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7/24/2019 Humberto Theodoro Júnior(5) -Formatado http://slidepdf.com/reader/full/humberto-theodoro-junior5-formatado 1/22 www.abdpc.org.br CELERIDADE E EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INSUFICIÊNCIA DA REFORMA DAS LEIS PROCESSUAIS.  Humberto Theodoro Júnior Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargador Aposentado do TJMG. Doutor em Direito. Advogado . SUMÁRIO: 1. Intróito. 2. Evolução histórica do processo civil. 3. Acesso à justiça e instrumentalidade do processo. 4. O direito processual civil no Brasil. 5. A crise do processo não é brasileira, é universal. 6. Os caminhos realmente úteis para se tentar o aprimoramento da Justiça civil. 7. Uma última observação sobre a relevância dos meios alternativos de realização da justiça. 8. Conclusões. 1. INTRÓITO O Mundo civilizado, em seus principais Países, assiste a um generalizado clamor contra a pouca eficiência da justiça oficial para solucionar a contento os litígios que lhe são submetidos. Conseqüência imediata desse quadro de insatisfação social é a onda de reforma das leis processuais da qual não escapa ninguém, nem mesmo aqueles povos que se gabam de ter produzido, em campo da ciência jurídica, monumentos gloriosos na edição de seus Códigos. Por mais que juristas e legisladores se esforcem por aperfeiçoar as leis de processo, a censura da sociedade ao aparelhamento judiciário parece sempre aumentar, dando a idéia de que o anseio de justiça das comunidades se esvai numa grande e generalizada frustração. Para tentar compreender esse fenômeno, devemos relembrar o que se passou de inovação nos últimos 200 anos, não apenas em torno das instituições processuais, mas d a própria estrutura política das nações.

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CELERIDADE E EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.INSUFICIÊNCIA DA REFORMA DAS LEIS PROCESSUAIS.

 Humberto Theodoro JúniorProfessor Titular da Faculdade de Direito da UFMG.

Desembargador Aposentado do TJMG. Doutor em Direito.Advogado.

SUMÁRIO: 1. Intróito. 2. Evolução histórica do processo civil. 3. Acesso à justiça einstrumentalidade do processo. 4. O direito processual civil no Brasil. 5. A crise doprocesso não é brasileira, é universal. 6. Os caminhos realmente úteis para se tentaro aprimoramento da Justiça civil. 7. Uma última observação sobre a relevância dos

meios alternativos de realização da justiça. 8. Conclusões.

1. INTRÓITO

O Mundo civilizado, em seus principais Países, assiste a um generalizado

clamor contra a pouca eficiência da justiça oficial para solucionar a contento os litígios que

lhe são submetidos. Conseqüência imediata desse quadro de insatisfação social é a onda dereforma das leis processuais da qual não escapa ninguém, nem mesmo aqueles povos que se

gabam de ter produzido, em campo da ciência jurídica, monumentos gloriosos na edição de

seus Códigos.

Por mais que juristas e legisladores se esforcem por aperfeiçoar as leis de

processo, a censura da sociedade ao aparelhamento judiciário parece sempre aumentar, dando

a idéia de que o anseio de justiça das comunidades se esvai numa grande e generalizada

frustração.

Para tentar compreender esse fenômeno, devemos relembrar o que se passou de

inovação nos últimos 200 anos, não apenas em torno das instituições processuais, mas d a

própria estrutura política das nações.

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De velhas e arraigadas concepções aristocráticas e autoritárias, no desempenho

do poder público, a humanidade evoluiu para a democracia e a república, fundada, primeiro,

nas solenes declarações de direitos fundamen tais, e, finalmente, na inclusão dentre os deveres

estatais o de tornar efetivos os declarados direitos fundamentais.

Os direitos dos cidadãos, em nosso tempo, saíram do âmbito das meras

declarações solenes para entrar no campo das missões práticas que ao Estado cumpre

implementar.

Essa nova postura político-social em relação à cidadania iria refletir sobre

todas as funções do moderno Estado Social de Direito, inclusive a do Poder Judiciário.

Aliás, na verdadeira evolução do Estado Democrático é, princip almente, pelo

processo que se revela o grau de aprimoramento das funções estatais. Assim, no antigo regime

aristocrático, nem mesmo poder judiciário autônomo existia e o autoritarismo dos detentores

do governo fazia com que as normas procedimentais fossem inoperantes para satisfazer

qualquer anseio de justiça. Tudo afinal se resumia num ato arbitrário de vontade do soberano,

ou de agentes subalternos que reproduziam com fidelidade sua vontade incontestável. A

primeira grande conquista do Estado Democrático é justamente a de oferecer a todos uma

 justiça confiável, independente, imparcial, e dotada de meios que a faça respeitada e acatada

pela sociedade.

O direito processual, nessa conjuntura, deixa de ser simples repositório de

formas e praxes dos pleitos jurídicos, e assume a qualidade de estatuto funcional de um dos

poderes soberanos do Estado Democrático.

E por terem consciência de seus direitos à tutela jurisdicional, cada vez mais aspessoas passaram a ir à Justiça e a dela exigir a prestação que, de fa to, correspondesse à

função que as modernas constituições lhe atribuíam. Como os órgãos jurisdicionais

disponíveis quase nunca se achavam servidos por pessoal, recursos e meios suficientes para o

bom atendimento dos postulantes, logo tiveram início as insa tisfações e reclamações dos

 jurisdicionados.

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Tudo, portanto, que o direito intermédio havia estruturado acerca dos

procedimentos judiciais teve de ser revisto, desde as idéias básicas de ação, processo e

 jurisdição.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO CIVIL

Até o Século XVIII, o processo não gozava de qualquer espécie de autonomia .

A própria ação não era vista como direito distinto daquele que a parte deduzia em juízo para

reclamar tutela estatal. A ação era simplesmente o direito subjetivo material do liti gante que

reagia contra a violação sofrida. E o processo não passava de um amontoado de formas e

praxes do foro para cuidar do conflito submetido ao juiz.

