Salvador e Nicarágua sob o projeto de Segurança Nacional. Cf. para eles MP. 102. Cf. MP, pp. 365ss.; também os textos inéditos de Catalina Romero e Jeffry Klaiber em HGIAL, t. VIII (no prelo). 103. Práxis de los padres de América Latina, op. cit., p. 496.

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Quando a situação de pobreza do povo aumenta em virtude das medidas adotadas pela ditadura de Morales Bermúdez, a partir de agosto de 1975, a Igreja tem mais espaço para sua ação junto ao povo e se afasta do Estado. Os bispos do planalto, a 10 de julho de 1977, denunciam a miséria dos camponeses: "Recolhendo o clamor e as aspirações dos pobres... o sofrimento de nosso povo... A constante elevação do custo de vida, o congelamento dos salários, por tudo isto denunciamos a violência da repres- são... "104

Um pouco antes, em 4 de outubro de 1976, diante da crítica de certos setores conservadores a respeito da renovação eclesial que surgiu a partir de 1968, o episcopado reafirma:

"Renovamos esta lealdade e fidelidade precisamente quando as

orientações de Medellín correm o risco de serem esquecidas"105

E, em março de 1984, quatorze meses depois que a Congregação da Fé romana havia sugerido ao episcopado peruano que condenasse a Teologia da Libertação, os bispos abstiveram-se de fazê-lo e, embora o cardeal J. Landázuri seja chamado até de marxista, não se efetuou nenhuma condenação contra o teólogo Gustavo Gutiérrez; isto indica que a Igreja mantém sua tradição de autonomia.

- Equador

No Equador106 a figura de Mons. L. Proaño, de Riobamba, se realça no que se refere à clareza dos problemas e soluções para o povo pobre dos indígenas da serra. 104. Signos de lucha y esperanza, pp. 39-40

105. Práxis de Ias padres de América Latina, p. 847. 106. Cf. MP, pp. 371-378. 84

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Embora receba uma "visita" enviada por Roma, por pressão de grupos interessados, seu trabalho continua. O documento mais importante e amplo do episcopado, em todos estes anos, "Justiça Social", de agosto de 1977, 107 é lançado tendo em vista a III Conferência de Puebla e pareceria ter sido escrito visando aos confrontos que ocorrerão naquela Conferência (condenação de Cristãos pelo Socialismo, que não havia no Equador, embora houvesse antecedentes na exortação de 25 de setembro de 1976 sobre "Integridade da mensagem cristã"). Em geral, a maioria da Igreja hierárquica não rompeu sua antiga relação com a burguesia agromercantil. conservadora. - Colômbia

Na Colômbia108 a polarização na Igreja se acentua.

Por um lado, a 20 de fevereiro de 1974 morre o padre Domingo Laín na guerrilha do ELN. Por outro lado, o cardeal de Bogotá recebe a Ordem Antonio Nariño do exército colombiano, no dia 26 de junho de 1975, quando é decretado o estado de sítio, sendo nomeado com o grau de general do exército colombiano em junho de 1976 (durante uma greve bancária, em que o cardeal reprova os sacerdotes e religiosos que estavam a favor dos empregados em greve). O documento onde consta o maior número de condenações aos membros da Igreja, centros de estudos, revistas - todos com seus títulos e nomes – é publicado pelo episcopado em 21 de novembro de 1976: "Identidade cristã na ação pela justiça". Como indica o Memorandum da Rand Corporation, trata-se do episcopado mais conservador da América Latina.

Em 10 de novembro de 1984 foi assassinado o padre Álvaro Ulcue Chocue, primeiro sacerdote autenti

107. Práxis de los padres..., pp. 920-966. 108. Cf.Rodolfo de Roux, op. cit, in HGIAL, t. VII, pp. 583ss.

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camente indígena do grupo étnico Páez. Em 9 de junho desse ano os Cabildos Indígenas do Cauca haviam declarado que lutavam pela ocupação de suas próprias terras. Um grupode proprietários de terras é responsabilizado pela morte do padre Álvaro, que liderava seus irmãos. O próprio episcopado, em declaração de 15 de novembro, exprime:

