Upload
vobao
View
219
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
188
Fig. 194 - Esquema da planta da igreja da Misericór dia de Tavira, com a indicação da representação das obras de misericórdia
189
1. A fundação da Misericórdia de Tavira e a construção da igreja
A mais antiga referência que se conhece sobre a Misericórdia de Tavira é uma
escritura da Câmara desta cidade em que a mesma oferece à confraria meia légua de mato na
malhada da serra. Datado de 13 de Janeiro de 1499, este documento prova que a Misericórdia
se encontrava em funcionamento neste ano, razão pela qual Costa Goodolphim1, que viu e
divulgou a escritura, situa a instituição da confraria no ano anterior, ou seja, 1498. A única
questão é que o mesmo investigador não referiu onde se encontrava o documento, que não foi
ainda localizado. Em todo o caso, é comummente aceite esta data como a da fundação da
Misericórdia de Tavira2. Na verdade, ela estava a funcionar plenamente em 15053, conforme
se pode ler no Livro de Rendas e Privilégios do Hospital, de 16754. No entanto, e segundo
alguns autores, a instituição teria sido formada a partir da confraria de Santa Maria, que se
reconverteu em Misericórdia5.
A primeira sede da Misericórdia foi uma capela do Convento de São Francisco, onde
permaneceu pouco tempo, pois em 1505 mudou-se para as instalações do hospital do Espírito
Santo. A construção de uma igreja própria só veio a ser concretizada anos mais tarde. De
acordo com a documentação subsistente, em 1541 a
Mesa encarregou o mestre André Pilarte da
construção do novo templo, conferindo-lhe, em 1551,
a responsabilidade do remate a partir da arquitrave.
Admite-se que, em 1551 já a igreja estava terminada
e que o novo contrato para o portal foi um trabalho
suplementar pedido ao mestre. As restantes
dependências anexas que se conhecem, foram
concluídas, sensivelmente, na mesma altura.
Pilarte seguiu à risca os termos do contrato
para o remate do portal, onde eram especificados
todos os elementos que o mesmo deveria apresentar:
“(...) o remate da porta principal da igreja (será
1 José Cipriano da Costa GOODOLPHIM, As Misericórdias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1897, p. 206. 2 José Pedro PAIVA; Isabel dos Guimarães SÁ, Coord., Portugaliae Monumenta Misericordiarum, A Fundação das Misericórdias: o Reinado de D. Manuel I, vol. 3, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2004, p. 358. 3 Damião Augusto de Brito VASCONCELOS, Notícia Históricas de Tavira 1242/1840, Lisboa, Livraroa Lusitana, 1937, pp. 102-105 e 191-197. 4 Citado por Arnaldo Casimiro ANICA, O Hospital do Espírito Santo e a Santa Casa da Misericórdia de Tavira: da fundação à actualidade – notas, Tavira, Santa Casa da Misericórdia, 1983, p. 46. 5 Idem, ibidem, pp. 46-47 e anteriormente já afirmado por Damião Augusto de Brito VASCONCELOS, op. cit., pp. 102-105..
Fig. 195 - Portal da igreja
190
executado) com o seu feicho e cornija, e sobre as imagens em pedra dos Apostolos São Pedro e S.
Paulo, com 8 palmos de altura, e no meio a imagem de pedra de Nossa Senhora, coroada e coberta com
o seu manto e este aberto, e debaixo do manto ou onde couberem melhor cinco rogantes e por cima um
espelho de pedraria lavrada com moldura romana, tendo d’um lado as armas reais e do outro as armas
desta cidade, tendo por cima disto tudo um campanário com um sino que já então existia (...)”6.
O resultado final foi um portal-retábulo que revela uma interpretação muito própria da
tipologia e ornamentação clássica, que caracteriza muitas das suas obras, e onde se descobrem
referências platerescas da arte sevilhana e nórdicas7.
Quanto ao interior, André Pilarte concebeu, como em outras arquitecturas da sua
autoria, uma igreja de três naves de quatro tramos, separadas por arcaria de volta perfeita
assente sobre seis colunas de capitéis compósitos, decorados por motivos diferenciados entre
si. É mais alta a nave central, mas as três são
cobertas por abóbada de madeira. O último
tramo é mais elevado, correspondendo a um
transepto falso e à cabeceira, cuja parede
fundeira é ocupada por retábulos alinhados com
cada uma das naves. Acede-se a este espaço
através da escadaria central e de outras nas
extremidades, protegidas por balaustrada de
ferro.
Pilarte logrou conseguir um espaço unificado, de igreja salão, que não obedece à
tradicional orientação nascente-poente. Pelo contrário, a sua fachada encontra-se virada a Sul
e no eixo da rua que liga directamente a uma das portas de Tavira, facto que denota uma
evidente preocupação urbanística na implantação do templo e a intenção de conferir ao portal
um maior impacto.
