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HUMANIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO MUNDIAL: A Proposta de Fritjof Capra para o Processo Civilizatório Corrente Samuel Potma Garcias Gonçalves (UTFPR) [email protected] Prof. Msc. Ariel Orlei Michalowski (UTFPR) [email protected] Prof. Dr. Antônio Augusto de Paula Xavier (UTFPR) [email protected] Prof. Dr. Carlos Cezar Stadler (UTFPR) [email protected] Resumo O artigo trata das propostas de humanização do desenvolvimento econômico mundial, do físico e cientista de sistemas, Fritjof Capra, autor de diversos best-sellers que incluem O Tao da Física, O Ponto de Mutação, A Teia da Vida e Conexões Ocultas. Neste último, expõem suas idéias e teorias de que trata este artigo. O objetivo do artigo é apresentar o pensamento sistêmico do autor, que, em sua obra, trata de uma visão unificada da vida, da mente e da sociedade. Apresenta como conclusões as práticas sustentáveis na energia e agricultura como exemplo da revolução de ecodesign que já está ocorrendo neste momento. As tecnologias agora disponíveis fornecem fortes evidências que a transição para um futuro sustentável não é mais um problema técnico ou conceitual. È um problema de valores e desejo político. Palavras-chave: Humanização; Desenvolvimento sustentável; Modelo econômico global. 1.INTRODUÇÃO O mundo tem convivido com ameaças de catástrofes provocadas pelo próprio homem em razão da evolução do seu conhecimento científico e tecnológico, que se renovam diariamente pelo que chamamos de evolução da humanidade. Na época da guerra fria, convivemos com o medo da destruição total do nosso planeta por ameaça de uma guerra nuclear que, conforme Capra (2002), mesmo não tendo acontecido, afetou todos os aspectos de nossa vida – a saúde, o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações sociais, da economia, tecnologia e política. Capra (2005b) apresenta uma profunda mudança na visão de mundo que foi oportunizada pela revolução conceitual na física – uma mudança da visão cartesiana e newtoniana para uma nova visão holística e ecológica. Sobre os problemas humanos recentes, Capra (2002), afirma que o ecossistema global e a futura evolução da vida na terra estão correndo sério perigo e podem muito bem resultar num desastre ecológico em grande escala. A superpopulação e a tecnologia industrial têm contribuído de várias maneiras para uma grave deterioração do meio ambiente natural, do qual dependemos completamente.

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HUMANIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO MUNDIAL: A Proposta de Fritjof Capra para o Processo Civilizatório Corrente

Samuel Potma Garcias Gonçalves (UTFPR) [email protected] Prof. Msc. Ariel Orlei Michalowski (UTFPR) [email protected]

Prof. Dr. Antônio Augusto de Paula Xavier (UTFPR) [email protected] Prof. Dr. Carlos Cezar Stadler (UTFPR) [email protected]

Resumo O artigo trata das propostas de humanização do desenvolvimento econômico mundial, do físico e cientista de sistemas, Fritjof Capra, autor de diversos best-sellers que incluem O Tao da Física, O Ponto de Mutação, A Teia da Vida e Conexões Ocultas. Neste último, expõem suas idéias e teorias de que trata este artigo. O objetivo do artigo é apresentar o pensamento sistêmico do autor, que, em sua obra, trata de uma visão unificada da vida, da mente e da sociedade. Apresenta como conclusões as práticas sustentáveis na energia e agricultura como exemplo da revolução de ecodesign que já está ocorrendo neste momento. As tecnologias agora disponíveis fornecem fortes evidências que a transição para um futuro sustentável não é mais um problema técnico ou conceitual. È um problema de valores e desejo político. Palavras-chave: Humanização; Desenvolvimento sustentável; Modelo econômico global.

1.INTRODUÇÃO

O mundo tem convivido com ameaças de catástrofes provocadas pelo próprio homem em razão da evolução do seu conhecimento científico e tecnológico, que se renovam diariamente pelo que chamamos de evolução da humanidade.

Na época da guerra fria, convivemos com o medo da destruição total do nosso planeta por ameaça de uma guerra nuclear que, conforme Capra (2002), mesmo não tendo acontecido, afetou todos os aspectos de nossa vida – a saúde, o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações sociais, da economia, tecnologia e política.

Capra (2005b) apresenta uma profunda mudança na visão de mundo que foi oportunizada pela revolução conceitual na física – uma mudança da visão cartesiana e newtoniana para uma nova visão holística e ecológica.

Sobre os problemas humanos recentes, Capra (2002), afirma que o ecossistema global e a futura evolução da vida na terra estão correndo sério perigo e podem muito bem resultar num desastre ecológico em grande escala. A superpopulação e a tecnologia industrial têm contribuído de várias maneiras para uma grave deterioração do meio ambiente natural, do qual dependemos completamente.

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Nas pesquisas subseqüentes, envolveu-se numa exploração sistemática do mesmo tema central, só que agora, além do campo da física, com uma nova visão da realidade e as implicações sociais desta transformação cultural.

