Homem Pré Historico 1 .FR11

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  • 2. COMO O HOMEM SE DESENVOLVEU DE ALGUMAS FORMAS INFERIORES

    Variabilidade do corpo e da mente humana Herana Causas da variabilidade Identidade das leis da variabilidade no homem e nos animais inferiores Ao direta das condies de vida Efeitos do uso aumentado e do no-uso das partes Sustao do desenvolvimento Reverso Variao correlativa Velocidade de aumento Freios do aumento Seleo natural O homem, animal dominador do mundo Importncia da sua estrutura fsica > As causas que o levaram a ficar ereto Conseqentes mudanas de estrutura Diminuio das dimenses dos dentes caninos Aumento das dimenses e alteraes da estrutura do crnio Nudez

    Ausncia de cauda Condio indefesa do homem.

    fato evidente que atualm ente o homem est sujeito a uma grande variabilidade: dois indivduos da mesma raa no so mais com pletam ente semelhantes e milhes de fisionomias, com paradas entre si, sero sem pre diferentes. Existe uma notvel diferena nas propores e nas dimenses das vrias partes do corpo e um dos pontos que parece variar mais o com prim ento das pernas (1). Em bora em algumas partes do mundo prevalea o crnio alongado e em outras o curto, existe um a grande diferena nas dimenses tam bm no m bito da m esm a raa, como entre os aborgenes da Amrica e da Austrlia meridional esta ltim a raa provavelmente to pura e homognea em sangue, costumes e lngua como nenhum a outra" e tam bm entre os habitantes de um a superfcie to lim itada como as ilhas Sanduche (2). Um em inente dentista me garante que nos dentes

    1) Investigations in Military and Anthropolg. Statistics of American Soldiers, de B. A. Gould, 1869, pg. 256.

    2) Para as formas cranianas dos aborgenes americanos, cfr. o Dr. Aitken Meigs, em Proc. Acad. Nat. Sei., Filadlfia, maio de 1868. Para os australianos, cfr. Huxley, em Antiquity of Man, de Lyell, 1863, pg. 87. Para os habitantes das ilhas Sanduche, o prof. J. Wyman, Observations on Crania, Boston, 1868, pg. 18.

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  • existe quase a mesma diferena que na fisionomia. As principais artrias seguem um percurso to freqentem ente anormal que, para fins cirrgicos, se julgou til calcular a freqncia de cada percurso sobre 1040 corpos (3). Os msculos variam consideravelmente: O prof. Turner descobriu (4) que os msculos dos ps no so perfeitam ente semelhantes em dois corpos, dentre cinqenta; e em alguns as diferenas eram considerveis. Ele acrescenta que a capacidade de executar movimentos apropriados deve ser m odificada segundo as diversas anomalias. J. Wood lem brou (5) que se constataram 295 variaes m usculares em trin ta e seis sujeitos e em outro grupo do mesmo nm ero no menos do que 558 variaes, embora tenha considerado como um a nica variao aquelas que se encontram em ambos os lados do corpo. No ltim o grupo de trin ta e seis corpos no foi encontrado nenhum corpo que no se distanciasse com pletam ente dos modelos descritos do sistema m uscular relatados nos textos anatm icos. Um nico corpo apresentava o nmero extraordinrio de vinte e cinco anomalias diversas. O mesmo msculo s vezes varia de diversos modos: o prof. M acalister descreve no menos de vinte variaes distintas no palmarius accessorius (6).

    O velho e ilustre anatom ista Wollf (7) sustenta que as partes internas so mais variveis do que as externas: nulla partcula est quae non aliter et aliter in aliis se habeat homi- nibus ( = No existe nenhum a partcula que no seja diversa (das outras) e que no seja diferente daquelas correspondentes dos outros hom ens). Chegou at a escrever um tra ta do sobre a escolha dos exemplos tpicos de rgos internos como representativos- Um debate sobre a beleza ideal do fgado, dos pulmes, dos rins, etc. como do vulto divino do homem soa estranho aos nossos ouvidos.

    A variabilidade ou a diversidade das faculdades mentais dos homens da mesma raa, para no falar das diferenas bem maiores entre os homens de raas diversas, to conhecida que no seria necessrio acrescentar ou tra coisa. A mesma coisa vale para os animais inferiores. Todos aqueles que tm cuidado de animais em gaiola adm item isto e ns observamos a mesma coisa claram ente nos nossos ces e nos outros ani.

    3) Anatomy of the Arteries, de R. Quain, prefcio para o I Volume, 1844.

    4) Transact. Royal Soc. Edinburgh, vol. XXIV, pgs. 175, 189.5) Proc. Royal Soc., 1867, pg. 544, tambm de 1868, pgs. 483, 524.

    Existe um trabalho anterior de 1866, pg. 229.6) Proc. R. Irish Academy, vol. X, 1868, pg. 141.7) Act. Acad. St. Petersburg, 1778, parte II, pg. 217.

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  • mais domsticos. Brehm em particu lar defende que cada um dos smios por ele m antidos em cativeiro na frica tinha a sua inclinao particu lar e tem peram ento e lem bra um babuno que se notabilizava por sua excepcional inteligncia. Os guardas do jard im zoolgico cham aram m inha ateno para um smio do Novo Mundo de inteligncia notvel. Tambm Rengger insiste na diferena dos vrios caracteres m entais nos smios da mesma espcie por ele capturados no Paraguai e ^acrescenta que tal diferena em parte inata e em parte resulta da m aneira como foram criados e educados (8).

    Em outro lugar (9) discuti com bastante profundidade o assunto da hereditariedade, pelo que agora no creio necessrio acrescentar alguma coisa mais. Quanto transm isso, seja dos mais irrelevantes como dos mais im portantes caracteres, no caso do homem tem sido recolhido um nm ero de dados m aior do que para qualquer outro anim al inferior, embora os dados sejam bastante copiosos tam bm para estes ltimos. Assim, no que toca as faculdades m entais, a sua transmisso se m anifesta nos ces, nos cavalos e nos outros animais domsticos. Ademais, seguram ente se transm item gostos e hbitos particulares, a inteligncia em geral, a coragem, o bom e o m au tem peram ento, etc. Com o homem assistimos a fatos semelhantes em quase toda famlia; e agora, graas s notveis obras de Galton (10), sabemos que o gnio, que compreende um a combinao extraordinariam ente complexa de faculdades elevadas, tende a ser hereditrio; por outro lado igualmente certo que a loucura e as deficincias psquicas se transm item nas famlias.

    No que diz respeito s causas da variabilidade em todos os casos somos ainda m uito ignorantes, mas podemos ver que tanto no homem como nos animais inferiores estas causas esto de qualquer modo em relao com as condies a que cada espcie tem ficado exposta no decurso de m ltiplas geraes. Os animais domsticos variam m uito mais do que aqueles em estado selvagem. Aparentemente isto se deve natureza diversa e mutvel das condies a que estiveram sujeitos. Sob este ponto de vista as diversas raas hum anas se assemelham aos anim ais domsticos e a mesma coisa vale para os indivduos da mesma raa que cubram um a rea mui-

    8) Brehm, Thierleben, pgs. 58, 87. Rengger, Sugethiere von Para- guay, pg. 57.

    9) Variations of Animais and Plants under Domestication, vol. II, cap. XII.

    10) Hereditary Genius: and Inquiry into its Laws and Consequen- ces, 1869.

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  • to extensa como aquela da Amrica. Nas naes mais civilizadas sofremos a influncia das diversas condies: com efeito, os indivduos que pertencem a diversas classes sociais e que se dedicam a diversas ocupaes apresentam um a srie m aior de caractersticas do que aqueles de naes brbaras. Mas a uniform idade dos selvagens tem sido exagerada com demasiada freqncia, enquanto que em alguns casos difcil sustentar que exista (11). No obstante um erro falar do homem, ainda que considerando som ente as condies a que foi exposto, como do animal "de h m uito tempo mais domesticado (12) do que qualquer outro- Muitas raas selvagens, como os australianos, no esto sujeitas a condies maiormente diversas do que o so m uitas espcies largamente extensas. O homem difere com pletam ente de qualquer outro animal estritam ente domstico sob um outro e m uito mais im portante aspecto: na realidade a sua reproduo nunca tem sido controlada por uma seleo tanto casual como metdica. Nenhuma raa ou grupo de homens tem sido completamente subjugado por outros homens a tal ponto que alguns indivduos fossem preservados e por conseguinte inconscientemente selecionados, enquanto de algum modo teis aos seus dominadores. Tampouco certas mulheres e machos tm sido intencionalmente escolhidos e acasalados, com exceo do caso bem conhecido dos granadeiros prussianos; e, como era de se esperar, neste caso o homem obedecia lei da seleo metdica; com efeito, dizia-se que nas aldeias habitadas pelos granadeiros e por suas altas esposas se havia desenvolvido um tipo de homem m uito alto. Tambm em Esparta se seguia um a espcie de seleo, razo por que estava sancionado em lei que todas as crianas deveriam ser sum ariam ente examinadas por ocasio do nascimento, a fim de salvar aquelas bem conformadas e robustas e deixar m orrer as outras (13).

    11) Bates (The Naturalist on the Amazons, 1863, vol. II, pg. 159) com respeito aos ndios de uma mesma tribo na Amrica do Sul faz a seguinte observao: Nem sequer dois deles eram completamente semelhantes na forma da cabea; um tinha o rosto oval com lindos lineamentos, e o outro totalmente monglico pelo seu comprimento e pela salincia das faces, pela dilatao das narinas e a obliquidade dos olhos.

    12) Blumenbach, Treatises on Anthropolog., trad. inglesa, 1865, pg. 205.

    13) Mitford, History of Greeoe, vol. I, pg. 282. De uma passagem de Xenofontes, Memorabilia, livro II, cap. IV (sobre o qual chamou a minha ateno o Revdo. J. N. Hoare) parece que foi um princpio bem aceito entre os gregos que os homens deviam escolher as mulheres em pno da sade e do vigor dos futuros filhos. O poeta grego Teog-

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  • Se consideramos que todas os raas hum anas formam uma nica espcie, a sua extenso enorme; raas separadas, como as americanas e as polinsicas, estendm-se muito amplamente. uma lei bem conhecida aquela que diz que espcies bastante amplas so muito mais variveis do que espcies de escassa extenso; e a variabilidade do homem pode ser comparada com mais exatido com aquela de raas extensas do que com aquela de animais domsticos.

    No homem e nos animais inferiores a variabilidade no s produzida pelas mesmas causas gerais, mas em ambos as mesmas partes do corpo nelas se interessam de m aneira anloga. Isto foi dem onstrado de m aneira to particularizada por Godron e por Quatrefages que me suficiente fazer meno s suas obras (14). As anomalias, graduveis em ligeiras variaes, so to semelhantes no homem e nos animais inferiores a ponto de se poder usar para ambos a mesma classificao e a mesma terminologia, como foi dem onstrado por Isidoro Geoffroy St. Hilaire (15). Na minha obra sobre a variabilidade nos animais domsticos procurei sistem atizar aproximadamente as leis desta variabilidade sob os seguintes ttulos: Ao direta e defiitiva das condies mudadas, conforme revelado por todos ou quase todos os indivduos da mesma espcie que variam no mesmo modo em iguais circunstncias. Efeitos do prolongado uso ou no-uso das partes. Coeso das partes homlogas. Variabilidade das partes mltiplas. Compensao do crescimento (mas no caso do homem no encontrei nenhum exemplo eficaz desta lei). Efeitos da presso mecnica de um a parte sobre a outra (como a presso da bacia sobre o crnio do feto no tero). Paradas de desenvolvimento que influenciam a diminuio ou a supresso das partes. Reaparecimento por meio do processo de reverso de caracteres de m uito tempo perdidos. E, finalmente, variaes correlatas- Todas estas assim chamadas leis se aplicam igualmente ao homem e aos animais inferiores e muitssim as delas tambm s plantas. Seria su-

    nides, que viveu em 550 antes de Cristo, viu claramente com a seleo, que quando bem aplicada, era importante para o aperfeioamento do gnero humano. Compreendeu tambm que muitas vezes o luxo freia a ao da seleo sexual.