2. Outras intervenções artísticas na igreja
Ao longo dos séculos, a igreja foi conhecendo uma série de intervenções que
imprimiram outras leituras ao espaço interno. Os fustes das colunas foram alterados em
16868. E, em 1722 assistiu-se à primeira grande campanha decorativa. Não se conhecem os
retábulos que anteriormente se encontravam na cabeceira, substituídos nesta data pelos três
6 Citado por Maria Helena Mendes PINTO e Victor Roberto Mendes PINTO, As Misericórdias do Algarve, Lisboa, Ministério da Saúde e Assistência, 1968, p. 99. 7 Vítor SERRÃO, História da Arte em Portugal - O Renascimento e o Maneirismo, Lisboa, Editorial Presença, 2002, p. 64. 8 Maria Helena Mendes PINTO e Victor Roberto Mendes PINTO, op. cit., 1968, p. 100.
Fig. 196 - Perspectiva do interior
191
que ainda hoje aí se conservam. Todos eles foram executados pelo entalhador de Tavira,
Manuel Abreu do Ó, a quem foi pago um total de 1820$000 réis9. O retábulo-mor, que exibe
as imagens de Nossa Senhora e Santa Isabel, foi objecto de alterações na década de 1740,
nomeadamente ao nível do remate, então acrescentado10. O retábulo do lado da Epístola,
dedicado a Nossa Senhora da Conceição, era idêntico ao do lado oposto, mas este foi alterado
em 1818 a expensas de um provedor que pretendia fechar o camarim a fim de proteger a
imagem de Nossa Senhora da Soledade, de grande a muito antiga devoção11.
Já em meados do século XVIII, mais concretamente, em 1754, e antecedendo o
revestimento azulejar, abriram-se as janelas laterais, envoltas por molduras de remate em
frontão de cortina, substituindo as anteriores frestas que pouco iluminavam o interior do
templo12.
A tribuna dos mesários, do lado do Evangelho, remonta ao início do século XIX,
obstruindo uma das portas de comunicação para o exterior. Por fim, o coro, junto à cabeceira
do lado da Epístola é uma obra mandada executar em 1835, para colocar um órgão,
desalojando o púlpito que transitou para uma das colunas13.
9 Francisco LAMEIRA, A Talha no Algarve durante o Antigo Regime, Faro, Câmara Municipal de Faro, 2000, p. 197. 10 Idem, Itinerário do Barroco no Algarve, Faro, Secretaria de Estado da Cultura - Delegação Regional do Sul, 1988, p. 95. 11 Maria Helena Mendes PINTO e Victor Roberto Mendes PINTO, op. cit.,1968, p. 101. 12 Idem, bidem, p. 100, nota 14. 13 Idem, bidem, p. 100, notas 15 e 16.
Fig. 197, 198 e 199 - Altar do lado do Evangelho, altar-mor e altar do la do da Epístola
192
Fig. 200 - Cartela com o ano
3. A encomenda dos azulejos
A data da execução deste vasto conjunto de painéis cerâmicos
encontra-se pintada junto ao altar de Nossa Senhora da Conceição:
ANNO DE 1760. A documentação referente à sua encomenda foi
divulgada por Maria Helena e Victor Roberto Mendes Pinto, mas uma
pesquisa mais atenta aos Livros de Receita e Despesa da Misericórdia
de Tavira permitiu localizar outros pagamentos que ajudam a
caracterizar esta obra.
Os pagamentos iniciaram-se em 1758-5914, prolongando-se até
1764. Era então provedor J. Leal da Gama de Athaíde. As primeiras
despesas relacionadas com os azulejos prendem-se com o dinheiro
enviado para Lisboa que, de acordo com o que é referido em outras entradas, era dado a um
Jozé Victorino, que o remetia para a capital15. Uma das mais interessantes referências, do ano
de 1758-59, é a que diz respeito ao montante gasto “Com cartas de guia, e custo do risco e di /
nheiro para o azulejo”16, pois indica o valor cobrado pela concepção do plano geral dos
azulejos. Já no ano seguinte, fica-se a saber que o dinheiro recebido das tumbas foi aplicado
no financiamento da obra do azulejo17.
A seguir às despesas com a encomenda, surgem os gastos com a aplicação dos
azulejos, que vão destes os materiais empregues, ao transporte e ao pagamento ao azulejador:
com a cal, com a areia, com o frete de cinquenta e três caixotes, com o carro e mariolas que
os carretarão, com a condução do azulejador, com o carpinteiro, como o que se deu mais a
Jozé Victorino da importância do azulejo, com o mestre azulejador por 32 e ½ dias de
trabalho18, com o resto que se devia a Jozé Victorino de azulejo em q vay incluido o juro da
Ordem 3ª que ficou na sua mão19, com os últimos azulejos que se encomendaram para o
lugar da Meza e mais faltas20.
