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Humanidades nº 01

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Revista eletrônica de ciências humanas e sociais da comunidade acadêmica da Universidade Federal do ABC (UFABC)

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A revista eletrônica Humanidades é uma publicação independente e sem fins lucrativos da comunidade acadêmica do Bacharelado em Ciências & Humanidades (BC&H) e dos cursos pós-BI (Filosofia, Ciências Econômicas, Gestão de Território, Políticas Públicas e Relações Internacionais) da Universidade Federal do ABC (UFABC), e não possui qualquer tipo de vínculo oficial com a universidade ou qualquer outra organização, e nem laços político-ideológicos de qualquer espécie. Nosso único desejo é a difusão do conhecimento humano. Todo material postado aqui tem como objetivos o estudo, reflexão, análise e debate acadêmico, estando portanto amparado pela lei 9610/98.Todas as imagens utilizadas pertencem ao domínio público ou em regime Creative Commons, salvo se mencionada outra coisa.As opiniões emitidas em matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a opinião da publicação.

Revista Eletrônica HUMANIDADES nº 01 nov/2013Editor Responsável: Gilberto Antônio Silva (Mtb 37814)Orientador: Prof. Dr. Luis Alberto Peluso

03 Como entender o orçamento público?04 A Ética no Suicídio Ritualístico Japonês08 A Abolição do Trabalho14 Acerca da Essência do Liberalismo17 Nossa capa / Nosso logotipo18 Planejamento Territorial - Umaformação inovadora na UFABC

Colaboraram nesta edição: Felipe Lurjan, Gabriel Farias, Josias Adão, Pedro Henrique Carrasqueira Zanei, Sérgio Praça.

Contato: [email protected]

Humanidades noº 01 novembro 2013

A Universidade Federal do ABC (UFABC) é uma universidade nova, com apenas sete anos de existência e projeto pedagógico inovador. O curso de humanidades, capitaneado pelo Bacha-

relado em Ciências e Humanidades (BC&H), é ainda mais recente - tem apenas três anos. Mas nesse curto período essa universidade começou a mostrar a que veio. Tornou-se número um em publicações científicas1 em revistas conceituadas (Q1) se-gundo o SIR World Report 2013, com 55% de seus artigos. No quesito “impacto normalizado” – que mede quantas vezes os trabalhos de cada instituição são citados em comparação com a média mundial –, novamente a UFABC vem em primeiro lugar entre as brasileiras com a marca de 1,67 – o que significa que os artigos da instituição tiveram média de citações 67% maior que a média global. No critério “colaboração internacional”, mais uma vez a UFABC é a brasileira mais bem colocada. E com 20,3% de sua produção científica inserida no grupo dos 10% trabalhos mais citados do mundo na respectiva área do

21 Construindo uma Universidade22 O retorno das duas vacas24 Cultura 27 Dica Cultural 28 Agenda

1http://agencia.fapesp.br/17749

Editorial

conhecimento, a UFABC é a instituição brasileira que lidera também no critério “excelência”. É muita coisa para menos de uma década de funcionamento. No setor de humanidades precisamos destacar a área de Políticas Públicas, na qual a UFABC se torna rapidamente referência nacional.

Totalmente voltada ao conceito de interdisciplinaridade, permite ao aluno grande liberdade na escolha das disciplinas e consequente montagem de sua grade curricular. Com corpo docente altamente qualificado, formado apenas por doutores, a UFABC é uma universidade ímpar, pioneira no Brasil. A universidade do século XXI.

Esta publicação tem como foco divulgar material produzido pela comunidade acadêmica da UFABC voltada para a área de humanidades e divulgar suas atividades culturais internas e externas, bem como eventos de todo tipo. Este é um canal para alunos, professores e funcionários expressarem suas ideias e para divulgar a produção intelectual desta ainda infante universidade, mas que nasceu para brilhar.

Nesta Edição

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Definir orçamentos, nas palavras do cientista políti-co Fernando Limongi, é alocar recursos escassos. É definir que o hospital X vai ser construído no município Y em vez de a universidade Alfa no

município Delta. É no processo orçamentário, portanto, que se travam os conflitos mais intensos e importantes do sistema político brasileiro - tanto em sua fase legislativa quanto na hora de gastar o dinheiro.

Mas entender o orçamento não é nada fácil. Quando fiz a pesquisa para meu doutorado (lançada recentemente no livro “Corrupção e reforma orçamentária no Brasil, 1987-2008”), viajei a Brasília para conversar com consultores de orçamento da Câmara dos Deputados e Senado Fed-eral. São eles os assessores concursados especialistas em certos temas e sua relação com o orçamento. Ajudam os parlamentares, por exemplo, a definir prioridades de gastos do governo.

Conversando com eles, impressionei-me com minha ignorância sobre os meandros do processo orçamentário. “Emenda orçamentária” eu até sabia o que era, mas... “vinculações”? “Resoluções congressuais”? “Despesas correntes”? O “Manual Técni-co de Orçamento” publicado pelo Ministério do Planeja-mento tem 195 páginas; um glossário sobre orçamento publicado pela Unicef tem 92. Mas aí é como aprender uma língua estrangeira decorando dicionários: é preciso dar sentido às palavras.

Algumas organizações tentam fazer isso com gráficos e números. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lançou, recentemente, um portal de acompanhamento orçamentário bastante completo, a exemplo do Portal da Transparência do Governo Federal. Ambos pecam por não traduzir o vocabulário orçamentário de maneira a esclarecer do que exatamente se trata: “despesa corrente” para educação é a mesma coisa

de “despesa corrente” para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)? “Investimentos” em saúde significam que o governo está pagando maiores salários para os médicos? O site do Inesc não esclarece (O blog “Dinheiro Público & Cia”, da Folha de S. Paulo, tem o mesmo problema).

Outras tentativas louváveis, como a do Senado Federal, também fracassam. O Senado disponibilizou vídeos educati-vos sobre o processo orçamentário federal, explicando como o orçamento passa pelo Congresso Nacional. Mas os vídeos

não falam - talvez por uma questão de relações públicas - dos imensos conflitos políticos que envolvem o orçamento. Não falam, para ficar em um só exemplo, do relator seto-rial da lei orçamentária que briga com o relator-geral para incluir mais recursos para sua área. Tudo é constitucional, nada é informal. Sabemos que a realidade é diferente.

A alfabetização orça -mentária, portanto, se dá menos com a divulgação de dados orçamentários (impre-scindíveis, é claro) e mais com sua contextualização e explicação. É um processo político. Política é formação de maiorias, não de con-sensos. Política é deliber-ação e debate acirrado, nem sempre educado. A briga orçamentária é onde isso se revela da maneira mais crua, explícita, com as consequên-cias mais claras. Entendê-la

é dever dos cidadãos atentos. É o que tento fazer, com meus alunos e alunas, no curso “Orçamento e Política Orçamentária”, oferecido dentro do Bacharelado de Políticas Públicas.

Como entender o orçamento público?

Sérgio Praça é Professor de Políticas Públicas na UFABC

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Sérgio Praça

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O suicídio é um tema extremamente relevante no estudo da ética, pois analisa não apenas a ética aplicada a si próprio como a ética aplicada aos demais que se sujeitarão aos resultados

deste processo. Embora os estudos éticos, do ponto de vista filosófico, procurem expandir seus horizontes em busca de valores absolutos, muitas vezes nos deparamos com questões particulares que são potencialmente interessantes. É o caso do suicídio ritualístico japonês, cometido originariamente por guerreiros conhecidos como “samurais”.

Embora o ato de autodestruição em si seja condenável sob diversas óticas, o caso japonês se revela particularmente inter-essante por envolver conceitos sociais e morais que atenuam a aparente negatividade do ato.

De todas as formas de suicídio, a maneira ritualística dos guerreiros japoneses é, de longe, o caso mais pessoal de au-tomutilação. Como regra, o suicídio necessita de uma decisão que leva apenas frações de segundo para em seguida uma mecânica independente entrar em ação, sem possibilidade de arrependimento por parte do agente. Enforcamento e saltar de edifícios ou pontes deixam a tarefa por conta da gravidade. Armas de fogo necessitam de um milésimo de segundo de pressão no gatilho e a mecânica da arma faz o resto. Pular na

frente de trens ou outros veículos deixa a tarefa por conta do impacto. Venenos podem causar sofrimento prolongado, mas são ações químicas independentes da vontade, que bastam ser iniciadas. Cortar os pulsos leva um segundo e deixa a tarefa maior a cargo da hemorragia. Mas introduzir uma lâmina no ventre e puxá-la de um lado para outro necessita de intensa disposição em cometer o ato, que fica imbuído de um grau de personalidade ímpar. A lâmina é mera coadjuvante e a própria pessoa supre todos os meios necessários para a concretização do ato, tendo ainda que sobrepujar o próprio instinto de sobre-vivência durante toda a ação.

A Morte Ritual no JapãoA morte voluntária possui muitas facetas no Japão, como

o oyako shinju, “suicídio de solidariedade”, cometido entre familiares. Em geral é a mãe que mata seu filho e se suicida em seguida. Casos de pais que matam os filhos para se suicidarem logo depois ainda acontecem no Japão atual. Também foi mui-to comum o junshi, o suicídio de acompanhamento. O junshi acontecia quando um senhor ou pessoa de grande importância morria, sendo acompanhado por seus funcionários e serviçais mais próximos, geralmente através do enforcamento. Isso foi muito comum até por volta do século VII, quando o poder

A Ética no Suicídio Ritualístico JaponêsGilberto Antônio Silva

Akashi Gidayu escrevendo seu poema de morte antes de cometer Seppuku em 1582. Artista: Yoshitoshi Tsu

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imperial cresceu. A lealdade para com o Estado deveria estar acima da lealdade para com o senhor feudal. Isso foi bastante facilitado pela introdução nesta época do Budismo e da escrita, vindos da China. O Budismo proporcionava uma explicação melhor para os desígnios da vida e era utilizado como uma fuga da sociedade – ao invés de se matar, as pessoas entra-vam para um mosteiro. A escrita e costumes culturais trazidos da China alavancou a intelectualidade japonesa, que agora tinha a filosofia política e a moral confucionista para guiar o Estado. Em 645 houve a chamada Grande Reforma da era Taika, com a proibição do suicídio de acompanhamento. A violência diminuiu no Japão por alguns séculos.

Mas do século XII ao XVII ela voltou com carga total. Os senhores feudais se armavam e os clãs se uniam para aumentar sua força e se proteger mutuamente. Bandos de salteadores levavam o terror às aldeias e cidades. Foi a época de ouro dos guerreiros japoneses, os Samurais. A metalurgia trazida da China se desenvolveu e permitiu a construção de lâminas extraordinárias, armando os Samurais com as espadas mais avançadas que o Japão já havia visto, que cortavam como navalhas.

Os clãs se enfrentaram furiosamente, divididos em duas facções principais: os Taira e os Minamoto. Não havia mais clemência para os derrotados. Seus corpos eram utilizados para testes de corte das espadas e, depois, decapitados. As cabeças dos líderes viravam troféus importantes. Neste ambi-ente, os muito feridos pediam a companheiros mais próximos que os matassem, para que não caíssem vivos nas mãos de seus algozes. Os que perdiam o combate mas não estavam incapacitados, preferiam a morte voluntária pelas próprias mãos do que cair na posse dos inimigos. E a arma que estava mais disponível eram as espadas que traziam, nascendo aí o costume do seppuku, o suicídio ritual do guerreiro samurai.

A morte dos líderes tirava o gostinho de triunfo de seus inimigos e escapavam das humilhações e sofrimentos em suas mãos, seguido de morte certa. O suicídio era o último recurso dos derrotados, a sua maneira de fazer escapar-se de seus opo-nentes em uma última e derradeira vez. Também espiavam sua culpa pela derrota. Aos inimigos isso poupava a desagradável missão de matar uma pessoa desarmada ou ferida. E assim a racionalidade do suicídio se consolidou, entrando depois no código de conduta moral dos bushi, os guerreiros japoneses. Matar-se era melhor do que simplesmente morrer.

A partir do século XIII começou a tradição do suicídio ritual através de uma incisão no ventre, o hara. O hara é a sede da vida e da vontade, portanto a melhor forma de morrer seria abrindo o ventre e liberando sua vida. Esse processo ganhou sofisticação e, quando não estavam no campo de batalha, o seppuku tornava-se ritualístico e cerimonioso.

Os Samurais (derivado do japonês “saburau” = “servo”) eram os únicos guerreiros autorizados a portar duas espadas: a wakizashi, mais curta, com cerca de 50cm de lâmina, e a kataná, espada longa, com cerca de 70cm de lâmina. A espada curta era utilizada mais frequentemente em combates, especialmente em lugares mais apertados como dentro de instalações. A espada longa servia nos campos de batalha onde havia mais espaço para a ação. Também podiam portar

uma adaga mais curta, com cerca de 30cm de comprimento, denominada tantô, e feita do mesmo tipo de aço das espadas.

O seppuku, considerado termo mais adequado ao suicídio ritual japonês que harakiri (literalmente, “cortar a barriga”), quando executado na tranquilidade do castelo ou da residência do guerreiro, era um ritual bastante elaborado e que evocava a enorme racionalidade do ato.

