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Diretor Paulo Moisés Nerbas Professores Acir Raymann, Ely Prieto, Gei-sonLuís Linden. Leopoldo Heimann, Norberto Heine (CAAPP), Orlando N. Ott, Paulo Gerhai-dPietzsch, Paulo Moisés Nei-bas,Vilsori Scholz. Professores eméritos Ai-naldo J. Schinidt, . Donaldo Scliuelcr, Joharines H. Rottinann Q, Martim C. Warth IGREJA LUTERANA ISSN 0103-779X Revista semestral de Teologia publicada em junho a novembro pela Faculdade de Tcologia do Seininiírio Concórdia, da Igrcja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), SãoLcopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. Conselho Editorial Acii- Raymann (editor),Vilson Scholz Assistência Administrativa Janisse M. Schindlcr A Revista Igreja Li~ter~írl~r está indexada ein Hibliogrcrfic~ Bíl?lic~í Lcrtiiio-Alliel-icatlcr - 01d Estntlretlt Ahstt-trcts . Os originais dos artigos ser50 devolvidos quando acompanhados de envelope com endereço e selado. C---- / Solicita-sepermuta \ I We request exchange I \Wir erbitten Austausch , ---A Correspondência Revista IGRE J A1,UTERANA Seininário Concórdia Caixa Poshl202 93.00 1-970 - São Leopoldo, RS H

IGREJA LUTERANA - seminarioconcordia.com.br€¦ · pregnava. Surpresos e fascinados os alunos de exegese aguardavam o desfecho, que vinha depois de um longo silêncio, um leve rubor

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Diretor Paulo Moisés Nerbas

Professores Acir Raymann, Ely Prieto, Gei-son Luís Linden. Leopoldo Heimann, Norberto Heine (CAAPP), Orlando N. Ott, Paulo Gerhai-d Pietzsch,

Paulo Moisés Nei-bas, Vilsori Scholz. Professores eméritos

Ai-naldo J. Schinidt, . Donaldo Scliuelcr, Joharines H. Rottinann Q, Martim C. Warth

IGREJA LUTERANA ISSN 0103-779X

Revista semestral de Teologia publicada em junho a novembro pela Faculdade de Tcologia do Seininiírio Concórdia, da Igrcja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), SãoLcopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho Editorial Acii- Raymann (editor), Vilson Scholz

Assistência Administrativa Janisse M. Schindlcr

A Revista Igreja Li~ter~írl~r está indexada ein Hibliogrcrfic~ Bíl?lic~í Lcrtiiio-Alliel-icatlcr - 01d Estntlretlt Ahstt-trcts .

Os originais dos artigos ser50 devolvidos quando acompanhados de envelope com endereço e selado.

C - - - -

/ Solicita-se permuta \

I We request exchange I \Wir erbitten Austausch , - - - A

Correspondência Revista IGRE J A 1,UTERANA

Seininário Concórdia Caixa Poshl202

93.00 1-970 - São Leopoldo, RS H

Igreja Luterana

Volume 60 - Novembro 2000 - Número 2

EDITORIAIS Fórum. ........................................................................................................ 143

.............................................................................................. In Memoriam 1 45

ARTIGOS Princípios Bíblicos de Evangelismo

................................................................................................... Ely Prietu 1 49

Fundamentos Teológicos da Música Sacra Paulo Gerhard Pietzsch .............................................................................. 1 59

A Exortação de Lutero à Santa Ceia: Retórica a Serviço da Ética Cristã

..................................................................................... Clóvis Jair Prunzel 1 73

Lmos Manual do conforto - para pessoas angustiadas e doentes Por Johann Gerhardt

................................................................................................... Ely Prieto 3 10

A Igreja hoje - organizada a partir de seus objetivos Por Erni Walter Seibert

................................................................................................... Ely Prieto 3 12

Igreja Luterana - No 2 - 2000

Quando Teófilo quis saber mais acerca das verdades em que tinha sido instruído, Lucas escreveu urrl livro. Subentende-se que Teófilo era alfabe- tizado. Agora, que teria acontecido se Teófilo não soubesse ler? Poderia Lucas ter escrito um Evangelho? Talvez sim, talvez não.

Hoje existem multidões na situação de Teófilo, e outros tantos que gostaríamos que estivessem lá. São cristãos recém-convertidos e gente que nunca ouviu falar de Cristo. A diferença é que não podem ler. Quando o movimento das sociedades bíblicas foi iniciado, no começo do século XIX, a população do mundo era de 900 milhões. Hoje temos 1.8 bilhão de pesso- as que não sabem ler. Como fazer a Bíblia chegar até eles?

Para a maioria de nós, a Bl'blia é e continuará sendo um livro. Para os que não foram alfabetizados, para os funcionalmente analfabetos, e para a grande massa de gente que vive a "nova oralidade" (onde impera o som do rádio e o audiovisual da TV), a Bíblia não poderá mais ser apenas um livro.

Como fazer a Bíblia chegar até eles? Uma resposta é a Bi'blia em áudio. O programa A Fé Vem Pelo Ouvir é um exemplo. Outra opção, bem mais interessante, sofisticada e cara, é transpor a Bi'blia para o vídeo. Isto levanta uma série de perguntas: É possível traduzir de um meio (no caso, a Bíblia como livro) para outro meio (no caso, o vídeo)? O que é exatamente esta "linguagem" do vídeo? Será que tudo que podemos fazer é encenar as histórias bi'blicas? E como ficam os textos que não podem ser encenados?

Já tem gente se debruçando sobre estas e outras questões. A Socie- dade Bíblica Americana (ABS) constituiu um grupo de trabalho que, nos últimos dez anos, pesquisou o assunto e produziu (apenas) seis breves vídeos. Segundo este grupo, para alcançar os jovens (o público alvo que eles ti- nham em vista), o caminho não é simplesmente encenar o texto bi'blico.

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Assim, o primeiro trabalho, baseado em Mc 5.1-20 e intitulado O ~ i t of the Tontbs ("Dos Sepulcros"), é um vídeo em estilo MTV, em que o texto de Marcos é narrado numa nova tradução, bem fiel ao original, e o que se vê são imagens contemporâneas que transmitem a idéia de possessão demoní- aca e restauração. O Filho Pródigo é narrado numa música estilo countr-y e ambientado numa fazendo do sul dos Estados Unidos. Um dos vídeos mais recentes traduz o Bom Samaritano e tem por título The Neighbor ("O Próximo"). Quem quiser conhecer este vídeo deve visitar o belíssimo site (premiado, inclusive) www.i1ewmediabib1e.org. De tabela poderá ver tudo que sempre quis saber ou nem sabia que podia querer saber a respeito do Bom Samaritano. Tudo isso na opção inglês ou espanhol. Outro site inte- ressante é www.researchcenter.org, do grupo de pesquisa da ABS que está se dedicando à discussão da nova mídia.

Vílson Scholz

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IN MEMORIAM

JOHANNES HEINRICH ROTTMANN (1909 - 2000 AD)

"Tetélestei! " "Está consumado!", exclamava o professor - mão esquerda apoiada

naquele pódio marrom já marcado por tantas outras que fizeram a história do Seminário. A mão direita, erguida no ar, punho fechado, imitava o som candente da mensagem vitoriosa de que o texto paradoxalmente se im- pregnava. Surpresos e fascinados os alunos de exegese aguardavam o desfecho, que vinha depois de um longo silêncio, um leve rubor na face do mestre, uma emoção disfarçada mas traída pelo suspiro e pelos olhos marejados de lágrimas atrás das lentes grossas e um pouco esverdeadas: "Era a vitória de Cristo, era a nossa vitória", concluía sorridente.

Johannes H. Rottmann era um homem do presente que vivia e ensinava a esperança escatológica. Hoje desfruta essa esperança em sua plenitude. Filho de Hermann Rottmann e Luise Hollinderbaumer Rottmann, Johannes nasceu em Herford-Herringhausen, Westfália, Alemanha, a 21 de janeiro de 1909. Na mesma cidade foi batizado e confirmado. Em Hamburgo estu- dou na Escola Superior de Pedagogia (1 927- 1929) e também na Universi- dade, onde cursou biblioteconomia, música e filosofia (1 929- 193 I ). Sua paixão maior, entretanto, foi sempre a teologia, na qual se formou em 1934, no Concordia Theological Seminary, de Springfield, Illinois, USA. No mesmo ano casou-se com Catharina Elisabeth Schlage (falecida em 1987), com quem teve os filhos Hans-Gerhard (falecido em 1992), Marie Luize e Martinho. Ainda nesse ano de 1934 foi chamado ao Brasil como pastor e missionário, estabelecendo-se em Cruz Machado, PR, onde trabalhou até 1947. No ano seguinte viajou a St. Louis para completar seu bacharelado em teologia no Concordia Seminary. Ao retomar no ano seguinte continuou seu pastorado agora em São Leopoldo, RS, que na época abrangia Esteio, Canoas e Niterói. Em 1952 recebeu o chamado para ser professor da Faculdade de Teologia do Seminário Concórdia, onde atuou até sua apo- sentadoria em 1984, lecionando Hermenêutica Bi'blica e também Introdu- ção, Exegese e Teologia do Novo Testamento. Em 1963 obtém seu mestrado

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em Novo Testamento pelo Concordia Seminary, de St. Louis, Missouri, USA.

