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PONTIFICA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ANDRÉA CRISTINA SOUZA DE PAULA PROBLEMAS COMPORTAMENTAIS EM CÃES DE PASTOREIO CRIADOS EM CENTROS URBANOS

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PONTIFICA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ANDRÉA CRISTINA SOUZA DE PAULA

PROBLEMAS COMPORTAMENTAIS EM CÃES DE

PASTOREIO CRIADOS EM CENTROS URBANOS

CURITIBA

2012

1

ANDRÉA CRISTINA SOUZA DE PAULA

PROBLEMAS COMPORTAMENTAIS EM CÃES DE

PASTOREIO CRIADOS EM CENTROS URBANOS

Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Pós graduação da Pontífica Universidade Católica do Paraná – PUCPR Manejo Comportamental de Cães e Gatos.

Orientação: Professor Leonardo Nápoli

CURITIBA

2012

2

SUMÁRIO

Problema………………………………………………………………………………….…..6

Objetivo…………………………………………………………………………………….….7

Revisão Bibliográfica.............……………………………………………………………....8

Estudo de Caso……………………………………………………………………….....…16

Resultados e Discussão.............................................................................................23

Conclusão...................................................................................................................24

Referências Bibliográficas…………………………………………………………………25

3

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos houve um aumento significativo do número de cães nos

centros urbanos que são criados em apartamento ou ficam o dia todo em casa sem

a presença do dono.

As Cinco Liberdades compõem um instrumento reconhecido para o

diagnóstico de bem-estar animal. As ideias centrais foram lançadas pelo Relatório

Brambell (1965, p. 2836), e evoluíram para se expressar como (1) Liberdade de

sede, fome e má-nutrição, (2) Liberdade de dor, ferimentos e doença, (3) Liberdade

de desconforto, (4) Liberdade para expressar comportamento natural e (5) Liberdade

de medo e de estresse, pelo Conselho de Bem-Estar de Animais de Produção

(FAWC, 1992. Utilizando esses padrões como referencial de bem-estar, percebe-se

que o quarto e o quinto itens estão insatisfatórios em relação aos cães criados em

centros urbanos. Esse grupo de cães é frequentemente tratado e interpretado

como seres humanos intimamente inseridos no contexto de famílias humanas. O

tratamento humanizado é causa corriqueira de distúrbios de comportamento nesses

animais (Overal, 1997, p. 544). Sendo que os principais são ansiedade de

separação, compulsão, agressividade e medo.

Ao longo dos séculos, através da domesticação, o ser humano realizou uma

seleção artificial dos animais pelas suas aptidões, características físicas ou tipos de

comportamentos. O resultado foi uma grande variedade de raças que, atualmente,

são classificadas em diferentes grupos ou categorias. Essa relação homem-animal

produziu uma série de alterações comportamentais no cão e no gato, como resposta

à sua integração na sociedade humana (Reis, 2009). Os cães de pastoreio são

conhecidos pela sua inteligência e foco, porém os proprietários:

• Confundem que essa inteligência não quer dizer que o cão irá aprender e

obedecer tudo sozinho:

• Adquirem o animal sem se preocupar com o nível de atividade física e

“compulsão natural” por trabalho e;

4

• Colocam-no num ambiente restrito e muitas vezes urbano no qual não poderá

expressar o seu comportamento natural, predispondo-o às alterações

comportamentais citadas.

5

OBJETIVO

O objetivo deste trabalho é mostrar que a falta de atividade física e mental

dos cães de pastoreio criados em centros urbanos ocasiona problemas

comportamentais. Busca também conscientizar os atuais e futuros proprietários

dessas raças sobre seu comportamento natural, objetivando a melhoria do bem-

estar dos animais e das suas relações com os proprietários.

