HOHLFELDT, A. - Hipo-teses Contempora^neas de Pesquisa em Comunicac-a-o - OCR

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    5 . H I P T E S E S C O N T E M P O R N E A S D E P E S Q U I S A E M C O M U N I C A O

    Antonio Hohlfeldt

    Entre os anos 20 e 70, desenvolveram-se um sem-nmero de teorias ligadas aos processos de comunicao, e quepodem ser agrupadas, genericamente, em vrios blocos, comosugere Mauro Wolf1: teoria hipodrmica ou de manipulao,

    teorias empricas de campo e experimentais, tambm denominadas de persuaso, teoria funcionalista, teoria estrutura-lista, teoria crtica-mais conhecida como a Escola de Frankfurt, com todos os seus desdobramentos -, teorias culturol-gicas, cultural studies, teorias comunicativas (a teoria matemtica, a semitica em sentido estrito, devida a UmbertoEco, e as lingsticas), etc.

    Havia, de modo geral, um enorme fosso a separar esseconjunto de teorias em relao s suas fontes, os paradigmasnorte-americanos, essencialmente descritivistas e burocrticos, e os paradigmas europeus, essencialmente sociolgicosmas excessivamente ideolgicos, segundo seus crticos norte-americanos.

    Em ambos os casos, havia em comum o aspecto negativoque caracteriza toda e qualquer teoria: por ser um sistema fe

    * Doutor cm letras pela PUCRS, professor c coordenador do Programa de Ps-Graduao

    cm Comunicao Social da 1'AMHCOS/IUCRS.

    1. Mauro Wolf, Teorias da comunicao,Lisboa, Editorial Presena, 1992, p. 17s.

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    chado, ela excludente. Assim, assumir uma determinada linha de pesquisa significava, por conseqncia, eliminar todae qualquer outra alternativa.

    Foi ento que, a partir do final dos anos 60, concentrando-se nos anos 70, surgiram o que hoje se costuma denominar de communication research, nos Estados Unidos, atravsde diferentes pesquisadores que, no apenas se propunham aatuar em equipe, quanto buscavam o cruzamento das diferentes teorias e, muito especialmente, de mltiplas disciplinas, a fim de compreender o mais amplamente possvel aabrangncia do processo comunicacional.

    1. A hiptese de agenda ou agenda setting

    Foi o que aconteceu com o norte-americano MaxwellMcCombs ou a alem Elisabeth Noelle-Neumann, respons

    veis, respectivamente, por reas de pesquisa hoje mundialmente conhecidas como agenda setting e espiral do silncio,isso, para no esquecermos outros caminhos alternativos comoo chamado newsmaking que, na verdade, se no tem um autor especfico responsvel por seu desenvolvimento, nem

    por isso possui menor importncia no conjunto de estudosem torno da comunicao, tais como hoje em dia se desen

    volvem em todo o mundo.Vamo-nos ater a linhas de pesquisa denominadas agenda

    setting, newsmaking e espiral do silncio que, no Brasil, soas que tm encontrado maior repercusso, j alcanando alguns registros, quer em tradues, quer em obras que, baseadas nesta pesquisa, buscam desenvolver reflexes a respeito

    dos processos comunicacionais em nosso pas.A hiptese de agenda setting est bastante documentada

    em lngua portuguesa. Encontramo-la, alm do livro j mencionado de Mauro Wolf, cuja primeira edio de 1987,tambm na edio brasileira de Teorias da comunicao demassa, de Melvin L. De Fleur e Sandra Ball-Rokeach, refun-dio de uma obra original escrita pelo primeiro autor ape

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    nas, em anos anteriores2. Em pouco mais de uma pgina, DeFleur menciona a hiptese do agendamentoque a mdia realiza junto ao receptor, formulada a partir do final dos anos 60,

    pelos professores Maxwell E. McCombs e Donald L. Shaw.Comecemos por esclarecer por que falamos em hiptese

    e no em teoria, simplesmente. Ora, antes de mais nada, porque uma teoria, como enfatizei anteriormente, um paradigma fechado, um modo acabado e, neste sentido, infenso acomplementaes ou conjugaes, pela qual traduzimos umadeterminada realidade segundo um certo modelo. Uma hip-tese,ao contrrio, um sistema aberto, sempre inacabado, adverso ao conceito de erro caracterstico de uma teoria. Assim,a uma hiptese no se pode jamais agregar um adjetivo quecaracterize uma falha: uma hiptese sempre uma experincia, um caminho a ser comprovado e que, se eventualmenteno der certo naquela situao especfica, no invalida necessariamente a perspectiva terica. Pelo contrrio, levanta, automaticamente, o pressuposto alternativo de que uma outra variante, no presumida, cruzou pela hiptese emprica, fazendocom que, na experincia concretizada, ela no se confirmasse.Alis, pode-se tomar, na prpria aplicao da hiptese doagendamento, um estudo, hoje referencial, de Gladys EngelLang e Kurt Lang, que buscaram aplicar o princpio do agen-damento situao histrica do episdio de Watergate, nosEstados Unidos. A questo que os pesquisadores se colocavam era esta: se a hiptese de agendamento vivel, comoexplicar que, apesar de todo o conjunto de denncias desenvolvidas por The Washington Post, ao longo de 1972, o entoPresidente Richard Nixon chegasse a se reeleger com percentuais altamente significativos para sofrer um processo de im

    peachment pouco tempo depois, o que o levaria renncia, afim de no ser derrubado do poder pelo Congresso?3

    2. Mclfin L. Dc Flcur, Teorias de comunicao de massa, Rio dc Janeiro, Zahar, 1971.

    3. Gladys Lngcl Lang c Kurt Lang, "Walcrgalc - an cxploralion of tlic agenda-building

    process, in: G.C. Wilhoit c H. dc Bock (cds.), Mas.s Communication Review Yearbook 2,Bcvcrly Hills, Sagc, 1981, p. 447-468.

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    Os pressupostos da hiptese de agendamento so vrios,mas destaquemos alguns principais:

    a) o fluxo contnuo de informao verifica-se que o

    processo de informao e de comunicao no , como parecem pressupor as antigas teorias, um processo fechado. Naverdade, as teorias clssicas como que fazem um recorte,fragmentando a realidade, talvez com intuitos didticos, quanto aos processos comunicacionais. Da manh noite, contudo, sofremos verdadeira avalanche informacional que, namaioria das vezes, inclusive, nos leva ao conhecido processode entropia, ou seja, um excesso de informaes que, notrabalhadas devidamente pelo receptor, se perdem ou geramsituaes inusitadas como aquelas j flagradas no engraa-dssimo Samba do Crioulo doido de Stanislaw Ponte Preta.O que, na verdade, ocorre, que este fluxo contnuo informacional gera o que McCombs denominar de efeito de en-

    ciclopdia que pode ser inclusive concretamente provocadopela mdia, sempre que isso interesse, atravs de procedimentos tcnicos como o chamado box que revistas e jornaismuitas vezes estampam junto a uma grande reportagem, visando atualizar o leitor em torno de determinado fato. Namaioria dos casos, contudo, consciente ou inconscientemente, guardamos de maneira imperceptvel em nossa memria

    uma srie de informaes de que, repentinamente, lanamosmo. assim que se pode explicar, por exemplo, a reaoprovocada pela srie de episdios em torno do ex-PresidenteCollor de Melo, sem o qu, talvez, repetiramos a experincia de Watergate, sem termos jamais chegado cassao doantigo mandatrio nacional;

    b) os meios de comunicao, por conseqncia, influ-enciam sobre o receptor no a curto prazo, como boa partedas antigas teorias pressupunham, mas sim a mdio e lon-

    go prazos. Ou seja, mediante a observao de perodos detempo mais longos do que os habitualmente at ento configurados que podemos aquilatar, com maior preciso, os efeitos provocados pelos meios de comunicao. Mais que

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    isso, deve-se levar em conta no apenas o lapso ide tempoabrangido por uma determinada cobertura jornalstica quanto, muito especialmente, o tempo decorrido entre esta pu

    blicidade e a concretizao de seus efeitos em termos deuma ao conseqente por parte do receptor. Tome-se, porexemplo, o exemplo ainda recente da criao do Plano Reale o posterior lanamento do ex-Ministro do Planejamento,Fernando Henrique Cardoso, como candidato Presidnciada Repblica, com o resultado eleitoral que todos conhecemos: eriquanto que em maio daquele ano eleitoral Lus In

    cio Lula da Silva era considerado virtual candidaito preferencial^ com mais da metade das intenes de voto., em pouco mais de cinco meses revertia-se a situao, com a vitriade Fernando Henrique, em outubro, ainda em primeiro turno, o qtfe significava, em termos do sistema eleitoral brasileiro, ter alcanado mais que a metade dos votois vlidos

    para aquela eleio. Ora, evidente que houve um efeito de

    enciclopdia propositadamente buscado por parte; dos responsveis pela campanha de Fernando Henrique, vinculando o candidato nova moeda e a seu sucesso enquanto de-terminaidora do controle inflacionrio brasileiro, flum processo que, em mdio prazo (cinco meses), minou significa-tivamerite o discurso de oposio (independentemente deque se analise os equvocos de avaliao que apostaram no

    desastre do Plano ou na sua falncia ps-eleitoral);

    c) oS meios de comunicao, embora no sejam capazesde impr o qu pensar em relao a um determincdo tema,como desejava a teoria hipodrmica, so capazes de, a m-

    dio e longo prazos, influenciar sobre o qu pensar e falar, oque motiva o batismo desta hiptese de trabalho. Ou seja,

    dependendo dos assuntos que venham a ser abordados - agendados - pela mdia, o pblico termina, a mdio e longo prazos, pof inclu-los igualmente em suas preocupaes. Assim,a agenda da mdia de fato passa a se constituir tambm naagenda individual e mesmo na agenda social.

