148
CAROLINA LAURENTI HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO São Carlos 2004

HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

CAROLINA LAURENTI

HUME, MACH E SKINNER:

A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

São Carlos

2004

Page 2: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

CAROLINA LAURENTI1

HUME, MACH E SKINNER:

A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação, em Filosofia e Metodologia das Ciências, da Universidade Federal de São Carlos, como requisito à obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. José Antônio Damásio Abib

São Carlos

2004 _____________ 1 Bolsista CAPES – Programa de Demanda Social.

Page 3: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar

L383hm

Laurenti, Carolina. Hume, Mach e Skinner: a explicação do comportamento / Carolina Laurenti. -- São Carlos : UFSCar, 2004. 146 p. Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São Carlos, 2004. 1. Behaviorismo (Psicologia). 2. Causalidade. 3. Instrumentalismo (Filosofia). 4. Probabilismo. 5. Descritivismo. I. Título. CDD: 150.1943 (20a)

Page 4: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

DEDICATÓRIA

Aos meus queridos pais,

Ana Cristina e Antônio Carlos

e às minhas lindas irmãs, Camila e Elisa, dedico este trabalho.

Page 5: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

AGRADECIMENTOS

Agradeço à CAPES o apoio financeiro, fundamental para a realização deste trabalho. Ao meu

orientador, José Antônio Damásio Abib, que mostrou a seriedade e responsabilidade do

trabalho acadêmico. Registro aqui também minha gratidão aos amigos e amigas de São Carlos

e de Londrina pelo carinho e incentivo. Reconheço também a preciosa contribuição do

professor Mark Julian Richter Cass à minha formação intelectual, o que ajudou a definir os

contornos do presente trabalho e os itinerários de um projeto futuro. E, finalmente, ao Carlos,

pelo amor e companheirismo.

Page 6: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

Laurenti, Carolina. Hume, Mach e Skinner: a explicação do comportamento. 2004. Dissertação (Mestrado em Filosofia e Metodologia das Ciências) – Universidade Federal de São Carlos.

RESUMO

O behaviorismo radical se apresenta como a filosofia da ciência do comportamento humano. Essa asserção tem decorrências importantes. Uma delas esbarra, imediatamente, em questões concernentes à explicação científica. O presente trabalho trata essencialmente desta questão: qual o modelo de explicação do comportamento defendido pelo behaviorismo radical? Todavia, seu escopo é limitado. Foram examinadas algumas características do modelo explicativo comportamental através de um debate travado entre Skinner e outros dois filósofos da ciência, a saber: David Hume e Ernst Mach. Hume faz uma crítica lógica-empírica do conceito de causalidade como conexão necessária, afirmando que as relações causais, com respeito ao campo das questões de fato, não são passíveis de demonstração. Somado a isso, a experiência não fornece os elos causais que conectam inelutavelmente a causa ao efeito. Ao final, podemos tratar do conhecimento humano, apenas, em termos de relações constantes. Essa crítica foi legada a Skinner através de suas relações com o descritivismo funcional machiano. Mach incorporou a crítica de Hume ao substituir a noção de causa pela de relações funcionais, operando uma desvinculação entre explicação científica e explicação causal. É possível também argumentar que Mach avança a crítica de Hume afirmando que o mundo é, em princípio, probabilístico. Skinner, desde o início de sua obra, anunciou sua interpretação da teoria do comportamento como descrição nos moldes machianos. Com isso, confinou-se a explicar o comportamento em termos de relações funcionais. Entretanto, é possível identificar que a explicação do comportamento não se resume à descoberta de relações funcionais. Skinner rompe os limites do descritivismo interpretando a origem de comportamentos que ultrapassam descrições meramente funcionais, como é o caso do comportamento filogenético e das práticas culturais. O behaviorismo radical inclui no seu sistema explicativo a interpretação. Nesse sentido, a teoria do comportamento, sem renegar o descritivismo, conjuga-se como uma versão do instrumentalismo científico. A novidade está que o faz via relações com Mach. A ênfase dada por Mach com respeito às noções de conceito e hipótese científicas, nos leva a encontrar uma espécie de instrumentalismo reticente que emerge como uma reação à interpretação realista das teorias. Como uma versão do instrumentalismo científico, a teoria do comportamento também se afirma como um pragmatismo, que acaba inserindo o behaviorismo radical no campo da ética. A conjugação das versões descritivistas e instrumentalistas impede interpretações realistas da teoria do comportamento. Ademais, uma leitura da teoria de Skinner através dos textos filosóficos de Hume e Mach afasta o behaviorismo radical de laços com o determinismo metafísico. Conclui-se que o modelo de seleção por conseqüências se apresenta não como um modo causal, mas como um modo funcional, instrumental e probabilista de explicação do comportamento. Palavras-chave: behaviorismo radical, explicação, causalidade, descritivismo, instrumentalismo, probabilismo.

Page 7: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

Laurenti, Carolina. Hume, Mach and Skinner: the explanation of behavior. 2004. Dissertação (Mestrado em Filosofia e Metodologia das Ciências) – Universidade Federal de São Carlos.

ABSTRACT

Radical behaviorism was presented as the philosophy of science of human behavior. This has important consequences. One of them has to do with questions regarding scientific explanation. The present essay essentially deals with the following question: what is the model of explanation of radical behaviorism? Some characteristics of the explanation model of behavior are examined, based on a discussion of the ideas of Skinner and two others philosophers of science, to wit, David Hume and Ernst Mach. Hume offers a logical-empirical critique of the concept of causality as necessary connection, by arguing that causal relations can not be demonstrated on the basis of statements of fact. Moreover, experience does not furnish the necessary causal link between cause and effect. He concludes the human knowledge deals solely with constant relations. This critique was taken over by Skinner by way of Mach’s “functional descriptivism”. Mach’s substitution of the concept of cause by that of functional relations, and its consequent distinction between scientific explanation and causal explanation is based on Hume’s critique. One might also argue that Mach advances on Hume’s critique by asserting that the world is, in principle, probabilistic. Skinner, from the beginning, offered an interpretation of behavioral theory as description in accordance with Mach’s philosophy of science. Accordingly, he limited himself to explaining behavior in terms of functional relationships. However, it is argued that the explanation of behavior is not only the discovery of functional relations. Skinner does not comply with the restrictions of descriptivism when he offers an interpretation, beyond the bounds of mere functional relations, of the origin of behavior, as is the case with philogenetic behavior and with cultural practices. Accordingly, interpretation is included in radical behaviorism’s explanatory system. In this way, the theory of behavior, without rejecting descriptivism, may be associated with a version of scientific instrumentalism. This is done via Mach in a somewhat surprising way. Mach’s emphasis on the notions of scientific concept and hypothesis leads us to a kind of reticent instrumentalism which emerges as a reaction to the realist view of theories. As a version of scientific instrumentalism, the theory of behaviorism can be seen as pragmatic, and so radical behaviorism enters the field of ethics. The alliance of descriptivism and instrumentalism rule out realist interpretations of the theory of behavior. A reading of Skinner’s theory from the perspective of the philosophical works of Hume and Mach also weaken the association of radical behaviorism with the metaphysical determinism. It is concluded that the model of selection by consequences is a functional, instrumental and probabilistic, rather than causal, way of explaining behavior. Key-words: radical behaviorism, explanation, causality, descriptivism, instrumentalism, probabilism.

Page 8: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 07

CIÊNCIA E EXPLICAÇÃO ......................................................................................................... 07

EXPLICAÇÃO CIENTÍFICA E BEHAVIORISMO RADICAL ........................................................... 13

CIÊNCIA E O STATUS COGNITIVO DAS TEORIAS ..................................................................... 16

2 CAUSALIDADE E DESCRITIVISMO: DAVID HUME E ERNST MACH .................. 20

2.1 HUME E A NOÇÃO DE CAUSALIDADE ............................................................................... 21

2.2 AS QUESTÕES DE FATO E A CIÊNCIA DO HOMEM ............................................................. 24

2.3 HUME E A FILOSOFIA DA CIÊNCIA ................................................................................... 32

2.4 MACH E O MODELO DA CIÊNCIA ...................................................................................... 35

2.5 CONHECIMENTO COMO FENÔMENO BIOLÓGICO, HISTÓRICO E PSICOLÓGICO ................... 36

2.6 DETERMINISMO E PROBABILISMO EM MACH .................................................................... 50

3 O STATUS COGNITIVO DA TEORIA COMPORTAMENTAL: DESCRITIVISMO E

INSTRUMENTALISMO ................................................................................................... 62

3.1 TEORIA COMPORTAMENTAL DE SKINNER ........................................................................ 64

3.2 INTERPRETAÇÃO DESCRITIVISTA DA TEORIA COMPORTAMENTAL: ALGUMAS IMPLICAÇÕES ..

.......................................................................................................................... 68

3.3 INSTRUMENTALISMO CIENTÍFICO E ERNST MACH ............................................................ 73

3.4 TEORIA COMPORTAMENTAL DE SKINNER E INSTRUMENTALISMO CIENTÍFICO .................. 81

3.5 BEHAVIORISMO RADICAL E PRAGMATISMO ..................................................................... 89

4 SELEÇÃO PELAS CONSEQÜÊNCIAS COMO UM MODELO EXPLICATIVO DO

COMPORTAMENTO...................................................................................................... 102

CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 135

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....... ......................................................................... 144

Page 9: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

7

1 INTRODUÇÃO

O behaviorismo radical define-se como a filosofia da ciência do

comportamento (Skinner, 1974/1976). Essa asserção tem decorrências profundas. Uma delas

esbarra imediatamente em questões concernentes à explicação científica. Qual o modelo

explicativo do comportamento na perspectiva do behaviorismo radical? O presente trabalho

dedica-se essencialmente a essa questão. Entretanto, seu escopo é limitado. Pretendemos

identificar algumas características do modelo explicativo comportamental através de um

debate travado entre Skinner e outros dois proeminentes filósofos da ciência, a saber: David

Hume e Ernst Mach.

CIÊNCIA E EXPLICAÇÃO

As explicações para os fatos são entendidas como respostas à questão “por

quê?”. Isso se aplica às explicações científicas. Com efeito, um pedido por explicação

científica pode, razoavelmente, ser colocado por meio de uma questão-porquê. Todavia, nem

toda questão-porque implica necessariamente uma explicação científica. Por exemplo1,

quando perguntamos: por que um empregado recebe um salário maior do que outro? A

resposta pode se dar em termos de uma justificação moral ou legal. Quando alguém indaga:

por que você foi à farmácia hoje? E tem como resposta: para comprar aspirina. A resposta à

pergunta “por que?” constitui uma justificação prática. Um pedido por explicação pode

também ser entendido como um pedido por consolo religioso, como na situação em que

interrogamos Deus acerca do nosso infortúnio e sofrimento. Não estamos interessados aqui

em uma análise do conceito de explicação que englobe a totalidade de respostas que podem

ser dadas à pergunta “por quê?”. Diferentemente, a nossa atenção será voltada a um tipo

1 Situações extraídas de Salmon (1984).

Page 10: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

8

particular de explicação: a explicação científica. Quais os aspectos empregados para

caracterizar uma explicação como científica?

Nagel (1961), por exemplo, afirma que as explicações científicas buscam

sistematizar as informações sobre seu objeto de estudo em sistemas logicamente integrados de

explicação. Os princípios explicativos (científicos) organizam as proposições sobre os fatos

inscrevendo-os em um corpo unificado de conhecimento. Em sua busca por explicações

sistemáticas, a ciência fabrica uma linguagem na tentativa de mitigar a indeterminação da

linguagem ordinária. Por incorporar suas declarações em sistemas logicamente integrados de

explicação, a ciência aguça seus poderes de discriminar procedimentos de teste e aumenta as

fontes de evidência relevantes para suas conclusões. A busca por explicações sistemáticas

requer que a pesquisa seja dirigida às relações de dependência entre as coisas. Isso quer dizer

que a informação adquirida pela ciência é, comumente, engendrada por explicações que são

controladas e sistematizadas por evidência factual. Essas são algumas funções e

características das explicações científicas referidas por Nagel (1961).

É possível perceber que a maneira como a ciência explica seus objetos

funciona como um critério que a diferencia de outros discursos, que oferecem, por sua vez,

outros tipos de explicação. Temos, então, no conceito de explicação um dos elementos

definidores de uma possível caracterização do projeto científico, dando sentido aos

antagonismos das díades ciência e senso comum, ciência e religião, ciência e artes. Além

disso, o conceito de explicação não consiste apenas em uma evidência admitida como

qualificadora da ciência, mas também é responsável pelas distinções internas ao próprio

empreendimento científico. Nem todas as ciências apresentam a mesma estrutura de

explicação. Algumas podem exibir uma forma altamente integrada de explicação sistemática

assumindo, por exemplo, a forma de um sistema dedutivo. Outras podem compor explicações

do tipo probabilísticas, explicações funcionais ou teleológicas, ou ainda, explicações

Page 11: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

9

genéticas. Esses tipos de explicação científica expressam uma diversidade na ênfase que se

coloca no desenvolvimento de explicações sistemáticas e também no grau de completude dos

seus sistemas explicativos. A despeito das diferenças presentes em termos de estrutura

explicativa, há um elemento comum a todas as disciplinas científicas: a busca de explicações

sistemáticas para os fatos (Nagel, 1961).

Podemos dizer que a explicação apresenta-se como um elemento nuclear

tanto da ciência, entendida como um projeto geral, quanto das ciências, consideradas, aqui,

como as ramificações e especificidades que integram aquele empreendimento. Assim, a

explicação, de certo modo, é o ponto de partida e também horizonte da ciência - indica uma

linguagem, dispositivos e métodos para lidar com o objeto de estudo. Enfim, define um olhar,

dita uma prática. Desta forma, para entender um determinado projeto científico, faz-se mister

compreender o conceito de explicação que o singulariza e lhe dá sentido.

Não obstante, para outros autores, as explicações científicas não se

caracterizam apenas por oferecer explicações sistemáticas para os fatos, indicando uma outra

característica definidora da explicação científica: “explicar a ocorrência de um acontecimento

é apontar aquilo que o causou” (Lambert, 1970/1979, p.45). Nesta proposta, as explicações

científicas oferecem respostas pautadas na busca das causas dos fenômenos que investigam.

Ou seja, um pedido por explicação científica se apresenta como um pedido pelas causas dos

fatos. Com isso, instala-se uma aproximação entre explicação científica e conhecimento das

causas. Pode-se dizer, em alguma medida, que explicar cientificamente um dado fenômeno é

indicar as causas desse fenômeno. Portanto, para compreender um dado projeto científico é

imprescindível examinar o conceito de explicação e averiguar o conceito de causa. Em suma,

explicações científicas legítimas se apresentam como explicações das causas dos fatos.

Salmon (1984), por exemplo, argumenta que o objetivo da explicação científica é “mostrar

como os eventos se ajustam a estrutura causal do mundo” (p.19). Isso envolve examinar os

Page 12: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

10

mecanismos causais que conectam a causa ao efeito, em suas palavras: “os mecanismos

causais subjacentes são a chave para o entendimento do mundo” (p.260).

Temos, então, que a explicação científica é concebida como um processo

dirigido à busca das causas dos fenômenos. Mas nem todos compartilham dessa acepção de

explicação científica. Argumenta-se que a suposta equalização entre explicação científica e

explicação causal, não delimita o campo das disciplinas que podem receber a designação de

científica. Há discussões que indicam não haver uma sobreposição total dos termos,

sustentando que o conceito de explicação científica não implica a busca de relações causais.

Ou seja, um pedido por explicação científica não se traduz como um pedido pelas causas dos

fatos.

Aqueles que defendem que o objetivo da ciência não é deslindar as causas

dos fenômenos que investigam geralmente operam uma des-idenficação, e não uma redução

da explicação à causalidade. Em vista disso, tal concepção de ciência não participa dos

debates que aspiram encontrar caminhos e estratégias para se conformar às explicações nos

moldes causais - em termos de um evento antecedente temporalmente próximo ao efeito.

Ernst Mach (1893/1960), por exemplo, afirma que a tarefa da ciência é descobrir relações

funcionais entre os eventos e não as causas dos fenômenos. Em sua ciência, “o conceito de

causa é substituído pelo conceito de função; a determinação da dependência entre os

fenômenos (...) é anunciada como objeto de estudo” (Mach, p.325).

Muitas vezes, a crítica à idéia de que a explicação científica se identifica

com explicação causal vem acompanhada de uma reformulação das questões que expressam

os objetivos da ciência. Neste caso, defende-se que as questões que a ciência responde são

aquelas que se ocupam do como e não do porquê. Os representantes dessa visão de ciência

argumentam que as questões-porque só poderiam ser respondidas se a ciência fosse capaz de

evidenciar as relações causais necessárias entre os eventos, bem como alcançar a verdade e a

Page 13: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

11

certeza. Como isso não é possível, a ciência se ocupa somente do como. Dito de outro modo,

o que interessa à ciência é como os eventos acontecem e como estão relacionados, uma vez

que o conhecimento científico é limitado para sondar os mecanismos que conectam

inelutavelmente a causa ao efeito.

Desta forma, emergem duas interpretações quanto ao estatuto cognitivo das

ciências. Aqueles que defendem que a tarefa da ciência é explicar de modo causal os

fenômenos afirmam que o conhecimento científico é o conhecimento do porquê. Aqueles que

criticam a busca de relações causais como desiderato da ciência reconhecem que o

conhecimento científico é o conhecimento do como. Ademais, existe uma posição

intermediária entre as duas concepções: é possível designar uma resposta a uma questão-

porque como uma explicação, sem que isso seja feito em termos de relações causais infalíveis

entre os eventos. Ou seja, preserva-se a questão “por que?” como representante dos objetivos

da ciência, sem comprometer-se com respostas pautadas nas causas dos fatos.

As discussões feitas até agora revelam que o conceito de causalidade é o

pivô de muitas controvérsias referentes aos objetivos da explicação científica. Para acirrar

esse debate introduziremos um outro assunto que é tangente à discussão acerca da

causalidade, e que servirá aos propósitos deste trabalho. Trata-se dos conceitos de

determinismo e probabilidade. O determinismo consiste na tese de que todos os eventos têm

causas (Nagel, 1958/1974). Em uma acepção mais talhada, tem-se que um evento

determinado é aquele evento para o qual existe um conjunto de fatores suficientes para sua

ocorrência: dada a ocorrência de um evento A segue-se a ocorrência do evento B. A tese

determinista geralmente fundamenta as propostas de ciência. Entretanto, muitos objetos da

ciência não se conformam completamente aos moldes das relações causais. Não raro, a

ocorrência do evento A não é seguida inelutavelmente da ocorrência do evento B.

Apresentamos o evento A e às vezes tem-se B na seqüência. A noção de probabilidade

Page 14: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

12

aparece nesta situação. Quando não alcançamos seqüências inexoráveis entre os eventos,

dizemos que A provavelmente ocasionou B.

No contexto do determinismo, a probabilidade revela uma falha ou

limitação na explicação científica. Devido às limitações no método e instrumentação

científicos não podemos, ainda, descobrir os mecanismos reais que são os responsáveis pelas

interações causais. Em suma, a probabilidade considerada sob o pano de fundo da tese

determinista significa conhecimento incompleto. Portanto, fica implícita a suposição de que

podemos reparar as probabilidades encontradas (essas incertezas, limitações). Ou, em uma

versão mais radical, podemos superá-las completamente através do aperfeiçoamento de

métodos, instrumentação e tecnologias disponíveis à ciência - que por ora não se mostram

desenvolvidos o suficiente para mostrar as relações infalíveis entre causa e efeito. De fato, a

probabilidade se apresenta como uma etapa no alcance das relações causais: é o meio e não o

fim das explicações científicas. A probabilidade diz respeito, apenas, à superficialidade das

coisas, do que é aparente, efêmero, fugaz. Enquanto que a explicação causal deslinda o que

‘realmente’ está por detrás do fenômeno, o que lhe é característico, essencial, imutável.

Por seu turno, aqueles que criticam que a tarefa da ciência se resume à busca

de relações causais, defendem uma espécie de limitação inerente ao conhecimento científico.

Isso pode se traduzir da seguinte maneira: não podemos detectar uma relação absoluta ou

inexorável entre os eventos que são o objeto da pesquisa empírica. Em outras palavras, não

acessamos os elos causais, os processos essenciais dos fenômenos, pois nosso conhecimento é

limitado para sondá-los. Nesta ocasião, a probabilidade não aparece como um estágio

intermediário no alcance de explicações causais. A probabilidade é o fim das explicações. Ela

não revela conhecimento incompleto, ou seja, uma medida de ignorância com respeito aos

determinantes dos fenômenos. Ao contrário, a probabilidade significa conhecimento

completo, o que nos leva a concluir que só podemos lidar com probabilidades. Em vista disso,

Page 15: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

13

é no mínimo questionável a acepção de probabilidade enquanto superficialidade. Na verdade,

contra-argumentam os defensores dessa visão que a dicotomia aparência-essência só tem

sentido em uma concepção de conhecimento científico que associa a causalidade, enquanto

relação fundamental entre os eventos, e o determinismo como pressuposto da ciência.

As discussões até aqui realizadas são apenas alguns exemplos que ilustram o

debate no contexto da filosofia da ciência quanto ao estatuto explicativo da atividade

científica. Ademais, é possível perceber que o conceito de causa é o responsável por muitas

disputas quanto aos objetivos da explicação científica, e serve para confirmar os

compromissos com uma determinada visão, ou demarcar, por completo, o afastamento de

outras.

EXPLICAÇÃO CIENTÍFICA E BEHAVIORISMO RADICAL

Skinner (1953, 1974/1976) se propôs a desenvolver uma ciência do

comportamento humano. Uma tarefa nada fácil quando se trata de um dos assuntos mais

difíceis até então submetido ao exame científico. O que parece ser reconhecido por Skinner

(1953), em suas palavras:

O comportamento é uma matéria difícil, não porque seja inacessível, mas porque é extremamente complexo. Desde que é um processo, e não uma coisa, não pode ser facilmente imobilizado para observação. É mutável, fluido e evanescente, e, por esta razão, faz grandes exigências técnicas da engenhosidade e energia do cientista. Contudo, não há nada essencialmente insolúvel nos problemas que surgem deste fato (p.15).

Ainda que seja complexo, processual, fluido e evanescente, Skinner (1953)

dedica-se ao estudo científico do comportamento. Ao fazer isso, esbarra imediatamente em

questões concernentes à explicação científica: um pedido por explicação do comportamento

supõe um pedido pelas causas do comportamento? Ou as relações entre os eventos

comportamentais são explicadas em termos de relações probabilísticas? A resposta a essas e

outras indagações é de especial importância para delinear nosso itinerário.

Page 16: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

14

Já é sabido que Skinner (1931/1961, 1953, 1989) explica o comportamento

em termos de relações funcionais entre os eventos, com uma ênfase especial nas

conseqüências da ação. Para ele, uma causa torna-se uma mudança na variável independente e

um efeito uma mudança na variável dependente. “A velha “conexão causa-e-efeito””, diz

Skinner (1953), “torna-se uma “relação funcional”, os novos termos não sugerem como uma

causa produz (cause) seu efeito; eles simplesmente afirmam que eventos diferentes tendem a

ocorrer juntos em uma certa ordem” (p.23). Ao tratar as relações entre os eventos

comportamentais em termos de regularidades, Skinner aproxima-se de Hume - um

representante do empirismo inglês, conhecido pela sua crítica cortante à noção de causalidade

concebida como uma conexão necessária.

Segundo Hume (1748/1980), a experiência, fundamento do conhecimento

sobre questões de fato, não nos permite acessar os elos ou “poderes ocultos” que conectam

infalivelmente a causa ao efeito, nas palavras do filósofo: “a experiência só nos ensina que um

acontecimento segue constantemente a outro, sem nos mostrar a conexão secreta que os liga

entre si e os torna inseparáveis” (p.161). Em vista disso, as noções de força, energia e poder,

não são mais invocadas para promover uma compreensão das relações entre os eventos - já

que não são fundamentadas na experiência. Ficamos, então, com as relações que nos são

autorizadas pela experiência: a conjunção constante. A causa não é vista como o evento que

produz ou impulsiona o efeito, mas o evento que é seguido por um outro. Com essa crítica,

Hume evidencia uma limitação, em princípio, do conhecimento. Estamos diante de uma

incerteza insuperável quanto às possibilidades de descobrir relações absolutas entre os

eventos. É possível estender esse tipo de argumento também à crítica de Skinner à noção de

causalidade? Ou seja, Skinner defenderia que as relações entre os eventos prescindem da

noção de conexão necessária porque somos impossibilitados, em princípio, para justificar tal

relação?

Page 17: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

15

As analogias entre Hume e Skinner se dão por vias indiretas, através das

relações com Ernst Mach. Argumenta-se (Chiesa, 1994) que Skinner incorporou

integralmente a noção machiana de relações funcionais - que, por seu turno, foi desenvolvida

mediante a influência de Hume na obra de Mach. Em outras palavras, a crítica humeana à

noção de causalidade como conexão necessária foi legada a Skinner através de suas estreitas

relações com Mach. As influências machianas no modelo explicativo behaviorista radical

podem ser evidenciadas, explicitamente, desde o início da obra de Skinner (1931/1961),

dando voz ao autor: “Mas devemos adotar uma visão mais modesta de explicação e

causalidade que parece ter sido primeiramente sugerida por Mach e é agora uma característica

comum do pensamento científico, em que, em uma palavra, a explicação é reduzida à

descrição e a noção de causalidade é substituída pela de função” (pp.337-338). As

semelhanças entre Mach e Skinner, quanto à substituição das relações causais pelas relações

funcionais, ganham seu verdadeiro sentido quando acompanharmos o paralelismo dos

argumentos com que ambos se valem para eliminar das relações entre os eventos a idéia de

conexão, e seus pressupostos adjacentes, como as noções de força e agência.

Não obstante as notáveis influências machianas, Skinner (1981/1984a) nem

sempre faz uso do termo relações funcionais inteiramente desvinculado da antiga terminologia

causa e efeito. Até mesmo no final de sua carreira, quando apresenta o modelo de seleção por

conseqüências, ele emprega o qualificativo causal, “dizer que a seleção por conseqüências é

um modo causal encontrado somente em seres vivos é somente dizer que a seleção (...) define

“vida”” (p.479). Ainda que preserve o termo causal, assinala que a seleção por conseqüências

é distinta da causalidade característica da mecânica clássica, comprometida com a noção de

força. Em contraste, Skinner (1990), ao discutir o modelo de seleção, afirma que as

contingências seletivas operam de maneira probabilística, “as variações são randômicas e as

contingências de seleção acidentais” (Skinner, 1990, p.1207). Somado a isso, afirma que o

Page 18: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

16

controle do comportamento operante é probabilístico, “o comportamento humano é

controlado (...) ao se mudar as condições ambientais das quais é uma função. O controle é

probabilístico” (Skinner, 1973, p.124). Temos, então, a coexistência de dois termos que

remetem a relações incompatíveis entre os eventos: causalidade e probabilidade. Para sondar

esse paradoxo nos valeremos da discussão sobre determinismo.

O determinismo está presente nas classificações da filosofia de Skinner, e é

responsável pelo emprego de muitos ‘ismos’ com respeito à sua posição científica, teórica e

ética. Contudo, podemos encontrar vários sentidos da palavra determinação, ora relacionado

com a idéia de necessidade, ora com explicação mecânica, ora com probabilidade, ora com o

selecionismo (Andery, 1997; Carrara, 1998; Slife, Yanchar & Williams, 1999). A despeito da

pluralidade semântica do termo, a tese determinista se apresenta como uma característica

definidora do sistema explicativo skinneriano. Considerando a posição tradicional que

interpreta a filosofia e a ciência de Skinner como deterministas, bem como o tratamento

dispensado por Skinner com respeito à probabilidade, convém indagar: a noção de

probabilidade em Skinner consiste em uma limitação metodológica em termos de explicação

científica? Ou compreende uma limitação insuperável do conhecimento, que nos obriga a

conceber a relação entre os eventos de forma distinta do determinismo? É possível uma outra

interpretação do programa filosófico e científico de Skinner?

CIÊNCIA E O STATUS COGNITIVO DAS TEORIAS

De acordo com Nagel (1961) há, pelo menos, três interpretações principais

na filosofia da ciência sobre o significado cognitivo das teorias científicas: realismo,

descritivismo e instrumentalismo. O fato de Skinner (1931/1961, 1953, 1989) declarar que a

ciência do comportamento se ocupa da descoberta de relações funcionais entre os eventos

comportamentais o insere como um representante do descritivismo científico (Chiesa, 1994).

Page 19: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

17

Isso nos remete a um outro caminho para discutir a explicação científica: conhecer a teoria

que lhe é constituinte.

Embora Skinner (1950/1961) tenha sido interpretado como antiteórico e

mesmo ateórico, ele estava comprometido com o desenvolvimento de uma teoria do

comportamento. Em suas palavras, “a teoria é essencial para o entendimento científico do

comportamento como objeto de estudo” (Skinner, 1947/1961, p.230). Skinner apresenta uma

teoria que define e descreve o comportamento, a saber, a teoria operante. O fato da teoria

operante se conjugar como uma versão do descritivismo científico já demarca o

distanciamento do behaviorismo radical de outros modelos explicativos do comportamento

humano. Além disso, denuncia suas afinidades e desafetos com algumas tradições filosóficas

da ciência. Skinner, por exemplo, é partidário da concepção de Ernst Mach que reduz

explicação à descrição e descarta teorias psicológicas que aludem a entidades hipotéticas

mediacionais para explicar o comportamento (Chiesa, 1994).

No interior desse sistema descritivo ocorreram abandonos e inserções de

conceitos caracterizando modificações na teoria do comportamento e, conseqüentemente, no

modelo explicativo de Skinner. Para exemplificar, Abib (1997) considera que a formulação

inicial da teoria operante conformava-se a uma teoria estritamente conceitual pela

consideração de variáveis intervenientes na explicação do comportamento. Essa teoria

caminhou para uma segunda versão, marcada pelo abandono desses conceitos e incorporação

de outros, como o de contingências de reforço. Elencada a variável primordial, a contingência

de reforço alterou a configuração estrutural da teoria do comportamento, que passou a ser

caracterizada como essencialmente empírica.

A versão descritivista das teorias, por seu turno, é alvo de inúmeras críticas.

Uma delas diz respeito à sua limitação ao analisar os eventos: privilegia as propriedades

observáveis e ignora outras propriedades e fenômenos (Lambert, 1970/1979). Essa crítica

Page 20: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

18

pode estender-se ao behaviorismo radical? Skinner rejeita os dados que ultrapassam os limites

da manipulação empírica na explicação do comportamento?

É possível encontrar aspectos teóricos no sistema explicativo de Skinner que

vão na contramão dessa crítica. Skinner (1984b), por exemplo, discute a evolução do

comportamento e de seus processos de maneira inferencial, reconstruindo os estágios de

desenvolvimento do comportamento. Semelhantemente, o autor constrói uma história para

interpretar a modelagem do comportamento filogenético complexo aludindo não às

contingências de reforço, mas a um programa de contingências de sobrevivência (Skinner,

1978). Contudo, o modo como esse programa opera na modelagem do comportamento não

pode ser observado e manipulado, mas apenas inferido. Assim, Skinner recorre a explicações

históricas para explicar as modificações do comportamento. Ademais, esse aspecto pode ser

vislumbrado, claramente, quando Skinner (1981/1984a) discute o modelo de seleção do

comportamento pelas conseqüências. De acordo com esse modelo, o comportamento é o

produto da conjunção de três tipos de contingências seletivas: contingências filogenéticas,

responsáveis pelos comportamentos típicos da espécie, contingências de reforço que modelam

e mantêm o comportamento dos indivíduos, e contingências sociais especiais, denominadas

culturas, que caracterizam a evolução de práticas sociais. É possível perceber, que Skinner

extrapola os limites da ciência do comportamento interpretando a origem do comportamento

que é objeto de ciências vizinhas como a biologia, etologia e antropologia. Isso só pode ser

feito com alto grau de inferência, sendo necessário extrapolar as observações experimentais

para se fazer contato com essas ciências fronteiriças. Além do mais, a ciência do

comportamento estenderia seu modo explicativo a ciências essencialmente históricas (etologia

e antropologia), o que contrasta com a ciência do comportamento, que é eminentemente

experimental.

Page 21: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

19

A partir das ampliações realizadas por Skinner, é possível ainda afirmar que

a explicação pode continuar a ser identificada com descrição? Isso sugere uma espécie de

ultrapassagem do descritivismo mediante a inserção de uma perspectiva especulativa de

explicação do comportamento? Inicialmente, podemos concluir, pelo menos, que a afirmação

de que Skinner explica as relações entre os eventos em termos de interdependência funcional

(o que o leva a ser considerado um representante do descritivismo científico) não é suficiente

para caracterizar o seu sistema explicativo.

Com essa breve discussão, é possível identificar algumas tensões e

ambigüidades no texto skinneriano quando a questão em tela refere-se à explicação e seu

acompanhante conceitual, a noção de causalidade. Somado a isso, têm-se também

controvérsias quanto ao diagnóstico predominante, na literatura da área, que concebe a teoria

do comportamento estritamente como uma versão do descritivismo científico. Em suma, este

trabalho pretende examinar a seguinte tríade conceitual na perspectiva do behaviorismo

radical: descrição, causalidade e explicação. O objeto privilegiado é o texto skinneriano

relacionado a essas temáticas. Contudo, o exame desses conceitos tomará, como pré-textos

filosóficos, alguns conceitos capitais das obras de Hume e Mach - o que prevê uma análise

mais aprofundada das noções apresentadas até o momento com respeito a esses filósofos.

Segue-se, então, uma análise da concepção de descrição e causalidade visitando suas

influências filosóficas e o seu papel na implementação do projeto científico skinneriano.

Posteriormente, investiga-se o status cognitivo da teoria comportamental, e conseqüente

influência dessa interpretação no desenvolvimento do principal modelo explicativo de Skinner

(seleção do comportamento pelas conseqüências). Com isso, procura-se levantar alguns

aspectos do conceito de explicação no behaviorismo radical e, desta forma, definir tanto a

abrangência, quanto às limitações da ciência do comportamento e seu locus na filosofia da

ciência.

Page 22: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

20

2 CAUSALIDADE E DESCRITIVISMO: DAVID HUME E ERNST MACH

Discutimos que existem vários itinerários que podem ser trilhados para

caracterizar um determinado sistema explicativo – analisar a teoria que lhe é constituinte,

investigar o conceito de causa. Entretanto, neste momento, nos dedicaremos inicialmente a

esta tarefa: examinar alguns temas da filosofia da ciência que se aplicam à análise do

conceito de explicação no behaviorismo radical. Para tanto, recorreremos a alguns clássicos

da filosofia da ciência como David Hume e Ernst Mach.

A temática central que justifica uma articulação entre Skinner e Hume

envolve a crítica humeana à noção de causalidade concebida como conexão necessária.

Nesse sentido, defende-se uma incorporação quase que integral da crítica humeana ao

modelo de ciência proposto por Skinner. Como evidências a serem consideradas para

sustentar essa aproximação, têm-se, no behaviorismo radical, a recusa das noções de força ou

agência na explicação do comportamento e a redefinição da explicação científica em termos

de relações funcionais. Um outro aspecto da obra de Hume que, aparentemente, tem relações

com algumas características do modelo explicativo do behaviorismo radical diz respeito à

noção de hábito. O tratamento demandado por Hume ao assunto pode ser empregado para

interpretar a ênfase dada por Skinner na explicação histórica do comportamento.

O exame da crítica humeana dá inteligibilidade às concepções de ciência de

Mach, uma vez que o diálogo entre esses autores revela-se nas influências notórias de Hume

na obra do físico e filósofo. É possível indicar que o conceito de relações funcionais e a

própria redução da explicação à descrição têm relações com a crítica de Hume. As

concepções de Mach de economia da ciência, relações funcionais e a idéia de que a ciência

não explica, mas descreve (identifica relações funcionais entre os eventos) são de inegável

centralidade na compreensão do modelo explicativo comportamental de Skinner. Deste

Page 23: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

21

modo, travar uma conversa entre Hume, Mach e Skinner oferece boas perspectivas para

analisar o conceito de explicação na filosofia do behaviorismo radical.