Johannes H. Rottmann não foi apenas o nome de um consagrado pastor e professor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Foi também o nome de um escritor, um redator, um editor, um regente, um organista. Este é um nome assinado em dezenas de artigos no Mensageiro L~iterano, no Kirchenblatt (redator de 1952- 1990), na Igreja L~iterana (editor de 1954- 198 1). JHR é uma sigla que subscreve inúmeras palestras nas congrega- ções da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, conferências pastorais, arti- gos e recensões em revistas teológicas e monografias de - hoje - nossos pastores.

Johannes H. Rottmann é um nome que enriquece a literatura teológica da Igreja Luterana e do Seminário Concórdia por meio de várias obras: lch bin euer Troster são mensagens radiofônicas publicadas em 1956 e que .

foram irradiadas pela Rádio Gaúcha de Porto Alegre, na "Lutherische Stunde"; Weggeleit zLir Ewigkeit compõe-se de devoções diárias publicadas em 1957, traduzidas para o português com o título G~lia-nos Jes~is; Es ist in keinen? andern Hei1 é uma edição de mensagens radiofônicas elabora- das com mais quatro professores e publicada em 1958; Vem, Senhor Jesus é um comentário sobre o livro de Apocalipse, escrito num período de dois anos e publicado em 1993 a pedido da 53" Convenção Nacional da IELB que aprovara moção no sentido de que se produzisse comentário sobre esse livro bíblico "em linguagem acessível a teólogos e leigos e a preço mais barato7'; Atos dos Apóstolos no Contexto do Século XX é também um comentário teológico publicado em 1979 em comemoração ao 75" ani- versário da IELB e cujo segundo volume surge em 1997 em co-autoria com seu ex-aluno e depois colega, Dr. Vilson Scholz.

O trabalho e a coragem do missionário, pastor e professor teve seu reconhecimento pelo mundo acadêmico. Dois títulos de doutor Honoris Causa lhe foram conferidos. Um pela Faculdade de Teologia do Seminário de Adelaide, Austrália, em 1959; o outro pela Faculdade de Teologia do Concordia Seminary, St. Louis, USA, em 196 1 .

Talvez um dos momentos mais tocantes em sua vida foi quando pregou na cerimônia fúnebre do seu colega Martin Walter Flor, falecido repentina- mente em acidente de carro. Era o terceiro pastor bem próximo dele (e dos professores da faculdade de teologia do Seminário) que falecia num espaço de apenas 1 1 dias. Johannes H. Rottmann baseou sua mensagem em 2 Tm 4.6-8: "Combati o bom Combate; Completei a Carreira!" "Completei!" Ali estava, de novo, o Tetélestei, agora na primeira pessoa. No final da segun-

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da parte de sua mensagem, Johannes H. Rottmann conclui: "O que acho especialmente notável nesta frase do apóstolo é o verbo que ele usa. É o mesmo verbo com que Cristo terminou sua obra aqui na terra. Foi quando Cristo bradou da cruz o seu grito da vitória para ser ouvido pelas forças do mal e pelo mundo inteiro: "Tetélestei! " "Está consumado!" Está finaliza- do! - Paulo, e nosso irmão falecido também, usa este verbo, dizendo: "Tetéleka!" Finalizei! Terminei por completo! - Porque Cristo terminou sua obra na cruz, portanto Paulo de Tarso, Martin Flor, Carlos H. Warth, Norberto Ott - e todos os que já terminaram sua corrida de obstáculos -

também podem vencer, também podem bradar seu grito de vitória: "Tetéleka! " - "Finalizei !".

"Tetélestei! Tetéleka!"

"Está consumado!" "Finalizei!": para o nosso ex-professor e colega Dr. Johannes Heinrich Rottmann. Para nós também: Sim, mas ainda não!

Acir Ravmann

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PRINCIPIOS BÍBLICOS DE EVANGELISMO Ely Prieto

Quando o Senhor Jesus subiu aos céus, ele não levou os seus discípulos com ele, mas os deixou aqui na terra. Qual a razão disso? O próprio Jesus responde: "Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Salnaria, e até aos confins da terra." (At 1.8). Os discípulos, agora já apóstolos (enviados), foram encarregados pelo Senhor Jesus de continuar o seu ministério de pregação, evangelizando assim o mundo.

Se essa pergunta fosse dirigida a cada cristão em particular, obteríamos resposta semelhante? Creio que sim. Pelo menos essa era a opinião de Lutero. Ele diz: "Vivemos na terra com nenhum outro propósito seniio o de ser útil aos outros. Se não fosse assim, seria melhor para De~is tirar a nossa vida logo após o batismo, quando começamos a crer. Mas ele permite que vivamos a fim de que levemos outros a fé, fazendo por eles o que Deus tem feito por nós."'

Evangelismo significa "trazer boas novas" ou "an~lnciur boas novas ". Evangelismo é uma palavra que brota diretamente do Evangelho. O Evangelho é a boa nova que não podemos guardar para nós mesmos.

A história dos leprosos, registrada no livro de Reis, nos lembra muito bem esse aspecto. Desesperados diante da fome, quatro leprosos entram no acampamento dos sírios em Ben-Hadade e , para sua surpresa, o encontram deserto! Havia muito alimelito, em quantidade jamais vista por eles nos últimos tempos. Eles comem e bebem até estarem satisfeitos e

ProJ: Ely Prieto, S.TM., é Professor de Teologia Prárica rza Faculdade de Teologia c10 Semirzário Concórdia, Professor de Teologia na Urziversidacle Lutera~zu r10 Brasil r coordenador do Laborarório de Missão do Senzirzário Concórdia.

' LUTERO fez essa afirmação ao comentar o texto de 1 Pedro 1.3, em 1522. In.: Wl~ur Luther Says. St. Louis, Concordia Publishing House, 1986, p. 961.

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então são tentados a esconder todo o seu achado para si mesmos. Mas a lembrança de Samaria e toda a sua população faminta faz com que eles reflitam. Então eles dizem: "Nós não estanzos agindo bem! Temos boas notícias e não devíamos ficar calados ... vamos agora mesmo contar isso.. . " (BLH 2 Rs 7.9).

Aquela boa notícia clamava por uma manifestação instantânea, e assim, aqueles leprosos tornaram-se evangelistas. É assim que evailgelistas são feitos. Vem ao coração uma consciência de que o Evangelho, que é adequado para suprir nossas necessidades, está aí, à disposição, e então surge um desejo de ir e anunciar aos outros que o seu desespero acabou, pois um novo dia de bênçãos chegou.'

Para se entender evangelismo, é necessário entender o Evangelho. Definir o Evangelho é precisamente a tarefa da teologia. Conclui-se, portanto, que não pode haver um verdadeiro evangelismo sem uma teologia sadia.' Frequentemente se tem a impressão de que um bom programa de evangelismo depende somente de métodos ou técnicas. Mas métodos ou técnicas não são a única coisa em um programa de evangelismo. Por trás de qualquer atividade na igreja deve existir um sério e dedicado labor teológico.

Teologia não pode existir à parte de sua aplicação à vida das pessoas e, acima de tudo, à parte da vida daqueles que estão fora da fé, em necessidade do poder transformador do Evangelho. Programas de evangelismo nada são se não transmitem a mensagem bíblica e a aplicam de forma exata e e f e t i ~ a . ~

Como luteranos, somos constantemente desafiados a considerar não somente as necessidades missionárias de nossa igreja elou congregação, mas também nossa herança teológica. Sendo assim, nossa atividade evangelística nunca será feita no vácuo, mas estará baseada em um sólido alicerce teológico.

AHO, Gerhard. The Theology of Evattgelistn. S.n.t., p.1. ? KANTONEN, T.A. Tlte Tlzeology of Evattgelism. Philadelphia, Muhlenberg Press,

1954, p.6. KOLB, Robert. Speakittg ttze Gospel Today - A Theology for Evangelistn. St. Louis, CPH, 1984, p.8.