Infelizmente, não se sabe quem era este Jozé Victorino que surge envolvido de forma
tão intensa nos pagamentos dos azulejos, o mesmo acontecendo em relação ao nome do
14 ASCMT, Livro de Receitas e Despesas 1758-59, fl. 37. Documento Inédito. 15 Ibidem. 16 Ibidem, fl. 37v.. Documento Inédito. 17 ASCMT, Livro de Receitas e Despesas 1759-60 e 1760-61, fl.44. Documento Inédito. 18 ASCMT, Livro de Receitas e Despesas dos Anos de 1759-60 e 1760-61, fl. 45 v., citado por Maria Helena Mendes PINTO e Victor Roberto Mendes PINTO, op. cit., 1968, p. 117, nota 26 e acrescentado por nós. 19 ASCMT, Livro de Receitas e Despesas dos Anos de 1759-60 e 1760-61, fl. 53, citado por idem, ibidem, p. 117, nota 26. 20 ASCMT, Livro de Receitas e Despesas dos Anos de 1763-64, fl. 67 v., citado por idem, ibidem, p. 117, nota 26.
193
azulejador que nem é sequer mencionado. Apenas se compreendem determinados pormenores
relativos à encomenda e à montagem dos painéis que, em todo o caso, não divergem de outros
casos já estudados. Recentemente, José Meco21 incluiu este conjunto azulejar no acervo
pictórico de Domingos de Almeida, um mestre lisboeta que esteve em Faro a substituir parte
da abóbada da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, obra de António de Oliveira
Bernardes de 1718-19 e que havia ruído parcialmente com o Terramoto de 175522. Ao mesmo
pintor foi também atribuído o revestimento da igreja da Misericórdia de Arraiolos, pelo que,
dada a diferença entre ambos os conjuntos, parece difícil atribuir a obra de Tavira a este
pintor, ou vice-versa.
Quanto às fontes gráficas utilizadas, estas conheceram, ao que tudo indicam, grande
fortuna na segunda metade do século XVIII, pois os modelos representados em Tavira são
muito semelhantes a outros painéis coevos, e tiveram origem na mesma gravura23. Em todo o
caso, o pintor não deveria ser muito experiente, pois os quadros denotam uma grande dureza
no tratamento das figuras e respectivos panejamentos, a que se reúnem inúmeras dificuldades
de perspectiva. Trata-se, pois, apesar do aparato cénico, de uma execução sumária, inspirada
em modelos gravados bastante divulgados e comuns a outras Misericórdias, muito longe do
virtuosismo e qualidade interpretativa dos conjuntos das primeiras décadas da centúria.
4. Painéis de azulejo com a representação das obras de misericórdia
Encontram-se representadas na nave da
igreja as catorze obras de misericórdia, as
espirituais, mais valorizadas e por isso mesmo do
lado do Evangelho e as corporais do lado da
Epístola. São numeradas e identificadas por
legenda, pois os painéis figurativos não aludem a
episódios bíblicos, representando, pelo contrário,
cenas do quotidiano. Ainda que a personagem
principal de todos eles recorde a iconografia com
que Cristo é habitualmente caracterizado. Ambos os ciclos têm início na parede fundeira da
21 José MECO, “Os azulejos do antigo Colégio de Jesus, dos Meninos Órfãos”, O Colégio dos Meninos Órfãos da Mouraria, Lisboa, Comissariado Geral das Comemorações do V Centenário do Nascimento de S. Francisco Xavier (1506-2006), 2005; idem, “Azulejos na cidade de Faro”, Monumentos, n.º 24, Lisboa, DGEMN, 2006, pp. 64-71. 22 Francisco LAMEIRA, A Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, opúsculo, Câmara Municipal de Faro, 1992. 23 Vide vol. 1, parte II, cap. 1, quadro 5.
Fig. 201 - Perspectiva dos azulejos do lado do Evangelho
194
nave, com as duas primeiras obras espirituais e corporais de cada um dos lados da porta de
entrada, depois de um painel reduzido enquadrando arquitectonicamente o portal. Os restantes
cinco painéis prolongam-se pelas paredes laterais, coincidindo o seu término, com o segundo
tramo.
Uma vez que todos os quadros estão numerados, é fácil reconhecer o seu enunciado,
que surge, pelo menos, nos seguintes textos: Memorial dos Pecados, de Garcia de Resende,
com data de 152124, Manual de Confessores e Penitentes, de um anónimo franciscano datada
de 154925, Doutrina christam ordenada a maneira de dialogo, pera ensinar os mininos, pello
P. Marcos Jorge ...26, escrita em 1561, o Baculo Pastoral de Flores e Exemplos da autoria de
Francisco Saraiva de Souza27, de 1624, na Excellencias da Misericordia e Fructos de
Esmolla, de frei Luís da Apresentação, com data de 162528, e a Alma instruída na doutrina e
vida christã, do padre Manuel Fernandes29, de 1699. O próprio enunciado escrito nos painéis
é coincidente com os textos mesmo que isso implique não
corresponder ao registo visual, como acontece relativamente
a remir os cativos: o que este quadro ilustra é visitar os
presos, que se encontram enunciados na legenda referente
aos doentes mas não representados. Ao mesmo tempo,
observa-se um paralelismo entre ambos os panos murários,
pois à primeira obra espiritual corresponde a primeira
corporal e assim sucessivamente.