Na seqüência, Capra (2005a) percebe que seus temas centrais maiores: saúde, educação, direitos humanos, justiça social, poder político, proteção ao meio-ambiente, modelos de gestão empresarial e a própria economia tem relação com os sistemas vivos, os seres humanos e seus ecossistemas e, principalmente, com os sistemas sociais.

O foco principal de sua obra é a educação e o ativismo ambiental para ajudar a construir e manter comunidades sustentáveis – comunidades onde se podem satisfazer as necessidades e aspirações sem prejudicar as gerações futuras. Para construir estas comunidades, deve-se aprender lições valiosas a partir do estudo dos ecossistemas os quais são comunidades sustentáveis de plantas, animais e microorganismos. Assim, a questão da sustentabilidade ecológica conduz a outra questão: como os ecossistemas funcionam e como se organizam para sustentar seu processo de vida? E esta questão, em seu turno, leva a uma outra mais genérica: como os sistemas vivos – organismos, ecossistemas e sistemas sociais – se organizam a si próprios? Em outras palavras, qual é a natureza da vida? Este é o foco de trabalho teórico dele.

O objetivo do artigo é apresentar o pensamento sistêmico de Fritjof Capra, que, em sua obra, trata de uma visão unificada da vida, da mente e da sociedade e apresenta propostas claras para a humanização do desenvolvimento econômico mundial.

2. O CONCEITO DE REDES

2.1 METABOLISMO - A ESSÊNCIA DA VIDA

Para tratar da ciência para uma vida sustentável, Capra (2005a), parte de uma pergunta muito antiga - o que é a vida? Qual a diferença entre uma pedra e uma planta, um animal e um microorganismo? Para entender a natureza da vida é preciso muito mais que entender DNA, proteínas e outras estruturas moleculares, que são os blocos construtores dos organismos vivos, porque estas estruturas também estão presentes em organismos mortos, por exemplo, em objetos mortos como: pedaços de madeiras mortos e ossos.

Para o autor, a diferença entre um organismo vivo e um morto assenta-se no processo básico da vida – o metabolismo que significa o fluxo ininterrupto de energia e matéria através de uma rede de reações químicas, que permite a um organismo vivo gerar, reparar e perpetuar a si mesmo continuamente.

A compreensão do metabolismo inclui dois aspectos básicos: Um é o fluxo contínuo de energia e matéria. Todos os sistemas vivos necessitam de energia e alimento para se sustentar, e todos os sistemas vivos produzem sobras. Isto é parte do metabolismo. Mas a vida evolui de tal forma que os organismos formam comunidades, os ecossistemas, onde a sobra de uma espécie é alimento para outra, como na figura 1, de modo que a matéria circula continuamente através do ecossistema. (CAPRA, 2004).

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FONTE: CAPRA ( 2004, p. 148)

FIGURA 1 – CADEIA ALIMENTAR TÍPICA

2.2 REDES VIVAS O segundo aspecto do metabolismo, segundo o autor, é caracterizado pela rede de reações químicas que processam os alimentos e forma a base bioquímica de todas as estruturas biológicas, suas funções e comportamentos. A ênfase aqui esta na “rede”.

Uma das mais importantes percepções da compreensão sistêmica sobre a vida assenta-se no reconhecimento de que as redes constituem-se no padrão básico de organização de todos os sistemas vivos. Os ecossistemas devem ser entendidos em termos de teias alimentares, isto é, rede de organismos; organismos são rede de células, órgãos e sistemas de órgãos; e as células são redes de moléculas. A rede é padrão comum a toda vida. Onde quer que se veja vida, vê-se redes, como na figura 2. (CAPRA, 2004).

FONTE: CAPRA (2002, p.275)

FIGURA 2 – ARVORE SISTÊMICA REPRESENTANDO UMA REDE DE UM ORGANISMO VIVO

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É importante notar que estas redes vivas não são estruturas materiais, como uma rede de pesca ou uma teia de aranha. Elas são redes funcionais, redes de relação entre vários processos. Numa célula, por exemplo, estes processos são reações químicas entre as moléculas da célula. Numa cadeia alimentar, os processos são de alimentação, de organismos vivos comendo um ao outro. Numa rede social, são processos de comunicação. Em todos os casos, a rede é um padrão de relações não material.

Um exame mais detalhado destas redes vivas mostra que a característica básica delas é que são auto-geradoras. Numa célula, por exemplo, todas as estruturas biológicas – proteínas, enzimas, o DNA, e a membrana celular – são continuamente produzidas, reparadas e regeneradas pela rede celular. Apanhando nutrientes do mundo exterior, a célula se sustenta através de uma rede de reações químicas que acontecem dentro dos seus limites e produz todos os componentes da célula, incluindo aqueles que formam o próprio limite. A função de cada componente nesta rede é transformar ou substituir outros componentes, de forma que toda a cadeia continue a se reproduzir continuamente (CAPRA, 2005a).

Similarmente no nível dos organismos multicelulares, as células estão continuamente sendo regeneradas e recicladas pela rede metabólica do organismo. As redes vivas criam e recriam continuamente a si mesmas através da transformação ou substituição de seus componentes. Desta forma elas sofrem mudanças estruturais contínuas enquanto preservam seus padrões - teias de organização.