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

1- POPULAÇÃO CANINA

De acordo com a Associação Nacional de Fabricantes de Alimentos para

Animais (ANFAL Pet, 2012), o número de cães no Brasil é de 28,8 milhões. O

número coloca o Brasil como o segundo país com maior população de animais

domésticos, atrás somente dos Estados Unidos. Esse crescimento provavelmente é

resultado da mudança no comportamento humano, uma pesquisa recém-concluída

com 1 307 pessoas de oito metrópoles, idealizada por uma entidade do setor, a

Comissão Animais de Companhia (Comac) - fornece uma visão da intimidade dos

brasileiros com seus cães e gatos. Eles estão presentes em 44% dos lares das

classes A, B e C - e em lugares como Porto Alegre, Curitiba e Campinas já figuram

em mais de metade das casas. O novo status que cães e gatos estão assumindo

nos lares tem pelo menos duas razões sociais distintas. A primeira diz respeito ao

encolhimento das famílias. Hoje são raros os casais que optam por ter mais de um

ou dois filhos - o terceiro, que costuma desembarcar em casa quando esses já estão

mais crescidos, é quase sempre um cão ou gato. As famílias em que os filhos

adolescentes ou adultos ainda moram com os pais são aquelas em que a presença

dos bichos é mais forte. O segundo fator é o crescimento do contingente de pessoas

que vivem sozinhas nas grandes cidades e buscam um companheiro animal. Cães e

gatos têm chances menores de obter abrigo nos lares formados por casais com

filhos pequenos, nessa fase, as crianças monopolizam as atenções (Marthe, 2009).

A considerar o papel do cão na sociedade contemporânea, Lantzman (2004,

p. 21) ressalta que, com as grandes transformações ocorridas nos últimos cinquenta

anos, o cão adquiriu papel importante, sendo foco de fortes vínculos afetivos. O

autor diferencia a presença desse animal no campo – onde fica mais livre e distante

do vínculo familiar – e na vida urbana, caracterizada pela concentração na ocupação

de espaços. Com isso, houve uma diminuição no espaço de moradia, e um arranjo

na dinâmica e organização familiar. Como consequência, o cão está cada vez mais

próximo de sua família humana, tanto física, como emocionalmente.

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1- HUMANIZAÇÃO DE CÃES

Embora a herança genética dos animais seja o fator mais importante para

determinar o seu comportamento, observamos que, no caso de animais que

recebem um exagerado tratamento humanizado desde a fase de filhote e tem pouco

contato com outros de sua espécie, o ambiente passa a determinar seu modo de

reagir. Esses cães sofrem com essa perda de identidade, pois não se julgam cães

para conviver com os de sua espécie e não podem participar de todas as atividades

da vida de seu dono, afinal, eles não são “humanos” (Parissi, 2012). A causa do

problema é idealizar a relação e projetar no animal um comportamento que não é de

sua natureza.

Segundos Ades (2009), As mesmas contingências da vida contemporânea

que levam as pessoas a buscar uma proximidade maior com os animais também

agravam os problemas da convivência. A rotina de hoje faz com que muitos donos

não consigam lhes devotar o devido tempo e atenção. Em casos extremos, os cães

se tornam agressivos ou depressivos. Os mais angustiados pela ausência do dono

partem até para a automutilação.

2- BEM-ESTAR ANIMAL

Há consenso de que os animais domésticos, pelo fato de terem sido

domesticados e por serem criados em cativeiro e servindo de alguma maneira à

humanidade, merecem níveis mínimos de bem-estar (Fraser; Broom, 1990). Nos

países desenvolvidos, cresce a preocupação com o mau trato dos animais

domésticos em áreas urbanas e com o bem-estar dos animais utilizados para

pesquisa e produção. Embora de forma menos articulada, a população brasileira

também manifesta preocupação com o bem-estar animal (Pinheiro; Hötzel, 2000).

Broom (1991, p. 4176) sugere que bem-estar é uma qualidade inerente aos

animais e não uma condição dada pelo homem a estes. O bem-estar também se

refere ao estado de um indivíduo do ponto de vista de adaptação ao ambiente, ou

seja, refere-se ao quanto tem que ser feito pelo animal para conseguir adaptar-se ao

8

ambiente e ao grau de sucesso com que isso está acontecendo. Quanto ao

processo de adaptação ao ambiente, um animal pode-se encontrar em três

situações diferentes.

1. Se a adaptação é impossível, o animal poderá morrer ou ficar doente.

2. A adaptação também pode ser possível, mas representa um custo biológico

alto ao animal (estresse).

3. O animal pode estar em um ambiente onde a adaptação é possível e fácil,

neste caso o bem-estar é considerado satisfatório.