2.1 HUME E A NOÇÃO DE CAUSALIDADE

A noção de causalidade consiste em um dos temas que participa do debate

entre Hume e os racionalistas. De acordo com Descartes (1637/1979), um dos principais

representantes do racionalismo moderno, a razão, metodicamente orientada por meio de

regras, conduz ao conhecimento verdadeiro. Isso quer dizer, em outras palavras, que qualquer

conhecimento proveniente da razão é indiscutivelmente verdadeiro, e todas as outras

possíveis fontes de conhecimento, ou estão atreladas à razão, ou são passíveis de

questionamento. No caso de Descartes (1641/1979), por exemplo, a atividade do eu-pensante

(ou razão) é o alicerce de todo conhecimento, incluindo tudo o que conhecemos em relação

ao mundo. Temos nesse caso, uma primazia da razão em relação aos dados dos sentidos: “só

concebemos os corpos pela faculdade de entender em nós existente e não pela imaginação

nem pelos sentidos, e que não os conhecemos pelo fato de os ver ou de tocá-los, mas somente

por os conceber pelo pensamento” (Descartes, p.98, grifos meus). Aqui já é possível

identificar uma das principais divergências entre Descartes e Hume, enquanto que para o

primeiro o critério de decisão de uma tese é sempre a operação da razão, para o segundo são

as sensações. Verifica-se, assim, que, enquanto no racionalismo, a razão tem prioridade de

decisão em relação aos dados dos sentidos, em Hume as sensações superam a razão em

alguns casos, como será visto em seguida.

Com respeito à noção de causalidade, a crítica de Hume (1748/1980) à tese

racionalista tem como alvo principal o conceito de poder, força, energia ou conexão

necessária. Nas palavras do autor: “mesmo nos acontecimentos mais familiares, a energia da

Page 24: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

22

causa é tão ininteligível como nos mais insólitos, e que só apreendemos pela experiência a

conjunção freqüente dos objetos, sem jamais podermos perceber qualquer coisa que se

pareça com uma conexão entre eles” (p.163). Para compreender o escopo da crítica humeana

cabe introduzir, neste momento, as distinções feitas por Hume a respeito dos objetos de

investigação humana. De acordo com o filósofo, estes objetos são dois: relações de idéias e

questões de fato. O primeiro é composto pelas ciências da Geometria, Álgebra e Aritmética.

É o campo da demonstração e as proposições que dele participam são produto da operação do

pensamento e independem do que possa existir no mundo: “ainda que jamais existisse um

círculo ou um triângulo na natureza, as verdades demonstradas por Euclides conservariam

para sempre sua certeza e evidências” (Hume, p.143). A relação entre premissas e conclusão

é de sustentação absoluta, ou seja, é impossível que as premissas sejam verdadeiras e sua

conclusão falsa, em outras palavras, a conjunção das premissas com a negação de sua

conclusão incorre em uma contradição. Há uma certeza na afirmação de um elo entre

premissas e conclusão, ou ainda, uma ‘transmissão’ de verdade das premissas à conclusão: se

as evidências oferecidas para uma dada conclusão forem verdadeiras, não poderia haver

dúvidas quanto à verdade da conclusão - não há caminho das premissas para a negação da

conclusão.

O problema, segundo Hume (1748/1980), é atribuir o grau de certeza que

encontramos nas ciências matemáticas, que integram o campo das relações de idéias, às

ciências empíricas que fazem parte do campo das questões de fato. De acordo com Hume, o

modo de verificação das proposições deste campo é distinto do primeiro. Aqui, o contrário de

uma afirmação de fato é possível, a sua negação não implica em uma contradição. Dando voz

ao autor:

Todas as demais indagações dos homens só dizem respeito a questões de fato e de existência; e estas, evidentemente, não comportam demonstração. Tudo o que é pode não ser. A negação de um fato jamais poderá envolver

Page 25: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

23

contradição. A não-existência de qualquer ser, sem exceção alguma, é uma idéia tão clara e distinta quanto a de sua existência. Ainda que falsa, a proposição que nega a sua existência não é menos concebível e inteligível do que aquela que a afirma. O caso das ciências [matemáticas] propriamente ditas é diferente. Nelas, toda a proposição que não seja verdadeira é confusa e ininteligível. Que a raiz cúbica de 64 seja igual à metade de 10 é uma proposição falsa e nunca poderá ser claramente concebida. Mas que César, o anjo Gabriel ou qualquer outro ser nunca tenha existido, pode ser uma proposição falsa, mas apesar disso é perfeitamente concebível e não envolve contradição alguma (Hume, 1748/1980, p.203).

O campo das questões de fato, em especial, é de grande interesse para

Hume (1740/1995), pois ele está interessado no desenvolvimento de uma ciência do homem

através da aplicação do método experimental à natureza humana. Entendido que a evidência

da verdade das proposições de fato é de natureza distinta dos objetos referentes às relações de

idéias, a crítica de Hume diz respeito à impossibilidade da introdução da necessidade no

campo das questões de fato. Em vista disso, ele faz uma crítica lógica deste tipo de

conhecimento, ou seja, não é possível fundamentar logicamente (através da demonstração) as

afirmações das relações entre fatos1.

Neste momento, é pertinente prolongarmos um pouco mais a discussão e

investigar como é gerado o conhecimento sobre as questões de fato, o princípio que rege esse

campo, bem como o critério de sua validação.

_____________ 1 Antes de avançarmos ao próximo assunto, seria pertinente examinar o critério utilizado por Hume (1748/1980)

para distinguir os dois campos de investigação humana (relações de idéias e questões de fato). Notemos que a noção de demonstração é empregada para demarcar as diferenças entre as ciências matemáticas e as ciências empíricas. Demonstrar implica em fornecer evidências que atestem a verdade da conclusão e que, ao mesmo tempo, excluam a sua falsidade. Em outras palavras, se as evidências de um argumento dedutivo forem verdadeiras, a verdade da sua conclusão estaria garantida, e a suposta falsidade da conclusão estaria excluída. O conceito de demonstração envolve, portanto, as noções de dedução e de verdade: uma tese será demonstrada se for uma conseqüência dedutiva das evidências oferecidas para ela; e se as evidências forem verdadeiras. Todavia, há alguns problemas em identificar o termo ciência com demonstração. Um deles refere-se a um fracasso em termos de explicação. Por exemplo, um argumento válido é a petição de princípio (emprega-se como evidência para uma proposição, a mesma proposição a demonstrar sob outras palavras), contudo, esse tipo de argumento deixa a desejar em termos poder explicativo. Um segundo problema diz respeito à própria noção de demonstração, que está intimamente relacionada à idéia de verdade. A noção de verdade como desiderato da ciência tem sido alvo de inúmeras críticas. Há atribuições dos objetivos da ciência que não se identificam com a busca da verdade: ciência como previsão, efetividade, compreensão, ação prática, reformulação da experiência, dentre outros. A concepção de ciência como conhecimento demonstrativo, se já não é abraçada totalmente pelas definições de ciência é, pelo menos, criticável. Desta forma, podemos dizer que o critério de Hume (ciência como demonstração), empregado para demarcar campos distintos de ciência,

Page 26: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

24

2.2 AS QUESTÕES DE FATO E A CIÊNCIA DO HOMEM

Segundo Hume (1748/1980), a percepção é subdividida em duas espécies

de acordo com os seus diferentes graus de força ou vivacidade: impressões e pensamentos ou

idéias. As impressões são as percepções mais “fortes” ou “vivazes”, e as idéias são as

percepções mais “fracas”. Uma outra caracterização é que as impressões se originam nos

dados dos sentidos e as idéias são cópias dessas impressões. Por exemplo, um homem não

susceptível a uma dada sensação, por apresentar algum defeito do órgão, é incapaz de formar

as idéias correspondentes:

Um cego não pode fazer idéia das cores, nem um surdo dos sons. Que a cada um deles se restitua o sentido de que carece e, abrindo-se essa porta a novas sensações, ter-se-á aberto também uma porta às idéias, e ele não terá dificuldade em conceber esses objetos (p.141).

De acordo com essa concepção, as idéias complexas são resultado da

associação de idéias simples, e essas, por sua vez, são cópias de uma sensação ou percepção

anterior. Esta tese evidencia que “o poder criador da mente”, segundo Hume (1748/1980), se

resume à atividade de compor, combinar, aumentar ou diminuir os materiais fornecidos pelo

sentido e pela experiência. Quando pensamos, por exemplo, em uma montanha de ouro

fazemos nada mais do que juntar duas idéias compatíveis entre si: ouro e montanha. É

possível também concebermos um cavalo virtuoso associando a idéia de virtude à figura e

forma de um cavalo. A própria idéia de Deus, enquanto um ser infinitamente bom e

inteligente, se dá pelo aumento ilimitado das qualidades de bondade e sabedoria (Hume).

As idéias e impressões também apresentam outro tipo de relação: as

impressões são o critério de sentido ou de verdade das idéias. Ou seja, as impressões

funcionam como um critério para a decisão ou escolha de teses. Uma espécie de método para

não é adequado, levando em consideração as críticas com relação ao poder explicativo e à noção de verdade.

Page 27: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

25

dissolver controvérsias filosóficas. Assim, quando duvidarmos que algum termo está sendo

empregado sem qualquer significação, Hume (1748/1980) propõe que indaguemos: “de que

impressão deriva essa suposta idéia? E, se for impossível casá-la com uma impressão

qualquer, isso servirá para confirmar nossa suspeita” (p.142).

Segundo Hume (1748/1980), as idéias diferentes ligam-se umas às outras

apresentando uma certa ordem e regularidade, e isso se dá devido aos três princípios de

conexão entre as idéias, a saber: semelhança, contigüidade de tempo e lugar, e causa e efeito.

Os raciocínios sobre questões de fato baseiam-se na relação de causa e efeito. Hume

(1740/1995) analisa esse princípio em duas perspectivas, de acordo com seu critério de

sentido. A primeira é considerada quando a causa e o efeito estão presentes aos sentidos –

quando se presencia a ocorrência tanto da causa quanto do efeito. A outra possibilidade surge

quando apenas a causa apresenta-se aos sentidos e, partindo dela, infere-se o efeito – quando

se conclui da ocorrência de um acontecimento que outro irá ocorrer.

Com relação ao primeiro caso – quando se percebe tanto a causa quanto o

efeito – o autor indica três características definidoras de uma relação causal: contigüidade

entre causa e efeito, prioridade de tempo da causa em relação ao efeito e conjunção

constante2. Desta forma, ao observarmos uma relação causal entre os objetos, a percepção

imediata, ou as sensações, derivadas dessa observação, oferecem essas características da

causa, e nada mais. Ao analisar a segunda perspectiva, a natureza da inferência da causa ao

efeito, Hume (1748/1980) começa a demarcar o campo de sua crítica à noção de causalidade

como conexão necessária. Essa inferência, segundo ele, não pode ser descoberta pela razão,

mas sim pela experiência: “Nenhum objeto jamais revela, pelas qualidades que se

manifestam aos sentidos, nem as causas que o produziram, nem os efeitos que dele

_____________ 2 Nos deteremos no último aspecto da relação causal, conjunção constante, para discutir a crítica humeana à

Page 28: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

26

decorrerão; e tampouco a nossa razão, sem o socorro da experiência, é capaz de inferir o que

quer que seja em questões de fato e de existência real” (p.144).3

Assim, mesmo com respeito aos acontecimentos familiares, como o choque

de bolas de bilhar, não é possível, a priori, pronunciar algo sobre seu efeito. Quando, por

exemplo, observamos pela primeira vez o movimento de uma bola A que se choca com uma

bola B, não poderemos, segundo Hume (1748/1980), afirmar, com certeza, o que acontecerá

com a segunda bola: ela não poderia, porventura, ficar em repouso? Ou ainda, a bola A não

poderia voltar ao ponto de partida e a bola B seguir a mesma trajetória ou uma oposta? Seria

um absurdo a ocorrência de um movimento ascendente de uma das bolas? Para Hume, todas

essas possibilidades não podem ser excluídas a priori e são igualmente coerentes. A mesma

evidência (choque das bolas) é indiferente entre as alternativas, não há preferência ou

inclinação, em suma, não há escolha.

Com isso, considerar a relação entre questões de fato como necessária seria

um equívoco: a melhor evidência empírica que poderia ser oferecida em apoio à afirmação de

que há uma conexão causal entre eventos é compatível com a seqüência acidental de eventos.

A ocorrência de um evento passa a ser encarada como provável4, possível e não necessária.

Pode-se dizer que a relação de causa e efeito, quando se trata do campo das questões de fato,

carece de sentido. Porque não há impressão que corresponda à conexão entre causa e efeito,

ou seja, não há impressão correspondente à idéia de um poder que ligue o efeito à sua causa e

faça com que um deles seja uma conseqüência infalível do outro. Neste momento, podemos

idéia de causalidade como conexão necessária.

3 Como a inferência não é dada pela razão, ela não pode ser considerada uma demonstração, pois o intelecto, como indica Hume (1740/1995), ao fazer tal inferência concebe o possível; o contrário, como uma possibilidade, no campo das questões de fato é concebível. Já no caso de uma demonstração, o contrário é impossível, implica em contradição; e o que incorre em contradição é inconcebível.

4 Convém adiantar que a noção de probabilidade em Hume não está atrelada à idéia de um cálculo probabilístico, mas é entendida como um sentimento, uma expectativa gerada em relação à ocorrência de um determinado evento em função de uma experiência passada com a ocorrência de objetos semelhantes. Isso talvez fique mais claro quando discutirmos as noções de hábito e crença.

Page 29: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

27

adicionar à crítica lógica empreendida por Hume (1748/1980), com respeito ao conhecimento

sobre questões de fato, a crítica empírica: a experiência não fundamenta relações necessárias

entre os eventos.

Ainda que a percepção só nos forneça informações restritas a respeito de

um objeto particular em um tempo específico, verifica-se, contudo, que projetamos a

vivência passada a situações futuras. Por exemplo, quando nos é apresentado um objeto com

cor, consistência e outras qualidades sensíveis semelhantes a do pão, esperamos efeitos

análogos de nutrição e sustento (Hume, 1748/1980). Baseado em que processo realizamos tal

inferência? De acordo com Hume, só depois de uma longa sucessão de experiências

semelhantes é que formulamos conclusões acerca de um fato particular. Depois que o homem

adquiriu experiências com respeito à observação de uma conjunção constante entre os objetos

é que ele passa a fazer previsões, a prever a existência de um objeto a partir do aparecimento

de outro. O homem faz essa previsão sem que a experiência lhe tenha dado conhecimento do

poder secreto pelo qual um objeto produz o outro. Em que princípio o homem se baseia para

fazer tal previsão? A supor o passado semelhante ao futuro ou, em outras palavras, uma

regularidade na natureza? Esse princípio é o costume ou hábito. O hábito, segundo Hume,

consiste em um princípio básico da natureza humana evidente em todas as conclusões

retiradas da experiência:

Com efeito, sempre que a repetição de algum ato ou operação particular produz uma propensão de renovar o mesmo ato ou operação sem que sejamos impelidos por qualquer raciocínio ou processo do entendimento, dizemos que essa propensão é um efeito do hábito (p.151).

O hábito pode ser entendido como o processo pelo qual se faz previsões,.

Por exemplo, após a conjunção constante de dois objetos o homem é levado pelo hábito a

Page 30: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

28

esperar da ocorrência de um objeto o aparecimento do outro. Contudo, o hábito não conduz o

homem apenas a fazer inferências, mas a acreditar que um dado acontecimento ocorrerá. O

hábito também produz uma crença.

A crença pode ser entendida como o produto do hábito (processo). Mais

precisamente, a crença consiste em um sentimento resultante da conjunção constante entre os

objetos. Para esclarecer a origem da crença adaptemos um exemplo de Hume (1748/1980):

quatro das faces de um dado são marcadas com pintas vermelhas e as duas restantes com

manchas pretas. Ao lançar o dado, não podemos ter certeza do resultado, ou seja, qual das

faces se voltará para cima. De imediato, há uma indiferença com respeito às faces do dado,

elas se apresentam como equivalentes sendo igualmente prováveis. Contudo, na medida em

que vários lances vão sendo feitos, a ocorrência de faces coloridas com pintas vermelhas se

apresenta em maior número com relação ao número de ocorrências de faces pretas. Essa

superioridade numérica engendra uma expectativa ou uma crença com respeito ao

aparecimento do primeiro caso em comparação com o segundo, que se ampara num número

menor de possibilidades e ocorre com menos freqüência. Assim, ao lançarmos novamente o

dado, esperamos, ou melhor, cremos que a face vermelha ocorrerá – levando-se em conta a

história prévia de superioridade numérica de faces vermelhas em relação às pretas; e com

uma certeza que é proporcional ao número de chances contrárias. A crença que depositamos

em um certo acontecimento aumenta ou diminui em conformidade com o número de chances

ou experiências passadas; quanto maior a ocorrência de faces vermelhas mais forte é a crença

ou o sentimento de confiança ou segurança que é gerado por ela.

Nesse contexto, a probabilidade retrata uma evidência que ainda é

acompanhada de incerteza. Essa incerteza, por sua vez, baseia-se na diversidade dos

acontecimentos; no exemplo do dado, a ocorrência de faces pretas consiste naqueles

acontecimentos que se opõem à constância de aparição de faces vermelhas. Assim, a

Page 31: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

29

probabilidade é entendida na relação de acasos favoráveis em contraste com acasos

desfavoráveis. Quanto maior a probabilidade de ocorrência de um dado evento, mais intenso

o sentimento de segurança ou confiança (crença) na aparição desse evento. A crença dissolve

a indiferença perante a ampla gama de possibilidades de ocorrência de um fenômeno. Ela

orienta as expectativas, as escolhas frente à ocorrência de um evento.

Para resumir, temos a seguinte relação: o hábito nasce da conjunção

constante entre os objetos ou eventos. Quanto maior a freqüência dessa conjunção, maior o

grau de “certeza” da inferência de um objeto a outro. Essa situação produz, por sua vez, uma

crença mais forte. A regularidade dessa conjunção constante muitas vezes é abalada pela

ocorrência de experiências desfavoráveis ou contrárias. É nessa circunstância que tratamos da

probabilidade. Ela retrata a relação entre número de experiências favoráveis e desfavoráveis,

e isso faz com que passemos a inferir a existência do objeto a partir do outro,

proporcionalmente à experiência que tivemos dele. E paralelamente a isso, um grau de

segurança também proporcional a essa experiência. A probabilidade caracteriza, então, um

tipo de relação entre os eventos que contrasta, no campo das questões de fato com a prova5.

No caso da prova, temos uma conjunção inteiramente constante entre os objetos, o que nos

leva a um grau maior de “certeza”. Já no caso da probabilidade, a conjunção de dois objetos é

freqüente, contudo, não é ininterrupta conduzindo a um grau inferior de “certeza” em relação

à prova. Assim, temos que o grau de “certeza” é proporcional à constância da união entre os

eventos. A “certeza” alcançada através da probabilidade e da prova, entretanto, é distinta da

certeza alcançada por meio dos argumentos demonstrativos, que pertencem ao campo das

_____________ 5 Hume (1748/1980) divide os argumentos em três tipos, a saber: demonstrações, provas e probabilidades. O

primeiro tipo compreende a evidência acompanhada de certeza resultante da comparação de idéias, como o são as verdades da matemática. As provas consistem nos argumentos que são baseados na experiência, mas que são livres de dúvidas ou incertezas, como, por exemplo, asserções do tipo: “o sol nascerá amanhã” ou “todos os homens devem morrer”. Os raciocínios por conjectura ou probabilidades, assim como as provas, também são fundamentados na experiência, contudo, apresentam um grau inferior de evidência em comparação com as

Page 32: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

30

relações de idéias. A “certeza”, no campo das questões de fato, está condicionada à

experiência, “mesmo após a observação da conjunção freqüente (probabilidade) ou constante

(prova) entre objetos, não temos nenhuma razão para fazer uma inferência a respeito de outro

objeto além daqueles de que tivemos experiência” (Hume, 1748/1980, p.172). Podemos dizer

que a “certeza”, no campo das questões de fato, é qualitativamente diferente da certeza

encontrada no campo das relações de idéias, cuja relação de necessidade é absoluta.

Para Hume (1748/1980) o hábito e a crença são os responsáveis pela idéia

de regularidade, ou seja, eles possibilitam o homem a conhecer o mundo de maneira

ordenada, dando inteligibilidade às suas ações. Através do hábito o homem pode sobrepujar a

memória e os sentidos pela inferência de efeitos semelhantes de causas semelhantes, com o

intuito de maximizar benefícios atenuando os prejuízos. Assim, não é na razão, com respeito

às questões de fato e existência, que se encontra a gênese do princípio de causa e efeito, mas

sim no hábito; ou ainda, como escreve Hume (1740/1995): “não é, pois, a razão que conduz à

vida, mas o hábito” (p.71). A crença, por sua vez, como produto do hábito, não faz o homem

apenas esperar, acreditar que um objeto virá a ocorrer, mas que o mundo se comporta de

modo regular, que o futuro é semelhante ao passado. O hábito e a crença, como um princípio

da natureza, re-introduzem a regularidade nas relações entre os objetos - uma constância que

antes era atribuída à uma relação de necessidade, cuja gênese encontrava-se na razão, como

nos indica Hume (1748/1980):

Temos, pois, aqui, uma espécie de harmonia pré-estabelecida entre o curso da natureza e a sucessão de nossas idéias; e, embora nos sejam totalmente desconhecidos os poderes e as forças que governam o primeiro, vemos que os nossos pensamentos e concepções seguiram o mesmo encadeamento que as outras obras da natureza (p.156).

últimas. O lance de um dado, o choque de bolas de bilhar, a relação entre alimento, como o pão, e o sustento, podem ser tratadas como situações mencionadas por Hume que exemplificam esse tipo de argumento.

Page 33: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

31

Ao criticar a concepção de causalidade argumentando não haver uma

conexão necessária, e inscrevendo-a como produto do hábito e da crença na forma de

conjunções invariantes, Hume (1748/1980) rejeita também as noções de poder, força ou

agência. Ele afirma:

As cenas do universo mudam continuamente e um objeto segue-se a outro em sucessão ininterrupta; mas o poder da força que aciona a máquina inteira nos fica inteiramente oculto e jamais se manifesta em qualquer das qualidades sensíveis do corpo (p.160, grifo meu).

Segundo Hume (1748/1980), só aprendemos pela experiência a conjunção

constante dos objetos, sem jamais podermos perceber qualquer coisa que se pareça com uma

conexão íntima entre eles. Com efeito, a noção de causa é despojada de sua conotação de

poder, de força, de algo que produz, gera, impulsiona6: A causa já não é mais definida em

termos de um evento que produz infalivelmente o outro, ou seja, como aquilo que produz

alguma coisa. Na concepção humeana, a causa é vista apenas como um evento que é seguido

por outro, ou aquilo depois do qual existe uma coisa qualquer. Assim, o entendimento das

relações entre fatos prescinde da idéia de causa como força ou agência, e passa a ser

fundamentado nas conjunções invariantes.

O mesmo raciocínio com respeito à causalidade dos objetos inanimados,

Hume (1748/1980) estende à causalidade das ações humanas: “a mesma conjunção

experimentada tem o mesmo efeito sobre a mente, quer os objetos unidos sejam motivos,

volição e ações, quer figura e movimento” (p.172). Para o filósofo, a plausibilidade de uma

ciência do homem encontra-se na possibilidade de se fazer inferências sobre as ações

humanas, sendo que tais inferências se fundam na conjunção constante, conhecida por

_____________ 6 Adianta-se aqui uma aproximação de Hume tanto com Mach quanto com Skinner. Estes últimos também

recusam as noções de força ou agência, o primeiro no campo da física, o segundo, no campo da psicologia para deterem-se nas relações constantes ou, posteriormente, relações funcionais.

Page 34: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

32

experiência, de ações semelhantes com motivos semelhantes.

Ao analisarmos os objetos inanimados, vimos que a experiência nos

fornece apenas a conjunção constante entre os objetos e não a idéia de uma força que os

produz. Da mesma maneira, Hume (1748/1980, 1740/1995) discute que, ao examinarmos as

ações humanas, também a experiência nos mostra conjunções e não uma terceira entidade,

uma força, um sujeito, em outras palavras, um ‘eu’ que produz nossa ação. Desta forma, o

conhecimento das ações humanas também se dá em termos de conjunções constantes, e não

mais em termos de conexões necessárias que carregam a idéia de causa como evento gerador

e propulsor das ações.

2.3 HUME E A FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Ao investigar o campo das questões de fato, Hume (1748/1980) indica um

problema epistemológico: as sensações não fornecem os dados sobre a conexão necessária

entre causa e efeito. Empregando a terminologia humeana, os “poderes ocultos” que tornam a

relação entre causa e efeito infalível; mostram apenas que os eventos aparecem em uma

relação constante. Com isso, Hume revela o problema do valor de verdade do conhecimento

humano e, por conseguinte, das ciências empíricas: não podemos demostrar que os eventos

que ocorrem devem ocorrer e que as relações que se dão entre as coisas devem se dar entre as

coisas. Em outros termos, não podemos codificar na forma de leis a ordem necessária dos

fenômenos. Em vista disso, somos incapazes de alcançar a certeza e sustentar uma verdade

absoluta. Assumir, contudo, a crítica humeana à noção de causalidade como conexão

necessária desmoronaria o projeto científico?

Responder afirmativamente a essa questão evidencia uma contradição, já

Page 35: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

33

que Hume (1748/1980) defende o projeto de uma ciência do homem. Convém destacar que o

ceticismo humeano precisa ser entendido circunscrito ao campo da metafísica tradicional

que, como vimos, considera a razão como o fundamento do conhecimento genuíno e concebe

a noção de causa vinculada à idéia de força. Para Hume, a ciência humana é viável e encontra

seus limites e seu sentido na experiência - embora esse posicionamento seja diferente dos

princípios de validação tradicionais da metafísica. O ceticismo humeano pode ser

caracterizado como um ceticismo mitigado. A despeito das limitações do conhecimento

científico, comumente caracterizadas como o problema da indução, Hume não leva suas

“dúvidas ao extremo de destruir toda ação assim como toda especulação” (pp. 150-151). Em

outro trecho arremata: “a descoberta de defeitos na filosofia comum, se tais defeitos existem

não será, presumo eu, um fato desalentador, mas antes um estímulo, como costuma

acontecer, para se tentar algo mais completo e satisfatório do que até hoje tem sido proposto

ao público” (p.145).

A compreensão da crítica de Hume (1748/1980) com respeito à noção de

causalidade como conexão necessária foi orientada pela concepção de que o conhecimento

sobre questões de fato é limitado, em princípio, para fundamentar logicamente (pela

demonstração) e empiricamente (pela experiência) relações causais entre os eventos. Calcado

nessa concepção Hume faz também uma crítica cortante à noção de certeza afirmando uma

ignorância inevitável em relação à descoberta de relações absolutas no mundo. Reconhecer

que o conhecimento sobre questões de fato é limitado, em princípio, tem decorrências

implícitas importantes. Isso significa dizer que o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de

métodos da ciência jamais poderão superar tal limitação.

A crítica lógico-empírica de Hume contrasta, por exemplo, com a

suposição de que o desenvolvimento científico se apresenta como uma estratégia de reparo

do conhecimento. Tal suposição parece ser compatível com o determinismo metafísico

Page 36: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

34

(absoluto) que afirma a causalidade necessária como a característica primordial das relações

entre os eventos que compõem os fenômenos da natureza. Nesse contexto, a probabilidade

não se apresenta como antagônica ao determinismo: a nossa ignorância das verdadeiras

causas dos eventos poderia ser superada com o avanço metodológico e tecnológico científico.

Em suma, as noções de probabilidade, incerteza e ignorância, em Hume, evidenciam uma

limitação irremediável do conhecimento. Nessa situação anuncia-se o ceticismo humeano

quanto às possibilidades do conhecimento sobre questões de fato.

Todavia, criticar a noção de causalidade como conexão necessária e,

juntamente, a idéia de certeza não implica em eliminar a noção de previsibilidade. Como

discutimos, a possibilidade de uma ciência do homem está assegurada. Ainda que não

possamos acessar os poderes ocultos que ligam a causa ao efeito, é possível fazer uma

espécie de projeção de eventos futuros. O que nos permite realizar tal previsão é o hábito.

Uma previsão que é baseada em uma regularidade que nos autoriza, apenas, a antever

probabilidades de ocorrência e não a certeza.

Assim, a originalidade humeana frente aos outros filósofos da antigüidade,

bem como em relação ao racionalismo cartesiano, encontra-se na delimitação da ciência

humana no campo da experiência, questionando a primazia da razão sobre os sentidos e

colocando em xeque a noção de causalidade como conexão necessária. Como alternativa ao

problema epistemológico (a experiência não acessa os elos causais), é preciso tratar com

aquilo que a experiência fundamenta: relações constantes. E essa saída não poderia ser

puramente demonstrativa, já que, em geral, é de “probabilidades e outros padrões de

evidência dos quais a vida e a ação dependem inteiramente” (Hume, 1740/1995, p.43).

Hume (1740/1995, 1748/1980) propõe que não falemos em termos de

relações causais, já que não podemos conhecer o íntimo da natureza. Com isso, ele sugere

uma des-identificação ou desvinculação entre explicações científicas e explicações causais.

Page 37: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

35

Em outras palavras, podemos responder à questão “por que?” como uma explicação, ainda

que a resposta não se dê em termos de relações de causa e efeito intrinsecamente necessárias.

A explicação científica pode ser redefinida em termos de relações constantes, ou seja, a tarefa

da ciência passa a ser a de descobrir relações constantes entre os eventos. Esse

posicionamento pode ser também encontrado em Mach que parece ter levado a cabo a

proposta de Hume ao afirmar que o objetivo da ciência é descrever relações funcionais entre

os eventos.

2.4 MACH E O MODELO DE CIÊNCIA

Mach (1893/1960) se opôs à visão de que a ciência tem a tarefa de explicar

os fenômenos apontando os limites do conceito de causa e efeito. Com isso, procurou

eliminar da física suas relações com a metafísica, seu objetivo era “clarear as idéias, expor o

real significado da matéria, e libertar-se das obscuridades metafísicas” (p.xxii). Ao examinar

alguns aspectos de sua proposta de ciência, será possível observar que Mach foi

presumivelmente influenciado por Hume. Muitas das críticas machianas já tinham sido

anunciadas por Hume, como a substituição da relação de causa e efeito por relações

constantes, a inutilidade de conceitos como força ou agência na compreensão dos

fenômenos. Essa discussão foi incorporada por Mach (1893/1960, 1905/1976), com a

utilização do termo relações funcionais, em substituição às relações causais. Ao invés de

dizer que um evento é causado por outro evento, dizemos que os eventos são função de

outros eventos. A presença de um evento influencia a ocorrência de outro. Trata-se, aqui,

com probabilidades de ocorrência.

Além de examinarmos as noções de causalidade e descrição, seria

interessante também discutirmos alguns aspectos referentes ao tema determinismo e

Page 38: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

36

probabilismo, como o fizemos também em Hume. Essa análise poderá nos ajudar na

compreensão do modelo explicativo skinneriano que, comumente, é inserido nesse debate

como um representante da tese determinista. Contudo, antes de iniciarmos essa tarefa,

convém mencionar que os assuntos aqui abordados, de modo algum, retratam com

integridade o modelo científico machiano, uma vez que não se trata do objetivo deste

trabalho, e dada a extensão e complexidade da obra desse autor. Portanto, o recorte efetuado

tem apenas o propósito de fornecer alguns elementos que evidenciam a influência de Mach

no behaviorismo radical, enquanto filosofia da ciência do comportamento humano.

2.5 CONHECIMENTO COMO FENÔMENO BIOLÓGICO, HISTÓRICO E PSICOLÓGICO

Mach (1893/1960, 1905/1976) fez críticas severas à ciência de sua época,

principalmente à ciência física, por incorporar concepções metafísicas em seus conceitos. Ao

defender sua posição antimetafísica, Mach (1905/1976) desenvolveu uma epistemologia

como uma psicologia do conhecimento que estava submetida à adaptação biológica. Essa

acepção da natureza do conhecimento envolve três perspectivas: a biológica, a histórica e a

psicológica. Em sua perspectiva biológica, o conhecimento é analisado em termos de sua

função em promover a sobrevivência. A abordagem histórica consiste em investigar a

evolução histórica do conhecimento científico, mais especificamente da ciência da mecânica,

desde suas origens primitivas no conhecimento ordinário (Mach, 1893/1960). O

conhecimento como fenômeno psicológico envolve a análise dos processos psicológicos que

participam da experiência de um sujeito, o pesquisador. Temos, aqui, a interação de

elementos da história biológica do cientista (enquanto espécie dotada de processos que foram

selecionados por assegurarem a sobrevivência) e de aspectos da ciência como um

empreendimento que é gerado em um contexto histórico, com a experiência do pesquisador

com o seu mundo. À luz dessas análises, Mach procurou redefinir os objetivos, o objeto e o

Page 39: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

37

método da ciência depurando-os de sua significação metafísica.

Mach (1905/1976) examina o desenvolvimento do conhecimento e de seus

processos a partir de sua gênese delineando sua evolução desde os primórdios, começando

com organismos simples até chegar aos organismos superiores7. O dado inicial desse

itinerário evolutivo é a relação entre organismo e ambiente. O conhecimento se desenvolve

no bojo dessa relação, “a individualidade mental desenvolve-se através da relação mútua

entre sujeito e ambiente” (p.206)8. Nessa perspectiva, Mach (1905/1976) analisa o

conhecimento como um tipo de experiência: “o conhecimento é invariavelmente uma

experiência mental diretamente ou indiretamente benéfica a nós” (p.84). Podemos dizer,

então, que o conhecimento é entendido como uma experiência que foi selecionada por

promover a adaptação do organismo ao seu ambiente. Desta forma, todo o tipo de

conhecimento, inclusive o conhecimento científico, consiste em uma adaptação eficiente ao

ambiente.

De acordo com Mach (1905/1976), a evolução do conhecimento depende

do aperfeiçoamento dos órgãos dos sentidos e do desenvolvimento da vida da imaginação –

que compreende processos como adaptação do pensamento aos fatos, memória, abstração,

fantasia. Da mesma maneira que o conhecimento, enquanto experiência, está submetido aos

propósitos de adaptação, os processos envolvidos na sua produção também estão atrelados à

sobrevivência: “todos os processos de um indivíduo vivo são reações no interesse de auto-

preservação” (p.80). Para exemplificar o papel dos órgãos sensoriais e dos processos na

_____________ 7 Essa abordagem evolucionista do conhecimento indica influências do modelo de seleção natural de Darwin,

que parte da evolução das espécies para explicar as características atuais dos organismos. 8 O que pode se depreender dos escritos de Mach (1905/1976) é que essa relação, entendida como dado

primordial, é a experiência. A análise do conhecimento como um tipo de experiência envolve o exame de seus constituintes como as sensações, memória, percepção, idéias e os processos de associação das idéias. Tal como Mach, Skinner (1974/1976) adota a relação como dado primordial. Contudo, essa relação é o comportamento e não a experiência, demarcando um distanciamento extraordinário entre esses autores. Para o behaviorismo radical, o comportamento não seria uma função da experiência, como diria Mach, mas a experiência é esgotada

Page 40: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

38

evolução do conhecimento, Mach parte da seguinte situação: animais inferiores vivendo em

um ambiente cujas condições são constantes adaptam-se através de seus reflexos inatos.

Contudo, quando o ambiente vai se tornando mais complexo, a adaptação a essas novas

condições é resultado da modificação do organismo. A probabilidade de o organismo

sobreviver em condições instáveis se dá pelo aperfeiçoamento dos órgãos sensoriais e pelo

desenvolvimento de processos como a memória. Um animal com memória, por exemplo,

apresenta maiores chances de sobrevivência em ambientes instáveis, já que ele pode

desprender-se dos limites fornecidos pelos órgãos dos sentidos: esse organismo pode

perceber a aproximação de uma presa ou de um inimigo mesmo quando os sentidos da visão

ainda não o anunciaram.

Com a evolução dos órgãos sensoriais e da imaginação, o organismo

tornou-se mais plástico, aumentando a probabilidade de sobreviver em ambientes mutáveis.

A diferenciação entre homens e animais reside justamente na evolução desses dois aspectos,

principalmente o aperfeiçoamento dos processos que participam na produção do

conhecimento: “o que garante ao homem primitivo uma medida de vantagem em relação ao

seu companheiro animal é somente a força de sua memória individual, que é gradualmente

reforçada pela memória comunicada de seus antepassados e pela sua tribo” (Mach,

1905/1976, p.1). Essa diferença acentua-se com o aparecimento da linguagem. Através da

linguagem, os homens podem comunicar suas experiências poupando os demais e as futuras

gerações de repetirem as mesmas experiências fortalecendo, com isso, a memória individual

e social.