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    As bases tericas desta hiptese de pesquisa so bastanteantigas. Podemos base-las na obra de Gabriel Tarde sobre aopinio pblica4, se quisermos expandir um pouco mais a

    pesquisa fora das fronteiras norte-americanas, onde ela seestruturou, ou no livro de Walter Lippmann sobre o mesmotema5. Para Lippmann, nossa relao com a realidade no sed de maneira direta. Ou melhor, embora ela ocorra de mododireto, a percepo que dela temos no direta, mas sim mediada por imagens que formamos em nossa mente. Desta forma, percebemos a realidade no enquanto tal, mas sim en

    quanto a imaginamos.Ora, desde o sculo passado, graas, dentre outros, a Fer-

    dinand Tnnies6, conhecemos a diferena entre as chamadasGemeinschaften e as Gesellschaften, ou seja, sociedades comunitrias e sociedades annimas. As primeiras esto ligadas s civilizaes primitivas, em que as relaes se desen

    volvem de maneira direta, em que todos se conhecem entre sie em que todo o fluxo informacional absolutamente personalizado. Nas sociedades annimas, contudo, fruto da urbanizao, os processos de massificao se tornam necessrios, uma vez que a maioria dos integrantes de tais sociedades no podem ter acesso direto aos acontecimentos. Assim que surgem os chamados meios de comunicao de massa

    ou, como os americanos denominam, os mass media, constitudos pelos jornais, revistas, emissoras de rdios, cadeias deteleviso e, a cada dia mais, outras redes, dentre as quais,contemporaneamente, a Internet.

    Assim, numa sociedade urbana complexa, temos necessidade da mediao dos meios de comunicao: no podemos ser testemunhas oculares das decises do Palcio doPlanalto ou do Congresso Nacional, ainda que, eventualmen

    4. Gabriel Tarde,A opinio e as massas,So Paulo, Martins Fontes, 1992.

    5. Walter Lippmann,Public opinion,Nova Iorque, MacMillan, 1922.

    6. Fcrdinand Tnnies, Comunity anil society, East Lansing, Michigan State University

    Press, 1957 (edio alem original dc 1887).

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    TEMAS CAMPANHA CANDIDATOS

    PolticaInternacional Eleies Humphrey

    Legislao Eventos decampanha Muskie

    Poltica fiscal Anlise da campanha Nixon

    Bem-estar pblico Agnew

    Direitos civis Wallace

    Outros Lemay

    Igualmente tomou-se um critrio objetivo para a classificao das matrias divulgadas, de maneira a se ter um padrocomparativo entre os trs tipos de mdia, classificando-se asmatrias em maiores e menores, entendendo-se como maio-resaquelas que:

    a) nos jornais, aparecessem como chamada de capa(incluindo o lead, ou seja, todo o primeiro pargrafo da matria, com as questes iniciais do modelotradicional do jornalismo norte-americano traduzidas nos conhecidos five W), matrias com trs colunas nas pginas internas ou matrias em que pelo

    menos um mnimo de cinco pargrafos estivessemdestinados ao tema eleitoral;

    b) nas revistas, cobrissem pelo menos uma coluna deinformao ou que aparecessem com destaque noleadou abertura de alguma seo da revista;

    c) nas televises, alcanassem o tempo de pelo menos

    45 segundos ou estivessem entre as trs matrias dechamada da edio do noticirio daquela noite.

    ( evidente que estes critrios foram tomados a partirdos paradigmas do jornalismo norte-americano, mas comoo jornalismo brasileiro, desde a dccada de 50, inspira-seneste mesmo modelo, pode-se estend-lo igualmente como

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    paradigma para um eventual estudo brasileiro, sem maiores problemas.)

    Verificou-se, ento, que a mdia, de fato, havia> provo

    cado um forte impacto e influenciado significativamente oeleitor. A novidade, contudo, que, mais do que influenciaro eleitor (em princpio, o receptor que estava sendo pesquisado), verifcou-se que a mdia terminara por influenciartambm aos prprios candidatos, fazendo com que; muitosdeles inclussem em suas agendas temas que, inicialmente,no constavam das mesmas, mas que, ou por terem sido

    abordados por seus concorrentes, ou porque foram jagenda-dos pela mdia, terminaram por ser considerados pel&s agendas dos candidatos7.

    Persistiam, contudo, muitas dvidas para os pesquisadores, de forma que em 1972, quando da nova campanh a eleitoral, Maxwell McCombs aliou-se a Donald L. Shaw, para

    aprofundar o estudo. J ento, os dois pesquisadores haviampublicado um estudo preliminar8. O novo trabalho pretendiarefinar as hipteses levantadas e, para tanto, escolheu cincopontos de concentrao: a) definio do conceito; b) fontesde informao para a agenda pessoal; c) desenvolvimentotemporal como varivel maior; d) caractersticas pessoais doeleitor; e) poltica e agendamento.

    Desta vez, escolheu-se a localidade de Charlotte Ville,na Carolina do Norte, cidade situada a meio caminho entreWashington DC (a capital federal) e Atlanta, na Gergia,com 354 mil habitantes. Se Chapell Hill era uma cidade pequenina, conservadora e isolada cm si mesma, Charlotte eraexatamente o contrrio: ningum era dali originrio, pois se

    7. Pesquisa interessante pode ser feita a respeito da campanha eleitoral municipal

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    tratava de uma cidade em plena expanso, com verdadeiraexploso demogrfica. Os moradores isolavam-se na maioria dos casos em apartamentos, eram oriundos dos mais varia

    dos pontos do pas e isso se tomou inclusive um problemapara o desenvolvimento da pesquisa, porque, a partir dos 150mil eleitores, escolheu-se um conjunto de 380 deles para apesquisa. No entanto, tambm o prazo de acompanhamentodo trabalho foi ampliado, iniciando-se emjunho e terminando apenas em outubro, cobrindo, pois, quase cinco meses, oque resultou na perda de muitos dos primeiros pesquisados,

    chegando-se ao nmero mximo de apenas 230, porque boaparte destes 39% iniciais simplesmente foram-se mudandoda cidade no decorrer dos meses. Para equilibrar a questodos eleitores negros, que haviam ficado em desvantagemneste conjunto inicial de pesquisa, os cientistas agregaram41 novos pesquisados, dos quais 24 foram posteriormenteconsiderados, fechando-se o resultado final com um total de

    227 questionrios convalidados, a partir do mesmo critrio:apenas aqueles que de fato ainda se mantinham indecisosquanto ao candidato a ser escolhido, numa campanha forteem que Richard Nixon, concorrendo reeleio, tinha emGeorge McGovern seu principal adversrio.

    Quanto primeira questo, em torno da prpria concei-

    tuao da hiptese, verificou-se que, na medida em que acampanha avanava, a ateno dos eleitores amplia-se; maisque isso, os eleitores, atravs da mdia, passam a constituirum conjunto de informaes mais ou menos comuns entreesta audincia; esse conjunto de informaes produz a base

    para a formao de uma atitude ou uma mudana de atitudediante dos candidatos; por fim, esta atitude sociabilizase

    entre os diferentes membros de uma mesma comunidade. evidente que isso tem um forte reflexo para o resultado eleitoral final.

    Quanto questo envolvendo a formao das agendaspessoais c as diferentes influncias que cias sofrem (alm dainfluncia da mdia), verificou-se claramente a importncia

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    do chamado duplo fluxo informacional, j conhecido desdeas antigas teorias empricas experimentais dos anos 30, segundo as quais a maior parte das informaes no transita di

    retamente de uma mdia para o receptor, mas tambm mediada atravs dos chamados lderes de opinio, com os quaisestabelecemos relaes emocionais as mais variadas.

    tambm evidente que h maneiras diversas de encararuma mesma agenda, ou uma questo genrica pode receberconotaes muito particulares. Foi o que se descobriu, porexemplo, quando, esmiuando o tema Poltica internacional,

    que no tivera grande destaque na pesquisa anterior, desdo-brando-se o item em vrias questes mais particulares, deimediato a questo Guerra do Vietn, que era ento um temamomentoso (e do qual Nixon tratava de se livrar, urgentemente, quer para evitar o desastre de uma derrota, quer paracabalar votos, garantindo uma paz honrosa, iniciada comaquela famosa e inesperada primeira visita de um Presidente

    norte-americano China de Mao Ts-Tung, amplamente coberta pela mdia norte-americana, pouco antes de iniciada acampanha eleitoral) alcanou ndices extremamente significativos, pelo simples fato de que, como se verificava ento, oeleitor norte-americano no entendera a Guerra do Vietncomo um tema da Poltica Internacional, at porque, paraele, levando-se em conta que a maioria das famlias nor-

    te-americanas tinha algum em sua relao direta ou de amigos, como soldado na guerra, quando no ferido ou morto, o

    problema era diverso, talvez de Poltica interna, no mencionada na primeira pesquisa. Assim, os estudiosos deram-seconta de que a preciso de um questionrio pode evidenciar

    particularidades da agenda do receptor que questes maisgerais no deixam perceber.

    No que toca questo da seqncia temporal, levando-seem conta que o agendamento se d necessariamente no tem

    po, verificou-se que se estabelece uma verdadeira correlaoentre a agenda da mdia e a do receptor, mas tambm a agenda do receptor pode e acaba influenciando a agenda da m

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    dia. Mais do que isso, descobriu-se que tambm havia um in-teragendamento entre os diferentes tipos de mdia, chegando-se mesmo a perceber que a mdia impressa possui certa

    hierarquia sobre a mdia eletrnica, tanto no que toca aoagendamento do receptor em geral (pela sua maior permanncia e poder de introjeo atravs da leitura) quanto sobreas demais mdias (que, por sua vez, evidenciam maior dina-micidade e flexibilidade para expandir a informao e com

    plement-la). Estabelece-se, desta maneira, uma espcie desute sui generis, em que um tipo de mdia vai agendando o

    outro (lembremos o episdio Collor de Melo, em que as revistas IstoE e Veja terminaram por agendar literalmente astelevises e os jornais, ainda que tivessem apenas edies semanais, graas s entrevistas que alcanaram, com o motorista ou a secretria, capazes de trazer novos enfoques aotema. Por outro lado, no se pode esquecer, ainda no mesmoepisdio, que foi unnime a avaliao de tantos quantos

    acompanharam o caso que, no fosse a rndia nacional e oCongresso Nacional, jamais teria chegado deciso que tomou, tendo encerrado o caso bem antes de ter qualquer concluso sobre o assunto. Pode-se ainda relembrar episdio anterior que foi o agendamento, pela opinio pblica, da TVGlobo, quando da chamada Diretas J, em que aquela redetentou esquivar-se o quanto pde cobertura do evento, mas

    acabou rendendo-se presso do receptor e do restante damdia, com destaque ao jornal Folha de S. Paulo e ao noticirio noturno da TV Manchete).