O bem-estar pode ser medido por métodos científicos e deve ser

independente de quaisquer considerações éticas, culturais ou religiosas. São usados

vários indicadores para aferir o bem-estar de um animal, como o dano físico, a dor, o

medo, o comportamento, a redução de defesas do sistema imunológico e a

incidência de doenças (Meneses, 1999, p. 180).

Embora o desenvolvimento da ciência do bem-estar animal venha

acontecendo de maneira rápida e intensa no contexto de animais de produção, a

pesquisa científica sobre o bem-estar de cães apresenta até o momento um

desenvolvimento mais tímido (Hubrecht, 2005, p. 179). A mesma afirmação é

verdadeira para o contexto de outras espécies mantidas como animais de

companhia. Adicionalmente, o tema bem-estar de animais de companhia apresenta

abordagens diferentes entre diferentes autores. Webster (2005) enfatiza a

importância das dificuldades e dos problemas comportamentais existentes a partir

da manutenção de cães, gatos, cavalos e coelhos como animais de companhia do

ser humano.

Textos mais específicos apontam para vários pontos críticos de bem-estar de

animais de companhia. Pontos críticos importantes de bem-estar de cães são o

desenvolvimento de raças apuradas, com suas questões anatômicas e de cirurgias

mutilantes, negligência e crueldade, cuidados excessivos e mal orientados, o uso de

cães como animais de trabalho e de laboratório e o descontrole de suas populações,

que significa a existência de cães errantes (Hubrecht, 2005, p. 179). Em vários

países, como no caso de Brasil, a questão do sofrimento de cães devido ao

desconhecimento ou à inobservância da guarda responsável torna-se central, pelo

número de animais envolvidos.

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As Cinco Liberdades compõem um instrumento reconhecido para o

diagnóstico de bem-estar animal. As ideias centrais foram lançadas pelo Relatório

Brambell (1965, p. 2836), e evoluíram para se expressar como (1) Liberdade de

sede, fome e má-nutrição, também chamada de Liberdade Nutricional (2) Liberdade

de dor, ferimentos e doença, também chamada de Liberdade Sanitária (3) Liberdade

de desconforto(4) Liberdade para expressar comportamento natural, ou chamada

de Liberdade Comportamental e (5) Liberdade de medo e distresse, ou Liberdade

psicológica, pelo Conselho de Bem-Estar de Animais de Produção (FAWC, 1992, p.

357). A Liberdade Nutricional inclui disponibilidade de alimentos e água em

quantidade e qualidade adequadas. A Liberdade Sanitária inclui ausência de

problemas de saúde tais como doença e ferimentos. A Liberdade Ambiental inclui a

adequação das instalações nas quais os animais são mantidos, tais como

adequação das superfícies de contato e espaço disponível.

A Liberdade Comportamental refere-se à comparação entre o comportamento

natural em ambiente similar àquele em que a espécie está sendo criada e o

comportamento possível sob as condições em análise. A Liberdade Psicológica

representa um aumento significativo da amplitude da Liberdade de medo e distresse.

Entretanto, alguns sentimentos negativos, tais como frustração e tédio, são

extremamente comuns em animais sob manejo intensivo e deveriam ser

considerados quando se diagnostica bem-estar através das Cinco Liberdades.

3- CÃES DE TRABALHO

Há muitos anos que os cães são parceiros dos homens em diversas funções, e

de acordo com a necessidade, intencionalmente ou ao acaso, surgiram raças com

aptidões físicas e mentais específicas para cada trabalho. A seleção de uma raça de

trabalho não pode ser feita estritamente com base no temperamento, e muito menos

pela estrutura ou estética, deve sim ser fundamentada no desempenho dos

indivíduos em trabalho (Macedo, 2012).

Muitas raças caninas resultam da seleção de características morfológicas e

psicológicas para o perfeito desempenho de determinados trabalhos. Conhecer

essas características nos ajuda a compreender melhor o cão que temos ou que

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pretendemos ter e, desse modo, oferecer a ele mais bem-estar e prevenir problemas

comportamentais (Rossi, 2006).

A maior parte das raças criadas hoje possui características físicas e

comportamentais únicas, as quais tem sido acentuadas a cada geração. Não há

razão para suspeitar que muitas outras características comportamentais (boas ou

más) não sejam herdáveis, pelo menos em alguma extensão. (Landsberg et al,

2005, p. 29).