Já em meados do Século XIX, os pandectistas descobriram que, após a eclosão

da lide, surgia entre a parte e o Estado uma nova relação jurídica nascida justamente da

violação do direito subjetivo material e do direito de obter um provimento do órgão judicial

contra dita violação. Assim, a relação material era travada entre as partes diretamente e

pertencia ao direito privado; e a relação processual era travada entre a parte e o Estado e,

portanto, estava afeta ao direito público.

Graças a WACH e VON BULOW, principalmente, o estudo da relação

processual, ainda no século XIX, ganhou foros científicos, alcan çando a conceituação de seus

pressupostos, seu objeto e seu método. Daí em diante, adquiriu vida própria, com autonomia

científica, o direito processual, e até meados do Século XX, a doutrina, sobretudo alemã e

italiana, iria construir os grandes conceitos informadores de todo o sistema da ciência do

direito processual civil.

Superada a enorme crise político-social da 2ª Guerra Mundial, as atenções dos

estudiosos do direito voltaram-se para problemas da prestação jurisdicional até então não

cogitados. Depois de um século de extensos e profícuos estudos sobre os conceitos e as

categorias fundamentais do Direito Processual Civil, os doutos atentaram para um fato muito

singelo e muito significativo: a sociedade como um todo continuava ansiosa por uma

prestação jurisdicional mais efetiva. Aspirava -se, cada vez mais, a uma tutela que fosse mais

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pronta e mais consentânea com uma justa e célere realização ou preservação dos direitos

subjetivos violados ou ameaçados; por uma Justiça que fosse amoldável a todos os ti pos de

conflito jurídico e que estivesse ao alcance de todas as camadas sociais e de todos os titulares

de interesses legítimos e relevantes; por uma Justiça, enfim, que assumisse, de maneira

concreta e satisfatória, a função de realmente implementar a von tade da lei material, com o

menor custo e a maior brevidade possíveis, tudo através de órgãos adequadamente

preparados, do ponto de vista técnico, e amplamente confiáveis, do ponto de vista ético.

Temas como a garantia de acesso à Justiça e a instrumental idade e efetividade

da tutela jurisdicional passaram a ocupar a atenção da ciência processual, com preferência

sobre as grandes categorias que haviam servido de alicerce à implantação do Direito

Processual como ramo independente do direito material, integr ado solidamente ao direitopúblico.

Foi no relacionamento com o Direito Constitucional que o processo mais se

distinguiu em seu eminente caráter publicístico. Mas não foi somente na publicização que se

notabilizou o processo moderno. Além de ter sido, des de logo, reconhecido como instrumento

de atuação de soberania estatal, aos poucos o caráter mais marcante do instituto foi se

deslocando para a sua qualidade cívica, até que a generalidade das Constituições democráticas

passasse a incluir o devido processo legal como um dos direitos fundamentais assegurados aos

cidadãos. Mais do que um meio de atuação da soberania do Estado, o processo assumiu a

categoria de garantia de acesso do cidadão à tutela jurídica declarada e assegurada pelas

Constituições.

3. ACESSO À JUSTIÇA E INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO

Seguramente, ninguém mais do que CAPPELLETTI se debruçou, nos últimos

cinqüenta anos, sobre a pesquisa e a formação do conceito de “acesso à Justiça”, como meta

maior de garantia de tutela jurisdicional assegurad a aos cidadãos. Na introdução de uma de

suas várias obras sobre o tema, escrita em parceria com BRYANT GARTH, o grande

processualista e pensador italiano registrou que:

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“A expressão ‘acesso à Justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas

serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico - o sistema pelo qual as

pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado.

“Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele dev e

 produzir resultados que sejam individual e socialmente justos ”.

Lembra CAPPELLETTI que a idéia de acesso à Justiça evoluiu paralelamente

à passagem da concepção liberal para a concepção social do Estado moderno. De início, a

participação do Estado não ia além da declaração formal dos direitos humanos. Nessa época,

em que prevalecia como máxima dominante o laissez -faire, todos eram solenemente

presumidos iguais e a ordem constitucional se restringia a criar mecanismos de acesso àJustiça, sem maiores preocupações com sua eficiência prática ou efetiva. Diferenças

econômicas ou institucionais nem sequer eram cogitadas pelo ordenamento jurídico. Os

problemas reais dos indivíduos não chegavam a penetrar no campo das preocupações

doutrinárias em torno do Direito Processual.

No século XX, todavia, o coletivo ou social passou a ser a tônica da política

governamental e legislativa em todos os países do mundo civilizado, mesmo naqueles em que

a ideologia se rotulava de capitalista e liberal ou neoliberal. A polít ica constitucional deixou,

então, de atuar como simples tarefa de declarar direitos, tal como prevalecera nos séculos

XVIII e XIX. As Cartas contemporâneas, refletindo a consciência social dominante, voltaram -

se para a efetivação dos direitos fundamentais. Assumiu-se, dessa maneira, o encargo não só

de defini-los e declará-los, mas também, e principalmente, de garanti -los, tornando-os efetivos

e realmente acessíveis a todos. O Estado Social de Direito pôs -se a braços com a tarefa nova

de criar mecanismos práticos de operação dos direitos fundamentais.

O processo, instrumento de atuação de uma das principais garantias

constitucionais - a tutela jurisdicional -, teve de ser repensado. É claro que, nos tempos atuais,

não basta mais ao processualista dominar os conceitos e categorias básicos do Direito

Processual, como a ação, o processo e a jurisdição, em seu estado de inércia. O processo tem,

sobretudo, função política no Estado Social de Direito. Deve ser, destarte, organizado,

entendido e aplicado como instrumento de efetivação de uma garantia constitucional,

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assegurando a todos o pleno acesso à tutela jurisdicional, que há de se manifestar sempre

como atributo de uma tutela justa.

O estudioso do processo e o aplicador das normas processuais têm,

necessariamente, de ir além da dogmática jurídica, além dos conceitos e categorias exclusivas

do Direito. Têm de dar ouvidos a todo o clamor que se ouve no meio sócio -econômico sobre o

qual o Direito Processual deve atuar. Somente assim se conseguirá dar ao processo e às

normas que o regem força de garantir, e não apenas de declarar, direitos na vida social. E será

assim que - como, de fato, vem ocorrendo na sensível transformação do Direito Processual de

nosso tempo -  se conseguirá realizar o ideal de “acesso à Justi ça”, preocupação que,

necessariamente, ocupa “o ponto central da moderna processualística ”.