2.3 REDES SOCIAIS

Mudando-se dos sistemas biológicos para os sociais, Capra (2005a, p. 94) afirma que “a vida no reino social pode também ser entendida em termos de rede, mas aqui não se lida com reações químicas, lida-se com comunicação”. As redes vivas nas sociedades humanas são redes de comunicação. Assim como as redes biológicas, elas são autogeradoras, mas o que elas geram é, na sua grande totalidade, não-material. Cada comunicação cria pensamentos e significados, que dá oportunidade para mais comunicação e, assim, toda a rede, gera a si própria.

Na medida em que a comunicação prossegue numa sociedade em rede, criam se múltiplos círculos de feedbacks os quais, eventualmente, produzem e partilham um sistema de crenças, explicações, e valores – “um contexto comum de significados, também conhecido como cultura, o qual é continuamente sustentado por mais comunicação” (CAPRA, 2005a, p. 103).

Através desta cultura os indivíduos adquirem identidade como membros de uma rede social e desta forma a rede gera seus próprios limites. Não se trata de um limite físico, mas um limite de expectativas, de confiabilidade e lealdade, continuamente mantido e renegociado pela rede de comunicação.

A cultura, destarte, nasce da rede de comunicação entre os indivíduos e produz obrigações sobre suas atitudes. Em outras palavras, as regras do comportamento que obrigam as ações dos indivíduos são produzidas e continuamente reforçadas por sua própria “rede de comunicação”. (CAPRA, 2005a, p.105).

Para o autor, a rede social também produz um corpo de conhecimento partilhado – incluindo informação, idéias e saberes que formata as idiossincrasias da cultura em adição

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aos seus valores e crenças. Contudo, os valores da cultura e crenças também afetam seu próprio corpo de conhecimentos. Eles são partes da lente através da qual é visto o mundo.

As redes biológicas operam no reino da matéria, as redes sociais no reino do significado. Os sistemas biológicos trocam moléculas em suas redes de reações químicas; os sistemas sociais trocam informações e idéias em suas redes de comunicação.

3. APLICAÇÃO DO CONCEITO DE REDES NA FORMAÇÃO DA SOCIEDADE

A análise das similaridades e das diferenças entre as redes biológica e social é central para a síntese da nova compreensão científica da vida, da mente e da sociedade, como também para desenvolver uma maneira de tratar coerente e sistêmica de algumas grandes questões da sociedade.

À medida que este novo século segue em frente, conforme Capra (2005a), percebem-se dois desenvolvimentos que terão fortes impactos sobre o bem-estar e a forma de vida da humanidade. Ambos têm a ver com as redes e envolvem tecnologias radicalmente novas. Um deles é a ascensão do capitalismo global; a outra é a criação de comunidades sustentáveis baseadas na prática de uma perspectiva ecológica. Onde quer que o capitalismo global esteja ligado à rede eletrônica de fluxo informacional e financeiro, a perspectiva ecológica está conectada à rede ecológica de fluxo de energia e material. O objetivo da economia global, em sua forma atual, é maximizar a riqueza e o poder das elites; o objetivo das perspectivas ecológicas é maximizar a sustentabilidade da teia da vida.

Durante as ultimas três décadas a revolução da tecnologia da informação fez surgir um novo tipo de capitalismo que é profundamente diferente daquele da revolução industrial ou daquele que emergiu após a segunda guerra. Tem três características fundamentais. O centro de suas atividades econômicas é global, a principal fonte da sua produtividade e competitividade é a inovação, geração de conhecimento e processamento de informação e está estruturado amplamente em redes de fluxo financeiro. Este novo capitalismo global também é conhecido como nova economia ou simplesmente globalização (CAPRA, 2005a).

Na nova economia o capital opera em tempo real movendo-se rapidamente de uma opção para outra numa busca incessante de oportunidades de investimento. Os movimentos de cassino global operado eletronicamente não seguem nenhuma lógica de mercado. Os mercados são continuamente manipulados e controlados por estratégias de investimento elaborados por computadores, percepções subjetivas de analistas influentes, de eventos políticos em qualquer parte do mundo, principalmente, por turbulências inesperadas causadas por interações complexas do fluxo de capital. (CAPRA, 2005a).

O impacto da nova economia sobre o bem-estar e humano tem sido altamente negativo. Tem enriquecido uma elite global de especuladores financeiros, empreendedores e profissionais high-tech. No topo, tem havido acumulação de riquezas sem precedentes. Mas na sua totalidade as suas conseqüências sociais e ambientais têm sido um desastre.

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4. A ASCENÇÃO DO CAPITALISMO GLOBAL

A ascensão do capitalismo global tem sido acompanhada pela ascensão e polarização das desigualdades sociais dentro e fora dos países, em particular a pobreza, e as desigualdades sociais têm aumentado através do processo de exclusão social, o qual é uma conseqüência da estrutura em rede da nova economia. “À medida que o fluxo capital e a informação interligam redes de escala mundial, eles excluem destas mesmas redes todas as populações e territórios que não têm valor ou interesses para suas buscas de ganho financeiro” (CAPRA, 2005a, p. 147). Como resultado, certos segmentos da sociedade, áreas das cidades, regiões e mesmo países inteiros tornam-se economicamente irrelevantes.