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Pensando nisso, resolvemos apresentar alguns princípios bíblicos que deverão nortear nossa atividade evangelística, seja ela em conjunto ou em par t ic~lar .~

Apesar da evangelização ser uma atividade desenvolvida pela igreja como tal, a obra missionária começa com o próprio Deus. Quando Adão e Eva caíram em pecado, eles se afastaram de Deus e romperam a relação harmônica entre Criador e criatura. Todavia, em sua firme intenção de amor pelo mundo, Deus vai em busca do homem perdido e lhe acena com uma promessa de perdão, salvação e vida plena (cf. Gn 3.8-9,15). Essa promessa de Deus é repetida várias vezes na Escritura, reforçando assim a sua intenção de amor para com os homens (cf. Gn 12.3; Êx 19.5-6; 1s 44.8,55.5-11; Ez 34.11 ; Am 5.4-6), e ela tem o seu clímax na vinda do próprio Filho de Deus, que veio buscar e salvar o perdido (cf. Lc 15.1-1 0,19.10; Jo 3.16,lO. 10- 18). Tudo isso é feito por Deus. A reconciliação dos homens com Deus parte do próprio Deus (cf. 2 Co 5.1 8- 1 9). A igreja é igreja devido à ação graciosa de Deus e, se ela está em missão - no mundo, é porque Deus a comissionou para tal (cf. Mt 5.13- 16; 2 Co 2.15, 3.2- 3; 1 Pe 2.9- 10, 3.15). Porque Deus deseja que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade (cf. 1 Tm 2.4), ele amorosamente chama a sua igreja e a envia com essa mensagem de amor ao mundo. Seu objetivo é que, no fim dos tempos, muitos possam dizer que Jesus é Senhor na perspectiva da salvação e não pela força de seu julgamento (cf. 1s 45.22-23; Fp 2.9-1 1).

j Os princípios que seguem, estão baseados nos seguintes documentos: The Mission oj tl?e Clzr.istian Churcl.1 iiz the World - A Review oftlze 1965 Missiolz Afirnzatio~z. CTCR - LCMS, Setembro 1974. A Tlzeological Stater~zent of Missio~zs alzd a Bible Studj, o11 Rorizalzs. CTCR - LCMS, Setembro 1990 e, A Theological Statemelzt of Misslorz. CTCR - LCMS, Novembro 199 1.

W leitor atento logo irá perceber que esta seqüência está intimamente relacionada com os artigos da Confissão de Augsburgo (CA) de 1580. As confissões da igreja de forina alguma usurpam ou impedem a obra de evangelização da igreja, pelo contrário, elas I he dão apoio e fundamentação teológica. O primeiro artigo da CA fala de Deus, o segundo, do homem e o pecado original, o terceiro fala do Filho de Deus, o Salvador. Então surFe o artigo que é central, o da justificação pela fé, que é obra de Deus Espírito Santo. Agora, para que essa mensagem do Evangelho seja propagada, Deus institui o oficio da pregação (Artigo V). E somente após e tão-somente, é que encontramos os artigos que falam da santificação, da igreja e assim por diante. No presente trabalho, também se procura fazer esta distinção. Primeiro a ação salvadora de Deus em favor do homem e então sim, a resposta da igreja, levando a boa nova ao mundo. Sobre a relação entre Evangelismo e Confissões, cf. Haz-Lutz POETSCH. Basics in Evangelistil. Adelaide, Lutheran Publishing House , 1985, pp. 44-47.

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O dar ouvidos ao tentador trouxe conseqüências sérias ao homem. Por meio de Adão, o pecado entrou no mundo e o pecado trouxe a morte e essa espalhou-se por toda a humanidade (cf. Rn1 5.12- 14). A partir da ação de Adão, todos os seres humanos são gerados em pecado (cf. S1 5 1.5). Todos agora são pecadores e estão afastados da gloriosa presença de Deus (cf. Rm 3.23) e já não pode existir no mundo alguém que possa fazer o bem, sem jamais errar (cf. Ec 7.20). Desta forma, o único pagamento que o homem pode receber é a morte (cf. Rm 6.23). Morto em transgressões e pecado, o homem é incapaz de aceitar as coisas de Deus e já não pode entendê-las (cf. 1 Co 2.14). O homem vive agora segundo a sua natureza humana e faz apenas aquilo que o seu corpo e a sua mente querem (cf. Ef 2.1-3) e do seu coração só brota o mal (cf. Gn 6.5; Mt 15.19). Sobre esse homem permane- ce a ira de Deus (cf. Jo 3.36) e ele sofrerá o castigo da destruição eterna (2 Ts 1.8-9). Sem um novo nascimento, por meio da água e do Espírito, o ho- mem permanece em trevas e vive sem esperança (cf. Jo 3.3-7; Ef 2.12).

3. 0 EVANGELISMO ESTÁ CEN'TRADO EM JESUS CRISTO Em seu amor, o próprio Deus resolve restabelecer a relação entre Ele

e o homem, rompida pelo pecado. Ele promete o Salvador logo de início (Gn 3.15), reafirma essa promessa por todo o Antigo Testamento (1s 7.14; Mq 5.2) e no tempo oportuno o Verbo se faz carne e habita entre os homens (cf. Lc 2.9-14; Jo 1.14; G14.4-5). Ao se encarnar, o Filho de Deus assume para si o cumprimento da lei e todas as suas exigências, e decide levar sobre si toda a culpa e o pecado da humanidade (1s 53.4-6; Rm 8.2-4; Hb 2.14- 18). Cristo assim o faz para que o mundo possa ser reconciliado com Deus (2 Co 5.18-21 ). Desde o seu nascimento, Cristo tem o firme propósito de cumprir a vontade do Pai (cf. Lc 2.49, 22.42; Jo 4.34, 5.30, 6.38-40; Hb 10.5-1 O), levando adiante o seu plano de salvação, a ponto de oferecer a sua vida na cruz como oferta e sacrifício a Deus (cf. Ef 5.2; Hb 10.1 1-14). Por meio de seu sangue derramado na cruz, Deus estabeleceu a paz e reconciliou consigo todas as coisas (cf. C1 1 .I 9-23). Ao ressuscitar Jesus da morte, Deus anuncia ao mundo que aceita a obra redentora de seu Filho. Por meio da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, Deus providencia o caminho da salvação para os pecadores perdidos e condenados (cf. Rm 4.24-25; 1 Jo 1.7-2.2). Através da fé em Jesus, os homens podem aguardar com confiança o retorno do Serihor, pois a morte foi conquistada e a porta dos céus está aberta (cf. 1 Co 15.12-1 9,54-58). A igreja com alegria pro- clama Jesus Cristo e a sua obra redentora como o centro de sua mensagem evangelística, pois não há salvação em nenhum outro; é por meio do nome de Jesus e de ninguém mais no mundo que podemos ser salvos (cf Jo 14.6; At 4.12).

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Para que o mundo pudesse receber os benefícios da obra redentora de Cristo, o Pai e o Filho enviam o Espírito Santo (cf. Jo 14.26, 16.7). O Espí- rito que falou pelos profetas, que guiou o ensino dos apóstolos e os inspirou a escrever a Escritura (cf. At 4.25, 28.25; 2 Pe 1.21). A Escritura revela o amor de Deus e a forma por ele usada para resgatar a humanidade perdida. O Espírito Santo usa essa Palavra, escrita ou falada, e os sacramentos (Batismo e a Santa Ceia) como meios através dos quais Ele atua nos cora- ções das pessoas, criando e sustendo a fé em Jesus Cristo (cf. l Co 2. l - 4,13; GI 4.7; Jo 3.5-6; Tt 3.5-7). O Espírito é o Espírito de Jesus, o Espírito da verdade, o qual convence o mundo do pecado da incredulidade. Ele deixa claro que o acusador, o príncipe deste mundo já está julgado. Ele glorifica a Cristo e guia as pessoas pelo caminho da verdade e da vida (cf. Jo 16.8- 14; 1 Co 12.3; Jo 14.6). O Espírito Santo atrai as pessoas a Jesus de forma que, por meio da fé, a sua relação com Deus Pai possa ser restabelecida e a herança eterna esteja assegurada (cf. Rm 8.14-1 7; 2 Co 1.22, 5.5; Ef 1.13-14). A nova vida criada pelo Espírito Santo, através do Evangelho, é uma vida de paz e liberdade. O homem está livre da lei do pecado e da morte (Rm 8.2, 6, 12- 17). Fortalecido pelo poder do Espírito, ele pode afogar a sua velha natureza e viver em novidade de vida, testemu- nhando a Cristo e auxiliando a edificar o corpo de Cristo (G1 5.22-26; Ef 4.22-24; 1 C0 12.4-1 3,25).

Atos dos Apóstolos é um testemunho vivo da ação evangelística do Espírito Santo na igreja primitiva. Por meio da pregação e do testemunho dos primeiros cristãos, o Espírito foi derramado sobre todos aqueles que foram batizados (cf. At 2.38, 10.44-48, 19.1-6). Ele tornou grupos de pes- soas em comunidades de amor e serviço (cf. At 2.42-47; 4.8- 10, 3 1-37). O Espírito Santo quebrou barreiras culturais entre judeus e gentios, de forma que o Evangelho fosse pregado a todos (cf. At 10 e 11). Ele vocacionou missionários e os guiou em sua obra de evangelização (cf. At 13.2-3; 16.6- 10). Esse Espírito que foi prometido aos discípulos, pelo Salvador Jesus, é o mesmo Espírito Santo que está com a igreja hoje. Ele continua atuando por meio da palavra pregada e da administração dos sacramentos. A igreja continua evangelizando o mundo na certeza da presença do Espírito Santo e por meio do seu poder (cf. 1 Ts 1.5; 2 Ts 2.1 3- 15; 1 Co 12.13).

