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R. RA’E GA, Curitiba, n. 7, p. 95-110, 2003. Editora UFPR 95 IGREJA CATÓLICA ROMANA EM CURITIBA (PR): ESTRUTURAS DA TERRITORIALIDADE SOB O PLURALISMO RELIGIOSO Roman Catholic Church in Curitiba (PR): structures of territoriality under the religious pluralism Sylvio Fausto GIL FILHO * RESUMO Nas transformações do catolicismo brasileiro, o foco regional se relaciona com a análise da escala local e global como dimensões extremamente articuladas. Esta articulação ca- racteriza a Igreja local de Curitiba (PR) com uma territorialidade de duas instâncias, influenciadas por tensões escalares de caráter global próprias da hierarquia universal da Igreja e tensões regionais específicas da Igreja local. Afo- ra estas forças de caráter endógeno da estrutura eclesiásti- ca, verificam-se também tensões exógenas à própria Igreja, representadas por instituições não-católicas e mesmo insti- tuições seculares. O último quarto do século XX demonstrou uma crise da representação dominante da Igreja Católica Ro- mana no Brasil. A conjuntura secular das cidades e a retração no espírito missionário da Igreja motivaram o diagnóstico de uma certa estagnação do domínio simbólico da Igreja. Com efeito, o pluralismo religioso dos grandes centros urbanos cunhou uma nova realidade, baseada em um crescente questionamento do mito do Brasil católico. O crescimento de movimentos religiosos pentecostais e neopentecostais repre- sentou nas décadas de 1980 e 1990 um impacto considerá- vel na forma de a religiosidade popular fazer uma segunda identidade religiosa. Palavras-chave: Territorialidade católica, Igreja Católica em Curitiba. ABSTRACT In the transformation process of Brazilian Catholicism, the re- gional focus links with the analysis of the local and global scale as extremely articulated dimensions. This articulation characterizes the local Church of Curitiba (PR) with a territoriality of two instances, influenced by scale tensions of global character peculiar to the head of the universal hierarchy of the Church and regional tensions specific of the local Church. Beyond these forces of endogenous character of the ecclesiastical structure, we also verified exogenous tensions of the Church itself, represented by non-catholic institutions and even secular institutions. The last quarter of the 20 th century demonstrates a crisis of the dominant representation of the Roman Catholic Church in Brazil. The secular conjuncture of the cities and the retraction of the missionary spirit of the Church motivated the diagnosis of a certain stagnation of the symbolic domain of the Church. Moreover, the religious pluralism of the great urban centers coined a new reality, based on the growing questionableness of the myth of Catholic Brazil. The growth of pentecostal and neopentecostal religious movements represented in the decades of 1980 and 1990 a considerable impact on the way by which popular religiosity makes a second definition of the religious identity. Key words: Catholic territoriality, Catholic Church in Curitiba. * Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná, Mestre em Geografia UNESP, Doutor em História UFPR - E-mail: [email protected]

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R. RA’E GA, Curitiba, n. 7, p. 95-110, 2003. Editora UFPR 95

IGREJA CATÓLICA ROMANA EM CURITIBA (PR): ESTRUTURAS DATERRITORIALIDADE SOB O PLURALISMO RELIGIOSO

Roman Catholic Church in Curitiba (PR): structures ofterritoriality under the religious pluralism

Sylvio Fausto GIL FILHO *

RESUMO

Nas transformações do catolicismo brasileiro, o foco regionalse relaciona com a análise da escala local e global comodimensões extremamente articuladas. Esta articulação ca-racteriza a Igreja local de Curitiba (PR) com umaterritorialidade de duas instâncias, influenciadas por tensõesescalares de caráter global próprias da hierarquia universalda Igreja e tensões regionais específicas da Igreja local. Afo-ra estas forças de caráter endógeno da estrutura eclesiásti-ca, verificam-se também tensões exógenas à própria Igreja,representadas por instituições não-católicas e mesmo insti-tuições seculares. O último quarto do século XX demonstrouuma crise da representação dominante da Igreja Católica Ro-mana no Brasil. A conjuntura secular das cidades e a retraçãono espírito missionário da Igreja motivaram o diagnóstico deuma certa estagnação do domínio simbólico da Igreja. Comefeito, o pluralismo religioso dos grandes centros urbanoscunhou uma nova realidade, baseada em um crescentequestionamento do mito do Brasil católico. O crescimento demovimentos religiosos pentecostais e neopentecostais repre-sentou nas décadas de 1980 e 1990 um impacto considerá-vel na forma de a religiosidade popular fazer uma segundaidentidade religiosa.

Palavras-chave:

Territorialidade católica, Igreja Católica em Curitiba.

ABSTRACT

In the transformation process of Brazilian Catholicism, the re-gional focus links with the analysis of the local and global scaleas extremely articulated dimensions. This articulationcharacterizes the local Church of Curitiba (PR) with a territorialityof two instances, influenced by scale tensions of global characterpeculiar to the head of the universal hierarchy of the Churchand regional tensions specific of the local Church. Beyond theseforces of endogenous character of the ecclesiastical structure,we also verified exogenous tensions of the Church itself,represented by non-catholic institutions and even secularinstitutions. The last quarter of the 20

th century demonstrates a

crisis of the dominant representation of the Roman CatholicChurch in Brazil. The secular conjuncture of the cities and theretraction of the missionary spirit of the Church motivated thediagnosis of a certain stagnation of the symbolic domain of theChurch. Moreover, the religious pluralism of the great urbancenters coined a new reality, based on the growingquestionableness of the myth of Catholic Brazil. The growth ofpentecostal and neopentecostal religious movementsrepresented in the decades of 1980 and 1990 a considerableimpact on the way by which popular religiosity makes a seconddefinition of the religious identity.