Assim, um novo segmento empobrecido da humanidade emerge em volta do mundo como conseqüência direta da globalização. Isto compreende grandes áreas dos planetas como as áreas abaixo do Saara Africano, as áreas rurais da Ásia e da América Latina. Mas a geografia da exclusão social também inclui porções de todos os países e de todas as cidades do mundo.

Segundo Capra (2005a), de acordo com a doutrina da economia da globalização conhecida como neoliberalismo, os acordos de livre comércio internacional impostos pela Organização Mundial do Comércio – OMC - sobre seus países membros aumentarão o comércio global. Isto criará uma expansão econômica global; e o crescimento econômico global diminuirá a pobreza, porque seus benefícios eventualmente “fluirão abaixo” para todos .

Esta afirmação está fundamentalmente errada, de acordo com o autor. O capitalismo global não mitiga a pobreza e a exclusão social, ao contrário exacerba-os. O neoliberalismo tem estado cego para este efeito porque os economistas das corporações têm tradicionalmente excluído dos seus modelos os custos sociais da atividade econômica. Similarmente, os economistas mais convencionais têm ignorado os custos ambientais da nova economia - o aumento e a aceleração da destruição ambiental global é tão grave, se não mais do que seu impacto social.

Uma das crenças do neoliberalismo é que os países pobres deveriam concentrar na produção de um pequeno e especial grupo de mercadorias para exportação com intuito de obter capital estrangeiro e deveriam importar grande parte das demais commodities. Esta ênfase na exportação tem levado a um rápido esgotamento dos recursos naturais necessários para produzir safras a serem exportadas país após país – o desvio de água fresca para interior de fazendas; o foco sobre agricultura de consumo intensivo de água, tal como cana-de-açúcar, resulta em leitos de rios secos, a conversão de terra agricultável de boa qualidade em plantações de safra para fazer dinheiro, e a migração forçada de um grande número de agricultores de suas terras. Por todo mundo há incontáveis exemplos de como a globalização econômica está piorando a destruição ambiental (CAPRA, 2005a).

Desde que o valor dominante no capitalismo global é ganhar dinheiro, seus representantes procuram eliminar legislações ambientais valendo-se da bandeira do livre comércio onde quer que possam, a não ser que estas legislações não interfiram com seus lucros. Assim, a nova economia causa destruição ambiental não somente aumentando o impacto das suas operações sobre os ecossistemas do mundo, mas também eliminando leis de proteção ambiental nacional país após país. Em outras palavras, a destruição ambiental não é apenas um efeito colateral, mas é também uma parte intestinal do capitalismo global.

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5. CONCEITOS DE DESENVOLVIMENTO

5.1 DESENVOLVIMENTO BIOLÓGICO

O conceito de desenvolvimento, como é aplicado hoje, tem dois significados. Para os biólogos desenvolvimento é uma característica fundamental para toda a vida. Sistemas vivos – organismos, ecossistemas ou sistemas sociais – desenvolvem-se, crescem, amadurecem e criam novas formas e novos padrões de comportamento. Nas ciências da vida também ensinam-se que o desenvolvimento de um sistema vivo, tipicamente inclui um período de rápido crescimento físico. Este é um período pertinente a um organismo jovem. Nos ecossistemas, para Capra (2005a), esta é a fase inicial, caracterizada pela expansão rápida e pela colonização do território. Este rápido crescimento é sempre seguido por um crescimento mais lento, pela maturação, e, finalmente, pelo declínio e decadência ou, nos ecossistemas, chamado de sucessão.

Quando estuda-se a natureza; pode-se ver muito claramente que crescimento indefinido e irrestrito é insustentável. Por exemplo, há rápido crescimento com células cancerosas, mas não se sustenta porque as células morrem quando o organismo hospedeiro morre. Vê-se que, embora crescimento seja uma característica fundamental da vida, crescimento indefinido não é sustentável (CAPRA, 2005a). Mas é importante notar que mesmo sem expansão física, pode haver desenvolvimento porque pode haver aprendizado e maturação ocorrendo sem crescimento físico.

5.2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

O segundo significado do desenvolvimento é aquele usado por economistas e políticos, e é muito diferente. A primeira coisa percebida é o diferente uso gramatical do verbo “desenvolver”. Nas ciências da vida é usado como um verbo intransitivo: todos os sistemas vivos desenvolvem-se; organismos vivos desenvolvem se; pessoas desenvolvem-se. Há um senso de desdobramento, de percepção do nosso potencial.

Conforme Capra (2005a), economistas, por contraste, usam o verbo “desenvolver” como verbo transitivo”: “pessoas desenvolvem as coisas”. Há uma categoria completa de pessoas de negócios que se proclamam desenvolvedores e saem por aí desenvolvendo coisas. Desenvolvem propriedades - sítios, terras, edifícios, etc. O conceito de Southern – sulista - ou desenvolvimento do terceiro mundo apóia-se inconsistentemente entre esses dois significados. Primeiro, é um conceito muito recente. Antes da segunda guerra mundial, ninguém teria pensado em desenvolvimento como uma categoria econômica. Mas após a segunda guerra mundial foi quase sempre usado num sentido transitivo. As pessoas sairiam e “desenvolveriam o terceiro mundo “ sem qualquer percepção das relações de poder que estão envolvidas nesta sentença, as quais mostram a mais extraordinária falta de respeito. Pessoas com poder saindo por aí, para desenvolver outras pessoas.