O guerreiro se apresentava vestido de branco, a cor da pureza e do luto para os orientais, e se sentava ajoelhado (posição chamada de seiza) em um tapete branco ou de feltro vermelho. À sua frente havia uma mesa baixa com a wakizashi ou tanto. Do seu lado esquerdo ficava uma pessoa de extrema confiança e familiaridade, o kaishaku, portando a kataná (es-pada longa) do guerreiro e que agiria como um “padrinho” da cerimônia, ministrando o golpe de misericórdia. Depois de um breve pronunciamento ou declamação de uma poesia, o guerreiro tomava a arma em suas mãos, a desembainhava e introduzia a ponta da lâmina em seu ventre do lado esquerdo. Com um esforço sobre-humano, trazia a lâmina para o lado direito, rasgando o ventre. Em seguida, se as forças o permitis-sem, virava a lâmina e a puxava para cima, finalizando o corte. O kaishaku neste momento se adiantava e, com um golpe da kataná, decapitava o guerreiro terminando com seu sofrimento. Ele também podia executar o ato se percebesse que ele estava fraquejando, que suas forças estavam se exaurindo e que não conseguiria terminar o corte por si mesmo. Durante todo o ritual o guerreiro deveria permanecer ajoelhado e só cair para frente. Para isso muitos prendiam as mangas do kimono sob os joelhos, prevenindo uma queda para trás ou para o lado.

Apesar da presença do kaishaku que executava o golpe de misericórdia, esta ação ainda é caracterizada como suicídio, pois um ferimento deste tipo feito por tal lâmina é sempre fatal, embora sua localização leve a uma agonia terrível antes do passamento.

Além da derrota no campo de batalha, a morte de um líder ou senhor também era motivação para a realização do seppuku, de forma que se reparasse a falta do senhor e consequente inutilidade de seus serviços e pudesse continuar servindo-o no além-morte. Nestes casos também poderia se dar

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de forma coletiva. Em 1333, depois de uma derrota militar e sem possibilidade de escapar, Hojo Nakatoki, comandante das tropas cercadas, esperou os inimigos se aproximarem e retirou a armadura, cometendo o suicídio em frente a eles. Segundo as crônicas da época, ele foi seguido na morte por mais 432 guerreiros.

No entanto, na batalha da praia de Kamakura as tropas do governador Sadanao foram vencidas e dizimadas, restando a ele 300 guerreiros, empurrados pelo inimigo e encurralados contra o mar. Neste aspecto, 30 vassalos mais próximos do governador se ajoelharam na areia e praticaram o seppuku. Seu líder olhou os corpos e os repreendeu, pois mais glória traria ao seu ideal se morressem lutando, fazendo valer cada vida em perdas do inimigo. Isso mostra que um ideal era o que motivava a morte do guerreiro, e ainda assim não havia a preocupação com a própria vida. É o resultado final que deveria ser levado em conta e não a vida propriamente dita. Posteriormente o lutar até o fim, mesmo em severa desvantagem numérica, era considerado uma forma honrosa de seppuku.

É preciso afirmar-se, todavia, que mesmo podendo portar uma espada, os suicídios realizados fora da casta dos guer-reiros (bushi) eram raramente cometidos por incisão no ventre. Esta era uma ação reservada aos nobres, à elite. Aos demais o comum era o afogamento ou enforcamento, e por motivos similares aos dos suicídios atuais.

No alvorecer do século XVIII a prática se tornou menos fre-quente e mesmo proibida por alguns senhores feudais e clãs. O próprio Yamamoto Tsunetomo, autor do Hagakure, obra máxima do Código dos Samurais (bushidô), ao morrer seu soberano em 1700, raspou a cabeça e entrou para um mosteiro budista, pois havia sido decretada a proibição do seppuku. Mas mesmo caindo em desuso, o suicídio ritual estava longe de ser extinto.

Sua abolição completa durante a Restauração Meiji e a consequente modernização do Japão, em 1868, ainda assim não foram suficientes para a completa erradicação deste tipo de moralidade. Mesmo com o novo código moral proposto por Fukuzawa em 1900, de que falaremos mais à frente, condenando veementemente a morte voluntária, esse espírito permaneceu na cultura japonesa. Durante a Segunda Guerra Mundial não era uma prática tão incomum que os oficiais cometessem o seppuku após uma derrota em batalha. Isso também explica o inferno que eram os campos de prisioneiros de guerra administrados pelos japoneses, em que faltavam comida e higiene, mas abundavam em maus tratos. Um militar japonês não respeitava um inimigo que se deixasse capturar vivo. Também o fenômeno tardio dos kamikase, pilotos-suicidas que tentavam inverter a situação da guerra, foi inspirado nestes ideais. Após a rendição japonesa decretada pelo Imperador Hiroito, muitos oficiais militares e civis cometeram o seppuku.

A Moralidade do Suicídio Ritual no JapãoA morte voluntária não se separa de suas intenções: boas

se visam um fim, um ideal, e fundamenta uma comunidade afirmando valores – má se é apenas a conclusão da desesper-ança, da solidão e da negação. Vimos que a morte voluntária no Japão se ergue primeiramente como uma forma de escapar às garras do inimigo e aos suplícios decorrentes disso. Visto

neste panorama, o suicídio do guerreiro japonês em nada se diferencia daquele praticado por alguém em virtude de uma dor amorosa ou problemas financeiros. Trata-se de escapar de um mal aparentemente maior.

Mas posteriormente o suicídio ritual se encontra afirmado nas regras de moralidade da casta guerreira (bushi), repre-sentada em grande parte pelos samurais. A moralidade do suicídio do guerreiro estava intimamente ligado ao seu enorme autocontrole, à grande responsabilidade de servir ao seu senhor com lealdade absoluta. A sua responsabilidade e autocensura chegava até a máxima autopunição possível, a própria morte. O suicídio não era apenas um direito, o direito de morrer, mas constituía um dever da classe guerreira.

O sistema moral da época baseava-se fortemente no dever (giri), derivado da lógica moral confucionista. Simplificada-mente, podemos dizer que no Japão existiam cinco deveres principais, em ordem decrescente de importância: o dever para com o Imperador, o dever para com seu senhor, o dever para com os professores, o dever para com os pais e o dever para com os companheiros. A quebra no cumprimento de um desses deveres era algo inadmissível, uma falta de autocontrole da sua vida que poderia merecer ser punida até mesmo com a sua extinção.

Viver intensamente e morrer jovem eram os ideais do Sa-murai, para quem a velhice e decrepitude simbolizavam um trabalho mal feito e uma tarefa incompleta. Sua firme convicção é de que ele é o único senhor de sua própria vida, e jamais o destino. E sabe que, apesar de inúmeras vitórias, um dia a derrota chegará. E é necessário saber usufruir deste momento, que faz parte da vida. É preciso saber morrer.

Esta Seria uma Prática Imoral?Poder-se-ia argumentar que a vida é uma dádiva preciosa,

que a vida é sagrada e, portanto, não pode ser desperdiçada. Poderia a vida ser um valor absoluto pelo qual ela tivesse de

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ser conservada por si? Isso não parece claro. Em primeira instância toda vida é importante e deve ser sempre poupada. Mas quando um soldado se lança sobre uma granada para proteger seus companheiros, é considerado herói de guerra. Da mesma forma, uma pessoa que salva várias outras de um incêndio, mesmo morrendo em conseqüência do ato, será tido igualmente como herói. Isso mostra que o auto-sacrifício em detrimento dos outros não apenas é aceito como valorizado. Esse valor se deve ao fato de que o ser humano é um animal social e nestes casos a segurança da coletividade fala mais alto do que a própria necessidade de autopreservação. O fato da vida não ser um valor absoluto parece explicar a aparente contradição entre pessoas que são contra o aborto, mas defen-dem a pena de morte para criminosos violentos.

A ideia de um bem maior para a coletividade também apa-rece muito claramente nos casos do suicídio ritualístico japonês. A suprema vergonha e sofrimento consistiriam em viver depois de uma falta grave contra os códigos morais vigentes, levando a vergonha não apenas a si próprio, mas a toda a sua família e clã. Não se matar seria, assim, um ato mais vil e imoral do que o suicídio, pois perpetuaria a quebra do código de conduta.

Mas, como vimos, isso pode ser questionado quando se estiver em pauta um bem maior, cujo benefício superasse o cumprimento da moral suicida. É o que aconteceu no final do século XIX, após a Restauração Meiji. O Japão percebeu que precisava se modernizar rapidamente para fazer frente aos países ocidentais que ameaçavam as nações do Oriente com seu sistema colonialista. Neste ponto se destaca a figura de Fukuzawa Yukichi (1835-1901), pensador e educador japonês que se destacou na modernização da sociedade nipônica e foi fundador da Universidade de Keio.

Admirador de Jeremy Bentham (1748-1832), fundador do Utilitarismo, sistema ético que prega a moralidade do ato em virtude de suas conseqüências, Fukuzawa introduziu essa escola de pensamento no Japão e com ela formulou um novo código de conduta moral, que julgou mais adequado às novas necessidades do povo japonês. Esse código moral pregava a liberdade, desde que ela se tornasse útil ao bem geral, total-mente dentro dos ideais utilitaristas. Nascido em berço samurai tradicional, Fukuzawa não deixava de nutrir certo respeito e admiração pelo bushidô. Entretanto ele percebeu que esse tipo de moralidade não era mais adequado ao Japão moderno e poderia vir a ser um empecilho à mudança de valores da sociedade japonesa. Para ele, a extrema facilidade em morrer seria muito negativa para o Japão moderno. Assim, acrescentou ao código de moralidade em 29 artigos, publicado em 1900 no seu jornal (Jiji Shinpo), a passagem:

“O dever do homem é viver até o fim a parte de tempo que lhe cabe — dispor de sua vida, em qualquer circunstância que seja, e quaisquer que sejam as razões que se aleguem, é sempre um ato irracional e covarde, totalmente abominável e indigno dos princípios de Indepen¬dência e de Respeito próprio”

Devemos observar que o “bem geral” mudou muito entre a época áurea dos guerreiros japoneses e os dias de Fukuza-wa. Ele sabia que muitas pessoas procurando o suicídio para expiar qualquer falta mais grave acarretaria rapidamente um

caos em uma sociedade moderna que se torna cada vez mais interdependente.

Pelo Utilitarismo, uma ação boa seria aquela que propor-cionasse o máximo de prazer a todos que são afetados por ela e proporcionasse a menor dor possível. Neste caso, o seppuku tradicional que era executado na vigência do bushidô seria um ato moral, haja visto que não causa sofrimento de grande monta na família, no clã ou no agente da ação. Pelo contrário, um sentimento de alívio e aceitação é o resultado final do ato. Grande sofrimento teria lugar se, pelo contrário, o guerreiro hesitasse em se matar e acabasse por não fazê-lo. Seria a completa desgraça para si e seus entes queridos e que marcaria seus descendentes por gerações.

ConclusãoFilosoficamente, parece difícil generalizarmos adequada-

mente e de modo abstrato a ética suicida do guerreiro japonês à luz de teorias abrangentes como de Kant e Hume. Por esses pensadores, provavelmente a atitude do guerreiro japonês seria caracterizado como imoral. Entretanto, do ponto de vista Utilitarista, podemos chegar a uma visão bem mais próxima da verdadeira situação japonesa. Definir o quanto uma ação é virtuosa ou nefasta em virtude de suas conseqüências torna mais preciso nosso estudo. É interessante que Fukuzawa, um utilitarista, tenha percebido um efeito negativo no seppuku em virtude das necessidades de sua época, embora soubesse com certeza que sua análise teria um final diferente se o alvo de estudo fosse o século XVII.

Para o guerreiro japonês, a vida não se tornou inaceitável em si mesma. Também não o abatem o desespero e a angús-tia de tormentos emocionais. O sofrimento da família não o preocupa, ao contrário, pretende impedi-la de sofrer através de seu ato. Nenhuma recompensa o espera no além-morte. Na pura tradição do Bushidô, ele apenas perdeu a razão de existir e deve partir. Isso não é motivo de comoção, mas tão somente uma etapa da vida. Com a mesma frieza do aço que empunha, ele toma sua vida, agindo na morte como agiu em vida: no absoluto controle de suas ações.

Referências Bibliográficas

DE SÁ, Victor Mello, Análise da Moralidade do Suicídio Sob o Ponto de Vista da Ética de Hume, Kant e do Utilitarismo, 2012, UFABCOTTAIANO, Laerte E., Nippon-Tô – A Espada Japonesa, 1987, Edição do AutorPELUSO, Luis A., Ética para Principiantes, 2011, UFABCPINGUET, Maurice, A Morte Voluntária no Japão, 1987, RoccoRATTI, O., WESTBROOK, A., Secrets of the Samurai – The Martial Arts of Feudal Japan, 1996, Tuttle, JapanSALE, Joseph, The Moral Code of Yukichi Fukuzawa, The Open Court Magazine, Vol. XXL, n. 06, June/1907, England

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Gilberto Antônio Silva é aluno do BC&H / Filosofia

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Escolhi esse texto em particular como uma provocação à própria cultura na qual as pessoas crescem acreditando que sucesso profissional é o mesmo que sucesso na vida.

Bob Black é um teórico contemporâneo da sociedade e anarquista , conhecido como um defensor do fim do “tra-balho”, que afirma denunciar um dos grandes problemas do capitalismo. Segundo Bob Black, o ideal seria a criação

de uma sociedade baseada em jogos, entretenimento, criatividade, diversão e arte, e um sistema de distribuição baseado no presente.