Nessa linha de pensamento, o processo, para cumprir a missão que lhe atribui o

moderno Estado Social de Direito, tem de se apresentar como instrumento capaz de p ropiciar

efetividade à garantia de “acesso à Justiça”. Na ótica de CÂNDIDO DINAMARCO a

 problemática da efetividade do processo revela quatro facetas, todas fundamentais: “ a)

admissão em juízo; b) modo de ser do processo; c) critérios de julgamento (ou jus tiça nas

decisões); d) a efetivação dos direitos (ou utilidade das decisões)’, mas a idéia do acesso à

 justiça constitui a síntese de todo o pensamento instrumentalista e dos princípios e garantias

do processo, seja a nível constitucional ou infraconstituc ional; de modo que as garantias de

ingresso em juízo, de contraditório, do devido processo legal, do juiz natural, da igualdade

entre as partes, todas elas visam o acesso à justiça (cf. A instrumentalidade do Processo, 5ª

ed., São Paulo, 1996, p. 303 e seg.) .

A garantia de devido processo legal, a que se liga intimamente a de acesso à

 justiça, além de exigir a figura do juiz natural e observância do contraditório e ampla defesa,

deve assegurar aos litigantes não apenas uma sentença mas uma sentença justa , dentro damelhor exegese dos fatos e do direito material pertinente. Só assim se entende realizado o

verdadeiro “acesso à justiça”, no dizer de ARAÚJO CINTRA - GRINOVER - DINAMARCO

. No mesmo sentido, KAZUO WATANABE ressalta que “o princípio da

inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no art. 5º, XXXV da CF, não assegura,

apenas, o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o acesso à justiça que propicie a

efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e tamb ém o

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acesso à ordem jurídica justa”. Salienta, ainda, em relação ao princípio da proteção judiciária,

a importância: a) da preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a

efetiva, adequada e tempestiva tutela de direitos; b) adequação da or ganização judiciária ao

volume dos serviços judiciários; c) recrutamento adequado; d) remoção de óbices ao acesso à

 justiça; e) pesquisa sobre causas dos litígios e sobre os meios de sua solução judicial ou

extrajudicial” (Tutela Antecipatória e Tutela Esp ecífica das Obrigações de Fazer e não Fazer,

in Reforma do CPC, pág. 20) ”. O que se extrai de mais importante dos ensinamentos de

KAZUO WATANABE e SILVA PACHECO é a certeza de que não é apenas pela lei

processual que se logrará atingir o processo justo. M uitos problemas de ordem política, social

e administrativa haverão de ser enfrentados e superados, para que se torne efetiva a garantia

de acesso à justiça.

4. O DIREITO PROCESSUAL CIVIL NO BRASIL

Com um certo descompasso com a Europa, devido obviamente às diferenças

históricas de civilização e grau de desenvolvimento, o processo civil brasileiro tem

incorporado, no respectivo ordenamento jurídico, as grandes idéias florescidas no velho

mundo.

No Império e nas quatro primeiras décadas da República, nosso p rocesso

permaneceu atrelado às tradições do praxismo lusitano. Dominava todo o sistema um

processo escrito e submetido a excessivo formalismo, sujeito, portanto, ao risco de nulidades

abundantes, de exceções numerosas e a uma quantidade de recursos injusti ficável.

O Código de 1939, resultante de um esboço de PEDRO BATISTA MARTINS,

teve o propósito de consagrar o princípio da oralidade, segundo o exemplo do importante

Código de Processo Civil da Áustria, redigido por KLEIM, e as lições doutrinárias de

CHIOVENDA. Representou, sem dúvida, o passo decisivo para fazer com que nosso direito

processual civil penetrasse as sendas do processo cientificamente concebido. O primeiro

efeito foi o estímulo às obras doutrinárias que valorizaram nosso acervo jurídico, como as de

PONTES DE MIRANDA, AMARAL SANTOS, MACHADO GUIMARÃES, BUENO

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VIDIGAL, ALFREDO BUZAID, CELSO BARBI, AMÍLCAR DE CASTRO, LOPES DA

COSTA, FREDERICO MARQUES, SILVA PACHECO e muitos outros.

A ciência processual viria, ainda na vigência do Código de 1939, a sofrer

enorme incremento entre nós graças a presença, durante os anos da 2ª Guerra, do notável

professor da Universidade de Milão, ENRICO TULLIO LIEBMAN, que, perseguido pelo

fascismo viera a instalar-se em São Paulo, onde lecionou na Faculdade do Largo d o São

Francisco.

Com as luzes emanadas da doutrina de LIEBMAN e das fontes mais

atualizadas do direito europeu, surgiu o novo Código de Processo Civil editado em 1973 com

base em projeto elaborado pelo Professor ALFREDO BUZAID.

Seu compromisso, confessado na Exposição de Motivos, era com a

“administração da Justiça”, e não simplesmente com “a definição de direitos na luta privada

entre os contendores”. O direito processual deve ser fiel à finalidade do processo” que é de

ordem pública, ou seja, “satisfaze r o interesse público da atuação da lei na composição dos

conflitos”. O dar razão a quem efetivamente a tem - e isso é que o processo visa alcançar - “é,

na realidade, um interesse público de toda sociedade”.

O lado ético da prestação jurisdicional foi re ssaltado no Código pela

enumeração dos deveres das partes e procuradores e pela severa censura aos atos de litigância

de má-fé, assim como pela investidura do juiz de poderes para prevenir ou reprimir qualquer

ato atentatório à dignidade da justiça.

A celeridade processual foi havida como essencial e, dentre os deveres do juiz

foi solenemente inserido o de “velar pela rápida solução do litígio” (art. 125, II) e de denegar toda diligência “inútil” ou “meramente protelatória” (art. 130).