"Com este crime foi silenciada a voz de um apóstolo valente que pregou com seu testemunho e com sua palavra o Evangelho, expondo-se aos riscos implícitos no anúncio da salvação conforme a palavra do Senhor: "Felizes os que são perseguidos por causa da justiça porque deles será o reino dos céus' (Mt 5, 10)"109

- México

No México,110 o episcopado lançou um documento

optando claramente pelas classes populares: "O compromisso cristão diante das opções sociais e políticas". De qualquer maneira, a carta pastoral não teve muitas conscqüências por falta de movimentos operários ou camponeses da Igreja. Com efeito, em virtude dos constantes conflitos entre Igreja e Estado, aquela encarregou-se de suprimir qualquer movimento cristão que se tomasse incômodo ao Estado. Somente a questão educacional do "texto obrigatório", no começo do governo de Luis Echeverria, produziu certo confronto - e conseqüentemente os textos foram modificados. Por outro lado, em 1976, a rápida construção da nova basílica àVirgem de Guadalupe, onde o governo e os bancos tiveram participação muito ativa, levou à reconciliação entre Igreja e Estado.

Como em outros países, o assassinato, em 21 de março de 1977, do padre Rodolfo Aguilar, que trabalhava

109. Servir, 29,1984, p. 5. Cf. DIAL, 173 e 184 (1984), Sobre a Venezuela, MP, pp. 444ss. 110. Cf. Jesús García, "La Iglesia mexicana desde 1962", in HGIAL, t. V, pp. 361-493.

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num bairro pobre de Chihuahua, demonstra que há grupos de poder que se opõem ao trabalho da Igreja entre os pobres. Com efeito, importante movimento de vários milhares de Comunidades Eclesiais de Base aumenta em número em todo o país. No X Encontro Nacional de CEBs em Tehuantepec, em outubro de 1981, o bispo Arturo Lona manifestou:

"Por toda parte desafio e sofrimento; é que este caminho não se faz sem conflitos: repressões, suspeitas, torturas, prisão e morte... São muitos milhares os camponeses, os indígenas e operários da América Latina que estiveram presos por seu compromisso com as Comunidades Eclesiais de Base. "111

No XI Encontro Nacional das CEBs em Concórdia

(Cohauila) com representação de militantes de 38 dioceses, cinco bispos escreveram comovente carta aos demais membros do episcopado em 9 de outubro de 1983. É evidente, por outro lado, que a visita do papa João Paulo II em 1979 -por ocasião da III Conferência de Puebla mobilizou a consciência cristã e mostrou a importância da Igreja nesse país. 7. A Igreja na revolução da América Central e Caribe

O Secretariado Episcopal da América Central

(SEDAC) declarava em 24 de junho de 1977:

"Lamentamos profundamente que, para silenciar os que com fidelidade a Cristo e ao Evangelho realizam seu compromisso no campo social, se recorra ao expediente fácil de tachá-los de comunistas, subversivos e seguidores de doutrinas exóticas tudo em flagrante violação dos direitos humanos".112

111. Servir, 21, 1981, p. 4. 112. Práxis de los padres, p. 858.

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-Nicarágua

Na Nicarágua,113 em março de 1972, Mons. Obando y Bravo declarava que "o socialismo avança a grandes passos na América Latina; a socialização deve ser realizada em todos os níveis e não de maneira unilateral".114

A carta pastoral de 19 de março "Sobre os princípios da atividade política da Igreja" é como ato de independência em relação ao governo de Somoza. Nos meses posteriores ao terremoto de 1972, um grupo de jovens cristãos (entre eles Luis Carrión, Roberto Gutiérrez, Joaquín Cuadra, Mônica Baltodano, alguns mortos e outros atualmente comandantes da revolução) deixava a paróquia Santa Maria de Ios Ángeles, cujo pároco é o padre Uriel Molina OFM, para integrar-se à Frente Sandinista, para grande escândalo da comunidade cristã da época. No ano de 1972, Ernesto Cardenal. escreve sua obra En Cuba y Ia santidad en la revolución.