    14) Godron, De 1Espce, 1859, tomo II, livro 3 Quatrefages, Unit de lEspce Humaine, 1861. Tambm leituras sobre a antropologia na Revue des Cours Scientifiques, 1866-68.

    15) Hist. Gn. et Part, des Anomalies de lOrganisation, em 3 volumes, tomo I, 1832.

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  • prfluo discuti-las todas nesta passagem (16); mas algumas delas so to im portantes que merecem ser tratadas profusamente.

    Ao direta e definitiva da mudana de condies ambientais Este assunto bastante duvidoso. No se pode negar que condies mudadas produzem alguns efeitos sobre organismos de todo gnero, efeitos estes que m uitas vezes so considerveis. prim eira vista parece provvel que com um tempo suficiente se obteriam resultados invariveis. Mas no consegui obter uma prova cabal em apoio desta suposio; por outro lado, podem ser contrapostas vlidas razes, ao menos no que diz respeito s numerosas estru turas cuja adaptao se d para fins particulares. Contudo, no pode haver dvida de que a mudana das condies produz um a quantidade quase indefinida de variabilidade flutuante, que de qualquer modo torna toda a estru tura flexvel.

    Nos Estados Unidos mais de um milho de soldados, que havia participado da ltim a guerra, foram medidos e foram indicados os Estados em que haviam nascido e onde tinham sido criados (17). Por um nmero to grande de observaes ficou provado que influncias locais de qualquer gnero agem diretam ente sobre a estrutura; alm disto ficamos sabendo que "o estado em que se d a m aior parte do crescimento fsico e o estado de origem parecem exercer um a notvel influncia na es ta tu ra. Por exemplo, ficou dem onstrado "que residir nos estados do Oeste durante os anos de crescimento tende a provocar um aumento de esta tu ra. Por outro lado, coisa certa que a vida dos marinheiros lhes diminui o crescimento, como se v dem onstrado pela grande diferena entre a estatura dos soldados e aquela dos marinheiros entre os dezessete e dezoito anos. B. A. Gould procurou determ inar a natureza dos fatores que agem deste modo sobre a estatura, mas s chegou a resultados negativos, isto , que os mesmos no esto relacionados com o clima, altura do terreno, ao solo e muito menos, em medida controlvel, abundncia ou escassez das comodidades da vida. Esta ltim a concluso est diam etralm ente oposta quela de Villerm, com base nas

    16) Tratei difusamente destas leis em meu livro Variation of'Animals and Plants under Domestication, vol. II, cap. XXII e XXIII. J. P. Durand publicou recentemente (1868) um trabalho notvel intitulado De 1Influence des Milieux, etc. No caso das plantas atribui muita importncia natureza do solo.

    17) Investigations in Military and Anthrop. Statistics, etc., 1869, de B. A. Gould, pgs. 93, 107, 126, 131, 134.

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  • estatsticas da estatura dos recrutas nas diversas regies da Frana. Quando estabelecemos um a comparao entre a diferena de estatura dos chefes polinsios com as classes inferiores nas mesmas ilhas ou entre os habitantes da>s frteis ilhas vulcnicas e as ridas ilhas coralinas do mesmo oceano (18) ou ainda entre os habitantes da Terra do Fogo nas costas leste ou oeste da sua regio, onde os meios de subsistncia so muito diversos, dificilmente se pode rejeitar a hiptese / de que alimento melhor e maiores comodidades influem n estatura. Mas as comparaes precedentes dem onstraram como difcil chegar a um resultado preciso. Recentemente o Dr. Beddoe m ostrou que m orar nas cidades bem como algumas ocupaes exercem uma influncia negativa sobre a altura dos habitantes da Bretanha; da se deduz que tal efeitq em certa medida hereditrio, como acontece tam bm nos Estados Unidos. Alm disso o Dr. Beddoe de opinio que sempre que "uma raa atinge o seu mximo desenvolvimento fsico, aum enta tambm de energia e de vigor m oral ( 19)

    No se sabe se as condies externas produzem um ulterior efeito direto sobre o homem. Seria de se esperar que as diferenas de clima exercessem^ um a notvel influncia, de vez que os pulmes e os rins so mais ativos baixa temperatura, ao passo que o fgado e a pele a um a alta temperatura (20). Chegou-se a pensar que a cor da pele e as caractersticas dos cabelos seriam determinados pela luz e pelo calor; embora dificilmente se possa negar que isto produza algum efeito, quase todos os observadores so agora unnimes em afirm ar que tal efeito mnimo, mesmo depois de alguns anos. Mas este particular ser tratado mais especificamente quando nos ocuparmos das diversas raas humanas. No que diz respeito aos animais domsticos, existem motivos para se crer que o frio e a umidade influem diretam ente sobre o crescimento dos pelos; mas, no caso do homem, nunca deparei com nenhuma prova sobre este detalhe.

    Efeitos do uso aum entado e no-uso das partes para l de sabido que o uso refora os msculos do indivduo e

    18) Para os polinsios, cfr. Prichard, Physical Hist. of Mankind, vol. V, 1847, pgs. 145, 283, e Godron, De 1Espce, tomo II, pg. 289. Existe tambm uma notvel diferena entre os hindus estreitamente afins que vivern s margens do Ganges superior e aqueles que habitam Bengala.

    Ir- Elphinstone, History of India, vol. I, pg. 324.567 19) Memoirs, Anthropolog. Soc., vol. III, 1867-1869, pgs. 561, 565,

    ,2) Brakenridge, Theory of Diathesis, em Medicai Times, 19 de junho e 17 de julho de 1869,

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  • que a com pleta, ausncia de uso ou a destruio do nervo apropriado os enfraquece. Quando a vista est fora de uso, o nervo tico m uitas vezes se atrofia. Quando um a artria se restringe, os canais laterais crescem no s em dimetro, como tambm na espessura e na robustez do seu revestimento. Quando um rim cessa de funcionar devido a uma doena, o outro aum enta de propores e executa um trabalho dobrado. Se agentam um peso maior, os ossos crescem no somente em dimenso, mas tam bm em fora (21). Quando habitualm ente exercitadas, diversas ocupaes fazem com que vrias partes do corpo mudem de propores. Assim que uma comisso dos Estados Unidos constatou (22) que as pernas dos m arinheiros que foram medidas durante a ltim a guerra eram mais compridas em cerca de 0,217 de polegada daquelas dos soldados, em bora os m arinheiros em mdia fossem de estatura mais baixa; enquanto que os seus braos eram 1,09 de polegada mais curtos e por conseguinte desproporcionalmente mais curtos em relao sua menor altura. O fato desses braos curtos se deve aparentem ente atribu ir ao seu maior uso e constitui um resultado inesperado; mas acontece que os m arinheiros usam os braos sobretudo para rem ar e no para carregar pesos. Nos m arinheiros, a circunferncia do pescoo e do tornozelo maior, ao passo que a circunferncia d trax, da cintura e das ancas menor do que nos soldados.

    No certo, porm provvel, que m uitas das modificaes precedentes se teriam tornado hereditrias se algumas modalidades de vida tivessem sido seguidos por m uitas geraes. Rengger (23) atribui as pernas magras e os braos robustos dos indgenas paraguaios ao fato de que geraes e mais geraes passaram quase toda a sua existncia em canoas, sem m ovim entar as extremidades inferiores. Outros escritores chegaram a concluses semelhantes para casos anlogos. Segundo Cranz (24), que viveu muitos anos com os esquims, "os nativos crem que a sagacidade e a destreza dos pescadores so hereditrias (a pesca constitui a sua principal arte e virtude); nisto certam ente vai algo de verdadeiro, porquanto o filho de um clebre pescador se distingue, em-

    21) Apresentei provas para estas hipteses no meu livro Variations of Animais and Plants under Domestication, vol. II, pgs. 297-300. Jlaeger, Ueber das Lngenwachsthum der Knochen, em Jenaischen Zeitsch- rift, livro V, fase. 1.

    22) Investigations, etc., de B. A. Gould, 1869, pg. 288.23) Sugethiere von Paraguay, 1830, pg. 4.24) History of Greenland, trad. inglesa, 1767, vol. I, pg. 230.

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  • bora tenha perdido o pai em pequeno". Neste caso a atitude mental parece ser hereditria bem como a estru tu ra fsica- Est fora de dvida que as mos dos trabalhadores ingleses por ocasio do nascimento so maiores do que aquelas dos nobres (25). Pela relao que existe, ao menos em alguns casos (26), entre o desenvolvimento das extremidades e aque- e das maxilas possvel que nas classes que no trabalham muito com as mos e com os ps, as dimenses das maxilas sejam reduzidas por esta razo. certo que as mesmas tna dimenses menores nos homens evoludos e civilizados do que naqueles que se dedicam a trabalhos pesados u nos selvagens. Mas entre os selvagens, conforme notou H erbert Spencer (27), o m aior uso das maxilas no m astigar alimentos duros e crus agiria de modo direto sobre os msculos da mastigao e sobre os ossos a que esto unidos. Nas crianas, j m uito antes do nascimento, a pele sobre a planta dos ps mais macia do que em qualquer ou tra parte do corpo (28); e difcil pr em dvida que isto seja devido a efeitos hereditrios ae presso durante um a longa srie de geraes.

    Todo mundo sabe que os relojoeiros e os escultores so atacados de miopia, enquanto que os homens que vivem muito ao a r livre e os selvagens em particular via de regra so prsbitas (29). Miopia e*presbiopia seguramente tm a tendncia de serem hereditrias (30). A inferioridade em que os europeus se encontram com relao aos selvagens no que diz respeito vista e aos outros sentidos sem dvida efeito acumulado e transm itido de um uso inferior no decurso de muitas geraes; com efeito Rengger(31) n arra que reitera-

    25) A. Walker, Intermarriage, 1838, pg. 377.26) Variation of Animais and Plants under Domestication, vol. I,

    Pg. 173.27) Principies of Biology, vol. I, pg. 455.28) Paget, Lectures on Surgical Pathology, vol. II, 1853, pg. 209.29) Constitui fato estranho e inesperado que os marinheiros te

    nham uma viso ntida mais curta do que aquela dos habitantes da terra. B. A. Gould (Sanitary Memoirs of the War of the Rbellion, 1869, pg. 530) demonstrou este fato e o explica com o fato de que o raio habitual de viso dos marinheiros restringe-se ao comprimento do navio e altura do mastro.-

    30) Variation of Animais and Plants under Domestication, vol. I, 1. 8. ^

    31) Sugethiere von Paraguay, pgs. 8, 10. Tive oportunilade de observar o extraordinrio poder visual dos habitantes da Terra do Fogo. Cfr. tambm Lawrence (Lectures on Physiology etc., 1822, pg. 404) sobre este assunto. Giraud-Teulon (Revue des Cours Scientifiques, 1870, pg. 625) recolheu um amplo e notvel acervo de provas sobre o fato de que a causa da vista curta cest le travail assidue, de prs.