5. EVANGELISMO É CRISTO PARA TODOS

A obra redentora de Cristo é universal. Jesus reconciliou toda a criação com Deus, afinal, Deus amou o mundo. Com seu sacrifício na cruz, Jesus comprou pessoas de todas as tribos, línguas, nações e raças (cf. Jo 1.29; Ap

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5.9; C1 1 .19-23; Ef 2.14- 19; 2 Co 5.19). Como Redentor do mundo e Senhor sobre tudo e todos, Jesus comissiona seus seguidores com uma mensagem de arrependimento e perdão dos pecados a todas as nações. A evangelização inicia onde está a igreja local e vai se espalhando até atingir os confins da terra. Seu objetivo é fazer com que todo aquele que invocar o nome do Se- nhor seja salvo (cf. Lc 24.47; At 1.8, 2.21 ; Rm 10.11-13). A mensagem da reconciliação é para todos, e isso é reafirmado pelo próprio Cristo no Evan- gelho. A igreja faz novos discípulos por meio do batismo e do ensino da palavra (cf Mt 28.1 8-20; Mc 16.1 5-16; Lc 24.47). Confiante no poder do Evangelho (Rm 1.16) a igreja procura levar essa mensagem de esperança e paz a todos. Removendo barreiras e preconceitos, que possam excluir e inibir a muitos de uma comunhão plena com o Senhor. Sendo vasos de barro, por- tadores do tesouro do evangelho, os cristãos farão o máximo para não colo- car obstáculos a ninguém, e farão o que estiver a seu alcance para demons- trar o poder transformador do Evangelho. O desejo dos cristãos é que todos possam se alegrar com essa maravilhosa bênção (cf. 1 Co 9.1 9-23; 2 Co 4.7- 12,6.3-10; G13.26-29).

6. EVANGELISMO REQUER ENVOLVIMENTO PESSOAL

Tendo sido chamado à comunhão com Deus, por meio da fé em Cristo, o cristão passa a ter um envolvimento pessoal com o seu Salvador. No batismo, cada crente individualmente e pessoalmente é chamado de filho de Deus; unido com seu Senhor em sua morte e ressurreição lhe é assegu- rada a herança no reino (cf. Rm 6.3-5,8- 1 1, 8.12- 17; G1 3.26-29, 4.1-7; Tt 3.7). Na Santa Ceia, a comunhão com o Senhor continua; perdoado e for- talecido em sua fé, o cristão vive em novidade de vida (cf. Mc 14.24; 1 Co 10.16- 17; Mt 1 1.28). Tendo recebido de graça, é um privilégio partilhar esse amor gratuitamente com o seu semelhante. Não passar adiante o que foi recebido é uma compreensão equivocada da intenção do Doador e de sua dádiva. (Mt 10.8; At 20.35).

Cada cristão foi chamado por Deus e foi vocacionado para uma fun- ção específica. Ser filho ou pailmãe na relação familiar, cidadão na socie- dade, empregado ou patrão, governante, etc. Em cada vocação, ali o cris- tão foi colocado para servir a Deus e ao próximo. Sendo sal e luz, o cristão vai testemunhando a sua fé e espalhando o Evangelho da vida (cf. Ef 5.2 1 - 6.9,6.5; 1 Co 7.17; 1 Pe 2.1 1-3.12; C1 4.5-6). Em Cristo, o crente está livre não para viver para si mesmo, mas é livre para servir ao seu semelhante (Rm 1 5.1-2; 1 Co 10.24; G15.13- 15). Ele faz isso primeiramente buscando os que lhe são mais achegados, os da família da fé (G1 6.9-10). Todavia, aqueles que estão fora deste círculo da fé, também são objetos do amor de

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Deus e por ele devem ser tocados - os que estão em prisões, asilos, cre- ches, refugiados, pessoas de outra cultura e etnia, classe social e econômi- ca (Lc 10.25-37; At 9.36-41).

Neste serviço de testemunho é essencial para o cristão nutrir a sua rela- ção com o Pai. Por meio do diligente estudo da palavra (cf. S1 1 1 9.105; Jo 5.39-40; 2 Tm 3.14-17; 1 Ts 5.8-1 1) ; partilhando com os demais irmãos as dificuldades, bênçãos e alegrias (cf. Rm 1 .11- 12, 15.32; Hb 10.19-25), oran- do uns pelos outros (cf. Ef 6.1 8-20; C1 4.2-4; 2 Ts 3.1-5), testemunhando e encorajando uns aos outros (cf. Rm 12.9- 10,15; C1 3.13- 14). O Evangelho ouvido e o Sacramento recebido irá capacitar o cristão a viver a nova vida recebida a partir do Batismo. As bênçãos do Pai celeste são dadas a cada um dos seus, quando em fé oram a Deus e pedem que o seu nome seja santifica- do, o seu reino venha e a sua vontade seja feita (cf. Mt 6.8- 13).

Além disso, cada cristão fiel em seu serviço de testemunho, dará o seu apoio pessoal ao trabalho evangelístico da igreja. Ajudando a identificar e encorajar indivíduos qualificados para a obra missionária da igreja, apoian- do os missionários com orações e ofertas e estando pronto a responder "Eis-me aqui, envia-me a mim. " (cf. 1s 6.8; Rm 15.24; 3 Jo 5-8; Fp 1.5; 2.25; 4.1 5-1 8; 2 Co 8.17).

Tal serviço é um privilégio. Tendo recebido graça sobre graça, é uma honra ser enviado ao mundo para partilhar a boa nova do evangelho de Cristo. Cada cristão é uma carta pessoal de Cristo ao mundo. (cf. Jo 1.16; 2 C0 3.3).

Ter sido levado à comunhão com Cristo significa ter sido incorporado na comunidade dos fiéis - a igreja (cf. I Co 12.12- 1 3). A fé em Jesus faz com que o crente se torne membro de seu corpo. Em outras palavras, isso significa dizer que a missão que foi dada a um - individualinente, também foi dada a todos - coletivamente. Deus urge dos cristãos que fiquem fir- mes em um só espírito, com uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica. (cf. Fp 1.27). Sabendo que à parte do Evangelho não há igreja e que, fora da igreja, isto é, fora do corpo dos crentes em Cristo não há salvação, é preciso encarar a evangelização como uma obra urgente e necessária.

A missão comum que cada cristão possui chama por um serviço de mútuo apoio e estímulo: fortalecendo uns aos outros a perseverar na fé; ensinando e admoestando pela Palavra; confrontando e confortando um ao outro quando for preciso, alertando para as oportunidades que se apresen-

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tam para o testemunho - pessoal e coletivo. Em resumo, sendo uma comu- nidade onde se vive e pratica o perdão, onde o evangelho é a força motriz do testemunho (cf. Ap 2.10,19,3.11; C1 3.12-17; G16.1-5; Ef 4.32)

Cristo chama a cada um dos cristãos e os capacita com os mais diver- sos dons para o serviço no seu reino, para o bem comum da missão. Nesse sentido, cada um vai procurar olhar para o outro, não como um concorren- te, mas como alguém que foi capacitado por Deus para trabalhar em amor com um único propósito - levar o evangelho ao mundo (cf. 1 Pe 4.10- 1 1 ; 1 Co 12.7; Rm 12.3-8, 15.1-2; 1 Co 14.12,26; Ef 4.16). O chamado de coope- ração na missão certamente precisa afetar toda a vida corporativa da con- gregação. Considerando que o chamado à comurihão como povo de Deus surge por meio do Evangelho, este mesmo Evangelho deve permanecer no centro de toda a vida congregacional. Desde a escola dominical, passando pela instrução de confirmandos 1 adultos, estudos blblicos, reuniões em de- partamentos, adoração, comunhão, serviço social e testemunho; o Evange- lho é a linha vermelha que permeia toda a igreja.

Enquanto no mundo, a igreja é militante, e os cristãos são sim~il iusti et peccatores. Eis porque é necessário que no centro da vida da congregação esteja o perdão dos pecados. Não há congregação perfeita, apenas um Salvador perfeito, o qual, por meio de seu Evangelho, restaura seu povo a comunhão com o Pai (cf. Rm 7.15-25; Mt 1 1.28; Jo 6.37). Com essa garan- tia do Senhor Jesus, as congregações irão procurar ordenar suas vidas e atividades de forma que o Evangelho possa ser anunciado dentro e fora da igreja.

Fortalecida pelo Evangelho, a congregação de fiéis olha para além de suas fronteiras e se une com outras congregações, no sentido de cumprir a tarefa que um pequeno grupo não pode fazer soziriho. Eis aí a importância do Distrito e do Sínodo. Atuando conjuntamente, a força de trabalho se multipli- ca. Unida, a igreja forma e treina pessoas (leigos e pastores) para a evangelização, produz literatura e material evangelístico, estabelece novas missões (no país e no exterior), mantém programas de rádio, etc.. Mantendo a unidade no evangelho e na doutrina, a igreja terá forças para combater os ataques do maligno, refutar o erro e proclamar a verdade do Evangelho (cf. Ef 6.1 1 ; 1 Pe 5.8-9; G1 1.9; Ef 6.10-20). Valendo-se de todos os recursos disponíveis, a igreja avança, procurando responder aos anseios da humanida- de com a comunicação clara da graça de Deus em Cristo, trazendo muitos - de perto e de longe, para o seio da comunhão do corpo de Cristo (cf. 1s 57.19; Ef 2.1 1-22).