A vida da imaginação é responsável não só pelas diferenças entre homens e

animais, mas também pela distinção entre pensamento ordinário e científico. Antes de

na análise do conceito de contingências, um processo comportamental.

Page 41: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

39

mencionarmos suas especificidades, é importante assinalar que há uma relação de parentesco

entre esses dois tipos de conhecimento, nas palavras de Mach (1905/1976): “o pensamento

científico surge do pensamento popular e, assim, completa a série contínua do

desenvolvimento biológico que começa com as primeiras manifestações simples da vida”

(p.1). Nesse sentido, os pensamentos ordinário e científico são inicialmente inseparáveis.

Apenas gradualmente a ciência vai se afastando de sua origem assumindo a tarefa de corrigir

constantemente os erros herdados do senso comum. Por exemplo, o pensamento ordinário

também formula hipóteses como a ciência9. Essas hipóteses do pensamento ordinário são

derivadas da experiência, mas elas podem ser combinadas de maneiras “estranhas”: “o

barulho de um raio ou mesmo a queda de um meteorito produz o pensamento de um raio

lançado por um Titã” (Mach, p.171). Levando em consideração essa relação de parentesco, a

ciência herda essas hipóteses e as modifica com a prática da experimentação. Os mesmos

processos na produção do conhecimento (adaptação do pensamento aos fatos, fantasia,

abstração) estão presentes em ambos os pensamentos. Entretanto, no pensamento ordinário

esses processos visam à satisfação de necessidades práticas ou corporais, enquanto que na

ciência, o objetivo é alcançar, por meio da experimentação, plena satisfação intelectual.

Ampliando a perspectiva histórica, em que encontramos a origem do

pensamento científico no pensamento ordinário, Mach (1893/1960) analisa a transição desses

tipos de conhecimento recorrendo à história da ciência, especificamente da ciência da

mecânica. Neste contexto, ele examina o desenvolvimento da mecânica do início até sua

condição atual. Na gênese da ciência mecânica tem-se a experiência mecânica, que difere do

conhecimento científico por envolver um conhecimento instintivo e primitivo dos processos

da natureza. Por exemplo, alguns instrumentos egípcios, mesmo que engenhosos, eram

_____________ 9 Na verdade, seria mais correto dizer que a ciência formula hipóteses assim como o senso comum.

Page 42: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

40

empregados de maneira muito tosca, como o trenó, que era utilizado para transportar

enormes blocos de pedra. Isso revela, segundo Mach, pouca habilidade e muita experiência

mecânica. O conhecimento primitivo, contudo, foi uma condição para o desenvolvimento do

conhecimento científico: o agrupamento instintivo de fatos consiste em uma pré-condição

para uma classificação científica deles. Um dos fatores que contribuíram para a passagem da

experiência mecânica para a ciência mecânica, ainda que seja difícil precisar historicamente

o início da ciência, foi a divisão do trabalho, e, com ela, a necessidade de comunicar o

conhecimento. (Discutiremos adiante, em pormenores, o papel da especialização do trabalho

no desenvolvimento da ciência).

Ao examinar as origens do conhecimento científico, a saber, sua origem

biológica e histórica, Mach (1893/1960, 1894/1943, 1905/1976) elucida também as

limitações desse conhecimento. Ao fazer isso, distancia-se de algumas visões de ciência,

como, por exemplo, a visão físico-mecânica de mundo. Segundo essa concepção, a ciência,

dotada de poderes ilimitados, salvará a humanidade de todos os seus problemas, superando a

barbárie e garantindo a liberdade intelectual. A ciência, portanto, seria um prelúdio do

desenvolvimento e do progresso. De acordo com Mach (1894/1943), a visão mecanicista vem

assumir o lugar de uma outra concepção, o animismo. Assim, da crença em poderes mágicos

ocultos da natureza, como sustentava o animismo, tem-se agora, com a visão mecânica, uma

crença nos poderes mágicos da ciência. Essa visão, vigente em sua época, revelava-se em um

discurso de que o objetivo da ciência era promover explicações ‘objetivas’ da natureza, bem

como formular teorias ‘verdadeiras’ - idéias que estavam associadas à física newtoniana.

Desta forma, ao inscrever a ciência em um contexto histórico, Mach dissolve a noção de

‘verdade absoluta’ dos princípios científicos. Ou seja, a ciência se modifica e com ela a

‘verdade’ de seus pressupostos: “nenhum ponto de vista tem validade absoluta, permanente.

Cada um tem importância somente para um dado fim” (Mach, 1885/1959, p.37).

Page 43: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

41

Esse caráter mutável da ciência é afirmado também na observação do

comportamento10 do cientista. A discussão dos temas que envolvem a pesquisa científica é

baseada em uma análise detalhada do comportamento do pesquisador. Isso mostra que a

ciência para Mach (1905/1976) é, também, comportamento do cientista. Tal como a ciência,

o comportamento científico tem suas origens no comportamento ordinário, “o

comportamento do pesquisador tem se desenvolvido instintivamente na atividade prática e no

pensamento popular, e foi simplesmente transferido para o campo da ciência onde se

desenvolveu em um método consciente” (p.11). Ao enfocar o comportamento do

pesquisador, Mach investiga os processos psicológicos que participam da produção do

conhecimento científico, enquanto experiência do pesquisador, e os componentes dessa

experiência como as sensações, a percepção, a memória, fantasia, abstração, dentre outros.

Nessa perspectiva, o conhecimento científico é subjetivo na medida em que também é a

experiência de um sujeito. A experiência do cientista desempenha um papel ‘ativo’ na

produção do conhecimento, como sugere Mach (1905/1976) na seguinte passagem:

Simplesmente averiguar os fatos com precisão e representá-los no pensamento requer mais iniciativa do que é comumente suposto. Para que se seja capaz de dizer que um elemento depende de outro e como isso se dá (segundo a noção de relação funcional), um pesquisador deve contribuir com algo de si próprio além do que é imediatamente observado. Seria um erro pensar que alguém pode depreciar isto por chamá-lo de descrição (p.234).

Todavia, dizer que o cientista participa ativamente das descobertas e do

desenvolvimento da ciência não é o mesmo que defender a idéia de um sujeito como um

agente ou produtor das nossas ações. Ao contrário, Mach (1905/1976) critica com veemência

a noção de um ‘eu’, entendido como uma espécie de agente da ação. Dito de outra forma, não

compartilha de uma concepção de eu atrelada às noções metafísicas de agência ou força.

_____________ 10 Lembrando que comportamento para Mach é função da experiência.

Page 44: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

42

Mach faz a crítica recorrendo a uma metáfora que ilustra a busca por um eu que age por

detrás do fenômeno: “isso nos lembra o fazendeiro que foi a uma fábrica e depois de receber

explicações sobre o funcionamento de uma máquina a vapor perguntou: onde estão os

cavalos que dirigem as máquinas?” (p.8)11.

Apesar de se enfatizar a origem da ciência no conhecimento ordinário, é

interessante salientar que o conhecimento científico ou do cientista é uma continuidade do

comportamento animal. Mach (1905/1976) lança mão de uma série de exemplos

evidenciando as semelhanças entre homens e animais: “homens formam seus conceitos da

mesma maneira que os animais” (p.93), “experimentação não é exclusivamente um aspecto

humano. Podemos também observar animais experimentando em vários níveis de

desenvolvimento” (p.135). Neste sentido, o conhecimento científico se inscreve como um

refinamento do conhecimento biológico, sem, contudo, ultrapassar as demandas de economia

e sobrevivência.

Vimos que Mach (1893/1960, 1905/1976) apresenta três perspectivas para

caracterizar a evolução da ciência. Uma é tratar a modificação dos conceitos científicos à luz

de uma abordagem histórica, enfocando a origem da ciência no pensamento ordinário, bem

como a relação da ciência, como um empreendimento geral, com seu contexto histórico. A

outra é entender a evolução científica como produto da análise do comportamento do

cientista (ao examinar a relação do cientista com o seu ambiente, os processos envolvidos

nessa interação, ele traça as reformulações, abandonos e inserções dos pressupostos

_____________ 11 Vimos, em outro momento, que essa discussão também foi realizada por Hume (1748/1980) quando também

criticou as noções de força ou agência. Isso pode ser verificado, por exemplo, quando ele discute a idéia de vis inertiae: “descobrimos por experiência que um corpo em repouso ou em movimento continua para sempre no seu estado presente até ser arrancado dele por uma nova causa; e que um corpo impelido retira do corpo impulsor todo o movimento que ele próprio adquire. Estes são os fatos da experiência. Quando chamamos isso vis inertiae, não fazemos mais do que rotular tais fatos, sem pretendermos fazer qualquer idéia da força de inércia; e, do mesmo modo, quando falamos em gravidade referimo-nos a certos efeitos, sem compreender esse poder ativo”. (Nota 15, p. 164).

Page 45: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

43

científicos). Finalmente, é necessário lembrar que ambas as perspectivas estão inscritas em

uma abordagem evolutiva do conhecimento, em que se afirma a continuidade entre

comportamento animal e humano, e entre conhecimento biológico e científico.

Circunscrita a essa concepção de conhecimento Mach (1893/1960,

1905/1976) definiu o objetivo, o objeto e o método da pesquisa científica. Uma descrição que

resume o empenho, as atividades e a meta do pesquisador, ou da ciência, é esta: alcançar uma

representação econômica dos fatos. A afirmação do objetivo da ciência nesses moldes nos

leva a examinar a noção de economia da ciência. Como discutimos anteriormente, os

processos que participam da produção do conhecimento se desenvolvem na interação do

organismo com o ambiente. Alguns desses processos, como a adaptação do pensamento aos

fatos e a abstração, serão destacados aqui, já que a noção de economia está intimamente

ligada a eles.

Segundo Mach (1905/1976) o pensamento se adapta aos fatos para

satisfazer necessidades biológicas; o homem, por exemplo, não precisa se esforçar para

aprender que o pão e o leite satisfazem a fome. Neste caso, a adaptação do pensamento tem

sido alcançada quase que automaticamente para a satisfação biológica do indivíduo.

Entretanto, a situação se modifica quando a adaptação do pensamento aos fatos é de interesse

mediato, e seus resultados são para o proveito das pessoas em geral, e não só para o

indivíduo. À medida que a interação se torna mais complexa, a adaptação do pensamento

requer operações conceituais abstratas, de modo a poder observar de um conjunto de fatos as

reações características deles. Na reprodução dos fatos no pensamento nunca reproduzimos o

fato como um todo; reproduzimos apenas o que é importante para nós. Esse processo de

seleção do interesse e da atenção é chamado de abstração, e é considerado uma tendência

Page 46: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

44

econômica. De acordo com a concepção machiana, a natureza é composta de sensações como

seus elementos, e o organismo ao interagir com a natureza abstrai combinações de elementos

que são mais familiares e regulares a ele. Por exemplo, um pássaro se alimenta de uma

espécie de semente doce e vermelha. A sensação ‘doce’ é biologicamente importante, a qual

o organismo está ligado de maneira inata. Isso leva, por associação, o organismo a ligar-se à

característica ‘vermelha’, que é conspícua. Desta forma, o organismo reage seletivamente a

algumas características como o doce e vermelho, a despeito dos outros elementos que

compõem o complexo ‘semente’ (Mach).

Para Mach (1893/1960) a ciência é uma atividade econômica por

excelência. Vimos que o conhecimento científico tem sua origem no conhecimento ordinário.

Essa transição se deu com a especialização do trabalho, em outras palavras, com o

aparecimento das profissões: “a divisão do trabalho, a restrição de pesquisadores individuais

a campos limitados, a investigação desses campos como um trabalho de vida (life-work),

essas são as condições fundamentais de um desenvolvimento frutífero da ciência” (p.609).

Em vista disso, as pessoas passaram a se ocupar com processos específicos do fenômeno

natural. Como os indivíduos pertencentes a essas especialidades mudam com a entrada de

novas pessoas, surgiu a necessidade de desenvolver estratégias para comunicar aos novos

integrantes o conhecimento já conquistado. Com respeito ao homem, as experiências mais

familiares e regulares podem ser abstraídas e simbolizadas pela linguagem. A linguagem é,

por si só, um dispositivo econômico: “experiências são analisadas, quebradas, em

experiências mais simples e mais familiares, e então simbolizadas com algum sacrifício de

precisão” (p.578). Assim, através da linguagem, os homens formulavam leis, regras de modo

a instruir os iniciantes. Por conseguinte, as leis e teorias da ciência surgiram da necessidade

de comunicar o conhecimento e poupar os futuros pesquisadores de acumular a experiência

por si mesmos.

Page 47: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

45

O pesquisador, ao abstrair regularidades da natureza, e ao comunicar essas

regularidades através de leis, descreve o fenômeno. Em outras palavras, a ciência faz uso de

descrições para comunicar o conhecimento. E quanto mais simples forem as leis e teorias de

uma ciência, mais desenvolvida economicamente essa ciência é: “em ciências que são

altamente desenvolvidas, as regras para a reconstrução de grandes números de fatos podem

ser incluídas em uma única expressão” (Mach, 1893/1960, p.582). A ciência, portanto, se

apresenta como uma atividade econômica por excelência, já que promove uma descrição

mais completa dos fatos com o mínimo possível de esforço mental. Entrementes, é preciso

destacar que a função econômica da ciência sempre está submetida à economia biológica.

Nas palavras de Mach (1885/1959), a ciência tem uma “tarefa biológica”, que é “promover o

completo desenvolvimento humano individual de uma maneira tão perfeita que ele oriente a

si mesmo tanto quanto possível. Nenhum outro ideal científico pode ser realizado, e qualquer

outro deve ser sem sentido” (p.37)12.

Ao atribuir à ciência a tarefa de descrever os fenômenos, Mach

(1893/1960) delimita quais são os fenômenos passíveis de descrição pela ciência: “a

descrição pressupõe o emprego de nomes pelos quais designam seus elementos; e nomes

podem adquirir significado somente quando aplicados a elementos que constantemente

reaparecem” (p.6). Deste modo, dizer que o objetivo da ciência é alcançar uma representação

econômica dos fatos significa nada mais do que descrever a interdependência entre os

_____________ 12 Parece estranho dizer que ciência é uma atividade econômica por excelência e, ao mesmo tempo, afirmar que

uma de suas características é a complexidade, como vimos há pouco. A idéia de economia parece estar atrelada unicamente à simplicidade e não à complexidade. Entretanto, a noção de economia não é incompatível com a complexidade. A tendência econômica se revela na capacidade de abstrair relações características de fenômenos sob o fundo de uma diversidade de interações. A complexidade emerge quando consideramos a singularidade de cada uma dessas relações. Aparentemente são noções paradoxais, mas elas podem ser complementares. A ciência pode lidar com objetos complexos, ou seja, com uma multiplicidade de relações de interdependência entre os eventos. Por outro lado, a ciência ocupa-se de leis. Em vista disso, exclui algumas características dessas relações de modo que a formulação de leis seja alcançada. Mas isso também pode ser feito sem que o objeto deixe de ser complexo, evitando a exclusão de muitas características das relações. Sendo assim, é possível compreender que há operações econômicas mais ou menos complexas.

Page 48: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

46

elementos do fenômeno natural. E como discutimos em outro momento, essa definição indica

uma operação econômica, já que os aspectos envolvidos como os processos (adaptação do

pensamento aos fatos, abstração) e a linguagem representam, por si só, funções econômicas.

Examinamos que o objetivo da ciência é descrever os fenômenos e que o

objeto dessa descrição só pode ser a interdependência complexa dos eventos13. A

dependência mútua dos elementos tem suas raízes na história da espécie. Ela é pressuposta

através do hábito e do instinto. O produto da interação do organismo com seu ambiente

apresenta-se na forma de expectativas de constâncias, o que se torna uma importante

condição para o bem estar biológico do organismo. Isso se estenderá na pesquisa científica

como um postulado metodológico que será testado deliberadamente através de experimentos.

Contudo, a pressuposição da dependência mútua não é necessariamente inata, Mach

(1905/1976) afirma que é possível observar seu desenvolvimento gradual. Neste sentido,

conceitos como “porque”, “desde que”, “conseqüentemente”, ganham significado

condicional somente através da experiência do que está constantemente relacionado e daquilo

que está conectado apenas por acidente.

Ao tratarmos com a interdependência entre os fenômenos como um hábito

instintivo ou como uma característica do método, qualquer perturbação inesperada instalando

um problema nos leva a buscar uma nova relação e investigar a causa (Mach, 1905/1976).

Nós falamos de causa e efeito quando, na adaptação do pensamento aos fatos, abstraímos

algumas conexões que são colocadas, arbitrariamente, em evidência. Assim, a recorrência de

casos semelhantes com efeitos semelhantes, como a conexão de A e B, sob circunstâncias

13 O que se pode entender dos escritos de Mach (1905/1976) é que a constância dos elementos pressupõe a

interdependência entre eles, em outras palavras, a condição para uma conexão constante é a dependência mútua de elementos: “todas as conexões constantes consistem em dependências mútuas de elementos” (p.203). Segundo ele, em um caso, a observação nos mostra que elementos separados não são constantes. Em um segundo caso, mesmo a conexão em um tempo e lugar não são absolutamente constantes. Ficamos com a

Page 49: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

47

semelhantes é, para Mach (1893/1960), a essência da relação causal. Da mesma forma, a

experiência não nos oferece a conexão de causa e efeito. Tal relação é um artifício do

pensamento para facilitar a reprodução mental dos fatos14.

Para Mach (1905/1976), entretanto, os conceitos de causa e efeito não

expressam adequadamente a dependência mútua entre os elementos. A interdependência é

representada de forma mais satisfatória pelo conceito de função. Por exemplo, na situação em

que os elementos são dependentes imediatamente, os conceitos de causa e efeito podem ser

intercambiáveis: o elemento A pode causar B e vice-versa. Como no caso em que temos dois

condutores de calor em contato. A mudança de temperatura em um deles altera a temperatura

do outro, reciprocamente. Todavia, um problema surge quando a relação entre A e B é

mediada por inúmeros outros elementos: a relação entre A e B não é mais reversível. Mach

exemplifica com a explosão de uma pólvora na arma e o impacto da cápsula - uma

circunstância em que há cadeias de dependências mediadas com um imenso número de elos.

O alvo que é acertado não restitui o trabalho feito pela pólvora, já que simplesmente é mais

um elo na cadeia de dependências e continua de maneira distinta da que começou. O alvo

pode, por exemplo, produzir fragmentos que se espalham no ar. Desta forma, a limitação das

noções de causa e efeito fica patente nos casos de cadeias de dependências mediadas por

inúmeros elos. Em contraste, o conceito de função é capaz de descrever essa relação. A

dependência funcional entre os elementos é expressa por uma equação, que geralmente

contém as variáveis que relacionam os elementos.

Diante dessas considerações, convém realizar alguns comentários, quase

constância geral de conexões, da qual os dois primeiros são casos especiais.

14 Encontramos novamente aqui uma análise semelhante a de Hume (1748/1980). Para ele a idéia de conexão também não passa de uma inferência no pensamento. Essa asserção fica evidente na seguinte passagem: “Quando dizemos, portanto, que um objeto está ligado a outro, queremos significar apenas que se estabeleceu uma conexão entre ambos no pensamento, provocando essa inferência pela qual eles se convertem em provas da existência um do outro (p.166)”.

Page 50: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

48

como parênteses, das reservas de Mach ao conceito de causa. Ao que parece, quando Mach

(1893/1960) destaca os limites da noção de causa - principalmente no caso em que as cadeias

de dependências entre os eventos são mediadas por inúmeros elos -, ele está criticando o

conceito de causa como condição necessária e suficiente. Essa concepção de causa pressupõe

uma relação infalível e unilateral entre causa e efeito. É impossível, por exemplo, um evento

A (causa) ocorrer seguido da não ocorrência de um evento B (efeito), em outras palavras,

uma vez que a causa ocorreu é impossível a não ocorrência do efeito. Nesse caso, temos a

idéia de causa como condição suficiente (dizemos que X é uma condição suficiente de Y se,

dado X, não é possível que não-Y). A relação de necessidade nos diz que jamais poderia

acontecer uma situação em que temos um evento B que não tenha sido precedido por A. Aqui

a causa se apresenta como uma condição necessária do efeito (dizemos que X é uma

condição necessária de Y, se Y não é possível sem X). Resumindo: o efeito não teria ocorrido

se a causa não tivesse ocorrido (condição necessária) e, uma vez que houve a causa, o efeito

tinha que ocorrer (condição suficiente). Por conseguinte, temos que, dado o efeito,

poderíamos supor o evento que o causou e, dada a causa, poderíamos antever os efeitos que

dela seguir-se-ão. Essa relação unilateral da causa ao efeito, e do efeito à causa, é limitada

para expressar a complexidade e multiplicidade dos fenômenos estudados pelos cientistas.

Dito de outra forma, os conceitos de causa e efeito, em termos de necessidade e suficiência,

não são precisos o suficiente para retratar a maneira que os cientistas concebem as relações

de dependências entre os fenômenos.

O método de pesquisa adotado por Mach (1905/1976) deriva da adoção das

relações funcionais como objeto de estudo, “coisas que dependem umas das outras

geralmente variam juntas: o método de variação concomitante é o guia universal” (p.209,

grifo meu). De acordo com esse método, temos que observar as mudanças em um elemento

Page 51: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

49

pelas alterações que ocorrem em outro. Através da observação e experimentação as

dependências entre os elementos vão sendo configuradas. Os elementos que, porventura, não

podem ser manipulados, devem ser mantidos sob controle assegurando a sua constância.

Nesse contexto, a desconsideração temporária de dependências menos perceptíveis, bem

como a antecipação de relações óbvias, simplifica a pesquisa. Para Mach essas simplificações

encontram suas raízes no pensamento primitivo orientado pela satisfação de necessidades

práticas. Posteriormente, elas são utilizadas metodologicamente na ciência. Isso indica que,

além da manipulação das dependências, a suposição de conseqüências ainda não observadas

é uma atividade importante na pesquisa científica (trataremos desse assunto de modo mais

detalhado no capítulo seguinte).

Com essas discussões, já é possível levantar algumas características do

modelo de ciência machiano. Mach (1905/1976) dedicou-se a uma investigação biológica,

psicológica e histórica do conhecimento, ao invés de empreender uma análise lógica:

“economia, harmonia e organização do pensamento são sentidas como necessidades

biológicas, muito além da demanda por consistência lógica” (p.128). Em sua perspectiva

psicológica, analisou o conhecimento em termos de experiência do cientista investigando os

constituintes dessa experiência, os processos envolvidos na produção do conhecimento como

a adaptação do pensamento aos fatos e a abstração. Contudo, essa abordagem psicológica do

conhecimento estava inscrita em uma perspectiva biológica. O conhecimento científico pode

ser considerado um momento, um recorte nessa linha contínua do desenvolvimento biológico.

Assim, o objetivo da ciência, entendido como a descrição dos fatos de maneira econômica

(através do processo de adaptação do pensamento aos fatos), tem o seu correspondente

biológico, como indica Mach (1905/1976): “o que corresponde a isso no caso do

desenvolvimento orgânico é a adaptação dos organismos ao ambiente e a adaptação das partes

do organismo uma a outra” (p.223). A abordagem histórica, além de revelar a origem do

Page 52: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

50

conhecimento científico no pensamento ordinário, denuncia a evolução dos conceitos

científicos como resultado de interações com o contexto histórico – o que acaba por dissolver

a noção de verdade absoluta dos pressupostos científicos. Circunscrito a uma epistemologia

psicológica, biológica e histórica, Mach (1893/1960) expôs seus pressupostos científicos “o

conceito de causa é substituído pelo conceito de função; a determinação da dependência entre

os fenômenos, a exposição econômica dos fatos reais (actual) é anunciada como o objeto; e os

conceitos físicos como um meio para um fim somente” (p.325). Em outro trecho Mach

(1905/1976) complementa seu programa científico: “equipados com o conceito de função e o

método de variação, o pesquisador exibe sua jornada” (p.210).

2.6 DETERMINISMO E PROBABILISMO EM MACH

Até agora apresentamos de uma maneira descritiva algumas noções do

programa científico de Mach. Partindo dessa apresentação seria pertinente resgatarmos

alguns aspectos tendo em vista uma possível interpretação do modelo científico machiano à

luz dos conceitos de determinismo e probabilismo.

Apesar de Mach (1905/1976) ser conhecido por defender uma posição anti-

metafísica, como ele mesmo anunciou: “Minha tarefa não é filosófica, mas meramente

metodológica” (Nota 7, p.13), arriscaremos aqui uma análise de alguns pressupostos

machianos baseado na crítica da idéia de neutralidade metafísica (Slife, Yanchar & Williams,

1999). Segundo essa crítica, os métodos são suposições sobre a natureza do mundo que

pretendem investigar. Eles são produtos de filosofias, e todas as filosofias têm certas

influências que os métodos incluem, mesmo se estamos ou não conscientes disso. Suposições

metodológicas e, deste modo, compromissos metafísicos, não podem ser evitados.

Ao assumirmos a concepção de que método e metafísica se relacionam e

Page 53: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

51

que não há uma neutralidade metodológica, podemos buscar elementos que indiquem uma

posição metafísica machiana. Quando Mach (1905/1976) declara-se um antimetafísico

estamos entendendo que esse posicionamento está relacionado a um tipo específico de

compromisso metafísico. Para desenvolver esta tese examinaremos a crítica machiana à

noção de explicação causal, que é tratada como uma conseqüência da sua posição

antimetafísica. Explicar, nesse contexto, significa buscar relações necessárias e suficientes

entre os eventos. Podemos interpretar de modo mais específico, que a crítica machiana à

noção de explicação causal também está relacionada aos compromissos que este termo

parece assumir com uma metafísica determinista15. Analisaremos essa asserção investigando

outros aspectos da teoria machiana.

De acordo com Mach (1905/1976), o conhecimento é um tipo de

experiência e a experiência, como discutimos em outro momento, é a relação do organismo e

ambiente. É no interior de uma concepção relacional do conhecimento que Mach delimita o

objeto de estudo da ciência (interdependência funcional entre os elementos) e, por

conseguinte, faz a crítica ao conceito de causalidade.

O mundo, nos diz Mach (1885/1959, 1894/1943), é um fluxo sensações.

Ele consiste de cores, sons, temperaturas, pressões, espaços, tempos. As sensações são os

elementos comuns de todas as experiências físicas e psicológicas possíveis. Para Mach o

pesquisador, não importa de que ciência ele se ocupe (física ou psicológica), está sempre

lidando com sensações. Mach, portanto, condena a distinção tradicional entre ciências físicas

_____________ 15 Quando Mach (1893/1960) critica a noção de explicação, estamos entendendo que a crítica refere-se à noção

de explicação causal. Explicar um fenômeno, portanto, diz respeito à descoberta de relações que conectam inelutavelmente a causa ao efeito. Examinamos, por outro lado, que o determinismo metafísico concebe os fenômenos como o resultado de condições antecedentes. Há um conjunto de eventos não identificáveis, que se conhecido, nos teria habilitado a prever o efeito com certeza. Neste caso, ainda que não se satisfaça, no nível do conhecimento, os critérios das relações causais, há uma busca incessante por eventos que determinem infalivelmente o efeito. Veremos adiante que, muitas vezes, elos mediacionais não-empíricos são hipotetizados para dar conta da relação causal. Considerando essas noções é que interpretaremos que a crítica à explicação

Page 54: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

52

e psicológicas, que reserva apenas à última o lugar das sensações. A diferença entre os

domínios científicos não se refere ao objeto de estudo, mas à direção da investigação. O

conhecimento físico se dá quando nos dedicamos ao estudo da interdependência dos

elementos que constituem o mundo (incluindo homens e animais) sem a interferência das

sensações que integram nossos corpos individuais. Por exemplo, quando estudamos a

mudança da cor vermelha de um corpo como resultado da mudança na luminosidade. Ao

investigar a interdependência da luminosidade dos corpos procuramos manter tão constantes

quanto possível as condições internas do observador que podem influenciar na pesquisa

(Mach, 1905/1976). O conhecimento mental, por sua vez, desenvolve-se na relação do corpo

com o mundo. Resgatando o exemplo, estudamos a luminosidade dos corpos considerando a

influência das nossas sensações sobre a cor vermelha; no caso, quando consideramos a

dependência dos elementos em relação a nossa retina. Ao fazer isso, estamos no domínio da

“psicologia fisiológica”.

Em vista disso, o físico e o mental têm a mesma natureza, a experiência

Mach (1905/1976). Isso nos leva a assumir o caráter relacional tanto do conhecimento físico

quanto do conhecimento mental e, por conseguinte, a dissolução da dicotomia físico-mental:

“para mim o físico e o mental são essencialmente idênticos, (...) e diferentes somente quanto

ao ponto de vista” (p.13). O conhecimento físico e mental tem em comum a relação com os

elementos constitutivos do mundo (cores, sons, pressões, temperaturas), entretanto, se

diferenciam no modo como se dá a relação: no conhecimento mental temos a relação dos

elementos com o corpo, enquanto que no conhecimento físico, a relação com o mundo

prescinde do corpo.

A dicotomia físico-mental faz sentido no contexto de um dualismo de

causal envolve também uma crítica a um tipo de compromisso metafísico.

Page 55: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

53

substâncias, que também é rejeitado por Mach (1894/1943) quando critica as noções de

substância e de coisa-em-si. A idéia tradicional de substância (como uma coisa ou corpo

imutável, uma essência que está por detrás da aparência e que existe independente do sujeito)

é tratada em termos de um grupo de sensações abstraído do fluxo de elementos que apresenta

maior constância e estabilidade do que outros. Passando a palavra a Mach: “mas seria muito

melhor dizer que os corpos ou coisas são símbolos mentais resumidos de grupos de

sensações – símbolos que não existem fora do pensamento” (pp.200-201). A identidade do

corpo é assegurada quando abstraímos um grupo de sensações do fluxo, e os elementos desse

grupo se apresentam mais constantes em comparação com aqueles elementos instáveis.

Contudo, algumas mudanças nesse grupo constante podem ocorrer e, muitas vezes, essas

alterações acontecem sem que o corpo deixe de ser, para nós, o mesmo. Isso estabelece a

condição para que formemos a noção de substância distinta de seus atributos, em outras

palavras, a idéia de coisa-em-si16.

Considerando essa perspectiva relacional, o objeto de estudo das ciências

tanto física quanto psicológica, consiste na interdependência funcional dos elementos do

fenômeno natural. A física, por exemplo, estudaria a relação funcional dos elementos com as

condições externas. A psicologia, por outro lado, tem como objeto a interdependência dos

elementos como função das condições internas corporais. A defesa da autonomia da

experiência como objeto de estudo em si mesmo, entendendo que essa experiência como

relação é o dado primordial, afasta Mach (1905/1976) de uma noção de causalidade que

afirma uma relação de anterioridade e “independência” entre os eventos. Nesta acepção, os

_____________ 16 A função da linguagem no processo de abstração é esclarecida por Mach (1905/1976) ao rejeitar a noção de

‘coisa-em-si’: “As primeiras e mais antigas palavras são nomes de “coisas”. (...) Não existe coisa inalterável. A coisa é uma abstração, o nome um símbolo de uma combinação de elementos de cuja mudança abstraímos. (...) Quando, posteriormente, observamos a mutabilidade, não podemos, ao mesmo tempo, sustentar a permanência da coisa, a menos que tenhamos que recorrer à idéia de coisa-em-si, ou outro absurdo semelhante” (p.579).

Page 56: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

54

eventos que participam da relação causal são considerados eventos discretos, primários e

imutáveis, a partir dos quais forma-se o todo pela mediação de algum mecanismo que os

alinha em uma conexão linear, contígua e necessária. Em contraste, o conceito de função

expressa uma concepção relacional: os eventos não têm significado (isto é, sua função), neles

mesmos. Em outras palavras, não são definidos a priori, fora da relação com outros eventos.

O todo é o dado primário do qual as partes são abstraídas pelo pensamento compondo um

recorte, e não o contrário, em que o todo é o resultado da soma de suas partes.

Como acabamos de mencionar, a oposição de Mach (1905/1976) à visão de

que a ciência tem a tarefa de explicar (em termos causais) vem acompanhada de uma defesa

da autonomia da experiência como objeto de estudo. Isso tem outras implicações para a

prática científica: não busquemos relações ou fenômenos para além da experiência. Dando

voz ao autor: “para encontrar nossas exigências não deveríamos ir além do empiricamente

dado. Nós deveríamos estar satisfeitos se pudermos reduzir os aspectos do comportamento do

pesquisador aos aspectos realmente observáveis em nossa própria vida física e mental”

(p.11). Nesse sentido, a descrição de relações no nível da experiência é o campo da ciência. E

isso não se dá porque a nossa experiência é limitada para sondar relações além desse limite,

mas porque não há nada além dele. A descrição de relações não se constitui em um meio para

alcançar o que há por detrás dessa relação, e ao menos uma manifestação de algo subjacente

a ela. A relação em si esgota o fenômeno, a própria relação é.

De maneira diametralmente oposta, a explicação causal geralmente rompe

os limites da experiência: na tentativa de recuperar a conexão necessária entre os eventos,

postula-se um elo não empírico para conectar a causa ao efeito, o que acaba por se tornar o

objeto principal da pesquisa. Assim, ao enfatizar a descrição de relações funcionais, Mach

(1893/1960) rejeita a prática de invocar entidades hipotéticas para preencher as fissuras

(gaps) entre causa e efeito – uma prática que ele considerava comum na ciência da mecânica

Page 57: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

55

sob a ótica newtoniana. Essas entidades eram tratadas como meios, estruturas ou mecanismos

que conectavam a causa ao efeito e passaram a receber status explicativo. Ou seja, a relação

entre causa e efeito era explicada pelos mecanismos que ligavam os eventos.

Exemplificando: a primeira regra filosófica de Newton para a pesquisa afirma que devemos

admitir somente causas reais e suficientes para explicar a natureza do fenômeno. Contudo,

Newton parece não ter sido fiel à sua regra. Para dar conta da sua concepção de que há elos

mediacionais contíguos entre os eventos, postulou que a gravidade deve ser causada por um

agente material ou imaterial contíguo, já que seria um absurdo sustentar que a gravidade

poderia ser causada pela ação de algum evento à distância (Mach, 1905/1976). O problema

ainda é atribuir um status ontológico a essas conjecturas ou hipóteses. Com respeito a esse

aspecto, Mach (1893/1960) critica a física mecânica cujos conceitos de massa, força e átomo

passaram de ferramentas intelectuais a objetos de estudo da física:

Uma pessoa que conhece o mundo somente através do teatro, se é levada a conhecer os bastidores das cenas e lhe é permitido ver os mecanismos de ação dos estágios, pode possivelmente acreditar que o mundo real também era necessariamente uma sala de máquinas, e que se fosse completamente explorada, nós poderíamos conhecer tudo. Similarmente, nós também deveríamos nos precaver a fim de que o maquinário intelectual, empregado na representação do mundo em algum estágio do pensamento, seja considerado como a base real do mundo (p.610).

Além disso, há uma outra crítica machiana ao conceito de causalidade já

bem conhecida: a forte relação semântica do termo com a noção metafísica de força, energia

ou agência. Nessa perspectiva, a causa é definida como um evento que produz o efeito, e não

apenas como um evento do qual se segue um outro. À semelhança de Hume, Mach

(1893/1960) entende a que a lei da causalidade simplesmente afirma uma relação de

dependência entre os eventos. Como é possível depreender dessa discussão, ele (1893/1960)

também rejeita a idéia de conexão necessária, ou seja, de algum poder, na causa, que produza

infalivelmente o efeito: “A noção de necessidade da conexão causal é provavelmente criada

Page 58: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

56

pelos nossos movimentos voluntários no mundo e pelas mudanças que esses indiretamente

produzem, como Hume supôs...” (p.581). A relação definidora entre os eventos não é de

necessidade, mas sim de probabilidade, em suas palavras: “as reações físicas e mentais são

governadas por leis de probabilidade” (Mach, 1905/1976, p.80).

Discutimos até o momento que o mundo, na visão machiana, é um fluxo de

elementos-sensações mutáveis. A mente é limitada no sentido de que é incapaz de retratar a

fluidez e mutabilidade do mundo. A mente fixa, paralisa, estagna o que é movimento, fluxo.