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  • das vezes observou europeus que se haviam mudado e que passaram toda a vida entre os indgenas selvagens, sem contudo igual-los na agudez dos sentidos. O mesmo naturalista observa que as cavidades do crnio, para receber os rgos dos sentidos, so mais amplas nos aborgenes americanos do que nos europeus; isto provavelmente vem indicar uma correspondente diferena na dimenso dos prprios rgos. Blu- menbach deteve-se tambm na cavidade nasal do crnio dos aborgenes americanos e ligou este fato com a sua notvel $ capacidade de olfato. Os mongis das plancies da sia se- f tentrional, segundo Palias, possuem sentidos verdadeiramen-j te perfeitos e Prichard acredita que a considervel larguraj do seu crnio altura dos zgomos deve derivar dos seusl rgos sensoriais altam ente desenvolvidos (32). *

    Os ndios quchuas habitam os elevados altiplans do Peru; e Alcides d'Orbigny diz que (33), respirando continuamente uma atm osfera to rarefeita, o seu trax e pulmes assumiram propores excepcionais. Tambm as clulas dos pulmes so maiores e mais numerosas do que nos europeus. Estas consideraes foram postas em dvida, mas Forbes mediu atentam ente muitos aimars, um a raa afim que vive a uma altura aproxim ada de 10.000 ou 15.000 ps, e graas a ele (34) sei que os mesmos se diferenciam notavelmente dos homens de todas as outras raas que j tenho visto, por sua circunferncia e comprimento do corpo. No seu quadro de medidas a estatura de cada homem considerada 1000 e as outras medidas tm este termo como ponto de referncia. Por a se v que os braos estendidos dos aim ars so mais curtos do que os dos europeus e m uito mais ainda do que os dos negros. Tambm as pernas so mais curtas e revelam esta notvel caracterstica: em cada aim ar medido o fm ur atualm ente mais curto do que a tbia- Em mdia, o comprimento do fm ur em relao tbia de 211 a 252; ao passo que em dois europeus medidos ao mesmo tempo o fm ur em relao tbia era de 244 a 230 e em trs negros, de 258 a 241. O mero, com relao ao antebrao, igualmente mais curto. Este encurtam ento da parte dos membros mais vizinhos do corpo me parece, conforme sugere Forbes, um caso de compensao com relao ao notvel au-

    32) Prichard, Phys. Hist. of Mankind, citado por Blumenbach, vol.I, 1851, pg. 311; controlado por Palias, vol. IV, 1844, pg. 407.

    33) Citado por Prichard, Researches into Phys. Hist. of Mankind, vol. V, pg. 463.

    34) O egrgio escrito de Forbes foi agora publicado no Journal of the Ethnological Society of London, nova srie, vol. II, 1870, pg. 193.

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  • mento do comprimento do tronco. Os aimars apresentam outras singularidades estruturais como por exemplo a salincia muito exgua do calcanhar.

    Estes indivduos esto aclimatados de m aneira to perfeita sua m oradia fria e elevada, que se registrou um a alta porcentagem de mortalidade quando foram atrados para as planuras baixas orientais pelos espanhis e mais recentemente pelos polpudos pagamentos oferecidos para a lavagem do ouro. Forbes encontrou somente algumas famlias que conseguiram sobreviver durante duas geraes: e teve oportunidade de observar que ainda herdam as suas peculiaridades caractersticas. Mas tambm sem verificao era claro que estas peculiaridades estavam todas diminudas, pois que uma vez medidos, os seus corpos se revelaram compridos como aqueles dos habitantes dos altiplanos; ao passo que o fmur numa certa medida se alongara como a tbia, em bora num grau inferior. Se consultarmos os apontam entos de Forbes podemos ver estas medidas atuais. Diante destas observaes penso que no se pode duvidar que residir durante muitas geraes a uma grande altura tende, direta ou indiretamente, a causar modificaes hereditrias nas propores do corpo (35).

    Embora nos ltimos perodos de sua existncia o homem no tenha sofrido demasiadas modificaes por fora do uso aumentado ou diminudo das partes, os fatos ora citados vieram dem onstrar que tal possibilidade, sob este aspecto, no se perdeu; sabemos que a mesma lei vale positivamente para os animais inferiores. Conseqentemente podemos deduzir que quando num a poca pr-histrica os antepassados do homem passaram por um a fase transitria e se m udaram de quadrpedes para bpedes, provavelmente a seleo natural foi muito facilitada pelos efeitos hereditrios do aum ento ou diminuio do uso das vrias partes do corpo.

    Sustao do desenvolvimento H diferena entre sus- tao do desenvolvimento e sustao do crescimento, porque no primeiro caso as partes continuam crescendo, mas conservam a condio anterior. Neste caso se apresentam vrias monstruosidades e algumas, como a abertura do cu da boca, podem ser s vezes hereditrias. Para a nossa finalidade ser suficiente ater-nos sustao do desenvolvimento do crebro de idiotas microcfalos, conforme vem descrito nos aponta-

    35) O Dr. Wilckens (Landwirtschaft. Wochenblatt, n. 10, 1869) publicou recentemente um trabalho interessante, no qual demonstrava clue os animais domsticos que vivem em zonas montanhosas sofrem modificaes de estrutura.

  • mentos de Vogt (36). O seu crnio m enor e as pregas do crebro so menos complexas do que no homem normal. A arcada supraciliar largamente desenvolvida e as maxilas sobressaem de m aneira espantosa, a ponto de dar a im presso que estes idiotas so tipos inferiores do gnero humano. A sua inteligncia e m uitas das faculdades mentais so extremamente fracas; no chegam a adquirir a faculdade de falar e so totalmente incapazes de fixar prolongadamente a ateno, embora sejam exmios em imitao. So fortes e notavelm ente ativos, a n d a m depressa e a passos midos, sajtitam e fazem trejeitos e denguices. Sobem as escadas em quatro pernas e tm um estranho desejo de trepar nos mveis e nas rvores. Faz-nos lem brar o prazer que quase todos os rapazes possuem de trepar nas rvores e tam bm o divertim ento que a cabra e os cabritos, animais alpinos por origem, experim entam em saltar nas salincias elevadas do terreno, mesmo que ests sejam muito pequenas. Os idiotas fazem lem brar os animais inferiores tam bm em razo de alguma ou tra caracterstica: citam-se alguns casos relativos tendncia que possuem de cheirar todo bocado de alim ento antes de com-lo. Dizem que um idiota usa m uitas vezes a boca para catar os piolhos, ajudando assim as mos. So freqentem ente relaxados no vestir-se e no possuem senso de decncia; e conhecem-se muitos casos de pelo- sidade dos seus corpos (37).

    Reverso Muitos casos que apresentam os aqui poderiam ter sido includos no ltim o pargrafo. Pode ser enquadrado num caso de reverso aquele em que um a estru tura susta a sua diferenciao, mas continua a aum entar as suas dimenses at assum ir as semelhanas de um a estru tu ra correspondente de um indivduo adulto porm inferior do mesmo grupo. Os indivduos inferiores do grupo podem dar uma idia de como era o antepassado comum. difcil acreditar que um a parte complexa, sustada num a fase prim itiva de desenvolvimento em brionrio, tenha podido continuar a crescer de m aneira a cum prir com a prpria funo; isto s poderia acontecer se tivesse conquistado este poder durante um estgio anterior da existncia, quando a estru tura , atualmente

    36) Mmoire sur ies Microcphales. 1867, pgs. 50, 125, 169, 171, 184-198.

    37) O prof. Laycock recapitula o carter dos idiotas brutos, chamando-os de terides: Journal of Mental Science, julho de 1863. O Dr. Scott (The Deaf and Dnmb, 2.* edio, 1870, pg. 10) notou muitas vezes que o idiota cheira o alimento. Sobre o mesmo assunto bem como a respeito da implumidade e dos idiotas, queira conferir o Dr. Maudsley em Body and Mind, 1870, pgs. 46-51. Tambm Pinei prospeta um caso evidente e claro de pelosidade num idiota.

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  • fora do norm al ou incompleta, era normal. Pde-se afirm ar que p homem pertence, ocasionalmente aparecem nele, em bora dida em que lembra aquele de um smio, apresenta neste sentido um caso de involuo (38). Existem outros casos que se enquadram estritam ente no presente pargrafo. Certas estruturas que se registram nos indivduos inferiores do grupo a que o homem pertence, ocasionalmente aparecem nele, em bora no se encontrem no embrio humano normal; ou, se norm almente presentes no embrio humano, desenvolvem-se de modo anmalo, o que porm constitui fato norm al nos indivduos inferiores do grupo. Estas observaes se tornaro mais claras pelas explicaes seguintes.

    Em vrios mamferos o tero passa da qualidade de um rgo duplo com dois orifcios e passagens distintos, como nos marsupiais, para um rgo inteirio, que no lembra mais a condio dplice, com exceo de uma pequena dobra interna, como nos smios superiores e nos homens. Entre estes dois estados extremos os roedores revelam um a srie perfeita de gradaes. Em todos os mamferos o tero se desenvolve partindo de dois simples tubos primitivos, cuja parte inferior forma os chifres; e, segundo as palavras do Dr. Farre, o corpo do tero no homem se forma pela unio dos dois chifres nas extremidades inferiores; ao passo que nos animais em que no existe parte mediana ^u corpo, os chifres permanecem desarticulados. medida que o tero se desenvolve os dois chifres vo gradativamente se encurtando at desaparecer ou, por assim dizer, so como que absorvidos no corpo do tero". Os ngulos do tero se modificam e assumem a form a de chifres tambm em animais que se encontram no alto da escala zoolgica, como os smios inferiores e os lemurianos.