No dia 18 de julho de 1979, Uriel Molina conta o encontro com os jovens cristãos de sua paróquia, que encabeçavam o exército sandinista, depois de derrotar o ditador Somoza:

"De repente fiquei paralisado. Era Roberto Gutiérrez com Emílio

Baltodano, Oswaldo Lacayo e Joaquín Cuadra que marchavam para Manágua. Demos um abraço. 'Lá em Mosaya deixamos a morte... Aqui viemos encontrar a vida'... Era um imenso grito de triunfo."115

A primeira fase pós-revolucionária da Igreja vai da

vitória de 19 de julho de 1979 até o Comunicado "Sobre a religião" de 7 de outubro de 1980. Nesta primeira etapa a

113. Cf. MP, pp. 380ss. 114. Inform. Cath. Intern., 406, 1972, p. 26. 115. Uriel Molina, "El sendero de una experiencia", in Nicaragua n. 5, Manágua, 1981, pp. 37. Cf. Meu trabalho "Lá Iglesia em Nicaragua, 1979-1983", in Historia de Ia Iglesia en América Latina, 1983, pp. 429-447.

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Igreja em conjunto apoiou o processo sandinista; a CONFER, a Universidade Católica e o próprio episcopado que, em sua carta pastoral de 17 de novembro "Compromisso cristão por uma nova Nicarágua", declarou:

"Ouve-se dizer, às vezes com aflição e temor, que o atual processo nicaragüense se encaminha para o socialismo... Não poderíamos aceitar um socialismo que, saindo dos seus limites, pretendesse arrancar do homem o direito às motivações religiosas de sua vida... Se, ao contrário, socialismo significa o predomínio dos interesses da maioria dos nicaragüenses... um projeto social que garanta o destino comum dos bens e recursos do país... uma crescente diminuição das injustiças... se significar participação... do trabalhador no produto de seu trabalho... não há nada no cristianismo que contradiga este projeto".

Na Cruzada Nacional de Alfabetização, que

praticamente erradicou o analfabetismo da Nicarágua em poucos meses, o padre Fernando Cardenal SJ - diretor da campanha- fez com que se usasse o método da pedagogia da libertação de Paulo Freire (cristão do Nordeste do Brasil); seguiu-se a técnica pedagógica do salesiano, Mario Peressón da Colômbia e, no capítulo 22 da Cartilha de Alfabetização, empregou-se o exemplo "Iglesia" para praticar as sílabas gla, gle, gli, glo, glu: "Glória aos heróis e mártires".

Logo o "campo religioso" se tornou lugar de conflitos; por isto a FSLN emitiu Comunicado "Sobre a religião":

"Nós sandinistas afirmamos que nossa experiência demonstra que

quando os cristãos, apoiando-se em sua fé, são capazes de responder às necessidades do povo e da história, suas próprias crenças os levam à militância revolucionária... não há contradição insuperável entre ambas as coisas".

A segunda fase começa quando o CELAM e Roma

fazem pressão para a renúncia dos ministros sacerdotes Ernesto e Fernando Cardenal e Miguel D'Escoto, em 1º de

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junho de 1981.Reagan assume o podere começa a luta antirevolucionária dos antigos somozistas nas fronteiras com Honduras. O episcopado vai assumindo posição cada vez mais crítica perante a revolução, acentuando-se os conflitos internos na Igreja.

A terceira fase termina com a carta enviada pelo papa João Paulo II, no dia 29 de junho de 1982, onde indica os riscos que a Igreja corre em virtude de sua divisão interna, optando por diversos projetos concretos. O Papa pede obediência aos bispos. Ao contrário, em 10 de março de 1980, escrevera em outra carta:

"Formulo os melhores votos para que o amado povo da Nicarágua

viva um futuro de paz, de concórdia, solidariedade, de acordo com sua secular tradição cristã".

Em 1980 o Vaticano era informado pelo delegado

apostólico Piero Sambi; mais tarde será nomeado um núncio definitivo.