Isso fica claro quando Mach (1894/1943) discute o papel da linguagem: “a linguagem, com

seu ajudante (helpmate), o pensamento conceptual, ao fixar o essencial e rejeitar o

secundário, constrói uma figura rígida do mundo fluido sobre o plano de um mosaico, com

sacrifício de exatidão e fidelidade...” (p.192). Neste contexto, é que se pode entender a

afirmação de Mach de que a causalidade é um produto da mente. A limitação da mente em

retratar a fluidez do mundo estabelece o campo das relações causais; “a natureza existe

somente uma vez. Somente a nossa imitação mental esquemática produz eventos

semelhantes. Portanto, é só na mente que a dependência mútua de certos eventos existe”

(p.199). E é justamente a paralisação desse fluxo de elementos que compreende o objeto de

estudo das ciências físicas. Assim, no nível epistemológico, lidamos com uma regularidade

entre os eventos, que é resultado da interrupção do fluxo de elementos. E uma regularidade

que é apenas provável. Em suma, podemos tratar, apenas, com probabilidades: “previsões

absolutas, conseqüentemente, não tem significação na ciência” (Mach, p.206).

Ao separar mentalmente um corpo de um ambiente mutável no qual ele se

move, o que nós realmente fazemos é extrair um grupo de sensações que é de estabilidade

relativamente maior que a de outros do fluxo de nossas sensações. Esse grupo não é

absolutamente inalterável. Agora este, ora aquele membro desse grupo aparece e desaparece,

ou é alterado. Em sua identidade completa ele nunca recorre (Mach, 1894/1943). A tendência

Page 59: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

57

econômica ganha inteligibilidade nessa circunstância. A noção de economia do pensamento é

essencial, pois completa a parcialidade da experiência dando a idéia de totalidade. Em um

certo sentido, a tendência econômica organiza a vida, pois se não pudéssemos encontrar

regularidades, seria pouco provável antevermos algumas conseqüências da nossa ação - ainda

que essas regularidades sejam prováveis. É nesse sentido que a ciência encontra em sua

atividade econômica sua força e sua fraqueza. A sua fraqueza está em representar os fatos no

pensamento não retratando a fluidez dos elementos. A sua força está no fato de que ao fixar o

fluxo, mesmo com sacrifício de exatidão e fidelidade, promove uma economia de

ferramentas e trabalho.

Com essas análises encontramos elementos nos escritos de Mach

(1894/1943) que mostram um probabilismo não somente no nível do conhecimento, mas

também um probabilismo das “coisas”. Podemos indicar um probabilismo que não se

identifica somente com uma incapacidade metodológica de acessar os “reais” determinantes

dos fenômenos. Em outras palavras, há dúvidas quanto a um probabilismo que seja só a

medida da nossa ignorância, e que seria superado pelo avanço científico, como supõe o

determinismo metafísico. Há uma probabilidade no mundo que é apresentada como um fluxo

de elementos mutáveis, “até mesmo o elemento não é inalterável” (p.202), lembrando ainda

que “a natureza existe somente uma vez” (p.199). No nível do conhecimento, a regularidade

percebida consiste em um recorte, uma paralisação de grupos de elementos do fluxo. Mas

esse grupo é mutável, seus elementos podem integrar outros grupos, como também perder

outros. Assim, a regularidade é temporária e apenas provável.

Levando em conta esse aspecto, a “determinação” ou a “causalidade” é

inscrita para organizar a experiência sendo importante para satisfazer necessidades biológicas

e sociais. Em um programa científico, o determinismo inscreve-se mais como uma regra ou

princípio regulador da pesquisa, do que como uma declaração sobre o funcionamento do

Page 60: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

58

mundo, “a noção de causa possui significado somente como um meio de conhecimento ou

orientação provisória” (Mach, 1893/1960, p.582). Adotando esse sentido, o determinismo se

expressaria como um conjunto de atitudes do pesquisador frente a seu objeto de estudo, como

sugere Mach (1905/1976), “durante a pesquisa cada pensador é necessariamente um teórico

determinista, mesmo se está preocupado com meras probabilidades” (p.208). Por outro lado,

admitindo que nenhuma experiência recorre com precisão absoluta, ele completa: “mesmo o

determinista teórico extremo deve, na prática, permanecer um indeterminista, especialmente

se ele não deseja tornar descobertas altamente importantes impossíveis pela especulação” (p.

208) 17.

Considerando o objetivo, o objeto e o método da pesquisa, podemos dizer

que a atividade científica para Mach (1893/1960, 1905/1976) não se identifica com

explicação causal. Explicar encontra-se atrelado à idéia de causa e efeito que, por sua vez,

apresenta problemas de ordem metodológica e principalmente filosófica. As ressalvas de

Mach à noção de causalidade envolvem, pelo menos, três críticas: 1) à noção de causa como

condição necessária e suficiente. Vimos que o conceito de causa e efeito é limitado para dar

conta da relação entre eventos mediada por inúmeros elos. Nesse contexto, emerge a crítica

de Mach ao conceito de causa como condição necessária e suficiente, que se mostrou

insatisfatório para expressar a concepção dos cientistas da relação de dependência entre os

_____________ 17 Ainda que semelhanças entre Hume e Mach possam ser encontradas como, por exemplo, na crítica à noção de

causalidade como conexão necessária, na experiência como fundamento do conhecimento e na eliminação das noções de força ou agência, algumas diferenças entre eles podem ser indicadas. Uma delas é que, embora Hume e Mach afirmem que a experiência não nos revela o elo entre causa e efeito, em Hume essa crítica não pressupõe pronunciamentos sobre o mundo. Entretanto, nada leva a crer que seja impossível estender as concepções de Hume ao próprio mundo. Aparentemente foi isso o que fez Mach. Em Mach, a experiência também não capta a conexão. Todavia, extrai conseqüências da crítica humeana sugerindo que a realidade não é determinista, mas sim probabilista, ou seja, as relações entre os eventos não são inexoráveis, mas sim probabilísticas. Uma outra diferença é que a noção de probabilidade em Hume é entendida como uma evidência acompanhada de incerteza, sendo que a noção da probabilidade está mais próxima à idéia de crença e a de certeza mais próxima à noção de hábito. No caso de Mach, a probabilidade no nível epistemológico é tratada em termos de relações funcionais, com a delimitação de variáveis cuja relação é representada em uma expressão matemática.

Page 61: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

59

eventos; 2) à idéia de que o conceito de causalidade não pressupõe a perspectiva relacional

entre os eventos. O conceito de função é preferível à noção de causa, pois o primeiro, ainda

que, epistemologicamente, retrate uma paralisação do fluxo, preserva a noção de que os

eventos são concebidos de modo relacional sem prioridade de existência. O conceito de

função representa o evento como dependente de um outro evento. Essa relação de

dependência supõe que a presença de um evento aumenta ou diminui a probabilidade de

ocorrência de um outro. A idéia de que os eventos existem na relação, e uma relação

probabilística, prescinde da postulação de meios ou mecanismos (geralmente de natureza não

empírica) para conectar a causa ao efeito de modo a assegurar a infalibilidade da relação - o

que por fim, pode acabar, muitas vezes, se tornando o objeto real da pesquisa; e 3) à idéia de

causa como força ou agência. Segundo Mach, a noção de causa como um evento ou fator que

gera, produz ou impulsiona algo é adicionada às relações entre os eventos. Ela não é

verificada empiricamente. Essas considerações podem sugerir uma aparente contradição do

argumento machiano. Lembremos que Mach emprega um argumento antimetafísico para

rejeitar a noção de causalidade. Em outras palavras, critica os conceitos de causa e efeito

alegando que estão carregados de “obscuridades metafísicas”, como as noções de força ou

agência, que não têm correlatos factuais. Entretanto, podemos indagar: afirmar que os

eventos dependem um do outro apresenta conteúdo empírico? Ou ainda, sustentar uma

relação de dependência entre os eventos é suficiente para excluir “causa” baseado em um

critério antimetafísico? O enunciado A depende de B, não está “contaminado” por

pressupostos metafísicos? Podemos dizer que sim. As afirmações sobre relações de

dependências envolvem suposições metafísicas. Todavia, é preciso também dizer que não se

trata de um compromisso com uma metafísica substancialista, dualista e atrelada à noção de

força ou agência. Em suma, o argumento antimetafísico de Mach refere-se a um tipo

particular de metafísica. Por outro lado, é possível indicar alguns pressupostos machianos

Page 62: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

60

que participam da crítica à noção de causalidade. A concepção de que o mundo é, em

princípio, probabilístico é um deles.

Podemos dizer, então, que encontramos em Mach (1894/1943, 1905/1976)

a seguinte relação entre epistemologia e metafísica: a experiência nos mostra regularidades

prováveis em um mundo que, em princípio, é mutável e probabilístico. Neste sentido, Mach

avança a crítica humeana afirmando não apenas uma medida de ignorância baseado em uma

crítica lógico-empírica da noção de conexão necessária, mas também nos leva a dizer que na

ordem do real existe, somente, probabilidade. Em vista disso, para Mach, a probabilidade não

significa conhecimento incompleto, ou seja, uma falha em termos metodológicos, mas sim

conhecimento completo: só podemos lidar com probabilidades. Esse aspecto reitera uma das

conseqüências da crítica de Hume: a probabilidade não significa uma limitação meramente

metodológica que pode ser reparada com o avanço científico e, com isso, alcançar relações

inexoráveis entre os eventos.

Alguns podem argumentar que o determinismo é compatível com a ciência,

uma vez que moveria o pesquisador a buscar incessantemente as ‘verdadeiras’ causas dos

eventos gerando um estado de expectativa quanto ao desenvolvimento científico. O que pode

não acontecer ao se postular um probabilismo tanto epistemológico quanto metafísico. Essa

conclusão parece não ser de modo algum necessária. Mach (1905/1976) arremata: “talvez

não exista estabilidade perfeita, mas o que existe é suficiente para oferecer um ideal benéfico

para a ciência” (p.209). Por fim, autonomia da experiência, relação funcional e probabilismo

são conceitos capitais na teoria científica machiana, e que servirão, por sua vez, para iluminar

o estudo do modelo explicativo do behaviorismo radical.

O behaviorismo radical, como filosofia da ciência, inseriu-se no debate

científico através de suas relações com Ernst Mach. Skinner (1989) incorporou as críticas

machianas na definição de seu objeto de estudo e nos métodos apropriados de investigação.

Page 63: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

61

Com isso, promoveu mudanças profundas dentro da psicologia e, mais especificamente, no

interior da própria escola behaviorista. A distinção entre explicação causal e descrição foi

adotada por Skinner logo no início de sua obra (Skinner, 1931/1961). E podemos dizer que

essa aplicação do princípio machiano assinala as divergências da teoria skinneriana com

certas teorias do comportamento, assim como elucida o modo explicativo adotado pelo

behaviorismo radical. Seguindo essa análise, investigaremos, neste momento, o status

cognitivo da teoria comportamental em suas versões descritivista e instrumentalista, para

depois analisarmos o conceito de causalidade no behaviorismo radical.

Page 64: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

62

3 O STATUS COGNITIVO DA TEORIA COMPORTAMENTAL: DESCRITIVISMO

E INSTRUMENTALISMO

Uma das estratégias para compreender uma teoria científica é investigar a

filosofia da ciência que lhe é constituinte. Seguindo essa proposta, examinaremos alguns

aspectos da filosofia da ciência que fundamenta a teoria comportamental de Skinner. Na

filosofia da ciência, a teoria científica é objeto de investigação. Nesse sentido, ela oferece

algumas interpretações da natureza e da função de uma teoria científica. Nagel (1961)

apresenta algumas dessas interpretações analisando o status cognitivo das teorias. Segundo

ele, o status cognitivo das teorias científicas é um tema polêmico e controverso que envolve

não apenas problemas sobre lógica e fatos científicos, mas também questões filosóficas sobre

a natureza do conhecimento. Um dos problemas relacionados a esse assunto é se as teorias

podem ser vistas como declarações verdadeiras ou falsas. Há três posições principais sobre o

significado cognitivo das teorias e que lidam com essa problemática de maneiras distintas,

são elas: a visão realista, a visão instrumentalista e a visão descritivista da ciência. De um

modo geral, a visão realista defende que, quando uma teoria é sustentada por evidência

empírica, os objetos postulados pela teoria apresentam uma realidade física, “pelo menos no

mesmo nível em que atribuímos uma realidade física a objetos familiares como paus e

pedras” (Nagel, 1961, p.118). As teorias são literalmente verdadeiras na medida em que há

uma correspondência entre noções teóricas e realidade física, ou falsas, quando essa

correspondência não é satisfeita. A segunda interpretação, o instrumentalismo, concebe as

teorias como instrumentos ou regras para organizar a experiência e ordenar leis

experimentais. Neste caso, podemos dizer que uma teoria é “verdadeira” ou “falsa” se é

eficaz para conduzir o pesquisador nessa tarefa. A visão descritivista interpreta a teoria como

um resumo de relações de dependência entre eventos e propriedades observáveis. A verdade

Page 65: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

63

ou falsidade de uma teoria é dada pela tradução de declarações teóricas em declarações sobre

fatos observáveis. Termos teóricos como “átomo”, por exemplo, “são simplesmente uma

notação taquigráfica de um complexo de eventos e traços observáveis, e não significam

alguma realidade física observacionalmente inacessível” (Nagel, p.118). Tentaremos mostrar,

ao longo do capítulo, que alguns aspectos da teoria do comportamento de Skinner se alinham

com o descritivismo, enquanto que outros são coerentes com a visão instrumentalista de

ciência. A conjunção das versões descritivista e instrumentalista assinala também o

distanciamento do behaviorismo radical da visão realista de ciência.

A tese descritivista, como vimos, envolve a tradução de declarações teóricas

em declarações sobre relações observáveis. Há duas versões marcantes dessa tese. Uma delas

consiste na teoria fenomenalista. Essa teoria sustenta que os objetos do conhecimento são as

impressões imediatas da experiência introspectiva e sensorial. Desta forma, cada declaração

teórica deve, em princípio, ser traduzível em declarações sobre a sucessão de objetos

supostamente imediatos da experiência. O fenomenalismo defende a linguagem dos sense

data que presume a tradutibilidade de declarações teóricas em declarações que encerram os

objetos imediatos da experiência. A outra versão da teoria descritivista considera, como ponto

de partida, a experiência “bruta” (gross experience) do indivíduo. Ainda que reconheça que os

julgamentos fundamentados nessa experiência sejam errôneos, eles podem ser corrigidos

mediante reflexão ulterior. De acordo com tal posição, todas as declarações teóricas são

traduzíveis em declarações da linguaguem fisicalista. No contexto psicológico, esta tese supõe

a redução de leis psicológicas a leis fisiológicas, neurológicas e, finalmente, a leis físicas.

Ambas as versões defendem a tese da tradutibilidade de declarações teóricas em declarações

sobre relações de dependência entre eventos e propriedades observáveis. Entretanto, no

primeiro caso, temos a tradução em linguagem dos sense data. No segundo, temos a tradução

em linguagem familiar que formula os materiais da experiência publicamente verificável.

Page 66: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

64

3.2 3.1 A TEORIA COMPORTAMENTAL DE SKINNER

A teoria comportamental pode ser vista como uma versão do descritivismo

científico por traduzir declarações teóricas em linguagem comportamental. Isso envolve três

coisas: a tradução de declarações teóricas em termos de relações funcionais observáveis, em

termos da abstração dessas relações e, em última análise, em termos relacionais em um

sentido mais amplo. Essas características podem ser vislumbradas ao acompanharmos os

estágios de construção de uma teoria na perspectiva skinneriana (Skinner, 1947/1961).

O primeiro estágio diz respeito à identificação dos dados básicos. Quais são

os eventos que devem ser levados em consideração tendo em vista o comportamento como

objeto de estudo? Em outras palavras, quais as partes do comportamento e ambiente que

expressam relações ordenadas e que, ao mesmo tempo, revelam a “fluidez e continuidade do

comportamento como um todo?” (Skinner, 1947/1961, p.234). Os eventos delimitados para

tratar do comportamento consistem na resposta e nos estímulos antecedente e conseqüente.

Eles são definidos por meio do método experimental. Esse método envolve, por um lado, a

manipulação direta de variáveis que modificam o comportamento. Empregando um

vocabulário mais técnico, manipulamos e medimos certas variáveis independentes, os

estímulos antecedentes e conseqüentes, e medimos seu efeito na variável dependente, a taxa

de resposta. Por outro lado, temos o controle de variáveis que não podemos manipular, mas

que podem ser relevantes afetando a relação entre variável dependente e independente. Nesse

caso, procuramos mantê-las tão estáveis quanto possível, de modo que suas influências no

experimento sejam atenuadas. A relação entre esses eventos (estímulo, resposta e

conseqüência) é funcional, na medida em que a presença de um deles influencia a

probabilidade de ocorrência de outro. Assim, com o controle experimental de variáveis, as

relações funcionais entre os eventos vão sendo estabelecidas. Em suma, no presente estágio

Page 67: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

65

temos a manipulação de eventos empíricos na tentativa de descobrir relações funcionais entre

eles. Começamos com episódios comportamentais, ou seja, relações entre estímulos,

respostas e conseqüências que acontecem em um dado tempo e ocasião. Entretanto, as

relações entre os episódios comportamentais não constituem, necessariamente, relações

funcionais. Mas, como nos diz Skinner (1953): “eles são o início de uma ciência. Não

importa quão acurado ou quantitativo possa ser um caso único, o seu registro é somente um

passo preliminar. O segundo passo é a descoberta de alguma espécie de uniformidade”

(p.15). Na verdade, somente quando encontramos uma regularidade de episódios é que

podemos dizer que descrevemos relações funcionais. Estas, sim, podem ser consideradas os

“fatos” de uma ciência do comportamento.

O segundo estágio envolve o desenvolvimento de termos teóricos que

descrevem a relação entre os dados. A questão, aqui, consiste em como relacionar os dados:

“relações observadas desta espécie são os fatos de uma ciência – ou suas leis, quando um

grau suficiente tem sido alcançado” (Skinner, 1947/1961, p.235). Nesta etapa, estamos

procurando as leis que expressam como se dá a relação entre os dados especificados no

primeiro estágio (estímulo, resposta e conseqüência). Talvez o conceito primordial a ser

destacado nesse contexto é o de contingências de reforço. Esse conceito retrata as relações

entre os três eventos que especificam a formulação das interações entre organismo e

ambiente: 1) a ocasião na qual ocorreu a resposta, 2) a própria resposta e 3) as conseqüências

reforçadoras. “As relações entre eles constituem as “contingências de reforço”” (Skinner,

1969, p.7). O conceito de contingências de reforço caracteriza os aspectos e eventos

essenciais a serem levados em consideração em uma análise do comportamento. Por

exemplo, a topografia da resposta não consiste em um dado indispensável frente à taxa de

resposta como variável dependente. O estímulo antecedente adquire outro papel, não é

tratado como eliciador: não mantém uma relação inexorável com a resposta, mas se apresenta

Page 68: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

66

como uma parte da ocasião em que uma resposta é emitida e reforçada. A função do reforço

não é retratada pelo conceito de recompensa, que sugere uma compensação por comportar-

se, mas indica um aumento na probabilidade de ocorrências de respostas semelhantes. Uma

outra delimitação importante é destacada por Skinner (1969), “não mais encaramos o

comportamento e o ambiente como coisas ou eventos separados, mas nos preocupamos com

a sua interação. Procuramos as contingências de reforço” (p.10). As contingências de reforço,

portanto, definem como se dá a relação entre os três eventos comportamentais: o estímulo

antecedente estabelece a ocasião na qual uma dada resposta, quando emitida, apresentará

uma maior probabilidade de obter reforço.

Considerando o conceito sob uma outra perspectiva, podemos dizer que as

contingências de reforço não são comportamentos, mas mudanças no comportamento. Em

outras palavras, as contingências são processos comportamentais: “geralmente os processos

comportamentais estudados na análise experimental consistem em mudanças da

probabilidade (ou freqüência) de respostas como função de variáveis manipuladas” (Skinner,

p.61). Em última instância, nesta etapa, estamos preocupados em encontrar os processos

comportamentais. Temos como exemplos de processos a aprendizagem, generalização,

abstração, extinção. Os processos comportamentais são estudados através dos dados

delimitados no primeiro estágio. Dizemos, por exemplo, que um sujeito aprendeu ao

observarmos graficamente que a taxa da resposta aumentou, ou que o comportamento entrou

em extinção quando se registra um declínio na ocorrência de respostas (Skinner, 1950/1961).

O conceito de condicionamento operante, também um processo comportamental, descreve,

por exemplo, a modelagem do comportamento como função de eventos conseqüentes e

antecedentes. Nesse sentido, podemos dizer que os processos comportamentais são também

leis comportamentais, pois expressam uma regularidade observável entre os eventos. O

condicionamento operante descreve uma regularidade em que a probabilidade de ocorrência

Page 69: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

67

de uma dada resposta será alterada quando seguida de uma conseqüência reforçadora na

presença de um estímulo específico (Skinner, 1953). O condicionamento operante,

discriminação, abstração, são, em última análise, contingências de reforço. A diferença entre

esses processos encontra-se nos arranjos diferenciados dos aspectos especificados pela

contingência; por exemplo, na discriminação encontramos uma ênfase no estímulo

antecedente, ao passo que no reforço operante, a ênfase recai nas conseqüências da ação. No

segundo estágio, portanto, encontramos o desenvolvimento de termos que descrevem

relações entre os eventos.

O terceiro estágio também se refere à formulação de conceitos. Entretanto,

as descrições aqui realizadas apresentam uma maior generalidade, em comparação à etapa

anterior - o que justifica a caracterização de um terceiro estágio. Acrescentam-se formulações

às regularidades encontradas no segundo estágio ampliando o escopo de análise. Contudo,

isso é feito sem ferir os dados básicos, definidos no primeiro estágio. Como discutimos, os

processos comportamentais consistem em mudanças na taxa de respostas como função de

variáveis manipuláveis. À medida que novas relações vão sendo descobertas, a ocorrência de

respostas pode ser descrita como função do tempo, como nos esquemas de intervalo, como

uma função de uma determinada taxa de resposta, como é registrado pelos esquemas de

razão. Assim, novos termos como intervalo fixo, intervalo variável, razão fixa ou variável,

esquemas múltiplos, dentre outros, são acrescentados aos termos desenvolvidos no segundo

estágio. Em vista disso, comportamentos complexos, como os de preferência e escolha, que

geralmente são atribuídos a processos mentais superiores, podem ser estudados mediante o

arranjo de contingências: “os dados no campo dos processos mentais superiores transcendem

respostas únicas ou relações estímulo-resposta únicas. Mas eles parecem ser susceptíveis a

formulação em termos de diferenciação de respostas concorrentes, a discriminação do

estímulo, o estabelecimento de várias seqüências de respostas e assim por diante” (Skinner,

Page 70: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

68

1950/1961, pp.68-69).

Os três estágios de construção da teoria do comportamento são suficientes

para mostrar as relações dessa teoria com a interpretação descritivista da teoria científica, um

ponto que será examinado agora.

3.3 INTERPRETAÇÃO DESCRITIVISTA DA TEORIA COMPORTAMENTAL: ALGUMAS

IMPLICAÇÕES

A teoria do comportamento se conjuga como uma versão do descritivismo

científico através das relações de Skinner com Mach. O descritivismo machiano permite a

Skinner (1989) não somente inserir o comportamento no campo da análise científica, mas

também a legitimar o comportamento como objeto de estudo em si mesmo: “eu divergi tanto

de Tolman quanto de Hull, por seguir uma linha estritamente machiana, na qual o

comportamento era analisado como objeto de estudo em si mesmo e como função de

variáveis ambientais, sem referência à mente ou ao sistema nervoso” (p.150, grifo meu). Na

perspectiva descritivista da teoria, portanto, afirma-se a autonomia do comportamento como

objeto de estudo. Isso implica em dizer que o comportamento não é simplesmente o resultado

de atividades mais fundamentais, às quais a pesquisa deve ser dirigida. Ele não é uma

indicação, manifestação ou expressão de alguma outra coisa como pensamentos, sentimentos,

mecanismos fisiológicos ou neurológicos subjacentes, instinto, personalidade, inteligência,

motivação, estados mentais. Ao contrário, o comportamento é um fim em si mesmo. Talvez

isso fique mais claro quando examinarmos a crítica de Skinner (1950/1961) a outros tipos de

teorias ou explicações do comportamento. Trata-se das teorias “outside”, a expressão

caracteriza “qualquer explicação de um fato observado que recorre a eventos que acontecem

em algum outro lugar, em algum outro nível de observação, descrito em diferentes termos e

medidos, se isso é possível, em diferentes dimensões” (p.39).

Page 71: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

69

Skinner (1947/1961, 1950/1961, 1958/1961) discute três sistemas

explicativos que satisfazem a definição supracitada: 1) explicações fisiológicas, 2)

explicações mentalistas e 3) explicações conceituais. No primeiro tipo de teoria são

introduzidas referências ao sistema nervoso, a atividades químicas e elétricas subjacentes ao

comportamento para explicar o próprio comportamento. Já o sistema mentalista procura

explicar o comportamento em termos de um agente mental ou psíquico que carece de

dimensões físicas. As explicações conceituais fazem uso de eventos que não apresentam

dimensões neurológicas ou psíquicas. Trata-se, por exemplo, de estruturas neurais hipotéticas

que se encerram na expressão Sistema Nervoso Conceitual. As referências a estruturas

neurológicas reais ou hipotéticas, ou a eventos mentais são consideradas teorias “outside” na

medida em que empregam outros termos e outros métodos que ultrapassam o nível do

comportamento.

Por seu turno, a autonomia do comportamento vai na contramão de uma

explicação redutiva do comportamento: “o comportamento é um objeto de estudo aceitável

em seu próprio direito, e pode ser estudado com métodos aceitáveis e sem um olhar à

explicação redutiva” (Skinner, 1958/1961, p.254). A relação entre ciência do comportamento

e fisiologia tem sido alvo de inúmeras confusões. Uma delas consiste na classificação da

posição skinneriana de reducionismo. A defesa do tratamento do comportamento em termos

físicos é interpretada como uma redução da psicologia à fisiologia. Confunde-se um

posicionamento epistemológico com um compromisso ontológico. Nesse sentido, Skinner é

acusado de assumir laços com um fisicalismo ontológico. Segundo essa doutrina, o que

existe é a realidade física. No contexto da presente discussão, o fisicalismo ontológico sugere

uma redução do comportamento à fisiologia e à neurociência. Por exemplo, as leis da

psicologia seriam redutíveis às leis da neurociência, sendo assim, a psicologia mais cedo ou

mais tarde não passará de neurociência.

Page 72: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

70

De uma outra perspectiva, o fisicalismo epistemológico discute as

operações para acessar os fenômenos. No caso essas operações seriam operações físicas.

Quais são as operações físicas para definir, por exemplo, o conceito de inteligência? Quais

são as operações físicas para apresentar conceitos mentais? O uso de operações físicas

(fisicalismo epistemológico) não tem um compromisso de afirmar que a inteligência, a mente

ou qualquer fenômeno é físico (fisicalismo ontológico). O fisicalismo epistemológico é um

compromisso sobre o método e não sobre a natureza do real. Isso nos leva a dizer que o

fisicalismo epistemológico não implica um fisicalismo ontológico. Não há uma identidade

entre operação (método) e o fenômeno. O que pretendemos indicar é que a defesa do

tratamento do comportamento em uma linguagem científica não envolve um fisicalismo

ontológico, mas sim, um fisicalismo epistemológico. Algumas citações de Skinner são

empregadas para defender a tese reducionista, como por exemplo: “as variáveis

independentes devem ser descritas em termos físicos (...) os eventos que afetam um

organismo devem ser capazes de descrição na linguagem da ciência física” (Skinner, 1953,

p.36). Entretanto, isso significa, apenas, que o comportamento deve ser estudado em termos

de eventos observáveis, passíveis de manipulação e controle inscritos em uma análise

funcional. A defesa do método não nos autoriza a defender uma redução da psicologia à

fisiologia ou à neurociência. Skinner (1958/1961) não está defendendo a redução de leis e

conceitos comportamentais à fisiologia, caso contrário não escreveria:

Ambos os conjuntos de fatos (comportamentais e fisiológicos), e seus conceitos apropriados são importantes – mas eles são igualmente importantes, não dependem um do outro. Sob a influência de uma filosofia contrária de explicação, que insiste na prioridade redutiva do evento interno, muitos homens brilhantes que começaram com um interesse no comportamento têm se voltado, ao invés disso, para o estudo da fisiologia (p. 253).

Mesmo que instrumentos e métodos da ciência possam trazer o sistema

nervoso sob observação, as atividades fisiológicas são interpretadas em uma estrutura

Page 73: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

71

conceitual diferente da estrutura comportamental. A fisiologia tem fortes analogias com

sistemas mecânicos, nos quais predominam relações de necessidade entre os eventos em uma

causalidade imediata, contígua e eficiente (Moxley, 1999). Ainda que observacional, a

análise da relação entre os eventos fisiológicos não é compatível com a estrutura conceitual

da ciência do comportamento, que é descritivista. Isso implica, como discutimos, uma

concepção funcional das relações, na qual não se afirma uma prioridade de existência entre

os eventos e pressupõe dependências funcionais mútuas e recíprocas.

Na esteira da declaração da independência da teoria comportamental em

relação à fisiologia, podemos dizer que Skinner também não se compromete com algumas

teorias representantes do descritivismo científico. Tanto com respeito à segunda versão, em

que as declarações teóricas são traduzíveis em declarações da denominada linguagem

fisicalista - pois, como acabamos de examinar, defender um fisicalismo além do nível

epistemológico, incorreria em um reducionismo da psicologia à neurociência. Tanto em

relação à primeira versão, como discutiremos agora, que sustenta a tradução das formulações

teóricas em linguagem dos sense data. Vimos que o fenomenalismo advoga a autonomia da

linguagem dos conteúdos sensoriais introspectivamente observados. Skinner (1947/1961),

por sua vez, defende a autonomia da linguagem comportamental:

Nós começamos com o comportamento como objeto de estudo e planejamos um vocabulário apropriado. Expressamos os fatos protocolares básicos da ciência em termos desse vocabulário. No curso de construção de uma teoria, podemos inventar novos termos, mas eles não serão inventados para descrever qualquer espécie nova de fatos. Em nenhum momento a teoria gerará termos que se referem a um objeto de estudo diferente – a estados mentais, por exemplo, ou a neurônios. Não é o propósito de tal teoria explicar o comportamento por se voltar a determinantes “externos” (outside) (pp.233-234).

No contexto de uma linguagem comportamental, não cabe pensar em uma

linguagem que retrata os dados puros da experiência, entendendo a palavra “puro” como

Page 74: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

72

expressando uma certa neutralidade a influências da história do indivíduo. Afirmar isso,

contudo, não é o mesmo que defender, assumindo um outro extremo da questão, que uma

situação só é uma situação dependendo do significado que o indivíduo atribui a ela, ou como

ele a “interpreta” no sentido de recorrer a algum processo interno. O que queremos dizer é

que no behaviorismo radical, o “dado” não tem o sentido de algo que é fornecido pelo

ambiente e que o indivíduo apenas o recebe. E, nem por outro lado, que o indivíduo percebe

o estímulo independente da sua relação com o ambiente. Um dado é um dado somente

quando faz parte das contingências: “Se um estímulo conspícuo não tiver efeito, não será

porque o organismo não o notou, ou porque não foi isolado por um porteiro central, mas

porque o estímulo não teve um papel importante nas contingências que prevaleceram no

momento da resposta” (Skinner, 1969, p.8).

Não existe um mundo perceptual, produto da experiência do indivíduo, que

é diferente do mundo real. Alguém pode “pensar”, por exemplo, que um objeto no céu é

plano e vê logo depois que é uma ave. Isso não quer dizer que no primeiro caso temos a

experiência do sujeito e, no segundo, o mundo tal como ele é: estas são “respostas diferentes

que se realizam em tempos diferentes a uma fonte comum de estimulação” (Skinner, 1953,

p.139). A diferença está nas contingências: as pessoas vêem coisas diferentes quando têm

sido expostas a contingências diferentes de reforçamento (Skinner, 1974/1976). Em suma,

Skinner (1953), com a noção de contingências, – especificamente neste caso, com a noção de

controle de estímulos - desconstrói a dualidade experiência-realidade, e ao fazer isso,

descompromete-se tanto com o idealismo (estímulos produtos do sujeito) quanto com o

realismo (estímulos independentes do sujeito).

O behaviorismo radical, enquanto filosofia da ciência, anuncia que a

ciência do comportamento é descrição. O que é descrição? Descrever, em um sentido inicial,

consiste em buscar relações funcionais entre eventos comportamentais observáveis. Nesta

Page 75: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

73

acepção, afirma-se a natureza experimental da teoria: as noções teóricas são precedidas por

experimentos ou noções experimentais. Em uma segunda significação, a descrição consiste

na abstração de relações funcionais. Como resultado, conceitos e leis comportamentais são

formulados com o objetivo inicial de simplificar e integrar os dados observados, sendo

posteriormente empregados na previsão e controle do comportamento. É no contexto de uma

versão descritivista funcional machiana que Skinner justifica a autonomia do

comportamento, não se comprometendo com versões marcantes do descritivismo, como o

fenomenalismo, uma vez que a realidade última não é composta pelos sense data; e o

fisicalismo, já que, em última análise, a teoria do comportamento não é reducionista. Ao

defender a autonomia do comportamento como objeto de estudo em si mesmo, o termo

descrição é empregado não apenas para delimitar o escopo experimental dos dados básicos,

mas se constitui como uma concepção de teoria que nos obriga a encarar os fenômenos

sempre de modo relacional, e uma relação que é inextricável ao comportamento.

3.4 3.3 INSTRUMENTALISMO CIENTÍFICO E ERNST MACH

Em uma primeira análise do status cognitivo da teoria comportamental

examinamos como alguns aspectos da teoria, na perspectiva skinneriana, se alinham com o

descritivismo científico. Esse estudo mostrou uma aproximação entre descritivismo

machiano e skinneriano. Discutiremos, neste momento, como a teoria do comportamento se

apresenta como uma versão do instrumentalismo científico. Uma interpretação

instrumentalista do behaviorismo radical já foi feita anteriormente (Abib, 2003). Não

obstante, discutiremos a interpretação instrumentalista da teoria comportamental recorrendo à

concepção de ciência de Mach (1893/1960, 1894/1943, 1905/1976). Na literatura

comportamental, a teoria de Skinner inscreve-se como um descritivismo através de suas

relações com Ernst Mach - considerado um dos principais representantes do descritivismo

Page 76: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

74

científico (Chiesa, 1994). Contudo, as influências machianas não se restringem à

interpretação da ciência do comportamento como descrição, mas também abrem flanco para

uma interpretação instrumentalista dessa ciência. A plausibilidade dessa tese está em

argumentar em que medida a teoria científica de Mach pode ser lida como uma versão do

instrumentalismo científico.

Considerada brevemente, a visão instrumentalista, segundo Nagel (1961),

concebe a teoria como uma regra ou um princípio para analisar e representar simbolicamente

certos materiais da experiência bruta e, ao mesmo tempo, como um instrumento de inferência

que permite fazer transições de um conjunto de dados experimentais para outro. As teorias

são consideradas ferramentas intelectuais planejadas para orientar a pesquisa experimental

evidenciando relações entre os dados que não seriam percebidas caso não fossem indicadas

pela teoria. A função de uma teoria é organizar “dados brutos”, ao invés de sumarizar e

reproduzir tais dados. Sob esse ponto de vista, a teoria tem uma referência factual, ou seja,

uma referência ao objeto de estudo para o qual tem sido construída. Desta forma, a evidência

empírica disponível é suficiente para estabelecer a adequação da teoria como um princípio

orientador para um domínio extensivo de pesquisa. Um outro aspecto a ser mencionado, é

que a visão instrumentalista não adota como critérios para decidir a legitimidade de uma

teoria a sua verdade e falsidade, mas sim, a efetividade da teoria em representar e formular

hipóteses experimentais. Contudo, defender que a verdade ou falsidade são características

inapropriadas das teorias não é o mesmo que dizer que elas são ficções. Para o

instrumentalismo, algumas teorias são superiores a outras. Ou porque uma teoria serve como

um princípio orientador efetivo para um alcance maior de questões. Ou porque uma teoria

oferece um método de análise e representação que torna possível inferências mais detalhadas

e precisas do que outras. A efetividade e superioridade de uma teoria, como um instrumento,

em relação a uma outra é contingente aos aspectos objetivos de um objeto de estudo e não a

Page 77: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

75

preferências pessoais (Nagel, 1961).