    Quanto s caractersticas pessoais do receptor e formao dc uma agenda, tudo depende dos graus de percepo da relevncia ou importncia do tema, alm dos dife

    rentes nveis de necessidade de orientao que, em tornodaquele tema, observar o receptor. Assim, pode-se dizerque a percepo de relevncia poder ser alta, mdia ou baixa. Sendo baixa, evidentemente o receptor no demonstrarnenhum grau de interesse em adquirir qualquer tipo de informao em torno daquele tema. No entanto, se houver um

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    nviel mdio de relevncia ao assunto, haver, em conse-q-ncia, um interesse mnimo na aquisio de informaosobre tal acontecimento, ainda que seu reflexo em termosde agendamento seja, ainda, mnimo. O agendamento somente ocorrer de maneira eficiente quando houver um altonv

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    mdia, isto , as pessoas aumentam, no coiijunto de suas relaes sociais, as mais variadas, do crculo familiar aos amigosdo clube ou aos companheiros de trabalhe) ou escola, a troca

    de opinies e informaes, dinamizando o processo infor-macional-comunicacional.

    Conclui-se, assim, que a influncia dc> agendamento porparte da mdia depende, efetivamente, do grau de exposioa que o receptor esteja exposto, mas, mais que isso, do tipode mdia, do grau de relevncia e interesse que este receptorvenha a emprestar ao tema, a salincia que ele lhe reconhecer,sua necessidade de orientao ou sua falta de informao,ou, ainda, seu grau de incerteza, alm dos diferentes nveisde comunicao interpessoal que desenvolver.

    Por ser uma hiptese de trabalho, corno salientei, e nouma teoria fechada, diferentes experincias, extremamentericas, tm-se desenvolvido neste campo sempre aberto a es

    peculaes. A partir do livro que McComt>s e Shaw publicaram11, multiplicaram-se os estudos, quer por outros pesquisadores, quer pelos prprios pioneiros, corno o evidencia umtexto mais recente de Maxwell McCombs em que ele aprofunda questes como a explorao da informao, seus relatos, as imagens provocadas pela mdia e, enfirn, a criao da opinio pblica12. Por outro lado, novas hipteses de trabalho se

    desenvolveram complementarmente a esta. Por exemplo, aantes mencionada Elisabeth Noelle-Neuiriann, ao constituirsua hiptese da espiral de silncio, refere explicitamente ahiptese de agendamento na introduo dei seu estudo, alis,cujas pesquisas iniciaram contemporaneafnente ao trabalhodc McCombs13. No Brasil, Clvis de Barrds Filho tem sido o

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    11. Donald L. Shaw c Maxwell li. McCombs, The emergence ofomercan political issues:

    The ugenda-settingfunction oflhepress, Saint Paul, Minncsotta, West Publisliing Co., 1977.

    12. Maxwell McCombs, lidna liinsicdcl e David Wcavcr, ContemporalyPu^coP'n'on:lsslex and lhe news,Hillsdalc, Nova Jerscy, Lawrcncc Erlbaum Associates, Publishcrs, 1991.

    13. Hlisabelh Nocllc-Ncumann, Rclum Io lhe conccpt of powei ! mass media, comunicao apresentada no XXlh International Congrcss of Psychology. cm Tquio, cm agosto dc

    1972. Publicado posteriormente cmSludies of Broadcasting,9(1973).

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    principal divulgador desses estudos, inicialmente em algunspapefs isolados e agora em obra volumosa14, aluno que foido prprio autor desta pesquisa.

    ff alguns conceitos bsicos em tomo deste estudo que,para encerrar, quero repassar para o leitor:

    Acumulao - capacidade que a mdia tem de dar relevncia a um determinado tema, destacando-o doimenso conjunto de acontecimentos dirios que sero transformados posteriormente em notcia e, porconseqncia, em informao;

    Consonncia apesar de suas diferenas e especifici-dades, os mdias possuem traos em comum e semelhanas na maneira pela qual atuam na transformao do relato de um acontecimento que se tomanotcia. Conseqentemente, alguns princpios gerais

    podem ser aplicados, independentemente de suasidiossincrasias;

    Onipresena - um acontecimento que, transformadoem notcia, ultrapassa os espaos tradicionalmente aele determinados se toma onipresente. Por exemplo,quando a pgina policial acaba por se ocupar de umassunto desportivo (o recente episdio envolvendo acorrupo de juizes por dirigentes de futebol);

    Relevncia - ela avaliada pela consonncia do temanos diferentes mdias, ou seja, se um determinadoacontecimento acaba sendo noticiado por todos osdiferentes mdias, independentemente do enfoqueque lhe venha a ser dado, ele possui evidente relevncia;

    Frame temporal quadro de informaes que se forma ao longo de um determinado perodo de tempoda pesquisa e que nos permite a interpretao con-

    14. C|lv's Harros l:ilho, Etica na comunicao da informao ao receptor, So Paulo,

    Modc:ma l995-

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    textualizada do acontecimento; ele cobre todo o perodo de levantamento de dados das duas ou maisagendas (isto , a agenda da mdia e a agenda dos

    receptores, por exemplo);Timelag o intervalo decorrente entre o perodo de

    levantamento da agenda da mdia e a agenda do receptor, isto , como se pressupe a existncia de umefeito de influncia da mdia sobre o receptor, elano se d mgica e imediatamente, mas necessita deum certo tempo para se efetivar e ser constatvel. A

    este intervalo de tempo se denomina timelag;

    Centralidade capacidade que os mdias tm de colocar como algo importante determinado assunto,dando-lhe no apenas relevncia quanto hierarquiae significado. H muitos assuntos que so noticiados constantemente mas que no so conscientiza

    dos como centrais (isto , decisivos) para a nossavida, enquanto que outros assim se tornam. Porexemplo, a questo do Plano Real e a queda da inflao como um elemento alternativo de redistribui-o de riqueza;

    Tematizao - o procedimento implicitamente ligado centralidade, na medida em que se trata da ca

    pacidade de dar o destaque necessrio (sua formulao, a maneira pela qual o assunto exposto), demodo a chamar a^teno. Um dos desdobramentosda tematizao a chamada sute de uma matria,ou seja, os mltiplos desdobramentos que a informao vai recebendo, de maneira a manter presa aateno do receptor naquele assunto;

    Salincia - valorizao individual dada pelo receptor a um determinado assunto noticiado, que se traduz pela percepo que ele venha a emprestar opinio pblica;

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    Focalizao - a maneira pela qual a mdia aborda umdeterminado assunto, apoiando-o, contextualizan-do-o, assumindo determinada linguagem, tomando

    cuidados especiais para a sua editorao, inclusivemediante a utilizao de chamadas especiais, chapus, logotipias, etc.

    Por outro lado, da mesma forma com que a hiptese deagendamento pode ser articulada com as mais diferentes teorias no campo da comunicao social ou mesmo de outras reasdisciplinares, ela pode ser tambm combinada com as demais

    hipteses antes mencionadas. Por exemplo, se o agendamentose preocupa com a relao mdia-receptor e as interinflunciasdesse processo, poderemos aprofundar um estudo, atravs donewsmaking, verificando quais as rotinas que as mdias desenvolvem para alcanarem determinado agendamento. Ou,sob perspectiva diversa, a partir de uma perspectiva de agen-damento, buscar entender os mecanismos pelos quais houveuma espiral de silncio sobre outros tantos temas que, apesarde hipoteticamente significativos, foram marginalizados pelasmdias. Em sntese, as alternativas de trabalho so infinitamente mltiplas e, tambm neste caminho, alguns de nossosalunos tm-se ensaiado, com bons resultados.

    2. A hiptese de newsmaking

    Outra perspectiva importante foi a do newsmaking, corretamente destacado por Mauro Wolf como um estudo ligado sociologia das profisses, no caso, o jornalismo. E, portanto,mais uma teoria do jornalismo do que propriamente da comunicao, mas tem sido estudada genericamente sob a perspec

    tiva comunicacional, c vamos aqui manter esta tradio.A hiptese de newsmaking d especial nfase produo

    de informaes, ou melhor, potencial transformao dosacontecimentos cotidianos em notcia. Deste modo, especialmente sobre o emissor, 110 caso o profissional da informao, visto enquanto intermedirio entre o acontecimento e

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    sua narratividade, que a notcia, que est centrada a atenodestes estudos, que incluem sobremodo o relacionamentoentre fontes primeiras e jornalistas, bem como as diferentes

    etapas da produo informacional, seja ao nvel da captaoda informao, seja em seu tratamento e edio e, enfim, emsua distribuio.

    No horizonte do newsmaking se colocam, dentre os vrios temas possveis, os conhecidos estudos sobre gatekee

    ping ou filtragem da informao, que se distingue totalmenteda censura, por sua perspectiva distinta da ideologia e mais

    vinculada s rotinas de produo da informao, verificveis, assim, tanto entre a mdia capitalista quanto na socialista, por exemplo.

    Na verdade, os estudos em tomo do newsmaking - queem uma traduo livre seria os fazedores de notcia ou acriao da notcia surgiram exatamente em tomo dos pro

    cessos de gatekeeping verificados por Kurt Lewin j em194715. Naquela ocasio, estudando o fluxo informativo deum importante rgo de imprensa norte-americano, na relao entre a chegada de notcias pelos telexesda poca e a utilizao daquelas mesmas informaes na edio posterior do

    jornal, Lewin levantou a seguinte estatstica: de 1333 negativas de publicao:

    - 800 deixaram de ser editadas por alegada falta de es-pao;

    - 300 por pretensa sobreposio de tema ou falta deinteresse junto ao pblico;

    - 200 por falta de qualidade do material enviado;

    - 33 por constiturem infonnaes situadas em reasdemasiadamente distantes dos campos de interessedos leitores mais tradicionais do jornal.

    15. Kurt l.cwin, Tronticrs in group dynamics II: Channels ofgroup life - social planning

    and action research, in: lluman Relations, 1947, vol. 1, n"2, p. 143-153, citado por MauroWolf, op. cit.,p. 159.

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    Lewin concluiu na poca que, de cada dez notas de telexchegados quela redao, apenas uma era transformada efetivamente em notcia na edio seguinte.

    Estabeleceu-se, assim, o conceito de que existem normasprofissionais que superariam distores subjetivas na seleo das informaes, mas descobriu-se, ao mesmo tempo, quea seletividade infonnacional no acontecia apenas na redao do jornal. Caberia, portanto, tentar verificar onde maisesta interferncia - esta filtragem - se dava, bem como omodo pelo qual ela ocorria.