    38) No meu livro Variation of Animais and Plants under Domes- tication (vol. II, pg. 57) atribu reverso os numerosos casos de mamas em excesso nas mulheres. Cheguei a considerar isto como provvel hiptese, pois que a mama acrescentada em geral colocada simetricamente sobre o peito; e somente para um caso, no qual se encontrou uma nica mama eficiente na virilha de uma mulher que era irm de outra que possua muitas mamas. Mas agora acabo de saber (cr. por exemplo Preyer, Der Kampf um das Dasein, 1869, pg.45) Que mammae erraticae podem ser encontradas em outras posies, como nas costas, debaixo da axila e nas coxas; neste ltimo caso a m&ma deu tanto leite que pde alimentar um beb. A hiptese de que cidn^ 1*1- anexa sela oriunda de uma reverso desta maneira enfraque

    cia; nao obstante me parece ainda provvel, de vez que muitas vezes distw- se encontram dois pares delas dispostas simetricamente; e aleu i 6 conhecimento ou prprio em vrios casos. sabido que o terourianos possuem normalmente dois pares de mamas sobre

    peito. Foram trazidos baila cinco casos sobre a presena de mais

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  • Ora, nas m ulheres so freqentes anom alias em que o tero m aduro possui chifres ou est dividido parcialm ente em dois rgos; e segundo Owen estes casos repetem (o grau de desenvolvimento concentrativo alcanado por certos roe- dores. Aqui talvez estejam os diante de um simples exemplo de sustao de desenvolvimento em brionrio, com conseqente crescimento e perfeito desenvolvimento funcional; com efeito, ambas as partes do tero parcialm ente dplice esto em condies de desenvolver a prpria funo da gestao. Em outros e mais raros casos formam-se duas cavidades uterinas dis-

    de um par de mamas (naturalmente rudimentares) no macho do gnero humano. Cfr. Journal of Anat. and Physiology, 1872, pg. 56, a respeito de um caso apresentado pelo Dr. Handyside, no qual foi caracterizada esta peculiaridade em dois irmos; cfr. tambm um trabalho do Dr. Bartels, em Reichert and du Bois Reymonds Archiv, 1872, pg. 304. Num dos casos referidos por Bartels um homem era dotado de cinco mamas, com uma no centro, colocada sobre o umbigo. Meckel von Hemsbach acha que este caso se explica pela mama central que se encontra em alguns quirpteros. Em conjunto podemos duvidar que os nossos antepassados nunca teriam tido mais do que um par de mamas, caso no se tivessem desenvolvido mamas adicionais em ambos os sexos humanos.Na obra anterior (vol. II, pg. 12), embora muito indecisamente atribu reverso os freqentes casos de polidatilismo no homem e em diversos animais. Em parte fui levado a isto pela hiptese do prof. Owen de que alguns ictioptricos possuem mais do que cinco partes esquelticas e que por isso, conforme supus, haviam conservado uma condio primordial. Mas o prof. Gegenbaur (Jenaischen Zeitschrift, vol. V, fase. 3, pg. 341) refuta a concluso de Owen. Por outro lado, segundo a hiptese recentemente formulada pelo Dr. Gnther, sobre as patas dos ceratdios, que possuem pednculos sseos articulados sobre ambos os lados de uma cadeia central de ossos, no parece difcil admitir que seis ou mais dedos num lado ou em ambos os lados reaparecem devido ao processo de reverso. O Dr. Zouteveen me d cincia dum caso limite de um homem que possui dois dedos nas mos e 24 nos ps. Inicialmente chegara concluso de que a presena de um nmero excessivo de dedos se devesse regresso, isto pelo fato de que alguns dedos so no s tenazmente hereditrios, mas, conforme julgava ento, porque tm a capacidade de tomar a crescer depois da amputao, como os dedos normais dos vertebrados inferiores. Mas na segunda edio do meu livro Variation under Domestication expliquei por que razo agora atribuo pouca importncia aos casos de re- crescimento. No obstante isto digno de nota que tanto nos desenvolvimentos sustados como nas involues se encontram processos intimamente ligados; que diversas estruturas numa condio embrionria ou sustada, como a abertura do cu da boca, o tero bicorne, etc. vm freqentemente acompanhadas de polidatilismo. Sobre este ponto muito tem insistido Meckel como tambm Isidoro Geoffroy St. Haire. Mas para o momento a coisa melhor que se tem a fazer renunciar idia de que existiria uma relao entre o desenvolvimento de dedos alm do nmero normal e a regresso rumo a um antepassado do homem organizado de maneira mais simples.

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  • tintas, tendo cada um a o prprio furo e passagem (39). Durante o desenvolvimento norm al do em brio no se passa por semelhante fase. difcil, em bora talvez no impossvel, acreditar que os dois tubos simples, primitivos e pequenos saibam (se pudermos usar semelhante expresso) como crescer em dois teros distintos, cada um tendo um furo e um a passagem bem construda; cada um m unido de numerosos m sculos, glndulas, nervos e vasos, se os mesmos no tivessem passado outras vezes por um processo semelhante de desenvolvimento, como no caso dos m arsupiais atualm ente existentes. Ningum h de querer que um a estru tu ra to perfeita como o dplice tero anorm al da m ulher seja resultado do mero acaso. O princpio de reverso, segundo o qual um a estrutura que estava h muito tempo desaparecida pode reaparecer, poderia servir de guia para o completo desenvolvimento do rgo.

    O prof. Canestrini, depois de ter debatido vrios casos anteriores anlogos, chega s mesmas concluses que acabo de expor. Ele aduz outro exemplo: o osso frontal (40), que em alguns quadrm anos e outros mamferos norm alm ente consta de duas partes. Esta a situao do feto humano de dois meses: em conseqncia de sustao do desenvolvimento s vezes permanece no homem adulto, mais particularm ente nas raas humanas de queixada saliente. Disto Canestrini deduz que algum antigo gntepassado do homem deve te r tido este osso dividido norm alm ente em duas partes as quais em seguida se fundiram junto. No homem o osso frontal consta

    39) Cr. o bem conhecido artigo do Dr. A. Farre em Cyclopaedia of Anatomy and Physiology, vol. V, 1859, pg. 642. E tambm Owen, Anatomy of Vertebrates, vol. III, 1868, pg. 687, e o prof. Tumer em Edinburgh Medicai Journal, fevereiro de 1865.

    40) Annuario delia Soc. dei Naturalisti, Modena, 1867, pg. 83. Canestrini apresenta excertos sobre este assunto colhidos de muitas fontes autorizadas. Laurillard observa que encontrou uma estreita semelhana na forma, na proporo e conexo dos dois ossos frontais em diversos sujeitos humanos e em alguns smios e que portanto no pode considerar esta disposio de partes como puramente acidental. Na Gazzetta delle Cliniche Turim, 1871, o Dr. Saviotti publicou um trabalho sobre a mesma anomalia, no qual sustenta que vestgios da diviso podem ser encontrados em cerca de 2 por cento dos crnios aouitos. Observa tambm que isto acontece com mais freqncia nosramos salientes no das raas arianas, mas das outras. A respeito

    d,,?1681110 ssunto, cfr. tambm Delorenzi, The nuovi casi dan^malia atul?? maare> Turim, 1872; e tambm E. Morselli, Sopra una rara *!J*alia delTosso malare, Modena, 1872. Ainda mais recentemente cih~^r escreveu um livrinho sobre a diviso deste osso. Fao estas

    Porque certo crtico, sem nenhum fundamento ou escrpulo, deu de pr em dvida a minha tese.

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  • de um pedao nico, mas no em brio e nas crianas e em quase todos os animais inferiores form ado por duas partes separadas por um a jun tu ra evidente. Esta jun tu ra s vezes persiste mais ou menos distintam ente no homem depois da m aturidade; com mais freqncia nos crnios antigos do que nos recentes e em particular, como observou Canestrini, naqueles encontrados por Drift e que pertencem ao tipo bra- quicfalo. Neste ponto ele chega s mesmas concluses do caso anlogo dos ossos frontais. Neste e em outros exemplos que aduzimos im ediatamente, a causa pela qual as antigas raas se aproximam por certos caracteres aos animais inferiores com mais freqncia do que se d com as modernas, parece residir no fato de que estas ltim as se acham mais distantes, na longa linha de descendncia, dos seus antepassados semi-humanos.

    Diversas outras anomalias, mais ou menos anlogas s anteriores, tm sido prospetadas pelos diversos autores como exemplos de reverso: mas estas parecem no pouco duvidosas, pois devemos descender m uito embaixo na srie dos mamferos antes de encontrar norm alm ente presentes tais estru tu ras (41).

    No homem os dentes caninos constituem instrum entos perfeitam ente eficientes para a mastigao. Mas o seu verdadeiro carter canino, conforme nota Owen, "vem indicado pela form a cnica da coroa, que term ina num a pon ta obtusa, convexa para o exterior e chata ou semicncava para o interior em cuja base existe uma proeminncia sutil. A form a cnica mais evidente nas raas melnicas, especialmente as australianas. O canino cravado mais profundam ente e tem presas mais robustas do que os incisivos (42)- Apesar disto este

    41) Isidoro Geoffroy St. Hilaire, em Hist. des Anomalies, tomo III, pg. 437, apresenta uma srie completa de casos. Um articulista (Journal of Anat. and Physiology, 1871, pg. 366) me censura severamente porque no debati os diversos casos que foram lembrados de partes diversas cujo desenvolvimento fora sustado. Afirma que segundo a minha teoria toda condio transeunte de um rgo no constitui somente meio para um fim, mas antigamente tambm fim para si mesmo. Isto no me parece necessariamente certo. Por que no deveriam ocorrer variaes durante um primeiro perodo de desenvolvimento, que no tivessem nenhuma relao com a reverso? Mais ainda: poderiam tais variaes ser preservadas e acumuladas, se em alguma medida teis, para por exemplo encurtar e simplificar o curso do desenvolvimento? E ademais, por que que as anormalidades, como a atrofia ou a hipertrofia das partes, que no tm relao com um estado anterior da existncia, se dariam tanto no primeiro perodo quanto na maturidade?

    42) Anatomy of Vertebrates, vol. III, 1868, pg. 323

  • dente no serve mais ao homem para esquartejar os seus inimigos e a presa, pelo que no que tange sua funo pode S e r considerado um rudim ento. Em qualquer coleo ampla de crnios humanos se pode encontrar algum desses, como observa Hckel (43), que tenha os dentes caninos que sobressaem consideravelmente em relao aos outros, da mesma forma que nos smios antropom orfos, mas num grau inferior. Nestes casos os espaos abertos entre os dentes de um a m andbula so conservados para receber os caninos da m andbula oposta. Um interstcio deste tipo, num crnio cafre desenhado por Wagner, surpreendentem ente amplo (44). Tendo em vista quo poucos so os crnios antigos examinados em comparao com os recentes constitui circunstncia interessante o fato de que pelo menos em trs casos os caninos se salientam muito; diz-se que na m andbula Naulette so enormes (45).

    Entre os smios antropom orfos somente os machos tm os caninos completamente desenvolvidos; mas no gorila fmea, e um pouco menos no orangotango fmea, estes dentes sobressaem notavelmente com relao aos outros; por conseguinte, a afirm ao que me foi feita de que s vezes as m ulheres possuem caninos que sobressaem consideravelmente no representa um a sria objeo idia de que o seu ocasional grande desenvolvjpiento no homem constitua um exemplo de reverso para um antepassado semelhante aos smios. Quem rejeita com desprezo a crena de que o aspecto dos seus caninos e o seu ocasional grande desenvolvimento nos outros homens se deve aos nossos prim eiros antepassados, que haviam sido dotados destas arm as formidveis, com o seu menosprezo provavelmente revelar o fio da sua descendncia. Em bora no queira e no tenha mais o poder de usar estes dentes como armas, inconscientemente contrair os seus "msculos que arreganham os dentes" (assim ditos por C. Bell (46), de m aneira a mostr-los prontos para agir, como um co disposto luta.

    No homem algumas vezes se desenvolvem muitos msculos que so prprios dos quadrm anos ou dos outros ma-

    43) Anatomy of Vertebrates, vol. Ill, 1868, pg. 323.44) Lectures on Man, de Carl Vogt, trad, inglesa, 1864, pg. 151.45) c. Carter Blake, sobre uma maxila, de La Naulette Anthro-

    Polog. Review, 1867, pg. 295. Schaafhausen, ib. 1868 ,pg. 426.46) The Anatomy of Expression, 1844,) pgs. 110, 131.47) Citado pelo prof. Canestrini em Annuario..., 1867, pg. 90.

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  • mferos. O prof. Vlacovich (47) examinou 40 pessoas femininas e encontrou um msculo a que deu o nome de squio- pbico, entre 19 deles; em outras 3 mulheres uma ligao substitua este msculo e nas restantes 18 no havia sequer vestgio. Entre 30 pessoas do sexo feminino somente em duas este msculo era desenvolvido em ambos os lados, enquanto que nas outras trs estava presente o ligamento rudim entar. Por conseguinte, parece que este msculo mais comum no sexo masculino do que no feminino; e, dentro do ponto de vista de que o homem descende de alguma form a inferior, o fato compreensvel. Com efeito, conservou-se em muitos animais inferiores e em todos estes serve exclusivamente para ajudar o macho no ato da reproduo.