A ênfase dada por Mach (1905/1976) em alguns aspectos de sua teoria

fornece indícios para uma leitura instrumentalista, principalmente quando discute as noções

de conceito e hipótese científica. De acordo com Mach, os resultados da adaptação do

pensamento aos fatos são formulados em ‘julgamentos’ que são comparados e

posteriormente adaptados. Existem julgamentos que são produto de observação simples

quando, por exemplo, observamos que a água é líquida. Há outras circunstâncias em que os

julgamentos são produtos de uma ‘soma’ de experiências, como na situação em que a

madeira entra em combustão no ar. Nesse caso, as condições são mais complexas, a madeira

queima somente quando há oxigênio suficiente e em temperatura elevada. Todavia, os

julgamentos sobre a presença de oxigênio, ou o conceito de oxigênio não são resultado de

observação imediata: “temos que pensar o alcance total do comportamento físico-químico do

oxigênio, com todas as experiências e observações que temos dele, e os julgamentos que

temos feito para dar uma expressão apropriada no pensamento da condição ‘presença de

oxigênio’. O conceito de ‘oxigênio’ (...) só pode ser dado por uma definição que

exaustivamente soma experiências” (Mach, p.83). Com isso, Mach afirma a natureza

empírica do conceito, mesmo que não seja produto de observação imediata.

Os conceitos são especificamente formados pelo processo de abstração, e

as regularidades abstraídas são simbolizadas pela linguagem. Assim, os homens, ao formar

conceitos, fazem uso de palavras. Elas denotam uma classe de objetos associados com

reações definitivas. Na ciência, os conceitos adquirem uma função instrumental. Segundo

Mach (1905/1976), “os conceitos representam e simbolizam no pensamento grandes áreas de

fatos. O propósito dos conceitos é permitir encontrar nosso caminho no emaranhado confuso

dos fatos” (p.98). Nesta situação, os conceitos são tratados como princípios orientadores da

pesquisa: simplificam os fatos, destacam os aspectos relevantes, e ignoram aqueles

Page 78: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

76

irrelevantes, que são desprezíveis ou que poderiam atrapalhar o andamento da pesquisa.

Levando em consideração a natureza empírica e sua função instrumental, o pesquisador tem

no conceito uma ferramenta essencial para descrever as relações entre os fenômenos. O papel

dos conceitos na pesquisa científica, na perspectiva machiana, se assemelha à função

atribuída às noções teóricas pela concepção instrumentalista de teoria. Nesta última, os

conceitos funcionam somente como elos em regras de representação e inferência, “portanto,

o significado de tais termos [conceitos] é esgotado pelas funções que desempenham ao

orientar pesquisas e ordenar os materiais de observação. E nessa perspectiva, a suposição de

que tais termos podem se referir a coisas e processos fisicamente existentes, que não são

fenômenos no sentido estrito, parece ser excluída” (Nagel, 1961, p.140).

As relações de Mach (1905/1976) com o instrumentalismo também podem

ser indicadas quando ele discute o papel das hipóteses na pesquisa científica. De acordo com

Mach, as hipóteses científicas são o resultado de um desenvolvimento ulterior do pensamento

instintivo e primitivo. Devido às limitações de nosso equipamento sensorial e intelectual,

tratamos os fatos como parciais e isolados, mas essa observação parcial é complementada

provisoriamente no pensamento conforme a experiência cotidiana do observador. Este

processo de complementação da observação no pensamento é denominado de conjectura ou

hipótese. Partindo dessa definição, Mach afirma que tanto os homens, quanto os animais

formulam hipóteses: “Um gato ao olhar sua imagem atrás do espelho formula uma hipótese,

embora instintiva e inconsciente, em relação ao seu caráter corporal, e então começa a testá-

la; mas enquanto nesse ponto o gato pára, é precisamente aqui que o homem, em casos

análogos, começa a maravilhar-se e refletir” (p.171).

No caso da ciência, o mesmo processo está envolvido. O exemplo da

formação do conceito de oxigênio nos mostra que podemos supor conseqüências de um fato,

mesmo quando elas não são diretamente observadas; “algumas coisas que ainda não puderam

Page 79: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

77

ser verificadas pela observação podem se tornar objeto de complementação no pensamento,

de conjecturas, suposições ou hipóteses” (Mach, 1905/1976, p.173). Mach reconhece,

explicitamente, a participação das hipóteses no desenvolvimento científico, “A ciência, em

seu desenvolvimento, se move entre conjecturas e parábolas, não há como negar isso ...”

(p.181). Quando formulamos uma hipótese supomos propriedades e conseqüências de um

fenômeno sem conhecer de antemão se esses aspectos continuarão a ser mantidos em outras

condições. Nós fazemos isso por analogia de outros casos. Assim, uma hipótese baseada em

uma analogia se aplicará em algumas situações e em outras não. Isso revela o caráter

temporário e incompleto de uma hipótese. Ela é encarada como uma suposição provisória

que não pode ser ainda estabelecida, mas que nos ajuda a entender uma gama de fatos. Desse

modo, as hipóteses podem facilitar a nossa visão de fatos novos, assumindo um valor

heurístico. Mas sua utilidade esgota-se aí, Mach (1893/1960) adverte: “nós erramos ao

esperar mais esclarecimento de uma hipótese do que dos próprios fatos” (p.599). A própria

natureza da hipótese - complementação de um fato no pensamento por analogia - já revela

sua função autodestruidora; no curso da pesquisa as hipóteses são sustentadas, derrubadas e

substituídas por novas hipóteses que, por sua vez, seguirão o mesmo trajeto. Essa função

autodestruidora da hipótese conduz, ao final, à formação de conceitos como conclui Mach

(1905/1976): “as visões resultantes já não são mais hipóteses, mas pressuposições da

inteligibilidade dos fatos e resultados de investigação analítica” (p.181).

Ainda que exerçam um valor heurístico, as hipóteses e conceitos

apresentam um conteúdo factual. Em vista disso, podemos dizer, como o instrumentalismo

sugere, que as hipóteses e os conceitos não são ficções. Não obstante, afirmar um conteúdo

factual não é a mesma coisa que defender a existência de ‘coisas’ físicas. Neste caso, é

importante não confundirmos fatos com conceitos. Deve ficar claro que os conceitos contêm

elementos factuais, e a sua correção se dá na relação com os fatos através de experimentação,

Page 80: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

78

nas palavras de Mach (1905/1976): “os elementos factuais contidos nos conceitos não devem

nos confundir ao identificar essas formações mentais, que sempre requerem correção com os

próprios fatos” (p.99). Esse aspecto é de fundamental importância na pesquisa científica, pois

muitos erros são devidos a este tipo de confusão, em que o meio acaba se tornando o fim.

Com respeito a esse assunto, Mach (1894/1943) critica a física mecânica por hipostasiar

conceitos científicos: “usar conceitos não faria a ciência física ver em suas moléculas e

átomos - ferramentas econômicas, autocriadas, mutáveis - realidades atrás do fenômeno (...).

O átomo deve permanecer uma ferramenta para representar o fenômeno, como as funções da

matemática” (pp.206-207, grifos meus).

Os conceitos e hipóteses, na visão machiana, se apresentam como um

recurso heurístico, uma estratégia provisória, a ser abandonada tão logo sejam alcançadas

declarações sobre relações de dependência entre eventos e propriedades observáveis, ou seja,

uma teoria na concepção descritivista de ciência. Entretanto, podemos dizer que a teoria da

ciência em Mach pertence à versão instrumentalista, pelo menos no que diz respeito a uma

ênfase pronunciada em seus escritos acerca das noções de conceitos e hipóteses na pesquisa

científica. Nessa perspectiva, noções teóricas não seriam um compêndio de declarações

acerca de relações observáveis. Assim como uma ferramenta física, não há uma identificação

entre a ferramenta e as coisas produzidas por ela, “seria um tanto curioso questionar se um

martelo “representa” adequadamente os produtos já produzidos com sua ajuda, ou, além

desses produtos, se o martelo designa um conjunto “excedente” (surplus) de coisas que

poderia ajudar a produzir” (Nagel, 1961, p.130). Ao contrário, conceitos e hipóteses

funcionariam como um princípio orientador da pesquisa, por meio do qual, novas relações

são empreendidas dando inteligibilidade aos dados da experiência; uma espécie de regra de

inferência, um instrumento para derivar declarações de observação de outras.

Ainda que a teoria machiana seja interpretada em termos de um

Page 81: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

79

compromisso declarado com o descritivismo científico, outros aspectos da teoria aqui

discutidos nos levam a encontrar um instrumentalismo não explícito ou, em outras palavras,

um instrumentalismo reticente, inscrito em um contexto em que Mach (1893/1960) critica a

visão realista das teorias: “A maioria dos pesquisadores naturais atribuem aos implementos

intelectuais da física, aos conceitos de massa, força, átomo, e assim por diante, cuja única

função é recuperar economicamente experiências arranjadas, uma realidade por detrás e

independente do pensamento. E não somente isso, tem sido sustentado que essas forças e

massas são os objetos reais da pesquisa” (pp. 609-610).

Um outro aspecto que aproxima a teoria machiana do instrumentalismo,

mas que não será detalhado neste trabalho, é a noção de verdade em Mach. De acordo com o

instrumentalismo, a verdade é tratada em termos da eficácia da teoria em orientar o cientista

na pesquisa experimental. Em vista disso, a visão instrumentalista alinha-se com o

pragmatismo filosófico (Baum, 1994/1999; Smith, 1986)1. Um aspecto interessante é que

Mach (1905/1976) dá preferência aos termos conhecimento e erro ao invés da díade verdade-

falsidade. Examinamos no capítulo 1, que conhecimento é uma experiência benéfica a nós, já

o erro produz “associações enganadoras que impõem conseqüências dolorosas” (p.81). No

sentido biológico, o conhecimento promove a adaptação e sobrevivência das espécies; no

contexto da ciência ele conduz a relações funcionais importantes para a pesquisa científica. O

mesmo raciocínio pode ser aplicado em relação ao erro: biologicamente, enquanto

experiência, o erro compromete a sobrevivência; no campo científico, ele acontece quando o

cientista negligencia diferenças significativas entre os fenômenos, quando desconsidera,

_____________ 1 Smith, por exemplo, entende que a noção de verdade em Mach seria tratada, baseada na concepção de

conhecimento biológico, em termos de adaptação eficiente de uma espécie ou indivíduo em seu ambiente. Baum discute o pragmatismo machiano recorrendo à noção de economia da ciência. Ele argumenta que o conceito, como uma estratégia econômica da ciência, permite relacionar os eventos de modo que os tornem compreensíveis. E isso é coerente com o pragmatismo, pois, segundo Baum, essa tradição defende que uma teoria se apresenta temporariamente como verdadeira na medida em que possibilita estabelecer relações entre

Page 82: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

80

principalmente, que os eventos estão sempre em relação. Mach esclarece: “o erro supervém

somente quando consideramos que um fato ainda continua a existir sob outras circunstâncias

e ignoramos a mudança nas circunstâncias, física, mental ou ambas” (p.84). Por outro lado, o

erro exerce uma notável influência no desenvolvimento mental. O interesse biológico nos

leva a fazer associações corretas e importantes e que, por essa razão, tornam-se permanentes.

O erro, quando ocorre, promove um conflito, um desarranjo, e é justamente essa tensão que é

o início da adaptação deliberada das idéias, da pesquisa científica (1905/1976).

A natureza do conhecimento e do erro é a mesma, ou seja, os mesmos

processos (adaptação do pensamento aos fatos, abstração) participam tanto de um quanto do

outro: “conhecimento e erro fluem da mesma fonte mental, somente o sucesso pode

diferenciar um do outro” (Mach, 1905/1976, p. 84). A diferença entre conhecimento e erro,

como é possível perceber, é a efetividade. No contexto da ciência, a diferença se dá entre

regras científicas efetivas e não efetivas. Essa concepção de erro gera uma certa postura ao

fazer ciência: o cientista deve levar em consideração as possíveis fontes de erro no decorrer

da investigação experimental, pois somente com um exame rigoroso e exaustivo o

pesquisador pode evitá-lo. Essa relação íntima entre conhecimento e erro leva também o

pesquisador a adotar uma atitude mais modesta diante dos fatos. Neste caso, seria mais

sensato falar de probabilidade ao invés de certeza, como nos aconselha Mach: “Finalmente,

devemos lembrar que mesmo a mais alta probabilidade não é ainda uma certeza” (p.89).

Em suma, temos em Mach conhecimento ao invés de verdade, erro ao

invés de falsidade e probabilidade ao invés de certeza. Se essa análise está correta, teríamos,

então, outros indícios para fortalecer possíveis interpretações da teoria machiana como

pragmatismo. A hesitação em lidar com a noção de verdade pode também ter relações com a

os fenômenos, torná-los compreensível de modo a indicar caminhos pelos quais as realidades possam ser modificadas.

Page 83: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

81

‘aversão’ machiana ao realismo. Verdade combina com realidade. A verdade é a

correspondência, o acesso à realidade. E realidade combina com explicação causal. Explicar

é descobrir a verdade, a realidade que está por detrás do fenômeno (os elos ou “poderes

ocultos” que ligam inelutavelmente a causa ao efeito). A descrição, nessa perspectiva, só nos

contaria a aparência das coisas (regularidades observáveis entre os eventos).

Enquanto um representante do descritivismo científico, Mach (1893/1960,

1894/1943, 1905/1976) concebe a teoria como um resumo de relações empíricas. Nesse

contexto, ao defender a autonomia da experiência como objeto de estudo, critica a versão

realista das teorias. No debate com o realismo, Mach estabelece relações com o

instrumentalismo científico. Isso se dá, por um lado, ao tratar conceitos e hipóteses

científicas como ferramentas conceituais com as quais fazemos inferências e abstraímos

relações. E, por outro, as afinidades com a visão instrumentalista se dão por meio do

pragmatismo filosófico, que concebe a verdade de uma teoria como efetividade e não como

correspondência com a realidade. Podemos dizer que, em Mach, há uma notável relação entre

descritivismo e instrumentalismo. Porque a perspectiva relacional do descritivismo e a

verdade como efetividade são incompatíveis com a versão realista das teorias. As

aproximações de Mach com o instrumentalismo também influenciaram o posicionamento da

teoria do comportamento frente a alguns discursos científicos. Será possível perceber, que a

corrente filosófica de Skinner também não se compromete com o realismo científico.

3.5 TEORIA COMPORTAMENTAL DE SKINNER E INSTRUMENTALISMO CIENTÍFICO

Um dos conceitos centrais, no behaviorismo radical, que permite uma

interpretação da teoria comportamental como uma versão do instrumentalismo científico é o

conceito de contingências de reforço. Tentaremos mostrar que esse conceito se apresenta

Page 84: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

82

como uma ferramenta conceitual não apenas para orientar o cientista na pesquisa científica,

mas também para interpretar outros fenômenos que não são passíveis de manipulação

experimental.

A contingência de reforço é um conceito que expressa a maneira como se

dá a relação entre os eventos comportamentais. Lembremos: o estímulo antecedente

estabelece a ocasião em que uma resposta, quando emitida, terá uma maior probabilidade de

ser seguida de conseqüências reforçadoras. A contingência de reforço, entendida como a

relação definidora entre eventos, funciona como uma regra na pesquisa experimental na

medida em que o cientista procurará relações entre os fenômenos nos moldes especificados

pela contingência. Por exemplo, apresentemos a um leigo em análise do comportamento a

seguinte situação experimental: um rato ao pressionar uma barra aciona um liberador que

deposita, em uma bandeja, uma pelota de alimento. Vamos supor que o nosso visitante

observe a situação por muito tempo. Ele poderá relatar que o rato pressiona a barra de várias

maneiras com a pata, com o focinho, com a cauda, e que pressiona a barra cada vez mais à

medida que obtém comida na seqüência. O observador pode presumir que o rato ficou muito

tempo sem comer e estava com fome e, por estar faminto, pressionou a barra na freqüência

observada. Em um outro dia, levamos o nosso visitante para observar uma outra sessão, com

o mesmo rato. Ele relata que, em alguns momentos, o rato pressiona a barra e obtém comida

e, em outros casos, a pressão à barra não é seguida da pelota de alimento. O observador

comenta que o rato pressionou a barra em uma freqüência maior do que na ocasião em que

todas as pressões eram seguidas de comida, como na primeira sessão, e atribuiu ao fato do

rato estar “acostumado” a receber comida quando aciona a barra. O nosso observador pode,

até mesmo, buscar outras relações, mas parece não haver muito sentido deter-se em

acontecimentos que se mostram tão óbvios e outros tão insólitos - ainda mais quando se diz a

ele que, com a referida situação experimental, delineamos princípios para se estudar o

Page 85: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

83

comportamento humano. Nas palavras de Skinner (1969) “a observação direta, não importa

quão prolongada, nos diz muito pouco sobre o que está acontecendo” (p. 9).

O analista do comportamento, por sua vez, ‘olhará’ as contingências. Para

ele, não importa tanto a maneira como o rato pressionou a barra, – um aspecto que, talvez,

tenha chamado muito a atenção do nosso visitante - ou seja, a topografia do comportamento.

A contingência de reforço indica a probabilidade do responder como foco de análise. A

resposta de pressionar a barra produz alimento, que se apresenta como uma conseqüência

reforçadora resultando em um aumento na taxa de respostas. Os estímulos antecedentes

(barra, por exemplo) podem exercer algum controle na ocasião em que a relação resposta-

conseqüência foi estabelecida. O registro dos dados não será feito em termos de número de

tentativas bem sucedidas versus número de tentativas mal sucedidas do rato. As relações

entre os eventos são registradas graficamente em uma curva cumulativa que evidencia um

aumento do responder do organismo em função das conseqüências, em outras palavras,

indica a probabilidade de resposta. A contingência também nos fornece um vocabulário

apropriado para tratar os dados. Por exemplo, não descrevemos o aumento da probabilidade

de resposta como resultado de um processo de ajustamento ou adaptação, ou uma espécie de

restituição do equilíbrio orgânico, mas como produto da interdependência funcional entre os

eventos. A contingência de reforço, então, funciona como um princípio norteador da

pesquisa. Como um modo de olhar para os fenômenos, ela indica não apenas quais eventos

devem ser considerados (a resposta, a conseqüência e o estímulo antecedente), como medi-

los, e os termos apropriados para lidar com eles, mas nos obriga a encará-los sempre em

relação. Em outras palavras, a contingência exibe relações entre os dados de observação que

não seriam consideradas quando não organizadas por esse conceito2.

_____________ 2 Levando isso em conta, um disco vermelho, por exemplo, pode funcionar como um estímulo discriminativo

Page 86: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

84

O conceito de contingências permite fazer transições de um conjunto de

dados experimentais para outro produzindo relações que podem encerrar novos conceitos e

leis científicas. Skinner (1969) lista uma série de conceitos desenvolvidos no laboratório

baseados na combinação dos elementos especificados pela contingência. A esquiva, por

exemplo, é um conceito que expressa o aumento de uma dada resposta tendo como resultado

o adiamento de uma conseqüência aversiva como o choque; na diferenciação de respostas,

um outro conceito, uma conseqüência reforçadora aparece somente quando uma barra é

pressionada com uma força acima de um valor estipulado. Outros conceitos tais como:

reforço operante, fuga, discriminação de estímulo, “superstição”, encadeamento de operante,

equiparação com padrão, equiparação retardada, equiparação retardada mediada, esquemas

de reforço, privação múltipla, dentre outros, descrevem as várias maneiras de combinar os

termos especificados pela contingência (Skinner, 1969).

A contingência de reforço também é o elo de ligação entre o laboratório e a

vida cotidiana. Nessa perspectiva, ela é uma ferramenta intelectual efetiva para lidar com um

alcance especial de questões que vão além do laboratório, ou seja, com ela interpretamos, em

termos relacionais, outros fenômenos que não são passíveis de manipulação experimental.

Essa asserção requer alguns comentários adicionais de modo a evitar possíveis confusões. A

palavra interpretação está sendo usada aqui em contraste com manipulação experimental

que, por sua vez, envolve observação. Essa separação dos usos não significa que, no caso da

manipulação, temos acesso direto ao mundo, coletamos os dados, e depois os interpretamos.

Na própria manipulação e controle há interpretação em um sentido inicial de que não há

observação direta dos dados, sempre há mediação do comportamento, o que envolve a

não porque é vermelho, mas porque passou a exercer algum papel na relação entre respostas e conseqüências. Uma resposta é considerada operante, não porque produziu conseqüências, mas porque tais conseqüências modificaram o ambiente produzindo estímulos que influenciarão a ocorrência de respostas semelhantes (Skinner, 1969).

Page 87: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

85

história filogenética, ontogenética e cultural do comportamento do pesquisador. A

manipulação, mesmo pressupondo observação, envolve interpretação de uma outra

perspectiva de análise. Toda observação “direta” ou “indireta” envolve interpretação na

acepção de que interpretar é comportar-se de modo apropriado em uma dada situação: ““ver”

é o comportamento “interpretativo” que um estímulo controla. O termo “ver” caracteriza uma

relação especial entre o comportamento e estímulos” (Skinner, 1953, p.140). Observar é

interpretar no sentido que caracteriza uma relação específica entre comportamento e

estímulo. O comportamento de observar está sob o controle de um estímulo específico de

modo que esse comportamento produz conseqüências reforçadoras em situações semelhantes.

Podemos levar adiante que a distinção entre observação direta e indireta não é rígida citando

o próprio Mach (1905/1976), quando discute a relação entre observação e teoria: “a

adaptação do pensamento aos fatos (...) nós deveríamos chamar de observação; e a adaptação

mútua dos pensamentos, teoria. Observação e teoria não estão nitidamente separadas, uma

vez que qualquer observação já está influenciada por uma teoria, e essa observação, por sua

vez, influencia a teoria” (p.120). Em suma, a noção de observação direta - e na esteira dessa

discussão, as noções de observação pura e dados brutos - não é condizente com o

behaviorismo radical. Primeiramente, toda observação é comportamento, o que remete a uma

relação com o contexto atual do cientista e sua história de reforço, abalando, por exemplo,

aspirações à neutralidade científica. Em segundo lugar, os relatos de observação remetem a

uma base observacional que é mediada por conceitos comportamentais, como o de

contingências de reforço. Feitas essas ressalvas, o termo interpretação demarca, apenas, a

aplicação dos princípios da análise experimental do comportamento a assuntos que fogem ao

alcance da manipulação e controle experimental.

A contingência de reforço é um instrumento conceitual na medida em que é

empregada para gerar explicações plausíveis de certos fenômenos: “os princípios derivados

Page 88: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

86

da pesquisa conduzida sob condições favoráveis de laboratório são usados para dar uma

explicação plausível de fatos que, no momento, não estão sob controle experimental”

(Skinner, 1969, p.100). Inicialmente, Skinner aplicou as contingências de reforço na

interpretação da “vida cotidiana”, o que envolve a interpretação do comportamento verbal e

de práticas culturais. Nesta reformulação skinneriana, a linguagem refere-se, não a um

conjunto de sentenças e elocuções, mas à prática de reforçamento de comunidades verbais -

práticas que são governadas por regras gramaticais que modelam e mantêm o comportamento

dos falantes. A cultura, por sua vez, compreende o conjunto das contingências de reforço

social que geram e mantêm comportamento das pessoas. Uma das implicações de tratar a

linguagem e a cultura em termos de contingências de reforço é que as topografias não

ganham destaque. Privilegia-se, no primeiro caso, a situação na qual uma sentença é emitida

e o seu efeito sobre o ouvinte, e não apenas aspectos acústicos, fonéticos e as propriedades

sintáticas das sentenças. Com respeito à cultura, analisamos as conseqüências da adoção de

certas práticas culturais sobre os membros do grupo, e não o mero registro dos seus

costumes. Uma outra conseqüência, é que descrições em termos de contingências prescindem

de explicações mentalistas da linguagem - como na ocasião em que se diz que um falante usa

uma palavra com a “intenção” de expressar um “significado”. No caso da cultura, temos a

situação em que se recorre a uma mente grupal ou a um contrato social para explicar as

práticas de um grupo. Vemos que Skinner empregou o conceito de contingências de reforço,

um conceito derivado da experimentação, mediante análise do comportamento do indivíduo,

para interpretar comportamentos complexos, como o comportamento verbal e as práticas

culturais.

O escopo do conceito de contingências como um instrumento vai além da

interpretação do comportamento humano estendendo a análise para o comportamento de

espécies infra-humanas. Talvez uma situação que mereça uma análise pormenorizada é a

Page 89: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

87

interpretação skinneriana do comportamento filogenético. A modelagem operante, um

processo comportamental (que, como discutimos refere-se às contingências de reforço), diz

respeito a um outro conceito que, outrora, era empregado para compreender estritamente o

comportamento complexo de um organismo individual, e agora é utilizado para interpretar o

desenvolvimento do comportamento da espécie. O artigo The shaping of phylogenic behavior

(1978) compreende um exemplo esclarecedor dessa aplicação do termo teoria. De acordo

com Skinner, topografias complexas do comportamento operante são modeladas mediante

um aumento gradual da complexidade das contingências de reforço. Desta forma, operantes

complexos, que dificilmente apareceriam no repertório do organismo, poderiam ser

desenvolvidos reforçando uma série de aproximações sucessivas. Esse processo é possível de

ser observado e manipulado, já que o condicionamento operante é passível de ser estudado

no laboratório.

Skinner (1978) sugere um processo paralelo para explicar o comportamento

filogenético complexo, recorrendo não às contingências de reforço, mas a um programa de

contingências de sobrevivência. Entretanto, o modo como este programa opera na

modelagem do comportamento não pode ser observado e manipulado, mas apenas inferido.

Skinner ampara-se em conceitos e teorias derivados de outras ciências como evidências de

condições ambientais que poderiam ter participado da modelagem do comportamento, a

saber, as teorias de expansão do fundo do mar e a deriva continental. A dificuldade de traçar

condições ambientais que participaram da modelagem de comportamentos filogenéticos

complexos contribuiu para que conceitos como os de instinto, impulso, capacidade e

propósito fossem invocados para dar conta da complexidade do comportamento. A análise do

comportamento filogenético complexo, em termos do processo de modelagem, mediante a

atuação de contingências de sobrevivência, prescinde de explicações que recorrem a

determinantes internos e a estruturas e funções fisiológicas. Novamente aqui, a autonomia do

Page 90: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

88

comportamento é reiterada, nessa ocasião, com respeito ao comportamento da espécie.

Através do exame do comportamento filogenético, podemos perceber o

conceito de contingências funcionando como um princípio condutor de inferência. No caso,

Skinner (1978) infere como se deu a constituição do comportamento filogenético à luz das

contingências de reforço interpretando o comportamento filogenético complexo como

produto de um processo de modelagem, no qual participa um programa de contingências de

sobrevivência. Nessa perspectiva, as contingências de reforço também serviram para criar o

conceito de contingências filogenéticas: o comportamento filogenético passou a ser estudado

a partir de suas relações com o ambiente.

É interessante que, no contexto do instrumentalismo, temos uma espécie de

radicalização do emprego dos termos comportamentais. Ampliamos o escopo de análise

usando as noções teóricas desenvolvidas no laboratório para interpretar outros fenômenos,

bem como conceitos e teorias já estabelecidos por outras ciências (como no caso da deriva

continental e da expansão do fundo do mar). No caso do comportamento filogenético e das

práticas culturais, só podemos inferir os estágios de sua evolução, e uma inferência que

ultrapassa os limites de manipulação experimental. Ainda que, nesse caso, não possamos

“construir” a relação, podemos interpretar a ocorrência desses fenômenos em relação às

condições ambientais, e não a processos de natureza não comportamental. Em vista disso,

podemos dizer que a explicação do comportamento não se reduz à descrição de relações

funcionais entre eventos comportamentais que são passíveis de previsão e controle, mas

volta-se para uma explicação instrumental fundamentada em princípios experimentais3.

_____________ 3 A interpretação instrumentalista da teoria do comportamento skinneriana merece comentários adicionais para

se evitar possíveis confusões. Em Skinner (1969, 1978), o instrumentalismo aparece de maneira explícita quando alude à interpretação de comportamentos que estão fora de controle e manipulação experimental, como os comportamentos filogenéticos e práticas culturais. Dito de outro modo, a versão instrumentalista da teoria comportamental se insinua no diálogo com as ciências históricas (etologia e antropologia). O que pode dar a impressão de que o instrumentalismo refere-se, apenas, às ciências históricas, ou a objetos que não são

Page 91: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

89

Nesse sentido, descritivismo e instrumentalismo não são incompatíveis e mutuamente

excludentes, mas caminham juntos para uma explicação mais completa do comportamento.

3.6 BEHAVIORISMO RADICAL E PRAGMATISMO

As relações de Skinner com a filosofia da ciência de Ernst Mach nos

levaram a interpretar a teoria comportamental como uma versão do instrumentalismo

científico. Ademais, o tratamento de Mach (1905/1976) com respeito às noções de

conhecimento e erro, ao invés da dicotomia verdade-falsidade, forneceram indícios para

interpretá-lo também como um pragmatista. Analisaremos, neste momento, que o

behaviorismo radical também se conjuga como uma teoria pragmática da verdade (Baum,

1997/1999), o que consiste em um outro aspecto que fortalece os laços entre Skinner e Mach.

Na perspectiva da visão instrumentalista e pragmatista, uma teoria é simplesmente um

instrumento para relacionar os dados não sendo, absolutamente, verdadeira ou falsa, mas

efetiva ou ineficaz, conveniente ou inconveniente, produtiva ou improdutiva (Nagel, 1961).

Para Skinner (1974/1976) o conhecimento científico é conhecimento “verdadeiro” na medida

em que é efetivo: “conhecimento científico é um corpo de regras para ação efetiva, e há um

sentido especial no qual ele seria “verdadeiro” se produzisse uma ação tão efetiva quanto

possível” (p.259), ou ainda, “uma proposição é “verdadeira” na medida em que ajuda o

ouvinte responder efetivamente a situações que ele descreve” (p.259).

Temos que conhecimento científico verdadeiro produz ações efetivas, ou

passíveis de controle e manipulação experimental. Essa conclusão não procede. O instrumentalismo consiste em um modelo de ciência, que se aplica tanto a ciências históricas, quanto não-históricas. Convém destacar que, mesmo em Skinner, a relação do instrumentalismo com aspectos que fogem ao alcance experimental, não é tão rígida quanto parece. Lembremos que o conceito de contingências é usado instrumentalmente, mesmo no nível experimental. O emprego da noção de contingências parece ser suficiente para mostrar que o instrumentalismo não se identifica, unicamente, com as ciências históricas. Ao contrário, é um modelo de teoria científica, que se aplica a qualquer tipo de ciência.

Page 92: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

90

comportamento efetivo. A análise da efetividade do comportamento é a análise das

conseqüências que se seguem a esse comportamento4. As conseqüências do comportamento

do cientista serão consideradas em duas perspectivas: uma delas examina as conseqüências

no contexto da atividade científica, a segunda, discute as conseqüências do comportamento

de fazer ciência como os valores dessa ciência.

Em um contexto estrito, a efetividade de uma teoria é verificada na sua

capacidade de produzir descrições econômicas dos fatos, na acepção machiana do termo:

“elas (descrições) tornam possível uma pessoa agir de modo mais bem sucedido do que

poderia aprender a fazer em um curto período de vida ou mesmo por meio de exposição

direta a muitos tipos de contingências” (Skinner, 1974/1976, p.159). A teoria se apresenta

como ponto de partida para outros cientistas, que podem aproveitar do conhecimento gerado

pelos seus antecessores não precisando submeter-se a experiências que poderiam ser

impossíveis de serem vividas na duração de uma só vida. Em vista disso, o cientista terá uma

maior probabilidade de resolver problemas apresentados por uma nova situação se já sabe,

tanto quanto possível, das soluções anteriores. Uma teoria efetiva ou econômica produz

condições que capacite outros cientistas a estabelecer relações funcionais importantes e

formular outras leis avançando o conhecimento científico.

Segundo Skinner (1974/1976), “os fatos e leis de uma ciência são

descrições do mundo – isto é, de contingências prevalecentes de reforço” (pp.158-159).

Descrever o mundo, portanto, é descrever relações, ou seja, contingências de reforço. O

cientista ao comunicar essa descrição institui condições para que o comportamento de um

pretenso estudante da ciência, ou de um outro cientista fique sob o controle dessa descrição.

Neste caso, as descrições funcionam como regras de conduta, princípios orientadores na

_____________ 4 Cabe lembrar, que a análise das conseqüências, por sua vez, nunca é deslocada de um exame das contingências,

Page 93: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

91

pesquisa científica que ajudam o pesquisador a estabelecer relações na investigação

experimental. O comportamento do estudante ou do pesquisador talvez nunca exceda o

comportamento que é controlado pela situação descrita. Temos, aqui, uma condição muito

parecida com a “prova” da verdade tautológica dos matemáticos e lógicos: independente de

algumas variações do comportamento do estudante, ou do cientista, elas estarão sob o

controle da regra produzindo as conseqüências especificadas pela regra. Podemos dizer,

então, em outras palavras, que a efetividade de uma teoria é confirmada quando produz

descrições econômicas dos fatos. O que promove o avanço científico em dois sentidos:

primeiramente, a descrição permite a geração futura de cientistas aproveitar a experiência

acumulada poupando trabalho. Em segundo lugar, a descrição, como uma regra na pesquisa,

pode gerar um aprofundamento e especialização do conhecimento pela reprodução das

condições especificadas pela regra.

Todavia, as descrições dadas pelo cientista nunca são as próprias

contingências, mas abstrações dessas contingências. Uma regra, portanto, é falha, uma vez

que uma descrição das contingências nunca é completa. Isso permite que o comportamento

do cientista seja exposto a outros tipos de contingências, o que pode resultar na ampliação ou

na refutação da regra. Além da imprecisão de uma regra, em princípio, Skinner (1968)

recomenda que não se enfatize demasiadamente o ensino preciso e exato de regras, pois isso

gera rigidez, imitação, reprodução. Em suas palavras: “os cientistas definem seus termos tão

precisamente quanto possível, e metáforas poéticas não são freqüentemente encontradas em

suas publicações técnicas, mas uma grande parte do conhecimento científico é, entretanto,

metafórica no sentido de que expressões aprendidas em uma situação são generalizadas a

outras, e isso não ocorrerá se os termos forem estritamente controlados” (p.175). Nessa

perspectiva, uma teoria é efetiva por oferecer condições para a ocorrência de comportamento

pois é no interior delas que a função das conseqüências é estabelecida.

Page 94: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

92

criativo. Novas respostas podem ser geradas por arranjos acidentais de contingências, como

no caso em que as descobertas científicas são produtos de acidentes. Mas a ciência pode criar

condições para que o cientista tire não apenas proveito dos acidentes, mas também passe a

produzi-los: “por definição, não se pode ensinar comportamento original, pois não seria

original se fosse ensinado, mas podemos ensinar o estudante a arranjar ambientes que

maximizem a probabilidade de que ocorram respostas originais” (Skinner, p.180). A ciência

avança não apenas pela reprodução de conceitos e leis alcançando um alto grau de

especificidade e aprofundamento, mas também pela produção de variações.

A efetividade da teoria, como instrumento, se verifica na sua capacidade de

promover o equilíbrio entre “verdades” antigas ou experiências prévias, representadas na

forma de conceitos e leis científicas, e as novas experiências. A teoria “verdadeira” não só

conduz a experiência do cientista para uma nova experiência produzindo condições para a

variação, para a criatividade. Mas também coloca a experiência nova em relação com as

antigas, o que pode resultar em complementação, refutação ou confirmação. A experiência

nova, por sua vez, poderá transformar-se em uma nova teoria. Quando isso acontece, instala-

se a efetividade da teoria enquanto capacidade de produzir descrições econômicas dos fatos,

“ligando as coisas satisfatoriamente, trabalhando seguramente, simplificando, economizando

trabalho; é verdadeira por tudo isso, verdadeira em toda a extensão, verdadeira

instrumentalmente” (James, 1907/1967, p.51). Ao cumprir esse quesito, a teoria também cria

condições, dada a imprecisão da descrição, para conduzir a novas experiências. Neste caso,

uma teoria verdadeira ou efetiva é “qualquer idéia que nos transporte prosperamente de

qualquer parte da nossa experiência para qualquer outra parte” (James). Em suma, no

contexto científico, a efetividade de uma teoria, ou a sua “verdade”, se dá na relação entre

Page 95: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

93

economia e criatividade5.