Cada quadro é envolto por uma moldura de
concheados assimétricos, rococó, com pilastras laterais
encimadas por vasos. Estas, em perspectiva, convergem para
a pintura central. No remate inferior, surge uma cartela com
a identificação da obra representada e, superiormente, outra
24 Garcia de RESENDE, Memorial dos Pecados, 1521 25 Anónimo franciscano, Manual de Confessores e Penitentes, 1549, 26 Marcos JORGE, S.J. ; Inácio MARTINS, 1531-1598, S.J., co-autor; Doutrina christam ordenada a maneira de dialogo, pera ensinar os mininos, pello P. Marcos Jorge ... Acrecentada pello Padre Ignacio Martins... De novo emendada, & acrecentada de hu a Ladaynha de N. Senhora, Lisboa, na officina de Joam da Costa, 1561, pp. 104-105. 27 Francisco Saraiva de SOUZA, Baculo Pastoral de Flores e Exemplos, colhidos de varia & authentica historia espiritual sobre a Doutrina Christã, utilissimo para todo o Christão, que procurar salvar-se, e instruir seus filhos com bons exemplos, 1624. 28 Luís da APRESENTAÇÃO, frei, Excellencias da Misericordia e Fructos de Esmolla composta pello P. Fr. Luis da Presentação lente de Theologia Moral da Ordem de Nossa Senhora do Carmo da Provincia de Portugal, natural de Mertola, s.l., Gerardo da Vinha, 1625. 29 Manoel FERNANDES, Alma instruída na doutrina e vida christã, tomo III, Lisboa, na Oficina de Miguel Deslandes, 1699, p. 795.
Fig. 202 - Dar bom conselho
195
cartela coroa uma composição de volutas e elementos vegetalistas, muito recortada. Esta
cartela interrompe uma cornija e, ao centro, o querubim eleva a linha do remate, que desenha
um arco. No seu interior, exibe um símbolo, diferente em cada um dos painéis.
A primeira obra do lado do Evangelho, indica que esta série corresponde às obras
espirituais: as espirituaes / 1 / Dar bom conselho. Dois homens estão sentados junto à porta
de um edifício apenas parcialmente representado, sobre um fundo de paisagem com uma casa
baixa e outra em torre. O da esquerda aponta um dedo ao da
direita, como se este, de vestes mais cuidadas, aconselhasse o
outro. Note-se a aproximação à habitual iconografia que
caracteriza Cristo. A cartela exibe uma estrela de muitas
pontas. A estrela é símbolo da luz, do favor divino, e da
própria divindade, constituindo também uma das litanias da
Virgem, a Stella Maris. Segue-se, ainda na parede fundeira, a 2
/ ensinar ignor / antes. Num banco junto a uma casa, um
homem de barbas (cuja iconografia recorda a figura de Jesus),
recebe duas crianças e uma outra que se aproxima, ao colo da
mãe. Ao fundo, atrás de um arco, pode observar-se uma casa.
São estes os ignorantes a ensinar, tal como se verificava em Arraiolos ou no Paço de Cardido?
A cartela superior é idêntica à anterior.
No pano lateral, A 3 / consolar os tristes, decorre
num cenário que não é nem exterior nem interior. Na
verdade, as paredes atrás da cama onde está o doente
sugerem um espaço interno, mas o leito está situado já
num plano externo, onde pontua vegetação e uma ou
outra casa, ao fundo. Observa-se um homem deitado que
se ergue à chegada de dois indivíduos, o primeiro dos
quais, também semelhante a Cristo, ergue a mão num
gesto de benção. Junto ao enfermo, outros dois homens,
de chapéus ou turbantes, e uma criança ajoelhada aos pés
da cama. Neste caso, é o doente acamado quem necessita
de consolo. Na cartela, uma âncora simboliza a
esperança, a estabilidade e a tranquilidade ou, num
sentido mais cristão, a Salvação e a verdadeira Fé.
Fig. 203 - Ensinar os ignorantes
Fig. 204 - Consolar os tristes
196
A 4 / castigar os q errão revela um mestre escola a
castigar os seus alunos por terem errado, muito possivelmente,
algum exercício. No espaço entre duas casas, e sentado num
estrado junto à da esquerda, cujas janelas são gradeadas, um
homem de barbas segura um objecto com a ponta em forma de
círculo, enquanto agarra a mão de uma criança, preparando-se
para lhe bater. Junto ao estrado estão mais duas crianças e uma
mulher, de toucado. A cartela apresenta uma bandeira, que pode
ser entendida enquanto símbolo da vitória sobre o pecado e a
morte. Associada ao Cordeiro de Deus, simboliza a vitória sobre
a morte através do martírio de Cristo. Por sua vez, Cristo também
carrega uma bandeira aquando da descida do Céu, depois da
Ressurreição e antes da Ascensão.