    J. Wood, em sua notvel coleta de apontam entos (48), descreveu particularizadam ente um amplo nm ero de variaes musculares no homem que se assemelham a estruturas normais nos animais inferiores- Os msculos que lembram de perto aqueles norm alm ente presentes nos animais a ns mais afins, os quadrm anos, so demasiado numerosos para poderem ser ainda que s especificados. Numa nica pessoa do sexo masculino, dotada de um a forte estru tu ra fsica e de um crnio bem conformado, foram observadas nada menos do que sete variaes musculares que reproduziam claramente, todas elas, msculos prprios aos vrios gneros de smios. Este homem possua, por exemplo, em ambos os lados do pescoo um verdadeiro e robusto levator claviculae, idntico ao que se encontra em todos os smios, e que se diz que se encontra tambm no homem, num a proporo de um sobre sessenta (49). Mais ainda: este homem tinha "um msculo especial adutor do m atatarso do quinto dedo igual quele que o prof. Huxley e Flower dem onstraram uniform em ente nos smios superiores e inferiores. Aduzirei apenas dois casos; o msculo acrom iobasilare se encontra em todos os mam-

    48) Estes escritos merecem um estudo atento da parte de todo aquele que quiser se certificar com quanta freqncia os nossos msculos variam e, variando, passam a semelhar-se queles dos quadrmanos. As seguintes citaes se referem aos poucos pontos ventilados no texto: Proc. Royal Soe., vol. XIV, 1865, pgs. 379-384, vol. XV, 1866, pgs. 241-242; vol. XV, 1867, pg. 644; vol. XVI, 1868, pg. 524. Posso acrescentar que o Dr. Murie e St. George Mivart demonstraram mas Me- moir on the Lemuroidea (Transact. Zoolog. Soc., vol. VII, 1869, pg. 96) como alguns msculos variam extraordinariamente nestes animais, que constituem os membros inferiores dos primatas. Tambm as progresses regulares em msculos prprios a estruturas de animais ainda embaixo na escala zoolgica so numerosas nos lemurianos.

    49) Cfr. tambm o prof. Macalister em Proc. R. Irish Academy, vol. X, 1868, pg. 124.

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  • feros inferiores at o homem e parece estar ligado a um porte de quadrm ano (50) e se acha em um sujeito hum ano sobre sessenta. Nas extremidades inferiores B radley(51) achou um abductor ossis metatarsi quinti. em ambos os ps do homem; at ento este msculo no fora nunca encontrado no gnero humano, mas est sempre presente nos smios antropom or- fos. Os msculos das mos e dos braos partes to caractersticas do homem so de tal modo suscetveis de modificao, que fazem lem brar os msculos correspondentes dos animais inferiores (52). Estas semelhanas so tan to perfeitas como im perfeitas; contudo, na ltim a hiptese so de natureza claram ente transitria. Certas variaes so mais comuns no homem e certas outras na mulher, sem que sejamos capazes de explicar qual a razo desta diferena. Depois de ter descrito m uitas variaes, Wood conclui com a interessante observao: "considerveis desvios do tipo norm al das estru turas musculares procedem segundo esquemas ou direes que so considerados com o fito de indicar qualquer fato desconhecido de grande im portncia para um conhecimento compreensivo da anatom ia geral e cientfica (53).

    Que este fato r desconhecido seja a reverso a um estado anterior de existncia pode ser adm itido como m uito provvel (54).

    50) Champneys, em Jlournal of Anat. and Phys., nov. 1871, pg.178.

    51) Journal of Anat. and Phys., maio de 1872, pg. 421.52) O pro. Macalister (ibid. pg. 121) traduziu em tabelas as suas

    observaes e acha que as anomalias musculares so mais freqentes nos antebraos, depois no rosto e em terceiro lugar nos ps, etc.

    53) O Revdo. Dr. Haughton, depois de ter apresentado (Proc. R. Irish Academy, 27 de junho de 1864, pg. 715) um notvel caso de variao no flexor pollicis longus, acrescenta: Este notvel exemplo revela que o homem muitas vezes pode possuir a conformao dos tendes do polegar e dos dedos, caracterstico dos macacos. Mas no sei dizer se este caso deva ser considerado como aquele de um macaco que passa para o homem ou de um homem que recua para o estado de macaco, ou se de um tpico fenmeno de natureza. D prazer ouvir um anatomista to egrgio e opositor to severo do evo- lucionismo admitir tambm a possibilidade de uma das primeiras proposies. Tambm o prof. Macalister descreveu (Proc. R. Irish Academy, vol. X, 1864, pg. 138) variaes do flexor pollicis longus, notveis por sua relao com o mesmo msculo nos quadrmanos.

    54) Desde que apareceu a primeira edio do seu livro, Wood publicou outro apontamento em Phil. Transactions, 1870, pg. 83, a respeito das variedades de msculos do pescoo, ombros e trax humanos. Demonstra como estes msculos so estreitamente variveis e quo freqente e estreitamente as variaes lembram os msculos normais dos animais inferiores. Recapitula com a seguinte observao: Para o fim a que viso me ser suficiente que tenha logrado

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  • Por acidental anormalidade seria quase incrvel que um homem pudesse recordar certos smios em no menos de sete dos seus msculos, se no houvesse um vnculo gentico entre eles. Por outro lado, se o homem descende de alguma criatu ra simiesca, no vemos razo vlida para no se adm itir que certos msculos possam ter aparecido inesperadamente depois de um intervalo de centenas ou mais, provavelmente mesma m aneira que nos cavalos, asnos e burros sem se esperar aparecem, nas pernas e nas espduas, sinais escuros depois de um intervalo de centenas ou mais provavelmente milhares de geraes.

    Estes diversos casos de reverso esto em relao to estreita com aqueles dos rgos rudim entares mencionados no prim eiro captulo, que muitos deles poderiam te r sido introduzidos c e l de m aneira indiferente. Assim, um tero humano provido de chifres se pode dizer que representa, num estado rudim entar, o mesmo rgo de certos mamferos numa condio normal. Algumas partes que no homem so rudimentares, como o cccix em ambos os sexos e as mamas no sexo masculino, esto sempre presentes; ao passo que outras, como o furo supracondilide, s aparecem ocasionalmente e por esta razo poderiam ser introduzidos no pargrafo da involuo. Estas diversas estruturas reversveis, como aquelas estreitam ente rudim entares, revelam de modo indiscutvel a descendncia do homem de formas inferiores.

    Variao correlativa D a'm esm a m aneira que nos animais inferiores, no homem m uitas estru turas esto to intimamente ligadas que quando uma parte sofre alterao, tambm a outra se altera, sem que na m aior parte dos casos estejam os em condies de apresentar alguma razo para isto. No podemos dizer se um a parte governa a outra u se ambas so guiadas por um a outra qualquer anteriorm ente desenvolvida- Deste modo esto intim am ente unidas vrias ano-! malias, conforme I. Geoffroy insiste repetidam ente. Traos homlogos so particularm ente suscetveis de m udar junto, conforme podemos ver nos lados opostos do corpo e nas extrem idades superiores e inferiores. J faz m uito tempo, Meckel observou que quando os msculos dos braos se distanciam do prprio modelo, quase sempre im itam aqueles das pernas; e o mesmo vlido, inversamente, para os msculos das per-

    mostrar as formas mais importantes que, ao se registrarem como variedades no gnero humano, tendem a mostrar de maneira bastante notvel aquilo que se pode considerar como prova e exemplo do princpio darwiniano de reverso, ou lei de hereditariedade, neste setor da cincia anatmica.

  • g o s rgos da viso e da audio, os dentes e os cabelos, cor da pele e da penugem, o colorido e a constituio so

    mais ou menos correlatos (55). O prof. Schaaffhausen foi o rmeiro que prestou ateno relao que existe entre um a

    estrutura m uscular e as salincias supraorbitais fortem ente marcadas, to caractersticas das raas hum anas inferiores.

    Alm das variaes que, com m aior ou m enor probabilidade podem ser reagrupadas nos pargrafos anteriores, existe ainda um a am pla classe de variaes que provisoriamente podem ser chamadas de espontneas, visto que nossa ignorncia parecem surgir sem nenhum a causa que as provoque. Todavia, pode-se dem onstrar que estas variaes, consistam elas de pequenas diferenas individuais ou de notveis e imprevistos desvios de estru tura, dependem m uito mais da constituio do organismo do que da natureza das condies a que estiveram sujeitas (56).

    Velocidade de aum ento Tem sido observado que as populaes de cultura, em condies favorveis, como os Estados Unidos, em vinte e cinco anos duplicam o seu nmero; e, de acordo com um clculo de Euler, isto poderia verificar-se em pouco mais de doze (57). Segundo o prim eiro clculo a populao atual dos Estados Unidos (trin ta milhes) em 657 anos cobriria todo o globo terrestre de m aneira to densa que numa ja rda quadrada de superfcie haveria quatro ho mens. 0 prim eiro e fuiraamental obstculo para o contnuo incremento do homem consiste na dificuldade em conseguir meios de subsistncia e de vida confortvel. Que esta seja a razo, o que podemos deduzir do que nos dado ver, por exemplo nos Estados Unidos, onde a sobrevivncia cmoda e fcil e as habitaes so em nm ero suficiente. Se tais meios se duplicassem repentinam ente na Gr-Bretanha, o nosso nmero se dobraria rapidamente. Nas naes civilizadas, este obstculo basilar age sobretudo pela restrio que se faz ao nmero dos m atrim nios. Muito im portante tambm o m aior nmero de m ortes em idade infantil nas classes pobres; assim como o tam bm a m aior m ortalidade em todas as idades, pelas diversas dificuldades e descomodidades, entre os moradores de casas aglomeradas e miserveis. Os efeitos das graves epidemias e das guerras so subitam ente contrabalan-

    55) Provas destas vrias concluses so encontradas em meu tra- Wro^ Variation of Animal and Plants under Domestication, vol. II, pgs.

    v Todo o assunto foi tratado no vol. II, cap. XXIII, do meu of Animais and Plants under Domestication.

    ri n c *r- ainda importante Essay on the Principie of Population o Revdo. T. Malthus, vol. I, 1826, pgs. 6, 517.

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  • ados e mais do que balanados nas naes que gozam de condies favorveis. Tambm a emigrao vem em auxlio como freio tem porrio, mas nas classes extremam ente pobres no est muito difundida.