Um cão de trabalho necessita ter vontade de trabalhar e instintos elevados para

poder cumprir a função para a qual a sua raça foi selecionada. Para estar apto a

desempenhar suas funções precisa dos seguintes aspectos, nas corretas

proporções: instinto de sobrevivência, instinto de presa, confiança elevada, alguma

dominância, agilidade, endurance e boa saúde (Paulo, 2012).

4- CÃES DE PASTOREIO

Cada vez mais os cães assumem um lugar de importância na vida do homem.

Os cães pastores e além de serem companheiros, colaboram no manejo dos

animais, tanto na pastagem como no curral de manejo, além de aumentar a

eficiência do trabalho ainda diminui significativamente custo de produção nas

propriedades pastoris. A eficiência destes cães depende de alguns fatores: uma boa

a implantação e o rebanho tem que estar acostumado com esta ferramenta, pois boa

parte de nossos rebanhos são traumatizado com ataque de cães lobos etc, tem

algumas metodologias simples que facilita e muito a implantação destes cães nas

propriedades. Outra coisa muito importante é a qualidade genética, 85% de um cão

de pastoreio esta dentro dele no seu DNA (Barros, 2009).

Segundo Landsberg et al (2005) já foram claramente demonstradas várias

características de comportamento herdadas em animais, incluindo a sofisticada

habilidade de arrebanhamento dos border collies.

Recentemente houve um aumento do interesse pelas raças caninas de pastoreio,

correspondendo a uma maior procura desses animais para companhia. Esta

situação é particularmente preocupante, dado que a seleção exercida sobre animais

destinados ao trabalho com rebanhos é diferente da pressão imposta em animais

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destinados à companhia de pessoas. De fato, estes são selecionados

fundamentalmente com base em padrões morfológicos e comportamentais por

vezes diferentes dos requeridos nos animais de trabalho, diferença essa que se

acentua se não houver cruzamentos entre animais oriundos de ambas as

populações. Paralelamente à problemática da manutenção do tipo racial nestas

populações caninas, coloca-se a questão da manutenção do efetivo das raças a

médio e longo prazo. Os critérios de seleção são por vezes antagónicos, o que leva

ao perigo de vir a desaparecer alguns comportamentos necessários ao desempenho

da função original (Monteiro, 2010, p.26).

5- PROBLEMAS COMPORTAMENTAIS

Muitos comportamentos indesejáveis refletem reais necessidades da espécie e

devem ser respeitados. No entanto, outros problemas precisam ser eliminados,

independente de serem naturais ou não. Às vezes algum comportamento incomoda

o proprietário, mas é natural para o cão. A maioria dos comportamentos possui uma

finalidade. Às vezes ela é obvia, outras não. Quanto melhor a percepção, maiores as

chances de recuperação do animal. Muitos problemas podem ser resolvidos

simplesmente através de atividades que substituam o comportamento indesejado e

que suprem as mesmas necessidades que geram o problema.

De acordo com Rossi (2007), antes de mudar algum comportamento, é

importante levar em consideração as necessidades e instintos naturais dos cães,

como por exemplo:

Cães são animais que costumam viver em matilhas e precisam muito de

companhia;

As matilhas são organizadas em uma hierarquia na qual o líder tem uma

série de privilégios e muitas responsabilidades;

Os cães precisam de contato com diferentes pessoas, animais, lugares e

situações para poderem ser equilibrados e autoconfiantes;

Os cães precisam dar vazão aos seus instintos. Precisam de atividades

que estimulem suas capacidades físicas e mentais;

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Cães possuem necessidades e linguagens corporais diferente dos seres

humanos.

Segundo Tausz (2002, p.16), todo comportamento animal está fundamentado

na lei da sobrevivência, que é regulada pelas três exigências fundamentais:

alimentação, autodefesa e a reprodução das espécies.

À medida que os animais crescem e se desenvolvem, os comportamentos

inatos e específicos começam a surgir e a serem afetados pela experiência (positiva,

negativa ou ausente). Os problemas comportamentais que surgem à medida em que

os cães crescem e se tornam adultos podem ser comportamentos normais que os

proprietários não conseguem controlar ou aceitar em razão de expectativas

inapropriadas, seu estilo de vida ou o ambiente do animal, podem surgir como

resultado de aprendizado ou condicionamento, ou podem ser causados por

situações de estresses, conflitos ou causadoras de frustação. Problemas

comportamentais que surgem em animais adultos não causados por problemas

médicos em geral se relacionam com alterações no ambiente do animal que levam à

ansiedade, conflito, frustação e novas consequências (Landsberg et al, 2005, p.236).