A teoria do comportamento como uma versão do instrumentalismo

científico não se apresenta apenas como uma técnica para fazer inferências no laboratório ou

para interpretar comportamentos que não são passíveis de manipulação experimental. A

teoria não assume uma função meramente contemplativa, como nos informa Skinner (1953):

“o ‘sistema’ científico, como a lei, é designado para nos capacitar a manejar um assunto de

modo mais eficiente. O que nós chamamos de concepção científica de uma coisa não é

conhecimento passivo. A ciência não está preocupada com a contemplação” (p.14). Em

outras palavras, uma teoria efetiva ou “certa” não é aquela que apenas nos capacita a

entender o comportamento, mas também a que produz técnicas poderosas tendo importantes

aplicações em cada campo de questões humanas. Resumindo, a justificação do conhecimento

na epistemologia pragmática de Skinner é uma questão de prática social. No contexto dessa

discussão, buscar os aspectos de um critério de “verdade” nos elementos do próprio

comportamento é considerar as conseqüências sob um outro enfoque. As conseqüências da

ação ou seus efeitos reforçadores são encarados como os valores do comportamento, dando a

palavra a Skinner (1971): “fazer um julgamento de valor ao chamar alguma coisa de boa ou

_____________ 5A produção de variações não necessariamente conduz à uma teoria efetiva, as variações podem ocasionar erros,

como diz Skinner (1968), “nem todas as idiossincrasias são úteis” (p.171). Essa relação entre criatividade e erro se assemelha à discussão realizada por Mach (1905/1976) sobre conhecimento e erro. Segundo o físico, os mesmos processos de pensamento conduzem ao conhecimento e ao erro. Em Skinner, podemos encontrar um raciocínio similar: os mesmos processos que podem conduzir a variações benéficas poderão também produzir erros, ou comportamentos não efetivos, “as ilusões de um psicótico têm sua individualidade, mas não as invejamos; um pesadelo é talvez tão criativo quanto um poema ou uma pintura; os excêntricos e os rebeldes nem sempre são valiosos a si próprios e aos outros; todas as culturas punem o comportamento divergente. Ser meramente diferente não é necessariamente valoroso” (Skinner). Os processos de comportamento, como o condicionamento operante, que explicam as deduções ou induções como formas distintas de derivar regras das contingências, não garantem, como vimos, uma descrição completa e exata das relações. O condicionamento operante produz comportamentos que dão margem à variabilidade; e se as regras são o comportamento verbal de cientistas, são, portanto, comportamentos verbais passíveis de variação, “mas há sempre um elemento de mistério na emissão de qualquer resposta operante. Um estímulo nunca exerce controle completo. (...) Há um intervalo de espera (leeway)” (Skinner, p.137). Em vista disso, o condicionamento operante pode conduzir tanto ao comportamento efetivo, quanto ao comportamento ineficaz. Skinner (1953, 1969) concordaria com Mach que afirma que só uma investigação experimental rigorosa pode nos poupar do erro, e também com James (1907/1967), que sugere uma posição mais humilde diante do poder das teorias: “temos que viver hoje

Page 96: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

94

ruim é classificá-la em termos de seus efeitos reforçadores” (p.105). Seguindo essa análise,

“coisas boas são reforçadores positivos” (p.103) e “coisas ruins são reforçadores negativos”

(p.104). Enfatiza-se, neste momento, os valores que são importantes para uma ciência do

comportamento, pois a “verdade” de uma teoria científica depende de se ela promove ou não

esses valores.

De acordo com Skinner (1971), há três tipos de bens ou valores: bem

pessoal, bem dos outros e bem da cultura. Tratados brevemente, os bens pessoais reforçam o

comportamento daquele que se comporta. É comportar-se de modo que sejam produzidas

conseqüências positivas imediatas. Agir para o bem do outro compreende responder às

contingências de reforço fornecidas e mantidas “intencionalmente” (leia-se em função das

conseqüências de exercer o controle) pelos outros. É comportar-se de forma a promover

reforço positivo para outrem, em suma, o comportamento dos controlados gera

conseqüências reforçadoras para os controladores. Isso é explicitamente conseguido por meio

das contingências dispostas pelas instituições - geralmente são contingências punitivas.

Muitas vezes, o agir pelo bem do outro é alcançado por meio da exploração, ou seja, pela

desigualdade entre os reforçadores. Skinner destaca que “na medida em que as contingências

que induzem as pessoas a agir “pelo bem do próximo” se tornam mais poderosas,

obscurecem as contingências que envolvem reforços pessoais” (p.117). Frente a isso, o

indivíduo pode desistir de agir pelo bem do outro, pois as conseqüências imediatas foram

sacrificadas.

Skinner (1971) chama à atenção para as conseqüências remotas, pois estas

também são importantes, principalmente se são positivas:

Os ganhos mais remotos são relevantes para qualquer avaliação de justiça ou merecimento no intercâmbio entre o indivíduo e seu ambiente social.

com a verdade que podemos ter hoje, e estarmos prontos para amanhã tachá-la de falsidade” (p.127).

Page 97: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

95

Nenhum equilíbrio razoável poderá ser alcançado enquanto os benefícios mais remotos forem negligenciados por um individualismo ou liberalismo extremos, ou enquanto o equilíbrio for arremessado tão violentamente em outra direção por um sistema de exploração. Presume-se que haja uma condição ótima de equilíbrio onde todos sejam reforçados ao máximo. Mas, afirmar isto implica em introduzir um outro tipo de valor (pp.124-125).

Trata-se da sobrevivência das culturas. Agir para o bem das culturas

consiste em incitar práticas que contribuam para a sobrevivência das culturas. O valor de

sobrevivência de uma cultura depende do valor de sobrevivência do conjunto de suas práticas

e das relações entre elas. Há práticas culturais que estão a serviço da sobrevivência da cultura

e outras não. Inserir práticas sociais que contribuam para a sobrevivência da cultura consiste

em assumir práticas que não sejam destrutivas para a mesma, como as práticas baseadas na

punição, como se evidencia na violência e suas diversas expressões, ou no reforçamento

positivo com conseqüências postergadas negativas, como no caso da exploração (Skinner,

1971). Fala-se, nesse contexto, de competição entre práticas culturais e não entre culturas,

como pode sugerir o darwinismo social. Há competição entre práticas violentas e práticas que

produzem a solidariedade, amor e cooperação. Existem práticas que incentivam o respeito

aos direitos humanos e outras que prezam a tortura e escravidão, outras que estimulam o uso

de fontes poluentes de energia e outras que promovem o controle ambiental, reciclagem e

fontes energéticas alternativas. Ou seja, a competição ocorre entre práticas culturais que

podem propiciar a sobrevivência das culturas, e outras que vão na contramão desse objetivo.

Aceitar a sobrevivência da cultura como um critério de julgamento de uma

cultura, não é simples, pois, muitas vezes, há conflitos entre o bem da cultura, o bem do

indivíduo e o bem dos outros. Por exemplo, o bem da cultura entra em oposição ao bem do

indivíduo, quando práticas designadas para controlar a procriação ou preservar recursos

restringem a liberdade individual. Diante disso, talvez seja inevitável concluir que, ao

defender o bem da cultura, “parece, então, necessário abandonar princípios como felicidade,

Page 98: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

96

liberdade e virtude” (Skinner, 1953, p.432). Essa ilação, todavia, merece um exame mais

cuidadoso. Às vezes, a noção de felicidade para o indivíduo é condizente ou está subordinada

à sobrevivência das culturas, em outros casos, isso não acontece. O critério de felicidade ou

virtude para um cientista, por exemplo, pode ser o reconhecimento pessoal do seu trabalho

mediante elogios, convites para palestras, condecorações, ou, ainda, recompensas financeiras.

Ademais, para outros cientistas, os critérios de felicidade e virtude se apresentam como o

conjunto de todos esses aspectos condicionado ao insucesso de outros cientistas que não

compartilham da mesma visão de ciência, seja ela metodológica e/ou metafísica instaurando

a competição e a desonestidade como a grande catalisadora da produção científica. Isso não

quer dizer, por outro lado, que devemos abandonar a felicidade, a liberdade e a virtude. A

questão é se esses valores, que dizem respeito a bens pessoais e bens dos outros se

subordinam à sobrevivência das culturas. Com isso, Skinner instala uma reflexão da prática

científica, “o que me auto-reforça?” ou “quais são os reforçadores do meu comportamento de

fazer ciência?”. Por exemplo, a noção de efetividade do comportamento do cientista no

âmbito estrito deve estar subordinada à efetividade no sentido amplo da mudança de uma

cultura. Discutimos que uma das características da efetividade é a criatividade. A ciência

incita a prática da experimentação encorajando os membros a analisarem suas práticas,

voltando-se para as conseqüências das mesmas, e experimentando outras novas, incentivando

a produção de variações. Contudo, nem toda variação é benéfica: “onde encontrar os

“valores” que ditem a medida em que a educação deve encorajar a liberdade e a

originalidade?” (Skinner, 1968, p.171). Nesse sentido, a efetividade, enquanto criatividade,

está baseada em um valor ético: a sobrevivência das culturas. O cientista produz variações

tendo como valor a sobrevivência das culturas.

A defesa da sobrevivência das culturas como um valor depara-se com um

aparente paradoxo: se apenas conseqüências imediatas modificam o comportamento, como

Page 99: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

97

intervir de modo que conseqüências remotas relacionadas às chances de sobrevivência das

culturas exerçam controle sobre o comportamento humano? A sobrevivência das culturas não

pode funcionar como um reforçador para o comportamento, pois é uma conseqüência

postergada que está além do tempo de vida do indivíduo. Por conseguinte, não há razões para

defender a sobrevivência das culturas como um valor baseado no imperativo da

imediaticidade do reforço. Neste caso, convém fazer uma outra questão: por que eu deveria

estar preocupado, então, com a sobrevivência das culturas? Skinner (1971), honestamente,

responde: “não há nenhuma boa razão por que você deveria preocupar-se, mas se sua cultura

não o convenceu de que há, tanto pior para ela” (p.137). A sobrevivência das culturas como

um valor não pode, portanto, reforçar o comportamento, mas práticas culturais podem

organizar contingências sociais que modelem e mantenham comportamentos coerentes com a

sobrevivência das culturas. Deve ficar claro, porém, que os eventos que indicam um possível

aumento nas chances de sobrevivência de uma cultura são reforçadores condicionados, que

operam no nível ontogenético, ou seja, na história de reforço do indivíduo. Temos, então, a

subordinação de bens pessoais e bens dos outros ao bem das culturas. Nessa perspectiva, o

cientista do comportamento também é um planejador cultural: fazendo uso do princípio de

que apenas conseqüências imediatas modificam o comportamento, pode inserir práticas que

contribuam para a sobrevivência das culturas, reforçando, por exemplo, comportamentos

cooperativos e solidários, e extinguindo, por outro lado, comportamentos egoístas, que

colocam interesses pessoais acima dos públicos. A sobrevivência das culturas se inscreve

como o valor ao qual a ciência e a tecnologia comportamental devem se voltar quando se

engajam em práticas culturais na tentativa de modificar o comportamento social.

Obviamente, os comentários feitos aqui que relacionam a efetividade da

Page 100: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

98

ciência com algumas implicações éticas são obviamente superficiais6, mas foram empregados

para mostrar que, enquanto um pragmatismo na epistemologia, o behaviorismo radical

defende uma ética na ciência. O critério de “verdade” é o poder de uma teoria em modificar o

comportamento do indivíduo, de um grupo de pessoas, de uma sociedade, de uma cultura. A

verdade de uma teoria não é decidida somente no interior de um sistema fechado de

conceitos e leis, mas ultrapassa os limites do laboratório e se afirma como efetiva na medida

em que promove a transformação social. Assim, a teoria científica, na sua versão

instrumentalista é pragmática, é ação prática, econômica, criativa e comprometida com a

sobrevivência das culturas.

A noção de verdade no behaviorismo radical, enquanto efetividade em

termos econômicos, criativos e de mudança social, não se compromete com as noções de

verdade como correspondência com a realidade. A idéia de realidade como algo

transcendente ao fenômeno e que será acessado por vias especializadas, como a ciência, não

tem espaço na teoria instrumentalista e pragmática do comportamento. Teorias, leis e

conceitos científicos não são verdadeiros porque espelham a natureza, ou a maneira como a

natureza opera, mas porque ajudam o cientista a entender e modificar a natureza: “[as leis

científicas] não são, é claro, obedecidas pela natureza, mas pelos homens que lidam

efetivamente com a natureza. A fórmula s=½ gt2 não governa o comportamento da queda dos

corpos; ela governa o comportamento daqueles que corretamente predizem a posição da

queda dos corpos em determinado tempo” (Skinner, 1969, p.141).

A tríade ciência, verdade e realidade é rompida em uma outra perspectiva

de análise. O conhecimento científico não é superior ao conhecimento do senso comum por

chegar mais perto do que realmente existe: “é um erro (...) dizer que o mundo descrito pela

_____________ 6 Para um exame mais detalhado do assunto consultar Abib (2001).

Page 101: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

99

ciência é por algum motivo ou outro mais próximo “do que realmente existe”, mas é também

um erro dizer que a experiência pessoal do artista, compositor, ou poeta é mais próxima “do

que realmente existe”” (Skinner, 1974/1976, p.140). Esses comportamentos não são

diferentes pelo grau de proximidade com a realidade. As diferenças residem no tipo de

controle ambiental; todo comportamento é influenciado direta ou indiretamente pelas

conseqüências, ou seja, os dois tipos de comportamento são modelados e mantidos pelas

contingências de diferentes maneiras. É somente nesse sentido que algumas respostas são

mais corretas que outras, “qualquer sugestão de que elas nos trazem mais perto do mundo

“real” está fora de lugar aqui” (Skinner, 1953, p.139).

O debate verdade-realidade é dissolvido em um contexto em que se

defende a autonomia do comportamento como objeto de estudo em si mesmo. Não há um

elemento exterior ao comportamento que passa a ser tratado como pré-existente ao

comportamento e, ao mesmo tempo, invocado para explicá-lo; e ser o árbitro da verdade ou

falsidade de um enunciado funcional sobre relações comportamentais. Skinner (1974/1976)

esclarece: “ele (behaviorista) não pode sair do fluxo comportamental e observar o

comportamento de um ponto de vista especial de vantagem (...). No ato preciso de analisar o

comportamento humano, ele está se comportando – como, no ato preciso de analisar o

pensamento, o filósofo está pensando” (p.58). A questão é tratar o critério de efetividade no

interior do comportamento, considerando seus aspectos e, como discutimos, as

conseqüências de nossas ações é que ditam seu caráter efetivo. Em vista disso, não temos as

dicotomias realidade-aparência, mas sim comportamento efetivo e ineficaz.

Através de suas relações com Mach, Skinner se compromete, do lado do

descritivismo com a interpretação da teoria científica como um compêndio de relações

funcionais. É o que se verifica, por exemplo, nos primeiros estágios da construção de uma

teoria na perspectiva skinneriana, em que fica patente a natureza experimental dos conceitos:

Page 102: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

100

a formulação de noções teóricas é precedida por noções experimentais. Em vista disso, a

plausibilidade da teoria depende de se ela pode ser traduzida em declarações sobre relações

funcionais observáveis. Ainda que se apresente nesses termos, a teoria de Skinner não

compartilha dos preceitos de observação pura e dados brutos. Primeiramente, observar é

comportar-se. Isso nos leva a considerar, no mínimo, a mediação da comunidade verbal do

cientista, bem como sua história de reforço. E em segundo lugar, não há uma diferenciação

nítida entre observação e teoria. A observação envolve noções teóricas e vice-versa.

As influências machianas se dão também através do instrumentalismo. Os

laços com o instrumentalismo conduzem a uma interpretação da teoria como uma ferramenta

conceitual que revela sua importância não só como um princípio norteador na pesquisa

experimental, mas como uma ferramenta para fazer interpretações de outros fenômenos e

engendrar outros conceitos. Como uma versão do instrumentalismo científico, a teoria

comportamental de Skinner assume relações com o pragmatismo filosófico, que instaura uma

concepção instrumental de verdade e a discussão da verdade de uma teoria no contexto da

ética. As razões que levaram Skinner a incluir o instrumentalismo não excluem o

descritivismo. No nível do condicionamento operante já pode ser visto uma compatibilização

entre descritivismo e instrumentalismo - o conceito de contingências é usado, mesmo no nível

experimental, como um instrumento ou guia para fazer transições de um conjunto de dados

experimentais para outro.

Conclui-se, então, que a teoria científica de Skinner apresenta elementos

descritivistas e instrumentalistas. Portanto, a interpretação da teoria científica do

behaviorismo radical não obedece ao princípio do terceiro excluído. Ou seja, ela não pode ser

lida ou como descritivista ou como instrumentalista. Dito de outra forma, afirmá-la como

descritivista não implica em negá-la como instrumentalista e vice-versa. Ela agrega estas duas

possibilidades: há aspectos descritivistas (que se anunciam explicitamente no nível do

Page 103: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

101

condicionamento operante) e há aspectos instrumentalistas (que se insinuam na interpretação

de comportamentos que não satisfazem a demanda de controle e manipulação experimental).

Ademais, a conjunção das posições descritivista e instrumentalista inviabiliza, por completo, a

interpretação realista da teoria comportamental de Skinner e, por conseguinte, do debate

verdade-falsidade das declarações teóricas.

A relação entre descritivismo e instrumentalismo caminha para uma espécie

de completude explicativa. Este aspecto será analisado considerando o principal modelo de

explicação do comportamento de Skinner: a seleção por conseqüências. Tema do capítulo

seguinte.

Page 104: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

102

4 SELEÇÃO PELAS CONSEQÜÊNCIAS COMO UM MODELO EXPLICATIVO

DO COMPORTAMENTO

De acordo com Skinner (1953), a ciência, em um estágio posterior, avança

de um conjunto de leis ou regras para um modelo de seu objeto de estudo, do qual novas

regras e práticas podem ser derivadas. A seleção do comportamento pelas conseqüências é

esse modelo. Consiste em um compêndio dos desenvolvimentos anteriores da ciência do

comportamento sugerido, por analogia, pela teoria darwiniana de seleção natural das espécies

e estendendo-se para a evolução do comportamento individual e das culturas. A analogia com

a seleção natural pretende evidenciar as extraordinárias similaridades entre os três níveis

seletivos, de modo a congregá-los em um modelo explicativo comum assegurando uma

unidade conceitual, desde sempre aspirada pelo programa científico skinneriano (Skinner).

Ademais, a teoria da seleção natural consiste em uma analogia importante para a construção

do modelo de seleção por conseqüências, não somente como uma guia para estabelecer

suposições fundamentais desse modo explicativo, ou como uma fonte de sugestões para

ampliar o escopo de suas aplicações, mas também, e principalmente, para afastar o

behaviorismo radical de concepções mecanicistas do comportamento.

É pertinente salientar que a relação analógica entre teoria e modelo não está

livre de perigos. Uma teoria pode também ser uma armadilha intelectual potencial. Por

exemplo, analogias com sistemas mecânicos, que podem ser identificadas em algumas

versões da teoria comportamental, revelam os compromissos de Skinner (1931/1961) com

uma explicação causal-mecânica do comportamento1. Em contraste, a analogia com a teoria

_____________ 1A teoria mecânica influenciou o desenvolvimento da reflexologia (Moxley, 1999). Uma dessas influências diz

respeito à eliminação de algumas noções metafísicas da descrição do reflexo, conceitos como os de alma, por exemplo, foram excluídos da explicação reflexológica. Por outro lado, a relação de necessidade entre os eventos, característica do modelo mecânico, exigiu que elos entre estímulo (S) e resposta (R) fossem

Page 105: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

103

da seleção natural permitiu a Skinner reforçar seus compromissos com um modo de

explicação que prescinde da noção mecânica de causalidade. Nosso objetivo, neste capítulo,

é mostrar que o modelo de seleção por conseqüências não é um modo causal, mas sim, um

modelo funcional e instrumental de explicação do comportamento.

O modelo de seleção por conseqüências propõe que o comportamento

humano seja explicado através da interação de três contingências seletivas: contingências

filogenéticas, que remontam à história evolutiva do comportamento da espécie, contingências

ontogenéticas (ou de reforço) responsáveis pelo desenvolvimento do comportamento de

indivíduos, e contingências sociais chamadas culturas, que selecionam práticas culturais

(Skinner, 1981/1984a). Há semelhanças que perpassam todos os níveis de seleção como, por

exemplo, os princípios de transmissão, variação e seleção. Por outro lado, há diferenças

encontrados, de modo a tornar a relação S-R, infalível. Em vista disso, conceitos ‘físicos’, como o sistema nervoso, passaram a ser invocados como um meio conducente entre estímulo e resposta. Como discutimos, Skinner (1931/1961), nas suas primeiras formulações da teoria comportamental, afirmou, explicitamente, seus compromissos com o descritivismo machiano, ao reduzir explicação à descrição, e ao substituir a noção de causalidade pela de função. Entretanto, esse compromisso tinha como pano de fundo a aceitação de uma estrutura reflexológica de explicação do comportamento. A analogia com sistemas mecânicos foi, a princípio, importante para descartar algumas noções metafísicas da descrição das relações comportamentais. O comportamento não era mais visto como resultado da atividade da alma, mas como um processo orgânico sujeito à investigação experimental. Havia, contudo, um agravante: a busca por elos causais fisiológicos (legada à teoria do reflexo pela analogia com sistemas mecânicos) afetava diretamente o projeto de estabelecer o comportamento como objeto de estudo em si mesmo, pois seria necessário recorrer a outros eventos, que não a relação estímulo-resposta, para descrever o comportamento. O conceito de reflexo, como definido por Skinner (1931/1961), “uma correlação observada de dois eventos, um estímulo e uma resposta” (p.337), diferia, portanto, da noção tradicional do conceito, que era predominantemente fisiológica, na qual a continuidade entre as partes do reflexo era explicada neurologicamente, em termos de sinapses. Na tentativa de preservar a autonomia do comportamento, Skinner delimitou as relações entre sua ciência e a fisiologia. Esta última traria informações suplementares para a análise do comportamento, mas não a substituiria assegurando, com isso, o status do reflexo como uma correlação. Por outro lado, a analogia com uma determinada teoria, como no caso, a teoria mecânica, engendrou algumas ambigüidades no projeto científico de Skinner. Por exemplo, nessa primeira formulação da teoria comportamental é possível encontrar o descritivismo machiano em conflito com a necessidade mecânica. Um aspecto interessante a ser mencionado é que o reflexo, segundo Skinner, é importante na descrição do comportamento, porque ele é, “por definição, uma declaração da necessidade dessa relação”, entendendo necessidade como “uma matéria de observação: observa-se que uma resposta segue invariavelmente um dado estímulo” (p.338). A concepção tradicional do reflexo postulava uma relação necessária entre a apresentação do estímulo com uma dada propriedade e a ocorrência eliciada de uma resposta. Cumpria-se o critério de contiguidade, sucessão e conexão necessária. Essa passagem contrasta com a tentativa da descrever o reflexo em termos funcionais. Nesse contexto, há uma coexistência de conceitos metodologicamente distintos: a interpretação da ciência do comportamento como descrição que envolve, por sua vez, a noção de relação funcional e a manutenção da noção tradicional de causalidade. Assim, como veremos mais adiante, temos a busca de uma relação funcional entre os eventos e, ao mesmo tempo, a caracterização dessa relação como necessária.

Page 106: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

104

óbvias. Cada nível de seleção tem sua própria disciplina: a seleção filogenética fica a cargo

da biologia, a psicologia é responsável pela seleção ontogenética, e a antropologia ocupa-se

da seleção de práticas culturais. Ademais, existem outras relações de similitude e diferença

que serão contempladas somente em relação ao objetivo proposto neste capítulo. Partiremos,

neste momento, para uma descrição geral do modelo começando com algumas características

da evolução biológica, representante do primeiro nível seletivo.

A evolução biológica consiste em uma mudança na freqüência gênica de

uma população para outra dentro de uma espécie. O termo evolução, nesse contexto, não tem

relações de sinonímia com progresso. Este último implica em direção, um avanço rumo a um

objetivo. Comumente se diz que a espécie humana consiste no télos da evolução. Mas

nenhum propósito, intenção ou direção figura na evolução. O princípio também se aplica ao

principal processo da evolução biológica: a seleção natural. A seleção natural compreende a

sobrevivência ou reprodução de algumas variantes genéticas em comparação com outras, sob

quaisquer condições ambientais que estejam prevalecendo no momento. Ela seria o resultado

da interação entre variabilidade genética e condições ambientais. A presente definição

contribui para o esclarecimento de uma confusão corrente, em que se entende a seleção

natural como um agente. As condições do meio não atuam para selecionar algo, elas

simplesmente acontecem. Desta maneira, a seleção não se configura num agente: ela não age

para adaptar uma espécie a um dado ambiente, não prepara a espécie para uma condição

ambiental futura, uma vez que é póstuma e não diretiva (Futuyama, 1992).

Não se pode falar de seleção sem mencionar a variação e a transmissão,

pois sem estes dois processos a evolução não ocorreria. Na evolução biológica, as variações

ocorrem aleatoriamente sobre a freqüência gênica, e podem ser ocasionadas por mutações,

recombinações, migração ou fluxo gênico. Para que a evolução ocorra, além da variação, é

preciso ocorrer a transmissão, que se processa na transferência de material genético de pais

Page 107: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

105

para filhos. Quando acontece a transmissão, a variação entra em contato com as condições

ambientais. Se, na ocasião desta interação ocorrer a sobrevivência ou reprodução de algumas

variantes genéticas em relação a outras, podemos dizer (e somente nestas circunstâncias) que

ocorreu a seleção.

As contingências de seleção natural, ainda que selecionem espécies,

operam sobre as variações aleatórias que acontecem nos indivíduos. As variações ocorrem

em genes, mas devem ser selecionadas em organismos. O conjunto de genes de certo

organismo constitui a base de suas características fenotípicas. Se o fenótipo desse organismo

satisfaz às demandas de sobrevivência e reprodução do ambiente atual, o organismo estará

habilitado a transmitir à geração seguinte a metade de seus genes. Por outro lado, as

variações fenotípicas que impedem a sobrevivência ou a reprodução, provocam a eliminação

dos genes do organismo que compartilhava com sua espécie. As variações fenotípicas

complexas resultam do acúmulo de pequenas e sucessivas variações selecionadas pelo

ambiente, sendo que cada uma dessas variações pode estar relacionada a diferentes vantagens

adaptativas. Nesse sentido, o próprio organismo é produto de uma história evolutiva de

seleção. As semelhanças e diferenças entre os ambientes que selecionaram certos genes, e os

ambientes com os quais interagem os organismos atuais, gerados por esses genes, são

decisivas na determinação das chances de sobrevivência e reprodução. Os genes são produto

de ambientes selecionadores que não mais existem e sua reprodução depende da estabilidade

de contingências filogenéticas (Futuyama, 1992).

Com a teoria da seleção natural, Skinner (1981/1984a) reconhece que as

contingências filogenéticas do nível 1 explicam não apenas a evolução de estruturas

fisiológicas, anatômicas e morfológicas, mas também, a seleção de comportamentos e

processos comportamentais típicos da espécie. A teoria darwiniana também sugere a Skinner

a concepção de que todo comportamento atual da espécie é produto de uma história de

Page 108: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

106

variação e seleção, na qual os comportamentos filogenéticos são modelados e mantidos pelas

conseqüências de sobrevivência. Isso se evidencia em uma tese defendida por Skinner

(1984b) cuja principal idéia é esta: o comportamento complexo não poderia ter ocorrido pela

primeira vez como produto de uma única variação, mas, somente, como resultado de

seqüências de estágios cada vez mais complexos.

Considerando o caráter eminentemente histórico da seleção natural,

Skinner (1981/1984a, 1984b) discute a história de evolução do comportamento e de seus

processos partindo de um “comportamento primitivo” até alcançar os comportamentos

complexos tal como encontramos atualmente. “O primeiro comportamento”, nos conta

Skinner (1984b), “foi, presumivelmente, um simples movimento” (p.51), possivelmente de

um ser vivo muito simples, como uma ameba, por exemplo. Tal mover-se contribuiu para

que a ameba pudesse encontrar materiais necessários para sua sobrevivência. Um segundo

passo desse itinerário evolutivo foi o sentir (sensing), que tornou o protozoário susceptível às

estimulações do meio habilitando-o a se afastar de estímulos danosos e se aproximar de

materiais úteis. O que aumentou notavelmente as suas chances de sobrevivência2. No caso da

ameba, a membrana desempenha as funções sensoriais e motoras. A diferenciação de órgãos

para o movimento e para o sentir conduziu, eventualmente, ao surgimento do sistema

nervoso com a função de interligar esses órgãos, garantindo assim a continuidade da

coordenação sensório-motora. É provável que os reflexos, segundo Skinner, tenham sido o

resultado dessa conexão de órgãos motores e sensoriais.

Temos com o mover-se inicial da ameba (anterior ao aparecimento do

_____________ 2 Aceitar até aqui a seqüência evolutiva proposta por Skinner não é livre de problemas. Um deles será apenas

sugerido mediante o seguinte questionamento: seria coerente com o behaviorismo radical pensar o valor de sobrevivência e a própria manutenção do movimento desvinculado do sentir? Se o “sensing” surgiu depois do movimento, isso quer dizer que esse primeiro movimento não era controlado por nenhum tipo de estimulação. Em outras palavras, seria consistente com o behaviorismo radical, que adota uma concepção relacional dos eventos, defender uma relação de anterioridade entre movimento e sentir?

Page 109: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

107

sensing), um comportamento que independe da estabilidade do ambiente, uma vez que ainda

não há uma sensibilidade (ou susceptibilidade) a qualquer tipo de estimulação ambiental. A

conjunção entre o mover e o sentir possibilitou uma relação mais “coerente” com o ambiente,

ou seja, as condições ambientais mudam e a ameba pode, então, responder a elas. Contudo,

como não havia ainda a ligação das partes motora e sensorial, o movimento, provavelmente,

não era tão coordenado ou organizado. Com o comportamento reflexo, por outro lado, no

qual encontramos a conjugação da parte sensorial e motora interligada pelos órgãos, a

estabilidade do ambiente passa a ter um papel capital: quanto maior a estabilidade do

ambiente, maior a probabilidade de adaptação do organismo. Dito de outra forma, se temos

um organismo sensível às estimulações do meio em um ambiente estável, maiores as chances

desse organismo se comportar de maneira cada vez mais rápida assegurando a sobrevivência

(ou por evitar, tão rápido quando possível, uma situação de perigo que possa comprometer a

sobrevivência, ou por conseguir, tão rápido quanto possível, materiais úteis à sua

sobrevivência).

No reflexo encontramos esta relação eficaz: dado um estímulo do ambiente,

temos uma resposta, ou seja, os estímulos ambientais passam a eliciar a resposta. Nesse

sentido, a relação reflexa é tratada como mecânica ou necessária, na qual podemos encontrar

uma correspondência ponto a ponto estímulo-resposta – dado um estímulo específico a

resposta inevitavelmente ocorrerá. (Essa concepção da ação reflexa parece ser compartilhada

por Skinner em alguns textos (1966, 1969, 1974/1976, 1989) nos quais concebe o reflexo

como um exemplar da causalidade mecânica que abraça ainda a idéia de força inexorável.

Para exemplificar tome-se a seguinte passagem: “A posição de uma análise experimental

difere das psicologias tradicionais estímulo-resposta ou das formulações do reflexo

condicionado nas quais o estímulo retém o caráter de uma força inexorável” (Skinner, 1966,

Page 110: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

108

p.214). Entretanto, a discussão que segue sobre o reflexo não é condizente com a concepção

skinneriana. Mas também, não parece ser incoerente com a proposta behaviorista radical, que

concebe os eventos de modo relacional em uma interação que não é mecânico-causal.)

Todavia, essa qualificação da relação reflexa como mecânica parece não

levar em conta a história de evolução filogenética. Não podemos esquecer que o reflexo foi

selecionado por conseqüências de sobrevivência. As conseqüências de sobrevivência

selecionam respostas que têm como resultado a manutenção do organismo e, por

conseguinte, da espécie. Membros da espécie que foram incapazes de emitir respostas

controladas por esse tipo de conseqüência, provavelmente, não sobreviveram para transmitir

seu material genético aos descendentes. Nesse sentido, o reflexo tem uma função biológica

de manutenção da economia interna do organismo. Ademais, podemos dizer que a relação

reflexa também é uma “relação funcional”, na exata medida em que a resposta reflexa

depende e existe na conjunção com o estímulo antecedente e vice-versa. Contudo, uma

relação de interdependência que foi construída durante milhares de anos. A desconsideração

da história filogenética, ao analisarmos um reflexo atual, aliado ao fato de que a relação de

dependência entre estímulo e resposta é conspícua e efetiva, pode dar a impressão de que há

uma relação de anterioridade entre estímulo e resposta. Entretanto, isso se dissolve ao

compreendermos o reflexo como uma relação de dependência, que é produto de milhares de

anos de história filogenética (é preciso respeitar a temporalidade dos processos seletivos

filogenéticos e de todos os processos nos demais níveis de seleção para interpretar uma dada

relação comportamental).

Há um outro aspecto que precisa ser mencionado. Foi referido que o

reflexo caracteriza uma causalidade mecânica – dado o estímulo, a resposta é eliciada.

Afirmar que a relação reflexa é probabilística dizendo que a probabilidade é um não parece

ser muito satisfatório. Por outro lado, podemos sustentar que a probabilidade é alta, mas que

Page 111: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

109

não é, invariavelmente, igual a um. As próprias leis secundárias do reflexo (leis da fatiga do

reflexo, somação temporal de subliminares3) mostram que a apresentação do estímulo não é

uma condição necessária e suficiente para a ocorrência da resposta reflexa. Assim, o termo

eliciado pressupõe as leis secundárias do reflexo para caracterizar um tipo de relação entre

organismo e ambiente. Considerando o reflexo no interior de uma história filogenética, é

pouco plausível pensar em uma relação apriorística e mecânica entre estímulo e resposta.

A origem dos comportamentos liberados ou “instintos” encontra-se na

modelagem filogenética. Eles são o resultado de uma sucessão de variações e seleções

ambientais complexas cuja função também está vinculada às conseqüências de

sobrevivência. Discutimos, no capítulo anterior, que teorias geológicas da expansão do fundo

do mar e deriva continental são tratadas, por Skinner (1978), como programas de

contingências de sobrevivência que participaram da modelagem de comportamentos

filogenéticos complexos. Vejamos um exemplo com relação à deriva continental. O

afastamento gradual dos continentes a cada geração estabeleceu condições para que

comportamentos mais complexos fossem modelados. Os membros de cada geração que

cumpriram as demandas dessas novas contingências e procriaram transmitiram o

comportamento. Essa teoria foi empregada, por exemplo, para explicar o comportamento da

enguia de percorrer longas jornadas durante o processo de maturação e retornar ao local onde

inicialmente foi gerada; as formas mais complexas de comportamento migratório de

pássaros, como as da andorinha, que voava grandes distâncias entre áreas de procriação e

alimentação; bem como o comportamento migratório do salmão, que foi modelado

progressivamente pela modificação das condições topográficas dos rios (Skinner).

O comportamento liberado não apresenta uma correlação tão estrita e

_____________ 3 Millenson (1967/1975, pp.41-42).

Page 112: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

110

conspícua com os estímulos do meio. Dando a palavra a Skinner (1969): “como o estímulo

discriminativo, ele [o estímulo liberador] aumenta a probabilidade de ocorrência de uma

unidade de comportamento, mas não a força4” (p.175). Desta forma, na presença do estímulo

liberador, a probabilidade de emissão da resposta liberada é alta. E o fato da relação com o

ambiente não ser tão conspícua, como na correlação que verificamos no reflexo, abre flanco

para interpretações do comportamento liberado em termos mentalistas. Conceitos como os de

instinto, hábito, propósito, expectativa ou intenção, são invocados para dar conta da

complexidade do comportamento excluindo a seleção natural como modelo de explicação

(Skinner, 1978).