Key words:

Catholic territoriality, Catholic Church in Curitiba.

* Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná, Mestre em Geografia UNESP, Doutor emHistória UFPR - E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

As relações hierárquicas da Igreja permitem in-ferir que o entendimento local e regional só se tornacompreensível na articulação com a escala mundo. Nocaso do Brasil, a Igreja Católica representa um caráterhegemônico. Neste sentido, a hegemonia católica tra-duz-se por uma dinâmica de poder reconhecida tam-bém por aquelas instituições que não fazem parte daestrutura de poder católica. Também se deve conside-rar que as políticas adotadas pela instituição hegemônicatêm influência nos grupos e instituições religiosas den-tro e fora de seu domínio direto, assim como muitasdessas ações podem ser assimiladas, no âmbito cultual,por grupos e instituições que vivem sob determinadaárea de influência da instituição hegemônica.

O conceito de hegemonia, no contextoinstitucional da religião, refere-se puramente a uma su-premacia cultural e regional diacronicamente delimita-da. De modo algum avança ao caráter da verdade reli-giosa ou mesmo teológica. Muito embora o discursocatólico exale este pressuposto, não há como admiti-lono âmbito das ciências humanas. O caráter hegemônicodo discurso católico é a base de sua construçãoinstitucional e de seu espaço de representação, e sobesta ótica é verificado. (GIL FILHO, 2001)

No âmbito regional e propriamente urbano as re-lações de poder que circulam na instituição Igreja Cató-lica moldam as características da territorialidade católi-ca e a quadra dos poderes temporal, simbólico, mítico ereligioso.

Sendo assim, a Igreja local sofre as tensões des-ta rede de poderes que em determinado contexto histó-rico lhe confere territorialidades específicas.

O catolicismo se faz plural na diversidade deterritorialidades que enseja, pois as formas como asIgrejas locais respondem e representam o discurso ca-tólico oficial são diversas. Esta diversidade está relacio-nada à inculturação do discurso oficial em uma socie-dade cosmorreligiosa presente nas grandes cidades. Aidentidade católica é uma leitura históricainstitucionalmente articulada do cristianismo. O quepode-se inferir do ser católico implica numa relação vi-tal com uma gama de referências simbólicas que cons-tituem a sua própria representação. Assim, ao afirmaresta identidade, o católico assume a corporeidade dareligião, o rito, a disciplina litúrgica, a diretriz moral e odogma. Todavia, assumir esta corporeidade implica naconstrução de uma representação social específica dareligião. A intensa fragmentação da praxis religiosa indi-vidual implica também na fortaleza da identidadeinstitucional unificadora (GIL FILHO, 2001). Tem-se, porassim dizer, uma representação do catolicismo

institucional oficial, e outra do catolicismo popular, ex-presso em diversas formas fragmentárias de religiosi-dade. Há uma articulação dialética entre estas duas for-mas que induz uma cultura católica historicamenteestruturada.

Neste contexto, parte-se da idéia da existênciade uma catolicidade cultural hegemônica, que como talrevela-se mais aparente em realidades urbanas.

TERRITORIALIDADE CATÓLICA EM FACE AOPLURALISMO RELIGIOSO

O Paraná revela uma proporção decrescente decatólicos a partir da década de 1950, sendo que estamobilidade populacional de relação de pertença religio-sa vai na direção das igrejas evangélicas, principalmenteas de tendência pentecostal e neopentecostal, a partirda década 1980. Cabe referendar a opção pela discus-são da proporcionalidade das diferentes denominaçõesreligiosas, visto que os números absolutos não expres-sam com nitidez o avanço evangélico, visto que o cres-cimento vegetativo do número de católicos batizados érelativamente auto-sustentável. A questão é a conver-são e a conseqüente mudança na identidade religiosa(gráfico 1).

Estas denominações religiosas, com base emORO (1996), representam uma série de Igrejas cristãsautônomas, parte do movimento pentecostal que origi-nou-se nos Estados Unidos em 1906 e é transladadopara o Brasil em 1910 sob forma da Congregação Cris-tã do Brasil, e em 1911 com a Assembléia de Deus. Nadécada de 1940, surgiu também a Igreja do EvangelhoQuadrangular. Estas denominações religiosaspentecostais clássicas apresentavam, até a década de1950, um avanço discreto, porém contínuo.

Configura-se uma territorialidade pentecostal clás-sica no Brasil em especial nas regiões metropolitanas,que de forma flexível e intensiva encontra pouco a pou-co colagem com o mundo mágico-religioso brasileiro.

Cabe ressaltar que: “a apreensão do territóriocomo categoria privilegiada de análise da religião en-cerra a possibilidade de uma conexão pertinente entreas estruturas dos sistemas simbólicos e as estruturasdo sistema territorial, o território é o objeto (restrição doespaço), o sistema territorial a lógica desse conjuntoestrutural e a territorialidade o atributo de determinadofato social onde o poder é imanente.” (GIL FILHO, 1999p. 116).

Define-se territorialidade do sagrado como sen-do a percepção das limitações imperativas do controlee gestão de determinados espaços sagrados por partede uma instituição religiosa.

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Entre as décadas de 1960 e 1980, o movimentopentecostal ganhou raízes brasileiras, representando umavanço significativo desta tendência religiosa que come-ça a pressionar a territorialidade católica hegemônica. Aexemplo da Igreja Universal do Reino de Deus e da Igre-ja Deus é Amor, configura-se um pentecostalismo dife-renciado do tradicional de base norte-americana, de maiorêxito proselitista, chamado de Neopentecostalismo.