A quarta fase, até a visita do Papa em 4 de março de 1983, é de incremento dos conflitos internos. A oposição toma o "campo religioso" como o único que pode enfrentar a revolução. Por outro lado, os cristãos comprometidos com a revolução resistem. O bispo italiano Betazzi, no relatório de Pax Christi sobre a situação na Nicarágua, escreveu:

"O arcebispo permite que o transformem em líder de uma oposição

que não tem outro perfil senão o de se opor ao regime. O CELAM, a CLAT e os partidos democráticos cristãos latinoamericanos e europeus deveriam parar de sonhar e aceitar esta simples realidade: o processo revolucionário é irreversível."116

A visita do Papa pedindo o apoio irrestrito ao

arcebispo abre a quinta fase depois do triunfo sandinista. A partir de 4 de março alguma coisa aconteceu na Nicarágua.

116. Nuestro Diario, Manágua, 12 de novembro de 1982.

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As posições são mais firmes. O episcopado, por exemplo, opõese ao serviço militar obrigatório (29 de agosto de 1983), suscitando grande número de réplicas (da comunidade de jesuítas, dominicanos, comunidades de base etc), que destacam as omissões cometidas na análise da realidade vivida no país. Conflitos como o dos indígenas misquitos, a expulsão do padre Timóteo Merino (a 13 de maio de 1983), dos dez sacerdotes estrangeiros (a 9 de julho de 1984), mostram o caminho da Igreja nicaragüense num processo revolucionário, em que os cristãos agem de maneira jà bem diferente de como agiram em Cuba a partir de 1959. Vinte anos não passaram em vão. - El Salvador

Em El Salvador117 a população camponesa foi

massacrada durante anos a fio: em 1974, em San Francisco Chinamequita, La Cayetana, Tres Calles, Santa Bárbara, Plaza de la Libertad na própria capital. O arcebispo Chávez exclamava: "aqui o café devora os homens", indicando que os proprietários de terras exploravam os trabalhadores em suas fazendas. A pessoa símbolo desses anos é o padre Rutílio Grande, assassinado em 12 de março de 1977. O pároco de Aguilares não foi o único mártir sacerdote. A 11 de maio do mesmo ano caía o padre Alfonso Navarro; a 28 de novembro de 1978, o padre Barrera Motto; em 20 de janeiro de 1979 morre Octávio Ortiz.

Em 22 de fevereiro de 1977 assume a arquidiocese Mons. Oscar Arnulfo Romero que rapidamente demonstra sensibilidade especial para ligar-se ao povo pobre e oprimido. Os bispos declaram, em 5 de março de 1977, que "esta situação foi qualificada como situação de injustiça coletiva e violência institucionalizada".118 Isto não nega as

117. Cf. Rodolfo Cardenal, op. cit., in HGIAL, t. VI, 1985. 118. Práxis de los padres, p. 967.

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contradições. Enquanto Mons. Romero preside uma procissão que enfrenta a baioneta do exército no dia da morte de Rutílio Grande, em sua própria paróquia de Aguilares onde foram assassinados mais de 200 militantes das Comunidades Eclesiais de Base até 1983 - Mons. Pedro Aparício apóia o governo e critica os leigos no Sínodo Romano de 1977. Tudo culmina em 24 de março de 1980, quando assassinos profissionais ligados ao exército matam Mons. O. A. Romero durante o sacrifício da missa. Monsenhor dissera em 20 de janeiro que havia um projeto que pesava sobre o destino de E1 Salvador:

"0 projeto oligárquico pretende empregar todo seu imenso poder econômico para impedir o avanço das reformas estruturais que afetam seus interesses mas favorecem a maioria dos salvadorenhos"119

Cinqüenta mil assassinatos, dezenas de sacerdotes,

religiosas (entre as quais, quatro norte-americanas) e o próprio arcebispo nos falam de uma Igreja que não se afasta de seu povo. O massacre do rio Sumpal, em maio de 1980 -onde perderam a vida mais de 600 homens, mulheres e crianças - ficará gravado para sempre na memória da história. A CONIP (Coordenadoria Nacional da Igreja Popular) organiza seu trabalho nas "zonas libertadas", onde os cristãos vivem um dia-a-dia que vai além do sistema opressor vigente. Mons. Rivera y Damas, de longo tirocínio desde antes de Medellín, tem pela frente uma época difícil de lutas fratricidas.