A história filogenética de variação e seleção não explica somente os

comportamentos típicos da espécie pelas conseqüências de sobrevivência, mas também os

processos comportamentais, como a imitação, modelação e condicionamento respondente. O

condicionamento clássico ou respondente, por exemplo, foi um passo decisivo para que

organismos pudessem reagir a um ambiente em mudança com respostas que antes só

poderiam ser emitidas em condições pré-existentes. Isso quer dizer que os organismos, ainda

que emitindo respostas previamente controladas pela seleção, podem interagir com estímulos

novos que não fizeram parte das contingências passadas aumentando notavelmente as

possibilidades de adaptação ambiental. Como esse processo comportamental evoluiu?

Presumivelmente, conjetura Skinner (1984b), o condicionamento respondente surgiu como

uma variação que tornou os aspectos mais visíveis de alguns estímulos incondicionados

(como a aparência dos predadores) ligeiramente mais prováveis de eliciar uma resposta

(como transpiração e aumento na taxa cardíaca). Há, provavelmente, vantagens se a

transpiração e taxa cardíaca aumentarem antes da fuga ou luta. A aparência dos predadores

_____________ 4 Mais uma vez aqui, temos um exemplo da concepção skinneriana do reflexo que atribui um status de força ao

estímulo eliciador.

Page 113: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

111

varia, porém é só por meio do condicionamento respondente que uma determinada aparência

pode suscitar um aumento na transpiração ou taxa cardíaca antes da fuga ou da luta.

Entretanto, o reflexo condicionado pavloviano não tem valor de sobrevivência a menos que

seja seguido pelo reflexo incondicionado. Continuando o exemplo, a transpiração ou

aumento no batimento cardíaco na presença do predador só faz sentido (enquanto valor de

sobrevivência) se uma ação vigorosa for executada.

O escopo do condicionamento respondente é muito mais amplo do que sua

função no reflexo condicionado. Ele abrange também os estímulos liberadores e não apenas

os eliciadores. Há vantagens óbvias de um pato seguir sua mãe. O comportamento de seguir

poderia ter sido correlacionado com aspectos específicos do comportamento da mãe.

Contudo, se o comportamento de seguir fosse provocado por qualquer objeto que se mova (e

isso é plausível em um ambiente estável do pato no qual os objetos que geralmente se movem

dizem respeito à mãe), a espécie poderia adquirir um comportamento apropriado a uma nova

situação desprendendo-se cada vez mais do repertório selecionado previamente pelas

conseqüências de sobrevivência (Skinner, 1984b).

No contexto do primeiro nível de seleção, o comportamento evoluiu como

um conjunto de funções que promove o intercâmbio entre o organismo e o ambiente

(Skinner, 1981/1984a). A investigação teórica sobre a evolução do comportamento e de seus

processos evidencia que a evolução consiste em um processo inferencial. Trata-se de uma

reconstrução dos estágios de desenvolvimento do comportamento típico da espécie e de seus

processos. Uma história que explica as modificações sofridas pelo comportamento ao longo

do tempo, interpretando o comportamento atual como a soma dessas modificações. Enquanto

história, a evolução do comportamento filogenético não pode ser verdadeira ou falsa, mas

somente plausível ou não. Nesse sentido inicial, a presença da versão instrumentalista da

teoria já se insinua. A seleção por conseqüência é um modo de explicar inferencialmente (ou

Page 114: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

112

instrumentalmente) a origem do comportamento das espécies.

O processo de seleção do comportamento no nível 1 apresenta uma falha: a

seleção preparava o comportamento somente para um futuro que se assemelhava ao passado

selecionador. Em outras palavras, o comportamento só funcionava bem em condições

similares àquelas as quais foi selecionado (Skinner, 1990). Essa falha foi corrigida pelo

segundo nível de variação e seleção, o condicionamento operante. A resposta operante,

especula Skinner (1984b), poderia ter surgido como uma exata duplicata da resposta

filogenética. Imaginemos, por exemplo, que comer um tipo particular de fruta tenha valor de

sobrevivência. Um aumento na freqüência de ingestão pode ocorrer se o gosto da fruta tiver

se tornado um reforçador devido ao valor de sobrevivência, ou seja, uma fruta com um

determinado gosto apresenta certas propriedades nutricionais que favorecem a sobrevivência.

Deste modo, o comportamento de comer a fruta pode exibir a mesma topografia, contudo,

dois efeitos diferentes se seguem: um relacionado à sobrevivência da espécie (nutrição) e

outro efeito que envolve uma susceptibilidade ao reforço por um gosto particular. A

suscetibilidade às conseqüências imediatas produzidas pela ação ocasionou uma espécie de

antecipação das conseqüências de sobrevivência tendo, portanto, uma função redundante em

relação ao comportamento controlado exclusivamente por estas conseqüências. Entretanto,

com o desenvolvimento do condicionamento operante, novas respostas com topografias cada

vez menos semelhantes às respostas filogenéticas poderiam aparecer e uma parcela muito

maior do ambiente poderia exercer o controle. No caso do comportamento primitivo da

ameba, o mover-se era totalmente aleatório. Em contraste, a suscetibilidade às conseqüências

imediatas parece ter “organizado” ou “direcionado” o agir. O organismo age de acordo com

as conseqüências imediatas produzidas por sua ação no passado (faz sentido dizer que o

operante, com a susceptibilidade às conseqüências imediatas da ação, é o campo da intenção

e do propósito (Skinner, 1969, 1974/1976)).

Page 115: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

113

Assim, organismos susceptíveis ao reforço operante podem aprender

respostas nunca antes vistas na história da espécie, ou seja, respostas que não estão

preparadas filogeneticamente. Topografias de comportamento com menos semelhança ao

comportamento filogenético poderiam ter sido afetadas e, eventualmente, o comportamento

poderia ter emergido em novos ambientes que não eram estáveis o suficiente para mantê-las

por meio da seleção natural. Os comportamentos passam a ser controlados pelas

conseqüências imediatas em termos do fortalecimento do comportamento individual e não

mais da espécie. Conseqüências de sobrevivência e de reforço podem agir redundantemente

quando produzem efeitos que beneficiam tanto o indivíduo quanto a espécie. Mas o controle

do comportamento pelas conseqüências imediatas opera um rompimento com as

conseqüências de sobrevivência. O comportamento sexual, por exemplo, pode ser emitido

independente de seus efeitos sobre a procriação. Por conseguinte, comportamentos podem ser

emitidos que não são “adaptativos”. As susceptibilidades desenvolvidas ao sabor do sal e do

açúcar, por exemplo, uma vez tiveram mais valor de sobrevivência do que agora, e

atualmente elas podem ser letais, como no caso da obesidade. Em suma, a suscetibilidade às

conseqüências imediatas produzidas pelo comportamento foi responsável pelo

desenvolvimento de um tipo de comportamento que foi se desprendendo cada vez mais das

conseqüências de sobrevivência. Ou seja, o comportamento sensível às conseqüências

imediatas tornou-se, com a evolução, sensível ao reforço e isso não tem, necessariamente,

valor de sobrevivência.

Ademais, as contingências de reforço propiciam também trocas mais

intensas e constantes entre organismo e ambiente. Os organismos se tornam mais flexíveis de

modo que suas chances de sobreviver em ambientes mutáveis aumentam apreciavelmente.

Com o comportamento operante, as relações entre comportamento e ambiente tornaram-se

cada vez menos conspícuas. Quase não é o possível identificar, a priori, um estímulo

Page 116: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

114

antecedente correlato à resposta, o que lhe confere um certo caráter “espontâneo” (nesse

sentido, o comportamento operante, tardio na evolução, não se assemelha ao comportamento

aleatório e primitivo da ameba? Seria uma espécie de retorno aos primórdios, uma evolução

circular, que regressa ao ponto de partida? O operante volta ao ponto de partida no sentido de

apresentar características semelhantes ao comportamento primitivo da ameba (aleatoriedade,

espontaneidade), mas não se identifica com ele. A aleatoriedade do comportamento da ameba

está relacionada a uma ausência de susceptibilidade imediata às condições do meio. Por outro

lado, a maleabilidade do operante às adaptações ambientais se dá justamente pelo

desenvolvimento de uma susceptibilidade às conseqüências imediatas, possibilitando novas

formas de interação com o ambiente que não estão intimamente relacionadas com o estímulo

antecedente).

O operante confere ao organismo uma medida de plasticidade em relação

ao meio, uma vez que o comportamento é modificado durante o tempo de vida do organismo,

ao invés de o ser por meio da seleção natural. A manutenção desse tipo de comportamento

não depende estritamente da estabilidade do ambiente. Os estímulos ambientais sinalizam

uma probabilidade, ou seja, na presença de uma dada condição do ambiente, uma dada

resposta, se for emitida, terá uma maior probabilidade de ser seguida por conseqüências

reforçadoras. O nível operante nos mostra também que as contingências de seleção operante

dão margem à variabilidade, uma vez que a seleção pelas conseqüências é probabilística:

“mas há sempre um elemento de mistério na emissão de qualquer resposta operante. Um

estímulo nunca exerce controle completo. Só é eficaz enquanto parte de um conjunto de

condições, que se acumulam até o ponto em que a resposta é emitida. Há um intervalo de

espera” (Skinner, 1968, p.137).

Isso nos remete a uma importante singularidade do nível dois: somente o

condicionamento operante ocorre “em uma velocidade que pode ser observada de momento a

Page 117: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

115

momento (...). O condicionamento operante é a seleção em progresso” (Skinner, 1981/1984a,

p.478). Enquanto que na seleção filogenética Skinner conjetura os estágios de evolução do

comportamento típico da espécie, no caso do operante, podemos “ver” os estágios de seu

desenvolvimento. Ou seja, é possível verificar o caráter interdependente dos eventos através

da operação das contingências de reforço. Dando voz a Skinner (1984c): “o condicionamento

operante (...) é a mais clara evidência de que temos do processo de seleção por

conseqüências” (p.503). Um operante complexo pode ser modelado por meio de

aproximações sucessivas organizadas por contingências de reforço. Podemos estabelecer

relações funcionais manipulando e controlando experimentalmente os eventos

comportamentais.

Diferentemente do primeiro nível de seleção, e também do terceiro, que

examinaremos adiante, a transmissão do comportamento no nível dois não se dá de geração à

geração. Um comportamento reforçado só é “transmitido”, segundo Skinner, (1981/1984a),

enquanto permanecer no repertório de um indivíduo. A seleção de operantes no repertório de

certo indivíduo deve-se ao reforço diferencial das respostas pertencentes a estes operantes.

Na presença de determinados estímulos ambientais uma resposta ocasiona certos efeitos que,

por sua vez, passam a compor as condições que influenciarão no aumento ou diminuição da

freqüência de respostas que integram o operante (enquanto classe de respostas). A seleção no

nível 2, portanto, opera mediante a ação das contingências ontogenéticas de reforço.

Assim como as características filogenéticas no nível anterior, o repertório

comportamental de certo organismo só pode ser compreendido enquanto produto de uma

história de variação e seleção. Isso diferencia o modo de explicação do behaviorismo radical

de outros modelos explicativos comportamentais5, que enfatizam uma análise episódica do

_____________ 5 Chiesa (1994) refere-se, especificamente, à psicologia cognitiva, em suas palavras: “A psicologia cognitiva

Page 118: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

116

comportamento. Opera-se um recorte do fenômeno comportamental, analisando-o em um

tempo e lugar. Atribui-se a “causalidade” a aspectos imediatos do episódio (Chiesa, 1994). O

compromisso com a análise episódica pode acarretar conseqüências nefastas para a análise do

comportamento. Muitas vezes, para dar conta de explicação do comportamento tendo acesso

apenas a um episódio comportamental, recorre-se a processos internos (psíquicos, neurais ou

conceituais) temporalmente contíguos ao comportamento - o que comprometeria a defesa da

autonomia do comportamento como objeto de estudo em si mesmo.

Em contraste, a explicação behaviorista radical, não atribui “causalidade”

aos aspectos contíguos do objeto em questão. As relações de dependências entre eventos

comportamentais não são localizadas em um tempo e lugar específicos. O modo de

explicação skinneriano é caracterizado pela seleção ao longo do tempo de características do

comportamento do indivíduo. A história pessoal assume um papel importante na explicação

do comportamento expandindo o campo de análise. Essa característica histórica do modelo

explicativo de Skinner nos remete a Hume. Segundo o filósofo, um episódio não nos conta

nada sobre as relações entre os eventos. Somente após uma sucessão de acontecimentos é que

estamos autorizados a pronunciar algo acerca do futuro, bem como entender o presente

consultando a história passada das conjunções invariantes. Enquanto que para Hume, o

hábito “explica” as relações atuais, para Skinner a história de reforço “explica” o

comportamento atual.

Na tentativa de restituir uma causa corrente, a metáfora do armazenamento

é invocada assegurando o caráter episódico das explicações tradicionais: as contingências são

armazenadas, geralmente como informação, e depois recuperadas para uso em ocasiões

considera eventos mediacionais sucessivos entre o mundo exterior do organismo (ambiente, input) e o comportamento do organismo (resposta, output). Fissuras entre esses dois pontos finais são preenchidas por vários componentes – por exemplo, um sistema complexo de memória contendo várias partes constituintes, um sistema de processamento de informação, também composto de várias partes, um mapa cognitivo, um sistema

Page 119: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

117

posteriores. Contudo, as contingências, afirma Skinner (1981/1984a), encontram-se

necessariamente no passado. As pessoas não consultam cópias de contingências antigas para

descobrir como se comportar. Elas se comportam de uma dada maneira porque elas têm sido

modificadas por essas contingências. As contingências podem somente ser inferidas das

mudanças que têm desempenhado, mas elas já não mais existem. Nesse contexto, a ênfase na

característica histórica do modelo de seleção não deve ser interpretada como uma

desconsideração de condições contíguas ao resultado. Skinner (1953) afirma que as variáveis

das quais o comportamento é uma função se encontram no seu “ambiente imediato e em sua

história ambiental” (p.31). A problemática está em recorrer apenas a eventos antecedentes

temporalmente próximos para explicar o comportamento, o que restringe, notavelmente, o

escopo de análise. Enquanto que a história ontogenética reconfigura o ambiente de

possibilidades de interação comportamental, o ambiente atual dispõe as condições para que o

comportamento seja executado. Isso nos mostra que a explicação do comportamento não se

resume a eventos comportamentais fixados em um tempo e lugar, mas sim pressupõe um

fluxo de eventos que se encerra na conjugação da história passada e do ambiente atual.

Por fim, podemos dizer, com respeito ao segundo nível seletivo, que a

seleção por conseqüências explica funcionalmente a modelagem de novos operantes. Mas é

possível identificar também um viés instrumentalista, já que conjetura, igualmente, ainda que

seja uma inferência mais modesta, a história de reforço de um dado indivíduo, quando os

limites de manipulação e controle experimentais são ultrapassados.

O segundo nível seletivo também apresenta falhas: “a seleção deve esperar

a variação ocorrer. O processo é, portanto, usualmente lento” (Skinner, 1990, p.1206). Essa

falha, segundo Skinner, é superada pela ação de contingências sociais especiais, as culturas.

de manipulação simbólica, uma rede semântica e assim por diante” (p.116).

Page 120: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

118

A cultura resolve, em parte, esse problema através de dois processos comportamentais: a

imitação e a modelação. Com a imitação, o imitador (aprendiz de dança, por exemplo) é

levado a ficar sob o controle das conseqüências reforçadoras (execução da dança, aprovação

social) responsáveis pelo comportamento imitado (flexionar e esticar a perna mediante a

mudança de ritmo da música). A evolução da imitação criou condições para que

contingências que produzissem a modelação (dar modelo) fossem geradas (o comportamento

dos alunos modela e mantém o comportamento do instrutor de dança). Contudo, esses dois

processos não são específicos da espécie humana. Animais também imitam o comportamento

de membros da sua espécie e fornecem modelo; por exemplo, veados podem correr ao avistar

membros da sua espécie fugindo em resposta a um predador. Pássaros podem voar

freqüentemente e de maneiras conspícuas que são facilmente imitadas pelo filhote (e isso

porque, no passado, o comportamento de dar modelo dos genitores provocou uma

antecipação do comportamento de voar do filhote, que poderia tardar caso tivesse de fazer

sem o auxílio dos pais, aumentando dessa forma, as chances de sobrevivência) (Skinner,

1984b).

Nesse sentido, podemos dizer que a imitação e a modelação promovem

uma espécie de “aceleração” da aprendizagem, que se dá através do mostrar o que fazer e

como fazer. Todavia, somente na espécie humana, o comportamento do imitador reforça

(imediatamente) o dar modelo (modeling). O que não aconteceria no contexto da evolução

biológica, uma vez que o tempo geológico envolve milhares de anos de seleção natural para

que o comportamento de imitar ou dar modelo seja considerado típico da espécie. Em outras

palavras, as conseqüências desses comportamentos são muito remotas para funcionar como

um reforço operante.

Somado a tudo isso, no caso do ser humano, temos o chamado controle

operante da musculatura vocal (Skinner, 1974/1976, 1981/1984a, 1984b, 1990) e,

Page 121: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

119

conseqüentemente, o comportamento verbal (especialmente o tacto), que possibilitou ao

homem ficar ciente tanto de seu comportamento (saber que está se comportando), quanto das

variáveis controladoras (saber por que está se comportando). Através do comportamento

verbal as culturas podem iniciar (prime) “artificialmente” os operantes no repertório dos

indivíduos, não somente por mostrar, mas agora por dizer o que fazer e como fazer (Skinner,

1990). Isso se dá por meio das mais variadas formas de comportamento verbal como avisos,

conselhos, máximas, provérbios, leis governamentais, religiosas e científicas. Em suma,

enquanto que no segundo nível seletivo, temos comportamentos que prescindem de

repertórios filogenéticos para sua ocorrência, no nível cultural encontramos comportamentos

que não mais dependem da história individual. Os indivíduos podem fazer uso das

experiências de outros que sequer foram testemunhadas por eles.

Os processos comportamentais, como a imitação e modelação, aliado ao

aparecimento do comportamento verbal, conduziram à evolução de um novo modo de

seleção pelas conseqüências: a seleção de práticas culturais. Os processos comportamentais

que operam sobre os membros de uma cultura são os de condicionamento operante,

pertencentes ao segundo nível de seleção. Todavia, o critério de seleção das práticas culturais

é a sobrevivência do grupo transpondo os limites individuais, nas palavras de Skinner

(1981/1984a): “É o efeito sobre o grupo e não conseqüências reforçadoras para membros

individuais que é responsável pela evolução da cultura” (p.478). A evolução cultural ocorre

de maneira análoga à evolução biológica, por meio da variação, transmissão e seleção.

Iniciemos com a seguinte questão: o que varia? No terceiro nível seletivo o que varia são as

práticas culturais: ações desempenhadas e transmitidas por um dado grupo e que produzem

um determinado efeito ou resultado. Skinner cita exemplos de práticas culturais: “A melhor

maneira de construir uma ferramenta, cultivar um alimento, ou ensinar uma criança” (p.478).

Entrementes, deve ficar claro que as práticas culturais são constituídas por operantes ou

Page 122: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

120

conjuntos de operantes; na verdade, o condicionamento operante explica a descoberta de

novas práticas culturais e sua transmissão a outros membros do grupo.

Contudo, nem todos os operantes são práticas culturais, podemos dizer que

os operantes são práticas culturais em potencial. Para que qualquer operante torne-se uma

prática cultural, ele deve ser reforçado pelos membros de certa cultura e ser transmitido como

parte de um ambiente social (Skinner, 1984c). Por exemplo, inventar uma ferramenta pode

ser útil, inicialmente, para um dado indivíduo, ele pode construir de modo mais rápido

objetos e outros instrumentos. Se o modo de confeccionar tal ferramenta é imitado e

transmitido, torna-se uma prática tendo conseqüências para o grupo e sobrevivendo enquanto

tal. Membros de um grupo podem punir o comportamento de roubar, bem como reforçar atos

incompatíveis com ele. Entretanto, “a desaprovação do roubo” se configurará em uma prática

quando for transmitida a outras gerações através de leis religiosas, como, “não roubarás”, por

exemplo.

Recuperando o paralelo entre evolução biológica e cultural, a transmissão

na evolução biológica se processa pela transferência de material genético de uma geração

para outra. A peculiaridade da transmissão circunscrita à evolução cultural se localiza na

transmissão por herança de traços adquiridos. Nesse sentido, podemos dizer que a evolução

cultural é lamarckiana6, ou seja, os traços culturais que um indivíduo adquire durante a vida

são transmitidos para seus descendentes ou outros indivíduos. Enquanto que na transmissão

genética, os traços genéticos só podem ser transmitidos de pais para filhos, na transmissão

cultural, as práticas sociais podem ser transmitidas não somente pelos pais genéticos, mas

_____________ 6 De acordo com Lamarck a evolução se processa por meio de duas leis: a) lei do uso e desuso: quanto mais uma

parte do corpo é usada, mais se desenvolve, enquanto que aquelas não usadas se enfraquecem podendo até desaparecer, b) lei da herança dos caracteres adquiridos: as alterações provocadas num órgão pelo uso e desuso são transmitidas aos seus descendentes. A falha na teoria lamarckiana está na consideração de que as características adquiridas são hereditárias. Posteriormente, tal equívoco foi evidenciado pela descoberta de que as modificações ocorrem nas células germintativas e não nas somáticas (Futuyama, 1992).

Page 123: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

121

também pelos membros do grupo que não têm nenhuma relação genética com aqueles que as

recebem. Os limites da transmissão genética são mais precisos, isto é, ocorrem de uma

geração para outra. Já a transmissão de traços culturais pode ocorrer no espaço de tempo de

uma geração e acontece durante toda a vida do indivíduo. Portanto, não fica restrita a um

único momento, como no caso da transmissão gênica. Deste modo, a mudança cultural pode

ocorrer de maneira muito mais rápida do que na evolução biológica e mudanças súbitas

podem se dar no intervalo de uma única geração.

Uma das características singulares da transmissão na cultura humana é o

ensino. A transmissão das práticas ocorre quando membros do grupo social não são apenas

ensinados a reproduzir a prática (construir uma ferramenta, por exemplo), mas também são

ensinados a ensinar prática (ou seja, os membros passam a mostrar e/ou dizer a outros como

construir uma ferramenta através de fórmulas, desenhos, cantigas, etc) - o ensino se dá

devido a uma outra característica dos ambientes sociais especiais: é a cultura que permite o

autoconhecimento e autogoverno como modos de preparar os indivíduos a atuarem

socialmente e como modo de garantir a reprodução de práticas sociais. Práticas culturais são

transmitidas entre gerações, por meio da modelação, imitação ou regras, porque aqueles que

as transmitem são reforçados por fazê-lo. O reforço pode ser direto, que se dá através do

comportamento daquele para o qual a prática é transmitida, um filho, aluno, amigo. Ou

indireto, por meio das agências de controle governamentais, educacionais, religiosas,

econômicas (Skinner, 1953). Do mesmo modo que não há um télos na evolução biológica, o

mesmo pode ser afirmado em relação às práticas culturais. Segundo Skinner (1981/1984a),

somente as conseqüências passadas figuram na seleção, “as pessoas não executam certas

práticas para que aumentem as chances do grupo sobreviver; elas as executam porque grupos

que induziram seus membros a fazer isso sobreviveram e transmitiram a prática” (p.479).

A transmissão de práticas também dá margem à variabilidade. Não há uma

Page 124: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

122

reprodução exata de práticas. Sempre há interação do ambiente passado e das condições

atuais. Nessa interação passado-presente variações podem ocorrer. Os processos responsáveis

pela variação na evolução biológica também têm seus correlativos na evolução cultural. No

caso da mutação tem-se o acidente ou erro. Por exemplo, na replicação genética podem

ocorrer erros de cópia. No contexto cultural podem ocorrer erros na imitação de uma dada

prática podendo resultar em uma outra que, pelas suas conseqüências, passará a ser adotada.

Assim, o equivalente às mutações genéticas são, no nível 3, quaisquer práticas culturais

originais, resultantes de modificações de práticas preexistentes ou da seleção de outros

operantes por certo grupo social. Isso começa no nível individual, “as mutações que

importam à sua evolução (da cultura), são as novidades, as inovações e as idiossincrasias que

nascem no comportamento dos indivíduos” (Skinner, 1968, p.161). Da mesma forma como

pode ocorrer migração para um conjunto gênico populacional, pode haver migração para um

conjunto de traços culturais. É o caso de indivíduos de uma sociedade que se mudam para

uma outra introduzindo novas maneiras de se comportar. Ainda que variações ocorram, cabe

lembrar, que estas só assumirão o papel de uma nova prática cultural, se forem selecionadas

pelo ambiente social e assegurada sua transmissão às gerações futuras (Skinner, 1984c).

Como um tipo de variação e seleção, a evolução cultural também apresenta

falhas semelhantes à evolução biológica: uma cultura prepara um grupo somente para um

mundo que se assemelha ao mundo no qual a cultura evoluiu. E baseado nesse fato, Skinner

(1990) faz o diagnóstico, essa falha “é a fonte de nossa preocupação atual pelo futuro de uma

terra habitável” (p.1207). Diante disso, o homem pode acelerar o processo de evolução,

através do planejamento cultural. Ele o faz inserindo novas mudanças no ambiente que

podem vir a se transformar em novas práticas culturais que, por seu turno, podem ou não ser

compatíveis com a sobrevivência de uma dada cultura (como examinamos no capítulo

anterior). Contudo, ainda que possamos intervir no processo de seleção cultural produzindo

Page 125: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

123

variações no ambiente como planejadores culturais, temos que “esperar a seleção ocorrer”

(Skinner, 1981/1984a, p.480). Isso é extremamente importante, pois evidencia nossa

limitação em controlar absolutamente o comportamento. Nesse sentido, não podemos causar

mecanicamente o comportamento: dada uma ação segue-se invariavelmente uma reação.

Skinner arremata “isso acontece por uma importante razão: seres vivos não são máquinas, a

seleção por conseqüências faz a diferença” (p.480).

Tendo apresentado algumas características do terceiro nível seletivo é

possível perceber a influência do instrumentalismo. Há uma inferência em um sentido

especial realizada por Skinner (1981/1984a, 1984b): ele conjetura a origem de uma prática

cultural e de seus processos, ou seja, como é formada, transmitida, selecionada uma prática

cultural. E, baseado nessa inferência, planeja ambientes culturais e faz previsões do resultado

da adoção de certas práticas sociais. Em vista disso, a seleção por conseqüência se apresenta

como um modo de explicar instrumentalmente a invenção de práticas culturais.

A história do comportamento, contada pelo behaviorismo radical, pode ser

resumida da seguinte forma: começamos com um comportamento aleatório (o mover-se da

ameba) submetido apenas às conseqüências de sobrevivência. Em seguida temos o sensing

que possibilitou uma interação estimulacional com o ambiente. Após a evolução dos órgãos

sensoriais e motores surge o sistema nervoso que, ao se desenvolver, aumenta as chances de

sobrevivência do organismo, que pode agora responder de modo mais rápido e eficaz às

estimulações do meio. Um exemplo desse passo evolutivo é o comportamento reflexo. O

comportamento liberado ou “instintivo” surge, por sua vez, como resultado da modelagem

filogenética e se diferencia do comportamento reflexo por uma relação menos invariante com

o ambiente. Com o desenvolvimento do condicionamento respondente, o comportamento

veio a ficar sob o controle de aspectos mais sutis do ambiente aumentando ainda mais as

possibilidades de interação ambiental. Mas com o condicionamento operante, também

Page 126: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

124

produto da seleção natural, surge a suscetibilidade às conseqüências imediatas. O

comportamento influenciado por essas conseqüências proporciona relações mais dinâmicas

entre organismo e ambiente. Não sendo possível identificar, a priori, um estímulo

antecedente contíguo e necessário. O condicionamento operante, por seu turno, é responsável

pela evolução das culturas. Esses ambientes sociais especiais permitem ao indivíduo

aproveitar das experiências passadas de outras pessoas possibilitando uma maneira

totalmente inédita de se relacionar com o ambiente.

A descrição desse itinerário evolutivo revela uma conseqüência inelutável

do modelo de seleção por conseqüências, em todos os níveis: o modelo de seleção por

conseqüências é um processo essencialmente histórico. Em uma análise localizada, atual (ou

episódica) desses tipos de comportamentos vemos, unicamente, os produtos da seleção.

Somente reconstruindo inferencialmente seus estágios é que podemos lidar propriamente

com a seleção. O modo de seleção por conseqüência explica o comportamento pela

conjugação dos ambientes passado e presente: a história passada reconfigura as

possibilidades de interação comportamental que serão concretizadas apenas pelas condições

dos ambientes atuais.

Na verdade, esse modo de explicar o comportamento tem suas bases no

segundo nível (condicionamento operante). Armado com conceitos desenvolvidos

experimentalmente (contingências de reforço, modelagem operante, conseqüências de

reforço) juntamente com as noções teóricas da seleção natural (variação, seleção,

transmissão) Skinner (1978) interpreta a origem dos comportamentos típicos da espécie

(reflexos e comportamentos liberados) produzindo outros conceitos como modelagem

filogenética, contingências de sobrevivência. Esse paralelo pode também ser estendido ao

nível 3 com os conceitos de prática cultural e sobrevivência das culturas, por exemplo.

Podemos dizer, então, que o modelo congrega a parte experimental (condicionamento

Page 127: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

125

operante) e a parte especulativa (contingências filogenéticas e culturais) como um modo de

explicar o comportamento. De uma outra perspectiva de análise, o modelo conjuga a

interpretação descritivista e instrumentalista das teorias, ou seja, explica instrumentalmente, a

origem das espécies e a invenção de práticas culturais e, funcionalmente (e, em certa medida,

também via instrumentalismo) a modelagem de novos operantes.

Ambas as versões do status cognitivo das teorias se inserem no modelo de

seleção através das relações de Skinner com Ernst Mach. Esta é a novidade: a influência da

concepção científica machiana não se restringe à substituição da noção de causalidade pelas

relações funcionais no contexto do descritivismo, mas aparece também no desenvolvimento

do modelo explicativo do behaviorismo radical através de uma interpretação instrumentalista

da teoria. Em outras palavras, Skinner caminha para o modelo de seleção por conseqüências

via instrumentalismo, e o faz via instrumentalismo machiano. Com o descritivismo, o modelo

de seleção deixa de ser causal assumindo sua característica funcional no nível do

condicionamento operante. Com o instrumentalismo, Skinner não renega o descritivismo. Ao

contrário, a adesão da versão instrumentalista à teoria do comportamento propicia uma

espécie de completude explicativa. Tal asserção se revela na ampliação do escopo da ciência

do comportamento que se estende para além dos limites da psicologia (representante do

segundo nível seletivo) atingindo ciências adjacentes (biologia e etologia, e antropologia,

representantes do primeiro e terceiro nível, respectivamente). O modo de seleção compõe um

“olhar” para ciências naturais e sociais conduzirem seus estudos, salvaguardando as

especificidades metodológicas de cada área. Ou seja, uma visão que supõe uma perspectiva

relacional de lidar com os eventos orientada pelo conceito de contingências (filogenéticas,

ontogenéticas e culturais) e pelo princípio do conseqüencialismo (conseqüências de

sobrevivência e de reforço). Nesse sentido, Skinner radicaliza o instrumentalismo machiano,

que foi caracterizado como um instrumentalismo implícito ou hesitante inscrito como uma

Page 128: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

126

complementação de relações funcionais que ainda não podiam ser verificadas empiricamente.

Skinner dá um passo além das relações funcionais, contudo, sem ferir o campo das relações e

dos processos comportamentais. Em suma, a compatibilidade entre descritivismo e

instrumentalismo, em termos de completude explicativa, se encerra na definição da seleção

por conseqüências, não em termos de um modo causal, mas em termos de um modo

funcional e instrumental de explicar o comportamento.

Não obstante, convém mencionar, que a possibilidade de manipulação e

controle experimental no segundo nível não deve ser entendida como uma maneira de

contrastá-lo com outras ciências que são essencialmente históricas. Como se a ciência do

comportamento fosse mais valorosa ou mais fundamental do que aquelas que não operam

mediante relações funcionais empiricamente validadas. A ciência do comportamento não está

mais próxima do que “realmente existe”. Ela dispõe de um arsenal conceitual que não tem

um fim em si mesmo. O valor de seus conceitos se verifica justamente na sua função

heurística: a de interpretar situações nas quais o comportamento é tema central. Nessa

perspectiva, Skinner (1974/1976) afirma: “Eu estou preocupado com a interpretação, ao

invés de previsão e controle” (p.21). A especulação é compatível com a previsão e controle

na exata medida em que pode contribuir para o planejamento de métodos que permitem

controlar o comportamento. A questão não é o acesso à realidade, mas sim a modificação do

comportamento (pragmatismo).

A seleção do comportamento pelas conseqüências apresenta-se como um

modo alternativo de explicar a novidade, a criação, a variação, “a seleção como um modo de

explicação é responsável somente pela novidade, pelas origens” (Skinner, 1984c, p.503). O

modelo é dissonante de um tipo de explicação ainda presente, pelo menos na psicologia, que

interpreta a origem do comportamento mediante a atuação de um agente iniciador. Segundo

Skinner (1971), o agente iniciador é “o centro do qual o comportamento emana. Ele inicia, dá

Page 129: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

127

origem e cria, e assim fazendo, permanece divino como era para os gregos. Dizemos que é

autônomo e, em relação a uma ciência do comportamento isso significa “milagroso””(p.16).

Ele aparece com várias roupagens: na forma de agentes internos como distúrbios de

personalidade, id, ego, superego; como sentimentos ou estados: felicidade, tristeza,

frustração, ansiedade, alienação, força de vontade; como metas, objetivos, propósitos,

intenções; como natureza humana, capacidades, aptidões, traços de caráter; princípios vitais

como a vida; organização, crescimento, desenvolvimento. É ele quem adapta, discrimina,

generaliza, percebe, atende, pensa, lembra, memoriza, armazena e recupera.

A crítica à noção de agente iniciador não deve ser confundida com a defesa

da idéia de um homem passivo, que apenas responde ao ambiente. De acordo com Skinner

(1984c), controlamos o nosso próprio comportamento (sef-control), mas isso não é o mesmo

que dizer que iniciamos o comportamento. Mudamos o nosso comportamento da mesma

forma que mudamos o comportamento de outros: modificando o ambiente. O homem pode

atuar nos três níveis de seleção intervindo como geneticistas modificando genes e

cromossomos ou contingências de sobrevivência, como na reprodução seletiva, mudando as

características de uma espécie ou criando novas. No papel de governadores, professores,

empregadores, mudando o comportamento de pessoas promovendo mutações em sua cultura

instaurando novas práticas sociais (Skinner, 1981/1984a). Nesse sentido, o homem é atuante

ou “ativo” na medida em que insere variações no ambiente. O homem é aquele que varia,

passa a ser o produtor da variabilidade, e quem varia, insere o novo passa a criar. Desta

forma, o homem, na acepção skinneriana, é criativo.

A noção de agente iniciador, na concepção de Skinner (1981/1984a,

1984c), desvia o olhar das contingências ambientais e, por conseguinte, das possibilidades de

mudança social, pois se volta para causas internas espúrias (psíquicas, neurais ou conceituais)

que parecem independer do comportamento dos indivíduos. Em vista disso, tal concepção

Page 130: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

128

compromete a autonomia do comportamento como objeto de estudo em seu próprio direito,

que foi assegurada, por sua vez, através dos laços com o descritivismo. Como um modo

alternativo de explicar o comportamento, o modelo de seleção por conseqüências evidencia

uma outra faceta da versão instrumentalista, que se dá através do pragmatismo: o

compromisso social.

As relações entre Mach e Skinner, com respeito ao modelo de seleção por

conseqüências, se dão também em um outro nível de análise, que se anuncia pelo seguinte

questionamento: como as contingências seletivas operam? Há uma terceira falha no processo

de variação e seleção que é de especial importância para a presente discussão: as variações

ocorrem ao acaso e as contingências de seleção são acidentais, Skinner (1990) completa:

o que evoluiu não foi uma única espécie desenvolvendo-se lentamente, mas milhões de espécies diferentes competindo entre si por um lugar no mundo. O produto do condicionamento operante não é um repertório único e coerente, mas milhões de repertórios menores, que se confrontam e cujos conflitos de alguma maneira terão de ser resolvidos. A evolução de ambientes sociais produziu não uma única cultura, mas muitas que freqüentemente estão em conflito (p.1207).