    Conforme observou Malthus, existe motivo de se suspeita r que atualm ente o poder reprodutivo m enor nas raas sem cultura do que naquelas civilizadas. Nada sabemos de positivo sobre este ponto, visto que no se fez nenhum recenseamento dos selvagens; mas, com a ajuda do testemunho de missionrios e de outros que tm residido durante muito tempo no meio destes povos, parece que via de regra as suas famlias so exguas e s raram ente numerosas- Isto talvez possa ser parcialm ente explicado com o fato de que as mulheres aleitam os bebs durante m uito tempo; mas muito provvel que os selvagens, que m uitas vezes sofrem privaes e no tm tantos alimentos nutritivos quanto os povos civilizados, sejam atualm ente menos prolficos. Numa obra anterior (58) fiz ver que todos os quadrm anos e as aves domsticas e todas as plantas cultivadas so mais frteis do que as espcies correspondentes num estado selvagem. Tambm no serve de vlida objeo a esta hiptese o fato de que os animais nutridos im previstam ente com demasiado alimento ou gorduras em demasia bem como muitssimas plantas de um a hora para outra transplantadas de um solo muito pobre para um outro muito rico se tornam mais ou menos estreis. Por isso era de se esperar que os homens civilizados, que num certo sentido so mais dom sticos, fossem mais prolficos do que os selvagens. tam bm provvel que a aum entada fertilidade das naes civilizadas se torne um carter hereditrio, como acontece com os animais domsticos: pelo menos se sabe que no gnero humano existe nas famlias um a tendncia a gerar gmeos (59).

    Embora os selvagens paream menos prolficos do que os povos civilizados, sem dvida aqueles aum entariam rapidamente se o seu nmero fosse violentamente reduzido por alguns fatores. Os sntalos, tribo das colinas da ndia, ofereceram recentemente um exemplo que vem respaldar o que afirmamos; com efeito, como nos diz H ubert (60), desde que a vacinao foi introduzida aum entaram em proporo extraordinria, outras pestilncias foram mitigadas e a guerra foi

    58) Variation of Animais and Plants under Domestication, vol. II, pgs. 111-113, 163.

    59) Sedgwick, British and Foreign Medico-Chirug. Review, julho de 1863, pg. 170.

    60) The Annals of Rural Bengal, de W.W. Hunter, 1868, pg. 259.

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  • severamente reprim ida. Contudo este aum ento no teria sido ossvel se estas populaes rudes no se tivessem espalhado

    pos distritos vizinhos e no tivessem trabalhado base de pagamento. Os selvagens quase sempre se casam; existe contudo algum freio, segundo o qual comumente no se casam jovens demais. Muitas vezes se pede aos jovens que m ostrem que podem sustentar uma m ulher e em geral antes tm que encontrar o meio com que compr-la dos pais. A dificuldade que os selvagens tm de conseguir os meios de subsistncia limita o seu nm ero de m aneira mais direta do que entre os civilizados, visto que todas as tribos sofrem periodicamente de duras carestias. Nestes perodos os selvagens so obrigados a alimentar-se muito mal, do que se ressente a sua sade; muitas notcias tm sido veiculadas sobre a salincia do estmago e dos membros emagrecidos depois e durante tais carestias. Nesses prodos so tambm forados a andar errantes por muito tempo e, conforme me tem sido asseverado na Austrlia, grande nmero dos seus filhos perece. De vez que as carestias so peridicas, dependendo principalm ente das estaes mais duras, todas as tribos variam de nmero. Elas no podem aum entar duradoura e continuamente, enquanto no houver aum ento artificial nas provises de alimento. Quando atingidos duramente, os selvagens invadem uns os te rritrios dos outros, provocando a guerra; mas na realidade quase sempre esto enf guerra com os vizinhos. Ficam expostos a muitos riscos por m ar e por terra, em sua procura de alimento e em m uitas regies sofrem muito em virtude do grande nmero de animais ferozes. Na ndia distritos inteiros foram despovoados pelas incurses dos tigres.

    Malthus debateu estes numerosos obstculos, mas no enfatizou aquele que provavelmente o mais im portante de todos, ou seja o infanticdio, especialmente perpetrado contra os bebs meninas, e o costume de provocar o aborto- Atualmente estas prticas prevalecem em m uitas partes do mundo e o infanticdio parece que prevaleceu um a vez em escala ainda mais ampla, conforme dem onstrou M'Lennan (61). Parece que esta prtica se originou dos selvagens que se viam a braos com a dificuldade, ou antes a impossibilidade, de manter todos os filhos nascidos. Aos obstculos supracitados se pode acrescentar a depravao, mas esta deriva da falta de meios de subsistncia, em bora haja motivo para se crer que em alguns casos (como no Japo) tenha sido encorajada propositalmente como meio para conter a populao.

    61) Primitive Marriage, 1865.

    61

  • ]Se levarmos em considerao um a poca bastante lon

    gnqua, antes que o homem alcanasse a dignidade de ser humano, veremos como ele era guiado mais pelo instinto e menos pela razo, do que o so atualm ente os mais nfimos selvagens. Os nossos prim eiros antepassados semi-humanos no teriam praticado o infanticdio ou a poliandria, pois que o instinto dos seres inferiores no nunca to pervertido (62) a ponto de induzi-los a destru ir regularm ente a sua prole ou a ser com pletam ente desprovidos de am or prprio. No teria ' havido prudentes freios para o m atrim nio e os sexos se teriam unido livrem ente desde jovens. Por conseguinte os antepassados do homem devem ter tido a tendncia de aum entar ~ rapidam ente o seu nmero; mas por outro lado obstculos, quer peridicos, quer constantes, devem te r lim itado o seu nmero, at m ais duram ente do que nos selvagens atuais. No podemos dizer qual tenha sido a natureza precisa desses obstculos, no mais do que para m uitssim os outros animai; Sabemos que os cavalos e os bovinos, que no so excessivamente prolficos, quando pela prim eira vez foram deixados livres na Amrica do Sul aum entaram em propores enormes. O elefante, o mais lento proliferador de todos os ani- 5 mais que se conhecem, em poucos m ilhares de anos poderia encher o mundo inteiro. O incremento de qualquer espcie que seja de smio necessariamente dificultado de qualquer modo, mas no, como observa Brehm, por ataques de animais de presa. Ningum querer sustentar que a atual capacidade de reproduo dos cavalos e dos bois selvagens fosse no comeo sensivelmente m aior ou que essa mesma faculdade viesse a faltar, to logo cada distrito se fosse enchendo total- 1 mente. Sem dvida, neste como em todos os demais casos, con- j correm m uitos e variados obstculos em circunstncias diversas: as carestias peridicas, que dependem de estaes desfavorveis, so provavelmente as mais im portantes de todas. |

    62) Um escritor do Spectator, de 12 de maro de 1871, pg. 320, comenta da seguinte maneira esta passagem: Darwin se v forado a introduzir uma nova doutrina da queda do homem. Ele mostra que os instintos dos animais superiores so mais nobres do que os usos das raas selvagens do homem e por isso se v obrigado a reintroduzir numa forma de substancial ortodoxia, da qual parece estar completamente incnscio e a introduzir como hiptese cientfica, a teoria de que a aquisio do conhecimento foi para o homem causa de um temporneo porm persistente deterioramento moral, conforme indicado por muitos costumes imorais, especialmente matrimoniais, das tribos selvagens. Que que a tradio hebraica afirma, seno esta mesma coisa, quando considera como uma degenerescncia moral do homem a sua curiosidade em conhecer que lhe foi vedada pelos instintos superiores?.

    62

  • Assim o que deve te r acontecido com os antigos antepassados do homem.

    Seleo natural Temos agora visto que o homem varia no corpo e na mente e que as variaes so determinadas tanto diretamente como indiretam ente pelas mesmas causas

    Ue obedecem s mesmas leis gerais dos animais inferiores. 0 homem se espalhou amplamente sobre a face da te rra e durante as suas incessantes migraes (63) deve te r ficado exposto s mais variadas condies- Os habitantes da Terra do Fogo, do Cabo da Boa Esperana e da Tasmnia, num hemisfrio, e das regies rticas no outro devem ter passado por muitos climas e devem ter m udado os seus hbitos m uitas vezes antes de chegar s suas m oradias atuais (64). Os primeiros antepassados do homem devem ter tido tambm a tendncia, como todos os outros animais, a te r um incremento alm dos seus meios de subsistncia; e por isso extemporaneamente e irregularm ente devem ter sido expostos a um a luta pela existncia e conseqentemente a um a rgida lei de seleo natural. Desta maneira devem ter ficado benficas variaes de todos os gneros, quer ocasionalmente, quer habitualmente e devem ter sido eliminadas as danosas. No me refiro a desvios de estruturas fortem ente caracterizadas, que ocorrem somente em longos intervalos de tempo, mas as simples diferenas individuais. Sabemos por exemplo que os m sculos das mos e dos pfs que determ inam o nosso poder de movimento esto sujeitos a um a variabilidade incessante, como aqueles dos animais inferiores (65). Se mais tarde os antepassados do homem, que habitavam um a dada zona, particularmente sujeita a qualquer mudana de condies, se dividiram em dois sodalcios iguais com um a parte abrangendo todos os indivduos mais aptos a conseguir meios de sustento ou como defender-se, por fora do seu poder de movimento em mdia teriam sobrevivido em maior nmero e teriam gerado prole maior do que a outra parte menos dotada.

    Embora no estado atualmente mais atrasado, o homem no obstante o animal mais potente que jam ais apareceu

    , A 63te propsito confira qualquer boa observao de W. Stan-Pg 2310nS em A D*111*1011 roim Darwins Theory, em Nature, 1869,

    64> Latham, Man and his Migrations, 1851, pg. 135.7 65) Murie e Mivart em seu Anatomy of the Lemuroidea (Transact,poiog. soc., vol. VII, 1869, pgs. 96-98) afirmam: Alguns msculos

    tao irregulares na distribuio que no podem ser classificados n._ nenhum dos grupos superiores. Estes msculos diferem tambm

    dos opostos do mesmo indivduo.

    63

  • Tsobre a terra. Espalhou-se mais am plam ente do que qualquer I outra form a altam ente organizada; e todas as demais se tm dobrado diante dele. Ele deve claram ente esta imensa superioridade s suas faculdades intelectuais, aos seus costumes sociais que o guiam em ajuda e defesa dos companheiros bem como sua estru tura fsica. A suprem a im portncia destes caracteres foi provada pela deciso final da luta pela vida.A linguagem articulada evoluiu atravs do seu poder intelec- I tual e o seu maravilhoso avano dependeu sobretudo disto. Como observa Chaucey W ritght (66), um a anlise psicolgica * da faculdade da linguagem m ostra que tam bm o m enor progresso deve exigir mais capacidade intelectual do que o maior K progresso em toda outra direo. Inventou a linguagem e est em condies de usar armas, instrum entos, arm adilhas, etc., com o que se defende, m ata ou caa a presa e obtm tambm o alimento. Construiu jangadas e canoas para pescar e para chegar s vizinhas ilhas frteis. Descobriu a arte de fazer j o fogo, com o qual razes duras e fibrosas so tornadas dige- \ rveis e razes e ervas venenosas se transform am em incuas;A descoberta do fogo, provavelmente a m aior que o homem jamais realizou, afora a linguagem, precede a alvorada da his- , tria. Estas numerosas invenes, por fora das quais o ho- | mem primitivo se tornou to predom inante, constituem resultado direto do desenvolvimento dos seus poderes de observa- ? o, memria, curiosidade, imaginao e razo. No consigo ? por conseguinte com preender como que Wallace pode defender que a seleo natural s pode te r provido o selvagem dum crebro pouco superior quele de um sm io (67)

    Em bora os poderes intelectuais e os usos sociais do ho-

    66) Limits of Natural Selection, em North American Review, outubro de 1870, pg. 295.