O outro fenômeno extraordinário é a categorização do mundo inteiro numa única dimensão. Países e pessoas são “desenvolvidos” ou eles estão “se desenvolvendo” ou eles são “subdesenvolvidos”.

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A gigantesca diversidade da existência humana agora está concentrada numa simples dimensão chamada “desenvolvimento” a qual é freqüentemente medida simplesmente em receita per capita. Quando se estuda detalhadamente o conceito de desenvolvimento econômico, pode-se observar três características básicas:

1. Desenvolvimento é um conceito nortista. A tabela – “desenvolvido / em desenvolvimento / subdesenvolvido” - está arquitetado conforme um critério nortista. Os países que são desenvolvidos são aqueles que adotaram o estilo de vida industrial do hemisfério norte. Assim, desenvolvimento é um conceito profundamente monocultural. Ser um país em desenvolvimento significa obter sucesso nas suas aspirações de se tornar como os do Norte.

2. Desenvolvimento significa desenvolvimento econômico. Não há outras aspirações sociais ou valores culturais permitidos a entrar no caminho deste desenvolvimento. Se puderem coexistir com o desenvolvimento, OK; se não puderem, serão varridos.

3. O desenvolvimento econômico é um processo de cima para baixo, descendente. Decisão e controle encontram-se firmemente na mão de especialistas, administradores do capital internacional, burocratas de governos, do banco mundial, do FMI, etc. (CAPRA, 2005a).

6. A PROPOSTA DE HUMANIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ATRAVÉS DA ENERGIA E DA AGRICULTURA ORGÂNICA

6.1 HUMANIZAÇÃO

Humanizar o desenvolvimento do mundo significa a introdução de valores da dignidade humana e da sustentabilidade ecológica para dentro do processo de desenvolvimento. Nesta visão, o processo de desenvolvimento não é puramente um processo econômico. É também um processo social, ecológico e ético – um processo multidimensional e sistêmico. Os atores primários do desenvolvimento são instituições da sociedade civil, baseadas em parentescos, na vizinhança ou em interesses comuns.

Porque as pessoas são diferentes e os lugares onde vivem são diferentes, nós podemos esperar que o desenvolvimento produza diversidade cultural de todos os tipos. Para Capra (2005a), o processo por onde isso ocorrerá será muito diferente do atual sistema de comércio global. Será baseado na mobilização de recursos locais para satisfazer necessidades locais e será alimentado pela dignidade humana e pela sustentabilidade ecológica.

6.2 A BIOTECNOLOGIA NA AGRICULTURA

Na agricultura, uma coalizão em escala mundial de ONGs foi formada para resistir a apressada e descuidada introdução de transgênicos e para promover a prática de uma agricultura sustentável.

À medida que a lacuna entre os anúncios da indústria biotécnica e as realidades da alimentação biotecnológica tornam-se ainda mais aparentes nos últimos anos; a resistência

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contra os alimentos transgênicos, segundo Capra (2005a), cresceu e transformou-se num movimento político mundial.

Os anúncios da biotecnologia, para Capra, desenham um novo mundo no qual a agricultura não mais dependerá de químicos e assim não mais danificará o meio ambiente. A alimentação será a melhor e mais segura do que foi antes, a fome mundial desaparecerá. Os que foram ativistas ambientais por muitas décadas sentem um forte pressentimento de dejá vu quando lêem ou escutam tais projeções otimistas, mas totalmente insipiente do futuro. Relembra-se vividamente que uma linguagem similar foi usada pelas mesmas corporações agroquímicas quando elas promoveram uma nova era de químicos para agricultura alardeada como “Revolução Verde” décadas atrás.

Desde aquela época, o lado escuro da agricultura tornou-se dolorosamente evidente. Hoje é bem sabido que aquela revolução não ajudou nem agricultores, nem a terra, nem consumidores. Os efeitos a longo prazo do uso excessivo da química na agricultura têm sido um desastre para a saúde do solo e para a saúde humana, para as nossa relações sociais e para todo ambiente natural sobre o qual nosso bem estar e futura sobrevivência dependem.

Os proponentes da biotecnologia freqüentemente argumentam que as sementes de transgênicos são cruciais para alimentar o mundo. Entretanto, as agências de desenvolvimento sabem há muito tempo que as raízes da causa da fome em volta do mundo não estão relacionadas com a produção de alimentos. Elas são pobreza, desigualdade e falta de acesso a alimento e terra. Se essas causas estruturais não forem abordadas, a fome persistirá pouco importando que tecnologia será usada.

