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      h     t     t    p    :      /      /    s    a      l    a    c    o    n    v      i    v      i    o  .    c    o    m  .    s    a    p    o  .    p     t História de Portugal Medieval Economia e Sociedade Apontamentos de: António Farelo Email: [email protected] Data:  2001/02 Livro:O adoptado no referido Ano Lectivo. A Sala de Convívio da Universidade Aberta  é um site de apoio aos estudantes da Universidade Aberta, criado por um aluno e enriquecido por muitos. Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor , para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode, de forma alguma, ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes neste documento. Este documento não pretende substituir de forma alguma o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possivel imputar-lhe quaisquer  responsabilidades. Copyright:  O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser  publicado e distribuido fora do site da Sala de Convívio da Universidade Aberta sem o seu consentime nto prévio, exp resso por escrito.

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História de Portugal

MedievalEconomia e Sociedade

Apontamentos de: António FareloEmail: [email protected]: 2001/02

Livro:O adoptado no referido Ano Lectivo.

A Sala de Convívio da Universidade Aberta é um site de apoio aos estudantes da

Universidade Aberta, criado por um aluno e enriquecido por muitos. Este documento é

um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor , para que possa auxiliar 

ao estudo dos colegas. O autor não pode, de forma alguma, ser responsabilizado por 

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I PARTE

AS PRESENÇAS GERMÂNICA E ISLÂMICA

1. Os reinos bárbaros (411-711)

1.1 Estabelecimento 

Os Visigodos estabeleceram-se como Estado, na Hispânia, desde 507. Este povogermano nela penetrara, desde o primeiro quartel do século V, com o estatuto de povofederado do imperador romano do Ocidente, com o objectivo determinante de expulsar daPenínsula os suevos, os alanos, os vândalos asdingos e os vândalos silingos, germanosque aqui se fixaram a partir de 409.

1.2 Os Suevos Das quatros famílias de povos germânicos que penetraram na Península, em

409/411, apenas os suevos tiveram uma permanência mais duradoura num espaço queviria, em parte a pertencer a Portugal, absorvendo em si os alanos e os vândalos silingos.

A fusão das duas etnias, a germana e a peninsular, coabitou no primeiro reinobárbaro católico, até 470, altura em que os visigodos, comandados por Eurico,recomeçaram, a conquista sistemática do decadente reino suevo que viria a terminar, notempo do rei Leovigildo, em 585, com a tomada definitiva de Braga.

1.3 Os Visigodos (476-711)

1.3.1 A unificação  

Depois da derrota dos suevos, a Hispânia identificava-se na sua quase totalidadecom o Estado visigótico.

A concentração nesta região central da Península, mais rural que urbana, e o seureduzido peso demográfico em relação aos hispano-romanos impediu-os de dominarefectivamente a globalidade do território, obrigando-os a uma miscigenação étnica ecultural em cuja origem estiveram a conversão de Recaredo ao catolicismo com oabandono da heresia ariana pelos visigodos e a unificação dos direitos, codificada noLiber Juridiciorum , no tempo de Recesvindo, em 654.

1.3.2 A decadência da cidade  

A instalação dos povos germanos acompanhou a ruralização do mundo romano e adecadência das cidades. A sobrevivência da civitas derivou, na maior parte dos casos, daexistência de uma sé episcopal e, não, do facto de ela se definir como um centro deserviços administrativo, judicial e económico ou por uma oligarquia urbana.

1.3.3 A economia  

Os visigodos encontraram o predomínio do mundo rural na economia. De facto, asvillae peninsulares, sem atingirem as grandes áreas dos latifúndios gauleses ou italianos,persistiram com o seu carácter de auto-suficiência. Dedicavam-se à agro-pastorícia ou à

indústria das pescas e conserva de peixes, completando-as com uma ou outra actividadeartesanal, necessária à manutenção das alfaias agrícolas ou dos apetrechos pesqueiros,

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ou ao vestuário dos trabalhadores, servos ou livres, da villa . O comércio manteve-se,desenvolvido pelos elementos da minoria judaica.

1.3.4 A sociedade  

A importância política e social da Igreja iria tornar-se marcante no Estadovisigótico. O catolicismo definira-se como religião do Estado visigótico e identifica-se comele, gerando toda uma catequização, quer da população hispano-romana, quer visigoda.

Esta sociedade a que a Igreja imprimira um cunho próprio, definia-se pelasrelações privadas de um homem a um seu superior, o  patronus , um poderoso. Osvisigodos possuíam uma estrutura social marcada pela ligação de fidelidade e dedependência pessoal dos companheiros do rei a este. Estes companheiros do reivisigótico eram os gardingos a quem ele recompensava com a concessão de terras reais.

Estes hispanogodos viriam a legalizar a estrutura social vigente. O código de Euricoe a Lex Visigothorum  referiam a commendatio in obsequium , a propósito dos bucelários,ou seja, a situação jurídica que ligava um homem pobre a outro homem poderoso que outilizava como soldado particular. Outros tipos de encomendados eram mencionados na

legislação visigótica como gentes que se entregavam à protecção de  patroni  laicos ou daIgreja para receberem terras.

Gardinos e bucelários eram, nesta sociedade, os que se encontravamencomendados ou sob o patrocinium ou encomendação de um poderoso. No primeirocaso, este era o rei, no segundo, um senhor terratenente de origem hispanoromana, godaou mista. Neste contrato pessoal e vitalício, o  potens  assegurava protecção esobrevivência económica ao segundo, em troca de ajuda militar.

A estrutura superior da sociedade visigótica resultou da fusão horizontal dossenhores terratenentes hispano-romanos com a nobreza goda. A este grupo, iam os reisvisigóticos procurar os seus conselheiros, chefes militares e governadores das províncias.Eles constituíam o grupo dos  potentes , dos honestiores , dos maiores , ou dos nobiles , aquem o favor real comulava de honras e privilégios.

A esta minoria de poderosos e de possuidores contrapunha-se a maioria dapopulação, designada por humiliores , por  pauperes . Estes pobres ou os mais humildeseram os camponeses e o que restava dos artesãos.

Em conclusão, podemos dizer que o Estado visigótico prolongou as estruturaseconómicas e sociais, vigentes já no Baixo Império. As lutas dos vários bandos de nobrespelo domínio da realeza viriam facilitar a conquista da Península pelo Islão, no início doséculo VIII.

2. O domínio islâmico (711-1249)

2.1 A cidade islâmica 

Ao contrário da civilização visigótica, definida pelo primado do mundo rural sobre ourbano, o Islão e a civilização que o acompanhou na sua expansão, eram marcadamentecitadinos. É na cidade que se encontra a mesquita para a oração comum de sexta-feira,como mirab voltado para Meca.

O segundo elemento definidor da vida urbana do mundo islâmico era o mercado ousoco, constituído pelas suas tendas e lojas de produtos diversos, com excepção dosagrícolas, vendidos no arrabalde, que se levantava na parte nobre do centro da cidade emuito perto da mesquita-catedral.

Centro das vidas religiosa e económica, a cidade é também o cerne da vida política.Representante desta era o alcácer, a habitação do governador.

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Outros edifícios existiam na cidade muçulmana, como os banhos, quer por razõesde purificação ritual, quer de higiene, muitas vezes reconstrução das termas romanas, eos açougues. Os cemitérios situavam-se extramuros.

A cidade hispano-muçulmana ocupava uma área pequena. No entanto, ela não seencontrava confinada ao interior das muralhas estendendo os seus bairros para foradestas. Na zona exterior, erguiam-se também os bairros das populações moçárabe e judaica.

A estrutura do seu espaço ocupado apresentava-se matizada por ruas estreitas,travessas e becos, onde as casas se emaranhavam fechadas sobre si próprias nadaacessíveis aos olhares estranhos.

2.2 A economia 

A cidade integrava, na sua própria estrutura interna, um espaço económico pornatureza, o suq , o mercado que, com a mesquita e o alcácer, constituía o centro da urbeislâmica.

O Islão lavrou moeda forte e estável, em ouro e prata, que lhe viria a permitirafirmar-se como um poder económico, perante a Europa cristã ruralizada, onde aHispânia se incluía, e um perigoso concorrente no Levante mediterrânico em relação aoImpério romano do Oriente, cuja capital era Bizâncio.

Influenciados pelas cunhagens bizantinas e persas, cujos territórios os califas deDamasco foram conquistando, lavraram os dinares de ouro e os dirremes de prata.

Ao mesmo tempo e justificando a necessidade de existência de bom numerário,havia um movimento de mercadorias de origem diversa – oriental, norte africana,peninsular e europeia – que convergiam para os socos, fiscalizados pelos almotacés, ondeos produtos se vendiam em lojas e tendas agrupadas em ruas segundo as profissões.Oficinas e tendas eram património do Estado, pelo que a sua gestão dependia do Tesouropúblico ou dos waqf. 

Conquistadores, árabes e berberes repartiram, entre si e o Estado, as terras daHispânia arrancada às mãos dos cristãos. Assim, iremos encontrá-los como proprietáriose agricultores de um território que seria descrito e cantado pelos geógrafos e poetasmuçulmanos, pela sua riqueza agrícola, pela abundância e perfume dos seus pomares e jardins.

Em íntima conexão com a faina agrícola, os muçulmanos desenvolveram eintroduziram técnicas hidráulicas, cruzando os sistemas hidráulicos praticados pelosromanos e visigodos com os que trouxeram do Oriente.

Com a agricultura desenvolveu-se a criação de gado bovino, ovino e caprino.Interessaram-se pela apicultura.

2.3 A sociedade 

O Islão não impôs a religião pregada por Maomé aos vencidos. Estes integravam as«gentes do Livro», tal como os judeus. Uns e outros podiam praticar a sua religiãolivremente, em troca do pagamento de pesados tributos aos novos senhores. Constituíamo grupo social dos dimmis , os tributários, e eram a maioria da população.

Os descendentes dos hispanos-godos estavam unidos pelo cristianismo e pelo latimque sobreviveria nos núcleos moçárabes da Península, em comunidades prósperas enumerosas como as de Toledo e Mérida, em Espanha, ou as de Coimbra e de Lisboa, emPortugal.

Em compensação pela tolerância religiosa, os tributários eram obrigados a pagar

aos dominadores islâmicos a capitação ou gízia  e um imposto sobre o rendimento dasterras, o carage .

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Independentemente destas restrições, a população moçárabe estava ligada a umpacto, estabelecido com os invasores, que lhe conferia certas liberdades, como aliberdade de culto e de circulação, além de ter as suas autoridades próprias à frente dasquais estava o comes (conde) e poder ser julgada segundo o direito visigótico.

O desejo de participar no poder levou alguns moçárabes à conversão ao Islamismo,tornando-se musalima e sendo os seus descendentes designados por muladis .

A religião caracterizava esta nova comunidade, instalada na Hispânia, definindo-atambém na sua forma política.

Podemos afirmar que a parte ocidental do al-Andaluz teve uma importância menorna história do Islão peninsular, quer pela posição secundária das suas cidades, periféricaà área do califado de Córdova, quer pela pobreza do seu subsolo, quer pelascaracterísticas atlânticas do seu clima que não permitiram o investimento, nesta faixa, deprodutos mediterrânicos como as culturas do açafrão ou da cana-de-açúcar.

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II Parte

ECONOMIA

1. A Produção

1.1 A produção agro-pecuária

Sendo a agricultura a primeira actividade económica da população portuguesa, averdade é que ela não foi suficiente para o consumo interno, sobretudo, quando ascidades se afirmaram e aumentaram de população, a partir de finais do séc. XIII, tirandobraços ao campo, e quando as sucessivas crises agrícolas fizeram avançar os espectrosda fome e das doenças dela decorrentes.

Da terra, além dos bens produzidos para consumo interno, sairiam algumas dasnossas principais exportações: as frutas, nomeadamente as frutas secas, o vinho, oazeite, o mel, a cortiça e a grã, esta última destinada à indústria tintureira.

Anote a inexistência de arrozais, durante o período medieval, que o saibamos,embora o arroz fosse conhecido e consumido, assim como o da batata e do tomate queseriam introduzidos na Europa, após o descobrimento da América. A estes deve juntar omilho zaburro, trazido da Guiné, no séc. XV, e o milho maíz, proveniente do continenteamericano.

A fraca abundância de pastos ou de prados fazia com que não fossemos um reinoforte em criação de gado, embora também o não importássemos em grande quantidade,pelo que podemos supor que ela bastaria ao mercado interno. Completava-a a caça, querdos animais de pequeno porte, como os coelhos e lebres, aos de médio e grande porte,como os veados, os javalis ou os ursos.

1.1.1 Os cereais 

1.1.1.1 As crises cerealíferas e a mão de obra rural

Parece estar comprovado que o solo português e o seu clima não serão os maispropícios ao cultivo dos cereais e, sobretudo, do trigo que exige solos férteis e de relativahumidade.

O clima é, sem dúvida, o agente marcante de toda a produção agrícola, pois aschuvas em excesso ou fora de época, ou os frios anormais ou a estiagem prolongada têmconsequências, por vezes, irremediáveis, na produtividade. Por isso, quando estudamos operíodo medieval e até moderno, somos confrontados com as anotações anónimas a

grandes fomes, a mortandades, a pestes.A escassez trazia consigo a carestia e, obviamente, a fome. A doença atacava

facilmente os organismos debilitados, fazendo grassar as «pestilencias», ou seja,epidemias que provocavam mortandades generalizadas, sobretudo, entre os mais pobres.

Por isso, entre 1349 e 1351, a época de Trezentos veria surgir as primeiras leismedievais que coagiam o homem à terra e ao seu trabalho, impedindo-lhe a livrecirculação e a opção profissional, assim como procuravam conter a concorrênciadesenfreada dos salários rurais, tabelando-os, ou a mendicidade, condenando os «falsospobres», ou seja, todos os que esmolavam, sendo aptos para o trabalho.

Não tendo sido suficientes esta medidas, para incrementara produção cerealífera etornar rentáveis campos que continuavam maninhos e abandonados, D. Fernando

promulgaria a lei das sesmarias, em 1375, como resposta a uma situação de carências decereais. O soberano explicitava as causas desta realidade:

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• diminuição da área lavrada;

• abandono do trabalho rural por outros ofícios, quer nos paços dossenhores, quer nos mesteres;

• abandono do trabalho agrícola pela vagabundagem e mendicidade, que porvezes raiava a heresia.

E propunha medidas para as mesmas:

• obrigatoriedade de os senhores proprietários das terras lavrarem por si oupor outrém as suas herdades;

• imposição de terem bois para o trabalho da terra, em número proporcionalao das herdades, assim como as alfaias agrícolas necessárias para tal. Paraevitar a sobrevalorização dos animais e dos apetrechos de lavra, ordena otabelamento do seu preço pelas autoridades municipais;

• obrigação de rentabilizar todas as propriedades aptas para a agricultura,quer pelo senhor quer pelas autoridade que darão as que continuaremdesaproveitadas a camponeses que as trabalhem, por meio de contrato a

prazo e pagamento de uma pensão certa;• coacção ao trabalho na lavoura a todos os que foram lavradores, a seusfilhos e a seus netos, assim como aos assalariados rurais que servirão porpreço certo, tabelado pelo município, com pena para o proprietário que oultrapassar;

• proibição de utilizar terras, aptas para a agricultura, para pastos e criaçãode gados.

Esta ordenação não viria a resultar, apesar das sucessivas confirmações, feitas porD. João I, D. Duarte e D. Afonso V.

1.1.1.2 A produção de cereaisO pão dominava a agricultura medieval, tal como a vinha, devido à importância

destes dois produtos na dieta alimentar.

Por todo o país cresciam as culturas cerealíferas, pontuando uma ou outra,consoante o solo.

Alternando com o cereal, na rotatividade bienal ou trienal das terras de cultura, ohomem medieval utilizava a sementeira de leguminosas, as quais eram usadas quer naalimentação dos homens e dos animais, quer como fertilizantes do solo.

Facilmente conclui que o homem medieval procurava com esta política deincremento cerealífero bastar-se a si e ao gado, em termos alimentares, pois o pão eravital à sobrevivência de ambos.

1.1.2 A vinha e as árvores de fruto 

1.1.2.1 A vinha

A sua importância obrigaria D. Teresa a citar as vinhas na primeira carta de foral,outorgada a Coimbra. Muitas vezes, os pomares e as searas andavam associados àcultura da vinha.