Robert C. Black nasceu em 1951, em Detroit . Durante seus estudos foi expulso de diversos colégios. Graduou-se em Berkeley, Califórnia, onde estudou direito e ciências sociais. Entre as influências de Bob Black estão a Nova Esquerda (Herbert Marcuse, Norman O’Braun), Wilhelm Reich , Paul Goodman e muitos grupos radicais na área de San Francisco e outras partes da América.

No início dos anos setenta, começou a fazer e distribuir cartazes e folhetos como parte de sua recente International. Um pouco mais tarde, em 1985, ele cria o livro “A abolição do trabalho”, que foi um dos mais populares e mais amplamente dis-tribuídos panfletos anarquistas.

A teoria de Bob Black sobre a Eliminação do trabalho foi exibida pela primeira vez na forma de um discurso proferido no clube Gorilla Groto, em San Francisco, em 1981. A exposição começou com as palavras “ninguém deveria estar trabalhando aqui”, o que naturalmente provocou grande parte do público.

A seguir uma copilação das mais importantes partes do texto “The Abolition of Work and Other Essays”.

A abolicao do trabalho

Felipe Lurjan

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Enquanto os camponeses do denominado terceiro mundo — no México, Brasil, Turquia — se dedicam à agricultura, uma tradição que dura há muitos milênios, todos os que trabalham na indústria e nos escritórios são empregados que estão bem vigiados. Pagamos impostos ao Estado e renda aos senhorios para podermos adquirir o sossego. Este é, aliás, um negócio que continua em alta.

Todavia, o trabalho moderno tem muito piores implicações. As pessoas não só trabalham como têm tarefas. Cada um tem uma tarefa a cumprir, o que equivale a produção diária. Mesmo quando a tarefa não nos dá muito que fazer (o que praticamente não acontece), a monotonia da sua obrigatoriedade esgota a nossa potencialidade de divertimento. O emprego significa o aluguel das energias de uma pessoa por um limite de tempo razoável. E por mais engraçada que a tarefa seja, aquilo que tem de ser feito durante quarenta horas por semana, já não falando das condições em que tem de ser executado, é somente um fardo. O objectivo são os lucros dos proprietários que não contribuem em nada para o projeto. Isto é o verdadeiro mundo do trabalho: um trabalho burocraticamente impudente, sexualmente devastador e discriminatório, com os chefes que explorarão os subordinados, se for caso disso, bem entendido. O capitalismo na vida real suborna aquele que mais produz por exigência dum controlo central.

A degradação que muitos trabalhadores experimentam é a condição imposta pela denominada disciplina. Foucault classificou, de modo simples e satisfatório, este fenômeno de complexado. A disciplina consiste na totalidade do tempo estipulado no emprego. Por outras palavras, cumprir sem ficar isento da vigilância do trabalho corrompido, do trabalho forçado, da produção contingente, etc. A disciplina é aquilo que a fábrica, o escritório e a empresa partilha com a prisão, a escola e o hospital psiquiátrico. É uma coisa historicamente original e terrível.

O divertimento é o oposto do trabalho.O divertimento é sempre voluntário. Quando é forçado, é

trabalho. É axiomático. Bernie de Koven definiu o divertimento como uma suspensão de consequências. O que não é aceitável se significar que o divertimento não tem consequências. Jogar e dar são hermeticamente relativos, são procedimentos e facetas transacionais do mesmo impulso, o instinto do divertimento. Ambos partilham um desprezo aristocrático pelos resultados. O jogador ganha alguma coisa quando joga. É por isso que ele joga. Mas o prêmio é a experiência obtida pela atividade — seja ela qual for. Alguns estudantes atentos ao divertimento, como Johan Huizinga (Homo Ludens) definem o jogo como uma ação onde se seguem regras. Respeito a erudição de Huizinga, mas rejeito os seus constrangimentos. Há inúmeros bons jogos — xadrez, basquetebol, monopólio,bridge — que têm regras, porém, existe no divertimento muito mais coisas do que aquilo que existe nesses jogos. Preservação, sexo, dança, viagens — estas práticas não possuem regras mas não deixam por isso de poderem ser divertimento. Podemos jogá-las com regras, mas, pelo menos, sem ser imperioso estabelecê-las com antecedência.

Em uma governo autoritário, o Estado controla até ao mais pequeno pormenor a vida de cada um. Os informadores fazem regularmente relatórios para as autoridades. Os guardas encarregues do controlo somente entregam os seus relatórios aos superiores, sejam públicos ou privados. A dissidência e a desobediência são punidas. Tudo isto é suposto ser uma má coisa.

Obviamente que é de fato péssimo e trágico viver em semelhante sociedade. Todavia, o que acabamos de relatar é também a descrição do emprego moderno.

Existe tanta liberdade numa moderada ditadura deses-talinizada como num ordinário local de trabalho americano. A hierarquia e a disciplina no escritório ou na fábrica é idên-tica àquela que encontramos na prisão ou num convento. Na verdade, como Foucault e outros mostraram, prisões e fábricas nasceram ao mesmo tempo e os seus membros imitam consci-entemente as técnicas de controlo um do outro. Um trabalhador é um escravo temporal. O patrão determina as horas a que tens de entrar, quando é que tens de sair e o que tens de fazer durante esse espaço de tempo. Ele decide a quantidade de trabalho que tens de fazer e a rapidez em que o realizas. Ele é livre para te controlar, até para te humilhar, guiar e se ele achar necessário, escolhe a roupa que deves vestir ou quantas vezes poderás ir à casa de banho. Com algumas excepções, pode despedir-te com ou sem causa alguma. Ele tem os seus espiões e supervisores em cima de ti e possui um processo de cada trabalhador. E, se o trabalhador comete um ato de insubordinação, como se ele fosse uma criança má, não só o despede, como também o desqualifica para futuros empregos. É claro que as crianças recebem o mesmo tipo de tratamento em casa e na escola, justificado pela sua imaturidade.

Uma vez esvaziada no trabalho a vitalidade do povo, os indivíduos ficam aptos para se submeterem em todas as coisas à hierarquia e ao saber dos peritos. Uma vez submetidos, as pessoas estão prontas a serem usadas.

Estamos tão ligados ao trabalho que nem sabemos o mal que nos faz. Temos que confiar nos observadores exteriores de outros tempos ou culturas para apreciar a extremidade e a pa-tologia da nossa presente atitude. Weber queria-nos comunicar alguma coisa quando referiu a semelhança existente entre o trabalho e a religião — o Calvinismo. Passados quatro séculos,

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emerge hoje apropriadamente rotulado de culto. Teremos que trazer até nós a visão da antiguidade para colocar o trabalho na perspectiva exata. Os nossos antepassados viam o trabalho tal como ele é.

Vamos pretender, por um momento, que o trabalho não nos prejudica. Vamos esquecer que o trabalho não afeta a formação do nosso carácter. Vamos fingir que o trabalho não é, nem cha-to, nem cansativo, nem humilhante. Mesmo assim, o trabalho irá troçar das nossas aspirações humanistas e democratas e ocupar muito do nosso tempo. Sócrates disse que o trabalho manual faz de nós maus amigos e maus cidadãos porque não temos tempo para cumprir as responsabilidades da amizade e da cidadania.

Por causa do trabalho, pouco importa o gênero ou tipo, estamos sempre a olhar para o relógio. A única coisa «livre», a que chamamos tempo livre, é o tempo que nada custa ao patrão. Aquilo a que designamos «tempo livre» é, a maior parte das vezes, o momento em que nos preparamos para voltar, ir e retomar ao trabalho e dele recuperar. Tempo livre é eufemi-smo, considerando o fator produtivo. Não só as despesas de transporte, como também o tempo que levamos para chegar ao trabalho, são despesas que nós suportamos e tempo gratuito que nos é roubado.

Platão e Xenofonte atribuem a Sócrates, e obviamente partil-ham com ele, a opinião de que o trabalho provoca efeitos de-strutivos no trabalhador como cidadão e ser humano. Heródoto identificou a desobediência ao trabalho como uma contribuição da cultura clássica Grega no seu mais feliz momento. Cícero declarou que “quem trabalha por dinheiro vende-se e coloca-se na categoria de escravo”. A sua candura hoje é rara. No entan-to, as sociedades primitivas contemporâneas que costumamos olhar de cima produziram porta-vozes que esclareceram os an-tropólogos do Ocidente. Nas palavras de Pospisil, os Kapauku do Oeste do Irian têm um sentido de equilíbrio na vida. Por isso, só trabalham dia sim, dia não, sendo o propósito do dia de folga o de recuperar a energia e a saúde perdidas. Os nossos antepassados, ainda no século XVIII, embora já estivessem bem avançados no caminho para a nossa realidade de hoje, pelo menos tinham consciência daquilo que nós esquecemos e que é o ponto vulnerável da industrialização. A sua devoção religiosa à Segunda-Feira Santa, que deste modo estabelecia a semana dos cinco dias (150 a 200 anos anteriormente à sua consagração na lei), foi o desespero dos donos das primeiras fábricas. Resistiram durante muito tempo ao toque do sino, o antecessor do relógio de ponto. De fato, foi preciso substituir, ao longo de uma geração ou duas, os homens adultos por mulheres habituadas à obediência e crianças que era possível moldar a condizer com as necessidades da indústria. Mesmo os camponeses explorados do «antigo regime» conseguiram recuperar uma parte substancial do trabalho que pertencia aos seus senhorios. Segundo Lafargue, 1/4 do calendário dos camponeses de França eram domingos e feriados. E as figuras de Chayanov das aldeias da Rússia Czarista (as quais não con-stituíram exatamente uma sociedade progressista) demonstram igualmente que 1/4 ou 1/5 dos dias do campesinato eram dedicados ao repouso. Os Mujiques admirar-se-iam com o fato de nós só trabalharmos. E nós deveríamos fazer o mesmo.

Para entendermos a enormidade do estrago, proponho que consideremos as antigas condições humanitárias quando o homem vadiava como caçador numa sociedade sem governo, ou sem dono de patrimônio. Hobbes suspeita que a vida era uma luta constante pela (sobre)vida, uma vida imunda, bruta e curta. Uma guerra furiosa contra a natureza áspera e com a morte a aguardar os mais fracos ou aqueles que não são capazes de enfrentar a luta. Na atualidade isto é usado para meter medo às comunidades para que não se habituem a viver sem governantes. Tal como acontecia na Inglaterra de Hobbes, num período de guerra civil, quando este escreveu, em 1657, “Leviathan, or the Matter, Form and Power of a Commonwealth” (Leviatão, ou a matéria, forma e poder do Estado). Os compatri-otas de Hobbes tinham encontrado formas alternativas de vida, particularmente na América do Norte, mas a compreensão de outras maneiras de viver era muito remota.

(As classes mais desfavorecidas, aqueles que se encontra-vam mais próximos das condições dos aborígenes da América do Norte, compreenderam-nas melhor e acharam-nas atrativas. No século XVII, os ingleses que desertaram ou que tinham sido capturados, recusaram retomar ao seu país de origem.) A sobrevivência do mais forte — a versão de Thomas Huxley do Darwinismo — era uma avaliação muito mais correta sobre a realidade da situação econômica na Inglaterra Vitoriana do que a da seleção natural, uma evolução facultativa, como Kro-potkine provou no seu livro “A Ajuda Mútua”. Kropotkine sabia o que estava a dizer. A sua condição de cientista geógrafo e a oportunidade involuntária para realizar esses estudos quando foi exilado na Sibéria, permitiram essa prova científica. Como algumas teorias sociais e políticas referem, a história que Hobbes e os seus antecessores contaram foi, na realidade, uma autobiografia irreconhecível.

No artigo intitulado «The Original Affluent Society» (Idade da Pedra, Sociedade da Abundância), o antropólogo Marshall Sahlins ao estudar os colectores de caça fez explodir o mito Hobbesiano. Os colectores de caça trabalham muito menos do que nós. Além disso, é difícil distinguir esse trabalho daquilo que nós consideramos hoje como divertimento. Sahlins diz que o «trabalho» dos caçadores e colectores em busca de alimento é intermitente e melhor do que o trabalho permanente. O des-canso é abundante. Ao contrário da maioria de nós, dormem durante o dia. O trabalho que fazem — trabalham uma média de 4 horas por dia e supondo que aquilo que fazem é aos nos-sos olhos trabalho —, são esforços que parecem ser efetuados com habilidade e que provocam a evolução da capacidade física e intelectual. O trabalho indiferenciado em grande escala, como disse Sahlins, é impossível. Este tipo de trabalho (como modernamente também se designa, não qualificado), só se tomou possível com a industrialização.

Assim, a definição de Friedrich Schiller sobre o divertimento, é satisfatória. Para ele, o divertimento é a única ocasião em que o Homem realiza a sua capacidade humanitária ao dar pleno divertimento a ambas as partes da sua dupla natureza: pensar e sentir. Como ele afirmou, «o animal só trabalha quando necessi-ta de alimentos e diverte-se quando satisfaz essa necessidade». (Uma versão moderna, de Abraham Maslow — indecisamente crescente —, é a contraposição entre a deficiência e a mo-

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tivação da produtividade). Divertimento e liberdade são, aos olhos da produção, objeto que se fundem um no outro.

Mesmo Marx, que pertence (por todas as suas boas in-tenções) ao panteão produtivo, observou que o domínio da liberdade não principia enquanto o trabalho sob a coação da necessidade e da utilidade externa existir. Nunca chegou a conduzir claramente esta afortunada circunstância, à abolição do trabalho. É um pouco anômalo, afinal, ser pró e antitra-balhador, mas nós podemos sê-lo. A aspiração para ir atrás ou à frente na vida é evidente em qualquer sociedade ou na história cultural da pré-indústria europeia, como o testemunha entre outros, M. Dorothy Georges na sua «England in Transi-tion» (Inglaterra em Transição) e Peter Burke, no seu «Popular Culture in Early Modern Europe» (Cultura Popular no Início da Europa Moderna).