    Algumas pesquisas feitas entre profissionais indicavamque a recusa ou aceitao de um acontecimento enquanto notcia dependeria muito de uma espcie de conceito difuso doque seja a informao entenda-se, a informao considerada de interesse jornalstico - vigente entre os profissionais.As referncias implcitas dos profissionais pesquisados aosgrupos de colegas e ao sistema de fontes foram dois dos ele

    mentos mais presentes nestas pesquisas, ultrapassando emmuito qualquer preocupao ou referncia ao pblico, ao leitor que seria, em ltima instncia, enquanto receptor, o verdadeiro motivo daquela atividade profissional.

    As primeiras concluses admitiram, ento, que os processos de comunicao tm em si mesmos uma funo decontrole social desenvolvido a partir do estabelecimento de

    prticas socializadas entre seus profissionais, os jornalistas.A funo de gatekeeping, por seu lado, dependeria de urnagama de perspectivas e influncias, dentre as quais as maiscomuns seriam:

    - a autoridade institucional e suas eventuais sanes;

    - sentimentos de fidelidade e estima para com os

    superiores;

    - aspiraes mobilidade social da parte do profissional;

    - ausncia de fidelidade de grupo contrapostas;

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    - carter agradvel do trabalho;

    - o fato de a notcia ter-se transformado em valor16.

    O gatekeeping constituir-se-ia, portanto, em uma distoro involuntria - na medida em que no se trata de uma interveno consciente, sensorial - da informao, devida aomodo pelo qual se organiza, institucionaliza e desenvolve afuno jornalstica, as chamadas estruturas inferenciais, queno significam manipulao, pura e simplesmente, eis queno so distores deliberadas, mas involuntrias, inconsci

    entes, que podem chegar, por isso mesmo, a nveis bem maisradicais e perigosos, na medida em que omitem ou marginalizam acontecimentos que, por vezes, poderiam ser efetivamente importantes e significativos ao menos para determinadas coletividades.

    Tais distores, por conseqncia, somar-se-iam a outrasmotivaes para que se buscasse compreender a influnciados processos informacionais de largo ou longo prazo, eis quea omisso constante, ou, ao contrrio, a nfase permanente emdeterminados temas, chegaria a interferir diretamente na percepo do mundo externo por parte dos receptores.

    Considerar-se-ia, deste modo, haver uma lgica espec-fica dos meios de comunicao de massa, que escapa aos di

    tames e interesses do receptor, que se expressam nas exigncias de produo e expresso informacional, graas criaode uma espcie de atmosfera e um conjunto de interexpecta-tivas profissionais que predetermina o contexto de interpretao e valorizao dos fatos.

    De modo geral, as pesquisas no campo do newsmakingexigem a chamada pesquisa participante, ou seja, o pesquisador junta-se equipe pesquisada mas no faz parte dela pro

    priamente, pois ali se encontra provisoriamente, o tempo ne

    A n t o n i o H o h l fe l d t

    16. Todos os profissionais dc imprensa conlicccm ainda as velhas expresses noticia 500,

    por exemplo, indicando alguma daquelas matrias feitas por encomenda, especialmente doDepartamento Comercial ou da direo da publicao...

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    cessrio para desenvolver seus estudos, sob pena de tambmenvolver-se com os valores do grupo estudado. Os dados socolhidos por observao sistemtica e diretamente pelo pes

    quisador junto aos pesquisados, quer verbalizando e conscientizando as prticas observadas j no momento em que elasocorrem, levando pesquisador e pesquisado a um debate e auma conscientizao, quer apenas observando e registrandoos procedimentos, sem neles interferir diretamente.

    O convvio com os pesquisados fundamental, porqueleva familiarizao com o grupo e s rotinas ali desenvolvi

    das, numa perspectiva de naturalidade, at o momento em que,tendo-se identificado plenamente com o grupo, deve distanciar-se do mesmo para poder manter o esprito observador ecrtico sobre tais prticas, descrevendo-as, analisando-as eeventualmente criticando-as, na constituio do que se poderia denominar de uma etnografia da comunicao.

    Em anos posteriores, os estudos sobre o newsmaking levaram ao agrupamento das diferentes rotinas e causas moti-vacionais para as mesmas em dois grandes blocos: a) a cultura profissional dos jornalistas, genericamente considerada e

    b) a organizao especfica do trabalho e dos processos produtivos da informao, em suas relaes e conexes, consideradas em cada veculo em especial.

    De modo geral, admite-se que os meios de comunicaode massa devem: a) tornar possvel o reconhecimento de umfato desconhecido como algo notvel de ser noticiado; b) ela

    borar relatos capazes de retirar do acontecimento seu nvelde particularidade (idiossincrtico), tornando-o generaliz-vel (contextualizado); c) organizar temporal e espacialmen-te este conjunto de tarefas transformadoras, de modo que os

    eventos noticiados fluam e possam ser explorados racionale planificadamente.

    A cultura profissional, nesta perspectiva, um emaranhado dc retricas e tticas, cdigos, esteretipos c smbolos relativos aos meios de comunicao de massa, que criam e man-

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    acontecimentos sobre os quais, de fato. nem o profissionalnem o rgo de comunicao tem efetivamente qualquercontrole;

    e) qualidade o material disponvel deve ter um mnimode qualidade tcnica compatvel com o veculo em que sertransmitido. Isso vale quanto ao ritmo narrativo, ao equilbrio da ao dramtica apresentada, quele conjunto de informaes disponveis, s caractersticas do som, da imagem,do foco, clareza de linguagem, etc.;

    f) equilbrio (balance) - semelhantemente ao item da categoria anterior, mais restritivo e tem a ver apenas comaquela determinada edio que deve ser igualmente equilibrada em relao ao conjunto de informaes, mesclandoadequadamente diferentes temas, da poltica economia, aolazer, ao cotidiano, ao internacional e ao local, etc.

    3) categorias relativas aos meios de informao - tm aver com a quantidade de tempo usado para a veiculao dainformao. Depende menos do assunto e mais do como a informao veiculada:

    a) bom material visual x texto verbal deve haver umequilbrio entre ambos os aspectos, quer na imprensa, quer

    nos meios eletrnicos: um bom texto com imagens ruins temmenor interesse do que se houver texto e imagens condizentes, etc.;

    b) freqncia a acessibilidade fonte ou ao local doacontecimento pressupe a possibilidade da continuidadedaquela cobertura e, por conseguinte, o planejamento da utilizao daquelas informaes e sua distribuio pelos diferentes espaos ou edies. No caso das empresas que atuamcomo grandes redes, mantendo diferentes veculos como jornais, revistas semanais, emissoras de rdio e canais de televiso, alm do noticirio on line da Internet, hoje em dia, estacategoria ganhou enorme importncia;

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    c) formato h uma formatao prvia a que deve atender a narrativa jornalstica, com sua introduo, desdobramento e concluso ou projeo de desdobramento. Cada ve

    culo estabelece caractersticas especficas para sua narrabili-dade, constantes quase sempre dos manuais de redao quedevem ser seguidos pelos profissionais e que pr-delimitamo modo pelo qual a informao ser relatada.

    4) categorias relativas ao pblico - referem-se imagemque o profissional ou o veculo possuem de seus receptores e

    o modo pelo qual se preocupam em (bem) atend-lo. Na verdade, pesquisas evidenciam que o jornalista conhece muitomal o seu pblico. Mais que isso, o profissional em geral sesente auto-suficiente e imagina que seu interesse informar,indiferentemente ao interesse do pblico sobre o qu desejaser informado. Por isso, este aspecto dos mais polmicos emais desconhecidos ainda:

    a) estrutura narrativa a narrativa deve ter clareza parao receptor, de modo a: 1) permitir a plena identificao dos

    personagens envolvidos e do fato narrado; 2) atender ao interesse de informaes de servio (do tipo quais os serviosque funcionam em um feriado, etc.); 3) o conjunto de informaes de fait divers que servem para distrao e entreteni

    mento do receptor;b) protetividade evita-se noticiar o que pode criar trau

    mas, pnico ou ansiedade desnecessria ou inconseqente,como, por exemplo, acidentes sem detalhes, catstrofes naturais, pestes, etc.;

    5) categorias relativas concorrncia - os meios dc comunicao, enquanto empresas, concorrem entre si e buscamsaber, antecipadamente, qual a pauta de seu concorrente,com a qual buscam competir ou qual tentam neutralizar:

    a) exclusividadeoufuro- cada veculo busca ser o nicoou o primeiro a narrar determinado acontecimento ou, aomenos, detalhes e desdobramentos do mesmo;

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    b) gerao de expectativas recprocas - uma deciso importante sobre a publicao ou no de determinado fato podeser decidida sobre a expectativa de que o veculo concorrente

    tambm ir (ou no) divulgar aquele mesmo fato;c) desencorajamento sobre inovaes os veculos mais

    tradicionais relutam em narrar acontecimentos que venham aatingir ou contestar os valores pressupostos de seus leitores,desenvolvendo-se, assim, um conservadorismo de contedoque tambm pode ser formal, quando os veculos relutam empromover mudanas substanciais em seus aspectos grficosgerais;

    d) estabelecimento de padres profissionais, ou de mo-delos referenciais os novos profissionais tendem a copiaros comportamentos dos mais velhos, do mesmo modo quenovos veculos tomam como referncia os veculos mais tradicionais, ainda que seja para combat-los.

    A produo de informao jornalstica importa em trsdiferentes fases, que podem ser assim caracterizadas:

    a) recolha ou captao de informaes, que depender defontes variadas, agncias noticiosas ou agendas de servio;

    b) seleo de informaes, dentre aquelas todas dispon

    veis;c) apresentao ou edio (editing);

    a que eu acrescentaria uma outra:

    d) distribuio, que implica na seleo daquilo que vaiser mais ou menos distribudo, atingindo a todos os veculosvinculados a uma determinada agncia ou s a alguns deles.

    A recolha ou captao de informaes sofreu forte modificao ao longo da histria do jornalismo. Antigamente,dizia-se que o jornalista saa caa de informaes e a figura do enviado especial e, sobretudo, do correspondente de

    guerra contribua para uma certa viso mtica do jornalismo,

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    aventuresco e audacioso. Hoje em dia, de modo geral, a informao chega redao sem maior esforo do profissionalque deve, sobretudo, distinguir e selecionar do conjunto

    aquele rol de informaes a serem transformadas efetivamente em noticirio. Tecnologias como o telefone ajudarammuito a estas modificaes. De modo geral, por meio deum telefone, efetivamente, e de um telefone celular, hoje emdia, que o jornalista constri sua matria. De outro lado, odepartamento de pesquisas de um jornal ganhou importncia. O agendamento de um tema, a busca do efeito de enci-

    clopdia dependem fundamentalmente do departamento depesquisa, que atualiza e, sobretudo, relaciona acontecimentos e temas.