 Também as cartas de foral nos dão importantes referências ao cultivo da vinha e àprodução de vinho.

No Baixo Mondego, a vinha crescia ao lado da oliveira, cujos produtos, o vinho e o

azeite, encontravam-se já marcados pelos interesses de mercado, sobretudo pelocomércio de exportação. Em terras de policultura, cultiva-se a vinha, com os cereais, ashortas e os linhares; noutras a vinha coexistia com os pomares ou com os castanheiros.

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Mais para sul as cepas eram plantadas, segundo uma ordem, de modo a criarculturas homogéneas e contínuas, directamente relacionadas com os agregadospopulacionais; ou, num sistema de policultura, nas quintas, juntamente com hortas,pomares, searas, ou em propriedades, intermeando com o olival.

Em contrapartida, Santarém parece ser uma região onde a vinha se afirmaria pelamonocultura. O Alentejo e o Algarve eram outras zonas produtoras de vinho. Évora e osseus arredores, tinham na vinicultura a segunda riqueza agrária da região, logo a seguiraos cereais.

No entanto, a partir de meados do século XIV, a vinha cedia o lugar às terrascerealíferas em todo o reino, ou à oliveira, em certas regiões como o Ribatejo, agravando-se a sua decadência, com a própria lei das sesmarias.

1.1.2.2 A oliveira

Estudos recentes demonstram a existência de olivais, nos arredores de Coimbra, noséculo XII e o seu avanço paulatino em direcção ao Douro. Também a Estremadura erauma zona rica em olivais, quer em formação cerrada, quer dispersa entre pomares e

vinhas, localizados na orla dos núcleos habitacionais, nomeadamente Lisboa, Santarém eLeiria, rareando à medida que a terra se aproximava do mar.

A oliveira ou o zambujeiro apareciam disseminadas entre searas e vinhas,integrados dentro da policultura característica do período medieval, sendo o azeite umadas exportações nacionais, a partir do século XV.

1.1.2.3 As árvores de fruto

Os pomares apareciam muitas vezes associados às vinhas. Aqui e além, podemosencontrar uma ou outra menção a árvores de fruto, plantadas perto das casas, nascortinhas, quintais, almoinhas e hortas, como cidreiras, macieiras, pereiras, ameixoeiras,cerejeiras, pessegueiros, figueiras, amendoeiras, nogueiras, aveleiras, marmeleiros,laranjas azedas e limões, introduzidos pelos árabes, entre algumas espécies mais.

Os pomares, tal como a vinha e as hortas, situavam-se perto das zonashabitacionais, inclusive dentro do próprio perímetro urbano, dadas as dificuldades detransporte e conservação da fruta fresca que, na generalidade, era consumida peloagregado familiar ou monástico ou vendida no mercado mais próximo.

O Algarve constituiu, desde cedo, um outro centro produtor de fruta,nomeadamente figos e uvas, que eram exportados secos para diversas regiões do reino,como Lisboa, ou para o estrangeiro.

1.1.3 A cana sacarina 

Embora o período de maior impacte do cultivo da cana sacarina, na economianacional, não pertença à Idade Média não queremos deixar de a mencionar, entre asnovas culturas agrícolas que Portugal conheceu, visando um mercado nacional e,sobretudo, o do norte da Europa.

A sua grande área de produção viria a ser a Madeira que se tornaria rival daprodução açucareira mediterrânica, ao fazer do açúcar uma das grandes exportações dePortugal para Bruges e, mais tarde, para Antuérpia, a partir da segunda metade deQuatrocentos.

1.1.3 A criação de gado 

A criação de gado, com interesses lucrativos, desenvolver-se-ia, sobretudo, noséculo XIV, devido à não rentabilidade das terras por falta de mão-de-obra, pelo que

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muitos proprietários as transformaram em pastos, ou alugavam-nas, como tal, aos donosdos rebanhos, em período de pousio, para que os animais as estrumassem.

Desde D. Afonso IV, e agudizando-se no reinado de D. Pedro I, notava-se já umarivalidade crescente entre lavradores e criadores de gado, que viam as áreas parapastagens diminuídas, devido à colocação de sebes por aqueles, quer nas áreas decultivo, quer nas incultas.

Carneiros, ovelhas e porcos, bois e cavalos ou mulas, incapacitados para o trabalhode tracção, eram mortos nos açougues e vendida a sua carne para alimento daspopulações.

A criação de cavalos era necessária para a guerra. Nobres e cavaleiros vilãosserviam o rei com cavalo e armas. A mula era animal de transporte individual, de carga ede tracção, possuída por gente honrada que não servia na cavalaria, mas que poderiacomportar-se cavaleirosamente, como os mercadores ou os físicos. Daí que a criação decavalos e mulas fosse importante e objecto de protecção real, não só porque se destinavaao serviço militar, enquanto a infantaria não substituiu a cavalaria, mas também a umaexteriorização de qualificação social.

1.2 A produção marítima e fluvial

Peixes e mariscos faziam parte integrante da dieta alimentar do homem medieval,sobretudo, em épocas de abstinência, impostas pela Igreja. Suficientes para o consumoda população portuguesa ou completados pela importação de algumas espécies, como onórdico arenque, o peixe foi uma das nossas riquezas e um dos nossos produtosexportados.

1.2.1 A pesca 

A pesca nos rios aparece referida nas cartas de foral. A comprovar a importância daactividade piscatória na economia nacional, respondiam as inúmeras cartas de privilégiosque os vários soberanos foram outorgando e confirmando aos pescadores e mareantesdestes concelhos marítimos e às suas fainas.

Na faina piscatória marítima, os pescadores apanhavam pescado diverso, desde osde grande porte, como as baleias, espadartes, golfinhos, aos peixes de médio porte comoos pargos, as solhas, as pescadas, os congros, ou aos pequenos de que os mais vulgareseram as sardinhas, correntes em toda a costa, apanhados à rede ou à linha. Além dospeixes, os mariscos eram vulgares e apreciados pelo homem medieval, sendo vendidospelas marisqueiras.

Ligada à pesca marítima, encontrava-se a exploração do coral, no Algarve.Importante era também a pesca nos rios, em estacadas e caneiros, à rede ou à cana.Pescado ao longo da costa, no mar alto ou em águas de outros reinos, nos rios ou nas

lagoas, em redes, à cana ou em covos, o peixe fresco, seco, salgado ou fumado era umadas nossas grandes exportações, nomeadamente para Castela e o Mediterrâneo.

1.2.2 O sal 

Podemos dizer que, à semelhança da pesca, em toda a nossa linha de costa, emmaior ou menor quantidade, havia salinas. A produção de sal e a pesca tiveramimportância na fixação das populações no litoral atlântico.

Para os séculos XIV e XV, a documentação indica-nos como centros importantes deprodução salinífera, as regiões do Tejo (Lisboa, Ribatejo e Samora Correia), do Sado(Setúbal e Alcácer do Sal), e do Algarve. Aliás, a ascensão da salicultura no centro e suldeve ter provocado a decadência das salinas a norte do Vouga. Talvez de finais de

 Trezentos, dataria a importância do sal de Aveiro e o seu comércio.

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1.3 A produção mineira 

Portugal era um país pobre em minérios, pouco se sabendo sobre a exploraçãodestes, durante o período medieval. Podemos, no entanto, apercebermo-nos que o reinonunca possui em abundância ouro, prata e cobre, estando sempre dependente doscircuitos económicos que lhe eram exteriores e que abasteciam o seu mercado.

1.3.1 Os vieiros de metais  

Sabe-se pouco sobre este tema, além de que a exploração de metais era um direitorégio que o soberano, por vezes, alienava em favor de um concessionário ou doava.Apesar de a documentação ao referir-se aos vieiros de metais, especificar ouro, prata ecobre, a verdade é que nada sabemos sobre a sua exploração efectiva, excepto a do ourode aluvião.

Outro minério explorado era o ferro. Também se ensaiaria a exploração de outrosminérios como o alúmen, estanho, chumbo, etc.

1.4 A produção artesanal Portugal nunca se caracterizou, ao contrário de outras regiões da Europa, como as

cidades têxteis flamengas, inglesas ou italianas, por uma actividade manufactureiratransformadora que o fizesse sobressair como um centro de produção artesanal, fosse emque actividade fosse.

1.4.1 A oficina-loja 

Como já referimos, a estrutura da actividade produtora portuguesa é a doartesanato doméstico, onde a tenda, subdividida em oficina, local de trabalho, e a loja,lugar de exposição dos artigos e de venda, estavam de tal modo ligadas que é quaseimpossível diferenciá-las.

A família constituía, na generalidade, a base desta unidade de produção, onde amulher e os filhos trabalhavam ao lado do homem. A base familiar do artesanatoportuguês que se viria a prolongar até aos nossos dias, em certos sectores de produção,restringia a necessidade de um maior investimento, favorecendo a manutenção de umaestrutura de produção de tipo arcaico e sem carácter inovador, apenas respondendo àsnecessidades locais de produção ou, quando muito, regionais.

1.4.2 Os artesãos  

A produção artesanal estava intimamente ligada à família e à oficina-loja.Encontramos já, em alguns documentos dispersos, anteriores à fundação do reino, e em

algumas cartas de foral, a referência directa a mesteirais.Assim, nos alvores da nacionalidade, surgem-nos dois tipos de artesãos:

• o artesão ambulante que vende os seus artigos de terra em terra, aomesmo tempo que responde às necessidades de arranjo ou de fabrico momentâneo,num dado lugar, pelo que o seu trabalho não se encontrava taxado com qualquertributo;

• o artesão fixo num lugar, proprietário ou foreiro de uma tenda que, porisso, é onerado pelos impostos sobre trabalho e está sujeito ao tabelamento depreços fixado, nas posturas municipais.

Sabemos pouco sobre a organização dos mesteres em Portugal, durante o períodomedieval. Não queremos deixar de salientar que o seu número aumentou, ao longo dosséculos XIV e XV, o que permitiria a D. Duarte defini-los como um grupo social distintodos lavradores, pescadores e mercadores e caracterizá-los pela sua diversidade.

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Consequência directa da sua expansão e projecção social seriam as conquistaspolíticas e sociais, alcançadas em 1383-85-

Na comunidade judaica, o artesanato ocupava a maioria dos judeus. Em todos eles,cristãos ou judeus e mouros, encontramos a mesma estrutura familiar de unidade deprodução e também de ensino profissional, passando a «arte» de pais a filhos ou aparentes próximos.

Uns e outros agrupavam-se na organização tradicional dos mesteres: mestres,obreiros e moços ou mancebos. Mestres e obreiros podiam ter tenda aberta. Isto significaque não era necessário o título de mestre, obtido a partir de um exame que revestia aforma de produto acabado, dentro de cada ofício, ou seja, a designada «obra prima», parao profissional ter direito a alugar ou comprar uma tenda e abrir nela a sua oficina-loja eproduzir o seu próprio trabalho. A qualidade deste era fiscalizada por juizes ou vedoresque seriam, certamente, mestres na arte.

Assim, os mestres de cada arte, sobretudo, se a qualidade do seu trabalho eranotória e reconhecida de tal modo que tiveram acesso às elites sociais, possuíam o seucorpo de obreiros e mancebos ou de serviçais que os acompanhavam ou trabalhavam nasua oficina.

Enquanto o mestre tinha direito ao lucro, calculado a partir da oficina e dos seusinstrumentos de trabalho, os seus obreiros recebiam a sua jorna, em dinheiro ou emdinheiro e mantimento, e os mancebos ou aprendizes, em mantimento.

Os artesãos de um dado ofício ou de ofícios afins agrupavam-se em confrarias,solidariedades artificiais de carácter religioso, que revestiam, nestes casos, um esboço deorganização profissional, presente nas reuniões, feitas no hospital, para defesa deinteresses mútuos.

Não queremos deixar de chamar a atenção para o trabalho feminino. Já referimosque a mulher estava presente na tenda, vendendo os produtos que se produziam naoficina onde a família trabalhava. Mas, além de tendeira, a mulher era também artesã.

1.4.3 Os ofícios  

Do que acabámos de expor, facilmente conclui que os ofícios se agrupavam porafinidades, respondendo à especificação de cada um, consoante as próprias exigências deespecialização por arte.

Em síntese, podemos dizer que Portugal não se afirmou como um centro forte deprodução artesanal, embora alguns dos seus produtos fossem objecto de exportação,nomeadamente as peles. Na generalidade, a sua produção destinava-se ao consumointerno, sem chegar a satisfazê-lo, pelo que se recorria à importação, quer no sectortêxtil, quer no metalúrgico, sem dúvida, as áreas mais carenciadas.

2. O comércio

2.1 Circulação e distribuição de bens: meios e técnicas 

2.1.1 Redes viárias  

A circulação de pessoas e bens necessita para se efectivar de redes viárias. Durantea Idade Média, as nossas comunicações terrestres assentaram na rede de estradas que osromanos nos legaram e que continuaram a servir o reino, ligando os aglomeradosurbanos entre si, permitindo com o seu movimento a sobrevivência de uns, ou, com adiminuição do seu tráfico, a decadência de outros.

Além dos caminhos e estradas, Portugal possuía vários rios, com maior ou menornavegabilidade, consoante o seu caudal, de norte a sul do seu território.

A outra grande via foi o mar que banhava as costas ocidental e sul de Portugal, asquais possuíam portos e enseadas em número suficiente para apoiar uma navegação

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costeira e de cabotagem. As pescas, o corso e o comércio interno, por via marítima,vitalizaram uma rota nacional que, a partir do século XIII, se internacionalizaria com oincremento do tráfego entre o Mediterrâneo e o Atlântico norte. O mar seria, para osportugueses, a porta para um comércio, cedo iniciado com a Europa, nomeadamente coma França atlântica e, depois, com a Europa do norte, não esquecendo nunca o Levantepeninsular e o Mediterrâneo, nem o norte de África.

O mar integrou, desde o início da nacionalidade, as preocupações dos nossosgovernantes, visíveis na criação das póvoas marítimas e nos privilégios que lhes formaoutorgados, no sustento de uma armada real para a defesa da costa dos ataques mouros,assinalada, pelo menos, desde o reinado de D. Sancho I, para a conquista de Silves, nasmedidas de apoio a uma frota marítima do rei ou de particulares, quer por D. Afonso IIquer por D. Sancho II, e nos privilégios, outorgados aos alcaides, arrais e marinheirosdos barcos.

Completando e apoiando os meios de comunicação terrestre, fluvial e marítima, ospoderes central, local ou privado incentivaram, sob a forma da obra de misericórdia, acriação de pontes, em pedra e madeira, ou a existência de barcas de transporte doscaminhantes de uma margem para outra do rio. Com o mesmo espirito de apoio aosandantes e peregrinos, fundaram-se hospitais, albergarias e estalagens que a Igreja e opoder real protegeram.

2.1.2 Homens e negócios  

A comprovar a existência de mercadores, temos as referências a este grupo e aocomércio, nas cartas de foral.

Importante para a sua pujança económica e projecção social foi, sem dúvida, oaumento dos mercados locais e, sobretudo, das feiras, para onde convergiam mercadoresde diversas regiões do reino, cristãos, judeus e mouros, naturais da Península cristã emuçulmana, abrangidos pela protecção régia que acompanhava a proclamação da feira,ou seja, a designada paz da feira, como veremos.

A riqueza obtida com a mercancia, faria com que, na segunda metade do séculoXIV, os nobres se voltassem para o comércio, perante a depreciação do valor da terra e,até, para os empréstimos monetários.

O comércio dos mercadores de grosso trato incidia essencialmente na importaçãode têxteis e outros tecidos caros, especiarias, metais preciosos ou não, objectos de metal,como armas ou utensílios domésticos, etc. Pouco tinham para exportar, a não ser peixeseco, sal, vinho, azeite, frutas secas, cortiça, grã e, no século XV, ouro e escravos deÁfrica, açúcar da Madeira e coiros.

Além da minoria dos grandes e ricos mercadores que compravam e vendiam porgrosso, havia a grande maioria dos pequenos mercadores e tendeiros que negociavam naslojas e tendas os artigos diversos do seu ofício, os retalhistas e os almocreves que

desenvolviam um comércio itinerante de aldeia em aldeia, comprando aqui, vendendoacolá, vitalizando caminhos e mercados. Nestes, temos que integrar os pescadores emarinheiros que, nos portos, traficavam peixe, sal e outros produtos.