Com isso, podemos aliar ao modelo funcional e instrumental de explicação

do comportamento uma outra característica, o probabilismo. Em Skinner (1969, 1974/1976),

com o operante, lidamos com probabilidades de ocorrência. Isso nos leva a postular um

probabilismo, pelo menos no nível epistemológico. Talvez essa constatação seja ponto

pacífico para a maioria dos analistas do comportamento, e soa bem quando se trata de uma

ciência que aspira lidar com o comportamento humano afastando a teoria de concepções que

tratam o homem como uma máquina. Mas como a noção de probabilidade é tratada no

modelo de seleção por conseqüências? Nos capítulos anteriores examinamos duas

possibilidades de tratamento do probabilismo que são representadas pelas posições humeanas

e machianas. Com respeito a Hume (1740/1995, 1748/1980), verificamos um probabilismo

Page 131: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

129

que se expressa como uma incerteza irremediável frente à descoberta de relações inexoráveis

entre os eventos. Mach (1893/1960, 1894/1943, 1905/1976) leva adiante a crítica humeana

abrindo flanco para interpretações que sugerem uma espécie de probabilismo como um modo

de operação das coisas. A noção de probabilismo defendida por esses filósofos da ciência

parece ser incompatível com o determinismo metafísico que, em sua contrapartida

epistemológica, pode envolver a idéia de probabilidade como uma incerteza e ignorância

momentâneas - que não mais reinarão tão logo a ciência desenvolva métodos e tecnologias

capazes de reparar essa limitação metodológica. Como Skinner dialoga com essas versões?

O determinismo metafísico admite a ação necessitante de uma causa ou

grupo de causas (Abbagnano, 1971/2000). Nesse sentido, todos os eventos no universo,

incluindo o comportamento dos organismos, são o resultado da ação de eventos causais.

Aplicando essa tese ao behaviorismo radical temos que o comportamento é o resultado de

dois conjuntos de forças causais, o ambiente (físico e social) e a genética. A noção de

probabilidade, nesse contexto, aparece como resultado de uma limitação metodológica. Ou,

em um sentido mais caricatural, uma ilusão baseada na ignorância dos determinantes do

comportamento. Ainda que o método nos ofereça apenas probabilidades, a tese determinista

move o cientista a fazer hipóteses e aperfeiçoar os instrumentos e técnicas de análise do

comportamento. A suposição do determinismo metafísico muitas vezes justifica uma atitude

científica de busca incessante pelas causas do comportamento. Com isso, geram-se

expectativas de identificar, com o avanço científico, os determinantes comportamentais e,

assim, prever e controlar ‘absolutamente’ ou completamente o comportamento. Ademais, é

possível indicar leituras da obra de Skinner que sugerem um probabilismo como resultado da

nossa incapacidade, em termos metodológicos, para acessar os “reais” fatores ou a

“totalidade” dos determinantes do comportamento. O que nos leva a pensar que a predição

científica acurada está comprometida, ainda que provisoriamente, por limitações na

Page 132: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

130

instrumentação. Consultemos alguns indícios na obra de Skinner que sugerem a coexistência

do determinismo metafísico e do probabilismo:

Para se ter uma ciência da psicologia em geral, nós temos que adotar o postulado fundamental de que o comportamento humano é um dado submetido a leis (lawful), que não é perturbado pelas ações caprichosas de um agente livre – em outras palavras, que ele é completamente determinado (Skinner, 1947/1961, p.227),

Ou ainda,

não podemos provar, é claro, que o comportamento humano como um todo é completamente determinado, mas que a proposição torna-se mais plausível quando os fatos se acumulam, e eu acredito que um ponto tem sido alcançado em que suas implicações serão seriamente consideradas (Skinner, 1974/1976, p.208, sublinhado meu).

Mesmo considerando a noção de probabilidade fica patente a suposição:

uma vez dotados de uma metodologia e instrumentação que nos fornecesse um conhecimento

completo, os analistas do comportamento poderiam prever com absoluto grau de certeza o

futuro e reconstruir o passado, já que seriam capazes de sondar os poderes ocultos, na

terminologia de Hume.

A despeito de tais considerações, podemos encontrar fragmentos nos

escritos skinnerianos, através da leitura dos textos filosóficos de Hume e Mach, que dão

margem a uma interpretação probabilista das relações comportamentais em um outro nível de

análise. Como discutimos no primeiro capítulo, Hume (1748/1980) critica a idéia de conexão

necessária argumentando que as sensações, fundamento do conhecimento de questões de

fato, não nos permite acessar os poderes que conectam a causa ao efeito. Ou seja, não

acessamos os elos por uma limitação cognitiva. A relação causal é tratada em termos de

relações constantes, e não mais é concebida em termos de conexões infalíveis. Ainda que

Skinner (1953, 1969, 1981/1984a) não tenha mencionado Hume com relação a sua crítica à

Page 133: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

131

noção de causalidade, relações entre esses autores são empregadas com respeito a esse tema.

A passagem clássica que evidencia essa aproximação já é conhecida:

Uma “causa” torna-se uma “mudança na variável independente” um “efeito” uma “mudança na variável dependente”. A velha “conexão causa-e-efeito” torna-se uma “relação funcional”. Os novos termos não sugerem como uma causa produz (cause) seu efeito; eles simplesmente afirmam que eventos diferentes tendem a ocorrer juntos em uma certa ordem (Skinner, 1953, p.23).

Nessa interpretação, não estamos preocupados em acessar os processos, os

elos que relacionam os eventos ou tipos de eventos, mas sim em alcançar uma regularidade

nas relações, de modo que seja possível a previsão e o controle comportamento. Podemos

dizer com base na crítica humeana, que Skinner (1953) exclui da explicação do

comportamento a noção de causalidade como conexão, sem, contudo, eliminar a

possibilidade de previsão e controle, quando afirma a sua busca por regularidades funcionais.

Em Mach (1894/1943, 1905/1976), encontramos indícios, como

examinamos no primeiro capítulo, que enunciam sutilmente um probabilismo também

metafísico: a experiência nos mostra regularidades prováveis em um mundo que, em

princípio, é mutável. A causalidade para (Mach, 1893/1960) adquire uma função

essencialmente heurística, como princípio orientador da pesquisa científica, lembremos: “a

noção de causa possui significado somente como um meio de conhecimento ou orientação

provisória” (p.582).

Uma interpretação semelhante pode ser empreendida em relação a Skinner.

Retomemos a relação entre variáveis independentes e dependentes. Discutimos que a variável

dependente é a probabilidade de responder. E as variáveis independentes consistem nas

contingências. Como esses processos comportamentais operam? Neste momento, é

interessante revisitar a resposta de Skinner (1990) quando discute o modelo de seleção: “O

processo de variação e seleção tem uma terceira falha: variações são randômicas e as

Page 134: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

132

contingências de seleção são acidentais” (p.1207). Esta passagem sugere um probabilismo

das coisas? Antes que uma resposta seja dada, alguns podem, imediatamente, argumentar:

primeiramente, a defesa de um probabilismo metafísico paralisa a pesquisa, cessa a busca das

causas estagnando o conhecimento científico. Em segundo lugar, o probabilismo metafísico

implica o abandono dos ideais de previsão e controle. Essas relações não são, de modo

algum, necessárias. Talvez seja plausível conceber o determinismo ou causalidade no

behaviorismo radical nos moldes machianos, ou seja, tratando do determinismo no contexto

de um instrumentalismo: a busca pelos “determinantes” ou “causas” do comportamento

funcionaria mais como uma atitude diante da pesquisa do que uma declaração sobre o

funcionamento do mundo.

É relevante assinalar que, para Skinner (1953), o comportamento é um

fluxo, “é mutável, fluido e evanescente” (p.15). Paralisamos esse fluxo com o método

analítico. A separação entre antecedente, resposta e conseqüente deve ser entendida como um

recorte do fluxo comportamental. Ou mesmo as designações do que vem antes (causa) ou do

que vem depois (efeito) consistem na paralisação desse fluxo para fins metodológicos, de um

lado, e, para fins práticos de outro, com propósitos de previsão e controle. Em vista disso,

conceitos como os de causa, efeito, antecedente e conseqüente se apresentam mais como

estratégias metodológicas para agilizar a pesquisa do que confirmações de realidades

acessadas pelo método científico.

Já examinamos que, para o behaviorismo radical, os eventos são

interdependentes, eles existem somente na relação com outros eventos e não são definidos a

priori. A relação é o todo, é o dado primário. Os elementos ou as unidades discretas (os

eventos comportamentais) são abstraídos desse todo como um recorte do fluxo

comportamental. Um evento atual, corrente, é a estagnação do fluxo (ou ainda, o presente é

essa paralisação). O comportamento atual é produto de uma história de variação e seleção,

Page 135: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

133

que, por sua vez, torna-se passado para o comportamento subseqüente. Os limites do que é o

presente são delineados mediante critérios pragmáticos de previsão, controle e também para

fins interpretativos. Nesse sentido, encontramos uma limitação epistemológica no sentido

machiano, de não retratarmos a fluidez do comportamento; um fluxo que, segundo a

interpretação em discussão, se dá de modo probabilístico.

Por seu turno, o probabilismo metafísico não estagna a pesquisa, talvez nos

induza a assumir uma postura mais modesta quanto ao objetivo e possibilidades da ciência do

comportamento, “o comportamento humano é controlado (...) por mudar as condições

ambientais das quais é uma função. O controle é probabilístico. O organismo não é forçado a

comportar-se de uma dada maneira; mas é simplesmente influenciado de modo que seja mais

provável ele se comportar desta maneira” (Skinner, 1973, p.124). Outrossim, o probabilismo

nos faz investir com mais cuidado na interpretação outorgando-lhe um papel importante na

atividade científica: “eu concordo que qualquer sonho de ganhar controle completo do

ambiente é “impossível”, mas do que temos aprendido quando o ambiente é razoavelmente

bem controlado, podemos, pelo menos, interpretar o que está acontecendo sob condições

mais caóticas” (Skinner, 1984c, p.504).

Ademais, no contexto da filosofia da ciência, probabilismo não se apresenta

como uma negação de que os eventos têm uma história. A questão em tela é como se dão as

relações. No caso, o probabilismo expressa uma relação de não-necessidade entre os eventos

(Blanshard, 1958/1974). O termo está vinculado a uma crítica à noção de causa como uma

condição necessária e suficiente. Levando em consideração a forte relação semântica entre

determinismo e causalidade, é preferível empregar o termo probabilismo que, como vimos,

são significa ausência de história. Ao contrário, defende uma história que não se dá de modo

causal (relação de necessidade e suficiência) entre e os eventos, mas que se caracteriza, em

termos machianos, como uma interdependência funcional. Noções que parecem estar mais

Page 136: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

134

próximas do behaviorismo radical.

Somado a essas últimas discussões, podemos dizer que o modelo de seleção

por conseqüências não é um modo causal, mas sim um modo funcional, instrumental e

probabilista de explicar o comportamento. A expressão reúne três características marcantes

do modelo explicativo skinneriano: o qualificativo funcional nos remete ao descritivismo

com o qual se afirma a autonomia do comportamento como objeto de estudo. Com o

instrumentalismo, Skinner rompe os limites de sua ciência agregando outras disciplinas que

passam a atuar conjuntamente com a psicologia para entender o comportamento. Ademais,

reitera seu compromisso social por meio do critério pragmático de modificação do

comportamento. Com a noção de probabilidade o behaviorismo radical adota uma postura

mais modesta (ou sensata?) de fazer ciência, tratando o determinismo e a causalidade como

uma regra de pesquisa e não como um pronunciamento sobre o funcionamento do mundo.

Page 137: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

135

CONCLUSÃO

Percorrendo o itinerário proposto na introdução deste trabalho chegamos a

uma interessante caracterização do modelo explicativo proposto por Skinner (1981/1984a): o

modo de seleção por conseqüências, considerado o modelo explicativo por excelência do

behaviorismo radical, não consiste em um modo causal, mas sim em um modelo funcional,

instrumental e probabilista de explicação do comportamento. Essa classificação foi

empreendida com o auxílio de reflexões incitadas pelo exame de alguns conceitos de

importantes filósofos da ciência, principalmente David Hume e Ernst Mach. Os qualificativos

empregados (funcional, instrumental, probabilista), que assinalam alguns sentidos do que

significa explicar no behaviorismo radical, evidenciam também as relações da filosofia de

ciência de Skinner com determinadas tradições filosóficas, aproximando-a de certas

concepções e afastando-a de outras. O que nos permite identificar alguns discursos ou

questionamentos que pertencem ao behaviorismo skinneriano de outros que não fazem parte

ou que não são coerentes com seus pressupostos. Ademais, é possível questionar

classificações já consolidadas como representativas do behaviorismo radical avaliando suas

implicações e teses associadas.

A explicação no behaviorismo radical não se identifica com explicação

causal. Essa desvinculação da explicação científica com a noção de causalidade se deu

através das relações indiretas com Hume. Skinner (1953, 1969) incorporou, via Mach, a

crítica humeana à idéia de conexão necessária e rejeitou as noções relacionadas a esse modo

causal, como os conceitos de força ou agência. Isso se revela no tratamento das relações entre

variáveis dependentes e independentes como regularidades prováveis, e não como conexões

infalíveis. Skinner, outrossim, eliminou a idéia de estímulo como força, aguilhão, adotando o

conceito de estímulo discriminativo, bem como a outra faceta da noção de força propulsora,

Page 138: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

136

criticando o conceito de agente iniciador, uma espécie de eu (self) essencial, que organiza e

inicia o comportamento. O modelo de seleção por conseqüências também reitera essa análise.

À semelhança da teoria evolucionária darwiniana, apresenta uma inovação no modo de

explicar a função do ambiente sem recorrer a uma força causal ou agência, como está

implícita na idéia de pressão seletiva (Skinner, 1981/1984a). O ambiente não opera como uma

força que produz ou impulsiona os organismos, mas atua selecionando o comportamento pelas

conseqüências.

Uma outra importante contribuição humeana é a noção de hábito. De acordo

com Hume (1748/1980), ainda que não possamos deslindar os poderes ocultos que conectam

a causa ao efeito (podemos lidar apenas com conjunções constantes), é possível fazer uma

espécie de previsão de eventos futuros, ainda que com algum grau de incerteza. O que nos

permite realizar tal projeção é o hábito, ou seja, uma sucessão de experiências que nos mostra

que eventos semelhantes aparecem continuamente juntos. Nesse sentido, podemos dizer que

Hume sugere uma abordagem histórica para entender as relações entre os eventos - uma

história que, para ele, é contada pelo hábito. Um único episódio não nos revela absolutamente

nada. Apenas com a conjunção invariante de “causas” semelhantes com “efeitos” semelhantes

é que podemos arriscar um pronunciamento sobre algo que acontecerá.

Sabemos que Hume não falou em termos de explicação, mas essas

considerações nos remetem à explicação histórica, um modo de explicar característico do

behaviorismo radical, que pode ser explicitamente vislumbrado quando Skinner (1981/1984a)

discute o modelo de seleção do comportamento pelas conseqüências. O comportamento atual,

afirma Skinner (1984c, 1990), nos revela apenas os produtos de processos que são

responsáveis pelo comportamento. E na verdade, são os processos que nos interessam, pois só

através deles é que podemos explicar o comportamento. Adotando essa perspectiva histórica,

a pesquisa na tradição behaviorista radical olha os processos comportamentais ao longo do

Page 139: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

137

tempo e procura relações entre o comportamento e eventos ambientais que também ocorrem

ao longo do tempo.

Esse modo explicativo assinala o distanciamento de Skinner de certas

concepções de causalidade, como a causalidade contígua ou mecânica ilustrada pela metáfora

da cadeia (Chiesa, 1994). O próprio Skinner (1981/1984a) considera que seu modelo

explicativo é diferente do modelo causal que tem um viés mecanicista: as contingências de

seleção não incitam, forçam ou impulsionam uma mudança, mas operam através dos

processos de variação e seleção. O modo explicativo do behaviorismo radical, que é

caracterizado pela seleção ao longo do tempo de características do comportamento do

indivíduo, não pressupõe uma linearidade e contigüidade espaço-temporal entre os eventos.

Em outras palavras, a mudança de um estado atual não é uma função exata de seus

antecedentes temporalmente próximos, mas sim de estímulos e conseqüências que integram

uma longa história de variação e seleção (o comportamento operante, por exemplo, é

controlado por estímulos discriminativos que são estabelecidos em uma história passada de

condicionamento operante). Por apresentar essas particularidades, o behaviorismo radical,

afirma Chiesa, não se compromete com o preenchimento das fissuras (gaps) por eventos

discretos entre variáveis dependentes e independentes, distanciando-se completamente do

modelo causal-mecânico de explicação comportamental.

Os desdobramentos da crítica humeana à conexão necessária, dentre eles o

rompimento entre as noções de explicação e causalidade, podem ser reconhecidos através da

figura de Mach (1893/1960, 1905/1976). Ele identifica explicações com descrições, no nível

da experiência, e propõe as relações funcionais em substituição à concepção de causa

newtoniana, comprometida com as noções metafísicas de força ou agência. Equações

científicas, segundo ele, referem-se a eventos como uma função de outros eventos, ao invés de

explicações do tipo “A exerce força sobre B”.

Page 140: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

138

A influência direta de Mach no modelo de ciência de Skinner (1947/1961,

1953, 1969) insere o behaviorismo radical como uma versão do descritivismo científico. A

teoria do comportamento, na perspectiva descritivista, consiste em um compêndio de

declarações sobre relações funcionais. Entrementes, deve ficar claro que as relações com o

descritivismo científico se dão via relações com o descritivismo funcional machiano. Ainda

que esteja comprometido com o descritivismo, Skinner não é solidário com versões marcantes

dessa concepção de ciência, como o fenomenalismo e o fisicalismo. Ao rejeitar o

fenomenalismo, Skinner reitera a autonomia da linguagem comportamental. Ao desaprovar o

fisicalismo, inviabiliza explicações redutivas do comportamento. Com o descritivismo, a

automonia do comportamento como objeto de estudo em seu próprio direito está assegurada -

o que não aconteceria no caso de uma explicação causal que, amiúde, requer a busca de

entidades, processos mentais ou fisiológicos para preencher as fissuras (gaps) entre os eventos

comportamentais, de modo a preservar a infalibilidade da relação.

Todavia, o modelo explicativo skinneriano não se restringe à descrição de

relações funcionais. Skinner (1981/1984a), sem renegar o descritivismo, e sem se desprender

de suas relações com Mach, dá um passo além saindo do campo das relações funcionais e da

previsão e controle. Contudo, ao fazer isso, não fere o comportamento como objeto de estudo

em si mesmo. Isso se deve ao compromisso de Skinner com a visão instrumentalista das

teorias. Nessa perspectiva, Skinner (1984c) integra a interpretação como parte do seu modo de

explicação do comportamento. Há campos que ainda estão longe de satisfazer as demandas de

previsão e controle como, por exemplo, a evolução ou a astronomia: Skinner pergunta:

“Permanecemos em silêncio sobre eles? Não, interpretamos as observações nesses campos

por usar o que temos aprendido da pesquisa nos campos em que podemos prever e controlar”

(p.503). Sob a ótica de uma interpretação instrumentalista, Skinner faz uso de conceitos

desenvolvidos no laboratório aliados a teorias pertencentes a outras ciências para interpretar o

Page 141: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

139

comportamento complexo. Esse aspecto fica patente na exposição do modelo de seleção por

conseqüências: os limites da ciência do comportamento são rompidos pela interpretação da

origem do comportamento das espécies (área da etologia) e das práticas culturais (campo da

antropologia). Ainda que avance em direção às ciências históricas, Skinner não subjuga essas

ciências a um status explicativo inferior, afirmando paralelamente a supremacia da análise do

comportamento. Ao contrário, propõe um modo de interpretar os fenômenos que se afirma em

uma perspectiva das relações primordiais entre organismo e ambiente. A própria característica

histórica e inferencial do modelo, o retira de critérios de validação vinculados à versão realista

das teorias, como a verdade e falsidade.

A seleção do comportamento pelas conseqüências é um modo de explicação

que não pode ser considerado verdadeiro nem falso. Mas pode ser julgado como plausível ou

não. Isso não quer dizer que não existam critérios para identificar seu valor. A própria versão

instrumentalista apresenta o seu critério de validação: a efetividade. Em vista disso, o

behaviorismo radical é solidário com o pragmatismo. De acordo com Skinner (1974/1976), o

conhecimento científico não tem como objetivo legitimar-se como conhecimento verdadeiro,

que se conjuga como correspondência com a realidade. Não há um acesso a entidades

transcendentes que existiriam independentes do comportamento. Estamos encapsulados em

nosso próprio comportamento: não podemos sair do fluxo comportamental e buscar eventos

ou entidades para além dele, pois na exata medida em que o cientista está analisando o

fenômeno, ele está se comportando. Dizer que não saímos do nosso comportamento não é o

mesmo que defender um subjetivismo. Há uma “objetividade” na ciência comportamental, ou

uma “verdade” que é pragmática: como a verdade, a objetividade é efetividade. Como um

pragmatismo na filosofia, o behaviorismo radical não toma partido de nenhum dos pólos das

díades: objetivismo-subjetivismo, verdade-falsidade. Skinner (1953, 1969, 1971, 1974/1976),

enquanto pragmatista, abarca a noção de teoria como efetiva ou ineficaz, não apenas mediante

Page 142: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

140

o seu sucesso como princípio orientador na pesquisa científica, mas também como uma teoria

que promove valores éticos e morais. Nesse caso, a efetividade do conhecimento produzido

pela ciência do comportamento depende de se ele funciona como um instrumento de mudança

social. Por seu turno, o cientista deve se basear em um valor ético para promover tal mudança.

Na teoria ética de Skinner (1971) esse valor consiste na sobrevivência das culturas. Isso quer

dizer que o cientista do comportamento também é um planejador cultural, o que lhe confere

um caráter “ativo”, mas isso não é o mesmo que defender a noção de um agente iniciador. Ele

pode promover mudanças sociais inserindo novas maneiras de se relacionar que, por sua vez,

podem se configurar em práticas sociais inéditas que sejam coerentes com a sobrevivência das

culturas.

Considerando essa discussão, podemos dizer que a teoria científica de

Skinner conjuga elementos descritivistas e instrumentalistas. Há aspectos de sua teoria que se

alinham com o descritivismo científico, especialmente o descritivismo funcional machiano.

Neste caso, as relações funcionais consistem em uma estratégia econômica para lidar com as

relações entre os eventos comportamentais. O comportamento humano é um objeto de estudo

complexo, envolvendo uma multiplicidade de relações de interdependência. A formulação de

relações funcionais permite a Skinner manejar com o comportamento do indivíduo, excluindo

características das relações que não afetam a formulação de leis comportamentais e a previsão

e o controle do comportamento. Por outro lado, há aspectos que são coerentes com a visão

instrumentalista das teorias, que emergem na reconstrução de comportamentos que não

satisfazem as demandas de controle e manipulação experimental, como é o caso dos

comportamento filogenéticos e das práticas culturais. Além disso, a teoria como instrumento

conceitual instaura uma concepção pragmática de verdade e a teoria do comportamento no

campo da ética. O comportamento, enquanto objeto de estudo, envolve pronunciamentos

sobre o indivíduo, a natureza e a cultura. Com a conjunção entre descritivismo e

Page 143: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

141

instrumentalismo Skinner concilia esses aspectos, propiciando uma espécie de completude

explicativa.

A relação das versões descritivista e instrumentalista também inviabiliza

interpretações realistas do behaviorismo radical. Afirmar que a corrente filosófica de Skinner

não é realista é consistente com a crítica à noção de explicação causal. Em outros termos, a

explicação causal não é apropriada para uma filosofia de ciência não realista, já que explicar

(causalmente) significa, muitas vezes, descobrir a verdade, a realidade que está por detrás do

fenômeno – os elos causais que conectam infalivelmente a causa ao efeito. Noções que não

participam do discurso de uma interpretação instrumentalista da ciência.

Há uma outra característica do modelo de seleção por conseqüências

bastante controversa, o probabilismo. Podemos dizer, de imediato, que o probabilismo na

teoria skinneriana é sinônimo de incerteza. Entretanto, essa asserção pode ser tratada de duas

maneiras dependendo da interpretação que se assume da obra de Skinner (1969, 1981/1984a,

1990). É possível encontrar indícios nos textos skinnerianos que são consistentes com o

determinismo metafísico. O determinismo, por seu turno, envolve uma ênfase na idéia de

certeza. Em vista disso, o acaso e a incerteza são sinônimos de ignorância. Essas limitações

consistem apenas em um estado provisório que será superado mediante o progresso científico.

Isso se traduz na ciência do comportamento na expectativa de previsão e controle absolutos

do comportamento.

Por outro lado, uma leitura da teoria científica de Skinner sob ótica de

alguns conceitos capitais da obra de Hume e Mach afasta o behaviorismo radical do

determinismo metafísico. A crítica humeana à noção de conexão necessária afirma uma

limitação lógica e empírica, em princípio, do conhecimento sobre questões de fato. Em vista

disso, as relações entre os eventos não se configuram em termos de relações causais

ineroxáveis, mas em termos de conjunções constantes.

Page 144: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

142

Mach (1893/1960, 1894/1943) assume as conseqüências da crítica de Hume

e as avança. Opõe-se à visão determinista de mundo ao postular um universo cuja realidade

subjacente não é fixa e imutável, mas sim uma realidade cujos elementos constituintes são

dinâmicos e estão em constante transformação. Em Mach (1894/1943), por exemplo, a crítica

à idéia de conexão necessária e a afirmação de um probabilismo no nível do conhecimento

não se dá como um atestado da medida da nossa ignorância nos moldes deterministas. O que

abre espaço para conjeturar um probabilismo como modo de operação das coisas, ou seja, um

probabilismo “no mundo”.

Mediante as relações com Mach, somado ao fato da fundamentação última

do comportamento em variações randômicas no modelo de seleção, sugerimos um

probabilismo metafísico e epistemológico como uma interpretação plausível do modelo

explicativo do behaviorismo radical. Nesta proposta, o determinismo poderia ser tratado no

contexto de um instrumentalismo, sendo encarado como uma regra ou princípio regulador da

pesquisa. Ou seja, consiste em um conjunto de atitudes do pesquisador frente a seu objeto de

estudo, ao invés de uma declaração sobre o funcionamento do mundo. Diante disso, convém

destacar que Skinner (1953), ao excluir a noção de explicação causal e o determinismo

metafísico, não inviabiliza, simultaneamente, a previsibilidade comportamental. Podemos

prever e, em certa medida, controlar o comportamento, pois o modelo explicativo de Skinner

salvaguarda essa possibilidade ao tratar as relações comportamentais em termos de relações

constantes ou relações funcionais. O que pressupõe a noção de regularidade, ainda que uma

regularidade que permite fazer projeções sempre acompanhadas de incerteza.

O determinismo metafísico envolve a suposição de que a ciência, quando

habilitada metodologicamente, será capaz de descobrir como as coisas realmente são e, assim,

poderá prever e controlar completamente o comportamento. Assegura-se, deste modo, o

progresso científico, político e cultural. O probabilismo, por outro lado, nos faz adotar uma

Page 145: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

143

postura mais modesta ao fazer ciência. A ciência para Skinner (1953, 1971) tem uma função

social. Na verdade, a própria justificação do conhecimento científico é uma questão de prática

social. Entretanto, isso não é o mesmo que dizer que ela assegurará a emancipação do homem.

A ciência pode intervir inserindo variações acompanhadas, até mesmo, de um planejamento

cultural. Todavia, lembra Skinner (1981/1984a): temos que esperar a seleção ocorrer. As

variações promovidas podem ou não ser selecionadas. Uma concepção mais humilde de

ciência tem em seu horizonte a idéia que estamos lidando com o comportamento que carrega,

em princípio, um mínimo de incerteza: há sempre um elemento de mistério na emissão de

qualquer resposta operante. Um estímulo nunca exerce controle completo (Skinner, 1968). É

possível também fazer uma leitura dos textos skinnerianos conforme essa interpretação. Isso

nos leva a concluir, de imediato, que Skinner não é um autor trivial. Há sobreposição dessas

visões, não sendo possível fazer uma demarcação rígida entre elas. Mas a tendência geral

indica que a psicologia do comportamento, fundamentada no behaviorismo radical, caminha

para se estabelecer como essencialmente probabilista.

Em vista de todas essas discussões, salvaguardando as questões pendentes

com respeito à noção de probabilidade, podemos concluir, sumariamente que explicar no

behaviorismo radical é: 1) descrever relações funcionais (descritivismo), 2) interpretar

(instrumentalismo), 3) assumir um compromisso social (pragmatismo) e 4) produzir

conhecimento que carrega em seu bojo um mínimo de incerteza (probabilismo). Essas

características se conjugam na interpretação do modelo de seleção por conseqüências como

um modelo funcional, instrumental e probabilista de explicação do comportamento.

Page 146: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

144

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Abbagnano, N. (2000). Dicionário de Filosofia (A. Bosi, Trad). São Paulo: Martins Fontes. (Originalmente publicado em 1971)

Abib, J.A.D. (1997). Teorias do comportamento e subjetividade na psicologia. São Carlos: Editora da Universidade Federal de São Carlos.

Abib, J.A.D. (2001). Teoria Moral de Skinner e Desenvolvimento Humano. Psicologia: Reflexão e Crítica, 14, 107-117.

Abib, J.A.D. (2003). Behaviorismo Radical e Interpretação. Em M.Z. S. Brandão, F.C. Conte, F. S. Brandão, Y. H. Ingberman, C.B. Moura, V.M. Silva & S.M. Oliane (Orgs.), Sobre comportamento e cognição – vol.11: A história e os avanços, a seleção por conseqüências em ação (pp.57-65). Santo André, SP: ESETec.

Andery, M.A. (1997). O modelo de seleção por conseqüências e a subjetividade. Em R. A. Banaco (Org), Sobre comportamento e cognição – vol.1: Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista (pp.57-65). Santo André, SP: ESETec.

Baum, M.L.D. (1999). O behaviorismo como filosofia da ciência. Em Compreender o Behaviorismo: ciência, comportamento e cultura (pp.35-46). (M.T. Araújo, M.A .Matos, G.Y. Tomanari, E.Z. Tourinho, Trads). Porto Alegre: Artmed.

Blanshard, B. (1974). The case for determinism. Em Determinism and Freedom (pp.19-30). New York: Macmillan. (Originalmente publicado em 1958)

Carrara, K. (1998). Behaviorismo Radical: crítica e metacrítica. Marília: UNESP-Marília-Publicações.

Chiesa, M. (1994). Radical behaviorism: The philosophy and the science. Boston: Authors Cooperative.

Descartes, R. (1979). Discurso do método. Em Os pensadores (pp.29-71). (B. Prado Júnior e J. Guinsburg, Trads) São Paulo: Abril Cultural. (Originalmente publicado em 1637)

Descartes, R. (1979). Meditações Metafísicas. Em Os pensadores (pp.86-142). (B. Prado Júnior e J. Guinsburg, Trads) São Paulo: Abril Cultural. (Originalmente publicado em 1641)

Futuyama, D.J. (1992). Biologia Evolutiva.(M. Vivo, Trad.). Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Genética.

Hume, D. (1980). Investigação sobre o entendimento humano. Em Os pensadores. (A. Sérgio, Trad) (pp.135-204). São Paulo: Abril Cultural.(Originalmente publicado em 1748)

Hume, D. (1995). Resumo de um tratado da natureza humana. (J.S. Caio e R. Gutiérrez, Trads). Porto Alegre: Paraula. (Originalmente publicado em 1740)

Page 147: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

145

James, W. (1967). O que significa pragmatismo? Em Pragmatismo e Outros Ensaios (pp.43-62) (J.C. Silva, Trad). Rio de Janeiro: Lidador. (Originalmente publicado em 1907)

James, W. (1967). Concepção da verdade no pragmatismo. Em Pragmatismo e Outros Ensaios (pp.115-134) (J.C. Silva, Trad). Rio de Janeiro: Lidador. (Originalmente publicado em 1907)

Lambert, K. & Brittain, G. (1979). Introdução à Filosofia da Ciência. ). (L.Hegenberg e O.S. Mota, Trads). São Paulo: Editora Cultrix Ltda. (Originalmente publicado em 1970)

Mach, E. (1959). Introductory Remarks: Antimetaphysical. Em The analysis of sensations (C.M. Williams, Trad), (pp.1-37). New York: Dover Publications. (Originalmente publicado em 1885)

Mach, E. (1960). The science of mechanics: a critical and historical account of its

development. (T.J. McCormack, Trad). Illinois: Open Court. (Originalmente publicado em 1893)

Mach, E. (1943). The economical nature of physical inquiry. Em Popular Scientific Lectures

(T.J. McCormach, Trad.), (pp.186-213). Illinois: Open Court. (Originalmente publicado em 1894)

Mach, E. (1976). Knowledge and Error: sketches on the psychology of enquiry. D. Reidel:

Boston. (Originalmente publicado em 1905) Millenson, J.R. (1975). Comportamento Reflexo (Eliciado). Em Princípios de Análise do Comportamento (pp.37-52). (A.A. Souza e D. Rezende, Trads). Brasília: Coordenada. (Originalmente publicado em 1967)

Moxley, R. A. (1999). The two Skinners, Modern and Postmodern. Behavior and Philosophy, 27, 97-125.

Nagel, E. (1961). The Structure of Science: Problems in the logic of scientific explanation. New York: Harcourt, Brace & World.

Nagel, E. (1974). Some notes on determinism. Em Determinism and Freedom (pp.196-200). New York: Macmillan. (Originalmente publicado em 1958).

Salmon, W. (1984). Scientific Explanation and the Causal Structure of the World (pp.135-

157; 190-279). New Jersey: Princeton University Press. Slife, B.D; Yanchar, S. C. & Williams, B. (1999). Conceptions of Determinism in Radical Behaviorism: A Taxonomy. Behavior and Philosophy, 27, 75-96.

Skinner, B.F. (1953). Science and Human Behavior. New York: The MacMillan Company.

Skinner, B.F. (1961). The concept of the reflex in the description of behavior. Em B.F Skinner. Cumulative Records: A selection of papers (pp.319-346). New York: Appleton-Century-Crofts. (Originalmente publicado em 1931)

Page 148: HUME, MACH E SKINNER: A EXPLICAÇAO DO COMPORTAMENTO

146

Skinner, B.F. (1961). Current trends in experimental psychology. Em B.F. Skinner, Cumulative record: A selection of papers (pp.223-241). New York: Appleton-Century-Crofts. (Originalmente publicado em 1947)

Skinner, B.F. (1961). Are theories of learning necessary? Em B.F. Skinner, Cumulative Records: A selection of papers (pp.39-69). New York: Appleton-Century-Crofts. (Originalmente publicado em 1950)

Skinner, B.F. (1961). The flight from the laboratory. Em B.F. Skinner, Cumulative Records: A selection of papers (pp.242-257). New York: Appleton-Century-Crofts. (Originalmente publicado em 1958) Skinner, B.F. (1966) What is the experimental analysis of behavior? Journal of Experimental Analysis of Behavior, 9, 213-218. Skinner, B. F. (1968). The technology of teaching. New York: Appleton-Century-Crofts. Skinner, B. F. (1969). Contingencies of Reinforcement: A Theoretical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts. Skinner, B.F. (1971). Beyond freedom and dignity. New York: Alfred A. Knopf. Skinner, B.F. (1973). Answers for my critics. Em H. Wheeler (Ed.), Beyond the punitive society (pp.256-266). San Francisco: Freeman.

Skinner, B.F. (1976). About behaviorism. New York: Vintage Books. (Originalmente publicado em 1974)

Skinner, B.F. (1978). The shaping of phylogenic behavior. Em Reflections on Behaviorism and Society (pp.163-170). Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall. Skinner, B.F. (1984a). Selection by consequences. Em A.C. Catania & S. Harnad (Orgs.), Canonical papers of B.F. Skinner (pp.477-481). The Behavioral and Brain Sciences, 7, 473-724. (Originalmente publicado em 1981).

Skinner, B.F. (1984b) The Evolution of Behavior. Journal of Experimental Analysis of Behavior, 41, 217-221.

Skinner, B.F. (1984c). Some consequences of selection. Em A.C. Catania & S. Harnad (Orgs.), Canonical papers of B.F. Skinner (pp.502-509). The Behavioral and Brain Sciences, 7, 473-724.

Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Columbus: Merrill Publishing Company.

Skinner, B.F. (1990). Can psychology be a science of mind? American Psychologist, 45, 1206-1210.

Smith, L.D. (1986). Behaviorism and logical positivism: A reassessment of the alliance. Stanford, CA: Stanford University Press.