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8. A OBRA DA EVANGELIZAÇÁO É URGENTE

Assim como o Senhor Jesus, a igreja precisa realizar o seu trabalho enquanto é dia, pois ao chegar da noite já não se pode mais trabalhar (cf. Jo 9.4). A obra evangelística é urgente, pois o tempo é breve (cf. Hb 10.37; Ap 22.20). A grande hora da libertação final está a mão, mas aquilo que é libertação para alguns pode significar julgamento para todos aqueles que não crêem. O amor de Cristo constrange (cf. 2 Co 5.14) a sua igreja a intensificar seus esforços missionários, especialmente quando os tempos do fim de aproximam e o número de pessoas que vivem e morrem sem o conhecimento do evangelho de Jesus Cristo é cada vez maior.

A urgência desta obra também se evidencia diante do constante ata- que do poder das trevas, que luta contra os filhos da luz e o reino de Deus. A batalha fica mais intensa quando o tempo do fim de aproxima, e as pala- vras de Paulo se tornam um imperativo para os cristãos, pois estes devem estar 'tfortalecidos no Senhor e na força do seu poder." (cf. Ef 6.10). Revestidos da armadura de Deus, os cristãos poderão resistir aos dardos inflamados do maligno (cf. Ef 6. I 1 - 16). Com isso em mente, os filhos de Deus "vigiam com toda perseverança " , "orando em todo o tempo no Espírito " (cf. Ef 6.18), e com intrepidez abrem suas bocas para proclamar o mistério do evangelho (cf. Ef 6.19).

Eiiquanto a igreja luta para, em fidelidade, levar o evangelho de nosso Senhor, ao mesmo tempo ela é confortada, revigorada e fortalecida pela certeza de que essa missão não é sua, mas é do próprio Deus. Embora o Senhor a tenha confiado aos seus, ele continua guiando e sustendo esta obra com sua presença e promessas. O Senhor fortalece a mesma, proven- do os meios necessários para que sua palavra realize seus divinos propósi- tos (cf. 1s 55.10-1 1; At 6.7,12.24, 19.20; 1 Ts 2.13; 2 Ts 3.1).

Guiados pelo Espírito do Senhor através da Palavra e Sacramentos, os cristãos vivem em esperança, crendo confiantemente que a obra de Cristo foi completa e suficiente, esperando com ansiedade pela consumação da missão de Cristo em sua segunda vinda. Embora a decadência deste mun- do seja crescente, as tristezas e desapontamentos estejam em toda parte, e a morte seja uma realidade, a igreja não se sente oprimida ou mesmo pres- sionada, pois ela sabe que a promessa do Serihor é certa: "eis que fuço novas todas as coisas. " (cf. Ap .21.5). A visão da Jerusalém celeste e da criação restaurada estimula os cristãos a partilharem a razão da esperança que neles habita (cf. 1 Pe 3.15) com renovado vigor e alegria. O que motiva a igreja a participar na evangelização do mundo é o coração amoroso de

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Deus. Com sua misericórdia e amor perdoador, o Pai Celeste leva sua igreja a amar como foi amada (cf. I Jo 1.3.1; 4.7-21).

Este amor foi derramado nos corações dos cristãos pelo Espírito Santo (cf. Rm 5.5). No Batismo, o povo de Deus é encorajado para a sua missão no mundo. Através da união com seu Senhor - em sua morte e ressurreição, o cristão recebe a vitória de Cristo como se fosse a sua própria vitória e pode andar em novidade de vida (cf. Rm 6.3-1 1 ; C1 3.1 - 1 I ). Desta forma, o ceme da mensagem evangelística, expresso por palavras ou ações, não é outro senão de que "Deus prova o seu próprio anzor para conosco, pelo jato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores." (cf. Rm 5.8); e ainda "para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. " (cf. Jo 3.16).

Animada e encorajada por este amor, a igreja assume a sua missão com confiança, alegria e muito zelo, e o faz de duas formas: estando sem- pre preparada para responder a todo aquele que lhe pedir razão da espe- rança que nela habita (cf. 1 Pe 3.15) e, em segundo, formando e treinando novos embaixadores em nome de Cristo, os quais não somente exortam por meio da Palavra, mas que também anunciam o tempo oportuno, o dia da salvação (cf. 2 Co 5.20; 6.2).

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FUNDAMENTOS TEOL~GICOS DA

MÚSICA SACRA Paulo Gerhnrd Pietz.sch

1- A FUNDAMENTAÇÃO DO CANTO NO NOVO TESTAMENTO Desde o princípio, a comunidade de Jesus Cristo foi uma comunidade

que tinha no canto algo especial, tendo herdado a tradição do templo e da sinagoga. No entanto, é a partir da urgência do específico da comunidade. do próprio Evangelho que surge com maior intensidade o canto da comuni- dade. Ele é expressão de júbilo e alegria da comunidade, agradecida a Deus pela obra salvífica através de seu Filho Jesus Cristo. Os hinos foram consi- dei-ados como a nova forma de expressão e de comunicação desta verdade da salvação; a língua solta-se para cantar uma nova canção.

Os hinos podem ter o caráter de aclamação, de doxologia ou mesmo de anúncio. Podem também apresentar um caráter de confissão. É impor- tante ressaltar que "louvor" e "confissão" podem ser expressas, em grego, pela mesma palavra omologia. Mesmo assim, constata-se que no Novo Testamento não há nada a respeito da música dos hinos, sobre como cantar o "cântico novo". A Palavra era pregada na forma de ensino, exortação e no canto da comunidade.

Paulo conhece e reconhece o valor didático e de admoestação dos cantos e toma-os como dádiva especial e recomendação à comunidade. O ensino e a admoestação no culto também são possíveis na forma do cântico ( 1 Co 14.26 ). O que era cantado: a) Salmos (do Antigo Testamento, ou baseados no Antigo Testamento ou ainda no estilo dos Salmos); b) hinos (cantos do Novo Testa- mento) e c) cânticos espirituais (mais individuais). É impossível estabelecer claramente a distinção entre eles, mas é importante registrar que há mais de uma forma de expressão, como também há diversas ênfases dentro de cada estilo: louvor e adoração, ensino, consolo, confissão de fé, etc.

Rev. Paulo Gerhard Pietzsch é professor de Teologia Prrífica i10 Se~~zi~lár io Co~lcd~.clia c)

na ULBRA. Occipa tal?zbém, no Senzinário, as f~inções cle coordenado^. íle Ativiílaíles C~ílticas.

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Na Comunidade Primitiva, havia pelo menos duas formas de cânticos: os de confissão (cantados por toda a comunidade) e os individuais espontâ- neos (dados pelo Espírito Santo). Cantar Salmos fazia parte dos dons do Espírito Santo. (1 Co 14.15). O Salmo é dirigido a Deus. Salmodiar é ofere- cer louvor.

Quando o apóstolo Paulo conclama os efésios (Ef 5.19) a "entoar e louvar de coração ao Senhor", ele não está querendo dizer, conforme inter- pretação de algumas correntes religiosas, que se deva cantar ou jubilar somente com o coração, introspectivamente e de forma contemplativa, mas que o cantar com os lábios seja fruto de um coração que louva ao Senhor. Uma outra explicação possível para a passageIn bíblica poderia ser a se- guinte: havia situações em que uma pessoa cantava, e as outras restava ouvir de forma devocional ou cantar no coração.

A partir dos textos de Colossenses 3.16 e Efésios 5.19: a) A Comunidade Primitiva conhece e usa o cantar como sua vida de

culto. A distinção entre salmos, hinos e cânticos espirituais, muito difícil de ser feita, aponta para o fato de que se dava de diversas maneiras.

b) O cantar não está à margem da vida cúltica, mas representa uma expressão essencial e necessária do cristão individualmente e da co- munidade. O significado do cantar no culto é reforçado no Apocalipse de João, o qual não pode conceber o culto celestial sem os hinos. O cantar é um sinal antecipado do fim dos tempos e liga a igreja militante na terra à igreja triunfante no céu (ver o texto do "Vere Dignum" na Liturgia Eucarística: "Portanto com os anjos e arcanjos e com toda a companhia celeste louvamos ...").

C) A força que motiva o cristão a cantar é o Espírito Santo, que através da palavra de Cristo opera a fé. A fé também irá expressar-se pelo cantar. A partir de Atos 4.20, Lutero busca fundamentar teologica- mente o cantar: "Deus alegrou nossos corações e nosso ânimo atra- vés de seu amado Filho, dado por nós, para remissão dos pecados, da morte e do diabo. Quem crer nisso com seriedade, esse tem que cantar e falar alegremente e com vontade a respeito disso, de tal modo que outros também ouçam e se aproximem. Quem, contudo, não quer cantar e contar sobre isso, é um sinal de que não crê e não pertence ao novo e alegre testamento, mas está sob o antigo poder e triste testamento".

d) Onde se eleva a linguagem dos hinos, há indícios de que o Espírito Santo operou - o que não exclui que ele também opera e se manifes- ta pela fala, ou seja, pela pregação e pelo testemunho.