Também pertinente é o ensaio de Daniel Bell «Work and Its Discontents» (O Trabalho e os seus Descontentamentos), o primeiro texto, penso eu, que refere a revolta contra o trabalho. E, em tantas palavras, que se fossem compreendidas tornar-se-iam uma correção importante ao volume onde se encontram reunidas, «O fim da ideologia». Nem os críticos, nem os sacerdotes repararam que «O fim da ideologia» de Bell, não quer dizer o fim da inquietação social, mas sim, o princípio de uma nova fase não constrangida e ignorante da ideologia. Foi Seymour Lipset, não Bell, que anunciou, ao mesmo tempo, no seu livro «Political Man» (Homem Político), que «os problemas fundamentais da revolução industrial foram resolvidos»

Como Bell realçou, a «The wealth of Nations» (A riqueza das nações) de Adam Smith, para além do seu evidente entusiasmo com o mercado e a divisão do trabalho, presta mais atenção ao pior lado do trabalho do que Ayn Rand ou os economistas de Chicago, ou qualquer outra referência moderna de Smith. Adam Smith observou que a compreensão da grande maioria dos homens é formada no local de emprego.

O trabalho é perigoso para a tua saúde. Todos os anos mor-rem na USA, entre catorze mil e vinte e cinco mil trabalhadores vítimas de acidentes no trabalho e mais de dois milhões ficam deficientes. Registe-se que estes algarismos são estabelecidos por uma estimação conservadora, o que constitui uma aproxi-mação insultuosa. Portanto, não calculam meio milhão de casos de doenças originadas anualmente por via do trabalho. A es-tatística conta com casos evidentes, como os cem mil mineiros com doenças nos pulmões e dos quais quarenta mil morrem todos os anos. Uma fatalidade superior à sida por exemplo. Isto pode fazer-nos refletir se tomássemos em conta a pretensão de alguns, quando se diz que a sida aflige particularmente os sexualmente pervertidos e que estes deveriam controlar os seus vícios. Porém, a atividade do mineiro é sacrossanta. O que a estatística não revela é o número de pessoas, mais de dez milhões, que têm as suas vidas encurtadas pelo trabalho. E isto é, portanto, homicídio. Pensamos nos médicos que se matam a trabalhar até aos 50 anos. Pensamos em todos aqueles que trabalham até à morte.

Mesmo que não morras, ou não fique inválido dentro do trabalho, vai com todas as tuas forças trabalhar, voltar do trabalho, procurar trabalho, ou tentar esquecer o trabalho. A maioria destas pessoas são vítimas do automóvel e fazem disso uma atividade obrigatória. Temos também que contar com a poluição industrial, o alcoolismo e outras drogas e vícios que o trabalho incentiva. As modernas aflições de saúde, muitas das vezes são provocadas direta ou indiretamente pelo trabalho.

Assim, o trabalho institucionaliza a nossa maneira de viver. Más notícias para os liberais: brincarmos às regulamenta-

ções é inútil neste contexto de vida e morte. A intenção era que a governamental «Occupational Health and Safety Admin-istration» policiasse o cerne do problema, que é a segurança no local de trabalho. Mesmo antes de Reagan e o Tribunal Supremo a sufocarem, a OHSA era uma farsa. Com os níveis orçamentais da era Carter, anterior e «generosa», (em termos contemporâneos), um local de trabalho podia esperar a visita de um inspetor da OHSA uma vez em cada quarenta e seis anos.

O controlo da economia por parte do Estado não é solução. Milhares de trabalhadores russos morreram ou ficaram feridos na construção do metro de Moscovo Pela URSS. Há histórias decorrentes sobre desastres nucleares soviéticos que foram abafados.

Por outro lado, a desregulamentação que está na moda nos dias que correm não fará melhor e provavelmente irá doer tão quanto. Do ponto de vista da saúde e da segurança, por exemplo, o trabalho atravessou a sua fase mais tenebrosa nos dias em que a economia mais se aproximou do laissez-faire. Historiadores como Eugene Genovese afirmaram de forma persuasiva que os trabalhadores de fábrica assalariados da América do Norte e da Europa estavam numa pior situação do que os escravos das plantações do Sul. Do ponto de vista da produção, qualquer novo arranjo das relações entre burocratas e homens de negócios pouca diferença parece fazer.

O que até aqui disse não deve ser controverso. Muitos tra-balhadores estão fartos do trabalho. Há altas e crescentes taxas de absentismo, desacatos, roubos e sabotagens praticados por empregados, greves selvagens e uma tendência generalizada

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para rentabilizar o trabalho ao máximo. Talvez estejamos a encaminhar-nos em certa medida para uma rejeição consciente e não apenas visceral do trabalho. E mesmo assim, a impressão dominante, generalizada entre os patrões e os seus agentes, mas também muito divulgada entre os trabalhadores, é que o trabalho é inevitável e necessário.

Eu discordo. É hoje possível abolir o trabalho e substitui-lo, na medida em que sirva para fins positivos, por uma panóplia de atividades de um tipo novo. A abolição do trabalho requer uma abordagem sob dois pontos de vista distintos. O quantitati-vo e o qualitativo. No que diz respeito ao aspecto quantitativo, temos de reduzir drasticamente a quantidade de trabalho que está a ser feita. Presentemente, a maior parte do trabalho é inútil ou pior do que isso, por conseguinte, deveríamos simplesmente ver-nos livres dele. Por outro lado — e penso que este é o cerne da questão e o novo ponto de partida revolucionário —, tere-mos que agarrar no que é importante fazer e transformar essa atividade numa agradável variedade de divertimento, arte e passatempo. Não se distinguindo de outros prazeres, excepto que eles acontecem para chegar a produtos finais úteis.

Há trinta anos atrás, Paul e Percival Goodman avaliaram em somente 5% o trabalho realizado — e se a estimativa for correta agora, a percentagem diminuiu — cobrindo as nossas necessidades de alimento, vestuário e abrigo. Estas estimativas são somente uma adivinha de intelectuais, mas o ponto fiável está claro: diretamente ou indiretamente, muitos trabalhos servem um desígnio improdutivo de comércio ou controlo social. A maioria faz trabalhos fastidiosos e estúpidos que jamais em tempo algum foram forjados. Todos concordarão que inúmeras companhias de indústria, de seguros, da banca, de habitações, por exemplo, não servem para nada.

Um extraordinário aumento das fortunas privadas de alguns e servirem a uma minoria privilegiada de polícia social. Não é um acidente que o chamado terceiro sector estagna e o sector primário está em vias de desaparecer. E, como o trabalho não é necessário — excepto para aqueles que nele mandam — os trabalhadores são deslocados do relativamente útil para uma

ocupação inútil. Para desta maneira assegurarem a ordem pública.

Finalmente, temos que acabar com o trabalho onde as horas de laboração são de longe as mais cumpridas, as mais mal pagas e do mais enfadonho que há por aí. Estou também a referir-me às donas de casa que fazem o trabalho de casa e tomam conta das crianças, enquanto o marido está a trabalhar. Abolindo o trabalho assalariado e realizando o desemprego total, podemos destruir a divisão sexual da lida doméstica. Como sabemos, a família nuclear é uma adaptação inevitável imposta pelo regime do «salariato» para a divisão do trabalho.

Porém, se estás com a pretensão de te desembaraçares do patriarcado, procura desembaraçar-te da família nuclear, na opinião de Ivan Ilich, viabiliza o sistema do trabalho que o torna necessário. O que acompanha esta estratégia antinuclear é a abolição da infância e o encerramento das escolas.

Ainda não mencionei sequer a possibilidade de reduzir drasticamente o pouco trabalho que resta através da autom-atização e da cibernética. Todos os cientistas, engenheiros e técnicos, uma vez dispensados de se preocuparem com a investigação bélica e a necessidade de os seus produtos se tornarem obsoletos, deverão divertir-se a descobrir meios de eliminar a fadiga, o tédio e o perigo de atividades, tais como o trabalho mineiro. Sem dúvida, encontrarão outros projetos para se divertirem. Talvez venham a construir sistemas de comunicação multimédia à escala global e acessíveis a toda a gente, ou a fundar colônias no espaço. Talvez. Eu próprio não sou entusiasta das coisas inúteis. Eu não gostaria de viver num paraíso de carregar no botão. Não quero que escravos robotizados façam tudo; também eu quero fazer coisas. Na minha opinião, há um lugar para a tecnologia que economiza o trabalho, mas esse lugar é de pequenas dimensões. Os registos históricos e pré-históricos não são propriamente animadores. Quando a tecnologia de produção passou da caça e recolha para a agricultura, e daí para a indústria, o trabalho aumentou, ao passo que as habilidades e autodeterminação decresceram. O desenvolvimento ulterior da industrialização tem acentuado

o que Harry Braveman chamou a degradação do trabalho. Os obser-vadores inteligentes sempre se deram conta disso. John Stuart Mill escreveu que todas as invenções alguma vez delineadas para reduzirem a mão de obra nunca pouparam um momento de trabalho que fosse. Karl Marx escreveu que «seria possível escrever um histo-rial das invenções feitas desde 1830 com o único propósito de fornecer o capital com armas contra as revoltas da classe operária». Os entusiastas da «tecnofilia», tais como Saint-Simon, Comte, Lénine, B.F.Skinner também foram autoritários a toda a prova, ou seja, tecnocratas. Deveríamos ser mais do que cépticos no que diz respeito às promessas dos computacionais.

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O que eu gostaria realmente de ver acontecer é a transfor-mação do trabalho em jogo. Um primeiro passo será descartar-mos as noções de emprego e ocupação. Mesmo as atividades que já tenham algum teor lúdico perdem a maior parte deste ao serem reduzidos a empregos que certas pessoas, e apenas essas pessoas, são obrigadas a executar sem poderem fazer mais nada na vida. Não haverá mais empregos, apenas coisas para fazer e pessoas para as fazer.

Como Charles Fourier demonstrou, o segredo da transfor-mação do trabalho em brincadeira consiste em fazer com que nas atividades úteis se aproveite tudo o que várias pessoas em alturas várias realmente gostam de fazer. Para possibilitar que algumas pessoas possam fazer as coisas de que gostem será suficiente erradicar as irracionalidades e distorções que con-spurcam essas atividades quando elas são reduzidas a trabalho.

A seguir há um par de coisas que as pessoas gostam de fazer de vez em quando, mas não por demasiado tempo, e certamente não todo o tempo. Você pode ter gosto em tomar conta de crianças por umas horas para estar na companhia delas, mas não tanto como os pais das mesmas. Ao mesmo tempo os pais apreciam profundamente o tempo para eles próprios, que você Ihes proporciona, embora ficassem inquietos se fossem separados da sua prole por demasiado tempo. São estas diferenças entre os indivíduos que tomam possível uma vida de jogo livre. O mesmo princípio aplica-se a muitas outras áreas de atividade, com relevo para as mais fundamentais.

As atividades que atraem alguns, nem sempre atraem os outros, mas qualquer pessoa tem, no mínimo em potência, uma variedade de interesses e um interesse na variedade, como quem diz. Fourier foi quem levou mais longe a especulação so-bre as possibilidades de tirar proveito de expedientes aberrantes e perversos na sociedade pós-civilizada. A isso chamou Harmo-nia. Segundo ele, o imperador Nero teria acabado por ser uma boa pessoa se, em criança, tivesse saciado o seu gosto pela carnificina trabalhando num matadouro. Crianças pequenas em que fosse notório o gosto em chafurdarem na porcaria poderiam ser agregadas em «pequenas hordas» para limpar as casas de banho e despejar o lixo, sendo os mais destacados agraciados com medalhas. Não defendo precisamente estes exemplos, mas sim o princípio em que se fundamentam, o qual me parece fazer muito sentido, como uma das dimensões de uma transformação revolucionária global. Não nos esqueçamos do pormenor que não é necessário pegarmos no trabalho tal como ele é hoje e dotarmo-lo com as pessoas certas, algumas das quais teriam de ser, sem dúvida, pervertidas. Se a tecnolo-gia é para aqui chamada é menos para automatizar o trabalho até à sua inexistência, do que para abrir novos espaços para a (re)criação. Até certo ponto, poderemos querer voltar ao artesanato, o que William Morris considerou ser um resultado provável e desejável de uma revolução comunista. Assim, a arte seria recuperada das mãos das elites e os colecionadores, seria abolida enquanto departamento especializado ao serviço de um público de elite e as suas qualidades de beleza e criatividade seriam devolvidos à vida plena da qual foram subtraídos pelo trabalho. É elucidativo lembrarmo-nos do fato que os vasos gregos aos quais escrevemos odes e que exibimos em vitrinas de museu foram usados, no seu tempo, para guardar o azeite.

Duvido que os nossos artefatos do dia a dia tenham um futuro assim tão glorioso, se é que têm algum. O que se passa é que não há nada a que se possa chamar progresso no mundo do trabalho; se houver alguma coisa, será precisamente o contrário. Não devemos fazer-nos rogados para surripiarmos ao passado aquilo que ele tem para nos oferecer, visto que os antigos não perdem nada e nós saímos enriquecidos.