Ainda com o mesmo propósito, o princípio da oralidade foi abrandado, de

modo a dispensar a audiência de instrução e julgamento nos casos de revelia e das questões

apenas de direito ou fundadas somente em prova documental (“julgamento antecipado da

lide”); o procedimento ordinário foi sensivelmente simplificado; as exceções foram reduzidas

a apenas três; o procedimento sumário foi adotado para causas de menor valor e para

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determinados tipos de litígio; o sistema de nulidades foi redigido em termos bastante claros e

sua tônica foi a rejeição da nulidade sempre que não houver prejuízo efetivo para a parte e que

se tiver alcançado o objetivo do ato processual, ainda que praticado de forma irregular; a

tentativa de conciliação das partes foi reintroduzida no processo brasileiro, de vendo ser

obrigatoriamente promovida no início da audiência de instrução e julgamento.

Sem embargo de todos esses propósitos e mecanismos do CPC de 1973, o ideal

de celeridade processual continuou inatingido e o clamor social contra a morosidade da justiç a

se avolumou, levando o legislador a inovar tanto por meio de alterações do Código como pela

criação de outros remédios processuais disciplinados em leis extravagantes.

A última década do século XX, dessa maneira, caracterizou -se, em termos de jurisdição civil, por duas frentes de renovação do direito positivo: 1) uma voltada para a

criação, ao lado do CPC, de ações especiais para tutelar os interesses difusos e os direitos

coletivos (ação civil pública, mandado de segurança coletivo, ações coletivas de d efesa do

consumidor etc.); 2) outra endereçada ao aprimoramento do Código de Processo Civil.

Na década de 1990 mais de uma dezena de leis se ocupou de alterar o texto do

Código de 1973, todas com o declarado intuito de simplificar seus procedimentos, com vistas

à maior celeridade na solução dos litígios, e de, sobretudo, impregnar o processo de maior

efetividade na realização da tutela jurisdicional. Inovações importantíssimas se deram por

meio, por exemplo, da generalização das medidas de antecipação de t utela (arts. 273 e 461),

da adoção da citação postal (arts. 222), pela criação da “ação monitória” (arts. 1.102 -a e

segs.), pela adoção da audiência preliminar para conciliação e saneamento do processo (art.

331), pela ampliação dos títulos executivos extr ajudiciais (art. 585, II), etc.

Principalmente por meio da ação monitória e da antecipação de tutela, o perfildo processo civil brasileiro da atualidade sofreu profunda alteração, inspirada, sem sombra de

dúvida nos propósitos de celeridade e efetividade na realização da justiça. A dicotomia que,

pelas tradições romanísticas, separava o processo de conhecimento e o processo de execução,

circunscrevendo-os a compartimentos distintos e autônomos, cedeu lugar a uma visão unitária

da prestação jurisdicional.

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 Não há mais a obrigatoriedade de primeiro “acertar” sempre o direito subjetivo

do litigante por meio da sentença e da res iudicata para depois dar início à realização prática

desse mesmo direito pelas vias do processo de execução.

Hoje, havendo necessidade de evitar o dano ou de reprimir a litigância

temerária, e existindo condições para um juízo sumário de verossimilhança, a atividade

executiva pode ser antecipada e, embora em caráter provisório, a satisfação do direito material

sub iudice pode ser realizada, ainda no curso do processo de conhecimento, antes mesmo da

sentença de mérito. A realização forçada do direito da parte deixou de ser privilégio apenas do

processo de execução.

O procedimento ordinário, portanto, não é mais puro procedimento deacertamento ou definição de direitos controvertidos. É, também, procedimento que permite

atos materiais (atos executivos) dentro da mesma relação em que se busca a sentença de

mérito.

A reforma do CPC, então, conduziu o processo de conhecimento para um

sistema interdital, que já era conhecido do direito romano e que vigorava ao lado da actio

(puro processo de conhecimento) e que, quando observado, permitia ao pretor deferir

liminares satisfativas, antes da solução do litígio pela sentença. Foi desse sistema in terdital

romano, que herdamos as atuais ações possessórias, ou seja, os interditos possessórios, cuja

característica fundamental é a possibilidade de decretação de medida tutelar da posse ofendida

ou ameaçada in limine litis.

Nosso processo civil, tal qual o processo dos principais países europeus,

portanto, confere ao litigante ampla tutela de urgência, seja por meio das medidas cautelares,

seja por meio das medidas de antecipação de tutela satisfativa.

Nada obstante toda essa modernização processual, a justiça brasileira continua

desacreditada aos olhos da sociedade pela excessiva demora na solução dos litígios. É a dura e

lastimável realidade.

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5. A CRISE DO PROCESSO NÃO É BRASILEIRA, É UNIVERSAL

Ao findar o século XX, nem mesmo as nações mais ricas e civ ilizadas da

Europa se mostram contentes com a qualidade da prestação jurisdicional de seu

aparelhamento judiciário. A crítica, em todos os quadrantes, é a mesma: a lentidão da resposta

da justiça, que quase sempre a torna inadequada para realizar a composi ção justa da

controvérsia. Mesmo saindo vitoriosa no pleito judicial, a parte se sente, em grande número

de vezes, injustiçada, porque justiça tardia não é justiça e, sim, denegação de justiça.

Na Itália, que como o Brasil, passou e vem passando nos últim os anos, por uma

sucessão de reformas de seu Código de Processo Civil, TARZIA, relator do último projeto,

adverte que as simples alterações legislativas, por si só jamais terão força para combater acrônica ineficiência dos serviços judiciários, cujas raíz es são mais profundas e ultrapassam,

amplamente, o mero esquema procedimental. Qualquer reforma da lei processual, segundo o

 jurista italiano, será impotente para desatravancar a prestação jurisdicional, “se non

accompagnata da profonde riforme di struttur a, che attengono all’ordinamento giudiziario,

all’organico dei giudici, al personale ausiliario, agli strumenti materiali che costituiscono

l’indispensabile supporto per l’esercizio della giurisdizione ”.