    A posse de um conjunto significativo de informaes,alm do mais, pode ser trabalhado editorialmente mediante a

    fragmentao da informao, que permite a atrao da aten

    o do leitor dirio atravs da manchete sensacionalista.A questo do relacionamento da fonte, institucional ou in

    dividual, com o profissional da informao, tem sido constantemente questionada. A agenda de um jornalista extremamente valorizada - alis, o seu acesso a determinadas fontesdetermina sua contratao. Hoje, veculos exigem que a agenda seja propriedade do veculo e no do profissional... O acesso fonte determina a informao em ojfc a possibilidade deo profissional ou o rgo de comunicao antecipar informaes com uma certa margem de segurana aos informantes eaos prprios profissionais e veculos. No entanto, esta prticatem sido questionada sob a perspectiva da tica jornalstica,

    porque assim como um profissional desenvolve uma prtica

    de informao em ojf dependendo da confiabilidade que tenha da fonte, uma fonte poder manipular o profissional,plantando determinada informao que lhe interesse, atravsdo ojf em situaes-limite como disputas poltico-partidrias,mercados de capital, etc. Alm do mais, o jornalista fica de-

    pendente da fonle, de modo que passa a haver uma relatividade em toda a informao que venha a ser por ele divulgada,

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    sendo difcil distinguir entre aquelas que interessam, de fato,ao receptor ou, ao contrrio, ao jornalista ou ao pblico. Issose aplica, especialmente, aos colunistas, como se depreende

    da leitura cotidiana destes profissionais19

    .Seja como for, costuma-se distinguir entre fontes insti-

    tucionais e oficiosas, no que tange ao relacionamento comas instituies de administrao pblica ou empresarial. Afonte ou agncia institucional aquela que fala formal e legalmente em nome de algum ou alguma instituio, enquanto que a fonte oficiosa em geral aquela que no gosta

    ria de ser identificada e que, embora integrante da estruturaadministrativa, dela pode vir a discordar, fazendo vazar umainformao que pode chegar a gerar constrangimento junto autoridade.

    Quanto prtica de fornecimento de informaes, as fontes podem ser ativas ou passivas. As ativas so aquelas que

    tomam a iniciativa da informao, e a se distinguem, dentreoutras, as chamadas ONGs. H, alis, estudos interessantes arespeito deste tipo de organizao que, embora considerepreconceituosamente os profissionais da comunicao, nodeixam de busc-los em sua tentativa de tornar pblicos suasavaliaes, seus posicionamentos e suas aes. As fontes

    passivas so aquelas que se manifestam apenas quando pro

    curadas ou provocadas.Quanto continuidade de suas atividades, as fontes po

    dem ainda ser classificadas enquanto provisrias e estveis.Fontes provisrias so aquelas que se constituem diante deum fato ou acontecimento isolado. Por exemplo, um incndio em um prdio pode transformar o porteiro em uma fonte

    provisria. A fonte permanente, contudo, aquela a que recorre o profissional ou o rgo de comunicao, sempre quenecessite, segundo determinado tipo de informao ou tema.

    A n t o n i o H o h l f e l d t

    19. Ver, a propsito, John L. Hultcng, Os desafios chi comunicao: problemas ticos, Floria

    npolis, EDUI-SC, 1978, cm cspccial o captulo 6, intitulado: Os reprteres c suas fontes.

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    Enfim, quanto localizao espacial, que interfere emseu funcionamento e no peso e importncia de suas informaes, temos as fontes centrais, constitudas por aqueles que

    integram os grandes centros de deciso ou as agncias situadas nos grandes centros globalizados de hoje em dia; as fontes territoriais ou regionais, que se situam em territrios provisoriamente importantes diante do desdobramento de determinados acontecimentos: por exemplo, o Mercosul, ou oMercado Europeu, etc. E, enfim, as fontes de base, que soaquelas particulares, ou relativas a eventos e episdios, porexemplo, boa parte das ONGs que atuam em certos camposespecficos de informao, como a resistncia ecolgica doGreen Peace, etc.

    H um evidente e perigoso relacionamento entre fontes ejornalistas que tem sido motivo constante de debates, sobretudo no campo da tica profissional. Nem por isso tem sido

    diminuda a relao entre tais profissionais ou organismos etais fontes, at porque atravs delas, sobretudo, que flui omaior conjunto e informaes do jornalismo internacional.O risco de se dar vazo ao boato ou informao plantada enorme, mas tais riscos fazem parte, naturalmente, do prprio fluxo informacional caracterstico do processo da infor-

    90mao jornalstica .

    Por fim, ecoando alguns estudos que a hiptese de agendamento tem esboado, pode-se sugerir uma espcie de hierarquia entre os meios de comunicao. De modo geral, a televiso e o jornal ouvem o rdio; mas a televiso e o rdiolem o jornal. Ou seja, h um relacionamento permanente ealternativo entre os diferentes veculos, de modo que o fluxo

    informacional , ao mesmo tempo, constante, e alternada

    20. dc sc observar, por outro lado, que nem sempre as relaes entre jornalistas e fontes

    primrias, como as ONGs, so necessariamente tranqilas. Mais que isso, uma pesquisacvidcncia que tanto estas fontes quanto os jornalistas desconfiam uns dos outros c os jul

    gam negativamente, segundo seus prprios parmetros, ainda que necessitem manter este relacionamento. Veja-se Walter Gieber, Two communicators of tlic ncws: a study of tlic

    roles of sourees and reporters, in:Social Forces,vol. 39, outubro dc 1960, p. 76-83.

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    mente qualificado de modo diverso, conforme as caractersticas de cada veculo e suas potencialidades de atualizaoinformativa.

    H, por certo, outras categorias de seleo de captaoinformacional, do mesmo modo que h outras categorias potenciais quanto s fontes de informao. Enfim, poder-se-iaainda aprofundar as questes vinculadas editorao e distribuio informacionais, mas elas sero sempre menores que as de captao, at porque, dependendo do ponto de

    vista do debate, elas podem ser deslocadas para aquela primeira categoria que , por isso mesmo, a mais discutida, estudada e valorizada.

    Um campo ainda em construo, enfim, mas de extremaimportncia na rea, o da editorao ou editing, porqueabrange a descontextualizao e recontextualizao da informao, tema que tem sido crescentemente questionado.

    Nesta perspectiva, questiona-se tanto a chamada dramatiza-o da notcia quanto a highlighting, ou seja, a iluminaoou processo de seleo informacional, que leva em conta todas aquelas categorias de noticiabilidade antes examinadas.Por fim, vale ainda relembrar a imagem que o profissionaltem do prprio receptor ou de si prprio. E interessante ob

    servar como os profissionais da comunicao distinguem-sedos demais trabalhadores, enquanto uma categoria parte,superior e diferenciada, por exemplo, em uma greve.

    Por outro lado, o jornalista s vezes sente-se tutor e pedagogo, como em momentos em que uma sociedade enfrenteuma ditadura - caso do Brasil dos anos 70, por exemplo - ousituaes em que os meios de comunicao tm, no apenas

    denunciado, mas promovido e julgado o processo. Agindodessa forma, ele tem quase sempre condenado as personalidades pblicas eventualmente envolvidas em questes polmicas da administrao, em flagrante desacordo com as decises judiciais posteriores; casos em que autoridades condenadas pela Imprensa foram posteriormente absolvidas pelo

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    Judicirio porque, contra elas, no se levantaram quaisquerdados concretos, a no ser ilaes e suposies de responsa

    bilidade. evidente que, neste caso, o jornalista depender

    muito de sua credibilidade, valendo ento lembrar conhecido estudo sobre o tema21.

    Em sntese, a perspectiva do newsmaking evidencia umaespcie de auto-suficincia do jornalismo, em que o processo comunicacional se coloca com absoluta autonomia em relao s demais categorias sociais, o que, sabidamente,

    equivocado. Por outro lado, do ponto de vista da teoria da comunicao, a hiptese de estudo importante porque ajuda aentendermos o modo pelo qual a informao flui, neste caso,de uma fonte primeira para o intermedirio ou mediador, que o jornalista - profissional da informao - e deste at o receptor final. A perspectiva das chamadas teorias empricas,em especial aquelas de campo, j levavam em conta, de certo

    modo, tais perspectivas, ao chamarem a ateno para o fatode que o processo informacional, mais do que uma relaoequilibrada entre emissor e receptor, ampliava-se, a partir doemissor primeiro, em uma srie de receptores transformados, por seu lado, em tantos mais emissores segundos e terceiros, e assim sucessivamente. Mais que isso, ao chamar aateno para o fato de que um receptor no dispe unicamente de uma s fonte, sublinhava-se o papel dos diferentes veculos de comunicao e sua evidente e lgica competio

    por chamar a ateno e o consumo do receptor, na medidaem que, constitudos enquanto empresas, dependem destaconsumao para sobreviverem no mercado comunicacional. Vale a pena, por isso mesmo, a leitura de um recente li

    vro de Alfredo Eurico Vizeu Pereira Jr.22

    .

    H i p t e s e s c o n t e m p o r n e a s d e p e s q u i s a e m c o m u n i c a o

    21. Carl Hovland, Irving L. Joncs c Harold H. Kelly, Communication andpersuasion, New

    Havcn, Yalc Univcrsity, 1953, cap. 2: Crcdibility of tlic commmiicator", p. 19-55.

    22. Alfredo Eurico Vizeu Pereira Jr., Decidindo o que noticia. Porto Alegre, ED1PUCRS,2000.

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    3. A perspectiva da espiral de silncio

    Uma das mais importantes e curiosas linhas do chamado

    campo das pesquisas em comunicao tem sido desenvolvida, desde 1972, pela alem Elisabeth Noelle-Neumann. Nascida em 1916, Noelle-Neumann especializou-se em demos-copia, em 1940. A demoscopia um termo ainda no dicio-narizado, salvo em obras especializadas. Trata-se de uma palavra composta: demos (povo) + copia (translado literal), oque significa pesquisar a opinio do pblico para tom-la co

    nhecida. Dito de outra forma, a demoscopia a pesquisa deopinio pblica sob organizao cientfica.