- Guatemala

Na Guatemala120 cresceu muito o movimento denominado "Delegados da Palavra", militantes cristãos

119. Servir, 1, 1980, p. 1. 120. Cf. MP, pp. 382ss; Pablo Richard - Guillermo Meléndez, op. cit.

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camponeses que lideram suas comunidades pobres, especialmente nas dioceses de Huehuetenango, Quezaltenango, Verapaces e Izabal. No final de 1973 realizase o I Congresso Nacional de Religiosos (CONFREGUA) que coordena mais de 996 religiosas e 551 religiosos do país. Em 25 de julho de 1976 o episcopado, sob a presidência de Mons. Juan Gerardi, publicou um documento "Unidos na esperança" - que o cardeal Casariego não quis assinar -onde manifesta que "Guatemala vive há longos anos sob o jugo do temor e da angústia".121 Como exemplo entre milhares, veja-se este testemunho do Comitê cristão de solidariedade:

"A comunidade da aldeia de San Francisco vivia tranqüila. Plantava

seu milho e colhia, cuidava das galinhas e do gado... No dia 17 de julho de 1981 apareceu o exército, agarrou os integrantes das patrulhas civis - instituídas pelo próprio governo -e matou-os. Cercou a aldeia e acabou corn tudo. Mataram crianças, anciãos, mulheres, homens. Todos morreram. Dos 350 moradores, somente doze pessoas conseguiram sobreviver, por milagre... Chamar isto de bestialidade seria uma ofensa para as bestas. As mulheres foram violadas, as pessoas eram trancadas em galpões onde foram torturadas e assassinadas. As crianças foram arremessadas contra as árvores... e logo depois comiam seus miolos ainda mornos... "122

Seria muito longo contar os horrores vividos pela

Igreja na Guatemala. O certo é que, por exemplo, no dia 13 de junho de 1980,123 tanto o bispo como os sacerdotes e religiosas abandonaram a diocese de El Quiché em virtude da perseguição que ali viviam, sendo que o próprio Mons. J. Gerardi fora objeto de atentado em 19 de

121. Práxis de los padres, pp. 792-817.

122. "La bestia apocalíptica de la represión", in DIAL 36, 1982, p. 1. 123. No dia 16 de junho declaravam; "Foram assassinados três sacerdotes, um seqüestrado, vários sacerdotes e religiosas estão sob ameaça de morte" in Servir, 9, 1980, pp. 2-3.

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julho de 1979. O comunicado do episcopado também manifesta:

"Assassina-se, seqüestra-se e tortura-se, sendo profanados com

sanha irracional até os cadáveres das vitimas... "124

O padre Luis Eduardo Pellecer SJ foi seqüestrado violentamente diante de testemunhas, em 8 de junho de 1981. No dia 30 de setembro, depois de ter ficado totalmente incomunicável, tendo sofrido torturas e "lavagem cerebral", foi obrigado a realizar um depoimento por televisão contra a Igreja. Depois, nunca mais apareceu. Dúzias de sacerdotes assassinados, entre eles o padre Augusto Ramírez OFM, pároco de San Francisco em Antigua Guatemala. "Seu corpo estraçalhado apareceu abandonado em uma rua da cidade da Guatemala".125 Era o dia 7 de novembro de 1983.

- Honduras

Em Honduras126 Mons. Héctor Santos - arcebispo de

Tegucigalpa desde 1962 - não deixou de orientar a presença da Igreja nas organizações camponesas. Além do CONCORDE e Caritas surgiu um movimento operário e camponês de inspiração cristã, tanto na Confederação Geral dos Trabalhadores quanto na União Nacional de Camponeses. Os "Celebrantes da Palavra" foram aumentando a partir de 1975, sabendo ler a realidade social àluz do evangelho. Os proprietários de terras começaram a fazer pressão contra os líderes de base, acusando-os de marxistas. Em 25 de janeiro de 1975 foram assassinados em Olancho o padre Ivan Betancourt