A reinvenção da vida quotidiana pressupõe o transpormos os limiares dos nossos mapas. Em boa verdade, existem mais obras especulativas sugestivas do que a maioria das pessoas supõe. Para além de Fourier e Morris — e até umas amostras, aqui e ali, em Marx —, há ainda os escritos de Kropotkine, os sindicalistas Pelloutier e Pouget, anarco comunistas antigos (Berkman) e contemporâneos (Bookchin). A «Communitas» dos irmãos Goodman é o exemplo acabado para ilustrar as formas que derivam de dadas funções (fins), e também há qualquer coisa para aprender com os arautos tantas vezes nebulosos da tecnologia alternativa — apropriada intermédia-convivencial, tais como Schumacher e especialmente Illich.

Os situacionistas, tais como se encontram representados na Revolução da Vida Quotidiana de Vaneigem e na Antologia da Internacional Situacionista, são impiedosamente lúcidos, ao ponto de se tornarem hilariantes, mesmo que nunca ten-ham equacionado devidamente a continuidade do mando dos conselhos de trabalhadores no contexto da abolição do trabalho. No entanto, mais vale a incongruência destes do que qualquer versão existente do esquerdismo, cujos devotos se esforçam por serem os últimos heróis do trabalho, visto que, se não existisse o trabalho também não haveria trabalhadores e, sem trabalhadores, quem restava para a esquerda organizar?

Assim, os abolicionistas ficariam em grande medida por sua conta. Ninguém pode vaticinar o que iria resultar se fossem dadas largas ao potencial criativo bestificado pelo trabalho. Tudo pode acontecer. O problema da liberdade versus necessidade, objecto de debates infindáveis, com o seu pano de fundo teológico, resolve-se na prática, uma vez que a produção de valores utilitários tenha nas nossas vidas um espaço correspondente ao da consumação de uma atividade jocosa repleta de deleite.

Felipe Lurjan é aluno do BC&H / Ciências Econômicas

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Gostaria de lhes propor um breve experimento de pensamento - experimentos de pensamen-to, na forma de construções de sociedades imaginárias e modelos de sociedades segundo

princípios racionais, têm sido parte da filosofia política desde seus primórdios.

Imaginem duas sociedades, com regimes de governo distin-tos. Na primeira sociedade, somente alguns governam. Com isso quero dizer que somente uns poucos decidem, em única ou última instância, sobre as condutas que são permitidas e as que são proibidas, e que somente esses poucos têm a prerrogativa de se servir de um aparelho coercitivo de estado para fazer valer suas decisões.

Essa sociedade tem, no entanto, uma constituição que impõe limites curiosos ao exercício do poder pelos governantes, e que é rigorosamente obedecida por eles. As mais importantes limitações ao poder impostas por essa constituição — aquelas que os próprios cidadãos julgam ser definidoras de sua cidadania e de seu modo de vida — são as seguintes.

Muito embora os gover-nantes sempre cheguem a suas decisões de modo absoluta-mente independente e discutindo apenas entre si, eles jamais implementam decisão alguma sem antes tentar persuadir racio-nal e fundamentadamente seus concidadãos de que a decisão a que chegaram é a melhor para todos, e não sem que todo e a cada cidadão tenha tido a oportunidade de apresentar suas objeções a ela: objeções, essas, que, aliás, são quase sempre respondidas, antes de que qualquer decisão seja implementada. Em verdade, esses governantes quase nunca implementam uma decisão sem que ao menos a maioria dos cidadãos esteja persuadida de que implementá-la é o melhor a se fazer, e, mesmo depois de implementá-la, nunca deixam de ao menos tentar responder às objeções que possam ter os que ainda não se persuadiram. (Naturalmente, eles ocupam-se dessas objeções apenas na medida do possível, e priorizando sempre responder às objeções às decisões das quais ainda não conseguiram persuadir a maioria.)

Há somente duas circunstâncias em que esses governantes fazem valer suas decisões, à força se necessário, contra a opin-ião da maioria: quando essa maioria, em vez de se persuadir, revela-se renitente em objeções já respondidas sem, contudo,

mostrar em que as respostas seriam insuficientes, ou sem acrescentar novos argumentos que sustentem essas objeções; e quando a maioria prefere abster-se do processo de persuasão, e tenta fazer valer sua opinião por outros meios, sejam esses violentos ou pacíficos. (Nesse sentido convém notar que só os governantes e outras autoridades estatais têm a prerrogativa de portar armas; os demais cidadãos, no entanto, são por isso isentos de qualquer obrigação de defender a sociedade, em caso de ameaça externa.) De resto, os cidadãos são livres para formular suas demandas, para discuti-las entre si e para levá-las à atenção dos governantes, — com duas ressalvas: a de que eles não podem associar-se para a defesa de uma causa, ou em torno de uma crença qualquer, mas apenas para sua dis-cussão (discussão, essa, que deve ser sempre pública e aberta a todos os possíveis interessados); e a de que só podem levar suas demandas à atenção dos governantes individualmente,

e nunca como representantes de um grupo (muito embora os governantes estejam obrigados pela constituição a responder a todas as demandas, por mais privadas que sejam, publica-mente e para conhecimento de todos os possíveis interessados).

Os cidadãos, a bem dizer, são livres para decidir em última instância sobre uma coisa ape-nas: a vida que queiram levar. Mesmo sobre isso, contudo, a decisão dos cidadãos não é inteiramente livre e isenta de interferências dos governantes.

Primeiramente, os cidadãos são admoestados pelos governantes a escolherem modos de vida em que seus talentos e habilidades serão provavelmente melhor aproveitados, e para maior benefício de toda a socie-dade (e por isso os cidadãos, ao serem educados, são incen-tivados a explorar, juntamente com seus interesses, também seus talentos e habilidades, a conhecê-los e desenvolvê-los, e a se interessar por aquilo para que tenham talento).

Segundamente, os governantes têm a prerrogativa de coagir todo e cada cidadão a abandonar seu modo de vida, se este o esteja conduzindo a uma miséria material tamanha, que o impeça de ter ócio suficiente para cumprir seu dever constitucional de refletir a respeito das decisões propostas pelos governantes, discuti-las com seus concidadãos, e formular suas objeções a elas; ou, então, se seu modo de vida o esteja conduzindo a uma riqueza material tamanha, que lhe permitisse tentar persuadir os governantes (que, sem renda própria, dependem exclusivamente dos tributos pagos

Acerca da Essência do LiberalismoPedro Henrique Carrasqueira Zanei

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pelos cidadãos, tanto para cobrir os custos materiais de gerir a sociedade e de manter o aparelho coercitivo de estado quanto para manter a si mesmos) a atenderem preferencialmente a suas demandas e objeções — não por serem pertinentes, razoáveis e bem fundamentadas, mas por virem de alguém de quem os gover-nantes dependem financeiramente mais que dos outros cidadãos. (Os governantes dessa sociedade, aliás, bem como todas as de-mais autoridades que integrem o aparelho coercitivo de estado, são proibidos de adquirir qualquer riqueza material pessoal, além daquela absolutamente necessária para que sejam capazes de exercer de forma isenta e eficiente suas funções; e, em todo caso, é um dever civil de todo cidadão, nessa sociedade, demandar que seus governantes aprendam a se manter com ainda menos, sempre que sua riqueza pessoal exceda a do mais miserável dos cidadãos que tenha seguido rigorosamente os conselhos de governantes e autoridades na escolha da vida que queira levar.)

Há uma última disposição constitucional importante, que é preciso considerar. Nessa sociedade, os futuros governantes e autoridades estatais não são eleitos, mas escolhidos pelos governantes presentes dentre aqueles que demonstrem ter os talentos, habilidades e disposições morais necessárias ao ex-ercício da função. As funções estatais, portanto, são os únicos modos de vida que não podem ser perseguidos livremente pelos cidadãos, pois depende em última instância dos governantes se alguém poderá integrar o aparelho de estado e o governo ou não. Ademais, aqueles governantes e autoridades estatais que porventura desistam do exercício da função e decidam perseguir outro modo de vida podem, então, ser chamados a prestar contas daquilo em que depois se revelem privadamente beneficiados por decisões a que foram favoráveis enquanto funcionários.

Por fim convém notar que, porque essa é uma sociedade na qual os cidadãos são desde muito jovens educados para a obediência à lei e o respeito aos governantes e autoridades, há pouquíssimo dissenso, e as decisões dos governantes rara-mente deixam de persuadir a maioria com facilidade (embora não raro sejam moderadas e complementadas pelas objeções recebidas dos demais cidadãos).

Na segunda sociedade, todos governam. Com isso quero dizer que todos os cidadãos, a partir de certa idade, têm o direito de deliberar em decisões públicas que interessem a todos, e de propor normas que valerão para todos. Isso se faz, nessa sociedade, em grandes discussões públicas, nas quais todos têm em princípio o direito de falar, propor e defender suas propostas, e objetar às dos demais. Porque o consenso nunca é atingido, as propostas de normas e deliberações são já convertidas em leis e em decisões a serem implementadas quando se forme ao menos uma maioria favorável a uma das posições defendidas na discussão. A função do aparelho de estado nessa sociedade restringe-se, pois, em princípio ao menos, a implementar o que tenham decido os cidadãos.

A bem dizer, a liberdade dos cidadãos nessa sociedade é tanta, que eles sequer são obrigados a participar das delib-erações. Isto porque, como cidadãos senhores de si mesmos e livres para escolher qualquer vida que queiram (com efeito, essa é mesmo sua liberdade fundamental — aquela que os cidadãos dessa sociedade julgam ser a mais importante, e

a única reconhecida como irrevogável por sua constituição), esses homens são propensos a rejeitar qualquer obrigação que não tenham escolhido para si mesmos individualmente, ou que não os beneficie privadamente ainda que de modo indireto. Também por isso, aliás, nada há que impeça os cidadãos de ser absolutamente miseráveis ou desmesuradamente ricos (natu-ralmente, desde que isso resulte de suas escolhas de modos de vida, e desde que eles não sejam conduzidos a esses estados por ilicitudes — sejam elas ilicitudes de outros cidadãos, se-miseráveis, sejam elas suas próprias ou em conluio com outros cidadãos, se ricos).

Não há, por isso, quaisquer restrições ao gênero de argu-mentos que os cidadãos podem usar nos processos deliberativos para persuadirem-se uns aos outros, e há, inclusive, poucas restrições quanto ao uso, pelos cidadãos, de sua riqueza material como instrumento de persuasão. Contanto que sejam respeitadas as leis postas, tudo o mais é permitido no processo de persuasão e formação de uma maioria; e, porque a maioria se beneficia privada e imediatamente de tamanha liberdade, raramente são propostas (e, quando são propostas, quase sempre são rejeitadas) normas que limitem esse uso da riqueza.

Nessa sociedade tampouco há limitações ao direito de as-sociação dos cidadãos, e estes se podem associar por qualquer motivo que seja e em torno de qualquer crença que seja, — e mesmo para defender, em grande número, qualquer causa que queiram. Com efeito, porque os processos deliberativos dependem, nessa sociedade, da formação de uma maioria, quase sempre os cidadãos tentam constituir tais associações (que de tão comuns que são, receberam dos cidadãos alguns nomes: chamam-nas de “partidos” ou, então — quando são associações minoritárias, que por isso têm por vezes de se valer

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de modos mais agressivos de persuasão —, de “movimentos sociais”) antes de irem a público propor ou defender algo.

Curiosamente, isso tudo somado tem por efeito que, apesar de todos em princípio poderem participar dos processos de-liberativos, pouquíssimos de fato o fazem, e o fazem quase sempre como representantes de associações. Aliás, porque é permitido falar em nome de um grupo no processo deliberativo (e contando com o peso do número desse grupo), não é raro que sequer haja efetiva discussão nesses processos, pois as maiorias quase sempre se formam privadamente, por negociações entre associações, antes mesmo de qualquer deliberação pública.

Mais curioso ainda é que, porque também os funcionários públicos dessa sociedade são absolutamente livres — como qualquer cidadão — para se associar e lutar por seus interesses em grande número, as autoridades públicas e outros servidores são todos muito mais ricos nesta sociedade que na outra. Mais que isso, porque nessa sociedade, com sua pluralidade com-plexa de regras e leis — resultante da luta entre os cidadãos para converter em normas públicas o que é quase sempre de seu interesse privado, e com pouca atenção à integridade do ordenamento jurídico —, a legislação é confusa, volumosa e incoerente, o quantidade de funcionários públicos necessária para fazer valerem as leis e para implementar as decisões nunca para de aumentar.

Disso resulta que há muito tempo já que o próprio aparel-ho de estado (ou, para dizê-lo melhor: a associação de seus funcionários, que para todos os efeitos então se confunde com ele) converteu-se na instituição mais poderosa e mais capaz de formar maiorias que se pode encontrar nessa sociedade. Por isso, seus funcionários públicos não apenas são todos mais ricos nessa sociedade que na outra, mas também são todos (ou, ao menos, as mais altas autoridades públicas) mais ricos

que os demais cidadãos de sua própria sociedade; e, porque as autoridades públicas têm tamanho poder, a maioria dos cidadãos, apesar da absoluta liberdade que têm para escolher a vida que queiram, mostra-se quase sempre disposta a deixar de perseguir diretamente seus interesses mais próprios para assumir um cargo no aparelho de estado, na esperança de que isso lhes permita assegurar a vantagem pública para seus inter-esses privados. (Entretanto são poucos os que conhecem seus verdadeiros interesses; pois se julga que, sendo os cidadãos absolutamente livres para decidir sobre a vida que queiram viver, nenhuma intervenção nessa escolha seria aceitável.)