    Forada a exilar-se da Alemanha pelos nazistas, Noel-le-Neumann retornaria depois da guerra e, com o maridoErich Peter Neumann, fundou o Instituto de Demoscopia

    23Allensbach, que dirige at hoje, com a Dra. Renate Kcher .O Instituto possui, atualmente, 90 empregados, tendo realizado, no correr dos anos, cerca de oitenta mil entrevistas paramais de cem diferentes pesquisas. Suas principais teorias esto desenvolvidas no livro A espiral do silncio Opinio

    pblica: nossa pele social, publicado nos Estados Unidosem 198424.

    A primeira vez em que se falou a respeito foi em 1972.

    Noelle-Neumann participava do XXth International Con-gress of Psychology, em Tquio, apresentando um paper denominado Return to theconceptofpowerfulmassmedia'5. Apesquisadora comeava a chamar a ateno para o poder quea mdia possua, muito especialmente a televiso, para influirsobre o contedo do pensamento dos receptores. Revisavaela, desta maneira, as teses ento correntes de que a mdia afe

    A n t o n i o H o h l f e ld t

    23. Janct Schayan, Elisabeth Nocllc-Ncumann: a Unio Huropcia c um caso dc sorte para

    a Alemanha, in: llamboldt,Berlim.

    24. Elisabeth Nocllc-Ncumann, La espiral dei silencio - Opinin pblica: Nuestra piei so

    cial,Barcelona, laids, 1995.

    25. Elisabeth Nocllc-Ncumann, Rctum to thc concept of powerful mass media, in: Studi-

    es of Broadcasting9 (1973), p. 67-112.

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    tava apenas parcialmente o pblico, contrapondo que, naverdade, haveria uma tendncia dos jornalistas em produzirem o que ela denominava ento de uma consonncia irreal

    quando relatam os acontecimentos.

    Partindo do conceito de percepo seletiva e retomandoo de acumulao provocada pela mdia, conceito alis que aento ainda recente hiptese de agenda setting havia colocado em circulao, Noelle-Neumann destacava a onipresenada mdia como eficiente modificadora e formadora de opinio

    a respeito da realidade.Sua ateno para o fato fora provocada um pouco casual

    mente, ao observar diferentes pesquisas que se acumulavamnos arquivos do Instituto Allensbach. Ela se dava conta deque, a uma mesma indagao periodicamente feita aos alemes sobre si mesmos e sua auto-imagem, as respostas vinham se deteriorando dc ano para ano. Objetivamente, a per

    gunta era: De modo geral, que qualidades positivas voc di-ria serem as dos alemes? Pesquisas iniciadas em julho de1952 e que culminaram em junho de 1976 evidenciavam quea resposta No conheo boas qualidades nos alemes crescera assustadoramente, evidenciando uma auto-imagem e,conseqentemente, uma auto-estima decrescente entre os germnicos: de 96% dos pesquisados que reconheciam terem osalemes boas qualidades, em julho de 1952, cara-se para80% em maio de 1972 e chegara-se a 86% cm junho de 1976.Paralelamente, a mesma pergunta feita a jornalistas alemes,por amostragem, no vero de 1976, atingira a mdia de 78%de respostas positivas, apenas. Quanto viso negativa, subira de 4%, em julho de 1952, para 20% em maio de 1972 e

    baixara para 14% em junho de 1976, ficando cm 22% no vero do mesmo ano, a mdia da mesma resposta quando entreos jornalistas.

    Noelle-Neumann buscou ento pesquisar os programastelevisivos deste mesmo perodo, e descobriu algo surpreendente: das 39 menes ao carter alemo feitas generalizada-

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    mente nos diferentes programas, 32 eram negativas; da mesma forma, ampliando a pesquisa a toda a mdia alem, elachegou a um total de 82 referncias, sendo 51 delas negati

    vas e apenas 31 positivas.A pesquisadora passou a intuir que a influncia da mdia

    sobre o receptor no seria, portanto, assim to tnue. Pelocontrrio, o efeito de acumulao, levantado pela hiptesede agenda setting, poderia ter outros resultados: era bem maisforte a influncia da mdia sobre o pblico do que se poderiaimaginar, ainda que no se quisesse cair na antiga perspectiva da teoria hipodrmica26. Esta influncia, ao contrrio doque se dissera nas ltimas dcadas, no se limitava apenas ao

    sobre o qu pensar ou opinar, como afirmava a hiptese deagenda,mas tambm atingiria o qu pensar ou dizer.

    Elisabeth Noelle-Neumann, contudo, no estava interessada em apenas evidenciar os resultados. Ela queria, na ver

    dade, saber como se chegava a tais resultados que as pesquisas mostravam. Assim, se ela chamava a ateno para o fatode uma possvel conexo entre a mdia e a mudana de opi-nio, na verdade queria entender como esse processo se dava,e para isso retomou boa parte dos estudos que giravam emtorno da opinio pblica, e passou a desenvolver um sem-nmero de pesquisas sobre temas os mais variados27.

    Entre 1966 e 1967, por exemplo, promoveu uma pesquisa em tomo da influncia que a aquisio e entronizao da

    26. A teoria hipodrmica dos anos 20 afirmava o absoluto poder da mdia sobre o receptor,

    concebido como vtima indefesa dc toda c qualquer mensagem emitida por alguma fonte,

    lista teoria considerava o conceito dc massa informe c indefesa, oriunda sobretudo das ex

    perincias da Ia Grande Guerra c dos sistemas polticos autoritrios ento vigentes. Esquerda c direita visualizavam esta perspectiva, ainda que sob angules c motivos diversos: para a esquerda, era importante acreditar 110 poder absoluto das fontes, diante da teoria do papel dc

    vanguarda que as lideranas partidrias deveriam desenvolver perante a massa. Quanto dircila, era uma boa desculpa para desqualificar o pblico, considerado anonimamente, jus

    tificando os sistemas ditatoriais c as prticas sensoriais.

    27. Hlisabetli Noelle-Neumann, Mass media and social cliangc in dcvelopcd societies",

    in: E. Katz c T. Szccsko (org.), Mass media and social change, Hcvcrly Mills, Sagc, 1981,

    p. 137-165.

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    televiso, em lares em que at ento esta mdia no estiveradisponvel, provocara.

    Ela notou, por exemplo, que o interesse pela poltica crescera de 36% para 44% entre aqueles que haviam adquirido ateleviso, mas, em compensao, as conversas entre maridoe mulher, em casa, a respeito do emprego daquele, haviam sereduzido, a despeito da diferente percepo de tal fenmeno,entre os maridos e as esposas. Enquanto os maridos mostravam no ter-se apercebido disso (40% antes de possurem ateleviso e 39% aps), as mulheres indicaram percentuais de54% antes da televiso e 46% aps a presena da mdia emsuas casas.

    Entre aquele primeiro enfoque de 1972 e o de 1979,Noelle-Neumann enfatizava algumas questes: a discusso sobre os mtodos de pesquisa em torno da influncia da mdiasobre os receptores precisava ser reaberta; mais do que traba

    lhar a questo da percepo seletiva que at ento se desenvolvera, Noelle-Neumann dava-se conta de que, na verdade,a influncia da mdia dependia sobretudo da caractersticada audincia ou do receptor, na medida em que a consonn-cia provocada, consciente ou inconscientemente, pela mdia,acabava por dificultar a prtica de tal seleo. A pesquisadora terminava, ento, por relativizar o conceito mais clssico

    de opinio pblica enquanto a mdia de opinies veiculadasnum determinado grupo social, buscando historiar a evoluo desse conceito e re-situ-lo diante de suas pesquisas.

    A noo de opinio extremamente antiga c se inicioucom Plato - para quem a dxa era a maneira primria de conhecimento. Mas, a partir desta, Clvis dc Barros Filho clas

    sifica como indiretas e diretas as diferentes fontes levantadas por Noelle-Neumann para a sua conceituao revisionista de opinio pblica2*.

    28. Clvis liarros Filho, Etica na comunicao - da informao ao receptor, So Paulo,Moderna, 1995, p. 207-227.

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    Entre as fontes indiretas, ele coloca pensadores comoRousseau, Locke, Hume e Madison. Cada qual, em determinado momento, levantou uma questo que, na combinao

    dos conceitos buscados por Noelle-Neumann, terminou porcontribuir para a constituio de sua hiptese de trabalho.Poderamos completar, citando Aristteles, Hobbes, os federalistas norte-americanos e, mais recentemente, de GabrielTarde e Gustave le Bon a Ortega y Gasset e Stuart Mill.

    Jean-Jacques Rousseau o primeiro filsofo a valer-seconceitualmente do termo opinio pblica. Para ele, o Estado se estrutura em trs tipos de leis: o direito pblico, o privado e o civil. Mas reconhece que

    alm dessas trs classes de leis h uma quarta, a mais importante, que no est gravada em mrmore e bronze esim no corao dos cidados; uma verdadeira constituio do Estado cuja fora se renova a cada dia, que d

    vida s outras leis e as substitui quando envelhecem oudesaparecem (...) Refiro-me moral, aos costumes e, sobretudo, opinio pblica29.

    Um intrprete da hiptese da espiral do silncio, comodenomina Noelle-Neumann a sua conceituao, explica que,para Rousseau, a opinio pblica representa uma transaoentre o consenso social e as convices individuais30.

    Bem antes de Rousseau, John Locke, no Ensaio sobre oentendimento humano, de 1671, tambm abordara a mesmaquesto:

    H que distinguir trs tipos de leis, diz Locke. A primeira, a lei divina; a segunda, a lei civil; c a terceira, a lei davirtude e do vcio, da opinio ou da reputao ou - Locke

    emprega o termo indistintamente - a lei da moda. Eprossegue a autora na citao: Para compreend-la corretamente, h que se levar cm conta que, quando os ho

    29. Op.

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    mens se unem em sociedades polticas, ainda que entreguem ao pblico a disposio sobre toda a sua fora, demodo que no possam empreg-la contra nenhum concidado alm do que permita a lei de seu pas, conservam

    sem dvida o poder de pensar bem ou mal, de aprovar oucensurar as aes dos que vivem e mantm alguma relao com eles '.