124. Servir, 14, 1980, p. 1. 125. DIAL 134, 1984, p. 1. 126. Cf. C. Carías, op. cit.; Richard-G. Meléndez, op. Cit.

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e o padre Casimiro Zephyr, juntamente com outros cristãos. 0 padre Betancourt fundara o Instituto Santa Clara para capacitação camponesa e sabia que sua vida corria perigo. Por isto pegou mal a atitude do CELAM ao informar sobre infiltração marxista entre os sacerdotes, em 23 de junho de 1982, opondo-se ao estudo realizado por Pax Christi a favor das forças populares (nesse estudo o italiano Mons. Betazzi criticava e considerava equívoca a política do CELAM para a América Central).

- Costa Rica

Na Costa Rica127 o semanário Pueblo, dirigido por

Javier Solís, provocou grande impacto. Em 1972 é fundado o Instituto Teológico da América Central (ITAC) e a Escola Ecumênica de Ciências da Religião (EECR), únicos órgãos teológicos em uma universidade nacional da América Latina. O Departamento de Estudos e Pesquisas (DEI) fundado por Hugo Assmann em 1974 -onde colaboram Franz Hinkelammert, Pablo Richard, Guillermo Meléndez etc. - vem cumprindo importante tarefa de reflexão e publicações.

8. A Igreja no Caribe

- Cuba

Em Cuba128a crise passou, mas a Igreja continua isoladada renovação da Igreja dos Pobres, da Teologia da Libertação. Em 27 de março de 1974 Mons. Agostino Casaroli faz uma visita à ilha; Mons. César Zacchi énomeado núncio - em 1975 será substituído por Mons. Mário Tagliaferri. Em dezembro de 1975 realiza-se o I

127. Cf. M. Picado, op. cit.; P. Richard-G. Meléndez, op. cit. 128. Cf. MP, pp. 456ss.;Raúl Gómez Treto, op. cit, pp. 45ss. (Datilografado, inédito).

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Congresso do Partido Comunista Cubano que, embora manifeste certa abertura ao diálogo, continua afirmando sua posição "dogmática": "ciência e religião opõem-se irremediavelmente". O artigo 35 da Constituição Socialista afirma: "É livre a profissão de todas as religiões... A Igreja ficará separada do Estado; este não poderá subvencionar nenhum culto".

Dois fatos: a condenação do terrorismo contra a linha aérea cubana por parte do episcopado - em Granma no dia 16 de novembro de 1976 - e o diálogo com pastores cristãos em Jamaica em 29 de outubro de 1977 por parte de Fidel Castro, demonstram a situação de mútua abertura. Por isto, no XI Festival Mundial da Juventude, em julho de 1978, Mons. Oves pôde dizer:

"O ideal de uma sociedade sem classes antagônicas, econômicas

nem sociais está mais de acordo com a exigência evangélica de fratemidade em Cristo, mas me pergunto: como ajudarnos a tomar viável o compromisso dos cristãos na realização progressiva desse ideal se a fé cristã é apresentada como sendo necessariamente hostil?... Gostaríamos de fundamentar esta nova consideração partindo dos princípios da própria ciência social marxista, que não se desliga da teoria da realidade".129

A revolução sandinista, que aconteceu depois,

começará a mostrar a Cuba um caminho para o relacionamento entre Igreja e revolução.

De 26 de fevereiro a 3 de março de 1979 realizou-se em Matanzas uma reunião histórica de 77 teólogos de países socialistas (da Europa, Ásia e África) e da América Latina que dialogaram sobre a possibilidade da Teologia da Libertação em seus respectivos âmbitos.

129. El Heraldo Cristiano, XXIV, 9-10, pp. 16-18, Havana, 1978.

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- Haiti No Haiti130 até o final de 1980, manteve-se a situação

de legitimação incondicional do governo de Jean Claude Duvalier. Como a repressão se generalizou no país, a Conferência Haitiana de Religiosos publicou um comunicado em 24 de outubro de 1980:

"A CHR considera seu dever fazer um chamado do senso cristão e patriótico... queremos mais uma vez elevar nossas próprias vozes a favor do respeito pelos Direitos do Homem em nosso país, o respeito pelos Direitos de nossos irmãos e irmãs desterrados e desterradas, aprisionados ou aprisionadas... A Igreja não pode se calar quando se trata de tornar a vida mais humana e de conscientizar a população".131

O próprio núncio Luigi Conti apoiou os religiosos. O

episcopado, sob a presidência do arcebispo François Wolf Ligondé, também se pronunciou nesse sentido em 21 de dezembro.