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e) O fundamento e o conteúdo do cantar é o mesmo: a palavra de Cristo, o Cristo encarnado. Tanto faz se o cântico fala no singular "eu", ou no plural "nós": importa que o cântico fale objetivamente da fé e do seu verdadeiro conteúdo.

f) Ensino e admoestação resultam em cânticos e louvor a Deus; mas os próprios cânticos e o louvor podem (e devem) admoestar e ensi- nar. Também ao cantar é dado o poder de ser anúncio e de propagar o Evangelho.

g) O canto da comunidade tem duas direções: primeiro, com o rosto voltado para Deus e, segundo, com o rosto voltado para os outros, para a própria comunidade, para o próximo em geral. O canto é oração da comunidade em culto, como uma resposta à Palavra anun- ciada. Agostinho já afirmava: "Bis orat, qui cantat".'

h) A comunidade canta para louvar a Deus e para despertar o próximo.

A grande "novidade" do canto a partir do Novo Testamento é o seu caráter de comunidade, não que no Antigo Testamento a comunidade não tivesse participação, mas, a partir do cumprimento das promessas de Deus através de seu Filho Jesus Cristo, muito mais motivos e estímulos tem a comunidade cristã em cantar louvores ao Senhor e "proclamar dia após dia a sua salvação".

2 - M r s s à o E TAREFA DA MÚSICA SACRA

A tentação desempenhou um papel importante no desenvolvimento do pensamento teológico de Lutero, o qual recomendava a seus alunos e hós- pedes que, quando estivessem tomados de tristeza e aflição, que cantassem uin "Te Deum Laudamus ou um Benedictus ..." Dessa maneira, afugentari- am o diabo que promove os pensamentos tristes e as preocupações. É o Evangelho cantado que assume seu devido lugar. A palavra é considerada por Lutero uma das possibilidades plenas de ação da palavra, por excelên- cia, como em sua forma como verbum vocale e viva vox, pois a música mantém a lembrança na forma original da palavra de Deus, como palavra proclamada.

Lutero parte da compreensão de que Igreja está lá onde o Evangelho está. O Evangelho vem pela audição, mas são diversas as formas e os caminhos possíveis. A Palavra salvadora de Deus é proclamada também em forma de música. Lutero e os primeiros ortodoxos acreditavam nisso, que o cantar fazia, obviamente, parte da proclamação da Palavra. A Pala-

' "Ora duas vezes quem canta".

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vra cantada é considerada a terceira forma de proclamação, ao lado da Palavra pregada e da Palavra visível nos Sacramentos. O "sinal" dos Sa- cramentos é o elemento. Também a Palavra tem o aspecto de "elemento": O som, o tom, o sopro, o timbre, o corpo sonoro e vocal que percebemos. Essa forma sensorial do verbum vocale é, contudo o "vaso" para o Testa- mento. Na Palavra, Cristo se revela em sua natureza humana e divina.

Mesmo tendo a música em alta conta, Lutero jamais quis elevá-la a categoria de Sacramento, ao lado da Palavra. Apenas quando a música expressa, proclama a Palavra é que ela pertence ao Sacramento.

O Espírito Santo intervém para a compreensão do Evangelho. Quando o faz na música, na Palavra cantada, toma como elementos a experiência viva da Palavra e o afeto correspondente. Fora do âmbito do Espírito Santo a Palavra não é Evangelho, mas apenas Lei. O selo da liberdade do Evan- gelho é a alegria no Espírito Santo, a alegria do coração, o afeto que põe a língua em movimento para cantar. Aí se torna claro porque Lutero tomava a música como parábola e sinal da liberdade evangélica e porque a música era tão importante em situações de tentação, aflição: na música a Palavra vem revestida de alegria e atrai as pessoas, os corações com "doce can- ção". Daí advém exigências as quais a música precisa corresponder; por- que ela nasceu num coração alegre, ela precisa mover os corações dos ouvintes (aflect~is movere). Lutero tinha em alta conta a "música reservata" de compositores como Josquin, Senfl, os quais se utilizavam com muita habilidade da "música dos afetos".

Ao cristão em tentação a música deve cantar o evangelho. Essa concepção de que a música pertence meramente a resposta da comunidade a Palavra prega- da, que ela serve exclusivamente para a oração e o louvor a Deus, mas que não pode proclamar a Palavra, ainda hoje tem os seus adeptos.

Música sacra é, originalmente, resposta com oração e louvor ao Deus proclamado; a fé desata das profundezas também o cantar e o tocar. A respos- ta pode transformar-se em proclamação. Colossenses 3.16 e Efésios 5.19 apre- sentam o cantar da comunidade com duas funções: o louvor da comunidade a Deus e serviço ao próximo, ao qual a comunidade está "devendo" o Evangelho. A própria proclamação é louvor; e o louvor pode tomar-se proclamação. A música sacra deve levar a sério os dois aspectos.

Há pressupostos e exigências para o cumprimento da dupla função da música sacra, como proclamação e como louvor. Uma interpretação teoló- gica da música somente é possível quando há uma agregação interna da

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música à Palavra de Deus e essa agregação é dada de tal modo que Pala- vra e música queiram ser expressão. Se aceitamos que a música quer ser instrumento do Espírito Santo que opera a fé, podemos também aceitar que Deus usa a expressão musical quando e onde Ele quiser como meio de despertar a fé naqueles que ouvem o Evangelho. A linguagem musical trans- planta a expressão do texto numa dimensão supra-racional profunda, pois ela deixa sentir, em cada nota, que se trata do mistério e do milagre de Deus, do qual fala o discurso.

Pressuposto básico para a linguagem musical que quer estar a serviço do Evangelho é a abertura para a Palavra. Isso significa que o compositor precisa tomar a Palavra de tal modo que a composição musical expresse o seu conteúdo sem "abreviações", ou seja, a música está subordinada ao texto e a seu conteúdo. A abertura também deve ser dada ao material musical a ser utilizado na música sacra, com o devido cuidado de evitar autopromoção dos compositores. No lugar de uma música, tão grande e tão pequena como a pessoa que a compôs, deveria surgir novamente uma mú- sica apta a representar conteúdos e valores supra-pessoais e cujo material musical seja apenas "vaso".

Identificam-se três modalidades de relação entre música e linguagem: música da linguagem, música a partir da l i i~guagem e música em contraposição à linguagem. As formas de canto precisam conduzir o canto das muitas vozes da comunidade a uma unidade, devem servir como "ca- nal" de linguagem para que a Palavra auxiliada pelos sons possa ser levada, compreendida, impregnada. Melodia e texto precisam representar uma uni- dade misteriosa, como alma e corpo.

Lutero esperava que a música assumisse seu lugar como proclamadora do Evangelho, para impulsionar o Evangelho.

3- TENTATIVA DE FUNDAMENTAÇÁO TRINITÁRIA DA MÚSICA

Somente a partir da revelação em Jesus Cristo é possível reconhecer na música uma boa e misericordiosa dádiva criada por Deus e, consequen- temente, desvendarldesdobrar sua função e sua tarefa. Na música, toda a criação entoa o "cântico novo", o cântico de Cristo. No entanto, é preciso perguntar a respeito da revelação de Deus, em Jesus Cristo, na música e o que a música precisa desempenhar no âmbito da criação de Deus. A luz do júbilo frente à revelação em Jesus Cristo são abertos nossos olhos e nossos ouvidos para Deus, para sua mensagem de que não abandonou a criação caída, mas que vem libertar do jugo da lei e do pecado.

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Na compreensão luterana, a arte dos sons é criatura, é obra criada por Deus. Todas as transformações da música ao longo da história são incluí- das na obra criadora de Deus. Compreende-se, aqui, a quantidade ontológica da música, como forma de expressão através de uma linguagem (musical).

Os gênios musicais souberam fazer uso do caráter de "criatura", ele- vando a música à posição de arte, lidando com o material musical de tal forma que este reforçava o conteúdo expresso pelo texto.

A música se desdobra na criação. Nessa expressão, pode-se também entender que Deus mesmo quis preparar seu louvor: céu e terra proclamam a glória de Deus. O fazer musical da criação é expressão de que foi "bem feita" e não pode outra coisa senão louvar e jubilar, como eco à sua existên- cia e sua perfeição. A música do ser humano toma parte no louvor a Deus, objetivamente e realmente e não há maior afirmação da boa criação de Deus que a música. As palavras de Gênesis 1.3 1 (" ... e viu que era bom") são tomadas pela música e por ela confirmadas.

Música é dádiva de Deus e deve ser cultivada como tal. (H. Schiitz)

A música não objetiva apenas o louvor a Deus, mas também a alegria das pessoas. Faz parte da natureza da música despertar alegria. Esse elemento antropológico da música está vinculado ao elemento teológico: faz parte do ser humano, de sua condição de criatura, ouvir música e fazer música e alegrar-se com isso. Surge o conceito de recreação do âninzo que abrange o ser humano como um todo, o qual responde alegremente. Lutero admitia o poder da música de afugentar a tristeza, o diabo, e devolver ânimo.