A verdade simples é que a maioria das inovações relativas a alimentos biotecnológicos tem sido orientada pelo lucro não pela necessidade. Para Capra (2005a), por exemplo, grãos de soja sofreram intervenção da engenharia da Monsanto para resistir especificamente ao herbicida Roundup produzido pela própria empresa de forma a aumentar as vendas daquele produto. A Monsanto também produziu sementes de algodão contendo um gene de inseticida, objetivando aumentar dramaticamente as vendas de semente. Tecnologias como estas aumentam a dependência dos agricultores sobre produtos que são patenteados e protegidos por “direitos de propriedade intelectual”, o que faz as velhas práticas da agricultura de reprodução, estocagem e divisão de sementes uma prática ilegal.

Há fortes indicações que uso descontrolado de colheitas trangênicas não irá apenas falhar na solução do problema da fome, mas, ao contrário, poderá perpetuá-la e agravá-la. Se sementes trangênicas continuarem a ser desenvolvidas e manipuladas exclusivamente por corporações privadas, agricultores pobres não poderão adquirí-las e se a indústria biotécnica continuar a proteger seus produtos através de patentes que impeçam de estocar e comercializar sementes, os pobres se tornarão no futuro dependentes e marginalizados.

Os riscos da atual biotecnologia na agricultura são uma conseqüência direta da falta de uma perspectiva ecológica dentro da indústria biotécnica. Modificações genéticas de colheitas são feitas com uma pressa inacreditável, e transgênicos são plantados maciçamente sem testes apropriados de curto e longo prazo dos impactos sobre os ecossistemas e sobre a saúde humana. Estas colheitas de transgênicos não testadas e potencialmente perigosas espalham-se por todo planeta criando riscos irreversíveis; infelizmente estes riscos são freqüentemente colocados de lado pelos geneticistas cujo conhecimento e treinamento ecológico é mínimo. (CAPRA, 2005a).

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Nas suas tentativas de patentear, explorar e monopolizar todos os aspectos da biotecnologia, as grandes corporações agroquímicas têm comprado semente e empresas biotécnicas e têm se reestilizado como “corporações da ciência da vida”. As fronteiras tradicionais entre as indústrias farmacêuticas, agroquímicas e biotecnológicas estão desaparecendo rapidamente na medida que se fundem para formar conglomerados gigantescos sob a bandeira da ciência da vida.

O que todas estas chamadas “corporações da ciência da vida” têm em comum é o reduzido conhecimento da vida baseado numa crença errada que a natureza pode estar sujeita ao controle humano. Ignoram a auto-geração e a auto-organização dinâmica, que é a essência da vida, e ao invés disso redefinem organismos vivos como máquinas que podem ser manuseadas de fora, patenteadas e vendidas como recursos industriais. Assim, segundo o autor, a própria vida tornou-se a última commodity.

Em anos recentes, os problemas de saúde causados pela engenharia genética assim como seus problemas sociais, ecológicos e éticos tornaram-se todos muito aparentes, e há agora um movimento global crescente muito rápido que rejeita esta forma de tecnologia.

6.3 UMA ALTERNATIVA ECOLÓGICA

Para Capra (2005a), felizmente há uma alternativa ecologicamente aprovada e muito bem documentada para os transgênicos, nova, que está lentamente tomando conta da agricultura mundial numa revolução silenciosa. É conhecida como “agricultura orgânica”, ”agricultura sustentável” ou “agroecologia”. Quando os agricultores plantam safras organicamente, eles usam tecnologia baseada no conhecimento ecológico e não no químico ou na engenharia genética para aumentar seus campos, o controle das pestes e promover fertilidade no solo.

Segundo o autor, quando o solo é cultivado organicamente, seu conteúdo de carbono aumenta, e assim a agricultura orgânica contribui para reduzir o aquecimento global. De fato, tem-se estimado que aumentando o conteúdo de carbono nos solos empobrecidos do planeta a níveis plausíveis absorveria quantidade de carbono equivalente àquelas emitidas pelas atividades humanas.

O renascimento da agricultura orgânica é um fenômeno mundial. Agricultores em mais de 130 países produzem atualmente alimento orgânico para comercializar; a área total que está sendo trabalhada de forma sustentável é estimada em mais de sete milhões de hectares e o mercado da alimento orgânico tem crescido numa estimativa de U$ 22 bilhões ao ano. (CAPRA, 2005a).

Há evidência abundante que agricultura orgânica é uma alternativa ecológica saudável à química e à tecnologia genética da indústria da agricultura. A agricultura orgânica aumenta a produtividade de forma viável economicamente, socialmente e é ambientalmente benigna.

6.4 ENERGIA SOLAR

Numa sociedade sustentável, todas as atividades humanas, assim como os processos industriais devem utilizar energia solar exatamente como fazem os ecossistemas. Em virtude do papel crítico que o carbono tem sobre as alterações globais, fica evidente que o

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uso de combustíveis sólidos é insustentável a longo prazo. Portanto, segundo Capra (2005a), mudar para uma sociedade sustentável inclui mudar o modelo energético baseado em combustíveis fóssil – principal fonte de energia da Era Industrial – para energia solar.