A equação simples adotada pelo pentecostalismo,baseada na resposta mágica aos problemas materiaisdo cotidiano, no apelo emocional, na demonização doinsucesso econômico e pessoal, no resgate ao exorcis-mo, na demonstração do poder religioso e uso intensodos meios de comunicação em massa, expressa umanova dinâmica das relações de poder religioso no Brasil.

O impacto regional do embate entre umaterritorialidade católica conservadora e hierárquica comuma temporalidade de longa duração e umaterritorialidade pentecostal fragmentada, flexível, e com

uma temporalidade de curta duração se expressa naorganização espacial.

Curitiba é uma metrópole regional e destaca-sepela sua diversidade de influência imigrante, e apresen-ta peculiaridades na estruturação do espaço sagrado.Ao se caminhar pelas ruas centrais próximas ao Largoda Ordem e Praça Tiradentes, ou quando se observama Catedral e as Igrejas Reitoriais Católicas, a IgrejaPresbiteriana, a Mesquita Islâmica e a Sinagoga Judaica,tem-se a imagem da realidade religiosa plural. As insti-tuições religiosas tradicionais construíram seus templosbuscando a centralidade e a aspiração vertical. Segun-do TUAN (1980, p. 194-195): “A simbolização cósmicada cidade estava menos no plano do que na elevaçãoprogressiva e isolamento da parte mais sagrada: o con-junto do templo.” Os símbolos arquitetônicos detranscendência na China, por exemplo, tendiam à loca-lização central, que simbolizava altura. A própria estru-tura do templo utiliza-se freqüentemente de torres,

GRÁFICO 1 - PROPORÇÃO DA PERTENÇA RELIGIOSA NO PARANÁ (1950-2000)

FONTE: IBGE 1950-2000

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domos e obeliscos, que são símbolos verticais detranscen-dência.

Estes símbolos correspondem, no dizer deELIADE (1995), à realidade diferenciada do sagradocomo oposição ao profano. O homem percebe o sagra-do, pois ele é um ato de manifestação. O autor indica otermo hierofania,1 que corresponde à própria revelaçãode algo sagrado. O termo possui um quadro de referên-cia abrangente, pois tanto indica a sacralização de todoe qualquer objeto como também a manifestação doTranscendente pessoal. O sagrado impõe a assertivada manifestação de uma ordem diferente, uma lógicaque não pertence a este mundo. Esta diferençacontextualizada constitui o dilema pelo qual percebe-seo sagrado.

A configuração de diferentes territorialidades dosagrado imbricadas em um mesmo espaço geográficocompõe uma gama de tensões exógenas sobre aterritorialidade católica local.

A metrópole regional Curitiba, instituída a partir dadécada de 1970 pela regulamentação de sua região metro-politana, passa a apresentar um crescimento populacionalintenso. Segundo o IBGE (1980), a taxa geométrica de cres-cimento anual no período de 1970-1980 foi de 5,78%, o querepresentava o maior índice dentre as regiões metropolita-nas brasileiras. Esta dinâmica de crescimento, em parterepresentada pelo êxodo rural e a emigração de pequenascidades, demonstrou um ciclo de urbanização crescente econtínua. As transformações da realidade curitibana nesteperíodo são marcantes também na formação de umacultura metropolitana até então incipiente. Entre 1980 e1991, a taxa geométrica de crescimento anual diminuiupara 2,99%, ficando, porém, acima da média brasileira.

A cultura metropolitana de Curitiba conjuga umacultura religiosa tradicional de origem rural e uma cultu-ra religiosa urbana plural, pluralismo este expresso deum lado pela diversidade da cultura imigrante e de ou-tro pela articulação entre o plano local e o global.

GRÁFICO 2 - PROPORÇÃO DA PERTENÇA RELIGIOSA EM CURITIBA (1940-1991)

FONTE: IBGE 1940-1991

1 O uso do termo hierofania na perspectiva de ELIADE (1995) refere-se à manifestação do sagrado que enseja uma experiênciareligiosa primária por meio da revelação de uma realidade de caráter absoluto. A manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo.Uma derivação conceitual é o logismo hierópolis, especialmente referindo-se às Cidades-Santuários, a exemplo de Aparecida do Norte noBrasil.

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As territorialidades do sagrado que diacroni-camente se sobrepõem na realidade urbana, tambémse fracionam. A década de 1990 revela esta intensamultiplicidade de territorialidades do sagrado, todaviade modo mais flexível, mais efêmero e condicionado àsvicissitudes de curto prazo. Esta dinâmica de territoria-lidades revela a suscetibilidade de padrões religiososlocais que interagem com os globais, motivando novasrepresentações religiosas e, por conseguinte, novos es-paços de representação. Estes espaços se configurama partir da externalização simbólica de religiões diferen-tes em um mesmo contexto territorial. Esta articulaçãoentre o global e o local subverte as relações entre sím-bolos religiosos tradicionais e territórios específicos,estabelecendo novos códigos religiosos.

A composição da identidade religiosa em Curitiba(gráfico 2) reproduz uma tendência já verificada em ou-tras cidades brasileiras, destacando-se o avanço de igre-jas cristãs não-católicas, com relevância mais recentepara movimentos religiosos de caráter pentecostal, emrelação ao domínio católico. Conjugados nas duas ver-tentes do Pentecostalismo e Neopentecostalismo comseu proselitismo agressivo e o acesso aos meios decomunicação em massa, perfazem um quadro de curtaduração em Curitiba, para uma avaliação histórica maisprecisa. Representam uma temporalidade diferenciadaem relação à da Igreja Católica Romana, cujas atitudesinstitucionais expressam estratégias de manutenção einculturação religiosa de longa duração. A flexibilidadeda estruturação socioespacial das igrejas Pentecostaise Neopentecostais contrasta com a rigidez estrutural daespacialidade católica

Outro aspecto observado é a manutenção está-vel do Espiritismo Kardecista e de Religiões de matrizafricana, todavia com uma identidade mais definida,migrando de um vasto sincretismo para um sentimentode pertença específico. Finalmente, há o crescimentoproporcional do secularismo e expressões de ateísmoe agnosticismo.