2.1.3 Colónias de mercadores estrangeiros  

  Também, desde o século XIV, encontramos em Lisboa colónia de mercadoresestrangeiros, aqui residentes, que auferiam de protecção real, para poder negociar noreino. Naturais de Placência, Génova, Milão, Castela, Catalunha, França, Inglaterra,Escócia, Florença, etc., representantes de casas comerciais sediadas nas mencionadascidades italianas ou originárias dos reinos com quem mais interesses comerciaistínhamos, viram-se cumulados de privilégios de trânsito e permanência de pessoas e

mercadorias, em troca de tratamento semelhante para com os mercadores portugueses,naquelas partes. Estava-lhes vedado, no entanto, o comércio a retalho e no interior doreino.

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2.1.4 Correctores e fretadores  

A acompanhar o desenvolvimento da actividade mercantil existia a profissão decorretor nos principais concelhos, desde meados do século XIII e a de fretador, desde oinício do seguinte.

2.1.5 Alfândegas, câmbios e moeda  

Reflexo do crescimento do volume das mercadorias em movimento e da variedadeda sua proveniência, assim como dos barcos e dos mercadores, era a criação dasalfândegas, existentes pelo menos desde o século XIV, de uma Casa dos Contos, emLisboa, com D. Dinis, além da existência dos câmbios reais.

Importante, também, para o tráfico marítimo foi a existência de portos francos,onde os barcos estranhos à localidade podiam ancorar, sem pagamento do respectivoimposto, desde que não descarregassem mercadorias, pois, neste caso, estariamobrigados ao pagamento da dízima para o rei e outras taxas.

Não nos podemos esquecer também que, para existir o comércio, era necessáriohaver mercadores, produtos e moeda. A localização, em Lisboa, de uma casa da moeda,em finais do século XIII, com D. Afonso III, os privilégios, outorgados aos moedeiros porD. Dinis, indiciavam, por sua vez, o aumento da circulação monetária e a suaimportância para as transacções económicas.

Instrumento de troca e riqueza, a moeda iria, cedo, ser utilizada como uminvestimento, através do empréstimo a juro, que, quando demasiado elevado, se tornavailícito. A usura ou onzena, ou seja o empréstimo a juro demasiado alto, era condenadopela Igreja e pelo poder real, porque prejudicial aos que recorriam ao crédito.

2.2 O comércio interno

2.2.1 A circulação de mercadorias, segundo as cartas de foral 

 Tal como a agro-pecuária e a pesca, o comércio apareceu, desde cedo, referido nascartas de foral, assim como os seus profissionais. Mercadores, regatões e almocreveseram os intervenientes deste comércio local e regional, comprando aqui algunsexcedentes agrícolas e artefactos, vendendo além, trocando-os por moeda ou porprodutos novos ou usados. Eles animavam os caminhos e a sua chegada a uma aldeia oua um casal ou ao paço do senhor era motivo de reunião de pessoas que procuravam veras novidades, comprar e vender, ouvir as notícias de terras ignoradas.

Se nem todos os forais especificavam as mercadorias e as portagens, pagas pelasua entrada no concelho, quando trazidas por mercadores estranhos a este, outros

indicavam-nas, permitindo-nos conhecer os bens em circulação, além, obviamente, dosgéneros alimentares de primeira necessidade.

2.2.2 Açougues e mercados 

Nos espaços destinados às trocas, o campo encontrava-se periodicamente com acidade. Algumas cartas de foral referiam já a existência de um mercado no concelho,como a de Coimbra, ou a de Évora, o que manifestava uma política régia de protecção aomercado e aos seus utentes. A paz do mercado aqui presente antecedia a paz da feira.

À semelhança do que acontecia noutros concelhos, as praças e os rossios, dentro efora de muralha, eram os espaços privilegiados para os mercados, situando-se, como já

referimos, perto das muralhas ou das portas ou das igrejas.

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Como conclui, à semelhança de hoje, o mercado era quotidiano ou semanal,caracterizando-se este último pela maior participação de compradores e de vendedores,assim como pela maior quantidade e variedade de produtos. Ambos se definiam pela suaárea de interferência, o núcleo urbano ou este e o seu termo. Por isso, o espaço domercado e os seus intervenientes encontravam-se perfeitamente circunscritos, tal comocomuns deviam ser os artigos expostos ou a moeda em circulação, geralmente em bolhão,

raramente em prata ou ouro. Já o mesmo não sucedia com a feira.

2.2.3 Feiras e feiras francas 

O espaço da feira era o da praça ou o do rossio, inicialmente no interior damuralha, depois no seu exterior, provocando, por vezes, a própria deslocação do núcleopopulacional para o arrabalde e desertificando a cerca.

As primeiras feiras iriam surgir na primeira metade do século XII e desenvolver-se-iam nas duas centúrias seguintes.

A paz da feira ou a paz do mercado colocavam homens e produtos, sob a protecçãoreal, usufruindo de liberdades e privilégios que tornavam a sua frequência um pólo de

atracção e desenvolvimento económico.Resumindo a legislação em vigor durante os reinados de D. Afonso Henriques a D.

Fernando, podemos dizer que os diplomas régios garantiam protecção e segurança aosfeirantes e às suas mercadorias, isenção de perseguição e penhora, não só durante oprazo da feira mas também desde uns dias antes de principiar até alguns depois de elaterminar. Esses mesmos diplomas coutavam os feirantes numa quantia determinada,agravando o coutamento com a pena de restituir em dobro aquilo que tivesse sido tiradoao seu dono.

Além das liberdades e privilégios que «convertiam a feira em autêntico couto», ascartas de feira previam, também, as receitas fiscais do monarca. Assim, exigia-se opagamento de:

• portagens e peagens sobre a circulação das mercadorias;• dízima e sisa sobre as transacções económicas efectuadas;

• taxas diversas sobre o aluguer de lojas, licença para vender, etc.;

• penas pecuniárias sobre os delitos, praticados durante a feira.

Além das cartas de feira, os reis, a partir de D. Dinis, instituíram as feiras francas,destinadas a incrementar o povoamento de um determinado concelho ou a insuflar umanova vida económica a uma cidade decadente, como ocorreu, com Coimbra, no reinadode D. Fernando.

2.3 O comércio externo 

2.3.1 O comércio marítimo: a política dos mercadores e a política régia  

A referência mais extensa a um comércio exterior ao reino data de 1253 e pertenceà chamada lei de almotaçaria.

Além de tecidos, a lei referia a importação de metais preciosos ou não, especiarias,adornos de luxo, cordames, etc. Em contrapartida, o legislador determinava que omercador estrangeiro devia levar mercadorias nacionais em troca das que deixava noreino e rematava que as mercadorias deviam ser trazidas e levadas por mar, sob pena deconfisco para os que as levassem por terra. Esta última afirmação permite-nos concluir aimportância que os nossos monarcas davam já ao comércio marítimo e às localidades

com portos.

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Em data desconhecida, entre 1375/1380, D. Fernando criou a companhia dasnaus que funcionava como uma espécie de companhia de seguros marítimos, para osmercadores nela segurados.

2.3.2 As exportações nacionais 

Não possuindo um subsolo rico nem se tendo especializado em produtos deartesanato, Portugal estava completamente dependente da agricultura e do mar, comoreino exportador.

A consciência da realidade portuguesa permitiu, desde cedo, aos nossos soberanostomarem medidas de implementação dos nossos produtos, nos mercados externos. Porisso, D. Afonso III iria determinar, na já referida lei de almotaçaria de 1253, que osmercadores estrangeiros levassem igual valor em mercadorias nacionais ao das quetraziam para vender no reino. O alealdamento tinha a virtude de evitar a saída de metaispreciosos, num reino pobre, e por outro lado activava as exportações portuguesas.

O vinho parece ter sido o produto nacional de origem agrícola que maior impactoteve no exterior, nomeadamente, no norte da Europa. Nas cortes de Elvas de 1361, o

concelho do Porto apresentava-se como exportador de sal, peixe, vinhos e frutas,nomeadamente figos e uvas.

Num documento de finais do século XV existente no arquivo da cidade flamenga deBruges, encontramos referência aos produtos que eram importados de Portugal: mel,peles, cera, coiros, grã para a tinturaria, sebo, azeite, figos, uvas e esparto.

Nos mercados do norte da Europa, o sal rivalizava com o vinho. Para as cidadeshanseáticas, exportávamos sal, vinho, fruta fresca (castanhas, laranjas, romãs, azeitonase uvas) e seca (figos e passas), azeite, mel, mariscos. A estes juntava-se a cortiça, o sebo,as plantas tintureiras, além de produtos manufacturados, como os coiros e as peles. Omercado nacional era também intermediário de produtos de outras regiões. Daí exportaro pau-brasil e o açúcar, primeiro do Levante peninsular e do Mediterrâneo e, a partir demeados de Quatrocentos, da Madeira.

Os mercados do Levante peninsular e do Mediterrâneo interessavam também aosportugueses. O norte de África encontrava-se também na rota dos mercadoresportugueses cristãos, judeus e mouros. Estes últimos levavam escravos mouros pararesgate e mercadorias diversas. Entre os reinos peninsulares desenvolvia-se um comércioque assentava, sobretudo, nas rotas terrestres.

Entravam nas trocas terrestres, o gado, os cereais, o vinho, o peixe seco,nomeadamente a sardinha, as frutas secas, como as castanhas, as nozes e as avelãs, opez, as cordas, o sal, o esparto, os coiros e peles. Neste tráfico de exportações nacionais,intervinham mercadores cristãos e judeus portugueses assim como castelhanos que aquise vinham abastecer, trazendo panos de Castela, cera, manteiga, cereais, armas e outrosprodutos.

Um negócio que seria constantemente mantido, quer de um lado, quer do outro dafronteira, apesar das proibições existentes em ambos os reinos, era o comércioclandestino das moedas e dos metais para amoedar.

2.3.3 As importações  

2.3.3.1 Os tecidos

Alguns forais, como já referimos, indicam-nos que os tecidos e as peças devestuário constituíram algumas das nossas primeiras importações. A sua proveniênciaera, muito provavelmente, os reinos vizinhos (França, Inglaterra, País de Gales, Escócia,

Irlanda e Alemanha.

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2.3.3.2 Os cereais

A insuficiente produção agrícola do reino obrigou, ao longo da história, àimportação de cereais, nomeadamente de trigo. Este provinha, na generalidade, daEuropa central e do norte, além de Castela e do norte de África. A necessidade deabastecer os centros urbanos, mais frágeis em termos de abastecimento e de auto-suficiência alimentar, em tempos de escassez, do que o campo, iria implementar rotasmarítimas e terrestres de produtos alimentares, nomeadamente de cereais.

2.3.3.3 Os metais e mercadorias diversas

Sendo um reino com um subsolo pobre, Portugal foi obrigado a importar metaispreciosos para cunhar as suas espécies monetárias, assim como outros menos nobres,como o cobre, o ferro, o aço, o alúmen, para as ligas monetárias.

Em síntese, poderemos dizer, tal como já o afirmámos no decurso do nosso texto,Portugal foi um reino pobre, com uma balança comercial deficitária, como hoje diríamos.O equilíbrio económico apenas seria conseguido no século XV, graças aos produtos deÁfrica, nomeadamente os escravos, o ouro, a malagueta e a pimenta africana, e ao açúcar

da Madeira. Mas o resultado visível deste equilíbrio que duraria cerca de um século(meados do século XV a meados do século XVI).

3. A circulação monetária

Ao estudarmos a circulação monetária, na Idade Média portuguesa, devemos ter ematenção o seguinte:

• o domínio islâmico a sul da linha Mondego/Tejo caracterizou-se comosabe, por ser uma civilização de fortes características urbanas e com uma economiade mercado importante, onde se salientavam as cunhagens de moedas de ouro e de

prata;• o domínio cristão a norte daquela fronteira foi marcado por uma mais

lenta circulação da moeda e por emissões monetárias definidas essencialmente pelodinheiro de bolhão;

• por fim, o facto de Portugal se ter tornado reino independente em meadosdo século XII, torná-lo-ia contemporâneo das designadas revoluções do ouro e daprata europeias.

A convergência num mesmo território, Portugal, e num espaço maior, a PenínsulaIbérica, de dois sistemas monetários – o islâmico e o cristão – explicarão a mistura dosistema monetário português, no início da monarquia, expressos:

• na influência da reforma carolíngia nas cunhagens da moeda corrente, odinheiro de bulhão, em vigor durante toda a primeira dinastia, e a sua ligaçãoà unidade de conta, a libra;

• na marca do sistema monetário islâmico nas cunhagens áureas dosmorabitinos (a versão cristã peninsular do dinar almorávida), por D. Sancho I,D. Afonso II e D. Sancho II e na referência à moeda de ouro, como unidade deconta.

Portugal era um reino pobre em metais preciosos.

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3.1 As cunhagens monetárias de D. Afonso Henriques a 1253 

3.1.1 As moedas de D. Afonso Henriques  

Podemos supor que a exiguidade numérica e a ausência de numerário áureo seexplicavam pelas seguintes razões:

• o lavramento da moeda foi uma consequência da afirmação política deautonomia, perante o rei de Leão e Castela;

• as primeiras emissões portuguesas não respondiam a necessidades decirculação monetária interna, num território em que esta era ainda lenta, ondecorriam os dinheiros leoneses e castelhanos e onde a troca directa, com ou semreferência a um padrão monetário, tinha ainda a primazia;

• razões económicas internas e de tradição político-económica europeia não justificavam a necessidade de lavramentos áureos, pelo novo rei.

O numerário áureo existia entesourado. A sua circulação revestia mais o aspecto datroca de dons, nomeadamente em ofertas à Igreja, quer para a construção de sés e de

mosteiros, quer para benefício da alma do ofertante, fosse ele o soberano ou outroparticular.

3.1.2 As cunhagens de D. Sancho I a D. Sancho II

Se as emissões em metal amarelo se interromperam com D. Sancho II, para sóreaparecerem no século XIV, a verdade é que verificamos um aumento da massamonetária em circulação: dinheiros de bolhão de tipologias diversas, além dosmorabitinos.

Apesar da existência de cunhagens áureas, é preciso que não esqueça:

• estas só raramente circulavam no interior do reino, correndo mais como

dons, do que como instrumentos monetários;

• mesmo quando usadas em contratos de compra e venda, os marabitinoseram muitas vezes entendidos como padrão monetário, ou seja, como moeda deconta, convertível, na totalidade ou em parte, em bolhões;

• eram o numerário específico dos resgates em terras de mouros ou doincipiente comércio de luxo que se fazia com o Islão e com os reinos cristãos daPenínsula ou da Europa;

• o seu destino principal era o entesouramento, quer por parte da Igreja, danobreza ou do rei;

• a sua posse significava riqueza e poder.

A massa monetária em circulação era definida especificamente pelos dinheiros debolhão, os quais chegavam em maior ou menor abundância a todas as mãos.

Pensamos poder remontar à segunda metade do século XII, o início do crescimentoe afirmação do papel da moeda como intermediária nas trocas, então existentes, emedida do valor dos bens.

3.2 As revalorizações monetárias de Trezentos 

3.2.1 A política monetária de D. Afonso III  

A lei da almotaçaria, a primeira deste género que conhecemos, reflecte já umamovimentação monetária importante, com a inclusão de espécies estrangeiras e com areferência directa a dois padrões monetários: o português, explicitado na libra; e o

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leonês-castelhano, de circulação no norte e interior do reino, exemplificado no morabitinode 15 soldos.

Esta ordenação é importante ainda, porque proíbe o transporte de prata para forado reino, quer em metal, quer em dinheiro o que reflecte uma procura deste metal paraas cunhagens régias e uma necessidade de se evitar a sua saída de Portugal, onde nãoabundava.

As mutações monetárias deviam ser, dos problemas públicos, aquele que uniria ostrês corpos do reino contra o soberano. A quebra da moeda não interessava ao povo quesentia mais fortemente a carestia dos géneros. Por isso, em 1254, os povos preferirampagar-lhe um imposto extraordinário, o monetágio, para que não quebrasse a moeda. Daíque, nas cartas que D. Afonso III mandou escrever, em 1255, sobre a promessa de jamaisexigir o pagamento de tal imposto, estivesse bem expresso o prejuízo que a desvalorizaçãomonetária trazia aos habitantes do reino, incluindo o soberano.