Àqueles que me seguiram até o fim deste experimento, eu faço umas poucas perguntas — as únicas que, parece-me, se podem a sério fazer.

Em qual dessas duas sociedades há verdadeiro respeito pelas escolhas de modos de vida dos cidadãos, se é que há em alguma delas?

Qual dessas duas sociedades é verdadeiramente igualitária, se é que alguma delas o é?

Em qual dessas duas sociedades os cidadãos são verdadei-ramente livres, se é que o são em alguma delas?

Qual, enfim, dessas duas sociedades é verdadeiramente liberal, — se é que alguma delas o é…?

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Pedro Henrique Carrasqueira Zanei é aluno do BC&H / Filosofia

Image courtesy of Salvatore Vuono / FreeDigitalPhotos.net

Chegando o Natal, alguns se lembram de estar juntos com a família, dos momentos felizes, da união, dos presentes, da sensação de paz interior que vem junto a essa data. Dentre diversos motivos para adorarmos o natal, talvez o mais forte seja a felicidade de dar e receber amor e carinho. Essa felicidade é gerada pela parte mais nobre espírito humano: o altruísmo que nos torna mais fortes e transforma nosso mundo em um lugar melhor.

Já imaginou aumentar ainda mais essa sensação? Você pode! O Diretório Acadêmico Sig-ma está organizando o Natal Solidário UFABC, uma chance adicionar um pouco da mágica a vida de muitas crianças e provar que o espírito do natal vive e que Papai Noel existe sim!

Doe material escolar e/ou um brinquedo novo ou que você não use mais! E os olhos de uma criança vão brilhar como os seus brilharam quando você teve seu primeiro natal!

As doações serão entregues à APAE de Santo André.

Natal Encantado UFABC2013

Caixas de coleta no Bloco Alfa e Bloco Beta, campus de S. Bernardo

UFABC- Rua Arcturus, 03 São Bernardo do Campo (atrás do Poliesportivo)

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Nosso Logotipo

A Grécia é a fonte das ciências e das humanidades no Ocidente e Atenas é seu coração cultural. Nada melhor do que ilustrar nossa capa com o Partenon, na Acrópole ateniense.

Acrópole (do grego, composto de “extremo, alto” e “cidade”) é a parte da cidade construída nas partes mais altas do relevo da região. A posição tem tanto valor simbólico, elevar e enobrecer os valores humanos, como estratégico, pois dali podia ser melhor defendida. Era na acrópole das diversas cidades que se construíam as estruturas mais nobres, tais os templos e os palácios dos governantes.

A acrópole grega original de Atenas ficou famosa pela cons-trução do Partenon, suntuoso templo em honra à deusa Atena, ricamente construído em mármores raros e ornado com esculturas de Fídias por ordem de Péricles e com recursos originalmente destinados a patrocinar a guerra contra os Persas.

Na cidade da antiga Atenas, era localizada sobre um roche-do (aproximadamente 100m). Consagrada a Atena desde a era micênica, foi devastada pelos persas nas guerras médicas. No século V a.C., Péricles encarregou Fídias de sua renovaçao; foram construídos magníficos monumentos (Pártenon, Erectêion), com o acesso pelo propileu.

A palavra acrópole tem sido usada em arqueologia e história para designar os centros das cidades antigas ou sítios arqueológicos onde se situam as principais estruturas arquitetônicas.

François-Auguste-René Rodin (Paris, 12 de novembro de 1840 — Meudon, 17 de novembro de 1917), mais conhecido como Auguste Rodin foi um escultor francês. Apesar de Rodin ser geralmente considerado o progenitor da escultura moderna, ele não começou a rebelar-se contra o passado. Ele foi educa-do tradicionalmente, teve o artesanato como abordagem ao seu trabalho, e desejava o reconhecimento acadêmico, embora ele nunca tenha sido aceito na principal escola de arte de Paris. Escultural, Rodin possuía uma capacidade única para modelar uma superfície complexa, turbulenta, profundamente embolsa em argila. Muitas de suas escul-turas mais notáveis foram duramente criticadas durante sua vida. Mais tarde a reputação de Rodin cresceu de tal forma que ele se tornou o escultor francês proeminente de seu tempo. Em 1900, ele era um artista de renome mundial.

Por mais clichê que possa ser, escolhemos a figura do Pensador, de Rodin, como símbolo de nosso trabalho com as humanidades (revista, blogue e canal de vídeo), por ser uma referência automática e transmitir como ninguém a mais profunda atividade humana: o pensar.

O Pensador (francês: Le Penseur) é uma das mais famosas esculturas de bronze do escultor francês Auguste Rodin. Retrata um homem em meditação soberba, lutando com uma poderosa força interna.

Originalmente chamado de O Poeta, a peça era parte de uma comissão do Museu de Arte Decorativa em Paris para criar um portal monumental baseada na Divina Comédia, de Dante Alighieri. Cada uma das estátuas na peça representavam um dos personagens principais do poema épico. O Pensador originalmente procurava retratar Dante em frente dos Portões do Inferno, ponderando seu grande poema. A escultura está nua porque Rodin queria uma figura heroica à la Michelangelo para representar o pensamento assim como a poesia.

Rodin fez sua primeira versão por volta de 1880. A pri-meira estátua (O Pensador) em escala maior foi terminada em 1902 e tornou-se propriedade da cidade de Paris graças a uma contribuição organizada pelos admiradores de Rodin. Em 1922, contudo, foi levada para o Hotel Biron, transformado no Musée Rodin. Mais de vinte cópias da escultura estão em museus em volta do mundo. O Instituto Ricardo Brennand na cidade do Recife, Pernambuco, possui uma versão ampliada da obra original, exposta em seu acervo particular, na Galeria.

fonte: wikipedia.com.br

O Portão do Inferno (Paris)

Auguste Rodin

fonte: wikipedia.com.br

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Detalhe

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O Bacharelado em Planejamento Territorial é um curso de graduação destinado a combinar abor-dagens, conceitos e métodos do planejamento e do desenvolvimento territorial.

Para tanto oferece uma formação capaz de integrar conhe-cimentos e instrumentos de diversas áreas disciplinares, tanto das ciências humanas e sociais (economia, administração, demografia, planejamento urbano e regional, ciência política, sociologia, geografia e história), quanto das ciências exatas e naturais (estatística, cartografia, geoprocessamento e ecologia).

O curso prepara uma nova geração de profissionais com habilidades e competências capazes de interpretar demandas e conflitos em diferentes escalas territoriais contribuindo na elaboração e implementação de projetos, programas e políti-cas de desenvolvimento em dimensões local, metropolitana, regional e nacional.

CaracterísticasO Bacharelado em Planejamento Territorial, vinculado ao

Bacharelado em Ciências e Humanidades, combina aborda-gens, conceitos e métodos do planejamento e do desenvolvi-mento territorial. O curso integra conhecimentos e instrumentos de diversas áreas disciplinares, tanto das ciências humanas e sociais (economia, administração, demografia, planejamento

urbano e regional, ciência política, sociologia, geografia e história), quanto das ciências exatas e naturais (estatística, car-tografia, geoprocessamento e ecologia). O curso torna-se inova-dor ao abordar desafios contemporâneos que se manifestam em dinâmicas territoriais como a metropolização, a revalorização de regiões interioranas ou a vulnerabilidade socioambiental. O aluno desenvolverá habilidades e competências para inter-pretar demandas e conflitos em diferentes escalas territoriais contribuindo na elaboração e implementação de projetos, programas e políticas de desenvolvimento em dimensões local, metropolitana, regional e nacional.

Como objetivos específicos da formação de graduação em BPT têm-se:

• Compreensão dos processos sócio-econômicos, ecológi-cos, culturais e políticos que estão presentes na estruturação e na dinâmica dos territórios.

• Domínio analítico e propositivo de diferentes recortes territoriais, oriundos de organização político-administrativa, de regulação, de aspectos físico-naturais, de logística e aqueles oriundos de intervenções específicas, como de projetos, de instituições, de políticas setoriais ou de organização de grupos e de comunidades.

• Capacidade de articular conhecimento para a análise,

Planejamento Territorial

uma formação inovadorana UFABC

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19 Humanidades

prospectiva, intervenção e gerenciamento em diferentes escalas, níveis e dimensões (local, urbana, municipal, estadual, regional, nacional e macro e mesoregional).

• Capacidade de articular e integrar conteúdo e ferramental oriundo de áreas como: as ciências sociais, humanas e sociais aplicadas – economia, administração, planejamento urbano e regional, ciência política, demografia, economia, sociologia, antropologia, geografia e história; e as ciências exatas e natu-rais - estatística, computação, cartografia, geoprocessamento e ecologia.

• Capacidade para atuar em diferentes modalidades de planejamento tais como o estratégico, participativo, situacional, entre outros, e em processos de negociação e governança, envolvendo atores, instituições e normas.

• Capacidade para atuar em equipes multidisciplinares e em problemas caracterizados por complexidade, com senso de liderança, cooperação e autonomia.

O Futuro Bacharel em Planejamento TerritorialO Bacharel em Planejamento Territorial, formado na UFABC

destaca-se por sua orientação interdisciplinar, seu caráter críti-co-propositivo e sua capacidade de trilhar os caminhos que levam ao conhecimento, capacitando-o para sucessivos ciclos de aprendizagem e reaprendizagem que ocorrerão durante toda sua vida profissional e, dessa forma, contribuir para a resolução dos problemas relativos à organização e gestão do território, nas suas diversas escalas.

A partir de uma visão integrada, deverá desenvolver ca-pacidade de compreensão crítica sobre dinâmicas em curso, com o reconhecimento e análise de dinâmicas demográficas, socioambientais e econômicas que incidem na produção, transformação e regulação do território e com o domínio de instrumentais voltados à intervenção na realidade em estudo.

Dessa forma, o profissional estará apto a gerir propostas e desenvolver ações de planejamento e gestão voltadas para o cumprimento de objetivos que levem em conta os impactos, os aspectos de governança, os atores, os obstáculos, os imped-imentos e os potenciais dos processos e dinâmicas em curso sobre o território. Assim sendo, com sua capacidade de diag-nosticar e prognosticar, será capaz de problematizar, analisar e teorizar sobre as dimensões sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais das relações sociedade e território e de intervir na realidade das cidades e regiões.

Com um domínio das questões fundamentais relativas ao planejamento territorial e dos processos formais e informais existentes no território nacional, deverá estar capacitado para: articular conhecimentos com o fim de conceber, elaborar, imple-mentar, gerir, monitorar e avaliar políticas, planos, programas e projetos referentes ao planejamento territorial; realizar análises, diagnósticos, avaliações técnicas e elaborar planos territoriais.

Com espírito crítico, reflexivo, situacional, proativo, o profissional graduado nesse curso estará capacitado para atuar em agências reguladoras, empresas de serviços e consultoria de diferentes escalas, tanto do setor público – ministérios, autarquias, agências reguladoras -, quanto privado, em orga-nizações não governamentais, agências bilaterais e multilat-erais de cooperação que tenham como tarefa o planejamento, Belo Horizonte (CC) George Miquilena

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• Organizações não governamentais.O Bacharelado em Planejamento Territorial é inovador, pois

busca atender demandas já presentes nas agendas nacional e internacional ao abordar alguns dos principais desafios contem-porâneos e que se manifestam em dinâmicas territoriais – como a metropolização, a revalorização de regiões interioranas ou a vulnerabilidade socioambiental.

Há vários cursos de pós-graduação em Planejamento Urba-no e Regional no Brasil, mas o Bacharelado em Planejamento Territorial vem preencher uma lacuna na formação dessa temáti-ca em nível de graduação, como já ocorre em diversos países.

Estratégias Pedagógicas Na base do curso de BPT da UFABC está o Bacharelado

em Ciência e Humanidades -BC&H. Os estudantes inicialmente ingressam nos Bacharelados Interdisciplinares da UFABC e somente à medida que avançam neste curso passam a cursar as disciplinas do BPT e ao final do BC&H podem efetuar sua matrícula nesse curso. A partir do BC&H os estudantes adquirem uma forte formação em ciências sociais, humanas, ciência e tecnologia. Também já no BC&H estão previstos alguns me-canismos pedagógicos que estarão presentes por todo o curso BPT, entre os quais destacamos:

• Escala progressiva de decisões a serem tomadas pelos alunos que ingressam na universidade, ao longo do pro-grama. • Possibilidade de monitoramento e atualização contínua dos conteúdos a serem oferecidos pelos programas. • Interdisciplinaridade não apenas com as áreas de con-hecimentos básicos, mas, também, entre as diversas espe-cialidades das ciências sociais aplicadas. • Elevado grau de autonomia do aluno na definição de seu projeto curricular pessoal.

Ainda como estratégia pedagógica vale destacar o vínculo do BPT, por meio de seus docentes, com o Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Território da UFABC – Stricto Sensu – autorizado pela CAPES em 2010. O vín-culo entre a graduação e a pósgraduação objetiva estabelecer e fortalecer ações de pesquisa e extensão, em especial da Ini-ciação Científica – IC, junto aos projetos do programa da pós-graduação.