    67) Quarterly Review, abril de 1869, pg. 392. Este assunto discutido mais amplamente em Contributions to the Theory of Natural Selection, 1870, de Wallace, no qual so republicados todos os ensaios a que se faz referncia neste trabalho. Essay on Man tem sido criticado habilmente por Claparde, um dos mais eminentes zologos europeus, num artigo que foi publicado em Bibliothque Universelle, junho de 1870. A nota citada em meu texto surpreender qualquer um que tenha lido o clebre escrito de Wallace sobre The Origin of Human Races deduced rom the Theory of Natural Selection, publicado inicialmente em Anthropological Review, maio de 1864, pg. CLVIII. No posso deixar de citar uma observao exatssima do Sr. J. Lubbock (Prehistoric Times, 1865, pg. 479) a respeito deste escrito, a de que Wallace com caracterstico altrusmo a atribui (a idia da seleo natural) sem reservas a Darwin, muito embora, como se sabe, ele tenha elaborado a idia independentemente e publicou-a, embora no com a mesma formulao, no mesmo momento.

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  • mem sejam de capital im portncia para ele, no devemos subestimar a im portncia da sua estru tu ra fsica, assunto este

    ue ser tratado no captulo que se segue a este; num captulo sucessivo ser debatido o desenvolvimento das faculdades intelectuais, sociais e morais.

    Tambm o uso com preciso do m artelo no coisa de h pouco tempo, como adm itir qualquer pessoa que tenha tentado aprender a arte de carpinteiro. Lanar com preciso uma pedra contra um alvo como faz um habitante da Terra do Fogo ao defender-se ou ao m atar pssaros requer a mais consumada perfeio no unir a ao dos msculos da mo, do brao, do om bro e sobretudo um bom senso do tato. Arremessando um a pedra ou uma lana e realizando muitas outras aes, o homem deve firmar-se nos ps; e isto requer ainda a perfeita coeso de numerosos msculos. Forjar um a pedra num utenslio ainda que rstico ou de um a pedra construir uma lana ou uma armadilha, coisa que requer o emprego de uma mo perfeita; visto que, conforme observa o mais autorizado juiz, Schoolcraft, de pedaos de pedra fazer facas, lanas ou pontas de flechas revela "um a extraordinria habilidade e uma longa prtica" (68). Isto est provado em longa medida pelo fato de que os homens primitivos praticavam uma diviso do trabalho; cada homem no produzia os prprios instrum entos de pedra ou os rsticos utenslios, mas parece que alguns se efedicavam a este trabalho, recebendo sem dvida em troca os produtos da caa. Os arquelogos

    .esto convencidos de que se passou um enorme intervalo d tempo antes que os nossos antepassados pensassem em transformar as pedras lascadas em utenslios levigados. No difcil crer que um animal semelhante ao homem, dotado de uma mo e de um brao suficientemente perfeitos para lanar uma pedra com preciso ou para fo rja r da pedra um utenslio grosseiro, poderia, mediante suficiente prtica no que tange unicamente a m aestria mecnica, fazer quase tudo aquilo que pode ser feito por um homem civilizado. A estru tura da mo, para este aspecto, pode ser com parada quela dos orgos vocais que nos smios so usados para em itir vrios gritos de sinal ou, como num a espcie, cadncias musicais; mas no liom em rgos vocais bastante semelhantes vieram se adaptando atravs dos efeitos hereditrios do uso pela pronuncia da linguagem articulada.

    Voltando-nos agora para os mais estreitos afins do ho-

    68) Citado por Lawson Tait em seu Law of Natural Selection, em publin Quarterly Journal of Medicai Science, fevereiro de 1869. O Dr. iveller tambm citado com o mesmo escopo.

    65

  • mem e portanto aos melhores representantes ds nossos primeiros antepassados, vemos que as mos dos quadrmanos esto construdas segundo o mesmo modelo geral das nossas, mas esto m uito menos perfeitam ente adaptadas aos diversos usos. As suas mos no se prestam para a locomoo to bem como os ps do cho, conforme se pode ver em alguns smios, por exemplo o chimpaz e o orangotango que caminham apoiados na margem externa da palm a ou nas juntas dobradas (69). As suas mos, contudo, so maravilhosamente adaptadas para pular nas rvores. Os smios se agarram aos ramos finos ou s cordas com os polegares de um a parte e os dedos e a palma do outro lado, da mesma maneira que ns. Podem assim carregar na boca tambm objetos at grandes, como o gargalo de um a garrafa. Os babunos lanam pedras e escavam as razes com as mos, agarram nozes, insetos e outros pequenos objetos com o polegar oposto aos outros dedos e sem dvida desta m aneira podem re tira r os ovos e os filhotes dos ninhos dos pssaros. Os smios americanos golpeiam as laranjas selvagens nos galhos at que a casca se rache e ento as descascam com os dedos das duas mos. Num estgio selvagem quebram os frutos difceis de abrir-se com pedras. Outros smios abrem as cascas dos frutos de m ar com os dois polegares. Com os dedos tiram espinhos e cascas e procuram reciprocamente os parasitas. Rolam para baixo as pedras ou lanam-nas contra os inimigos: no obstante, so desajeitados nestas vrias aes e, como eu mesmo vi, so totalm ente incapazes de arrem essar um a pedra com preciso-

    Parece-me estar muito longe da verdade dizer que os smios, porque agarram os objetos desajeitadam ente, teriam podido servir-se igualmente to bem de "um rgo prensil muito menos funcional (70) do que as atuais mos. Ao contrrio no me parece que se possa duvidar que mos melhor construdas lhes teriam sido mais teis, conquanto no se tornassem de ta l modo menos aptas a trepar nas rvores. Podemos suspeitar que um a mo perfeita como a do homem tivesse sido desvantajosa para subir nas rvores; efetivamente, os smios mais arbreos do mundo, isto , Ateies na Amrica, Colobus na frica e Hylobates na sia ou no possuem polegar, ou os dedos so parcialm ente unidos, de modo que as suas extremidades so reduzidas a simples ganchos para agarrar-se (71).

    69) Owen, Anatomy of Vertebrates, vol. III, pg. 71.70) Quarterly Review, abril de 1869, pg. 392.71) Em Hylobates syndactylus, conforme o prprio nome ex-

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  • To logo um antigo membro da grande srie dos prima- tas foi induzido a viver menos nas rvores por causa de um a mudana na sua maneira de providenciar os meios para viver ou por fora de alguma alterao nas condies ambientais, a sua m aneira habitual de proceder deve ter-se modificado: e assim deve ter-se transform ado mais especificamente em quadrm ano ou bpede. Os babunos freqentam zonas de colinas e rochosas e somente por necessidade trepam em rvores altas (72) e alcanaram quase a m aneira de andar de um co. Somente o homem tornou-se um bpede e creio que ao menos em parte se pode com preender como que ele conseguiu assum ir a posio ereta, a qual constitui um a de suas caractersticas mais conspcuas. O homem no poderia te r alcanado a sua atual posio de dpmnio no mundo sem o uso das mos que esto to maravilhosam ente adaptadas para agir segundo a sua vontade. O sr. C. Bell sustenta que a mo substitui todos os instrum entos e em face de sua relao com o intelecto lhe confere um domnio universal (73). Mas as mos e os braos dificilmente se teriam aperfeioado a tal ponto de fabricar instrum entos e arrem essar pedras e lanas com uma m ira precisa at que fossem habitualm ente usadas para a locomoo e para sustentar o peso do corpo ou, como foi notado anteriorm ente, at que fossem particularm ente adaptadas para subir nas rvores. Semelhante uso rstico teria tmbm atrofiado o sentido do tato, sobre o qual se baseia largamente o seu*uso delicado. Somente por estas causas teria tido o homem vantagem de tornar-se um bpede; mas para m uitas aes indispensvel que os braos e toda a parte superior do corpo estejam livres; e para esta finalidade deve firmar-se nos ps. A fim de alcanar esta grande vantagem, os ps se tornaram chatos e o prim eiro dedo sofreu um a modificao substancial, embora isto tenha causado a quase total perda do seu poder prensil. Isto se coaduna com o princpio da diviso do trabalho fisiolgico, que prevalece no gnero animal, para o qual logo que as mos se tom am aptas para a presa, os ps se adaptam ao sustento e ao transporte. Em alguns selvagens, porm, o p no adquiriu completamen-

    prime, normalmente dois dos dedos esto grudados e isto, como me diz Blyth, s vezes acontece com os dedos do Hylobates agilis, lar, e leuciscus. o clobo essencialmente arbreo e extraordinariamente ativo (Bfehm, Thierleben, vol. I, pg. 50), mas no sei se ser um trepador melhor do que as espcies dos gneros afins. digno de nota o fato de que os ps dos tardgrados, os animais mais arbreos do mundo, se assemelham extraordinariamente a ganchos.

    72) Brehm, Thierleben, vol. I, pg. 80.73) The Hand, etc., Bridgwater Treatise, 1833, pg. 38.

    67

  • te o seu poder prensil, como se v pela sua m aneira de subir nas rvores e de us-las para outros fins (74).

    Se constitui vantagem para o homem manter-se ereto nos ps e te r as mos e os braos livres sobre o que alis no existe a m enor dvida em seu xito na batalha pela vida, ento no posso entrever nenhum a razo porque no deva te r sido vantajoso para os antepassados do homem assum ir sempre mais a posio ereta e tornar-se bpedes. Desta m aneira devem ter estado mais aptos a defender-se com pedras e bastes, a atacar a sua presa ou a conseguii$ tambm o alimento. Os indivduos m elhor construdos num longo perodo teriam tido mais xito e teriam sobrevivido em maior nmero. Se o gorila e poucas form as anlogas se tivessem extinguido, da se teria deduzido, como conseqncia e de m aneira qparentemente verdadeira, que um animal no podia ter-se gradualm ente transform ado de quadrm ano em bpede, enquanto todos os indivduos num estado interm edirio teriam sido bastante pouco adaptados ao avano- Mas sabemos, e isto digno de reflexo, que os smios antropomor- fos atualmente no se acham numa condio intermediria; e ningum duvida que no conjunto estejam bem ajustados s suas condies de vida. Assim, o gorila corre com um a anda- tu ra oblqua e desajeitada, mas mais comumente avana apoiando-se nas mos dobradas. Os smios com braos compridos usam-nos ocasionalmente como sustentculo, movimentando o corpo para a frente entre eles, e algumas espcies de Hylobats, sem que tenham sido ensinadas, podem cam inhar ou correr perpendicularm ente com discreta velocidade; contudo, movimentam-se desengonadamente e com muito menos segurana do que o homem. m resumo, nos smios atuais divisamos uma maneira de andar interm ediria entre a de um quadrm ano e a de um bpede; mas, conforme sustenta um juiz im parcial (75), os smios antropom orfos se aproximam na estru tura mais dos bpedes do que dos qua- drmanos.

    medida que os antepassados do homem iam sempre

    74) Hckel faz um exame excelente das passagens atravs das quais o homem se tornou bpede, em Natrliche Schpfungsgesi- chichte, 1868, pg. 507. O Dr. Bchner (Confrences sur la Thorie Darwinienne, 1869, pg. 135) apresentou timos exemplos sobre o uso dos ps como rgos prenseis para o homem e escreveu tambm a respeito da maneira de andar dos smios superiores, a que fao meno no pargrafo seguinte. Cfr. tambm Owen (Anatomy of Vertebrates, vol. III, pg. 71) para elucidao deste ltimo ponto.

    75) Broca, La Constitution des Vertbres caudales, em La Revue dAnthropologie, 1872, pg. 26 (cpia em separado).