Sabemos que, em 1260-61, a oficina monetária de Coimbra lavrou numerário quefoi contestado pelos povos, nas cortes realizadas nesta cidade. Daqui resultou umdocumento sobre o direito real de cunhar moeda que o monarca foi obrigado a jurar. Amoeda passara a ser definida como um bem comum, por isso as cortes protestavam

contra o direito que o rei entendia ter de, por si só, poder decidir sobre as espécies emcirculação. No entanto, esta emissão de dinheiros novos era uma tentativa de osrevalorizar e não de os depreciar.

D. Afonso III comprometeu-se a lavrar, no futuro, dinheiros da lei de 1 dinheiro deprata. Assumiu também o compromisso, em seu nome e no dos seus sucessores, de sóuma vez em cada reinado, poder ser mudada a moeda.

Independentemente da sua cotação como unidade de conta ou padrão, solvível emespécies correntes, a moeda cunhada em metal precioso, permanecia com um valor demercadoria o que a tornava um bem precioso. Daí o seu entesouramento que a irradiavada circulação interna.

3.2.2 A «revolução» monetária de D. Dinis  

A medida de saneamento do numerário corrente que maior impacte tinha na vidaquotidiana da população, tentada em 1260-61 por D. Afonso III e mantida nascunhagens de 1270, seria continuada por D. Dinis. De facto, este desenvolveu umapolítica de fomento económico interno e externo, onde não podia estar ausente o curso deuma moeda nacional estável.

A expansão comercial interna e externa exigira a cunhagem de uma moeda forte,ligada à revolução monetária europeia que vinha ocorrendo desde os finais do século XII.O encarecimento da prata, cada vez mais acentuado ao longo de Trezentos, ia dar origemàs crises monetárias do século XIV.

3.3 As crises monetárias de Trezentos e inícios de Quatrocentos 

A partir de 1280 aproximadamente e até cerca de 1450, a Europa ocidental sofreuuma série de crises cada vez mais graves – crises cerealíferas, crises demográficas, àsquais se juntaram as devastações provocadas pelas guerras – crises que exerceram umaacção paralisante sobre a economia e a mantiveram num estado de contracção durável.Essas crises tiveram repercussões sobre a moeda.

3.3.1 A desvalorização de D. Afonso IV  

D. Afonso IV logo no início do seu governo solicitou, em cortes, permissão paraquebrar a moeda, isto quer dizer, que ele cumpriu o compromisso assumido por seu avô,

nas cortes de Coimbra de 1261 ou seja, que qualquer alteração monetária deveria sersolicitada em cortes, aos povos do reino. Esta alteração incidiu na transformação do

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sistema monetário, pois a libra passava a ser computada em 180 dinheiros e o soldo em9 dinheiros. É provável que a mutação se tenha dado apenas no sistema monetário queassim permaneceria, até à sua extinção, em meados do século XV.

3.3.2 A revalorização de D. Pedro I  

O reinado de D. Pedro I apresentou-se, segundo Fernão Lopes, com um regresso àscunhagens em ouro e em boa prata, além do bolhão corrente.

A credibilidade internacional da peça de ouro castelhana fazia-a ter um valorcambial superior ao da dobra portuguesa, apesar de esta possuir o mesmo valorintrínseco e peso.

3.3.3 As crises monetárias do reinado de D. Fernando  

Ao subir ao trono, D. Fernando exerceu o direito real de lavrar numerário em seunome. As primeiras moedas áureas foram as chamadas dobras pé terra. A primeiramoeda de prata, emitida por D. Fernando, foi o tornês e não o real. Além do meio-tornês,

em prata, corria o dinheiro de bolhão de lei.Com a guerra houve, obviamente, a necessidade de ser alterada a moeda de prata,

metal em que as transacções internas e externas eram mais usuais, e que vinhasofrendo, neste final de século, vicissitudes várias, decorrentes da sua carestia naEuropa, onde rareava, devido a sua exportação para o Cairo e daqui para o Índico ondeera sobrevalorizado.

Perante a supervalorização das novas moedas de bolhão, as antigas espéciesargênteas passaram a ser entendidas como riqueza, valendo como mercadoria epossuindo um valor comercial paralelo, em função do seu teor em prata. Ao altear opreço desta no mercado, o monarca acautelou o seu erário, pois assim pôde recolher oseu bom numerário sem seu próprio prejuízo.

Nas cortes de Lisboa os povos protestavam contra a declaração de guerra ealteração da moeda, sem consentimento prévio dos três corpos do reino. A fim de impôruma certa ordem no mercado interno, tornou-se necessário ao soberano publicar uma leide tabelamento das mercadorias, designada por lei de almotaçaria, para as adequar aonovo poder de compra da moeda em circulação.

3.3.4 As emissões de D. João, Mestre de Avis e rei de Portugal  

Com a morte de D. Fernando, em Outubro de 1383, Portugal entrou numa crisepolítica que o levaria à guerra pela independência nacional, acompanhada deperturbações urbanas e rurais que eram, afinal, o corolário da revolta contra a pobrezaque vinha crescendo, desde meados da centúria de Trezentos, e transbordou em 1383-

85.Ao tomar as rédias do poder, em Lisboa, o Mestre de Avis teve necessidade de

cunhar moeda. As razões da emissão eram várias e algumas podem ser facilmentededuzidas:

• ia-se entrar num novo período de guerra, com custos elevados, quer nopagamento das soldadas, quer na manutenção da mesma em homens,mantimentos e armamentos. Assim sendo, tornava-se urgente começar adesvalorizar a boa moeda, para que os gastos fossem menores em metal precioso.

• o receio de um alteamento das espécies correntes expulsava da circulaçãoo bom numerário de ouro e, sobretudo, de prata, que seria entesourado ou levadopara o exterior, com evidente prejuízo do reino e do poder emissor.

O real transformava-se numa moeda de bolhão, passando a ser, por isso, maltolerado pelos proprietários e credores que se sentiam lesados ao receber os seus

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pagamentos, em numerário depreciado, pelo que o recusavam como forma de pagamentodos contratos feitos na moeda antiga de prata ou de bolhão.

Nas cortes de Coimbra de 1385, os povos requeriam ao novo soberano que tornasseobrigatória a aceitação da sua moeda, na liquidação das várias espécies de contratos,qualquer que fosse a numária neles estabelecida. Em 1415, surgiam duas novas espéciesmonetárias: os cruzados de 50 libras, em prata, e o real de 10 reais ou real de 35 libras.

3.4 A caminho da estabilidade monetária 

3.4.1 A política monetária de D. Duarte  

Quando D. Duarte subiu ao trono, a libra e o seu sistema monetário encontravam-se já agonizantes. Com este monarca iria iniciar-se uma débil tentativa de lavramento deboa moeda. Mas o seu resultado seria quase nulo, devido à fraca quantidade de espécieslavradas em ouro e prata. Além destes metais, cunhou numerário em bolhão e em cobre.

Apesar do equilíbrio monetário do seu reinado, D. Duarte foi obrigado a promulgar

mais uma lei sobre a conversão das libras antigas em novas.

3.4.2 As cunhagens de D. Afonso V  

Os lavramentos áureos entravam com D. Afonso V num ritmo certo e numavalorização que transformavam Portugal, num reino emissor de uma moeda de ouro quecircularia nos mercados cristãos e islâmicos, em paridade com o ducado veneziano.

O mesmo equilíbrio e estabilidade não aconteceu com a prata, cara nos mercadoseuropeus. Apesar da descida que ocorreria na segunda metade de Quatrocentos, naEuropa, tal não sucedeu em Portugal onde ela subiu de preço até ao reinado de D. JoãoII, só estabilizando já no último quarto do século XV.

O estudo das políticas monetárias de D. Afonso V e de D. João II levar-nos-ia já aoperíodo moderno e à estabilidade monetária inicial, com base no outro proveniente deÁfrica, e menos na prata.

Em conclusão, deverá reter que a circulação monetária portuguesa, até meados deQuatrocentos, caracterizou-se por: um predomínio das cunhagens fracas e abundantes,em bolhão, e depois em cobre (real preto e ceitil); emissões irregulares de espécies de boalei (ouro e prata); recurso frequente à desvalorização monetária com consequências naeconomia nacional, nos salários e no custo de vida.

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III Parte

A SOCIEDADE

1. A teorização social

1.1 A bipartição social

A sociedade medieval estruturou-se, tendo como base, dois modelos sociaisdiferentes mas complementares: um dicotómico, e outro trifuncional. Em ambos oscasos, estamos perante a afirmação de uma desigualdade social, verificada no quotidianoe teorizada pelos ideólogos medievais, oriundos do grupo clerical.

Assim, poderíamos afirmar que um dos braços desta sociedade, constituído poruma minoria dos seus membros, se definia:

• pelo poder, revestisse ele a forma de riqueza, expressa pela posse da terrae, mais tarde, pela posse de dinheiro, ou o exercício de uma função ou cargo;

• pela liberdade, honra e privilégio, directamente ligados ao nascimento e àfamília, fosse esta nobre ou pertencente à aristocracia municipal, ou, no limiarinferior, ao exercício de um ofício;

• pela cultura e pelo munus sacerdotal, no caso dos clérigos e monges.

O outro braço social caracterizava-se pela ausência de poder, de honra, deprivilégio, de cultura e era constituído pela maioria da população, fosse ela designada porcamponeses, vilãos, pobres, humildes, «arraia-miúda» ou, genericamente, povo.

Esta sociedade bipolarizada distinguia-se ainda pelo trabalho. De um lado, umaélite que se definia pelas mãos limpas, ou seja, por não praticarem qualquer espécie detrabalho manual; do outro, a maioria dos trabalhadores que sobreviviam graças às mãossujas, fossem camponeses ou mesteirais.

O poder diluía-se entre o seu detentor legítimo e os intermediários que o exerciampor inerência do cargo que desempenhavam junto deste e em seu nome. Todos eles, pelofacto de privarem de perto com o poder, acabavam por ser designados poderosos, emborade hierarquia social diversa.

Na documentação, é ainda possível encontrarmos uma outra dicotomia social,perante o modo como a justiça era aplicada. Por exemplo: a oposição que existia entreum honrado e um homem vil, ou refece. As penas variavam segundo uma outra categoriasocial, estando apenas sujeitos aos castigos corporais e às penas humilhantes, oshomens vis.

Em sentido económico, a bipolarização fazia-se entre ricos e pobres. Ricos eram, nalei de 1349, os fidalgos, os homens bons dos conselhos, os lavradores e mesteirais queserviam o rei com cavalo e armas. Contrapunham-se-lhes os pobres, grupo lato queintegrava a peonagem e os inermes, ou seja, os pequenos proprietários rurais, os oficiaisdos mesteres, os assalariados rurais e urbanos.

No entanto, seria erróneo pensarmos a sociedade medieval em termosexclusivamente dicotómicos, de solidariedades, exclusivamente, horizontais. De facto, osgrupos sociais não geravam, apenas entre si, estímulos de oposição, de luta, deconcorrência; eles firmavam alianças verticais e laços de interdependência, quer nomundo rural, quer no mundo urbano.

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1.1 A trifuncionalidade

Integrada na binaridade social existia a própria tripartição, lida à imagem esemelhança de Deus, uno e trino, ou do próprio corpo humano. De facto, nela surgia pelaprópria natureza das funções, o cavaleiro (o guerreiro), o clérigo e o camponês ou otrabalhador, em sentido lato.

Os três extractos sociais (maiores, medianos e menores) têm como modelo a Trindade Divina, são criação do próprio Deus. Mas esta ordenação ternária tem incluídaa própria binaridade em senhores e súbditos, saindo destes, como prémio por um melhorserviço, o grupo dos medianos.

A existência de três ordens sociais, cristalizadas em clero, nobreza e povo ounobreza, clero e povo, só nos séculos XIII e XIV seria reconhecida, passando pelaconsciencialização da identidade própria de cada um dos grupos.

1.2 Os estados ou condições sociais

Os legistas ou letrados acabariam pela sua função, por constituir um corpo socialque, nos finais de Trezentos, seria designado por 4º estado e, como tal, mencionado nascortes de Coimbra de 1385.

Ao mesmo tempo que a tripartição era defendida pelos príncipes de Avis e rejeitadaa quatripartição social, D. Duarte optava por um outro esquema. No Leal Conselheiro ,defendia a existência de uma sociedade dividida em cinco estados:

• oradores, ou seja, os clérigos, frades e ermitas cuja função é rezar a Deuspelos outros estados, ensinar e ministrar os sacramentos;

• defensores, os que têm como função defender o reino;

• lavradores e pescadores, o sustento de toda a sociedade;

• oficiais, entendidos como funcionários da justiça e da administração;

• «dos que usam dalgumas artes aprovadas e mesteres, como físicos,cirurgiães, mareantes, tangedores, armeiros, ourives, e assim dos outros que sãopor tantas maneiras que não se poderiam brevemente recontar».

Em conclusão, poderemos dizer que a teorização social, corrente no períodomedieval, defendia uma ordenação tripartida dos estratos sociais, feita à semelhança da  Trindade Divina e por vontade explícita dela. O trifuncionalismo estava implícito nabipolarização social, pertencente ao quotidiano do homem medieval, na sua luta por umamaior justiça social, onde o alto clero, a nobreza, os letrados e as diversas oligarquiasurbanas caracterizavam o poder, o prestígio e o privilégio. Ele estava também presente naformação das diversas solidariedades horizontais ou verticais, que o homem medievalconheceu.

2. Os senhores laicos 

2.1 O rei

No topo da pirâmide da sociedade medieval encontrava-se o rei, primus inter pares ,o primeiro entre os nobres, o primeiro entre os leigos. Ele era o dominus , o senhor detodos os súbditos do seu reino, fossem eles entendidos sob a designação de vassalos ouapenas de naturais.

À semelhança dos outros reinos, a função régia era hereditária, ordenando-se,segundo uma linha de primogenitura varonil em detrimento da linha feminina. Apreservação e manutenção da linhagem real impunha ao monarca a procura de umaesposa, entre as princesas dos outros reinos vizinhos, numa política de estreitamento de

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alianças entre as famílias régias peninsulares, onde os interesses de defesa, perante aameaça islâmica, eram comuns.

Ao contrário da restante nobreza, os secundogénitos e, até, os bastardos régiosauferiam de um prestígio social que lhes advinha do facto de, nas suas veias, corrersangue real. As infantas e os secundogénitos reais participavam, assim, na confirmaçãodas alianças políticas do reino.

O rei definia-se por um conjunto de funções que o demarcavam dos outros nobres.Assim, ele detinha o comando militar, bem patente na simbologia da espada, doestandarte e do escudo que acompanhavam a realeza. Ele era o guerreiro, o bellator,aquele que conduz a guerra, mas uma guerra justa, legítima.

Ao rei como senhor competia, além das funções já indicadas, as de exigir dos povosos direitos de fossadeira, de colheita, de jantar e de monetágio, expressos no direitoconsuetudinário e em inúmeras cartas de foral.

A fossadeira estava directamente relacionada com a guerra que o monarcaconduzia, ou seja, o pagamento de um tributo que substituísse a presença nasexpedições militares, ou na multa aos que faltassem a essa comparência, quandoconvocados. A ela se assimilavam outros serviços, designados por apelido e hoste. Acolheita e o jantar eram serviços pagos, uma vez por ano, pelos concelhos quando osoberano e a sua comitiva pousavam neles. O monetágio era um tributo entregue de seteem sete anos ao rei e que visava manter o equilíbrio monetário, evitando a alteração damoeda.

De todos estes direitos, o exercício da justiça seria aquele que os senhores laicos eeclesiásticos mais disputariam ao seu soberano, tendo alguns deles conseguido exercê-lo,quer por concessão régia, ligada ou não a uma função, quer por abuso.

Na pirâmide social vigente, o rei era o suzerano de outros suzeranos que eramvassalos seus e que, em seu nome, detinham terras e honras. Só ele tinha poder paracriar e<manter vassalos, distribuir terras como benefícios em pagamento de serviços,fazer cavaleiros.

Esta relação de rei/vassalo ou senhor/súbdito encontrava-se expressa pelo ritualvassálico, onde a homenagem e a fidelidade, assim como o acto público do beija-mão,onde o que beija se situava numa posição hierárquica de inferioridade face ao outro, seusuperior, se completavam pela entrega de um benefício, terra, honra ou quantia. O rei foio primeiro, entre os nobres, a usar brasão de armas, gravado no seu escudo, noestandarte, nas moedas ou nos selos.