Landsberg et al (2005, p. 237) ainda afirma que alguns exemplos de

comportamentos normais, porém inaceitáveis, podem incluir proteção de objetos e

alimentos, agressão protetora em direção a visitantes no ambiente domestico,

escavação, mastigação e agressão intra-específica. Os comportamentos anormais

são os considerados disfuncionais. Estes podem se associar com ansiedade

extrema, estar fora de contexto ou inapropriados com relação aos estímulos ou

podem ser excessivos, desinibidos ou impulsivos. Esses tipos de problemas podem

ser causados por fatores herdados, efeito dos fatores endógenos e exógenos.

Distúrbios compulsivos, medo excessivo, pânico e fobias, agressão oriunda de

descontrole ou perda de inibição e déficits de aprendizado associados com

hiperatividade podem todos cair na categoria de comportamentos anormais.

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ESTUDO DE CASO

1. ALICE

Descrição do animal:

Raça: Australian Cattle Dog

Cor da pelagem: Blue Heeler

Adquirida em 10/07/2010

Sexo: Fêmea

Nascimento: 03/05/2010

Castrada: em 15/10/2010

Origem: Canil Cãotry Heeler

O animal foi selecionado e adquirido com 67 dias de vida, a seleção foi feita

entre 2 ninhadas do mesmo criador, onde foi escolhida a cadela menos medrosa,

com mais energia e menor porte.

O pai possui linhagem de trabalho e é bem socializado e dócil, a mãe também

possui linhagem de trabalho mas é bem arredia com estranhos e muito agitada.

Antes da aquisição há informações de que o tratador do canil batia nos

filhotes, assim, Alice teve muito trabalho na socialização com pessoas,

principalmente homens.

Informações sobre a família:

Desde a aquisição do animal a família é composta por apenas 1 pessoa, Andréa,

25 anos, zootecnista que atua na área de comportamento animal a 4 anos. Na casa

mora mais uma pessoa, a faxineira da casa está presente 1 vez por semana. A

cerca de quase um ano o cão também tem contato frequente com mais uma pessoa,

do sexo masculino, 27 anos, namorado da proprietária que tem contato com o

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animal em media de 5 vezes na semana, onde a convivência é normal e tranquila

para ambos os lados, o cão gosta muito dele e é reciproco.

Na época da aquisição do animal, este também convivia com outro cão na casa,

uma Cocker compulsiva e muito ansiosa e faleceu em dezembro de 2011 em

consequência de uma doença imunoimediata que afetou seu trato gastro-intestinal.

Quase todos os fins de semana há a presença de outros cães na casa que ficam

hospedados.

Treinamento

O cão começou a ser treinado desde o dia em que chegou ao novo lar, foi

utilizado a técnica de reforço positivo para educação básica e comandos, frustação,

contracondicionamento, dessensibilização de barulhos e pessoas, socialização com

pessoas, outros animais e diversos ambientes.

As respostas para os treinos sempre foram muito rápidas e eficazes, porém

alguns comportamentos como latir para cães nos portões, perseguir aves, skates e

patins são difíceis de serem trabalhados.

Ambiente e rotina do animal

O animal vive em uma casa de 160 metros quadrados, onde possui livre acesso

em todos os cômodos da casa, exceto o quarto da outra moradora. Este acesso só é

permitido quando a proprietária se encontra, pois o cão quando sozinho dentro de

casa manifesta comportamentos de destruição, assim, quando a proprietária sai de

casa, o cão fica em na área externa da residência, uma área de 60 metros

quadrados, onde está sua casinha, água a vontade, brinquedos e enriquecimento

ambiental.

Alice dorme na cama da proprietária, se alimenta através de enriquecimento

ambiental deixado pela proprietária todos os dias de manhã ao sair de casa e a

noite. Os passeios ocorrem em media de 3 horas por dia, quando a proprietária

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realiza aulas de socialização e passeio com seus clientes, frequenta day care 2

vezes por semana e brinca com a proprietária na hora do almoço e a noite.