    Clvis de Barros Filho destaca, por sua vez, uma outrapassagem significativa:

    Quanto aos castigos conseqentes das leis do Estado,

    criam-se iluses com a esperana da impunidade. Masningum que atente contra a moda e a opinio das com

    panhias que freqenta se livra do castigo da censura e dodesagrado desta (p. 218).

    Para Locke, assim, deve haver um consenso tcito e se-cretoentre os cidados e a sociedade de que fazem parte.

    Outro pensador que se preocupa com o tema DavidHume. Em seu Tratado da natureza humana (1739), Humerecolhe as idias de Locke e as transfere para uma teoria doEstado. Ele reitera o princpio de que a sociedade, ainda querenunciando ao uso da fora bruta, no entrega sua capacidade de aprovar ou desaprovar algo e como as pessoas tendemnaturalmente a prestar ateno s opinies e a amoldarse

    s opinies do meio, a opinio essencial para os assuntosdo Estado. O poder concentrado de opinies semelhantesmantidas por pessoas particulares produz um consenso queconstitui a base real de qualquer governo, explica Noelle-Neumann (p. 103). No por acaso, o captulo em que eledesenvolve o conceito de opinio pblica se denomina Doamor fama, em que reconhece ser o espao pblico a arenana qual se reconhecem os logros e que, por isso, o governo

    s se baseia na opinio, o que tomar-se-ia doutrina fundamental para os pais da ptria norte-americana, dentre os

    31. Elisabclh Nocllc-Ncumann,La espiral dei silencio, op. cit.,p. 98.

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    quais James Madison, conforme se l em seu O federalista(1788):

    Se bem pode ser correto que todo o governo se baseie na

    opinio, no o menos que o poder da opinio sobrecada indivduo e sua influncia prtica sobre sua conduta depende em grande medida do nmero de pessoas queele acredita tenham compartilhado da mesma opinio. Arazo humana , como o prprio homem, tmida e precavida quando se a deixa sozinha. E adquire fortaleza econfiana em proporo ao nmero de pessoas com asquais est associada.

    Alexis de Tocqueville, segundo Clvis de Barros Filho,seria a fonte direta dos estudos de Elisabeth Noelle-Neumann. Trata-se do primeiro estudioso a aperceber-se plenamente da fora da opinio pblica e da maneira pela qual elafunciona. Por isso, a ensasta alem faz longas transcriesde seu livro A democracia na Amrica, de 1835-1840, em

    que o pensador francs, de certo modo, alcana uma sntesedo que j se dissera anteriormente, ao mesmo tempo em queaprofunda aquelas perspectivas:

    Quando as classes sociais so desiguais e os homens diferentes uns dos outros cm sua condio, h alguns indivduos que dispem do poder de uma maior inteligncia,saber e ilustrao, enquanto que a multido est mergulhada na ignorncia e no preconceito. Os homens que vivem nestas pocas aristocrticas so por isso induzidosnaturalmente a configurar suas opinies segundo o modelo dc uma pessoa superior, ou de uma classe superiordc pessoas, e se opem a reconhecera infalibilidade damassa do povo. Nas pocas dc igualdade succde o contrrio. Quanto mais se aproximam os cidados ao nvel

    comum de uma posio igualitria e semelhante, tantomenos disposto est cada um a ter uma f absoluta emum determinado homem ou em uma classe determinadade homens. Mas sua inclinao a crer na multido aumenta, c a opinio mais que nunca dona do mundo...Em perodos de igualdade, os homens no tm f nos ou

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    tros devido sua semelhana; mas essa mesma semelhana lhes d uma confiana quase ilimitada no juzocomum do povo. Porque pareceria provvel que, comotodos contam com os mesmos elementos de juzo, a

    maior verdade deveria ser a da maioria (p. 124).

    Outra passagem significativa de Tocqueville aquela emque o pensador europeu aborda a sensao de solido que invade o homem em meio massa:

    Quando o habitante de um pas democrtico se comparaindividualmente com todos os que o rodeiam, sente com

    orgulho que igual a todos eles. Mas quando considera atotalidade dc seus iguais e se compara com um conjuntoto grande, sente-sc imediatamente abrumado pela sensao dc sua prpria insignificncia c debilidade. A mesma igualdade que o indepcndentiza dc cada um de seusconcidados, tomados cm conjunto, expc-no sozinho einerme influncia da maioria (...) Sempre que as circunstncias sociais so igualitrias, a opinio pblica

    pressiona as mentes dos indivduos com uma fora enorme. Rodeia-os, dirige-os c os oprime. E isto sc devemuito mais prpria constituio da sociedade que ssuas leis politicas. Quanto mais sc paream os homens,mais dbil se torna cada um deles cm comparao comtodos os demais. Como no pcrccbe nada que o eleveconsideravclmcntc por cima ou o distinga dclcs, perde a

    confiana cm si mesmo quando o atacam. No apenasdesconfia dc sua fora, como inclusive duvida dc seu direito. E se acha muito prximo dc rcconhcccr estar equivocado quando a maioria dc seus compatriotas afirmaque o esteja.

    Dando um salto no tempo, chegamos ao ano de 1922,quando o norte-americano Walter Lippmann publica Publicopinion32. Segundo ele, as pessoas avaliam a realidade externa enquanto imagens pintadas em seus crebros que raramente correspondem ao que a realidade efetivamente . Para

    32. Walter Lippmann,Public opiniun,Nova Iorque, The Frce Press, 1922.

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    Lippmann, de qualquer forma, essas imagens vo-se tomando, com o passar do tempo, cada vez mais estabelecidas, es-tandardizadas, ou seja, esteretipos, o que N. Luhmann vai

    explicar como o resultado da economia entre a percepo ea tcnica de sua comunicao que se traduz enquanto a busca de reduo da complexidade [da realidade].

    Para Lippmann, assim, a opinio pblica seria a mdiadas opinies circundantes em uma determinada sociedade,num momento determinado.

    Poucos anos antes, o francs Gabriel Tarde escrevera Lepublic et la foule33, em que mostrava a necessidade que os seres humanos sentem de mostrar-se em pblico num comportamento de acordo com o dos demais. Explicava-se, assim, atendncia aos comportamentos massificadores, propiciadosno apenas pelo anonimato que o indivduo experimenta quando em meio multido, quanto por se sentir, de certo modo,

    pressionado a comportar-se de tal maneira e. ao mesmo tempo, protegido em meio massa. Gabriel Tarde preocupava-secom esse anonimato massificador e chegava a considerar o

    jornal como o grande responsvel por uma espcie de solidoem meio multido que caracterizaria nosso sculo:

    A partir destas multides dispersas, era contacto ntimo,ainda que distante, por sua conscincia da simultaneida-

    dc c da interao criadas pela notcia, o jornal criar umamultido imensa, abstrata e soberana, a que sc chamaropinio. O jornal completou assim a obra ancestral iniciada pela conversao, estendida pela correspondncia,mas que sempre permaneceu em um estado de esboodisperso e insinuado: a fuso das opinies pessoais nasopinies locais, e destas na opinio nacional c mundial,a grandiosa unificao da mente pblica... este um poder enorme que s pode aumentar, porque a necessidadedc estar de acordo com a opinio faz-se mais forte c irresistvel medida que o pblico se torna mais numeroso,

    33. Gabriel Tarde, O pblico c a multido, in: La Rvue de Paris, Paris, 1898, vol. 4. No

    Brasil, h traduo pela editora Martins Fontes, 1992.

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    a opinio mais imponente e a necessidade se satisfazmais amiudadamente.

    Retomemos agora, depois desta excurso histrica, aosparmetros e conceitos levantados e estabelecidos pela prpria Elisabeth Noelle-Neumann.

    Sua pesquisa indicou que as pessoas so influenciadasno apenas pelo que as outras dizem mas pelo que as pessoas imaginam que os outros poderiam dizer. Ela sugeriuque, sc um indivduo imagina que sua opinio poderia estar em minoria ou poderia ser recebida com desdm, essapessoa estaria menos propensa a express-la.34

    Isso porque, segundo ela, para o indivduo, o noisolamento em si mesmo mais importante que seu nojulgamento. Parece ser esta a condio da vida humana em socie-

    dade; caso contrrio, no ser concretizada uma integraosuficiente (p. 118). Para Noelle-Neumann, alm do medo ao

    isolamento, funciona ainda a dvida sobre a capacidade dejulgamento que o indivduo tem sobre si mesmo e que o torna vulnervel opinio dos demais, em especial no caso depertencer a algum grupo social, que pode punilo por ir almda linha autorizada.

    Esta perspectiva deriva de estudos desenvolvidos por Solo-

    mon Asch35

    sobre isolamento e conformidade social, mostrando que as pessoas, em sua maioria, amoldam-se ao quepensam ser a tendncia de pensamento da maioria das pessoas que as rodeiam. Isso permitiu a Elisabeth Noelle-Neu-mann desenvolver dois conceitos que, a partir de 1972, caracterizariam sua hiptese da espiral de silncio', o de climade opinioe o da prpria espiral de silncio.

    Em seu livro posteriormente publicado, Noelle-Neu-mann conta o encontro que tivera com uma amiga que carre

    34. Michael W. Singlclary c Gcrakl Stonc, Communication theorycQResearch application.

    35. Solomon Asch, Effccts of group pressure upon lhe modification and distortion of jud-gements", in: Groups, Leadership and Men, Pittsburg, Camcgic, 1951.

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    gava um cartaz favorvel Ostpolitik do governo alemo deento. A pesquisadora expressa sua surpresa amiga, afirmando desconhecer que ela fosse partidria dos cristos-de-

    mocratas, ao que a amiga respondera dizendo que no o era,mas que carregava o cartaz apenas para ver o que aconteceria. Algumas horas depois, as duas voltaram a encontrar-se, ea amiga j no levava mais o cartaz. Indagada sobre seus motivos, sintetizou ter sido horrvel tudo aquilo. Noelle-Neumann analisa ento o acontecimento, mostrando que os defensores da Ostpolitik estavam efetivamente convencidos do

    acerto daquela poltica e expressavam-se forte e livremente aseu favor. Os que, ao contrrio, rechaavam aquela opiniono o faziam com a mesma confiana e assim foram se sentindo mais e mais marginalizados e rechaados. Essa reaoprovocou uma inibio crescente medida em que a opiniofavorvel Ostpolitik encontrava amparo nos mdia alemese, assim, parecia crescer mais e mais esta opinio favorvel,

    obrigando os seus antagonistas a se calarem. Num movimento de espiral crescente, a defesa da Ostpolitik acabou efetivamente se afirmando e o governo encontrou apoio real suficiente para implant-la e desenvolv-la. Em conseqncia, aseleies que se seguem do a vitria ao partido cristo-de-mocrata, ainda que isso no estivesse claramente indicadono incio da campanha eleitoral, quando ambos os partidos

    encontravam-se equilibrados nas pesquisas. E que, no fundo,havia o que Noelle-Neumann vai denominar de clima de opi-nio favorvel Ostpolitik e, conseqentemente, ao partidoque a defendera.