Finalmente, trata-se de uma proposta de curso dentro do espírito do modelo ped-agógico da UFABC, permitindo uma grande flexibilidade para o aluno estabelecer seu próprio currículo acadêmico, à medida que vai adquirindo maturidade para tal, contemplando aspectos de atualização e acompanhamento contínuos dos conteú-dos sendo ministrados, e que atende às determinações das Diretrizes Curriculares Nacionais, do CNE/CES.

a gestão e a governança do território, levando em conta os diferentes aspectos econômicos, políticos ou sociais. Sua for-mação permite que atue também em ambientes corporativos, estando particularmente treinado para o exercício do trabalho em equipes e em redes.

O profissional formado estará capacitado para atuar em processos de planejamento, implementação e avaliação das políticas públicas referentes ao território, em áreas variadas e em distintos contextos políticos, econômicos e sociais, por meio de mecanismos inovadores e que visem à produção dos melhores resultados em termos sociais. Em uma formação inter-disciplinar, esse profissional irá desenvolver sua compreensão da importância do contexto econômico, político e social na formulação de estratégias, no desenho, na implementação e na avaliação de programas e de políticas públicas.

Dentre as habilidades e competências do Bacharel em Plane-jamento Territorial estão: desenvolver competências pessoais como liderança, autodesenvolvimento e trabalho em equipe; entender e utilizar as novas tecnologias emergentes; aplicar técnicas de gerenciamento de processos dentro de ambientes complexos; promover a difusão do conhecimento científico e tecnológico.

Com esta formação o profissional poderá atuar em diferentes modalidades de planejamento e gestão territorial seja no setor público, na iniciativa privada ou em organizações sociais e do terceiro setor, entre as quais:

• Setor público – municípios, estados, ministérios, au-tarquias, agências reguladoras;

• Setor privado – em especial mercado imobiliário, plane-jamento e logística, empresas de serviços e consultoria;

• Agências bilaterais e multilaterais de cooperação;

Igarapé de Educandos - Manaus (cc) Tim Bray

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Economia do Território Sociologia dos Territórios Demografia Estudos do Meio FísicoArranjos Institucionais e Marco Regulatório do TerritórioDesenvolvimento Econômico e Social no BrasilEconomia Urbana Cartografia e Geoprocessamento para o Planejamento TerritorialTransformações nos Seres Vivos e AmbienteRegulação Urbanística e AmbientalPlanejamento e Política RegionalHistória da Cidade e do UrbanismoMétodos e Técnicas de Análise de Informação para o

PlanejamentoPlanejamento e Política AmbientalPlanejamento e Política RuralPolítica Urbana Métodos de PlanejamentoOficina de Planejamento Macro e Meso RegionalGovernança pública, Democracia e Políticas no TerritórioUso do solo urbano Disciplina LivreOficina de Planejamento de Áreas Periurbanas, Interioranas e RuraisMobilização Produtiva dos Territórios e Desenvolvimento LocalPolítica Metropolitana Disciplina LivreOficina de Planejamento UrbanoOficina de Planejamento e Governança Metropolitana

Algumas disciplinas específicas obrigatórias

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Josias Adão nasceu em Cubatão, São Paulo. Trabalhou na área de transportes na extinta CMTC, depois SPTrans. Na década de 1970 passou a atuar no movimento sindical do ABC, que ainda era algo nascente em plena ditadura militar. Foi eleito Presidente do Sindicato dos Rodoviários do ABC, onde permaneceu por dois mandatos (1981-1988). Participou de todo o movimento pela redemocratização, que foi iniciado pelo Sindicato dos Metalúrgicos da região, o Sindicato dos Químicos e o dos Rodoviários que presidia. Também nessa época foi membro da diretoria da CUT, participando de sua criação, tanto como Diretor da executiva no ABC como também da CUT nacional. Cumpriu os dois mandatos e saiu da direção, dando espaço para outros. Voltou a trabalhar na profissão até se aposentar por perda visual devido ao glaucoma. Mesmo com

a visão bastante prejudicada, percebeu que devia voltar a estudar. Formou-se primeiramente como terapeuta holístico, inclusive com Reiki em nível Master.

Em sua busca pelo conhecimento, de-cidiu estudar filosofia. Prestou o ENEM e obteve uma boa classificação na prova, ingressando na UFABC neste ano. Aqui ele se propõe a estudar Filosofia para ampliar seus conhecimentos e também cursar Políticas Públicas, como meio de contribuir para a acessibilidade e mobil-idade urbana, que não são adequadas, para prejuízo de toda a população.

Lutando contra todas as adversi-dades de sua severa deficiência visual, Josias permanece batalhando por seus objetivos, contando com o apoio e o carinho de seus colegas e professores. É um membro valioso da UFABC e da família BC&H.

Josias Adão

A UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC é uma instituição de ensino em construção tanto em sua estrutura física quanto em seu processo institucional. A estrutura multidisciplinar de seus bacharelados é uma ideia progressista que amplia o aprendizado, tornando mais efetivo os processos de crescimento no espectro do conhecimento.

Entendo que defender a relevância do bacharelado onde se encontra o curso preferido é plenamente aceitável, entretanto é preciso que se diga que uma universidade plural se constroi pro-movendo todos os ramos do conhecimento, e que o pensamento efetivamente maiúsculo não necessita diminuir o desempenho de outrem para ser grande.

Os formandos em Relações Internacionais conduzirão nas atividades empresariais os trabalhos desenvolvidos pelos formandos em Neurociência; os bons economistas formados por nossa universidade irão gerir com eficiência os processos econômicos enquanto nossos bons engenheiros desenvolverão o crescimento dos processos produtivos; nossos biopesquisadores desenvolverão suas pesquisas confiantes de que os gestores de políticas publicas que daqui sairão conduzirão a aplicação destes projetos em benefício de amplos setores da sociedade. Assim, somando nossas aspirações acadêmicas individuais à ampla cooperação interdisciplinar, construiremos uma grande universidade.

Construindo uma Universidade por Josias Adão

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22 Humanidades

Humor

Feudalismo - Você tem duas vacas. Seu senhor pega parte do leite para ele.

Socialismo - Você tem duas vacas. O governo as tira de você e as coloca num curral, juntamente com as vacas de todo mundo. Você tem que cuidar de todas as vacas. O governo lhe dá um copo de leite.

Comunismo Russo - Você tem duas vacas. Você tem que cuidar delas, mas o governo fica com o leite todo. Você rouba o máximo possível do leite e o vende no mercado negro.

Comunismo Cambojano - Você tem duas vacas. O governo pega as duas e fuzila você, acusando-o de ser um capitalista criminoso centralizador dos recursos de produção da Nação e fomentando a fome de seu povo.

Socialismo Chinês - Você tem duas vacas. Você tem trezentas pessoas ordenhando as vacas. Você diz que baixou índice de de-semprego e tem altíssimo índice de produção bovina. Você manda prender o jornalista que reporta a verdade.

Socialismo Bolivariano - Você tem duas vacas. O SENIAT confisca uma por evasão do Imposto dos Ativos Empresariais Vacunos. O governo te expropria a outra por utilidade pública, para a ‘Misión Negra Hipólita’. O coordenador da Missão compra um Hummer para ele e não há leite.

Fascismo - Você tem duas vacas. O estado toma as duas e te vende um pouco de leite.

Anarquismo - Você tem 2 vacas, mata as duas e faz um churrasco.

Democracia Russa - Você tem duas vacas. Conta-as e vê que tem cinco. Conta de novo e vê que tem 42. Conta de novo e vê que tem 12 vacas. Você para de contar e abre outra garrafa de vodca.

Capitalismo Italiano - Você tem duas vacas, mas não tem ideia de onde elas estejam.Você decide sair para almoçar.

Capitalismo Japonês - Você tem duas vacas. Você as altera ge-neticamente para que elas tenham apenas 10% do tamanho normal de uma vaca e produzam 20 vezes mais leite.Aí você cria um desenho animado da vaca, chamado “Vakimon”, e vende os direitos mundialmente.

Capitalismo Francês - Você tem duas vacas. Você entra em greve, organiza piquetes e bloqueia as ruas porque você quer três vacas.

Capitalismo Canadense - Você tem duas vacas. Usa o modelo do capitalismo americano. As vacas morrem. Você acusa o protecionis-mo brasileiro e adota medidas protecionistas para ter as três vacas do capitalismo francês.

Ditadura Iraquiana - Você tem duas vacas e é fuzilado por suspeita de serem instrumento do imperialismo americano com o objetivo único de contaminar todos os rebanhos do país.

Democracia Iraquiana - Todos pensam que você tem um monte de vacas. Você diz que não tem nenhuma. Ninguém acredita em você então te bombardeiam e invadem seu país. Você ainda não tem nenhuma vaca, mas pelo menos agora é uma democracia.

Capitalismo Alemão - Você tem duas vacas. Elas produzem leite regularmente, segundo padrões de quantidade e horário previamente estabelecidos, de forma precisa e lucrativa. Mas o que você queria mesmo era criar porcos.

Monarquia Britânica – Você tem duas vacas. As duas estão loucas.

Parlamentarismo Indiano - Você tem duas vacas. E elas são sagradas.Neoliberalismo - Você tem duas vacas. O governo se apropria das duas, se endivida e as vende baratinho para os gringos, devolvendo a dívida para você. E você ainda paga um absurdo pelo leite que era seu.

Capitalismo Norte-americano - Você tem duas vacas. Você vende uma delas e compra um touro, que usa para inseminar a outra vaca

O retorno das duas vacas

Em uma das edições impressas de nosso (agora) antigo jornal, publicamos um texto sobre duas vacas, sistemas de governo e economia. Como o espaço era pequeno, tivemos que cortar muita coisa. Mas agora você pode ler o texto integral. Este material aparece sob os mais diversos idiomas e culturas,

adquirindo roupagens próprias dependendo do país de origem. Fizemos um apanhado das histórias em três línguas e você pode se divertir agora, lembrando que existe uma grande dose de sociologia, economia, política e filosofia em seu texto.

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e também as demais vacas do pedaço (cobrando pela cobertura, naturalmente). Depois, começa a exportar esperma bovino para mercados emergentes. Após vários anos de expansão, sua empre-sa lança uma oferta pública inicial para ser apresentada na Bolsa de Valores de New York. A Comissão de Valores Mobiliários abre um processo contra você e sua mulher por negociação fraudulenta com informações privilegiadas. Depois de uma longa e cara briga nos tribunais, você é considerado culpado e condenado a 10 anos de prisão, dos quais acaba cumprindo sete semanas. Quando sai da cadeia, você compra duas galinhas. Aí você vende uma delas e compra um galo...

Capitalismo Selvagem Norte-americano - Você tem duas vacas. Você vende uma e então força a outra a produzir o leite equivalente a quatro vacas. Depois você contrata uma consultoria para analisar o porquê da vaca ter morrido.

Capitalismo de Hong Kong - Você tem duas vacas. Você vende três delas à sua empresa de capital aberto, usando cartas de crédi-to abertas pelo banco de seu cunhado, depois executa um “swap” (troca) de dívida por crédito com uma oferta global associada, de modo a receber todas as suas quatro vacas de volta, com redução de impostos por manter cinco vacas. Os direitos ao leite de seis va-cas são transferidos, via uma holding panamenha, a uma empresa com sede nas Ilhas Cayman, de propriedade secreta do acionista majoritário, que revende os direitos do leite de todas as sete vacas à empresa de capital aberto, enquanto adia o pagamento do produto da venda. O relatório anual diz que a empresa possui oito vacas, com opção para aquisição de mais uma. Enquanto isso, você vende suas dez vacas para uma nova seita recém fundada na Índia por seu cunhado, ao preço unitário de US$ 1 milhão, por se tratar de animais sagrados, realizadores do milagre da multiplicação.

Capitalismo Maicrosoftiano (Mercado de “Livre Concorrência”) - Você tem duas Vacas. Seu vizinho - Biu Gueites - faz uma oferta para comprar as duas de você, que não tem interesse no negócio. Após meses de tentativas infrutíferas, o Sr. Biu Gueites compra duas cabras e inicia uma campanha de marketing na região, demonstrando as vantagens do leite de cabra em relação ao de vaca. Após algum tempo, os consumidores acostumam-se com o leite de cabra - ven-dido diretamente pelo Sr. Biu Gueites - e passam a exigir tal produto nos pontos de vendas tradicionais.Um reduzido grupo de não consumidores de leite de cabra, após vários desarranjos intestinais ao experimentarem o novo padrão em leite, não se convence com os argumentos do produtor, “que o problema não está no leite de cabra e sim na configuração do seu aparelho digestivo”, recomendando fazer um “upigreide” de seu fígado para uma versão peintiummmm 64 bits. Mas felizmente são uma minoria. Pressionados pelos consumidores locais, os latícinios aceitam os termos do acordo para compra de leite de cabra do Sr. Biu Gueites: não poderão mais comprar leite de vaca. Após alguns poucos anos, a empresa do Sr. Biu passa a trabalhar secretamente com vacas anãs, convencendo o público de que se trata de uma nova linhagem de cabras, denominadas WinCabras95.

Parte dos consumidores - que ainda recordavam do paladar do leite de vaca - acham o gosto do leite destas “novas cabras” muito parecido com o de vaca, mas certamente devem estar equivocados. O resto da história talvez você já conheça.

Burocracia Estatal - Você tem duas vacas. O estado toma as duas. Perde uma, ordenha a outra e joga o leite fora.