Seus brinquedos favoritos são pelúcia, ossos de náilon, brinquedos com

enriquecimento alimentar e principalmente a bolinha.

Reações a pessoas e outros animais

Na casa a proprietária convive com mais uma garota com quem divide as

despesas, porém a convivência desta com o cão é indiferente para o animal pois ela

não gosta de cachorro e assim não mantem contato com o animal, este que por sua

vez não gosta da pessoa e também evita contato. Com a faxineira , o cão não gosta

dela, late e rosna por medo, essa é a terceira faxineira da casa e a associação

negativa se deu a um ano atrás quando a faxineira antiga ameaçou o cão com o

balde de limpeza, está sendo feita uma aproximação entre elas com petiscos e

dessensibilização dos baldes e vassouras.

A convivência com o namorado da proprietária é bastante harmônico, muitas

brincadeiras, carinho, passeio, limites quando necessário.

Com crianças a convivência não é boa. A proprietária não conseguiu socializa-la

muito bem e o primeiro contato que o cão teve com criança foi assustador, o que

influenciou no comportamento do cão em relação as crianças. O cão fica bastante

desconfiado, rosna e late por medo, mas ao mesmo tempo tem comportamentos de

pastoreio como morder a canela, fazer a criança sair correndo para que possa correr

atrás e quando alcança mordisca e faz bloqueio corporal até conseguir encurralar a

criança onde deseja, este comportamento de encurralar e tocar ela também tem com

outros animais, como pombos, cães mais submissos, gatos, ovelhas, bovinos e

cavalos.

A convivência com outros animais é muito tranquila, Alice sabe se comunicar

muito bem, percebe facilmente as reações de medo, brincadeira, dominância e

ansiedade dos outros cães, consegue coloca-los em seu devido lugar na matilha,

separar brigas, impor limites, começar e parar brincadeiras. Isso se deve a uma

ótima socialização tanto no canil, onde tinha contato com seus pais, irmãos e outras

ninhadas, como depois de ser adquirida pela proprietária, por frequentar day care,

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acompanhar treinamentos e receber hospedes caninos em casa. Porém possui um

comportamento bastante dominante em relação aos cães que tentam se impor a ela,

ou que ela percebe que está sendo o centro das atenções por parte da proprietária.

O mesmo acontecia quando havia a outra cachorrinha na casa, desde filhote Alice

tentava ocupar seu lugar, percebendo que o outro cão já estava debilitado e que

tinha muitas regalias e atenção por parte da proprietária, que só concedeu as

mordomias a Alice quando o outro cão faleceu.

Principais problemas comportamentais

Apesar de ser um cão bem controlado, receber atividades físicas diariamente,

limites, treinamento e carinho, Alice possui vários problemas de comportamento. O

principal deles é a ansiedade de separação de sua dona, tendo comportamentos de

destruição de objetos quando está não está em casa. Já foram feitos vários treinos

de ansiedade de separação e enriquecimento ambiental dentro da casa, porém não

obteve sucesso, Alice buscava objetos difíceis de se imaginar que iria alcançar,

como coisas dentro de armários, em cima de prateleiras altas e dentro de bolsas

fechadas. O confinamento dela fora de casa, com nenhum acesso a objetos que

possam causar perigo ao animal, mas muito enriquecimento ambiental foi

introduzido na rotina e tem uma ótima resposta, o animal gosta de ficar lá, vai

quando é mandado, só entra em casa quando permitido, se distrai quando está

sozinha com os enriquecimentos que variam todos os dias. A ansiedade de

separação em Hellers é muito comum, por ser uma raça de pastoreio o cão é muito

ligado ao seu condutor, e uma das principais características da raça é ser “sombra”

do proprietário.

Outro problema de comportamento encontrado em Alice é o pastoreio excessivo

de objetos e animais que se movem rapidamente, como patins, skates, patinetes,

bolas, aves, crianças e outros animais, até mesmo outros cães. Isso se deve pelo

fato dela ser um cão de raça de pastoreio e linhagem de trabalho. Exercícios físicos,

limites, contracondicionamento e o uso da coleira gentle leader tiveram efeitos

significativos nos treinos.