2.2 Os nobres 

Este grupo social caracterizava-se pela função guerreira, pelo nascimento, pelaposse da terra, quer própria, quer em nome do rei, e pela autoridade. Designavam-senobiles, barones, milites, ou seja, os filii benenatorum, aqueles que genericamente

seriam apelidados, a partir do século XIII, por nobres e fidalgos. Viviam da guerra aoserviço do rei, por conta própria a até ao serviço do infiel.

Criaram, desde cedo, estruturas de parentesco que originavam solidariedadeshorizontais entre famílias, alicerçadas já na primogenitura e na linhagem, onde a mulherera um dom em circulação, na ratificação destas alianças.

A sua virtus era a coragem e a valentia ao serviço do senhor a quem prestavamhomenagem e fidelidade, e de quem esperavam receber benefícios e honras.

Definiam-se pelo nascimento, pela liberdade pessoal, pela imunidade dos seusbens, pelo privilégio, pela isenção fiscal, pela superioridade da multa pecuniária quandoeles ou os seus homens eram vítimas de crime, por uma pena não infamante quandoinculpados em acto criminoso, pelo direito de vindicta, ou seja, de vingança privada, o

qual viria a ser contestado por D. Dinis e D. Afonso IV.

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Caracterizavam-se, ainda, pelo exercício de poder sobre homens livres ou emcondição de servidão, trabalhadores rurais do seu domínio, a quem exigiam o pagamentode impostos, de serviços e de prestações diversas, além de poderem, com direito ou semele, exercer a justiça sobre eles.

Distinguiam-se ainda pelo séquito, por vezes numeroso, manifestação de poder,honra e riqueza, composto por filhos secundogénitos da própria linhagem ou de outrascom ela aparentadas, por pequenos cavaleiros.

Pertenciam ao grupo dos poderosos e opunham-se aos camponeses, aos vilãos, emsuma, ao povo. Concorrentes, quanto ao favor do rei, com o clero, receberiam deste,porém, o suporte ideológico que os definiria pela linhagem e pela função específica decombater, distinguindo-os das outras duas funções: rezar e trabalhar.

2.2.1 A ideologia da nobreza  

A estruturação da nobreza como um corpo, definido por uma ideologia, baseada nahistória da linhagem, na constituição de todo o seu património de honras, coutos eterras, de imunidades, surgiria apenas, em finais do século XIII, coma passagem a escrito

dos primeiros livros de linhagens.As preocupações pelo estabelecimento, em texto escrito, da origem da linhagem e

dos serviços prestados pelas famílias nobres portuguesas, remontam aos finais do séculoXII, e pertencem a um ramo da família de Riba Douro. O depositário desta memóriaescrita foi o mosteiro de Paço de Sousa. A nobreza surge-nos como construtora do reinoe, por isso, merecedora de recompensas.

A ideologia cavaleiresca, marcada pela cultura dos romances do ciclo arturiano éperceptível também nas crónicas de D. João I e de Nuno Álvares.

2.2.2 Famílias e estruturas de parentesco  

As origens das famílias da nobreza portuguesa assentaram em personalidadeshistóricas, de um passado mais ou menos distante, aparentado ou não com as famíliasreais ou com as genealogias universais ou míticas,

É às famílias portuguesas ou às de Leão, Galiza e Castela que esta nobreza vaibuscar as suas esposas ou exporta os secundogénitos e bastardos, que buscam ascensãosocial e fortuna, graças a um bom casamento, mesmo que este seja feito na cidade, comalguma família da oligarquia urbana.

O casamento definia uma aliança entre famílias, com ou sem acordo do futurocasal, de modo a responder aos jogos de poder e domínio destas na região ou, até, nacorte. A mulher tornava-se, assim, uma peça importante das estruturas de parentesco,sucessivamente recriadas: porque instrumento das alianças firmadas entre as famílias;porque geradora e continuadora da linhagem e da virtus por ela transmitida. Daí o

repúdio de algumas, por estéreis.

A frequência do rapto das mulheres, a mancebia e o adultério femininos eram umaconsequência deste novo statu quo da organização familiar agnática que arrastava para aerrância e a aventura, ou para o celibato eclesiástico, uma parte importante dossecundogénitos, privados da fortuna patrimonial a favor do primogénito. Este sistemalinhagístico explicaria a proliferação de bastardos, devido à vida irregular de muitosdestes filhos segundos, celibatários forçados, ou da mancebia de algumas destas jovens,religiosas ou não, transformadas em barregãs de reis e poderosos.

A posição secundária para que foram relegados os filhos segundos das linhagens,excluídos pelo direito de primogenitura do património principal da família, endereçava-ospara a errância, para a oferta de serviços a um senhor que os soubesse e pudesse

recompensar, no reino ou em Leão e Castela, ou na busca de uma herdeira rica, fidalgaou não, que lhes permitisse criar a sua própria linhagem.

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Em conclusão, podemos afirmar que as estruturas de parentesco criavamsolidariedades horizontais, enter famílias, numa política equilibrada de gestão de forçasnuma região ou junto da coroa, nas quais a mulher era usada como um bem circulante,tal como a moeda o era no sistema económico das trocas. As solidariedades familiaresprolongavam-se no além túmulo. O culto dos antepassados mantinha viva a memóriahistórica da linhagem

2.2.3 Hierarquias da nobreza  

No século XII, uns eram designados ricos-homens, como os Sousa, outrosinfanções, como os da Maia. Foi de entre as mais poderosas famílias de infanções, querde origem portuguesa, quer galega, que viriam a sair os ricos-homens portugueses,entendidos como uma hierarquia superior à daqueles.

Sintetizando, podemos afirmar que, nos alvores da nacionalidade, no século XII, oinfanção identificava: o nobre de nascimento; o cavaleiro, o bellator , aquele que detinha afunção guerreira e que se opunha ao clérigo e ao camponês; os cavaleiros das comitivascondais e reais; os filhos segundos de uma nobreza de sangue, os jovens .

O infanção era uma categoria social, integrada na aristocracia de sangue que sedefinia já por uma linhagem.

O rico-homem identificava-se com o poderoso, obviamente de nascimento nobre,que detinha um poder superior, associado à função régia, englobando-se nestadesignação os tenentes (governadores) das terras, ou seja, aqueles a quem o rei concediapendão e caldeira.

Sintetizando, os ricos homens caracterizavam-se por:

• serem o estrato superior da nobreza de nascimento;

• deterem o comando de uma terra, em nome do rei, ou funções superioresna corte ou no conselho do rei;

• superintenderem na gestão da honra familiar;• exercerem o poder sobre outros homens, nobres ou não;

• fazerem-se acompanhar por comitivas armadas de infanções, cavaleiros ecavaleiros vilãos, ligados ao senhor por laços de dependência vassálica;

• poderem armar cavaleiros, indivíduos que o não eram, função tida porabusiva por D. Dinis.

Esta aristocracia superior definia-se também pela riqueza.

Em 1272, alei sobre as assuadas distinguia ricos-homens, cavaleiros e escudeirosde cavalos e armas, dentro do grupo lato dos fidalgos. Escudeiros e donzéis fariam partedo escalão inferior da aristocracia, identificando-se com uma pequena nobreza pobre e de

linhagem secundária, criada nas casas dos nobres mais ricos, seus nutridores eprotectores, mais próxima dos vilãos do que dos fidalgos.

Opondo-se à nobilitação através da cavalaria, feita em cidadãos e cavaleiros vilãos,pelas nobrezas alta e média, D. Dinis determinava em 1305, que só o rei podia armarcavaleiro, indivíduos não nobres.

A hierarquia estava bem definida e cada um devia ocupar e exteriorizar o seu lugarna sociedade, apesar de, até ao século XIII, a nobreza ter sido um grupo social aberto.

2.2.4 Senhores e vassalos  

Uma das componentes estruturais, existentes na Península e no território

português, era a fidelidade que unia o vassalo ao seu senhor nobre e que remonta àsociedade visigótica, aos  fideles e gardingos , ligados por relações de serviço e fidelidade

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ao rei, e os bucelários  e os saiões , de origem nobre ou não, às aristocracias laica eeclesiástica.

Se o feudo não era no reino o laço preponderante da relação senhor/vassalo, averdade é que existiam outros elos que uniam entre si os indivíduos desta pirâmidesocial, em cujo cume se encontrava o rei. Um deles era a honor, ou seja, a função públicacom exercício, por delegação, de parte do poder soberano e do seu benefício, quer nasterras , quer nos castelos. Ao seu exercício correspondia a fidelidade e a homenagem, juradas ao monarca. A quebra deste compromisso identificava-se com a traição ou aleive.

O grande criador e nutridor de vassalos era, sem dúvida, o rei, porque só ele tinhapoder para conceder terras e quantias, força para exigir fidelidade e exércitos e justiçapara castigar exemplarmente os traidores, fossem eles, ou não, de sangue real.

2.2.5 A nobreza de corte  

Apesar de termos dito que a nobreza se distinguia pela sua função guerreira, nãopodemos deixar de mencionar a outra função deste grupo social que se vai afirmando,sobretudo, a partir de meados do século XIII. Encontramos o seu embrião no

desempenho de funções superiores na corte, por parte de alguns ricos-homens, quedetinham os cargos de mordomo-mor, chanceler, copeiro ou vedor da casa real, escançãoe reposteiro. A média e pequena nobreza exerciam temporária ou vitaliciamente cargosmenores na corte, junto do rei e da família real.

A corte régia exportava o modelo social e cultural que uma certa nobreza cortesãimitava. Os séculos XIV e XV dariam o primado a esta nobreza cortesã. Nas cortes, ospovos queixavam-se contra o elevado número de fidalgos e vassalos que os monarcas, apartir de D. Fernando, traziam consigo no paço, dando-lhes mantimento e moradia

3. O clero

Rival da nobreza, no primado da importância social e política, junto do rei, o corpoeclesiástico, tal como aquela, não se apresentava uniforme. No entanto, aqui, ahierarquia era mais visível e apresentava-se bipartida: de um lado, os grandes senhoreseclesiásticos, ou seja, os latos dignitários seculares e regulares, exteriorizando umcomportamento afim ao da alta e média nobrezas e identificando-se com os poderosos; dooutro lado, os curas das paróquias, mais próximo pelos rendimentos e pelo escassodomínio da cultura, mesmo religiosa, da população campesina e, como ela, muitas vezesdependentes do senhor da terra.

Só nas cidades e devido à ascensão económica e social de algumas das suasfamílias, encontraremos párocos com frequência escolar e, depois, universitária. Mas osestudos não parecem ser muito elevados entre os curas, pois os sínodos dos séculos XIVe XV protestavam, frequentes vezes, contra o baixo clero iletrado e sem preparação paraas funções religiosas, pelo que induziam muitos cristãos em heresias.

Ao clero pertencia a imunidade nos senhorios eclesiásticos, o direito de asilo, aisenção fiscal e de encargos municipais, a isenção do serviço militar no fossado, o foropróprio, ou seja, encontravam-se isentos da alçada da justiça secular.

3.1 Alto clero e nobreza. As ordens religiosas 

Se pouco sabemos sobre a origem social de grande parte dos bispos dos séculos XIIe XIII, além de que alguns eram estrangeiros, podemos concluir como probabilidade queesse silêncio quisesse indicar uma ascensão social de alguém que provinha do estratopopular. O mesmo teria sucedido com a maioria dos cónegos dos cabidos ou dascolegiadas.

Curiosamente, os genealogistas omitiram a indicação dos membros das linhagensque enveredaram pela carreira eclesiástica, até ao início do século XIII. A partir de

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Duzentos e Trezentos, as genealogias começam a referir os bispos e clérigos das famíliasda aristocracia.

Nas ordens militares, os cavaleiros, filhos deserdados das diversas linhagens,viviam votados à profissão das armas e aos votos que faziam, como monges cavaleirosque eram.

A cultura e a frequência universitária fizeram singrar clérigos das mais variadasorigens aos mais altos cargos eclesiásticos.

Com o século XV, produziu-se uma alteração social nos membros deste estado: deminoritários que foram, nas centúrias anteriores, os indivíduos oriundos da alta nobreza,passavam agora a maioritários e a dominar bispados e abadias. Reis, papas, arcebispos,bispos indigitavam apaniguados ou familiares seus para os lugares vagos, quer viessemou não a ser ocupados presencialmente pelo novo empossado, pois o que interessava erausar o cargo como uma forma de rendimento pessoal, quer se residisse no reino, quer noestrangeiro.

A igreja passou a receber os secundogénitos e os bastardos da alta nobreza e dafamília real. No entanto, o clero nunca deixou de ser um lugar de promoção social paraos oriundos do terceiro estado e para as suas famílias.

4. O poder senhorial

4.1 Terras, honras e coutos 

Nobreza e alto clero detinham o poder senhorial nas terras que lhes pertenciam,quer fossem, no caso da primeira, as terras, as honras e os coutos, quer fossem, no casodo grupo eclesiástico, os coutos. Todas elas constituíam a propriedade privilegiada,imune, ou seja, aquela em que os moradores estavam isentos de encargos para com ofisco real e onde não podiam entrar os mordomos e juizes do rei, nem para exercer a justiça, perseguir criminosos, multar, receber impostos, etc.

O poder destes dignatários laicos e eclesiásticos revestia aspectos diferentes: poderfundiário, poder judicial, o poder senhorial em sentido estrito, acrescido pelo podermilitar no caso dos nobres, e pelos poderes religioso e cultural, no caso dos altosdignatários eclesiásticos seculares e regulares.

As carta de couto eram concedidas pelos monarcas a nobres, a mosteiros e aigrejas, por vezes, a solicitação daqueles quando se tratava de mosteiros ou igrejas,pertencentes ao seu padroado. Por estas cartas, o soberano, por intermédio dos seusoficiais, limitava por marcos, coutos ou padrões a imunidade de uma terra, doada a umsenhor laico ou eclesiástico e onde ele podia exercer o domínio pleno sobre a propriedadee os homens que a habitavam.

O domínio senhorial era constituído por uma tecitura fundiária descontínua, na

maioria dos casos. A área superior era ocupada pela exploração indirecta, entregue pelosenhor a camponeses que trabalhavam os casais e as herdades e lhe pagavam os direitosdominiais e senhoriais.

Os domínios, divididos em casais e herdades, eram explorados directamente peloscamponeses que pagavam ao senhor da terra os direitos dominiais, por vezes,confundidos com os senhoriais e que provinham da terra e do seu trabalho, como asrendas, as direituras e serviços, como as jeiras ou as corveias.

Caracterizemos os direitos senhoriais, exigidos aos camponeses e proprietárioslivres, residentes nos coutos e honras dos senhores, ou nos reguengos:

• serviço militar, quer quando o rei convocava o senhor, quer no própriointeresse deste. Por isso, podia compelir ao apelido em caso de invasão, ao

fossado, no caso de expedição ofensiva;

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• serviços pessoais, como a anúduva que consistia em ajudar na construçãoe reparo de muralhas e outras fortificações; a introviscada ou a obrigação deacompanhar o senhor na pesca, levando o trovisco ou outras plantasvenenosas; as jeiras, ou trabalhos agrícolas na reserva do senhor, emdeterminadas épocas do ano agrícola (cavar a terra, semear, ceifar, vindimar,etc.) ou semanalmente; as carrarias, ou acompanhamento de transportes e

mensagens por conta do senhor, etc;• impostos judiciais, como a voz e a coima, pagas quando se cometia umdelito;

• tributos de origem servil, como a lutuosa, paga pela morte de umdependente; a manaria, entregue pelo direito à herança de um defuntodependente, sem herdeiros directos; a osa, paga pelo casamento de umaviúva; a gaiosa pelo casamento da mulher fora do senhorio;

• as banalidades, ou seja, as prestações entregues pelo uso do lagar, doforno, do moinho, da eira do senhor.

Eram coagidos, ainda, a outras exacções fiscais, como o dízimo, a eirádiga ou a

lagarádiga, o montado, o relego, etc. Além destes, eram-lhes também devidas e à suacomitiva ou ao seu mordomo, a aposentadoria e o jantar, quando se deslocassem epermanecessem num local.