ESTRUTURA DA TERRITORIALIDADE CATÓLICAEM CURITIBA (PR)

O período de 1970 a 1996 representa uma aco-modação por parte da estrutura da territorialidade cató-lica em Curitiba em relação às diretrizes do Vaticano IIvia interpretação da CNBB. Sob este aspecto, a dinâmi-ca da arquidiocese de Curitiba demonstra-se mais con-servadora, no sentido estrito de uma articulação a umconjunto de circunstâncias concretas pós-concílio pre-sentes na realidade brasileira. Trata-se de uma menta-lidade objetivada de circunstâncias regionais específi-

cas diante das recentes transformações do discurso daIgreja universal pós Concílio Vaticano II.

A Igreja hierárquica de Curitiba foi organizadaterritorialmente a partir da criação da diocese de Curitibaem 27 de abril de 1892. Sua criação pela bula AdUniversas Orbis Ecclesias de Leão XIII colocava a diocesecomo sufragânea da Sé Metropolitana do Rio de Janeiroe, de 1908 a 1926, da arquidiocese de São Paulo. O ter-ritório desta circunscrição eclesiástica compreendia a to-talidade dos estados do Paraná e Santa Catarina.

A condição de Arquidiocese estrutura-se a partirda bula Quum in Dies de Pio XI, em 10 de maio de 1926.As dioceses de Ponta Grossa e Jacarezinho e a Prelaziade Foz do Iguaçu formam juntamente com a Arquidiocesede Curitiba a Província Eclesiástica do Paraná. Em 9 dedezembro de 1933 foi criada a Prelazia de Palmas, eem fevereiro de 1956 as dioceses de Londrina e Maringáforam desmembradas da diocese de Jacarezinho.

A diocese, e depois arquidiocese de Curitiba noperíodo anterior ao impacto do Concílio Vaticano II, teveas seguintes administrações:

• de Dom José de Camargo Barros como bis-po de diocese de 1894 a 1904;

• de Dom Duarte Leopoldo e Silva como bis-po de diocese de 1904 a 1907;

• de Dom João Francisco Braga como bispode diocese de 1908 a 1926 e de 1926 a1935 já como primeiro arcebispo;

• de Dom Ático Eusébio da Rocha de 1936 a1950;

• de Dom Manuel da Silveira D’Elboux de1950 a 1970.

• Em 28 de fevereiro de 1971 assume o ar-cebispo atual Dom Pedro Antônio MarchettiFedalto.

Instituída a Diocese, depois Arquidiocese deCuritiba, houve uma progressiva vinda de ordens e con-gregações religiosas católicas para a região. O estabe-lecimento de ordens e congregações religiosas católi-cas constitui parte significativa da estruturação daterritorialidade católica local. As ordens e congregaçõesreligiosas, quarenta e nove masculinas e setenta e qua-tro femininas, constituem o quadro de referência da prá-tica institucional da Igreja em vários campos de ordemsocial e política. O símbolo marcante da atuação delasrevela-se tanto no trabalho efetivamente assistencialcomo, em especial, na área da educação.

A organização territorial da Igreja Católica noParaná apresenta a conformação recente a partir dofracionamento territorial da antiga Arquidiocese de

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Curitiba, com outras três Arquidioceses mais recentesformando uma nova divisão regional. Sendo assim, oParaná possui quatro províncias eclesiásticasestruturadas recentemente a partir da década de 1970,com a criação da província eclesiástica de Londrina, eem 1979 com as províncias eclesiásticas de Maringá eCascavel (figura 1).

As emancipações destas três províncias e a au-tonomia em relação ao metropolita representam umanova dinâmica de relações de poder no Paraná. A pre-sença da Igreja no estado revela políticas eclesiásticascom matizes diferentes. Novas territorialidades católi-cas se configuram nas décadas de 1980 e 1990.

Todavia, por mais que a leitura das diretrizes daCNBB possa variar de acordo com a circunscrição ecle-siástica, ela denota uma relação hierárquica dessasestruturas. A instância da CNBB se faz presente por meiodo comando da Regional Sul II, que corresponde aoParaná. O fortalecimento de uma identidade nacionalda Igreja a partir da CNBB representa o contramovimentoentre a autonomia da Igreja diocesana e a hierarquia daIgreja universal. Esta realidade passa a ser fundamen-tal na administração das tensões regionais e na manu-tenção de políticas escalares.

A arquidiocese de Curitiba está, sob o ponto devista administrativo da Cúria Metropolitana, dividida emparóquias consideradas como da capital, que inclui alémdo município de Curitiba, os municípios de Pinhais eColombo, e as paróquias do interior, que correspondemaos outros municípios da circunscrição eclesiástica. Tam-bém deve ser levado em conta que há uma diferençanas estatísticas quando se referem aos dados posterio-res a 1976, devido ao fato de que as paróquias dos muni-cípios de São Mateus do Sul, Antônio Olinto e São Joãodo Triunfo passaram para outra jurisdição diocesana coma criação da diocese de União da Vitória (figura 2).