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O ultimo problema de comportamento que Alice apresenta é o receio com

crianças e algumas pessoas estranhas. Apesar de ter sido socializada

adequadamente, alguns fatores na fase de filhote contribuíram para que esses

comportamentos ocorressem. A dessensibilização e o contracondicionamento

associados a um aumento de atividade física e brincadeiras com bolas entre Alice e

essas pessoas ajudaram no problema.

2. SPOK

Informações sobre o animal:

Raça: Border Collie

Cor da pelagem: Preta e Branca

Adquirida em: 24/09/2011

Sexo: Macho

Nascimento: 17/07/2011

Castrado em: 28/05/2012

Origem: Fazenda do pai da proprietária

O animal foi selecionado e adquirido com 67 dias de vida, a seleção foi feita

com base fenotípica dos filhos da proprietária.

O pai possui linhagem de trabalho e é bem socializado e dócil, a mãe é ¾

Border Collie e ¼ Australian Catlle Dog.

Antes da aquisição da proprietária o cão ficou na casa dos pais delas por 2

semanas até ela levar para São Paulo e contratou o adestramento no dia

04/11/2011.

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Informações sobre a família:

A família é composta de 2 adultos, 1 homem e uma mulher, 2 crianças, meninos

de 10 e 5 anos, e a empregada que está na casa todos os dias exceto aos

domingos.

Treinamento

Spok começou a ser treinado com 4 meses de vida, onde a proprietária queria

obediência básica, reclamava de problemas de eliminação de filhotes, destruição de

objetos e passeio.

Foi utilizada a técnica de reforço positivo para ensinar os comandos e educação

básica, associada com punição positiva quando necessária. Limites,

contracondicionamento e socialização também foram feitas.

As respostas eram rápidas quando o treino era feito corretamente, os

proprietários não colocavam os limites necessários e eram bastante permissivos, o

que atrapalhou e atrasou o treinamento. Ao longo dos meses Spok foi se tornando

um cão dominante, teimoso e muito ativo.

Ambiente e rotina do animal

O animal vive em uma um apartamento de 90 metros quadrados, onde só tem

acesso a sala, cozinha e quarto das crianças, porém esse acesso só é permitido

quando há alguém em casa, quando o cão fica sozinho ele fica confinado na

varando ou área de serviço que possuem 5 metros quadrados cada cômodo.

Spock passa a noite toda na varanda, onde se encontra sua casinha, água a

vontade, alguns brinquedos e seu tapete higiênico. De manha é solto pelo

apartamento e brinca com as crianças até a hora do almoço, onde essas vão para a

escola e spok passa o resto do dia com a empregada. É preso na varanda das 17 as

18 e 30h quando seus donos voltam para casa e Spok é solto e brinca com a família.

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Nos finais de semana Spok tem atividades como ir a parques ou passar o fim de

semana no hotel da adestradora. Os treinos com a adestradora são feitos toda terça

feira as 10h e quem acompanha é a proprietária ou o filho mais velho.

Seus brinquedos favoritos são pelúcia, ossos de couro, brinquedos de madeira,

garrafa pet e outros brinquedos usados no enriquecimento ambiental.

O cão se alimenta de ração seca super-premium 2 vezes ao dia em vasilha e

come petiscos para cães nos enriquecimentos ambientais. Foi orientado para que

colocasse mais enriquecimento e que a ração fosse dada nesse momento, porém

não obtivemos aquisição desta sugestão por parte dos proprietários que diziam não

tem tempo para montar os enriquecimentos.

Reações a pessoas e outros animais

Com todo tipo de pessoa a relação é bastante tranquila, Spok foi bem socializado

com pessoas de todas as idades, sexo e características físicas.

Com outros animais Spok late bastante porém para chamar para brincar. É bem

socializado com outros cães, mas quando está na coleira possui instinto de proteção

a quem está guiando, esse instinto é em relação a outros cães e não a pessoas.

Principais problemas comportamentais

Por ser um cão bastante ativo e não conseguir gastar a energia necessária, Spok

foi apresentando problemas de ansiedade extrema e destruição, acompanhada de

ansiedade de separação, onde tinha comportamento de vocalização e acentuada

destruição de objetos. Quando confinado, destruía sua casinha, potes de agua e

comida, tapete higiênico, paredes e rodapés. Quando solto em casa pegava os

brinquedos das crianças, roupas sujas e objetos em cima de mesas e armários.