Na França, ROGER PERROT faz interessantes observa ções sobre a reforma

operada no século expirante nos procedimentos do CPC, dentre os quais destaca como as mais

importantes inovações a antecipação de tutela (référé -provision) e o procedimento monitório

(injonction de payer).

Registra, no entanto, que continua a existir um descompasso entre a demanda e

a oferta dos serviços judiciários, frustrando a garantia constitucional de acesso à justiça.

Observa, ainda, o Prof. PERROT que, em nossos tempos, a angústia da

sociedade diante da demora da prestação juri sdicional tornou-se mais intensa, não só pelo

estímulo constitucional de acesso à justiça (direito cívico valorizado pelas constituições de

todo o mundo civilizado), mas também e principalmente sobre a nova qualidade dos litígios.

Hoje as demandas não se restringem, como outrora, ao direito de propriedade e de sucessão

(questões que naturalmente exigiam ou toleravam processos lentos e complexos). O que hoje

predomina no foro são as questões de massa e de interesses imediatos da pessoa, como as

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derivadas do direito de família, de locação, de indenização e pensionamentos por ato ilícito, as

provocadas pelas relações de consumo, cuja solução não pode demorar, obviamente.

Muito embora disponha de uma das mais bem aparelhadas e eficientes justiças

da Europa, a Alemanha também não está satisfeita com a prestação jurisdicional. Reclama a

sociedade tedesca da sobrecarga de processos em seus tribunais e o seu volume não pára de

crescer.

Tanto entre os franceses como entre os alemães há um consenso de que não se

deve admitir a solução do agigantar do volume dos processos por meio de “uma expansão

indefinida do número de juízes”. Os custos dessa perpétua ampliação dos órgãos judiciários

são insuportáveis mesmo para os países mais ricos.

Entre nós, também, vozes abalizadas reconhecem que não será pela via do

simples crescimento numérico dos juízes que se terá de enfrentar o problema social da

impotência da Justiça para dar vazão satisfatória à gigantesca e sempre crescente demanda

pela prestação jurisdicional. MONIZ A RAGÃO é um daqueles que não vêem no aumento do

número de juízes a “solução para o crescimento do volume de litígios”. Seu posicionamento

encontra respaldo nas idéias, entre outros, de GERHARD WALTER.

É, portanto, preciso conscientizar-se de que o aprimoramento da prestação

 jurisdicional não acontecerá somente em virtude de modificações procedimentais, nem

tampouco do simples crescimento numérico dos juízes disponíveis. A solução para o mal da

demora dos processos, seja aqui, seja na Europa, terá de ser pr ocurada por outras formas.

6. OS CAMINHOS REALMENTE ÚTEIS PARA SE TENTAR O APRIMORAMENTO DA JUSTIÇA

CIVIL

É lastimável, mas não se pode deixar de reconhecer o regime caótico em que os

órgãos encarregados da prestação jurisdicional no Brasil trabalham tant o do ponto de vista

organizacional, como principalmente em torno da busca de solução para sua crônica inaptidão

para enfrentar o problema do acúmulo de processos e da intolerável demora na prestação

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 jurisdicional. Não há o mínimo de racionalidade administr ativa, já que inexistem órgãos de

planejamento e desenvolvimento dos serviços forenses, e nem mesmo estatística útil se

organiza para verificar onde e porque se entrava a marcha dos processos.

Sem o apoio em dados cientificamente pesquisados e analisados, a reforma

legislativa dos procedimentos é pura inutilidade, que só serve para frustrar, ainda mais, os

anseios da sociedade por uma profunda e inadiável modernização da Justiça. Sem estatística

idônea, qualquer movimento reformista perde -se no empirismo e no desperdício de energias

por resultados aleatórios e decepcionantes.

Além disso, pensar-se em reformar a lei sem se preocupar com a reforma

simultânea ou sucessiva dos agentes que irão operar as normas renovadas, chega a ser umautopia, para não dizer uma temeridade.

Com a lucidez que lhe é própria, adverte MONIZ ARAGÃO, a propósito

desses temas:

“De há muito tenho notado que não há no Brasil preocupação com duas

questões de suma importância para localizar dificuldade no funcionamento do aparelho

 judiciário e tentar resolvê-las com dados reais e concretos, ao invés de ensaiar experiências

fundadas em dados empíricos. Uma dessas questões é a da estatística judicial, que permitirá

radiografar e diagnosticar os males que afligem e entravam a justiça; out ra é a dos

rendimentos que é lícito esperar dos magistrados, pois há os que produzem mais e os que

produzem menos, sem que jamais se tenha tentado apurar qual a produção que se deve esperar

de cada um e quais os meios de obter que ela seja alcançada ”.

O certo é que sem órgãos adequados de estatística e de planejamento, o que avisão empírica do grave problema da justiça brasileira evidencia para os pensadores do direito

 processual é a realidade de “um grande descompasso entre a doutrina e a legislação de   um

lado; e a prática judiciária, de outro. Ao extraordinário progresso científico da disciplina

processual não correspondeu o aperfeiçoamento do aparelho judiciário e da administração da

 justiça”.

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Em importante e sério estudo sobre a evolução do process o civil brasileiro, já

em 2ª edição, SILVA PACHECO recorda a advertência de PONTES DE MIRANDA de que o

direito processual é “o ramo das leis mais rente à vida, por isso, com base nele, poder  -se-iam

classificar os povos”. Acrescenta, ainda, a lição de G. J.  HAMIOM de que é pelo processo

que “se diferenciam os sistemas jurídicos civilizados”, para, em seguida, concluir:

“Entretanto, ao estudá -lo, forçoso é reconhecer: a) as leis processuais ou o

sistema de lei processual civil; b) o processo civil, como fato social, como instituição, como

relação entre as partes (ação) e o juiz (jurisdição), com a interveniência instrumental de

diversos órgãos auxiliares”.

Como pretender, então, resolver o problema da lentidão da justiça apenasreformando normas processuais? O conhecimento objetivo e integral da sociedade e de suas

instituições fundamentais, dentre elas o processo civil, jamais poderá ser obtido “pelo simples

estudo de suas estruturas normativas ou legais, em virtude do fenômeno do formalismo nelas

dominante”.