A música pertence à boa ordem de Deus e através dela o ser humano caído recebe a longanimidade de Deus. A música é dada como remédio, como força protetora, por causa de sua força organizadora. Onde o ser humano está sendo confrontado e abre a boca para cantar, aí acontece uma afirmação para a vida, uma confissão do sentido da existência frente às "dissonâncias" do mundo.

Muitos novos aspectos de observação teológica surgem quando a música está relacionada à Palavra, quando estas formam uma unidade. A música apre- senta uma dimensão especial do verdadeiro e as profundas relações vitais men- . cionadas nas canções tomam-se presença efetiva na linguagem rítmico-musi- cal. A música anuncia verdades que não podem ser compartilhadas apropria- damente apenas pela palavra; a música pode "cantar e falar" das coisas mais

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profundas. Tanto o aspecto teológico quanto o antropológico da música preci- sam ser observados: de um lado sua capacidade de mover o ânimo, afugentar a tentação, de expressar em profundidade e força 6 texto, de ensinar, consolar, admoestar; de outro lado, os afetos falam ao coração humano, para além da razão. Por isso Lutero tinha a música em tão alta estima, pois ela, associada ao texto, alcança a criatura amedrontada, angustiada, tentada.

Lutero quer as artes, especialmente a música, a serviço de Deus e da comunidade. São aí contemplados os elementos teológico e antropológico: no canto a comunidade volta-se para Deus e volta-se ao seu próximo. (Obser- va-se que, em países onde a música foi negligenciada, também os ensinamentos do Evangelho caíram no esquecimento...).

A conexão específica entre música e texto, na música reservata do séc. XVI, é importante, pois apresenta as grandes possibilidades de expres- são: tudo o que podia ser dito com palavras devia ser também expresso pela linguagem musical. Pela sua ligação com o texto, a música diferenciou-se e desenvolveu-se para uma "fala musical". De certa forma, a música instru- mental do séc. XIX herdou esse "caráter coloquial" da música vocal do séc. XVI. (A música erudita do séc. XIX, porém, perdeu seu vínculo origi- nal com a palavra, fechou-se nas salas de concerto, preocupada apenas com o caráter estético. As pessoas já não eram mais movidas pela música, que se tornou meramente artigo de contemplação e prazer).

Tanto Lutero como Calvino sabiam que a música podia ser utilizada pelos poderes do mal e justamente pela sua capacidade de vincular-se ao texto. As melodias belas e sedutoras podem ser associadas a palavras maldosas. Lutero considera essa utilização deturpada da música um "rou- bo" à criação de Deus, pois a música é boa obra, feita para o louvor.

A relação entre música e palavra desperta para um terceiro elemento, além do teológico e do antropológico: a sua capacidade específica e especial de expressão, de comunicação. Palavra e música podem representar um perigo mútuo, quando uma encobre ou deturpa a outra. A música tem o dom especial de dizer sobre as coisas profundas e de apontar, real e objetivamente, para o Criador. Existe na músi- ca um "som original" (Urton), no qual a criação toda soa. Por detrás dessa experi- ência e desse conhecimento originais está o mistério de Deus que Lutero expressa na frase "Ocularia miracula longe minora sunt quam a~ricularia"~. A palavra ex- pressa com música escapa da superficialidade racional.

? Os olhos de longe curam como os ouvidos.

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"Você deve reconhecer nessa criatura (a música) o Criador e louvá- lo", dizia Lutero. Isso pode acontecer incondicionalmente na medida em que a capacidade de organização ou mesmo a beleza da música são utiliza- das como "parábola", como exemplo da sabedoria e da soberania de Deus, de Sua glória. Mas o caráter referencialhndicativo da música (no sentido de revelação) só será contundente para o crente, para aquele a quem Deus se revelou em Jesus Cristo e, através disso, abriu seus olhos e seus ouvidos para os sinais de sua glória. Somente o crente sabe que a música é criatura de Deus.

O ser humano tem a capacidade de criar para além da voz que lhe foi dada, novas fontes de som e de timbres e de materiais sonoros, de lidar com os sons, por meio de manipulação mecânica, eletrônica, chegando ao som puro. A música foi dada ao ser humano e cabe a ele transformá-la em arte, em manifestação plena da obra de Deus.

A história da música é prova de que Deus sempre de novo considerou propício conceder a pessoas o dorn/carisma especial da musicalidade, de reunir os sons numa forma que pudesse comuilicar. A manifestação da música é o tempo. O tempo é, ao mesmo tempo, sintoma e símbolo da transitoriedade e no passar do tempo Deus deixa o ser humano experimen- tar a sua transitoriedade. Segundo Strawinski, a música nos foi dada com o objetivo de possibilitar organização entre as coisas e para estabelecer or- dem entre o ser humano e o tempo. Essa ordem é dada através de sons organizados numa forma, e que o ouvinte recebe como uma unidade acaba- da (com início, meio e fim). É significativo que justamente a música, símbo- lo da transitoriedade, tenha sido dada para sobrepujá-la.

O compositor trabalha com os elementos musicais que lhe estão dispo- níveis. Está sujeito a convenções, mas também a seu estilo pessoal. Quan- do o compositor lida com esses elementos todos e transforma-os, modela- os numa forma e muitas vezes se lhe torna consciente que também a forma lhe é dada na criação.

A forma da obra de arte é mais do que apenas forma: ela é simultanea- mente expressão e seu valor reside em expressar mais do que qualidades for- mais, mas em expressar o seu conteúdo e a sua profundidade.

A música pode tornar-se, indubitavelmente, um ídolo, um "deus", o qual se coloca no lugar de Deus. Há muitos exemplos disso na história da música (especialmente na música do séc. XIX). No lugar do culto e das cortes dos nobres, os músicos e a música migraram para os templos da

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cultura nos quais os espectadores assistiam a revelação do compositor e do artista, não mais a revelação de Deus e traziam suas oferendas ao altar da arte ... Cresceu a distância entre o artista e o ser humano "comum" a partir da compreensão de que o artista havia recebido como dádiva uma inspira- ção especial. Dessa "semente" surge o culto à música. A música acaba seduzindo o ser humano para a ilusão e para a fuga da verdade própria e da verdade de Deus. Não podemos nos conformar por termos sobrevivido ao "século sem Deus", com seu isolamento da música, pois o espírito que está por detrás daquele tempo persiste ainda hoje, nas salas de concerto.

Torna-se necessário esclarecer teologicamente a respeito do significa- do da forma da obra de arte. Vivemos numa criação marcada pelo pecado e pela morte. "A Palavra de Deus permanece eternamente", mas a Pala- vra de Deus somente! Jamais a música pode ser considerada eterna. Uma teologia da música precisa, portanto, estabelecer limites claros contra a tentação de absolutização da forma da obra de arte, bem como contra uma crença de "progresso histórico" no sentido da história da música. Qualquer ensino evangélico de música precisa estar consciente dos vínculos históri- cos da música. Isso tem conseqüências para o caráter de expressão da música, pois evita-se a absolutização da música e da forma musical.

A música é uma dádiva criada por Deus, destinada não apenas ao ser humano. No entanto, somente nas mãos do ser humano é que a música ganha peso. Diante da música o ser humano deve postar-se com abertura e receptividade, pois sem ela o ser humano jamais poderia compreender a amplitude do que significa poder ouvir. Segundo Lutero, o Reino de Cristo é um "reino auditivo".

Deus faz o kósrnos soar, para sua glória e para a alegria humana. Por isso o ser humano deve expressar sua gratidão, de que ele de fato se alegra com a música. Pois a música lembra o sentido e a determinação da criação. Quem se alegra na música expressa seu "sim" à criação de Deus, repre- sentada na música. Através da música o ser humano deve lembrar-se do mistério da criação de Deus, até o fim dos tempos.

No encontro total do ser humano com a música deve ser resgatada a determinação original da criação. Por isso, o aspecto antropológico da mú- sica não pode restringir-se a conduzir o ser humano à alegria. Sabemos quão fundo a música atinge o ser humano, por isso, é preciso manter-se aberto para experimentar a ação da música. A música romântica do séc. XIX conduzia o ser humano ao êxtase, à loucura. A força psíquica da mú- sica está disponível, mas não apenas para seduzir, extasiar e afastar da

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realidade, pois dessa forma a música poderia facilmente ser colocada no lugar de Deus.

O sentido profundo da música se completa quando o próprio ser huma- no participa do louvor de toda a criação e a música, dádiva de Deus, é oferecida ao Criador.

4- O CÂNTICO NOVO Com Jesus Cristo irrompeu uma nova era da música. Quem foi liberta-

do do pecado e da morte através do Filho Amado de Deus, esse não pode outra coisa senão cantar e jubilar. A música torna-se limite e distinção entre crer e não crer. A Lei da Antiga Aliança foi escrita em tábuas de pedra. A Boa Nova do Evangelho é anunciada a toda a terra pelo ressoar das vozes humanas. Isso pertence ao caráter do Evangelho que ele chegue até nós pela audição. O surgimento da música é decisivo, não apenas para a divul- gação do Evangelho, mas ela se torna uma "parábola" do próprio Evange- lho: espelha a supressão da Lei e a celebração jubilosa da liberdade dos filhos de Deus. No tempo da Lei, a música apontava secretamente para Cristo, como uma antecipação da Boa Nova do Evangelho. Onde se fazia música, esta acontecia como sinal da espera messiânica, quer isso fosse consciente ou não. Nesse sentido, a música tem um caráter profético.