O sol tem fornecido energia a este planeta por bilhões de anos; virtualmente todas as formas de energia – madeira, carvão, petróleo, gás natural, vento, hidroenergia, e assim por diante – são formas de energia solar. Entretanto, nem todas são renováveis. No debate atual sobre energia, o termo “energia solar” é aplicado mais especificamente para referir-se a formas de energia que vêm de fontes inesgotáveis ou renováveis – a luz do sol para aquecimento solar e eletricidade fotovoltaica, vento e hidroenergia e biomassa (matéria orgânica). A tecnologia solar mais eficiente envolve equipamentos pequenos a serem usados pelas comunidades locais e que geram uma ampla variedade de postos de trabalho. Portanto, o uso da energia solar reduz a poluição ao mesmo tempo em que aumenta a demanda de trabalho. Não obstante, a mudança para energia solar beneficiará especificamente as pessoas que vivem no Sul, onde a luz solar é abundante. (CAPRA, 2005a).

Nas décadas anteriores, depositava-se muita esperança que energia nuclear pudesse ser o combustível ideal para substituir o carvão e o óleo, mas logo tornou-se aparente que ela trazia enormes riscos e custos e que não era uma solução viável. Os riscos começam com a contaminação das pessoas e do meio-ambiente com substâncias radioativas causadoras de câncer, durante todos os estágios do ciclo deste combustível. Juntando-se a isso, há a emissão inevitável de radiação em acidentes nucleares e mesmo durante operações rotineiras de manutenção dos equipamentos; há o insolúvel problema de segurança na estocagem do resíduo do material radioativo; na ameaça de terrorismo nuclear e a possibilidade de perda de direitos civis básicos numa “economia totalitária do plutônio” Todos estes riscos combinados aumentam o custo de operação de estações de geração de energia nuclear a um nível que as tornam altamente não-competitivas. (CAPRA, 2005a).

Hoje, segundo o autor, a energia nuclear é a fonte energética de menor crescimento, caindo para um mero percentual de crescimento em 1996, sem nenhuma perspectiva de melhoramento.

Para ele, a energia solar, por oposição, é o setor que mais cresce desde a última década. O uso de células solares, isto é, células fotovoltaicas que convertem a luz solar em eletricidade, cresceu perto de 17% ao ano nos anos 90. Uma estimativa mostra que mais de meio milhão de lares no mundo, a maioria em vilarejos remotos que não estão ligados à energia elétrica, agora obtém energia de células solares. A recente invenção de telhas solares no Japão promete levar uma nova explosão na eletricidade fotovoltaica. Estas placas-telhas são capazes de transformar os telhados em pequenas estações geradoras de energia e que muito provavelmente revolucionarão a geração de energia.

A utilização de energia eólica tem crescido ainda mais espetacularmente. Durante a década de 90 cresceu perto de 24% e em 2001 a capacidade de geração de energia eólica cresceu espantosamente para próximo a 31%. Desde 1995 esta energia cresceu mais de cinco vezes enquanto o carvão diminuiu 8%. A energia eólica tem estabilidade de preços a longo-prazo e independência energética.

Segundo Capra, (2005a), a capacidade total de geração de energia eólica no mundo é agora de 23.000 megawatts, o suficiente para satisfazer as necessidade de eletricidade de 23 milhões de pessoas, quase dois terços da população do Canadá. Nas próximas décadas a

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Europa sozinha planeja aumentar em três vezes este valor. Mesmo com este dramático crescimento, a aplicação da energia eólica está ainda no começo.

Outra fonte valiosa de energia e especialmente de combustível líquido é a biomassa, em particular o álcool destilado de grãos ou frutas. O problema é embora seja uma fonte renovável, o solo onde cresce não o é. Podemos certamente esperar produções significativas de álcool de certas safras, mas um programa em grande escala para isso, seguramente destruiria o solo com a mesma velocidade que estamos agora destruindo outros recursos naturais.

Entretanto, a boa notícia é que na agricultura e no reflorestamento, conforme Capra (2005a), sempre se produz sobra, a grande maioria pode ser coletada e convertida em energia. Por exemplo, uma simples estação de colheitas no estado de Nebraska nos Estados Unidos produz uma quantidade de grão de baixa qualidade que não pode ser comercializado. Tal “resíduo” poderia produzir etanol suficiente para movimentar 10% dos carros do estado por um ano e ainda mantendo a atual disponibilidade de eficiência energética. Com carros igualmente eficientes, as sobras das plantações nos campos da França ou Dinamarca movimentariam a metade da frota daqueles países por um ano. Outras sobras da agricultura – como cascas, sementes de frutas, óleos vegetais não digeríveis, restos de algodão, etc – poderiam ser usados igualmente. Tudo isso junto, esta riqueza oriunda da agricultura e do tratamento das florestas, poderiam, provavelmente, fornecer combustível líquido de forma sustentável para o setor de transporte. Estes exemplos, aos quais outros tantos poderiam se somar, ensinam-nos duas lições. O primeiro é que um programa eficiente de energia renovável deve ser diversificado e adaptado ás condições locais, como na figura 3. Sempre terá que ser uma combinação de fontes locais de energia renovável – energia solar, eólica, biomassa, hidroenergia, etc.