Após o treino de obediência e limites alguns comportamentos melhoraram, foi

sugerido também o aumento de atividade física com a contratação de passeador ou

day care, porém não foi obtido.

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A partir do sétimo mês de vida Spok começou com marcação urinária em

pessoas, outros animais e ambiente, após a castração esse problema foi eliminado.

Durante o passeio Spok puxava bastante a guia principalmente quando levado

por suas donos, latia muito para os cães na rua. O uso da coleira gentle leader

melhorou o passeio. O contracondicionamento para os latidos também funcionou

bem, mas não era realizado os exercícios por parte dos proprietários. O mesmo

acontecia com skates, patins e bicicletas no parque, além de crianças correndo, o

cão tinha comportamentos de pastoreio, cercava e direcionava para um lugar,

chegando a encurralar 5 crianças no quarto e não deixa-las sair.

Em julho de 2012 Spok foi passar férias na fazenda onde foi adquirido e não

voltou mais. Lá ele não apresenta problemas de comportamento aparente e ajuda na

lida com os animais da fazenda. A ansiedade diminuiu drasticamente junto com a

destruição de objetos e vocalização.

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RESULTADOS E DISCUSSÕES DOS CASOS

Nos dois casos podemos perceber que quando não há gasto de energia física

e mental, ambos os cães aumentam seus problemas de comportamento, tanto em

relação a ansiedade como em relação a destruição de objetos e necessidade de

pastoreio. Segundo Landsberg et al (2005, p. 342), em alguns casos, os membros

da família contribuem para o problema, ao proporcionarem objetos inapropriados

para o cão mastigar e não proporcionarem objetos apropriados suficientemente. A

mastigação é um comportamento normal em cães filhotes e adolescentes, que são

investigativos, têm muita energia e são mais brincalhões que adultos. Mastigação

inapropriada e destrutividade por parte de cães jovens podem sem resultado de

exploração, brincadeira, caça, fome e tentativas de fuga de um confinamento. Esses

comportamentos também podem ser causados por exercícios e estimulações

insuficientes.

Os latidos são um meio normal e natural de comunicação canina. Esse tipo de

vocalização pode ser observada em conjunto com caça, arrebanhamento, defesa

territorial, ansiedade, exibições de ameaça, medo, desconforto, busca de atenção,

comportamento de busca de cuidados e brincadeira (Landsberg et al 2005, 334).

O mesmo autor ainda afirma que no caso de puxões na guia para os dois

casos, aulas de obediência são muito uteis alinhada a uma coleira de treinamento

com guia ou um cabresto colocará o animal sob controle rapidamente.

Nos dois casos podemos observar que falhas no período de socialização se

refletem no comportamento de ambos os cães na fase adulta. Landsgerg et al (2005,

p. 318), coloca que o período de socialização de cão é uma fase importante para

seu desenvolvimento. Tudo o que acontece nesse período estabelece um padrão

geral que afetará em quase tudo na sua vida pois, no final desse período, o cão terá

formado padrões de resposta à principais influências em qualquer tipo de futura

existência. Como é no período de socialização que se estabelece relações sociais,

passa a ser essencial que os filhotes tenham contato com todos os futuros parceiros

sociais em potencial.

22

CONCLUSÃO

A partir deste trabalho é possível concluir que é de extrema importância a

pesquisa e conhecimento dos padrões comportamentais e necessidades de cada

raça. Famílias que se propõe a ter animais de pastoreio como companhia na maioria

das vezes se frustram com o comportamento desses cães, apesar de serem

bastante focados, possuem alta necessidade de gasto de energia, tanto física

quanto mental para que sua qualidade de vida seja melhor, que o cão seja menos

ansioso, não desenvolva desejos compulsivos de trabalhar e assim pastorear

objetos e animais em momentos inapropriados. Os donos devem estar consciente

de que um centro urbano como São Paulo, não há condições de ambiente natural,

que supra as necessidades de exercício e rotina favorável para um cão pastor,

assim este deve se conscientizar que seu cão precisa de formas altenativas de se

ocupar, como enriquecimentos ambientais adequados, caminhadas longas e

frequentes, day care ou outras alternativas de ocupar fisicamente e mentalmente o

cão, além de um treinamento de obediência com um profissional de qualidade.

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