Em conclusão, o poder senhorial manifestava-se na percepção de dois tipos dedireitos: os direitos dominiais, provenientes da terra e da sua exploração e os direitossenhoriais, identificados com os poderes públicos, estatais ou senhoriais que o senhordetinha pelo exercício de uma função ou pela honra ou por usurpação.

O pagamento destas imposições variou inicialmente, consoante a condição socialdos dependentes, embora o nivelamento fosse a sua tendência natural e, posteriormente,o seu agravamento, numa relação directa com a diminuição da posse da terra e com oempobrecimento dos senhores.

4.2 O rei e os senhores

As opressões dos poderosos manifestaram-se de diversos modos:

• alargamento dos poderes senhoriais à custa das terras e homens,pertencentes ao rei, da ocupação da propriedade alodial dos herdadores e dasaldeias livres ou pertencentes a um senhor menos poderoso;

• arbitrariedades diversas, praticadas sobre os mais indefesos da sociedade,sobre os concelhos e sobre os mosteiros.

Contra elas, iriam actuar, com maior ou menor eficácia, os monarcas desde D.Afonso II até D. João II. Neste sentido, D. Afonso II dava início a uma política régia de

centralização que o fazia afirmar-se, em diplomas legislativos de 1211, como opromovedor de uma justiça social e paz do rei.

Ao mesmo tempo, determinava, no sentido de reaver o património real,abusivamente usurpado pelos senhores, as primeiras confirmações e inquirições. Aobrigação de nobres e dignitários eclesiásticos submeterem à confirmação do monarca asdoações, anteriormente recebidas, não resultou, pelo que, em 1220, D. Afonso II enviavao primeiro corpo de inquiridores para os territórios de Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e Beira. A finalidade destes era inquirir, in loco, sobre os reguengos, os direitos eos padroados da coroa nas referidas regiões. Estas zonas foram abrangidas pelasinquirições gerais do reinado de D. Afonso III. Deveriam ser ouvidos, sob juramento,pelos inquiridores, o juíz de cada julgado, o pároco e os fregueses de cada freguesia,guardando-se segredo sobre as declarações prestadas.

D. Dinis continuaria com a política encetada pelo seu pai e seu avô, desenvolvendonovas inquirições gerais, nas mesmas regiões, nos anos de 1284, 1288, 1303-04, 1307.

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As queixas dos procuradores dos concelhos nas cortes mostravam que, apesar dasmedidas tomadas, os soberanos continuavam a doar terras patrimoniais da coroa com as justiças cível e crime. Os protestos dos povos, nas cortes de Lisboa e do Porto, levaram auma série de medidas legais, onde o soberano reservava para si a justiça maior econcedia apenas a justiça cível à nobreza.

4.3 As opressões senhoriais 

Acabada a guerra com o infiel, a nobreza viu-se obrigada a alterar o seu modo devida e a adaptar-se, embora lentamente, às novas estruturas de mercado que, desde oséculo XIII, se afirmavam em Portugal. Para uma minoria, a corte era uma fonte demantimento e benefícios; a grande maioria vivia retirada nas suas terras, encabeçando aalcaidaria de um ou mais castelos vizinhos, em nome do rei, recebendo em pagamento odinheiro das multas, carceragens e outros direitos inerentes ao cargo.

A riqueza principal continuava a ser a terra e os seus direitos, quer dominiais, quersenhoriais, além da venda de alguns excedentes agrícolas e pecuários, nos mercados efeiras regionais.

A conjuntura económica de recessão, durante a centúria de Trezentos, tornavaestes senhores terratenentes mais agressivos para com os seus dependentes e para comos habitantes dos concelhos.

Os povos, no seu desespero, perante um rei que não se sabia impôr à nobreza nemaos seus desmandos, achavam que sofreriam menos se estivessem sob o poder do infiel.Apesar de alguns dos privilégios obtidos pelo povo miúdo de certos lugares, em 1383-85,a verdade é que as opressões continuaram, pois eles detinham a força e cresceriam noreinado de D. Afonso V.

5. O povo

Na sociedade tripartida, eles eram os laboratores , aqueles que trabalhavam a terracom suor e dor. No entanto, este corpo, tal como os outros dois, não se apresentavahomogéneo.

A maioria pertencia ao grupo dos menores, embora uma franja significativaintegrasse o dos medianos, exteriorizadores de um comportamento contaminado pelomodelo cultural e social dos maiores da sociedade.

5.1 A população rural

Os dependentes livres ou em situação de servidão eram coagidos aos trabalhos nocasal que habitavam e de onde tiravam o sustento para a família e às obrigações dosdireitos dominiais.

Outros dependentes, os colonos, tinham os seus movimentos mais livres, pois o seuestatuto jurídico não os identificava com a terra, podendo usufruir de contratos deexploração, feitos como senhor, e posteriormente abandoná-los. Outros homens livresprocuravam a protecção de um senhor ou patrono, laico ou eclesiástico.

Em defesa dos seus direitos, contra o crescimento dos senhorios, comunidadesaldeãs havia que elegiam um senhor para seu protector. Este podia ser o própriosoberano. Eram as beetrias.

A mobilidade e a fuga para os concelhos do centro e sul eram a única possibilidadepara uma mudança de nível de vida. Estes movimentos eram já uma realidade no iníciodo século XIII, pois a vadiagem viria a ser objecto de uma ordenação de D. Afonso II. Osvadios surgiam assimilados aos maus homens, o que nos poderá fazer supor a existência

de uma certa perturbação social a par desta mobilidade.

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No extremo da escala social, encontravam-se os assalariados rurais: cabaneiros,cavões, moços de lavoura, guaraddores de gado, pastores, todos os serviçais quealugavam o seu trabalho, na praça pública, à jorna, à semana, ao mês ou à época, emtroca de um salário em géneros e em dinheiro, como o previa, para a região de EntreDouro e Minho, a lei da almotaçaria de 1253.

5.1.1 Mobilidade e contestação social  

A fuga ao senhor, através da transferência para um concelho ou para a terra de umoutro senhor mais liberal nas condições que oferecia aos seus dependentes, ou nosprivilégios/isenções que lhes obtinha da parte do rei, era um meio de contestaçãopacífica e individual que os camponeses utilizavam contra as opressões de algunssenhores laicos e eclesiásticos e até do próprio monarca, como senhor terratenente.

Os camponeses reagiam contra as prepotências senhoriais, quer individual, quercolectivamente. Lutavam contra a imposição de novos foros e à exigência das prestaçõesde corveias braçais na lavoura, as jeiras, quer de carretos ou transportes. Reivindicavamque todas as alcavalas fossem introduzidas no contrato escrito, de modo a não seremexorbitadas pelo senhor.

Em 1375, D. Fernando publicava a lei das sesmarias que, entre outros artigos,referia o desvio dos trabalhadores rurais para o serviço pessoal, nos paços dos nobres,outros abandonavam o campo, trocando-o pelos ofícios e artes diversas. As revoltasrurais, acompanhadas de violência, são difíceis de detectar, pois as fontes sãopraticamente omissas a esse respeito.

Os assalariados rurais, em Portugal, revoltavam-se contra a miséria, contra asimposições salariais que não respondiam à carestia nem à desvalorização monetária,contra as exacções senhoriais, contra a fixação do camponês à terra ou a um senhor,restringindo-lhe a liberdade.

Em conclusão, a sociedade rural bipolarizou-se em dois corpos: o dosterratenentes, fossem eles o rei, os senhores laicos e os eclesiásticos, ou a cavalaria vilãdos concelhos, de um lado, e os trabalhadores rurais, foreiros e assalariados, do outro.Depois das explosões demográfica e económica do século XIII, visíveis nas conquistas deterras novas e nas cartas de foral, outorgadas aos seus povoadores, passou-se para umséculo de recessão que se manifestou nos agravamentos das exigências senhoriais. Aestes, os camponeses responderam com diversas formas de luta, individuais e colectivas,a que o poder político responderia com leis laborais e de fixação dos camponeses à terra,sucessivamente ratificadas, desde D. Afonso IV a D. Afonso V, o que confirma, por seulado, a fraca eficácia das mesmas.

5.2 A população dos concelhos 

Ao território senhorial das regiões de Enter Douro e Minho e Beira opôs-se o centro

e sul de Portugal, zonas de forte implantação municipal. Enquanto, naquelas, osconcelhos surgiam disseminados num espaço fortemente marcado por honras e coutos,no centro e sul, a mancha demográfica concentrava-se nos núcleos urbanos e seustermos, circundados por senhorios, sobretudo, eclesiásticos, pertencentes, ou não, àsordens religiosas militares.

Os concelhos viriam a exercer uma atracção sobre a população excedentária donorte que via neles uma oportunidade de melhoria de vida. A situação de insegurança,provocada pela guerra, levava a população a concentrar-se num núcleo urbano, com osmeios necessários à sobrevivência, quer em água, quer em terra arável, quer empossibilidades de defesa, naturais ou de um castelo ou de muralhas, que circundavam oaglomerado habitacional.

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5.2.1 A oligarquia municipal  

A cavalaria vilã era constituída por homens livres que se definiam pelo tipo deserviço militar que prestavam ao rei: em cavalo e com armas próprias. A sua integraçãonesta categoria tinha por base um cálculo de rendimento anual, avaliado a partir daposse de solo rural e urbano, além de bens imóveis. Eram os vizinhos do concelho, pois apropriedade de uma parcela de solo urbano, a naturalidade e a residência permanentedefiniam-lhes o privilégio de vizinhança e isentavam-no do pagamento de portagem.

Os cavaleiros vilãos constituíam o estrato social superior dos habitantes dosconcelhos a quem o rei, nas cartas de foral, concedera privilégios e isenções diversas,tanto mais que eles forma o braço dos primeiros monarcas na reconquista. Em termos judiciais, os forais equiparavam-nos aos infanções, proibindo-lhes a aplicação de penasinfamantes. O homicídio praticado na sua pessoa era mais penalizado do que oassassínio de um peão, pois a multa prevista era a mesma que se aplicava no caso doinfanção. Igual equiparação era feita ao seu testemunho.

Estavam isentos do pagamento de jugada e de colaborarem pessoalmente naanúduva, embora dirigissem o trabalho feito por outros e, mais tarde, devessem pagar aquem lhes fizesse o serviço. Nos forais, tipo Évora, a cavalaria vilã estava isenta da

anúduva, ou seja, dos trabalhos de reconstrução e obras no castelo ou nas muralhas.Estavam dispensados, consoante os forais, de dar aposentadoria, de pagar pedido e omonetágio.

Com o fim da reconquista, a designação de cavaleiro vilão passou a ser suplantadapela de homens bons e pela de honrados dos concelhos. Eles eram os maiores ou oshomens bons.

Com o decorrer do tempo e afirmação de novas formas de produção, a aristocraciamunicipal de proprietários rurais sentiu necessidade de abrir-se a novos critérios deriqueza, oriundos do comércio e do artesanato. Mercadores e mestres ascenderam a ela e,possuindo quantia para sustentar cavalo e armas, passaram a servir o rei na cavalariavilã. Este grupo detinha as magistraturas municipais, na sua totalidade ou partilhando-as com nobres, nuns concelhos, ou com os peões, noutros.

Eles eram os honrados dos concelhos, os homens bons, os cidadãos. Constituíam,dentro do grupo popular, os privilegiados pelo favor real, os poderosos. A pragmática de1340 referia os cidadãos, como estrato superior do povo cuja riqueza podia ultrapassar ade um rico-homem.

Nas cortes de Coimbra, os homens bons reivindicariam do Mestre o pagamento doapoio dado, exigindo a sua entrada no conselho do rei que passaria a contar com apresença de quatro cidadãos, além dos membros da nobreza, do clero e letrados. Ascidades representadas eram Lisboa, Porto, Évora e Coimbra.

Independentemente do crescimento económico e do aumento do prestígio social,não esqueça que a oligarquia municipal sofreu também com a recessão económica de Trezentos. Eles eram os honrados que empobreciam com as usuras judaicas, com a falta

de mão-de-obra rural, com as desvalorizações monetárias. Para eles, os reis criaram asmercearias, casas de assistência, destinadas a recolher as pessoas honradas, caídas empobreza, que devido ao seu estatuto não podiam pedir esmola.

5.2.2 O povo miúdo dos concelhos  

A grande massa anónima dos municípios era constituída pelo grupo dos tributados,dos não privilegiados, a menos que pertencesse a um corpo profissional a que o reioutorgasse privilégios.

Constituíam o grupo dos peões, dos homens livres, lavradores, mesteirais epequenos mercadores por conta própria, cujo rendimento não atingia o limiar mínimo

para servir o rei com cavalo e armas próprias. A sua definição radicava-se no serviçomilitar a pé.

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Eram obrigados à anúduva, contribuindo nela com a força do seu trabalho, à  jugada, à aposentadoria. Deste grupo, sem nunca ter atingido o estatuto superior,sairiam os besteiros do conto que D. Dinis cumularia de privilégios, chegando alguns aingressar na oligarquia municipal, pelo desempenho de cargos.

5.2.3 As uniões populares. A ascensão dos mesteirais  O concelho era constituído pelo núcleo urbano e pelo termo. A população de um e

de outro era heterogénea: mais artesanal e mercantil, no aglomerado urbano, mais ruralno termo. Esta diferença traduzia-se também numa hierarquia de importância, pelo quedetinham o primado os habitantes do núcleo urbano.

No entanto, os interesses de uns e de outros eram os mesmos quando estava emcausa a autonomia ou a liberdade do concelho, frente ao crescimento do poder senhorial,fosse ele o rei, um senhor laico ou eclesiástico, ou até um município vizinho.Constituíam-se, então, solidariedades verticais que integravam a oligarquia municipal e opovo miúdo, composto pelos mesteirais e assalariados urbanos, e os camponeses eassalariados do termo. Fazia-se, assim, frente a um inimigo comum que atentava contraas liberdades, usos e costumes adquiridos.

Outras vezes, as solidariedades firmavam-se na horizontal, unindo os pequenos doconcelho contra a oligarquia dos homens bons, na reivindicação de uma maior justiçasocial, de uma mais justa repartição fiscal, na luta contra os privilégios. Atacavam-se asisenções e os privilégios pessoais dos poderosos.

Acontecia, também, que a contestação era originada no campo laboral, ou seja, aconfraria ou hospital de um dado mester levantava-se contra a imposição de salários oua definição dos preços dos produtos, por parte das autoridades concelhias.

Defensores dos pobres intitulavam-se os nossos soberanos, desde D. Afonso II,tentando coibir os desmandos praticados pelos poderosos.

Em conclusão, podemos afirmar que Portugal acompanhou as mutações sociais

ocorreram na Europa de Duzentos e Trezentos. Os levantamentos rurais e urbanos,assim como o estilo das reivindicações que chegaram até nós, confirmam-nas. Àascensão da oligarquia municipal, durante os séculos XIII e XIV, sucedeu-se a ascensãodos mesteirais, durante as centúrias de Trezentos e Quatrocentos. Mas, enquanto aquelase identificava com os poderes urbano e central, graças à frequência universitária, eassimilava cultural e socialmente o modelo da aristocracia de sangue, o povo miúdo sómuito lenta e transitoriamente conseguiria manter as conquistas alcançadas, poisfaltava-lhe os suportes cultural e económico para as defender e consolidar.

6. Pobres, Marginais e Escravos

6.1 Os pobres 

6.1.1 Definição 

O pobre é aquele que, de uma maneira permanente ou temporária, se encontranuma situação de fraqueza, de dependência, de humilhação, caracterizada pela privaçãodos meios variáveis segundo as épocas e as sociedades, de poder e de consideraçãosocial: dinheiro, relações, influência, poder, ciência, qualificação técnica, honorabilidadede nascimento, vigor físico, capacidade intelectual, liberdade e dignidade pessoais.

Encontramo-los nos campos e nas cidades, onde o crescimento urbano e a riquezamaterial, tornaram a pobreza, um fenómeno estrutural. No seu grupo lato, integravam-se

os camponeses e os assalariados rurais e urbanos, os sem emprego, os incapacitadospara o trabalho, os órfãos, as viúvas, os velhos e os pedintes. Eles eram os pobres.