O que urge enfrentar e analisar, não é a lei em si, mas seu impacto entre a ação

da parte que postula a prestação jurisdicional e a conduta dos órgãos encarregados de realizá -

la. E o que, empiricamente, se constata é que, malgrado as sucessivas alteraç ões das leis

 processuais, a Justiça continua “rotineira e ineficiente”, apegada a métodos arcaicos e que,

fatalmente, redundam em “julgamentos tardios”, que mais negam do que distribuem a

verdadeira justiça.

O Poder Judiciário, é lamentável reconhecê -lo, é o mais burocratizado dos

Poderes estatais, é o mais ineficiente na produção de efeitos práticos, é o mais refratário à

modernização, é o mais ritualista; daí sua impotência para superar a morosidade de seusserviços e o esclerosamento de suas rotinas op eracionais.

Se se pretende enfrentar mazelas tão variadas e profundas, sem sequer buscar

conhecer-lhes as entranhas e reais dimensões, e apenas se preocupando em reformar normas

legais abstratas do processo civil, cair -se-á, fatalmente, “na tristura de fa zer a lei bonita,

monumental, que mais parecerá obra de arte, mas que se conservará intacta nas encadernações

das bibliotecas daqueles que a devem operar. Urge, pois, além de conscientizar o Judiciário e

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os órgãos auxiliares da necessidade de modernização, impor-lhes normas destinadas a romper

a rotina, a ineficiência, o anacronismo, a lerdeza e a injustiça, que a tanto equivale a justiça

tardia”.

Que adianta fixar a lei processual um prazo de três ou cinco dias para

determinado ato da parte, se, na prática a secretaria do juízo gastará um mês ou dois (e até

mais) para promover a respectiva publicação no diário oficial? Que adianta a lei prever o

prazo de noventa dias para encerramento do feito de rito sumário se a audiência só vem a ser

designada para seis meses após o aforamento da causa, e se interposto o recurso de apelação,

só nos atos burocráticos que antecedem a distribuição ao relator serão consumidos vários

meses ou até anos?

O retardamento dos processos, impende reconhecer, quase nunca decorre da s

diligências e prazos determinados pela lei, mas, em regra, é o resultado justamente do

desrespeito ao sistema legal pelos agentes da Justiça. “Quem contemplar os prazos previstos

em lei ou nos regimentos dos tribunais verá que se forem respeitados o temp o necessário à

tramitação do processo deixará de ser o fantasma que tanto assusta”.

O que retarda intoleravelmente a solução dos processos são as etapas mortas,

isto é, o tempo consumido pelos agentes do Judiciário para resolver a praticar os atos que lh es

competem. O processo demora é pela inércia e não pela exigência legal de longas diligências.

NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, grande processualista espanhol

que engrandeceu com suas lições a Universidade Nacional do México, quando se dispôs a

anotar o anteprojeto do EDUARDO COUTURE para o Código de Processo Civil do Uruguai,

criticou a preocupação do texto apenas com a economia processual preconizada como

orientação para o juiz e órgãos auxiliares da Justiça. Ressaltava que “não basta economia, hánecessidade também de rapidez”, já que, - acrescentamos  –  justiça demorada, tardia, equivale

a denegação de justiça, para concluir:

“e que esta (a rapidez) somente se consegue evitando as etapas mortas, ou seja,

a inatividade processual durante a qual os autos ou expedientes forenses permanecem

 paralisados nos escaninhos forenses”.

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O drama envolve, é certo, algumas complicações de ordem normativa, como

v.g., o excesso de recursos permitidos pela lei processual brasileira. Todavia, seu núcleo, seu

ponto crítico, situa-se no plano administrativo, ou de organização e gerenciamento dos

serviços forenses, já que “são as etapas mortas e não os prazos previstos em lei que retardam a

marcha dos processos a ponto de exasperarem partes, advogados, interessados, com grave s

 prejuízos para o bom nome da justiça e do próprio Estado”.

Na Itália, onde atualmente, se desenvolve intenso trabalho legislativo de

reforma do Código de Processo Civil, o Prof. GIUSEPPE TARZIA, que desempenha notável

papel no importante projeto, também teve o cuidado de localizar e destacar o foco da crise

 judiciária fora do campo das normas procedimentais:

“Os problemas mais graves da Justiça Civil, pelo menos na Itália, dizem

respeito, de outra parte, não à estrutura, mas à duração do processo, dizem respeito aos

tempos de espera, aos ‘tempos mortos’, muito mais que aos tempos de desenvolvimento

efetivo do juízo. A sua solução depende, portanto, em grande parte, da organização das

estruturas judiciárias e não das normas do Código de Processo Civil. A aceleração da Justiça

não poderá, portanto, ser assegurada somente com a nova lei ou com a revisão de todo o

 processo civil italiano, que está atualmente em estudo”.

Como enfrentar esse tipo de problema, se não há fonte de controle e estatística

para revelar, com precisão, onde a marcha processual se emperra e como sair dos respectivos

gargalos?

A legislação processual é sem dúvida um sistema de técnica de realizar a

composição dos litígios, mas não é um sistema completo e exaustivo, pois pressupõe

organismos oficiais por meio dos quais irá atuar. Os métodos e recursos de trabalho dessesorganismos são vitais para que o propósito sistemático da lei processual seja corretamente

alcançado. Para manter uma sincronia entre a norma legal e sua operacionalidade

administrativa, é preciso conhecer, cientificamente, as causas que, in concreto, frustram o

desiderato normativo. E isto, obviamente, será inatingível, pelo menos com seriedade e

segurança, se a organização dos serviços judiciários não contar com órgãos es peciais de

estatística e planejamento.

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As leis têm de traçar procedimentos simples, claros, ágeis. Mas, para fazê -los

operar não pode a Justiça depender apenas do gênio individual de cada juiz ou auxiliar. É

necessário que a organização dos serviços da Ju stiça se faça segundo os preceitos técnicos da

ciência da administração e com o emprego dos meios e recursos tecnológicos disponíveis.