O discurso de Dom Pedro Fedalto em sua homiliade posse em fevereiro de 1971 representava ainda acontinuidade dos paradigmas da Igreja Diocesana naadministração anterior de Dom Manuel da SilveiraD’Elboux. De certo modo as diretrizes do Vaticano II têmum impacto tardio na mentalidade conservadora deCuritiba no início da década de 1970.

A homilia expressa em um primeiro momento areafirmação de propósito, ou seja, a questão da legiti-midade e missão do Bispo diante de sua circunscriçãoeclesiástica.

Em um segundo momento do discurso, apresen-ta legitimidade concedida pela hierarquia que se expres-sa pela relação entre clero, leigos engajados e fiéis demodo geral. O bispo assume seu compromisso de ma-nutenção da identidade religiosa católica por meio da fédoutrinal e da prática sacramental. A fé sustentada no

fideicomisso da verdade religiosa coloca o bispo na con-dição de guia e justifica sua ação política e religiosa.

No terceiro momento do discurso, a ação do bis-po reverte-se em missão, como mestre, evangelizadore principalmente como depositário da verdade religiosae temporal. Quatro aspectos do discurso são sintomáti-cos na rede de relações históricas do momento:

(i) O papel da religião como ordenadora social,garantindo segurança e tranqüilidade.

(ii) O discurso do novo papel do laicato, umaemergência do Vaticano II. Todavia, sofreuavanços sob o ponto de vista da ação socialnos anos 1970-1980 e sofreu um refluxoconservador religioso no fim da década de1980 e nos anos de1990.

(iii) A crítica da flexibilização litúrgica e a amea-ça de dessacralização. Neste ponto houvea manutenção do rito e, por conseguinte,do controle sobre uma identidade católicaprojetada e institucional.

(iv) O ecumenismo sob a ótica católica, querevela uma posição hegemônica da Igrejaem relação a outras Igrejas cristãs, sendouma nova dinâmica de relações de poderentre a Igreja Católica Romana e as Igrejasnão-católicas.

“A eficácia das ações litúrgicas é dependente de ritossubmetidos a experiência e a renovação freqüentes.A eficácia depende somente de uma atençãoaprofundada da Palavra de Deus e ao ministério sa-grado, cuja presença é assegurada pela observaçãodos ritos da Igreja e não daqueles que o sacerdotefixa ao sabor de sua fantasia.” (Anuário da Cúria Me-tropolitana, 1971, p. 32)

O rito não é só a expressão de uma identidadecatólica institucional, mas também uma base de sus-tentação do poder eclesiástico. A pressão da mobilida-de de pertença religiosa em direção principalmente aIgrejas não-católicas, já identificada no início dos anos1970, o pluralismo religioso e o afrouxamento da disci-plina institucional da Igreja sentenciam a retomada dosfundamentos do catolicismo. Dentre as característicasque demonstram esta retração estão: a manutençãoexclusiva dos textos bíblicos como base de reflexão re-ligiosa; o cuidado com as vestes do sacerdócio e o re-forço ao seu caráter simbólico de identidade do clero; acondenação de certos desvios do rito, como por exem-plo a lembrança da proibição da leitura do evangelho noaltar por mulheres; e a advertência sobre a proliferaçãode casamentos mistos de católicos com não-católicos.

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FIGURA 1 – CIRCUNSCRIÇÃO ECLESIÁTICA DO PARANÁ (1926-2000)

FIGURA 2 – FRAGMENTAÇÃO TERRITORIAL DA ARQUIDIOCESE DE CURITIBA (1926-2000)

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A Igreja católica em Curitiba revela na adminis-tração de Dom Pedro M. Fedalto, entre outros aspec-tos, tendências já apontadas na escala nacional. Den-tre os elementos de controle institucional da Igreja, osacerdote ocupa o centro da gestão institucional na suarelação hierárquica. Os fiéis muitas vezes apresentam-se autônomos a ele no que tange à prática de sua religio-sidade, muito embora legitimem este poder.

Todavia, a Igreja tenta institucionalizar estas práti-cas e submetê-las ao rito romano. O clero tem papel fun-damental no exercício deste poder. A crise vocacional daIgreja revela-se quando se estabelece a relação entre onúmero de sacerdotes do clero secular e o número da-queles que se consideram católicos (gráfico 3).

O aumento do número da população de pertençacatólica em relação ao número do clero secular se apre-senta mais intenso na década de 1980-1990, e mantêmuma tendência constante até o fim dos anos 1990. En-tretanto, a extensão desta crise deve ser relativizada.Não se trata apenas de uma questão relativa ao clero

profissional, mas também de uma catolicidade tradicio-nal secularizada das classes médias urbanas pouco afei-tas ao engajamento religioso.

Sob esta percepção, o ser católico tradicional emum ambiente urbano é muito mais uma simples práticacultural sacramental fragmentada do que propriamenteuma ação religiosa comunitária. As tentativas de estrutu-ras comunais mais participativas, como as ComunidadesEclesiais de Base (CEBs), com seu auge na década de1980, sucumbiram ao retorno da prática religiosa paroqui-al. Submetidas ao pároco, as CEBs retomam a lógica daterritorialidade cristalizada da paróquia. A marginalizaçãoda teologia da libertação por parte da Santa Sé, quedesautorizou sua interpretação de mundo, pressionou umareordenação da política eclesiástica no Brasil. Até então,as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), muitoidentificadas com a representação da libertação, sofreramum solapamento de suas perspectivas mais imediatas. Areestruturação das CEBs submeteu suas ações novamentea uma lógica mais conservadora.