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Vejamos os diversos graus de pobreza involuntária, contemplados nadocumentação medieval. Para isso devemos tentar definir o conceito de limiar, abaixo doqual um dado indivíduo era considerado pobre:

• limiar fiscal, variável com o tempo e os lugares e que marcava o mínimo,abaixo do qual uma pessoa ficava isenta de pagar impostos ao concelho e aorei;

• limiar económico, mutável com a própria condição social do indivíduoque caiu em pobreza. Daí a diferença entre um fidalgo pobre e um camponêspobre, ou entre aquele que nasceu pobre e o que caiu em pobreza;

• limiar biológico, definido pela idade e pela saúde física e mental quetornavam alguém apto, ou não, para por si servir a comunidade a quepertencia;

• limiar social que separava o fraco, o desprotegido, do forte, do poderoso;

• limiar de sociabilidade que distinguia o grupo dos marginais do dasociedade ordenada e hierarquizada.

A pobreza caracterizava-se, assim, pela ausência de uma ou de várias qualidadesessenciais para que um indivíduo se pudesse auto-afirmar perante a comunidade,levando-o a definir-se como pobre, num dado momento da sua vida, ou desde quenascera.

Estes limiares marcavam no todo, ou em parte, a realidade vivida por aquele quesofreu a miséria involuntariamente e não a daquele que a assumiu voluntariamente,como um estado de espírito, integrando-se ou não numa ordem religiosa.

6.1.2 A revolta dos pobres e as ordens menores  

As desigualdades sociais eram salientadas, com a finalidade de chamar a atençãodo soberano para a sua função de ordenador social, de «defensor dos pobres».

À ausência do ter, juntava-se a consciência do não ser. O pobre sentia ambas nasua carne e começava a exigir uma maior justiça social e o reconhecimento de umadignidade humana. Para esta consciencialização contribuíram:

• a mobilidade dos pobres para os centros urbanos, à procura de umamelhor condição de vida;

• o ideário da pobreza evangélica, por vezes, à margem da própria Igreja;

• e, sobretudo, as ordens Menores de Francisco de Assis e Domingos deGusmão.

A única referência explícita a uma pobreza voluntária, marginal à Igreja e, portanto,com laivos de heresia, encontra-se na Lei das Sesmarias, no reinado de D. Fernando.

No entanto, exemplos de pobreza assumida mas não integrada em ordens religiosasforam os eremitas, os emparedados, desde o século XIII ou, nos finais de Trezentos einícios de Quatrocentos, os pobres da pobre vida. Os primeiros e os últimos escolheram oermo para habitar, os segundos, a cidade.

Outros aproximavam-se dos mosteiros, vivendo no exterior dos seus muros, apobreza voluntária dos monges e freiras, procurando assim ganhar os benefíciosespirituais dos que serviam Cristo, despojando-se do mundo. Eram os irmãos conversos.

Inseridas na perspectiva de defensor dos pobres, encontravam-se as diversas leiscontra a usura ilícita e o modo de se fazerem os contratos, contra a especulação dospreços, os abusos fiscais e das justiças.

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6.1.3 Pobres e pobres envergonhados  

Uma das funções da Igreja e dos seus membros era atender aos míseros dasociedade. Por isso, desde o início, os concílios e sínodos destinaram o dízimo das suasrendas a esse fim,

A prática de caritas, sendo uma manifestação de amor ao próximo para todo o

cristão, era exaltada como um dos atributos do clero secular e das ordens religiosas,assim como dos ricos.

A exaltação do pobre, como o intermediário da salvação do rico, ou a suaidentificação com a figura de Jesus, na expressão pobre de Cristo, era reflexo dessadoutrinação social.

D. Afonso IV e D. Beatriz fundariam um hospital para homens e mulhereshonrados que caíram em pobreza. Surgiria, assim, uma instituição assistencial para comaqueles pobres envergonhados. Eram as mercearias.

6.2 Os marginais 

  Teremos que irradiar do grupo dos marginais a franja social que integrava oscriminosos vulgares, ladrões e homicidas, assim como os traidores. Se excluirmos acriminalidade e a traição, teremos todas as formas associais, ou seja, decomportamentos, à margem da sociedade hierarquizada e definida como corpo uno, queenglobavam a falsa mendicidade, a prostituição, os saltimbancos e jograis, os goliardos,os sodomíticos, etc.

6.2.1 Os falsos mendigos  

Pobres e envergonhados não se confundiam, na sociedade medieval portuguesa,com os falsos mendigos nem com os vadios. A errância, provocada pela oferta/procura,acompanhava a mendicidade temporária daquele que procurava melhores condições de

vida noutros lugares e a mendicidade crónica dos falsos pedintes. A falsa mendicidadetransformou-se num flagelo social que os povos tornariam a levar às cortes de Évora de1482-82.

6.2.2 O mundo da prostituição  

A prostituição era o fim de muitas jovens que rompiam com as estruturasfamiliares, estrita e alargada, em que se inseriam. Sendo uma instituição à margem dasociedade organizada, as prostitutas acabavam por ocupar um lugar na sociedademedieval. Como prostitutas, habitavam uma rua, a «rua da putaria» ou «mancebia» eusavam um vestuário que as distinguia das mulheres honestas.

6.2.3 O mundo da boémia  

Soldadeiras, trovadores, jograis, goliardos, nobres, mesteirais e camponesesfrequentavam, até altas horas da noite, estalagens e tabernas, nos caminhos ou noscentros urbanos. Neste mundo da boémia e de uma certa marginalidade, os estadossociais confundiam-se. O jogo era causa de empobrecimento individual, de blasfémias ede perturbação da ordem pública.

6.3 Os escravos 

À margem da sociedade porque não seguiam a religião cristã ou porque nãopertenciam ao grupo dos homens livres, os escravos existiram, em Portugal, desde o

início da nacionalidade. Inicialmente, a sua proveniência era islâmica, pois a guerra entre

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cristãos e muçulmanos, permitia abastecer o mercado de escravos, quer de um lado, querde outro.

A sua origem social ou o estatuto obtido, através de um pacto, permitiam aosmouros aprisionados ter sorte diversa. O seu estatuto jurídico era o de um objecto, que osenhor podia vender, castigar e até matar, se o merecesse, tal como seria indemnizadopor qualquer dano que outrém praticasse sobre o seu escravo. A alforria era o sonhoalmejado, para poder voltar para junto dos seus correligionários, ou para poder viver emliberdade.

Mesmo após o fim da reconquista, Portugal continuava a abastecer-se de escravosmouros, oriundos do norte de África, na sua generalidade. É provável que, já no séculoXIV, alguns deles fossem provenientes da África negra.

7. As minorias religiosas

Ao falarmos de minorias religiosas, temos que pensar em duas realidades distintas,na sociedade cristã medieval:

• Minorias étnicas, populações marcadas por um passado histórico comum,ancestral, definido por uma religião, um conjunto de tradições e hábitoscomportamentais, uma língua, estruturas de parentesco, etc., que asdistinguiam dos outros e que lhes interditavam o cruzamento com outrospovos. Encontram-se, neste caso, as minorias judaica e moura, a residir nacristandade e toleradas por esta;

• Minorias religiosas heréticas, ou seja, grupos de dissidentes docristianismo romano, proibidos e perseguidos pela Igreja e palas autoridadesrégias.

À intolerância perante estas últimas, seria contraposta a tolerância religiosa deRoma para com judeus e mouros, permitindo-lhes viver entre os cristãos, para que, como exemplo destes, pudessem converter-se livremente à fé verdadeira.

7.1 Comunas de judeus e comunas de mouros forros 

7.1.1 As comunas judaicas e mouras  

Quando Portugal se afirmou como reino independente, judeus e mouros residiamno seu território. No entanto, quer o tempo da sua permanência, quer a situação jurídico-social de ambos era completamente diferente.

Podemos fazer remontar a existência de judeus, em território que viria a ser o dePortugal, pelo menos ao século V, devido ao achado arqueológico de uma lápide com ocandelabro de sete braços, em Mértola.

O reconhecimento da existência das comunidades judaicas, na cidade islâmicatornada cristã, levou-os a conceder-lhes as liberdades individuais e colectivas, expressasnas suas cartas de privilégios ou cartas de foral.

Ao contrário da minoria judaica, dominada sob o Islão e sob a cristandade, apopulação moura passou de dominante a subjugada pelos reis cristãos.

Para os mais ricos, havia sempre a esperança do resgate, pago pelos seusfamiliares, ou o regresso para junto dos seus correligionários, por via da troca com umprisioneiro cristão, nas mãos dos infiéis. Para a maioria, a vida resumiu-se à escravidão, junto do seu senhor, quer trabalhando a terra, quer exercendo um mester.

A concessão de uma relativa autonomia, a posse de parte dos seus bens, a

liberdade jurídica e religiosa, em troca de pesados tributos, foi pela primeira vezoutorgada aos mouros de Toledo, depois da entrada de Afonso VI.

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Este seria o princípio desenvolvido pelos reis de Portugal, durante a reconquista doterritório aos reinos de taifas. A designação que os documentos lhes deram foi a demouros forros os quais habitariam as comunas ou aljamas, auferindo dos privilégiosdescritos nas cartas de foral.

7.1.1.1 Cartas de privilégios das comunasA D. Afonso Henriques deve ter pertencido a primeira outorga de cartas de

privilégios às comunas judaicas, tal como sucedeu com as de mouros forros.

Podemos dizer que nelas deveria estar consignado o direito que os seguidores da Leide Moisés e do Corão tinham de residir e circular livremente no reino, mantendo a suaindividualidade religiosa e a tradição ancestral que os definia como povos distintos dosoutros, expresso na permissão para:

• erguerem sinagogas e mesquitas, possuírem livros de culto e alfaiasreligiosas;

• celebrarem os ritos mosaico e islâmico, com as suas festas e jejuns e orespeito pelo descanso sabático ou de sexta-feira;

• possuírem cemitério apartado;

• abrirem escolas para o ensino do hebraico ou do árabe, às crianças; e doTalmud  e do Corão , aos jovens, as quais funcionavam na sinagoga ou namesquita, ou perto destas em edifício autónomo;

• terem direito a regerem-se pelo direito talmúdico e pelas glosas dos autoresrabínicos, ou pelo direito corânico, nos feitos cíveis e crimes enter judeus, ouentre mouros, ou sempre que o indivíduo da minoria fosse o réu,independentemente de, em última instância, estarem sujeitos às ordenaçõesgerais do reino e ao monarca como juiz;

• elegerem as autoridades da comunidade, entre os membros das famílias

 judias ou mouras, mais idóneas para os cargos, as quais se situavam na basede uma pirâmide hierárquica, em cujo vértice superior se encontrava o rabimor, o judeu, escolhido pelo rei e que, por inerência das suas funções,habitava na corte, não existindo cargo, ocupado por um mouro forro,equivalente ao arrabiado mor para a minoria moura;

• usarem as línguas hebraica e árabe, nos actos oficiais e registos de livrosdas comunas, privilégio que lhes seria retirado por D. João I;

• dedicarem-se a qualquer profissão, prerrogativa que lhes viria a ser,paulatinamente, contestada a partir do século XIII, desde que aprofissão/cargo se manifestasse como o exercício de poder sobre os cristãos;

• poderem adquirir bens de raiz, rurais ou urbanos;

• circularem livremente pelo reino.

Estes privilégios e, talvez outros mais, estavam descritos nas cartas de privilégio,tal como os impostos que deveriam pagar ao seu senhor, o rei.

Reafirmava-se a autonomia da comuna e das suas autoridades, perante omunicípio cristão e os seus magistrados, os oficiais da justiça régia, a nobreza e o clero.Porém, não nos iludamos: uma era a realidade da lei, outra a do quotidiano.

7.1.1.2 A população

Não é fácil falar em números para o período medieval e, tanto mais difícil se torna,

se o objectivo for quantificarmos as populações minoritárias. O nosso cálculo terá de serorientado para a realidade histórica das duas minorias: enquanto a minoria moura forraconvergiu para a estagnação e para uma progressiva diminuição populacional, após a

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reconquista do Algarve, por D. Afonso III, em 1249; o mesmo já não sucederia com aminoria judaica que conheceria avalanches imigratórias de proveniência diversa, massobretudo peninsular, consoante a instabilidade social, nos outros reinos, fazia perigaras suas vidas e bens.

Assim, com raras excepções, as cerca de vinte comunas de mouros forros fixavam-se nas regiões estremenha, alentejana e algarvia. Pelo contrário, a minoria judaicaespalhou-se de norte a sul, tendo sido usada pelos nossos soberanos, no povoamento dosmunicípios menos populosos e até no seu incremento económico. Assim, podemosafirmar que, em finais de Trezentos, existiriam no reino cerca de 30 comunas de judeus.

O seu número quintuplicaria, nos finais de Quatrocentos. Explica-se este surtodemográfico: pelos levantamentos antijudaicos em Aragão, Navarra e Castela, no séculoXIV; pela instalação do Tribunal do Santo Ofício ou Inquisição, em 1478, em Castela; epela expulsão definitiva dos judeus pelos Reis Católicos, em 1492.

A penetração dos judeus castelhanos fez-se por via terrestre, no sentido Oriente-Ocidente, pelo que se compreende toda uma proliferação de comunidades, emmunicípios, perto da fronteira com o reino vizinho.

No entanto, o mesmo não sucedeu com os mouros forros cuja queda demográfica sefoi acentuando, ao longo de Quatrocentos e que pode ser explicada de várias maneiras: aemigração clandestina ou não, para o reino mouro de Granada ou para as terras mourasdo norte de África; a sua conversão e diluição entre os cristãos, com quem mantinhamprofundas afinidades.

7.1.1.3 A judiaria e a mouraria

A judiaria e a mouraria eram a rua ou as ruas que constituíam os bairros judaico emouro, cujo centro era a sinagoga ou a mesquita, lugares de oração, de ensino, detribunal e de reunião das autoridades comunais.

Neste sentido, judiaria/mouraria e comuna identificavam-se: as primeiras como

agrupamento físico das duas minorias, dentro do espaço do concelho cristão; a segundacomo o conjunto do povo e das autoridades que o representavam, no diálogo com osoficiais hierarquicamente superiores ou com os magistrados municipais e restantesoficiais cristãos, protegida pela carta de privilégio, concedida desde que o agregadotivesse um mínimo de dez famílias, número necessário para a abertura de uma sinagogaou de uma mesquita e, portanto, para a existência de uma comuna.

Poderemos dizer que esta antecedeu a judiaria ou a mouraria, pois o documentoque primeiro reconheceu a existência da comunidade minoritária foi a carta de privilégiosde liberdades, usos e costumes, concedida por um soberano e confirmada de rei a rei,pelos seus sucessores.

A judiaria e a mouraria, como realidades espaciais, encerradas dentro de portas,apareceram, nos concelhos mais populosos, como Lisboa, no reinado de D. Pedro I, na

sequência das cortes de Elvas de 1361. A as criação tinha duas finalidades precisas:defender a maioria da «contaminação» física que podia conduzir à abjuração religiosa;proteger as minorias, nomeadamente a judaica, dos surtos de violência que vinham aaumentar na sociedade cristã peninsular, sobretudo, devido ao medo da peste.

A segregação espacial foi tardia em Portugal, tendo-se iniciado em meados de Trezentos e prolongado por Quatrocentos, e sucedeu à distinção física. As judiarias e asmourarias, como bairros apartados, com portas vigiadas por guardas que as abriam aonascer do sol e as fechavam ao toque das Trindades, só surgiram no reinado de D. PedroI, para Lisboa, onde residiam as comunidades mais populosas, estendendo-seposteriormente a outras mais densamente povoadas, como Évora.

Os maiores e mais importantes bairros judaicos e mouros possuíam edifícios

públicos, com fins diversos. Já dissemos que o mais significativo de todos era, consoantea comunidade, a sinagoga ou a mesquita, casa de oração, tribunal, câmara de vereação eescola.

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Nas judiarias e mourarias, à semelhança dos concelhos, encontramos hospitais ealbergarias. Noutras, havia ainda estalagens e confrarias de assistência, para ondeconvergiam as esmolas. Algumas possuíam cadeia própria, açougues e balneários.

7.1.1.4 As autoridades comunais

É provável que as comunidades judaica e moura possuíssem a mesma organizaçãointerna, decalcada na do concelho cristão. À semelhança deste, as comunas ou aljamas,tinham as suas autoridades eleitas por pelouros.