Um cenário um pouco mais complexo, com a porta de um edifício em primeiro plano
mas com um complexo conjunto de imóveis como pano de fundo, onde se destaca uma ponte
de arcos de volta perfeita ligada a uma torre baixa e ameada, serve de palco A 5 / Perdoar as
injurias. Três homens de pé, com vestes cuidadas e turbantes,
recebem quatro figuras masculinas que se ajoelham juntando as
mãos sobre o peito, numa atitude que sugere um pedido de
perdão. A perspectiva revela algumas dificuldades, flagrantes na
figura de joelhos, ao centro, cuja
face e corpo se confundem com
o que se encontra à sua
esquerda. Na cartela, uma
espada, símbolo da justiça,
poder, autoridade, vigilância e,
na simbologia cristã, relacionada
com o martírio.
Num cenário marcado pela presença de um arco de
volta perfeita, apoiado sobre pilastras, e fechada por uma
cortina, uma mulher com as mãos sobre o peito, encontra-se
no centro das atenções de dois grupos de homens. Parece
encontrar-se numa situação de inferioridade, como se tivesse
Fig. 205 - Castigar os que erram
Fig. - 206 - Perdoar as injúrias
Fig. 207 - Sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo
197
cometido uma acção reprovável, e estivesse a ser julgada pelas
figuras masculinas em seu redor. A obra em questão é A 6 /
Sofrer com paciencia / as fraquezas de nossos / proximos. O
grupo da esquerda, com duas figuras de pé, olham para a figura
feminina central e, no da direita, um homem sentado de braços
cruzados, para quem a mulher se dirige, está numa atitude
expectativa, enquanto um outro permanece de pé, atrás. Estes
dois últimos, embora se encostem a um edifício, têm por fundo
um cenário de paisagem. Na cartela, uma palmeira como
símbolo de martírio e de imortalidade: Jesus entrou em
Jerusalém com uma folha de palmeira; o martírio, ao triunfar
sobre a morte, vence o pecado.
Por fim, A 7 / Rogar a deos pelos / uiuos e defuntos.
Dois homens ajoelhados rezam junto a um altar, onde apenas
se encontra um crucifixo, ladeado por duas velas, e uma caveira. Mais atrás, num outro plano,
uma figura masculina está sentada a ler. O fundo é composto por um cenário arquitectónico
complexo e pouco verosímil, onde se destaca uma cúpula. A cartela exibe um cedro, símbolo
de majestade, nobreza, e incorruptibilidade, é também atributo de Cristo.
Do lado da Epístola, repete-se a indicação de que o ciclo
trata as obras corporais: as corporaes / 1 / Dar de comer aos / q
hão fome. Num cenário entre o
arquitectónico e o natural, um
homem toma a sua refeição numa
mesa farta. Está sentado numa
cadeira de desenho cuidado, e a
mulher de pé, mexe num prato
enquanto estende a outra mão para
a figura masculina. Do lado oposto
aproxima-se um jovem com uma
travessa, e um homem de vestes
largas. Quem serão os que têm
fome? Muito possivelmente os
dois homens, um já sentado a comer e outro que se aproxima,
Fig. 208 - Rogar a Deus pelos vivos e defuntos
Fig. 209 - Dar de comer aos que têm fome
Fig. 210 - Dar de beber aos que têm sede
198
ainda que o gesto da mulher possa indiciar tratar-se do seu marido, acolhendo ambos o
desconhecido que chega. A cartela repete a estrela do lado oposto.
Um homem de barbas sentado num banco na soleira de uma porta, recebe um cálice
trazido por um jovem, que segura um jarro com a outra mão. Representa A 2 / dar de beber
aos q / hão sede. Atrás, oculta-se, parcialmente, uma figura
masculina. O edifício é de linhas depuradas e vãos rectos, mas o
pavimento em losango revela muitas dificuldades na perspectiva.
O fundo abre-se a uma paisagem arborizada. A cartela exibe
novamente a estrela.
A 3 / vestir os nus, mostra duas mulheres e um homem,
de trajes requintados, que se aproximam de um outro, sentado
num monte de palha, e seminu, a quem é estendido o que parece
ser um rolo de pano. Mais atrás, uma outra figura transporta uma
capa. A cena decorre junto a uma porta de verga recta, cujo
edifício não é identificável, abrindo-se o restante espaço a uma
paisagem arborizada, onde pontuam algumas casas de telhados
pontiagudos. Nota-se aqui a superioridade das posições de quem dá e quem recebe. Na cartela
figura novamente uma espada, ainda que de um modelo diferente da do lado oposto.