De 2 a 6 de dezembro de 1982 é realizado um simpósio por motivo do Congresso Eucarístico Mariano. Pode-se perceber que a Igreja anuncia clara opção pelos pobres, pelos camponeses, pelos negros que constituem a massa total do povo. Quando em 27 de janeiro de 1983 o episcopado e a conferência de religiosos se dirigem ao povo haitiano para preparar a chegada do papa João Paulo II, colocam como condição ao governo a liberdade do líder Gerard Duclerville, que fora preso em 28 de dezembro quando coordenava um encontro de "Igreja e Comunidades Eclesiais de Base". E começa uma renovação nunca vista no país caribenho francês. A 2 de fevereiro de 1984, em Pilate, realiza-se o I Encontro Nacional das Comunidades de Base. Em seu comunicado dizem os líderes leigos:

130. Cf. W. Smarth, op. cit., in HGIAL, t. IV, (em preparo). 131. Servir, 3, 1981, pp. 10-12.

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"Aqui, há dez anos atrás, algumas paróquias do Haiti começaram a viver urna experiência totalmente novana Igreja com o que nós chamamos Ti Léglis ou Fraternidades... Esta reunião nacional deixou-nos, antes demais nada, aconvicção deque as comunidades eclesiais; de base, nas aldeias e nos bairros, são necessidade urgente para nós. As comunidades de base não são moda passageira, mas a figura que a Igreja assume e que se parece àquela que tinha nos tempos dos Apóstolos (At 2,4247)".132

A visita do papa ao Haiti, em 9 de março de 1983,

teve efeito completamente diferente do causado na Nicarágua ...

Não desejamos terminar sem antes lembrar a carta pastoral lançada pela Conferência Episcopal das Antilhas (dos bispos das Antilhas menores britânicas e holandesas, com a presença também dos francófonos), em 21 de novembro de 1975, onde dizem:

"A ação da Igreja não pode ser reduzida à sacristia ou ao santuário... Deus revelou-se como libertador do oprimido e defensor do pobre... A Igreja não deve condenar indiscriminadamente todos os tipos de socialismo... Nenhum sistema socialista é aceitável se ele destrói os direitos fundamentais do indivíduo... Longe de destruí-los, o verdadeiro socialismo aceitável para o cristão deve combater para defender estas liberdades e inclusive para ampliar seu campo".133

9. História de meio século da Igreja latino-americana

Durante este meio século (1930-1984) a Igreja latino-

americana percorreu um longo caminho. O que era uma Igreja conservadora no século XIX e princípios do século XX -embora, fato que se esquece, estivesse ao mesmo tempo junto ao povo em sua religiosidade tradicio-

132. DIAL 147,1984 p. 1; Sobre Santo Domingo, Porto Rico e os hispanos nos Estados Unidos, cf. MP, pp. 411 ss, 540ss.; Fronteras, ed. cit., pp. 339ss. 133. Práxis de los padres, pp. 518-528.