GRÁFICO 3 - RELAÇÃO ENTRE SACERDOTES SECULARES E POPULAÇÃO DE PERTENÇA CATÓLICA ROMANAEM CURITIBA (1973-1991)

FONTE: CÚRIA METROPOLITANA DE CURITIBA (1973-1991)

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A base de sustentação territorial da Igreja aindaé a paróquia. É nesta estrutura territorial que se realizaa Igreja e que as relações entre fiéis e o clero encon-tram sua consumação. É nesta dialética de atuação entrefiéis e clero que se configura a dinâmica social daterritorialidade católica local.

A arquidiocese de Curitiba apresentou um cres-cimento relativo no número do clero diocesano secularentre sessenta e cem sacerdotes, em quase trinta anos(gráfico 4). Se remete-se ao crescimento da população,verifica-se uma proporcionalidade negativa. Há de seressaltar que o número de católicos tem diminuído emrelação ao número de não-católicos; todavia, tem cres-cido em números absolutos por causa do crescimentovegetativo da população.

No caso de Curitiba, a Igreja relegou seu carátermissionário a um segundo plano. Sua ênfase na manu-tenção de uma territorialidade quase atávica revela-se

na cristalização da paróquia, muito mais como um mar-co cultural de catolicidade do que como um projeto deevangelização efetiva. É muito patente no discurso dasautoridades eclesiásticas a reconstrução da lógicamissionária da Igreja, muito mais no sentido de ensinaro catolicismo institucional ao catolicismo popular, coma intenção de uma reestruturação das práticas religio-sas e políticas.

Assim, a paróquia se apresenta mais como umaestrutura administrativa cartorial do que como foco mis-sionário e evangelizador. Este dilema é referendado porSTRAGLIOTTO apud LONDOÑO (1997, p. 253):

“A paróquia é realidade mais jurídica do que mistérica.Acabou sendo uma sociedade de batizados, conscien-tes ou não de sua fé, que vivem em certo território,com uma série de deveres ou obrigações, que nemsempre entendem e aceitam. Mas, em geral, sujei-tam-se a elas para conseguir certos benefícios ou para

GRÁFICO 4 - SACERDOTES DIOCESANOS SECULARES - ARQUIDIOCESE DE CURITIBA (1973-1999)

FONTE: CÚRIA METROPOLITANA DE CURITIBA (1973-1999)

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satisfazer necessidades. À frente da paróquia está,ou deveria estar, um padre que tem todo o poder dele-gado pelo bispo”

A permanência de uma catolicidade tradicionalreificada no senso comum, que se baseia na seleçãode exterioridades da prática religiosa que se impõe aosdemais, representa uma dualidade diante do fortaleci-mento da evangelização institucional da Igreja. A tradi-ção que de um lado faz a manutenção de uma religio-sidade hegemônica, de outro lado demonstra-se frágildiante de respostas imediatas aos renovados proble-mas do cotidiano. A territorialidade da paróquia é produ-to desta dualidade de representações. A paróquia é ex-pressão díspar do retorno à institucionalidade de longaduração e à estrutura mais flexível que representavamas CEBs.

Todavia, é na fragmentação territorial das paró-quias que reside a expansão da Igreja diocesana. Aparóquia é a estrutura de base da territorialidade católi-ca. Assim, reconhece-se que, diante do crescimento

vegetativo da população e da mobilidade da pertençareligiosa em Curitiba, as forças conjuntas do clero e fi-éis materializam-se na expansão do número de matri-zes de paróquias.

A estrutura do templo é o ícone da presençainstitucional da Igreja e expressão de seu controle noespaço. Trata-se do espaço de representação em quea monumentalidade do templo é um componenteindissociável da materialidade do sagrado e do poderda instituição religiosa. As matrizes das paróquias re-presentam uma rede de poder simbólico da religião.

Com a ressalva da fragmentação da Arquidiocesede Curitiba em 1976, a evolução da fragmentaçãoterritorial das paróquias representa um crescimentopouco significativo. Na realidade, verificou-se uma pre-sença cada vez maior do clero religioso na administra-ção das paróquias, devido à carência do clero secular.A expansão do número de paróquias sob administraçãode Dom Pedro M. Fedalto de 1970 a 1990 foi de 82 para131. Representa neste período de 20 anos um proces-so de fragmentação paroquial de 2,45 em média de

FONTE: CÚRIA METROPOLITANA 1973-1999

GRÁFICO 5 - FRAGMENTAÇÃO TERRITORIAL DAS PARÓQUIAS - ARQUIDIOCESE DE CURITIBA (1973-1999)

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novas paróquias por ano, pouco superior à administra-ção anterior, do período 1950-1970, que representavaum índice de 2,15 por ano. No entanto, se for conside-rado o incremento populacional de Curitiba e o aumen-to do número de paróquias, havia uma relação de16.153,8 habitantes por paróquia em 1950 e 11.858,9habitantes por paróquia em 1970, para uma relação16.641,2 habitantes por paróquia em 1990 e 17.706,6habitantes em 2000 por paróquia.2 Praticamente, a frag-mentação territorial das paróquias obedece a uma ten-dência de crescimento regular (gráfico 5). A consolida-ção deste perfil confirma o pressuposto da política demanutenção institucional da Igreja em Curitiba no quetange à rede de paróquias, marca de que os impactosdo crescimento populacional e a mobilidade religiosapara outras Igrejas e Religiões foram assimilados sim-bolicamente. Mesmo que a vitalidade e mobilização dosfiéis nas paróquias possam variar sensivelmente em

relação a Igrejas cristãs não-católicas que representamuma lógica de curta duração, ainda não demonstramfissuras na hegemonia católica em Curitiba.

O presente diagnóstico sobre expansão do nú-mero de paróquias em Curitiba revela muito mais umacompanhamento do processo de urbanização da ci-dade, sendo assim, a organização de paróquias obede-ce muito mais a uma interação de comunidades urba-nas e do local de culto do que propriamente a um caráterde expansão missionária.