    Para Elisabeth Noelle-Neumann, o ponto central de todaa sua hiptese a capacidade que ela reconhece nas pessoasde perceberem o que por ela denominado de clima de opi-

    nio, independentemente do que essas pessoas sintam. Assim,ao perceberem - ou imaginarem - que a maioria das pessoas

    pensa diferentemente delas, essas pessoas acabam, num primeiro momento, por se calarem e, posteriormente, a adaptarem, ainda que muitas vezes apenas verbalmente, suas opinies s dos que elas imaginam ser a maioria. Em conse

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    qncia, aquela opinio que, talvez de incio, no fosse efetivamente a maioria, acaba por tomar-se a opinio majoritria,na medida em que se expressa num crescente movimento de

    verbalizao, angariando prestgio e alcanando a adesodos indecisos.

    Esta perspectiva explicaria o porqu da importncia daspesquisas de opinio para uma campanha poltica e o quantoelas podem ser decisivas se seus resultados forem publicadosno prprio dia da eleio, sobretudo se houver um aparenteempate tcnico entre os dois principais candidatos: medir o

    clima de opinio, isto , saber o que os eleitores imaginamque ser o resultado, independentemente de seu prprio voto,

    pode ser um modo eficiente de intervir no resultado final, namedida em que termina por sugerir que um candidato venhaa ganhar e, por conseqncia, que os eleitores indecisos votem nele, para fugir ao isolamento da opinio. Muitas vezes,at mesmo eleitores potenciais do candidato contrrio aca

    bam, ltima hora, tambm mudando seu voto.

    Assim, para Elisabeth Noelle-Neumann, a opinio pblica na verdade a opinio da maioria que pode c chega a seexpressar livremente, na medida em que tenha acesso aosmeios de comunicao. Dito de outro modo, a opinio pblica um processo de interao entre as atitudes individuais e

    as crenas individuais sobre a opinio da maioria. Pela in-fluncia provocada na audincia pelos mass media chegase confluncia do que seja a opinio majoritria36. Expresses como Zeitgeist ou spiritus loci traduziriam, filosoficamente, esta realidade, ligando-as, conseqentemente, aos processos dc opinio pblica.

    A influncia que exerce sobre os indivduos aquilo que

    eles imaginam ser o pensamento dos demais realiza-se nummovimento constante, no tempo, ascensional, a que Noelle-Neumann vai denominar de espiral do silncio porquetender a ampliar-se, crescendo medida mesmo que faz

    36. Elisabeth Nocllc-Ncumann,Relurn Io lhe concept ofpoweifull mass media, op. cit.,p. 87.

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    com que os demais que eventualmente se lhe oponham silenciem ou sejam silenciados. Assim, uma determinada opinioque, num primeiro momento, ainda que parecesse ser a ma

    joritria, fosse na verdade minoritria, se percebida enquanto majoritria, tende a efetivar-se como tal, vencendo aseventuais barreiras, graas tendncia sua verbalizao eexpresso que ocorrer de modo crescente no meio social,como que numa espcie de amparo mtuo entre aqueles quea defendem e aqueles que imaginam que tal posicionamento, de modo efetivo, majoritrio.

    Para que isso seja possvel, porm, deve ocorrer o que N.Luhmann denomina de tematizao, conceito que a hiptesede agenda setting incorporou a seu arsenal e motivo peloqual Noelle-Neumann apela constantemente quela hiptese

    para basear seus estudos: a tematizao a colocao na pauta da ateno do pblico receptor de um determinado tema,com todas as suas variantes e desdobramentos, dando-lhe

    uma aura de importncia e urgncia . Uma das hiptesesevidenciadas por essas pesquisas a de que os defensores da

    faco vencedora de opinio so unificados e confidentes,enquanto que os aderentes da faco perdedora esto isola-

    dos em suas perspectivas e, eventualmente, resignados (p. 9),processo a que James Bryce denomina de fatalismo da multido3S. Em conseqncia, os defensores de pontos de vista

    que julgam ser minoria no meio social mostram claramenteuma tendncia a guardar sua opinio para eles mesmos, sema expressarem.

    Assim, em 1972, na sua comunicao de Tquio, Elisabeth Noelle-Neumann conclua:

    A tese de que os mdia no modificam atitudes mas ape

    nas reforam-nas no pode ser sustentada sob determi

    37. Niklas Luhmann, Politische plammg. ufstze zur Sociologie von Politik itnd Verwal-

    lung, Opladcn, Wcstdcutschcr Vcrlag, 1971, p. 9-34, apudElisabeth Nocllc-Ncumann, Re-

    turn Io llie concept oj powerful mass media, op. cit.,p. 92.

    38. James Brycc, The american commonweallh,Nova Iorque, 1924, vol. I c 2.

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    nadas condies de consonncia e acumulao. Nossaspesquisas indicam isso. verdade que existe uma tendncia a proteger as atitudes atravs da seleo percepti-

    va. Mas at mesmo a percepo seletiva est se tomandorestrita - pela consonncia das reportagens e dos editoriais, reforados pela acumulao das peridicas repeties da mdia - a maioria das atitudes pode ser influenciada ou moldada pela mdia. Os processos individuaisde formao da opinio so ento reforados pelas observaes individuais do meio ambiente social. Ns entendemos que as concepes sobre quais opinies so

    dominantes em um determinado meio, ou quais opiniespodem tomar-se dominantes neste meio, esto sendo influenciadas pelos mdia. Este processo, digo, mais pronunciado que muita gente admite (p. 109).

    Em 1979, Noelle-Neumann voltou a publicar novo ensaio, onde, depois de revisar os conceitos expressos em

    1972, apresentava uma srie de pesquisas desenvolvidaspelo Instituto Allensbach que confirmavam sua tese39. Elainsistia numa possvel conexo entre a mdia e as mudanasde opinio (p. 143), na medida em que a mdia pode ser umagente de mudana em condies especficas em que a mdiaalcance consonncia e as polticas governamentais influen-

    ciem a populao naquela mesma direo (p. 144). Chegava

    ela, assim, a formular um novo conceito de opinio pblica,qual seja: a conexo da controvrsia, que algum ca-

    paz de expressar sem o risco do autoisolamento que temduas fontes: os mdia e a observao imediata do meio am-

    biente, do que as outras pessoas pensam e do que elas ex-

    pressam em pblico(p. 146).

    Admitia ela, contudo, neste estudo, no saber o impactoque resulta de uma corrente constante de informaes que amdia desenvolve junto ao receptor, mas antecipava os eventuais riscos democracia que tal possibilidade poderia ter.

    39. Elisabeth Nocllc-Ncumann, Mass media and social change in developed Socielies, op.

    cil.,nota 4.

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    Em 1980 e 1984, respectivamente na Alemanha e nosEstados Unidos, Elisabeth Noelle-Neumann veio a publicaro livro que combinava e desenvolvia todos os seus estudos

    at ento, A espiral do silncio Opinio pblica: nossapele sociale onde propunha uma teoria da opinio pblica:

    era previsvel que a teoria da espiral do silncio no fosse recebida como um progresso para uma teoria da opinio pblica quando se a apresentou pela primeira vez(...) Nessa teoria no havia lugar para o cidado informado e responsvel, o ideal em que se baseia a teoria demo

    crtica. A teoria democrtica bsica no leva em conta omedo do governo e do indivduo opinio pblica. Ateoria democrtica no trata temas como a natureza social do homem, a psicologia social ou a origem da coeso social (p. 256-257).

    Referindo algumas experincias recentes, posteriores aseu livro, Noelle-Neumann, contudo, reafirma a base de suateoria, e insiste sobre a necessidade de se conhecer as condi-es necessrias para o estudo emprico da opinio pblica,incluindo alguns questionamentos bsicos:

    1. h que determinar a distribuio da opinio pblicasobre um tema dado com os mtodos pertinentes de

    pesquisa representativa;

    2. h que avaliar o clima de opinio, a opinio individual sobre: o que pensa a maioria das pessoas?,porque isso mostra muitas vezes um panorama completamente novo;

    3. como acreditam as pessoas que vai evoluir um temacontrovertido? Que grupo vai adquirir fora, qual

    vai perder terreno?

    4. h que medir a disposio a expressar-se sobre umdeterminado tema, ou a tendncia a permanecer calado, especialmente em pblico;

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    5. possui o tema em questo um forte componenteemocional ou moral? Sem esse componente no h

    presso da opinio pblica e, portanto, no h espi

    ral de silncio;6. que posio adotam os meios de comunicao ante

    esse tema? A que grupo apiam os meios influentes? Os meios so uma das fontes de que procede aavaliao que as pessoas fazem do clima de opinio.Os meios influentes emprestam palavras e argumentos aos outros jornalistas e aos que esto de

    acordo com eles, influenciando assim no processode opinio pblica e na tendncia a expressar-se ouficar calado (p. 258).

    Os pressupostos que sustentam sua teoria, sintetiza ela,so:

    1. a sociedade ameaa os indivduos desviados com o

    isolamento;2. os indivduos experimentam um contnuo medo ao

    isolamento;

    3. este medo ao isolamento faz com que os indivduostentem avaliar continuamente o clima de opinio;

    4. os resultados dessa avaliao influem no comportamento em pblico, especialmente na expresso p

    blica ou no ocultamento das opinies (p. 260).

    Para Elisabeth Noelle-Neumann, assim, a opinio pblica no apenas uma funo manifesta, segundo a categoriade Charles Wright, mas antes de tudo umafuno latente, oque significa a necessidade e a importncia de que seja medi

    da enquanto processo e no depois que se manifeste atravsde acontecimentos. Essa uma questo extremamente pertinente no caso das pesquisas eleitorais, porque a aceitao daimportncia do clima de opinio pode projetar, com correo, a tendncia do eleitorado, levando um determinado candidato vitria. No por um acaso, alguns dos institutos que

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    atuam no Brasil comeam a incluir, como questionamentofina