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nal, povo esse que resistia aos ataques do liberalismo secularizador e antipopular - começa a modernizar-se a partir de 1930. Estamodernização concretizou-seno modelo de "Nova Cristandade", através do qual a Igreja realizou a aliança com o Estado populista (exceto o México, por algum tempo), usando as suas mesmas táticas. Esta Igreja, renovada "para dentro" e defendendo os "seus direitos", pôde lançar-se (a partir de 1959) à renovação dos seus compromissos "para fora". Isto significou a crise do modelo de "Nova Cristandade" e os primeiros passos para uma "Igreja dos Pobres". A opção pelos pobres, pelo povo em si, tem como centro a II Conferência de Medellín (1968), certamente o ato eclesial mais importante do século XX cristão latino-americano. No entanto, no novo período (a partir de 1972) por um lado se recompõe o setor tradicionalista, conduzido por um grupo progressista e modernizador (a partir da assembléia do CELAM em Sucre), mas a Igreja, embora com contradições internas crescentes, consegue dar mais um passo. Agora é o próprio povo cristão que realiza sua protagonização. As Comunidades Eclesiais de Base - que o padre José Marins tanto incentivou - e a Teologia da Libertação (as primeiras como organização do povo em si e a outra como sua teoria cristã) são duas vertentes da vitalidade eclesial atual. Em setembro de 1984 134 descobre-se que agora talvez "tenha chegado a hora de uma responsabilidade missionária mundial". 134. No Encontro do Departamento de Missões do CELAM fala-se de responsabilidade latino-americana na África e Ásia, mas não mais referente ao envio de pessoal missionário, como era tradicional no passado, mas para compartilhar o "modelo" dc Igreja como serviço cri cristão no Terceiro Mundo (cf. Servir, 23,1983, pp. 1-19).

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ÍNDICE 5 Siglas e abreviaturas 9 Nota introdutória 11 I. A IGREJA NA ERA DOS POPULISMOS (1930-1959)

11 1. A Igreja na conjuntura mundial 13 2. As duas fases deste período 14 3. Os grandes desafios 17 4. A modernização do aparelho eclesial 20 5. A Igreja no Cone Sul 25 6. A Igreja na região de Bolívar 29 7. A Igreja no México e América Central 34 8. A Igreja no Caribe 38 9. Tensões no modelo de "Nova Cristandade"

39 II. RENOVACÃO DA IGREJA SOB 0 SIGNO

DE MEDELLÍN (1959-1972) 39 1. A Igreja na década do desenvolvimento e sua crise 40 2. Fases dos momentos colegiais 42 3. Os grandes desafios 44 4. Renovação das estruturas eclesiais 47 5. A Igreja perante a realidade do socialismo na América Latina 52 6. A Igreja perante o "desenvolvimentismo" do Cone Sul 58 7. A Igreja na área de Bolívar 62 8. A Igreja no México, América Central e Caribe 67 9. Do "desenvolvimento" à "libertação"

69 III. A IGREJA, OS REGIMES DE SEGURANÇA

NACIONAL E A REVOLUÇÃO CENTROAMERICANA (1972-1984)

69 1. A Igreja na conjuntura e as três fases 71 2. Os grandes desafios

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73 3. Crescimento da Igreja e tensões internas 74 4. Desdobramento da Teologia latino-americana 76 5. A Igreja perante os regimes de Segurança Nacional 83 6. A Igreja em situações de menos repressão 87 7. A Igreja na revolução da América Central e Caribe 95 8. A Igreja no Caribe 98 9. História de meio século da Igreja latino-americana

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A História da Igreja na América Latina - desde a década de 30 até a década de 80 - vem aqui tratada em três períodos, para tornar mais inteligível um processo bastante complexo que, embora apresente grandes diferenças nacio- nais, mantém certa hornogeneidade latino-americana. As principais vertentes históricas percorridas pela Igreja La-tino-americana, Portanto, vêm assim apresentadas: 1) A Igreja na era dos populismos (1930-1959); 2) Renovação da Igreja sob o signo de Medellín (1959-1972); 3) A Igreja, os regimes de segurança nacional e a revolução centro- americana (1972-1984).

Este texto nos permite uma boa retaguarda histórica da Igreja na América Latina para entrar no terceiro milênio já às portas, às vésperas da IV Conferência Episcopal Latino Americana (1992).

Enrique Dussel é licenciado em filosofia (Mendoza) e Teologia (Paris); doutorado em filosofia (Madri), história (Sorborme) e Teologia (Friburgo / Suíça). Professor de história da Igreja e de Teologia (ITES, México), de ética e filosofia política (UNAM, México). E presidente da Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina. Com vasta obra publicada, da qual destacase a série "Caminhos de Libertação Latino-Americana", editada em português por Paulus Editora.

ISBN 85-349-0380-8

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