Não serão, como é intuitivo, as simples reformas das leis de procedimento que

irão tornar realidade, entre nós, as garan tias cívicas fundamentais de acesso à justiça e de

efetividade do processo. O tão sonhado processo justo, que empolgou e dominou todos os

processualistas no final do século XX continua a depender de reformas, não de leis

processuais, mas da justiça como um todo.

Cabe, agora, à sociedade do século XXI, exigir dos responsáveis pela Justiça brasileira que a façam “passar pela mesma revolução tecnológica por que estão passando as

modernas administrações públicas e privadas, sob o impacto do planejamento, coord enação,

controles, estatística, economia, ciência da administração, teoria das comunicações,

informática, cibernética, processamento de dados, etc.”. É preciso que os juristas tenham a

humildade e a sabedoria de reconhecer que a modernização e aperfeiçoame nto da Justiça não

é tarefa que eles sozinhos possam executar.

7. UMA ÚLTIMA OBSERVAÇÃO SOBRE A RELEVÂNCIA DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE

REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA

Desde que a consciência jurídica proclamou a necessidade de mudar os rumos

da ciência processual para endereçá-los à problemática do acesso à Justiça, houve sempre

quem advertisse sobre o risco de uma simplificação exagerada do processo judicial produzir o

estímulo excessivo à litigiosidade, o que não corresponde ao anseio de convivência pacífica

em sociedade. A proliferação de demandas por questões de somenos representa, sem dúvida,

um complicador indesejável. Quando o recurso à Justiça oficial representa algum ônus para o

litigante, as soluções conciliatórias e as acomodações voluntárias de interesse opo stos

acontecem em grande número de situações, a bem da paz social. Se, porém, a parte tem a seu

alcance um tribunal de fácil acesso e custo praticamente nulo, muitas hipóteses de

autocomposição serão trocadas por litigiosidade em juízo. É preciso, por isso mesmo,

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assegurar o acesso à Justiça, mas não vulgarizá -lo, a ponto de incentivar os espíritos belicosos

à prática do “demandismo” caprichoso e desnecessário.

As últimas décadas do Século XX vieram demonstrar que o risco antes temido

tornou-se apreensiva realidade. Após a implantação da Democracia ampla com a valorização

do direito cívico de todos serem ouvidos em juízo, o volume dos processos, em todos os

segmentos da jurisdição, tornou-se explosivo. Seu crescimento é incessante. Reconhece -se

estar ocorrendo, em toda parte, uma verdadeira euforia no ânimo de demandar.

Essa vigorosa emancipação da cidadania tem gerado a tendência geral de cada

vez mais se usar as vias processuais para a solução dos litígios, notando -se uma disposição de

amplas camadas da população a não mais se resignar diante da injustiça e a exigir sempre aproteção dos tribunais. Fala-se, mesmo, numa síndrome de litigiosidade, para a qual concorre,

também, a redução na sociedade contemporânea, da “capacidade para dialogar”. Nem se pode

ignorar a pesada carga que, nesse incremento das tarefas judiciais, exerce o próprio Estado

por meio de seu volumosos atrito com os cidadãos.

Observa-se, na Alemanha, um esforço legislativo intenso para introduzir

modificações no direito processual, visand o a simplificação dos procedimentos e a maior

rapidez de solução dos litígios, dentro do que permite cada tipo de processo.

Mas, independentemente desses esforços de renovação legislativa, o que mais

tem impressionado a doutrina alemã é a tese de que se deve impulsionar a reflexão sobre a

grande crise da jurisdição. “En este sentido, se há pasado hoy a debatir más intensamente las

causas y las formas de sobrecarga de los tribunales, las posibilidades de descongestionar el

interior de los tribunales e, sobre todo, las posibilidades alternativas de solución de

conflictos”.

Também na Alemanha, tal como entre nós, se reclama dos operadores do

direito processual uma maior preocupação com os problemas sociológicos, para tentar “dar 

resposta à generalizada insa tisfação ou desconfiança frente à Justiça”. Nem sempre se pode

esperar da decisão judicial a verdadeira e efetiva participação dos conflitos. Daí a importância

do papel reservado às soluções alternativas de litígio, antes do processo ou em seu curso.

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A partir da experiência do direito anglo-americano com os chamados “meios

alternativos” de solução extrajudicial de conflitos de interesses - Alternative Dispute

Resolution (ADR) - a doutrina européia e latino-americana voltou os olhos para a necessidade

de buscar na justiça coexistencial um remédio para enfrentar a crise da justiça oficial.

O que conduziu o direito norte -americano a se preocupar com fontes

alternativas de solução de litígios foi a constatação, de um lado, da inadequação dos tribunais

ordinários para dirimir certos tipos de conflito, e, de outro lado, a impossibilidade de o

enorme e crescente volume de litígios ser absorvido exclusivamente pelo Poder Judiciário.

Nesse sentido, para o Prof. BRYANT GARTH, o acesso à justiça, para o seu país,

diversamente do que se passa em alguns países europeus, “não é visto ali como um direito

social, mas antes como um problema social, do qual uma solução consiste em retirar dostribunais boa quantidade de litígios”.

Mas, não é só para desafogar a justiça ordi nária que se reconhece importância à

 justiça coexistencial (ou conciliatória). Esta, muitas vezes, chega não só a resultados mais

rápidos e menos onerosos que a justiça comum, como a resultados melhores, até mesmo em

qualidade, do que os produzidos pelo processo contencioso.

No direito francês, a reforma do Código de Processo Civil prestigiou a

“solução alternativa dos litígios”, impondo e valorizando a conciliação e a mediação.

A solução consensual, segundo ROGER PERROT, favorece a todos os sujeitos

do processo: primeiro, o jurisdicionado que economizará as despesas de um processo, e, em

seguida, a Justiça, que se espera fique liberada de certo número de causas.

De duas maneiras a lei francesa enfrenta o problema: a) entre aquilo queconstitui a função  do juiz, se inclui “a missão de conciliar as partes” (art. 21 do novo CPC); b)

além disso, em todo órgão judicial, deverá existir um elemento auxiliar do juiz, denominado

“conciliador”.