Dentro de uma casa,
mas aberta à paisagem exterior
onde se observam ramos de
árvores e várias casas, uma
doente encontra-se recostada
no seu leito, com dossel. É a A
4 / visitar os enfermos / e
encarcerados. Em primeiro
plano, uma mulher sentada no
chão, bebe algo. Do outro lado
da cama, duas outras mulheres
observam a doente, junto a
uma mesa com jarros e um
crucifixo. Uma figura masculina espreita atrás de um pilar. A
mulher mais próxima da doente parece fazê-la ingerir algo
Fig. 211 - Vestir os nus
Fig. 212 - Visitar os enfermos e encarcerados
Fig. 213 - Dar pousada aos peregrinos
199
através de um tubo, mas não é o desenho é difícil. Na cartela, um cacho de uvas, que
expressa a relação de Deus com os homens.
Segue-se A 5 / Dar pousada aos / peregrinos. Na soleira da porta de uma casa, dois
homens e uma mulher, bastante bem vestidos, recebem um peregrino de Santiago,
reconhecível pela vieira do seu manto e pelo bordão. Ao fundo, a paisagem é atravessada por
um muro aberto por portal em arco de volta perfeita e encimado por frontão triangular, atrás
do qual se observa uma casa de telhado pontiagudo. Na cartela figura um cordeiro sobre o
que parecem ser andas funerárias.
A 6 / remir os catiuos ilustra o interior de uma prisão, onde se
encontram dois homens acorrentados e sentados, sendo que o da
direita recebe a visita de um casal. Junto à porta aberta, outro
homem, talvez o guarda, e num prego da parede as chaves
penduradas. Apesar do enunciado referir remir os cativos o que na
realidade se representa é visitar os presos. O símbolo da cartela são
três moios de um cereal, talvez trigo ou centeio.
A última obra, A 7 / interrar
os mortos, passa-se junto à porta de
um edifício, onde um padre abençoa o
defunto que é colocado na sepultura,
aberta no chão, por dois homens. À
frente desta, uma caveira que recorda
a efemeridade da vida, e um sacho
com o qual se acabou de abrir a cova.
Atrás do oficiante, um ajudante segura uma cruz. Assistem à
cerimónia dois homens e uma figura feminina. Atrás observa-
se uma paisagem com árvores e casas. Na cartela surge
novamente um moio de trigo ou centeio.
Sobre a
porta principal, e
a estabelecer a relação entre as espirituais e as
corporais, a cartela exibe uma representação de
Cristo com o cordeiro aos ombros, ou seja, o
Bom Pastor, em que o cordeiro simboliza o
pecado, a ovelha que estava perdida e que foi resgatada.
Fig. 214 - Remir os cativos
Fig. 215 - Enterrar os mortos
Fig. 216 - Bom pastor
200
5. Um programa não identificado na nave
Admite-se que o terceiro tramo da nave, onde já não existem painéis com obras de
misericórdia, tenha sido também revestido por quadros de esquema semelhante aos
anteriores.
Do lado da
Epístola, e sobre a porta
lateral, a cartela exibe
Nossa Senhora com o
Menino Salvador do
Mundo. Infelizmente, o
coro veio danificar e
prejudicar a leitura do painel seguinte, onde apenas se
identifica uma figura sentada a abrir uma caixa ou um baú.
Na cartela inferior, a estrela de muitas pontas e, na cartela ao
nível do coro,
um jarro.
Apesar do coro remontar a 1835, a porta que
lhe permite o acesso exibe, no lintel, a data de
1693, pintada a dourado. Entre a nave e a
capela-mor, paralelo aos degraus, novo painel
figurativo, alusivo à Última Ceia. Numa mesa
comprida, onze apóstolos reúnem-se em torno
de Jesus. O cenário é uma sucessão de arcadas. Em cima da
mesa, há uma faca, um prato, um copo, um pão... Jesus olha
ameaçadoramente para o discípulo mais próximo, que se
afasta com a mão sobre o peito. Na cartela inferior uma
esfera e, na superior, um cálice.
Do lado do Evangelho, e logo após a sétima obra, a
porta lateral, entaipada e com quatro degraus, é enquadrada
pelo revestimento cerâmico, e coroada por cartela com
Cristo Salvador do Mundo, envolto pelos panejamentos das suas vestes, a abençoar com a
mão direita (os dedos não estão apontados) e a segurar o globo terrestre, encimado pela cruz,
com a outra. Parte dos azulejos que deveriam enquadrar a porta estão cortados, e o restante
Fig. 217 - Nossa Senhora e o Menino Salvador do Mundo
Fig. 219 - Última Ceia
Fig. 220 - Cristo Salvador do Mundo
Fig. 218 - Painel não identificado
201
pano murário foi ocupado pelo cadeiral dos mesários, que data do início do século XIX. Crê-
se que, neste período, os azulejos que aí se encontravam, e que faziam paralelo com os que,
apesar de danificados, se conservam junto ao coro, foram removidos para facilitar a colocação
do cadeiral. Interrompeu-se, assim, a linha contínua de azulejos que se observa do lado oposto
e que tem seguimento na cabeceira. É mesmo possível que formassem um único programa,
dedicado, como indica o painel da nave do lado da Epístola e os outros dois da cabeceira, à
vida de Cristo. Esta nova temática tinha a separá-la das obras de misericórdia Cristo Salvador
do Mundo, em pequeno com a Sua Mãe e sozinho, já adulto.