Partindo do centro histórico de Curitiba, da PraçaTiradentes e Largo da Ordem, com a presença da Ca-tedral e as Igrejas Reitoriais, vê-se que estas obede-cem a uma expansão do número de matrizes, acompa-nhada da expansão da malha urbana. Não há um pro-cesso multiplicador, mas há a confirmação da ereçãode matrizes paroquiais a partir do estabelecimento decomunidades urbanas periféricas. Estes marcos da

2 Estatísticas presentes no documento mimeografado de síntese histórica da Igreja no Paraná e em Curitiba, da Cúria Metropolitanade Curitiba, 2000.

GRÁFICO 6 - PESSOAS ASSISTIDAS EM INSTITUIÇÕES DE CARIDADE CON-TROLADAS POR RELIGIOSOS CATÓLICOS NA ARQUIDIOCESEDE CURITIBA (1973-1999)

FONTE: CÚRIA METROPOLITANA DE CURITIBA, 1973-1999.

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FIGURA 3 – MATRIZES DE PARÓQUIAS DE CURITIBA (1668-1999)

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territorialidade católica apresentam uma expansão or-denada e pretérita, própria da situação de instituiçãoreligiosa hegemônica (figura 3).

A consolidação das estruturas da territorialidadecatólica em Curitiba remete-se muito mais à administra-ção de Dom Manuel da Silveira D’Elboux. (1950-1970). Aexpansão paroquial é uma faceta de sua política. Toda-via, a expansão da Universidade Católica, o apoio ao es-tabelecimento crescente de Colégios Católicos e o esta-belecimento de instituições de caridade significativas noperíodo reforçam a tese de que os marcos de controle epoder hierárquico da Igreja atingem o seu auge.

O período pós Vaticano II, sob administração deDom Pedro M. Fedalto, representa a manutenção da or-dem anteriormente edificada, com certa retração em algu-mas áreas de atuação da Igreja, como as instituições liga-das à ação social, principalmente na década de 1990.

Os dados coletados na Cúria Metropolitana de1973 a 1999 apresentam algumas discrepâncias interes-santes. Primeiramente, a diferença acentuada dos da-dos do início dos anos 1980, que coincide com a visita aCuritiba do papa João Paulo II. Depois, os dados do fimdos anos 1980, com o pico de pessoas assistidas pelasinstituições assistenciais em 1987 (gráfico 6). Reserva-das as possíveis mudanças de critérios dos relatórios,pode-se verificar a retração da década de 1990. Muitosdos estabelecimentos administrados por religiosos pas-saram para a administração leiga, sendo que para efeitoestatístico a atuação de religiosos foi computada, mes-mo em áreas fora do controle total da Igreja.

Na área assistencial, poucas instituições sob con-trole majoritário da Igreja Diocesana ainda permanecem,como o Pequeno Cotolengo do Paraná, Lar dos Meni-nos São Luiz, Casa dos Pobres São João Batista e oPatronato Santo Antônio.

Uma atenção em áreas mais rentáveis de atuaçãosocial é verificada. O controle de ordens religiosas so-bre patrimônios ligados à educação voltada às classesmédias urbanas e elites se manifesta sobre as estrutu-ras de instituições de ensino pago (gráfico 7).

De certo modo, a lógica educação-empresa re-vela circunstâncias próprias da ordem atual. Esta é adinâmica de um novo espaço de representação maissecular, mais afeita às escalas do capital e principal-mente a uma maior separação entre Estado e Igreja.

Esta tendência marcada está presente em váriasinstituições religiosas, não somente católicas. A ques-tão que se coloca neste caso é: até que ponto a atuaçãoeconômica das instituições religiosas pressupõe umdistanciamento do sagrado e uma secularização cres-cente?

Ao encontro desta questão podemos inferir queexiste uma autodefinição institucional no que diz respei-

to à sua atuação, à sua vontade, ao seu discurso e aosseus parâmetros de legitimação.

Por outro lado, há uma representação social cor-respondente à atuação de indivíduos num determinadomomento em determinado espaço geográfico. Esta rea-lidade liga-se a uma noção de totalidade e coerênciarepresentada pelo discurso do sagrado. Edifica-se, as-sim, a imagem de controle absoluto sobre o destino daação institucional.

A parceria e a iniciativa como empresa de váriasOrdens Religiosas Católicas no que diz respeito às ins-tituições de ensino referendaram uma nova fase gestadana década 1970 e que atingiu o auge na década de 1990.A Igreja em Curitiba, pouco a pouco, fica maisindiretamente ligada às instituições puramenteassistenciais e sociais, e mais diretamente ligada a áreasde atuação educacionais rentáveis. Na medida em quea iniciativa assistencial passa paulatinamente aosauspícios do Estado, constrói-se um novo arranjo derelação Igreja - Estado.

Este contexto recente demonstra um processode secularização da prática caritativa local. Todavia, estarealidade não representa uma saída da Igreja destecampo específico, mas uma ação mais indireta por meiodas pastorais sociais.

Existe uma diferença sutil entre a atividade pura-mente assistencial e as ações sociais. Conceitualmente,no presente ensaio, reconhece-se que a atividadeassistencial é base de uma atitude consagrada na prá-tica cristã; aponta uma justificação doutrinal, e comorepresentação possui também uma faceta institucional.Esta faceta revela-se a partir do controle e manutençãode organizações assistenciais de modo geral. Por outrolado, as ações sociais demonstram, em seu bojo, umcaráter mais atinente às transformações estruturais dasociedade. Sob este aspecto, o caráter político-tempo-ral destas ações se destaca.