O conciliador é designado pelo juiz e atua preventivamente, isto é, antes da

abertura do processo judicial. Não é um magistrado. “Sua função não é a de julgar, mas

simplesmente a de aproximar as posições. Se ele o consegue, lavra um termo de conciliação

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que documenta o acordo das partes e ao qual, em seguida, o tribunal da rá efeito executivo. Se

não o consegue, seu papel termina aí, e não lhe compete formular opinião”. Essa instituição,

 para PERROT, “oferece às partes uma estrutura amigável destinada a evitar o processo”. Seus

resultados são positivos, principalmente em lit ígios de pequena monta.

Mesmo quando o processo já se instalou na Justiça, ainda cabe ao juiz valer -se

da intervenção de um agente conciliador, que então se denomina “mediador”. Seu papel é o

mesmo do “conciliador”: “não é um juiz; sua missão consiste sim plesmente em aproximar as

 posições antagônicas, a fim de tentar encontrar solução amigável para litígio”.

PERROT resume e louva essa nova modalidade de solução alternativa dos

litígios da seguinte maneira: “Através da conciliação e da mediação, vê -se aparecer uma sortede justiça consensual. Neste instante, ela goza de todos os favores do legislador francês, que

nela enxerga um meio de aliviar os tribunais e de tornar mais humana a Justiça. A

preocupação é louvável; liga-se à idéia de que, neste fim de séc ulo XX, o jurisdicionado

aspira a uma Justiça mais simples, menos solene, mais próxima de suas preocupações

quotidianas, àquilo que numa palavra se de denomina Justiça de proximidade”.

Na América Latina, merece destaque a posição da Argentina, que há algu m

tempo alterou o seu Código de Processo Civil para instituir em caráter obrigatório a mediação

prévia a todos os juízos, destinada a promover a comunicação direta entre as partes em busca

da “solução extrajudicial da controvérsia”.

O novíssimo Código de Processo Civil de Portugal, preocupado também com a

importância da solução consensual dos conflitos, preconiza a audiência prévia de conciliação.

Para a doutrina argentina, espelhada nas experiências já realizadas em outrospaíses, a implementação de formas alternativas de resolução dos conflitos produz duplo e

relevante efeito:

a) a curto prazo, tende a aliviar a sobrecarga de trabalho dos juízes;

b) a longo prazo, se pode esperar uma mudança de mentalidade da sociedade,

especialmente dos operadores do direito, por meio da qual, a um só tempo, será possível “um

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maior acesso à justiça” conjugado com “uma baixa no índice de litigiosidade, ou seja, redução

do ingresso de causas no sistema jurisdicional”.

Enquanto a solução contenciosa freqüentemente agr ava a discórdia entre os

litigantes, a solução alternativa coexistencial ou conciliatória pode, não raro, salvar e

preservar relacionamentos jurídicos que, naturalmente, devam ser duradouros.

Não basta, outrossim, prever simplesmente, como faz nosso Códig o de

Processo Civil, que haverá sempre uma audiência de conciliação. O mais importante é que o

conciliador seja preparado, técnica e psicologicamente, para promover a solução consensual e,

para tanto, tudo aconselha que não seja o próprio juiz togado, isto é, a aquele a quem toca

 julgar contenciosamente o conflito .

Não podem, destarte, os reformadores do direito processual brasileiro fechar os

olhos para essa realidade universal de valorização das vias alternativas de solução de litígios.

O que realmente convém - como adverte MONIZ ARAGÃO - é, também, no

direito brasileiro, “engendrar e oferecer novas fórmulas de alcançar a composição dos

conflitos, de que a arbitragem e os juizados especiais são exemplos, mas não devem ser

consideradas soluções únicas; há que se investigar se é possível ofertar outras, aceitáveis, que

sirvam de alternativas para os interessados”.

CONCLUSÕES

Tal como BARBOSA MOREIRA, também me convenço, cada vez mais, “de

que, de vez em quando, o processualista deve deixar de lado a l upa com que perscruta os

refolhos de seus pergaminhos e lançar à sua volta um olhar desanuviado. O que se passa cá

fora, na vida da comunidade, importa incomparavelmente mais do que aquilo que lhe pode

proporcionar a visão de especialista. E, afinal de con tas, todo o labor realizado no gabinete,

por profundo que seja, pouco valerá se nenhuma repercussão externa vier a ter... O processo

existe para a sociedade, e não a sociedade para o processo”.

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O que é lícito esperar é que, por meio de modernas técnicas de gerenciamento

de qualidade, os responsáveis pela Justiça brasileira assumam postura de maior ousadia e

criatividade.

Ousadia para traduzir em provimentos práticos aquilo que a ideologia da Carta

Magna assegura aos cidadãos em termos de garantias fundam entais e da respectiva tutela

 jurisdicional. Criatividade, para superar vícios e preconceitos arraigados nas arcaicas praxes

do foro e para forjar “uma vontade firmemente voltada à edificação de uma nova Justiça.

Mais transparente, mais eficaz e efetiva, e conômica e, sobretudo, rápida”.

Urge superar, sem mais delongas, o estágio da retórica jurídica para penetrar na

prática inadiável da gestão de qualidade da prestação jurisdicional. Só assim, tranformar -se-áo processo civil no efetivo instrumento de real ização da missão cívica que a declaração

fundamental lhe destina.

É, enfim, a hora de dar vida à lição doutrinária sobre a efetividade e

instrumentalidade do processo; de tornar realidade a vontade política proclamada na Carta

Magna, asseguradora da paz social e aplacadora da natural sede de justiça da sociedade.

É por isso que estou certo, acima de tudo, da extrema necessidade de

empenhar-se a Nação na reforma dos serviços judiciários e no aperfeiçoamento de seus

operadores em todos os níveis, quer para solucionar contenciosamente os conflitos, quer para

estimular a busca de soluções consensuais alternativas. Sem aprimorar os homens que irão

manejar os instrumentos jurídicos, toda reforma da lei processual será impotente para superar

os verdadeiros problemas da insatisfação social com o deficiente acesso à Justiça que, entre

nós, o Poder Judiciário hoje proporciona.