FONTE: CAPRA ( 2005A, P. 244)

FIGURA 3 – AGRUPAMENTO ECOLÓGICO EM TORNO DE UMA FAZENDA DE CAFÉ

A segunda lição, que o autor nos passa, é que mesmo a melhor combinação possível entre as fontes de energias renováveis não será suficiente a não ser que usemo-las de maneira

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eficiente. O autor reforça que os recentes desenvolvimentos no campo da conservação de energia têm sido extremamente encorajadores. Os projetistas ambientais acreditam que uma impressionante redução de 90% hoje na energia e nos materiais é possível apenas com a tecnologia existente sem causar nenhuma redução no padrão de vida. A razão para esta possibilidade realista de tal dramático aumento na produtividade das fontes assenta-se na ineficiência concentrada e no desperdício que são características da maioria dos projetos industriais atuais.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As práticas sustentáveis mencionadas nos dois setores por Fritjof Capra – energia e agricultura, segundo ele, são apenas alguns exemplos da revolução do ecodesign que está agora ocorrendo. Suas novas tecnologias e práticas incorporam princípios básicos de ecologia e, portanto, têm características em comum. Elas tendem a ser pequenas, com muita diversidade, eficientes energeticamente, não poluentes, orientadas para a comunidade, intensivas com relação ao trabalho e geradoras de empregos.

As tecnologias agora disponíveis fornecem fortes evidências que a transição para um futuro sustentável não é mais um problema técnico ou conceitual. É um problema de valores e desejo político.

Em adição a essas considerações, o pensamento de Norberto Elias na obra Envolvimento e Alienação (1998), trata da necessidade dos sociólogos se distanciarem ou se alienarem do problema sociológico que estão estudando para fornecerem alternativas confiáveis para a resolução dos problemas da humanidade; que, em síntese, é o de proteger os humanos dos perigos que eles representam para si próprios.

Elias relata que os problemas devem ser estudados numa perspectiva de tempo de longa duração porque os fatos que estão ocorrendo neste momento têm ligação com os que os antecederam e influenciarão outros fatos no futuro. É como numa partida de xadrez, em que não se pode analisar a jogada número dezoito sem conhecer todas as que a antecederam. Primeiro, deveria se conhecer, na partida, qual foi o tipo de abertura utilizada, o sistema de defesa do oponente, etc. Assim, também é na sociologia.

O termo usado como conceito genérico para o padrão que os seres humanos interdependentes formam em conjunto, como grupos ou indivíduos é chamado por Elias de figuração ou configuração.

Outro conceito chave para entender essas questões é o conceito de síntese avançada que trata do seguinte: sob certas condições, a partir das moléculas pequenas surgiram as grandes moléculas, unidades mais altamente organizadas e, finalmente, os organismos celulares, a partir das grandes moléculas, para então chegar aos organismos com órgãos cada vez mais especializados, capazes de sínteses cada vez mais amplas, até as formações mais complexas – os humanos. Ao mesmo tempo, todavia, esse conceito se refere ao desenvolvimento do conhecimento humano sobre o mundo em que vivemos e do qual fazemos parte. Etapa se sucede à etapa, numa espiral da evolução da humanidade.

As alternativas para o futuro estão sendo mostradas pelo espírito científico de Fritjof Capra, com teorias de redes e sistemas e suas propostas; e de Norberto Elias, com teorias sobre figurações e reflexões sobre a grande evolução (III Parte de Envolvimento e Alienação).

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São os cientistas pilotos no comando da nave Terra, acionando o leme, para que a humanidade tome seu rumo certo. Assim seja.

HUMANIZE THE WORLDWIDE ECONOMIC DEVELOPMENT: The Proposal of Fritjof Capra for the Current Civilizing Process

Abstract

The article deals with the humanizing proposals of the worldwide economic development, of the physicist and system scientist, Fritjof Capra, author of best-sellers that include The Tao of Physics, The Turning Point, The Web of Life, and The Hidden Connections. In this last one, he treats his ideas and theories that are presented in this article. The objective of the article is to present the systemic thought of the author, who, in his work, deals with a unified vision of the life, the mind and the society. Capra presents as conclusions the sustainable practices in the energy and agriculture that are examples of the ecodesign revolution that already is occurring at this moment. The current available technologies supply strong evidences that the transition for a sustainable future is not a conceptual or technical problem any more. Its a problem of values and political desire. Key Words: Humanize; Sustainable development; Worldwide economic model.

Referências

CAPRA, Fritjof. Conexões Ocultas: Ciência para uma Vida Sustentável. 4ª ed. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo, SP: Editora Pensamento-Cultrix Ltda, 2005a.

CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos. 9ª ed. Trad. Newton Roberval Eichemberg.. São Paulo, SP: Editora Pensamento-Cultrix Ltda, 2004.

CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: A Ciência, a Sociedade e a Cultura emergente. 23ª ed. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo, SP: Editora Pensamento-Cultrix Ltda, 2002.

CAPRA, Fritjof. O Tao da Física: Um paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Orienta. 23ª ed. Trad. José Fernandes Dias. São Paulo, SP: Editora Pensamento-Cultrix Ltda, 2005b.

ELIAS, Norbert. Envolvimento e Alienação. Editor alemão Michael Schroter, traduzido do inglês por Álvaro de Sá. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.