Neste âmbito, não existe uma essência materialdos problemas sociais além de suas conseqüências. Asinjustiças sociais, sob esta ótica, são elas própriassignificante e significado, ou seja, a coleção das maze-las sociais representa a própria condição de injustiça.Embora superficial, esta assertiva é plenamente justifi-cável sob o prisma do assistencialismo.

Entretanto, a condição de injustiça social é muitomais ampla, pois podem-se setorizar seus elementos eavaliar suas conseqüências. Assim, as mazelas sociaisno dizer do mundo sacralizado não são sintomas supre-mos do fenômeno de injustiça social, mas se opõem àordem transcendente da moral religiosa. Quando a Igrejadesenvolve a sua ação social, esta legitima-se perante odiscurso religioso procurando confrontar a injustiça socialem bases da ordem transcendente da moral religiosa.

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Como estrutura da territorialidade católica, as ins-tituições assistenciais e educacionais configuram espa-ços de representação com nuanças diferenciadas. Asde caráter assistencial justificam o discurso religioso, eas de caráter educacional expressam parâmetros decontrole e manutenção do poder institucional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente ensaio partiu da percepção das trans-formações da hegemonia católica no Brasil, no que tan-ge a articulação com a escala local de Curitiba, pós-Concílio Vaticano II (1962-1965), a patir do discurso ofi-cial da Igreja e de suas formas de apropriação materiale simbólica na constituição de uma determinadaterritorialidade do sagrado.

A Igreja Católica Romana circunscrita pelos limi-tes estabelecidos pelo discurso institucional realiza a

manipulação da sua própria expressão concreta pormeio da ação dos atores sociais em sua representaçãode poder. O clero é a equipe articulada que mediante odiscurso religioso constitui um consenso operacional daexpressão religiosa da Igreja. A interação entre a hie-rarquia da Igreja e os crentes se dá de forma tácita apartir de uma convenção, mantida não só no rito comotambém no cotidiano.

Esta relação de poder se faz como representa-ção social e constitui a territorialidade católica. Estesaspectos são, portanto, o quadro de referência peculiarà dinâmica histórica que sustenta uma determinada teiade relações projetadas para o futuro

O tratamento das fontes relativas à Arquidiocesede Curitiba, com seu perfil tradicional, permitiu aobjetivação desta análise em relação às formas de apro-priação e prática dos discursos de outras instâncias depoder da Igreja Católica.

FONTE: CÚRIA METROPOLITANA DE CURITIBA, 1973-1999.

GRÁFICO 7 - INSTITUIÇÕES CONTROLADAS POR RELIGIOSOS NA ARQUIDIOCESE DE CURITIBA (1973-1999)

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As novas relações estabelecidas pouco a poucogalvanizam uma série de tensões endógenas eexógenas da Igreja, sendo a primeira no plano hierár-quico e regional, e a segunda, com maior propriedade,no plano dos limites do pluralismo religioso. Estes as-pectos constituem a base da territorialidade católica, poisdenotam uma gama de relações de poder político e sim-bólico da instituição Igreja.

Sob este contexto considera-se:(i) Na década de 1990, sob impacto da consoli-

dação do avanço neopentecostal, a posturada Igreja Católica caracteriza-se pela manu-tenção de seu poder simbólico e pela interven-ção no corpo dos crentes, refletidas no discur-so mais conservador da hierarquia da Igreja.

(ii) A fragmentação territorial da Igreja no Bra-sil pós-Concílio Vaticano II, a partir da mul-tiplicação das dioceses e paróquias demodo contraditório, evidenciou o esvazia-mento do poder regional dos bispos eexplicitou a escassez de sacerdotes.

(iii) A relativização, nos anos 1990, do mono-pólio do sagrado representado pelahegemonia do catolicismo no Brasil esta-belece uma situação de crise da identidadecatólica.

(iv) Em relação à Igreja local de Curitiba, a pa-róquia como estrutura de base daterritorialidade católica teve dificuldades emlibertar-se da sua imagem cartorial e poucoflexível. Nas décadas de 1970 e 1980, emdecorrência do surgimento das Comunida-des Eclesiais de Base, a paróquia experi-mentou certa vitalidade social, mas se re-traiu na década de 1990. No contexto do

impacto da pluralidade religiosa urbana, ahegemonia da Igreja foi relativizada e a es-trutura por demais cristalizada da paróquiasofreu certa paralisia.

(v) Na escala da Igreja Local de Curitiba, a es-cola como estrutura de base daterritorialidade católica representa umafaceta importante das relações de poder quea Igreja estabelece com a sociedade. Nasdécadas de 1980 e 1990, o processo desecularização do ensino e a transformaçãodeste em prática empresarial estabelece-ram um reordenamento da prática educa-cional católica.

(vi) O meio urbano no Brasil é o palco por ex-celência da diversidade de territorialidadesdo sagrado. No contexto local de Curitibahá uma multiplicidade de territorialidadeslocais sobrepostas, decorrente da mobilida-de da identidade religiosa e das disputasde domínio simbólico das diversas institui-ções religiosas.

O avanço pentecostal e neopentecostal em detri-mento da população católica se configura como umponto crítico. Os resultados preliminares do CensoDemográfico de 2000 sobre a relação de pertença reli-giosa no Brasil, divulgados recentemente pelo IBGE,indicam a consolidação das tendências transformadorasna territorialidade do sagrado que o contexto regional jádemonstrava. No Brasil, os católicos representam73,06% e os evangélicos 15,41%, sendo que dessesúltimos, 67,6 % são pentecostais e neopentecostais.

Neste sentido, a reestruturação da territorialidadecatólica é inexorável e abre perspectivas para análisesfuturas.

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