Por fim, no supedâneo da capela-mor, a enquadrar a escadaria central, encontram-se
vasos ou ramos de flores inscritas em cartela de enrolamentos vegetalistas.
6. A continuação do programa cristológico na cabeceira
Ao início das escadas de acesso à cabeceira do templo, do
lado do Evangelho, uma porta fingida em azulejo procura criar uma
ideia de simetria em relação à porta que se abre, efectivamente, do
lado oposto. Os azulejos aqui presentes utilizam já o manganês,
com o objectivo de imitar de forma mais verosímil a porta. Na
cartela que se lhe sobrepõe figura o Cordeiro de Deus com a
bandeira, símbolo de Cristo.
Segue-se um quadro com um
enquadramento lateral semelhante
aos painéis da nave, mas com
cartelas superior e inferior distintas.
Ilustra o lava-pés. O cenário é construído por partes de
diferentes edifícios, entre os quais se destaca o fundeiro,
ameado e aberto por uma porta de verga recta, encimada por
frontão semicircular e ladeada por duas janelas. Em primeiro
plano, os discípulos amontoam-se do lado direito do painel,
deixando o restante espaço para a figura de Jesus, de joelhos
sobre a bacia, a lavar os pés ao primeiro dos apóstolos. Do
lado oposto, surge parcialmente representado um outro
apóstolo, com uma mão a apontar para a cena que se desenrola
perante os seus olhos. A cartela superior exibe uma bacia lava-pés, directamente relacionada
com a representação.
Fig. 221 - Porta fingida do lado do Evangelho
Fig. 222 - Lava-pés
202
Símbolo da humildade demonstrada por Jesus após a Última Ceia, é particularmente
significativo para as Misericórdias, que conservaram a simbologia deste episódio, ao realizá-
lo na Quinta-Feira Santa, dia em que o Provedor lava os pés as doze pobres.
A enquadrar os retábulos colaterais e o retábulo-mor observam-se mais azulejos, com
elementos arquitectónicos em perspectiva, realçando o estreito quadro central onde figura
uma árvore – um cedro ou uma palmeira. Nas extremidades, uma cartela remata a porta,
exibindo um ramo de oliveira. Do lado do Evangelho alguns destes azulejos apresentam uma
coloração diferente, pois substituíram os originais. Acontece que do lado da Epístola é nesta
cartela que se encontra a indicação do ano de 1760. Poderia
figurar deste lado a assinatura do pintor, substituída pelo ramo
de oliveira? É difícil perceber, uma vez que no azul original se
vislumbram as extremidades de um ramo.
Do lado da Epístola, a porta sacristia é encimada por
uma cartela com a representação de uma píxide. Quanto ao
último painel, representa o episódio da mulher pecadora que
lava os pés a Jesus. Em casa do fariseu Simão, que havia
convidado Jesus para comer consigo, surge uma mulher
pecadora, que lava os pés de Jesus com as suas lágrimas,
secando-os com os seus cabelos. Simão quer explicar a Jesus
que espécie de mulher é aquela, mas Jesus responde-lhe que o
seu amor fez com que os pecados lhe fossem perdoados, o que
provocou a interrogação e espanto dos restantes convivas. O
painel exibe quatro figuras em torno da mesa, e a mulher a
lavar os pés de Jesus. Na cartela, uma palmeira.
7. Para uma leitura orientada do programa azulejar da Misericórdia de Tavira
A nave da igreja encontra-se revestida com uma série de silhares de azulejos de remate
recortado que, com a sua capacidade reflectora, imprimem aos panos murários uma dinâmica
que abrange a totalidade do espaço, organizando-se, simultaneamente, de acordo com um
programa iconográfico pré-estabelecido, cujos objectivos apesar de muito precisos não
deixam de possibilitar diversos níveis de leitura, conformes ao eruditismo de quem os
contempla.
Fig. 223 - Mulher pecadora que lava os pés a Jesus
203
Muito embora se admita que o programa original se encontre incompleto desde a
colocação do cadeiral dos mesários e do coro, no início do século XIX, o conjunto que ainda
hoje se observa permite concluir sobre a coexistência de duas grandes temáticas: as obras de
misericórdia, que ocupam os primeiros dois tramos da nave, e as cenas da vida de Cristo, no
espaço restante e cabeceira. Todos os painéis são encimados por cartelas onde se exibem
diversos símbolos, na sua grande maioria de dimensão cristológica. É certo que a estrela,
isolada, é habitualmente associada à Virgem e às suas litânias – Stella Maris - , mas a verdade
é que ela representa, também, o nascimento de Jesus, guiando os Reis Magos até ao local
deste acontecimento (Mt 2, 2). É o motivo mais repetido, na parede fundeira da nave, uma vez
que nas restantes cartelas os emblemas são quase sempre distintos e passíveis de remeter para
Cristo. Assim, à temática da vida de Cristo presente no segundo programa azulejar, vinculam-
se os símbolos que, sem relação directa com as obras de misericórdia ilustradas nos painéis,
aludem à dimensão cristológica da misericórdia, isto é, à ideia do nascimento e morte de
Cristo para Salvação do Homem como exemplo maior de Misericórdia.