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  • mais assumindo a posio ereta, com as m os e os braos sempre mais modificados de m aneira a tornarem -se capazes de agarrar e aptos para outros fins, com os ps e as pernas transformados ao mesmo tempo qual base firm e e meio de locomoo, deviam fazer-se necessrias outras m udanas infinitas de estru tura. O osso plvico deve ter-se alargado, a espinha dorsal deve ter-se curvado particularm ente para dentro e a cabea deve ter-se fixado num a posio diferente; m udanas estas todas elas conseguidas pelo homem. O prof. Schaaffhausen sustenta "que os fortes processos mastideos dos crnios humanos so os resultado da sua posio ereta" (76), que estes processos no existem no orangotango, no chimpanz, etc. e que no gorila so menores do que no homem. Poderiam ser acrescentadas vrias outras estruturas que aparecem conexas com a posio ereta do homem. difcil decidir em que medida estas modificaes correlatas constituem o resultado da seleo natural e at que ponto so o resultado dos efeitos hereditrios do aum ento do uso de certas partes ou da ao de uma parte sobre a outra. No resta dvida alguma de que estes instrum entos de m udana muitas vezes cooperam; assim, quando certos msculos e a parte de cima, do osso a que esto presos se alargam para o uso habitual, este fato r revela que certas aes se realizam habitualmente e devem ser teis. O resultado disto que os indivduos que as realijavam tinham melhor tendncia a sobreviver em m aior nmero.

    O livre uso dos braos e das mos, parte causa e parte resultado da posio ereta do homem, parece que guiou de maneira indireta as outras modificaes de estrutura. Os p rimeiros ascendentes do homem provavelmente eram providos de caninos grandes, conforme anteriorm ente estabelecido; mas, adquirindo gradativamente o hbito de usar pedras, bastes ou outros meios para com bater os seus inimigos u rivais, teriam usado sempre menos as mandbulas e os dentes. Neste caso as dimenses das maxilas e dos dentes se teriam reduzido, do que nos fazem quase seguros inmeros casos anlogos. Num captulo que se segue depararemos com um caso totalm ente semelhante de reduo ou completo desaparecimento dos caninos nos rum inantes machos, aparentem ente em rlao com o desenvolvimento dos chifres, e nos ca-

    76) On the Primitive Form of the Skull, referido em Anthropological Review, outubro de 1868, pg. 428. Owen (Anatomy of Vertebrates, vol. II, 1866, pg. 551) escreve a respeito dos processos mastideos nos smios superiores.

    69

  • valos em relao ao seu hbito de combater com os incisivos e as unhas.~ Nos machos adu ltos dos smios antropom orfos, conforme Riitimeyer e ou tro s sustentaram (77), o efeito sobre o crnio do desenvolvim ento dos msculos maxiliares faz com que este difira em tantos aspectos daquele do homem, conferindo a estes an im ais "uma fisionomia verdadeiram ente espantosa. Por isso , enquanto as maxilas e os dentes nos antepassados do hom em vinham gradativamente reduzindo-se de dimenses, o c rn io do adulto devia chegar a parecer-se sempre mais com aq uele do homem atual. Como veremos mais tarde, uma grande reduo dos caninos nos machos deve terquase certam ente alterado os dentes das fmeas atravs da hereditariedade-

    Enquanto as V rias faculdades mentais se desenvolviam, quase certo que o crebro devia tornar-se maior. Creio que no h quem duv ide que a dimenso do crebro e aquela do seu corpo, com parada com a mesma proporo no gorila ou no orangotango e s t estreitam ente ligada s suas faculdades mentais superiores. Deparamos com fatos estreitam ente anlogos nos insetos; efetivam ente, nas formigas as dimenses dos gnglios ce reb ra is so extraordinrias e em todos os hi- menpteros estes gnglios so muito maiores do que em ordens menos in teligentes, como os escaravelhos (78). Por outro lado, ningum ju lg a que a inteligncia de dois animais ou de dois homens pode ser cuidadosamente medida pela capacidade dos seus crn io s. certo que pode haver um a extraordinria a tiv idade m ental com uma quantidade absoluta extremamente p eq u en a de m atria nervosa; assim so conhecidos os instintos m aravilhosam ente diversificados das form igas, os seus poderes mentais e os seus estados afetivos, e no entanto os seus gnglios cerebrais no possuem um a largura m aior do que um qiuarto de cabea de um pequeno alfinete. Sob este ponto de v is ta , o crebro da formiga um dos maismaravilhosos to m o s de m atria do mundo, talvez mais do que o crebro hum ano .

    A opinio de q u e no homem existiria um a qualquer relao entre o volume do crebro e o desenvolvimento das faculdades intelectuais valorizada pela relao entre o crnio

    77) Die Grenzen der* Thierwelt, eine Betrachtung zu Darwins Lehre, ;1868, pg. 51.

    78) Dujardin Annajes des Sc. Nat., 3.* srie zoolog., tomo XIV,1850, pg. 203. Cfr. tambem Lowne, Anatomy and Phys. of the Musca ;vomltoria, 1870, pg. 14. Meu filho, F. Darwin, dissecou para mim os gnglios cerebrais de Fonroica rufa.

    70

    I

    das raas salvagens e aquele das raas civilizadas, entre aquele inteira srie dos vertebrados. O Dr. J. B arnard Davis provou, dos povos antigos e o dos povos modernos e pela analogia da com muitas medidas feitas com toda ateno, que a capacidade mdia interna do crnio dos europeus de 9,3 polegadas cbicos; a dos americanos, 87,5; a dos asiticos, 87,1 e a dos australianos, somente 81,9 (79). O prof- Broca notou que no sculo XIX os crnios dos cadveres em Paris eram mais amplos do que aqueles encontrados nos tm ulos do sculo X II e estavam na relao de 1484 a 1426 (80); e qe o aum ento de grandeza, como se v pelas medidas, se dava exclusivamente na parte frontal do crnio, sede das faculdades intelectivas. Prichard est convencido de que os atuais habitantes da Bretanha possuem "caixas cranianas m uito mais capazes do que os antigos. Apesar disto, deve-se adm itir que alguns crnios muito antigos, como aquele famoso de Nanderthal, so bem desenvolvidos e capazes (81). Com respeito aos animais inferiores, E. Lartet, ao estabelecer um a comparao entre os crnios dos mamferos tercirios com aqueles recentes, pertencentes ao mesmo grupo, chegou notvel concluso de que o crebro geralmente mais largo e as pregas so mais complexas nas formas mais recentes (82). Por outro lado dem onstrei que o crebro dos coelhos domsticos consideravelmente reduzido em grandeza em comparao com o dos coelhos selvagens ou das lebres (83); e i |to se pode atribu ir ao fato de que, tendo permanecido fechados durante m uitas geraes, s pouco exercitaram o seu intelecto, os instintos, os sentidos e os movimentos voluntrios. ' ,

    O gradual aumento do peso do crebro e do crnio do homem deve te r influenciado o desenvolvimento da coluna verte-

    79) Philosophical Transactions, 1869, pg. 513.80) Les S le c t io n s , de P. Broca, em Revue dAnthropologie, 1873;

    cfr., no que vai citado, em Lectures on Man, de C. Vogt, trad. higljes^ a 1864, pgs. 88, 90; Prichard, Phys. Hist. of Mankind, vol. I, 1838, pg. 305.

    81) No interessante artigo a que fiz agora meno, com acerto Broca observou que nas naes civilizadas a capacidade mdia do crnio reduzida pela presena de um considervel nmero de indivduos, fracos de intelecto e de corpo, que no estado selvagem teriam sido imediatamente' eliminados. Por outro lado, nos selvagens a mdia abrange somente os indivduos hbeis, que foram capazes de sobreviver em conceies de vida extremamente rduas. Broca explica assim o fato, que de outra forma no teria explicao, de que a capacidade mdia do crnio do antigo troglodita de Lozre maior do que aquela do francs moderno.

    82) Compbes-rendus des Sciences..., 1. de junho de 1868.83) The Variation of Animais and Plants nnder Domestication, vol.

    I, pg. 124-129.

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  • bral, que lhe serve de sustentculo, sobretudo enquanto esta- j va assumindo a posio ereta. Enquanto se relizava esta mu- ; dana de posio a presso interna do crebfo ter tambm i influenciado na form a do crnio; com efeit, muitos dados i m ostram com que facilidade o crnio se modifica desta ma- , neira. Os etnlogos crem que se tenha alterado pelo tipo de \ bero em que dorme o beb; os espasmos hafcituais dos ins- \ culos e uma cicatriz devida a uma grave queim adura modificaram num homem, permanentemente, os ossos faciais; em jovens que tm a cabea dobrada para o lado e para trs por 1 causa de um a doena, um dos olhos mudou de posio e a forma do crnio se alterou, aparentem ente por causa da presso do crebro, para um a nova direo (84). Tenho m ostrado que em coelhos com orelhas compridas tam bm um a causa insignificante como a parte anterior pndula de um a orelha arrasta quase todo o osso do crnio para aquele lado; desta maneira os ossos no lado oposto no correspondem mais com a mesma preciso. Enfim, se todo animal devesse aum entar ou dim inuir muito no aspecto geral sem nenhum a mudana nos seus poderes mentais, ou se as faculdades mentais devessem ser aum entadas em maior escala ou ento diminudas sem nenhuma grande mudana nas dimenses do corpo, a form a do crnio seria quase certam ente alterada. Estas dedues as tirei das minhas observaes que fiz nos coelhos domsticos, dos quais alguns tipos se tornaram muito maiores do que aqueles selvticos, enquanto que outros conservaram mais ou menos a mesma dimenso, mas em ambos os casos o crebro se reduziu consideravelmente com relao grandeza do corpo. Inicialmente fiquei m uito surpreso ao verificar que em todos estes coelhos o crnio se tornara mais com prido ou dolicoc- falo; por exemplo, de dois crnios de igual largura, um de m coelho selvtico e o outro de um coelho domstico, o comprimento do prim eiro era de 3,15 polegadas, enquanto que o segundo era de 4,3 (85). Uma das diferenas mais notveis has diversas raas dos homens consiste no fato de que o crnio em algumas delas alongado enquanto que em outras arre-

    84) Schaaffhausen toma emprestados de Blumenbach e Busch os exemplos de espasmos e cicatrizes, em Anthropological Review, outubro de 1868, pg. 420. O prof. Jarrold (Anthropologia, 1808, pgs. 115-116) toma emprestados, de Camper e de observaes pessoais, exemplos de modificao de crnio, fixado de maneira fora da natureza. Ele acredita que em certos trabalhos, como aquele do sapateiro em que a cabea est habitualmente curvada para frente, a fronte se toma mais redonda e saliente.

    85) Variation of Animais.. vol. I, pg. 117, sobre o alongamento do crnio, pg. 119 sobre os efeitos do corte de uma orelha.

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  • Rondado; aqui pode ser aplicada a explicao aventada pelo exemplo dos coelhos: na realidade Welcker acha que "os ho- jxiens baixos esto mais propensos braquicefalia e os altos, dolicocefalia" (86); os homens altos podem ser comparados aos coelhos com corpos mais largos e mais compridos, os quais possuem todos o crnio alongado e so dolicocfalos.

    Por estes numerosos fatos podemos compreender, de algum modo, a m aneira como o homem adquiriu a grande dimenso e a form a mais ou menos arredondada do crnio; sobretudo estes caracteres o distinguem frente aos animais inferiores .

    Uma outra notabilssirna diferena entre o homem e os animais inferiores consiste na nudez da pele. As baleias