À frente delas, encontravam-se os rabis, vereadores, procurador e tesoureiro,variáveis em número, consoante a densidade populacional do agregado judaico, ou oalcaide, vereadores, procurador e tesoureiro, para o núcleo muçulmano, e queconstituíam as autoridades comunais, gestoras do poder político, judicial e fiscal dasrespectivas comunidades. Cada uma das minorias tinha ainda o capelão, que oficiava nasinagoga ou na mesquita, respectivamente.

Durante o século XV, a participação do povo comum, na tomada de decisões deinteresse geral, tornou-se frequente nas assembleias alargadas que tinham lugar na

sinagoga.A projecção social e na corte das duas minorias era diferente. Este facto deve ter

estado relacionado com a situação de população conquistada, apesar da outorga de umestatuto de alforria, como era o caso dos mouros e, por outro lado, com o seu menor pesodemográfico e económico.

Só assim podemos entender a desigualdade que a marcava, junto do rei: os judeuspossuíam um magistrado cortesão, correligionário seu e seu interlocutor, próximo domonarca; enquanto os mouros se limitavam ao exercício da sua autonomia na aljama,sem terem um representante muçulmano na corte.

Como «senhor das três religiões», encontrava-se o monarca, juiz em supremainstância de todas elas. No entanto, funcionava na corte um corregedor para os judeus, o

rabi mor, intermediário entre a minoria judaica e o soberano a quem pertencia, o qualtinha, no século XV, os seus representantes nas comarcas, os ouvidores, igualmentecorreligionários seus. O mesmo já não sucedia com a minoria moura. Do alcaide mouroapelava-se para os magistrados cristãos e destes para o rei.

7.1.1.5 Os tributos

Em troca da tolerância religiosa e da liberdade de usos e costumes, consignadascom outras prerrogativas nas cartas de privilégios ou de foral, as duas minorias, pordireito canónico, estranhas à sociedade cristã, deviam pagar o soberano tributosavultados, que se tornavam uma verdadeira opressão para os mais pobres, oneradosainda pela isenção que recaía sobre os privilegiados das comunidades.

Os tributos da população moura incidiam sobre as pessoas, bens imóveis e móveis,trabalho por conta própria e assalariado. Veremos que o mesmo sucedia com osindivíduos da outra minoria religiosa.

Definidos como naturais do reino e, até finais do século XIV, como vizinhos doconcelho, os judeus viram-se transformados, mais do que os mouros, em fonte derendimento dos soberanos. Entre os impostos ordinários que recaíam sobre os judeus,destacavam-se os direitos reais e as suas fracções sobre o indivíduo, os bens e otrabalho.

 Judeus e mouros eram ainda onerados na colecta dos impostos extraordinários,lançados pelo soberano e ratificados nas cortes. Além dos impostos acima referidos,outros tributos eram devidos ao rei, à Igreja (o dízimo), ao concelho e à comuna.

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7.1.2 O judeu e o mouro: a consciência da sua alteridade  

O direito à diferença foi-lhes reconhecido, quer pela legislação canónica, quer pelarégia. A tolerância advinha dessa aceitação pública, por parte das duas autoridades.Resultante daquele foi também a segregação física, por meio do traje ou do sinal exterior,desde D. Afonso IV, e a separação espacial, na judiaria ou na mouraria, a partir de D.Pedro I.

As religiões salvaguardavam-se, defendendo a separação física e espacial. Nãoesqueçamos que, para todas elas o conceito de infiel era recíproco. A intocabilidademanifestava-se por interdito religioso.

A alteridade começava pela religião que definia cada um dos crentes como osseguidores do Deus verdadeiro.

O judeu afirmava-se como o povo escolhido por Deus. Caracterizava-os:

• a guarda dos sábados, iniciando o preceito do descanso sabático na sexta-feira ao fim da tarde, até ao fim do dia de sábado. Nele não faziam qualquerespécie de trabalho. A cerimónia do sabat iniciava-se na sexta-feira à tardecom o acender das candeias;

• a circuncisão;

• a páscoa do pão ázimo ou a páscoa do cordeiro era a festividade maior docalendário religioso judaico e, como tal, precito obrigatório. Durava oito dias e,neles, os judeus recordavam a saída do Egipto e a passagem do marVermelho, chefiados por Moisés;

• o quipor, o jejum maior ou o do perdão. Nele os judeus pediam perdão unsaos outros e mortificavam-se.

Estes eram os preceitos que os definiam. Ao longo do ano religioso, tinham outrasfestas como a páscoa das cabanas, durante a qual os judeus enfeitavam as ruas das judiarias com ramos de palmeiras e flores e armavam umas cabanas com palmas, onde

habitavam durante uma semana; o pentecostes, o jejum da rainha Ester, etc.Diferentes eram também o cerimonial da morte e do enterramento.

Demarcavam-se pela alimentação. Estava-lhes interdito comer porco, coelho, lebre,sangue, animais não degolados, peixes sem escama, etc.

A minoria moura demarcava-se em alteridade, para com a s outras duas religiões: amaioritária cristã e a minoritária judaica. O Corão é o seu livro profético e inspirado porDeus ao seu enviado, o profeta Maomé.

Sem o impacto dos outros tempos, na torre da mesquita, ou minarete, o muezimcontinuava a chamar o crente à oração ritual, cinco vezes ao dia. Este devia rezar,prostrado em direcção a Meca, a cidade santa onde se encontra a caaba.

Mas outros actos havia que definiam o fiel islâmico:

• a oração ritual, feita cinco vezes ao dia;

• a sexta-feira como dia santo de descanso;

• o jejum do mês de Ramadão;

• a peregrinação a Meca, pelo menos, uma vez durante a vida;

• a circuncisão;

• a purificação ritual, presente nas constantes abluções, antes de orar;

• a esmola.

  Tal como os judeus, os mouros tinham também alimentos que lhes estavaminterditos por preceito religioso, como a carne de porco, certas aves e todos os animaisque não fossem degolados, segundo o ritual prescrito. Estava-lhes proibido beber vinho.

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A alteridade marcava-se também pela exteriorização individual, ou seja, pelo trajeou pelo sinal diferenciador, imposto pela primeira vez por D. Afonso IV, apesar dastentativas do clero para o introduzir, no reinado de D. Dinis.

A rejeição da minoria judaica pela maioria cristã foi um fenómeno ideológico delonga duração, que se começou a assumir como tal, durante a segunda metade do séculoXV, com base na rivalidade económica e no crescimento dos poderes municipais.

A alteridade tinha duas faces: a da afirmação intrínseca de cada minoria ao direitode se assumir como um povo, com uma história, definida por uma religião, tradição elíngua; e a da segregação, por parte da maioria.

Ser judeu ou ser mouro era, afinal, assumir-se como o «outro» perante o cristão; talcomo este se diferenciava das duas minorias e estas entre si. A alteridade , a diferençatornava intocáveis, estanques uns perante os outros, os membros de cada uma das trêsreligiões, sob pena da proclamação do anátema sobre o membro apóstata (renegado) esua irradiação do corpo religioso a que pertencera. No entanto, cabia por direito canónicoe civil apenas à maioria o direito ao chamamento à conversão. O inverso era condenado.

7.1.3 A aculturação  A integração dos dois grupos minoritários fez-se por via da aculturação recíproca,

quer das minorias, quer da maioria. A comprovar este facto, encontrar-se o fenómenolinguístico: o árabe e o hebraico marcaram o português. Mas não só. A sua presençapermaneceu certamente na alimentação de que as alheiras de Mirandela não serão oúnico exemplo, nem tão pouco a açorda ou as migas alentejanas.

7.2 Minorias cristãs heréticas 

D. Afonso II foi o autor da mais antiga referência ao crime de heresia e ao seu  julgamento. Embora, no reino, não tivesse existido tribunal inquisitorial para estescrimes, é um facto que eles pertenciam ao foro eclesiástico e, por isso, eram julgados pelotribunal episcopal.

Apesar da controvérsia religiosa, judeus e mouros nunca foram entendidos comohereges, excepto se apóstatas depois de terem recebido o baptismo. Circularam no reinoseitas heréticas, algumas delas voltadas para o ideário da pobreza evangélica e domilenarismo. Em Portugal, não existiu Inquisição pontifícia, cabendo na generalidade doscasos, o julgamento e decisão dos mesmos aos tribunais diocesanos.

8. Assistência e saúde pública

Desde o início do cristianismo que a Igreja se ocupou dos mais desfavorecidos,destinando-lhes, como já referimos, o dízimo dos seus bens. Por isso, a assistência, desde

logo, foi entendida como uma função sua, extensiva a todo o cristão. Daí que, aassistência aos mais pobres da sociedade não tivesse sido, durante a Idade Média,compreendida como uma função do poder real.

Mas a assistência medieval não tinha por objectivo atender aos doentes, a menosque estes se integrassem naquelas enfermidades que caracterizavam a pobreza: cegos,coxos, mancos, aleijados, entrevados, ou seja, aqueles que, por deficiência físicacongénita ou não, se encontravam incapacitados para o trabalho, tal como acontecia comos idosos que, por isso, eram obrigados a recorrer à caridade.

Ao fundar os hospitais modernos, a preocupação do poder político era a de acolhere curar os doentes temporários, cuidar dos incuráveis e dos contagiosos, como ossifilíticos, e não tanto a de atender aos pobres.

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8.1 A assistência

8.1.1 Hospitais, albergarias e mercearias  

Hospitais e albergarias tornavam-se um local privilegiado de troca de dons:acolhimento, roupas, alimentação, água e lume, em casa de habitação legada para essafinalidade, com, a contrapartida de orações por sufrágio do benfeitor.

Os séculos XIII e XIV, talvez por acção da ordens mendicantes e da sua mensagemsocial em favor dos mais desprotegidos, viram crescer o número de hospitais ealbergarias nos centros urbanos, onde a pobreza ameaçava tornar-se endémica.

A queda em pobreza da gente honrada que não podia mendigar, preocupou osnossos monarcas que criaram uma instituição própria para ela: as mercearias. Noentanto, a proliferação destas casas não resolvia o problema dos miseráveis das cidades,dado o seu reduzido espaço e a sua fraca capacidade de acolhimento. A grande maioriaera uma casa de habitação, muitas vezes térrea, com espaço para uma ou duas camas.Mais raramente, foram construções feitas para este fim específico.

Não nos esqueçamos que a pobreza era causa de debilidade física e, porconseguinte, de enfermidades diversas. Por isso, estes hospitais e albergarias aodestinarem-se aos pobres, em sentido lato, acabavam por contemplar também osdoentes.

Outro género de assistência especializada foi a que se desenvolveu com oacolhimento de crianças abandonadas. O infanticídio e o abandono das crianças recém-nascidas levam-nos aos problemas sociais: a violação da mulher solteira ou casada e aprostituição.

As crises económicas, a mobilidade dos trabalhadores rurais, a expropriaçãoabusiva dos bens dos hospitais e albergarias pelos administradores das mesmas, o usoindevido da suas casas pelas diversas autoridades, conduziram à sua decadênciaprogressiva.

Só no último quartel do século XV, o rei iria promover a criação dos grandeshospitais centrais ou a anexação dos bens de todos eles, no maior existente no concelho.

8.1.2 As gafarias  

A lepra apresentou-se ao Ocidente, como a primeira doença repulsiva pelo contágio.O comportamento da sociedade variava com o estatuto social do doente. Apesar darepulsa, sentida pelo indivíduo são perante o enfermo, a verdade é que a exclusão nãoincidia igualmente em todos. O olhar com que a sociedade via o leproso, variava com asua qualidade social.

Não temos conhecimento de que a atitude geral da sociedade para com eles tivesse

sido a do medo que conduziu à matança de grupos de leprosos errantes, na Europacentral, por altura das grandes fomes ou da peste negra.

8.1.3 As confrarias  

Entre as formas de assistência medieval portuguesa, merecem referência asconfrarias, ou seja, sociedades horizontais de oração e caridade entre os vivos e de estespara com os mortos. A sua função primeira era a caritas , o amor ao próximo, em vida, naaltura do passamento e após a morte.

O auxilio materializava-se na doença, na velhice, na prisão, na pobreza, no cativeiroem poder dos infiéis, ou na ida em peregrinação a um lugar santo longínquo, comoSantiago de Compostela, Roma ou Jerusalém; mas também num conselho, na

reconciliação entre os irmãos desavindos, no incentivo ao perdão.

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A caridade exteriorizava-se na oração, na presença às missas de sufrágio por almados confrades falecidos ou dos pobres que morreram no hospital da confraria, ou nasmissas de óbito geral por todos os fiéis defuntos.

Às confrarias cabia a organização de procissões em honra dos santos patronos, adistribuição de bodos aos pobres, manifestações públicas de religiosidade e de caridade.Os pobres a quem se destina a caridade, presente nas esmolas é o pobre de Cristo. Daacção beneficente das confrarias, como também dos hospitais e albergarias, seencontravam arredados os falsos mendigos, aqueles que tendo saúde para trabalhar serecusavam a ser úteis à sociedade.

A fraternidade manifestava-se ainda na refeição em comum que reunia os membrosda confraria, a qual era, em algumas, extensiva aos pobres que comiam em conjunto ou,nas outras, pela distribuição de pão, carne, vinho, etc. no seu termo.

O ideal cristão do amor ao próximo reflectia-se nas albergarias, hospitais, gafariase, sobretudo, nas confrarias. Estas desenvolveram um estilo de solidariedade, fomentadorde laços de convivência entre indivíduos diversos, em geral de estratos sociais afins.

O amor e a misericórdia não deviam incidir exclusivamente sobre os vivos. Elesprolongavam-se nos defuntos, através das orações, das missas de sufrágio por alma dosque purgavam os seus pecados no fogo transitório do purgatório, fossem eles, confrades,benfeitores ou pobres. As confrarias desenvolviam um verdadeiro culto dos mortos.

8.2 A saúde pública 

Seria a peste negra, em 1348, que colocaria às autoridades a necessidade depromulgar medidas defensivas da população em geral. A fuga dos lugares empestadospara uma residência em sitio são, no campo, foi a primeira medida preventiva que osmais ricos puderam tomar livremente ou aconselhados pelos seus médicos. Contudo, oabandono dos centros doentes por multidões, eventualmente, já contaminadas, levava àdifusão da epidemia. O encerramento das cidades, no todo, ou em parte, foi a outraatitude que o homem de Trezentos aplicou como prevenção às epidemias.

8.2.1 As medidas profilácticas  

A mobilidade para sítios sãos foi a decisão tomada pelas cortes portuguesas deQuatrocentos, pelo menos, desde D. Duarte. O distanciamento era o normal, desde asautoridades, aos habitantes e até aos presos. No entanto, o abandono dos lugarescontaminados devia ser feito, dentro de um prazo limitado, ordenado pelo rei e pelasautoridades municipais, sob conselho médico. A saída ficaria interdita depois de expiradoo tempo determinado.

No verão de 1479, morria-se de peste em Coimbra e arredores o que levou oconcelho do Porto a decidir o encerramento das portas da cidade e dos portos a todos os

que viessem destes lugares, e a proibir, sob pena de expulsão, aos habitantes querecebessem familiares ou conhecidos, oriundos dos locais infectados.

Subjacente a estas medidas em defesa do ambiente são, encontramos outras quedizem respeito aos indivíduos. Assim, prescrevia-se o isolamento dos doentes, pois a fuganão era permitida aos pestilentos, senão excepcionalmente.

O uso de perfumes, ervas aromáticas, especiarias, etc., destinava-se a evitar ocontágio, mas também o mau cheiro, numa cidade onde a carne humana em putrefacçãoera a realidade diária.

No entanto, todas estas medidas eram relativizadas se o doente era um indivíduohonrado ou um pobre, e só puderam começar a ser executadas quando os poderespolíticos, régio e municipal, entenderam, como função sua, a assistência e a saúde

pública.

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8.2.2 As medidas de higiene pública  

A cidade universal caracterizava-se pelo mau cheiro, proveniente das esterqueiras,lixeiras, águas sujas, etc., o que obrigava as suas autoridades a decidirem medidas dehigiene pública, na sequência da peste negra, que, na altura, era entendida comoprovocada pelos maus ares. A limpeza do núcleo urbano tornava-se uma necessidade,perante os surtos frequentes de diversas epidemias.

A vigilância sanitária foi, em Portugal, como no resto da Europa, uma atitude dospoderes políticos medievais. No entanto, as suas confirmações constantes, o aumentodas penalizações fazem-nos concluir que, na maior parte dos casos, permaneceram letramorta.