Os restantes símbolos corroboram esta leitura, uma vez que, sobre a porta principal se
exibe o Bom Pastor, que mais não é do que a expressão da vitória sobre o pecado e sobre a
morte. Por outro lado, a separar as figurações das obras de misericórdia das cenas da vida de
Cristo encontram-se duas imagens relativas a Cristo Salvador do Mundo - uma enquanto
Menino ao colo da Virgem e outra sozinho, já adulto. A primeira figuração pode ser entendida
à luz do culto pela infância de Jesus, então muito popular, mas a verdade é que a separação
entre os dois grandes programas é marcada exactamente pela imagem de Cristo enquanto
Salvador do Mundo, ideia que se procura expressar nos símbolos das cartelas e nos painéis da
cabeceira, onde os temas se relacionam com a Última Ceia e com o perdão dos pecados.
Não é de excluir, no entanto, a presença pontual, simbólica e figurativa, da Virgem,
numa dinâmica habitual na iconografia das Misericórdias que oscilam entre uma via mariana
e outra cristológica, sendo que em Tavira a superioridade da última é por demais evidente.
Assim, a uma leitura imediata relativa às obras de misericórdia, bem identificadas
pela sua designação e numeração, sobrepõe-se um nível de aprofundamento da mensagem que
pode e deve ser entendida na sua totalidade, convergindo para a ideia da Salvação e da
eternidade, preparada em vida com as boas práticas das obras.
Por outro lado, e como ficou expresso, a disposição dos painéis relativos às obras de
misericórdia obedecem aos três textos citados, mas a sua leitura não é circular como noutros
templos. Pelo contrário, observa-se uma complementaridade e paralelismo entre ambos os
alçados da nave, com as espirituais do lado do Evangelho, por serem consideradas superiores
204
em relação às corporais, do lado da Epístola, mas com a numeração a par. Manteve-se a
mesma lógica na cabeceira, com as duas representações de Cristo Salvador do Mundo e,
depois, com as duas imagens relativas ao Lava-pés – primeiro a pecadora e depois o próprio
Jesus, em atitudes de profunda humildade.
Se nos casos em que houve uma selecção das obras de misericórdia a representar é
difícil estabelecer ligações entre estas e as práticas das confrarias, quando surgem as catorze
obras na totalidade, a relação entre estas e as actividades desenvolvidas pelas Misericórdias
que as patrocinaram é praticamente impossível de estabelecer. No caso de Tavira, conhecem-
se algumas das suas prioridades30. O enterro dos mortos era uma das principais actividades da
confraria, tal como a questão dos enfermos e os encarcerados que os mordomos especialmente
eleitos para o efeito visitavam em casa e na prisão (dispunha para tal de dois mordomos e dois
visitadores), oferecendo ainda aos últimos jantar aos Domingos e na Páscoa e pagando a
caução de alguns. Não há notícia de que tenha remido cativos, porque o único caso que se
conhece data de 1807, mas dava cartas de guia aos peregrinos. Na Páscoa, no Natal e quando
necessário, oferecia esmolas aos mais desfavorecidos.
Tal como nas restantes confrarias, os principais rendimentos da Misericórdia de Tavira
eram oriundos dos foros e juros dos legados, das taxas cobradas pela utilização da tumba (de
valor pouco significativo mas com o qual se pagou uma parte dos azulejos), e pelos
peditórios31. Quanto às despesas, estas incidiam sobre os compromissos inerentes aos legados
(registando-se uma redução em 1733), a conservação do património, ou a cobrança das
receitas32. Um dos legados mais importante era o de Manuel Nobre Canelas, de 1674, que
estabelecia, para além da celebração das missas, o compromisso de distribuir anualmente
quatro dotes, trigo e pão amassado aos pobres e presos33.
A Misericórdia regia-se pelo Compromisso de Lisboa de 1618, onde não figurava já o
enunciado das obras de misericórdia, mas estas continuavam, ainda no final de Setecentos, a
ser uma importante referência, pois constituíam condição fundamental na admissão à
confraria34.
30 Cfr. Arnaldo Casimiro ANICA, op. cit., 1983, pp. 55-56. 31 Idem, ibidem, pp. 51-52. 32 Idem, ibidem, pp. 52-53. 33 Idem, ibidem, p. 53. 34 Idem, ibidem, p. 48.