Capitalismo Brasileiro - Você tem duas vacas. Primeiro, o gov-erno federal traça normas para determinar como você vai poder alimentá-las e quando vai poder tirar leite delas. Depois, ele lhe paga para não tirar leite delas em determinadas épocas do ano, sob o argumento do controle de preços (pois leite com excesso de oferta fará cair o preço no mercado interno e externo, podendo oscilar perigosamente a balança de pagamentos).Nos demais meses que lhe é permitida a ordenha, o Congresso institui o IOL - Imposto sobre a Ordenha do Leite - que abocanha 24,3% do valor da venda sobre um faturamento médio projetado - mesmo que você não consiga vender o leite, pois a base tributária incide sobre uma estimativa de produtividade.O governo estadual, sabendo da existência das duas vacas, institui o ICVDL - Imposto de Circulação de Vacas e Derivados de Leite - com a alíquota de 27,8% calculados sobre o valor de aquisição venal das vacas e/ou sobre o preço mínimo venal estipulado para o leite e derivados naquela região. Logicamente que, tendo sido vendido o leite a preço superior ao preço venal fixado, a base de cálculo será a maior das duas.Entrementes, o governo municipal, sabendo da existência de um “boom” bovino na cidade, institui o IPTURAVDB - Imposto Predial Territorial Urbano e Rural sobre Abrigos de Vacas e demais Bovinos - calculados à base de 318,9876435 UFMs por metro quadrado da propriedade. Lei Municipal Complementar proíbe a criação de Vacas e Demais Bovinos em outros tipos de propriedades móveis ou imóveis não abrangidas pelo IPTURAVDB.Após poucos meses, em acordo entre os governos municipais e estaduais com a benção do governo federal, é instituído o rodízio de vacas e demais bovinos nas ruas de cada cidade, com o nobre propósito de reduzir a poluição estercal das ruas. O desrespeito implicará na multa de US$ 100,00 por vaca por dia de autuação.Você, cidadão, esmagado pela carga tributária, doa uma vaca para uma instituição de caridade e abate a segunda, oferecendo um churrasco para amigos e vizinhos. Ao receber no exercício seguinte todos os carnês dos impostos federal, estadual e municipal incidentes sobre as duas vacas, alega que já não as possui mais há meses. Mas, como os computadores do Serpro não foram atualizados, você tem que recolher todos estes impostos - ou depositá-los em juízo - até provar que não é mais proprietário das bovinas.Diante da sua insistência em “sonegar” os impostos, estranhamente você é denunciado à Receita Federal, que o convoca a apresentar as declarações de imposto de renda dos últimos cinco exercícios. Como você não declarou nem as vacas compradas nem a origem

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Apesar do Campus São Bernardo da Universidade Federal do ABC estar ainda em construção, um grupo de jovens alunos amantes da dança se reuniu e decidiu praticar o balé. Superando as adversidades cotidianas, eles persistem em sua paixão.

Treinando em uma área improvisada, em um corredor do Bloco Alfa, eles nos deixaram penetrar um pouco nesse mundo artístico que constru-iram apenas com seu esforço.

Com apoio da Central de Atividades Acadêmicas Poliesportivas (CAAP), as professoras de balé Giovana Bigliazzi e Ingrid Desihiê con-seguiram algum espaço na universidade para ministrar as aulas.

A turma, formada por cerca de 15 estudantes, se reune duas vezes por semana, às terças e sextas-feiras à partir das 13h para expressarem juntos seu amor pela arte da dança. Muitos deles sempre quiseram estudar o balé mas nunca tiveram oportunidade e agora realizam seu antigo sonho.

Improvisando guarda-corpos da sacada como corrimãos e se espre-mendo por espaços pequenos, os integrantes do grupo se esforçam para executar as belas coreografias. Mas o que mais chama a atenção é que a alegria de dançar é a mesma que se encontra em escolas comerciais.

Este é um singelo tributo da revista Humanidades a esses pioneiros que fazem da arte a sua vida e tornam nossa univerisdade um lugar melhor para todos nós.

Balé na UFABC

Assista a um vídeo com imagens e depoimentos sobre o Balé na UFABC em nosso canal:http://www.youtube.com/watch?v=KMNmCVqzxRQ

Cultura

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É inegável: as formas da natureza por vezes alimentam a inspiração de músicos e poetas, que utilizam a beleza do mundo como matéria-prima para sua arte. Na UFABC não poderia ser diferente: costumeiramente sob o pôr-do-sol do entardecer ocorre o Sarau do Beta, evento de artes e cultura organizado pela comunidade discente e com o apoio de do-centes e técnicos administrativos da biblioteca do campus São Bernardo do Campo.

A periodicidade não é definida e atende à demanda dos alunos, que contribuem para o planejamento do evento. Também não é estipulado um roteiro específico para as apre-sentações, o que acaba por conferir grande flexibilidade e espontaneidade às expressões. De leituras de poesias a covers de canções populares, uma grande variedade de atividades é desenvolvida no sarau.

Desde o início de suas atividades, em 2011, o evento só cresceu: o sarau ganhou a adesão de calouros e veteranos e atualmente é um aguardado compromisso no calendário daqueles que apreciam a música e a literatura.

Sarau do Beta: A poesia ao cair da tardeGabriel Farias

Gabriel Farias é aluno do BC&H / Políticas Públicas

Alegria e descontração através da cultura no Sarau do Beta

Resultado de uma parceria estabelecida entre o Sesc Santo André e a Universidade Federal do ABC (UFABC), contando com o apoio de representantes da sociedade civil organizada através do Movimento Cultura Viva e do Fórum de Debates Permanentes do ABC, o encontro teve por objetivo favorecer o diálogo entre grupos, coletivos, agentes e produtores de cultura que tenham a sua base na Região do ABC Paulista. O formato do encontro possibilitou aprofundar o debate de temas propostos pela III Con-ferência Nacional de Cultura nos eixos da Produção Simbólica e Diversidade Cultural, Cidadania e Direitos Culturais e Cultura e Desenvolvimento, de modo a fortalecer a reflexão e contribuir com a construção de práticas e políticas culturais de forma colaborativa.

A dinâmica do encontro contou com a formação de seis grupos de trabalho que discutiram os temas propostos e, posteriormente, contribuiram na elaboração de um documento oficial propositivo de políticas públicas de cultura na região das sete cidades (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra).

As atividades aconteceram no campus na Universidade Federal do ABC / UFABC, em São Bernardo do Campo, e também no Sesc Santo André entre os dias 21 e 23 de novembro.

Grupos de Trabalho:• Produção Simbólica e Diversidade: Reconhecimento, pro-

moção e articulação da diversidade cultural em rede• Cidadania e Direitos Culturais: Salvaguarda do direito a

memória e identidade cultural• Cultura e Desenvolvimento: Valores culturais e perspectivas

de desenvolvimento• Produção Simbólica e Diversidade: Prática e vivência das

diversidades e educação cultural• Cidadania e Direitos Culturais: Democratização e ampliação

do acesso• Cultura e Desenvolvimento: Formação, mapeamento e formu-

lação de politicas culturais

Exposição do grupo de trabalho sobre Cidadania e Direitos Culturais: Pai Nelson (Candomblé), Profª Drª Ana Maria Dietrich (UFABC) e Leandro Valquer (Jongo)

Cultura

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O pesquisador do Cepesp e professor da UFABC Sérgio Praça lançou, no último dia 23 de outubro, o livro “Corrupção e reforma orçamentária no Brasil (1987-2008)” na Livraria da Vila, em São Paulo.

A obra explica como, desde o escândalo dos “anões do orçamento”, descoberto em 1993, as regras orçamentárias no Brasil melhoraram. Ele assinala que Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o caso teve um impacto significativo para melhorar as normas legislativas que regulamentam o Orçamento brasileiro. O mesmo efeito teria ocorrido com a CPI das Ambulâncias, de 2006, que investigou os parlamenta-res “sanguessugas” que drenavam dinheiro carimbado para a saúde.

Praça começa o livro contando uma história inusita-da, que ilustra bem como a falta de regras claras, no início dos anos 90, facilitava atos de corrupção por parte dos parlamentares.

“Em 1990, o relator-geral da lei orçamentária, dentro da Comissão Mista de Orçamento, era o deputado federal João Alves (PPR-BA). Entre as muitas mudanças que ele propôs para o orçamento do ano seguinte, estava uma verba equivalente a US$ 2,6 milhões para a prefeitura de Itarantim, em seu Estado natal”, escreve.

A história piora: “Em julho de 1991, a subvenção destinada por João Alves chegou a Itarantim através de cheque nominal à prefeitura. O cheque foi recebido, endossado e depositado na conta-corrente 01288-81, agência 1441 do Banco Bamerindus em Vitória da Conquista (BA). Esta conta pertence a Maria Vidal Silva, em pregada doméstica do deputado João Alves”.

Apesar dos diversos maus exemplos que o livro reúne, o autor tem uma visão otimista do assunto. Praça argumenta que enquanto boa parte dos analistas criticam a falta de uma refor-ma política no País, é possível perceber mudanças institucionais

nas últimas décadas que, apesar de não acabar, dificultaram a atividade dos agentes corruptos.

“Para além da agenda das grandes reformas, há impor-tantes decisões sendo tomadas para definir os limites da inter-ferência parlamentar no Orçamento e suas possíveis ligações com corrupção”, anota.

O professor também explica no livro os três pilares que sustentam o Orçamento no Brasil. O primeiro é a dimensão autorizativa do orçamento, que permite grande autonomia ao presidente na hora de definir quando vai fazer os gastos X e Y.

O segundo é a centralização do processo na Comissão Mista de Orçamento, cujo relator-geral perdeu poderes após a CPI dos “anões do orçamento”, mas continua uma figura central na definição do orçamento brasileiro.

Finalmente, o terceiro pilar é a (relativa) liberdade para os parlamentares colocarem emendas individuais e a (enorme) liberdade para os mesmos inserirem emendas coletivas no orçamento.

Lançamento do novo livro do Prof. Sérgio Praça

Cultura

fotos: cortesia Sérgio Praça

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Lançamento do periódico acadêmico semestral MISES

O Instituto Ludwig von Mises Brasil fez o lançamento em outubro do primeiro número de seu periódico acadêmico semestral, “MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Di-reito e Economia”. Trata-se de importante fonte sobre economia da Escola Austríaca e do pensamento liberal.

O coquetel de lançamento contou com a presença de Ubiratan Jorge lorio, Fabio Barbieri, Alex Catharino e Hélio Beltrão, além de grande público.

Na ocasião também foram lançadas as obras “Economia do Intervencionismo”, de Fábio Barbieri, e “Dez Lições Fundamentais de Economia Austríaca”, de Ubiratan Jorge lorio.

O coquetel aconteceu no dia 26 de outubro na Livraria Cultura do Rio de Janeiro e em 28 de outubro na Livraria da Vila, em São Paulo.

Ubiratan Jorge Iorio (economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor Associado da UERJ) e Helio Beltrão (presidente do Instituto Mises Brasil - IMB)

Instituto Ludwig von Mises Brasil

O Instituto Ludwig von Mises - Brasil (“IMB”) é uma as-sociação voltada à produção e à disseminação de estudos econômicos e de ciências sociais que promovam os princípios de livre mercado e de uma sociedade livre.

Seu foco está em promover os ensinamentos da escola econômica conhecida como Escola Austríaca, restaurando o crucial papel da teoria, tanto nas ciências econômicas quanto nas ciências sociais, em contraposição ao empirismo. Também dissemina as ideias liberais clássicas, defendendo a economia de mercado, a propriedade privada, e a paz nas relações in-terpessoais, e opondo-se às intervenções estatais nos mercados e na sociedade.

O Instituto possui grande acervo de artigos dos mais vari-ados e grande sortimento de livros digitais para download gratuito. Também se pode adquirir as versões impressas na loja online.

É uma fonte de informações muito útil e interessante para expandir os horizontes intelectuais e conhecer conceitos e ideias pouco divulgadas no Brasil com profundidade e seriedade.

http://www.mises.org.br

Cultura - Externos

Dica Culturalfotos: cortesia IMB

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26 de novembro– 30 de novembroVI Simpósio de Iniciação Científica da UFABCSanto André - Bloco A - Térreo e 1º AndarEvento realizado pela PROPES - [email protected]

29 de NovembroX Conferência de Segurança Internacional do Forte de Copacabanahttp://www.cebri.org/evento/x-conferencia-de-se-guranca-internacional

3 de DezembroMESA-REDONDA: Iniciativas Multilaterais de Comércio no Hemisfério Americanohttp://www.cebri.org/evento/iniciativas-multilat-erais-de-comercio

Agenda4 de DezembroCONFERÊNCIA: Cadeias Globais e Convergência Regulatória: saúde, indústria brasileira e EMHOhttp://www.cebri.org/evento/cadeiasglobais

4 de Dezembro Seminário Acadêmico “The Effects of Savings on Risk Attitudes and Intertemporal Choices”Ministrante: Leandro S. Carvalho - University of Southern Californiahttp://eesp.fgv.br/eventos/seminario-academi-co-leandro

09 e 10 de dezembroIII SIMPHILO - Simpósio sobre Ensino de Filosofia “FILOSOFIA e ENSINO DE FILOSOFIA: PERSPEC-TIVAS EM DEBATE”Salão Nobre da Faculdade de Educação - Unicamphttp://www.fe.unicamp.br./simphilo/index.html

201426 de janeiro a 1º de fevereiro XXX Encontro Nacional de Estudantes de Filosofia “REFLEXÃO ACERCA DA IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA NOS RINCÕES DO BRASIL”http://enefil2014.ufmt.org

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