A origem do Cântico Novo, o ato libertador de Deus em Jesus Cristo, é também conteúdo desse mesmo cântico. A música sacra que canta o louvor a Deus foi, por isso mesmo, o cerne de toda música, ao longo de muito tempo da história.

A história da salvação culmina na cniz. A música da comunidade cristã sempre se encontra a caminho do Gólgota. A cniz de Cristo significa o juízo sobre toda auto-suficiência humana. Por isso, uma música que quer ser auto- suficiente, que quer ser apenas música, deve calar-se diante da cruz. Uma música assim é questionada pela cniz. Somos admitidos e estimulados a cantar justamente pelo ato de Deus na cniz de Cristo.

Uma música sacra pode se desdobrar somente quando chegou a sua hora, quando irrompe seu kairós. Isso inclui o momento "estilístico" e deve haver um respeito a cada um dos momentos da história da música. Para a renovação da música sacra é preciso considerar dois elementos: o despertar de conceitos teoló- gicos da Reforma e a renovação da vida espiritual da igreja em seu contexto.

No âmbito da revelação cristã, é preciso considerar a beleza como serva da verdade (e não como grandeza autônoma). Na encarnação de Jesus Cristo

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foi superada oposição entre espírito e corpo e também a contraposição entre verdade e beleza. Por isso o culto cristão pode ser celebrado em espírito e em verdade (Jo 4.24), com elementos de beleza. Também a arte foi libertada do serviço aos poderes do mundo e está a serviço de Cristo.

5 - MÚSICA SACRA COMO OBRA E COMO INSTRUMENTO

DO ESPÍRITO SANTO Lutero aponta a oração e o louvor como elementos da resposta huma-

na à Palavra divina. Essa resposta pode espelhar, como na liturgia, a situa- ção do ser humano diante de Deus. Mas ela também pode se deixar "incen- diar" pelos grandes feitos de Deus e elevar-se no louvor a Deus em Jesus Cristo e em expressão e anúncio do Evangelho.

O Espírito Santo está em toda a música sacra, não apenas nos "cânticos espirituais". A verdadeira música sacra pode ser feita sob a força da fé, com auxílio do Espírito. Onde o Espírito é força propulsora da confissão ele apontará para a expressão na forma mais apropriada de expressão dos mistérios da fé.

Porque a música sacra é obra do Espírito Santo, ela também quer ser- vir como instrumento, como auxiliar no serviço de Espírito Santo. Segundo Lutero, Deus pregou o Evangelho também através da música. A música é, portanto, instrumento, ferramenta que o Espírito Santo usa em sua ação; com a música Ele afugenta Satanás e também distribui boas dádivas. A Palavra de Deus pode ser tratada de três maneiras:

1 ) na pregação e no ensino; 2) na forma de oração de canto, e 3) através dos instrumentos musicais.

A música não pode estar agregada ao centro dos acontecimentos, no encontro da comunidade com Deus. Isso que chega até nós pela Pregação ou pela Palavra cantada é, simultaneamente, consolo e exigência de Deus.

Quando o Espírito Santo reúne a comunidade que Ele mesmo desper- tou para a fé, novamente ele faz uso da música. A música tem uma força de congregar as pessoas, mas ela só será bem sucedida quando o fizer para a construção do Reino de Deus.

Por isso, a música sacra se desenvolve no seio da comunidade cristã. Da unidade entre liturgia, comunidade e ensino é que a música sacra irá buscar sua força criativa para regar a igreja em todo o mundo.

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O Espírito Santo se serve da música sacra, também para o louvor a Deus. O louvor a Deus é tarefa da música enquanto creatura Dei. Mas a glorificação a Deus só será plena onde ela louva a Deus em Jesus Cristo e onde ela acontecer na força do Espírito Santo.

Deve intrigar-nos que, em nenhum lugar no N.T. se mencione que, no Reino de Deus, haverá pregação. Por outro lado, o Apocalipse está repleto de passa- gens mencionando que lá será cantado e tocado ... É/foi um desejo de muitos compositores ao longo da história, de compor a música celestial. Assim, a música foi "constmindo pontes" para a fé, até o céu. Na música é que experimentamos de maneira mais próxima o que será a criação plena, não apenas porque já canta- mos na terra e porque a liberdade e a alegria de cantar são parábolas da liberdade e da Boa Nova do Evangelho, mas muito mais porque podemos cantar na plenitu- de do Espírito Santo enquanto somos por ele conduzidos à vida futura. Essa fun- ção escatológica da música, entre o primeiro e o segundo advento de Cristo, não reside na revelação, mas na alusão do que foi prometido.

Verdadeira música sacra só poder surgir e cresce numa igreja que é mantida viva pela ação do Espírito Santo. Por isso, nossa gratidão e alegria pelo renascimento da música sacra, pois ela é um sinal vivo da ação do Espírito. A oração pelo Cântico Novo será sempre a oração pelo Espírito Santo.

A linguagem musical não visa enfeitar a Palavra de Deus, mas retratar textos poéticos já existentes. Podemos encontrar inúmeras músicas e poesias, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Será que os autores destas poesias não eram inspirados? 2Pedro 2.21 dá a resposta: "Os homens santos de Deus falaram (e escreveram) movidos pelo Espírito Santo". Com isto claramente a música está incluída na proclamação do Evangelho. Lutero não apenas reco- nheceu isto mas apontou para a sua função no culto: "dar vivacidade as notas do texto. Chegando a afirmar que uma igreja que não canta mantém-se fecha- da para o Evangelho. Lutero entende a presença da trindade na criação. Por isso não é possível separar o coipo do espírito. Ele vê claramente a ação do Espírito Santo na Igreja Primitiva, na composição dos Salmos, na ressurreição de Cristo, bem como nas composições de J. Walter. Este por sua vez vê tam- bém nos cânticos de corais de Lutero a presença do Espírito Santo. Ex.: Te Deum Laudamos ou Pai Nosso na versão alemã. Por isso Lutero diz o parado- xo: "A música útil só pode ser útil quando é mais do que música útil."

Devemos considerar a obra de um artista mais do que um simples sacrifício, ou ato de louvor proveniente das mãos e do coração de um artista, mas é a Palavra de Deus assim como a pregação também é. Deve ficar bem claro que uma obra apenas é santa quando não serve a nenhum interesse particular. Assim sendo não

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cabe à nós estabelecer uma medida para avaliar a obra de arte. Pois acima da "qualidade" está o sentido da obra. Sem dúvida de acordo com o sentido do texto, a forma rítmica precisa estar adequada. Ex.: texto festivo, lamentação, etc.

A fé produz seus frutos. Um compositor precisa estar na fé para produzir. A fé é a resposta da revelação de Deus em Cristo. Como diz Lutero: "Onde há a verdadeira fé, os frutos são inevitáveis". Ele foi um dos que mais rebateu a tese apontando para a verdadeira função da música.

Será que a música ou arte musical não é avaliada esteticamente? Seria tolice acreditar que não. Santo Agostinho chama claramente à atenção:

1) Haverá um teste (uma prova) para o espírito litúrgico de uma obra musical sacra.

2) Mesmo anunciando a Palavra de Deus assim como o artista se alegra com sua arte, assim também o povo deve se alegrar com ela.

3) Uma obra será saudável se circula livremente, e não é temporária, para isto precisa revelar valores eternos.

6- Os REFORMADORES E A MÚSICA Quando Martinho Lutero propôs uma reforma na igreja, uma das grandes

ênfases recaiu sobre o culto. O mesmo deveria refletir o mais puro Evangelho da Salvação, nele a Palavra deveria ser pregada clara e puramente e a comu- nidade deveria ter condições de "entender as maravilhas de Deus na sua pró- pria língua". A participação da comunidade no canto de salmos e hinos, por séculos privada desse privilégio, foi uma das bandeiras da Reforma Luterana. Lutero, na sua proposta de reformar o culto, ancorou o hino e os cânticos nos textos de Colossenses 3.16 e Efésios 5.19. A polêmica está em torno das palavras "louvando em vossos corações". Para Lutero, Paulo não queria que a boca se calasse, mas que as palavras cantadas pela boca viessem do mais profundo ser. Da mesma forma Calvino entendia essas passagens. Zwínglio, no entanto, interpretou os textos como uma negação absoluta do cantar. A conse- qüência foi o banimento do canto e da música da comunidade, pois a música deveria ser cantada "só com o coração". O que nos surpreende é que Zwínglio era uma grande musicista, com formação superior a de Lutero.

A partir das diferentes interpretações dos textos supracitados, obser- va-se o seguinte:

a) Zwínglio, radicalmente, tira do culto toda e qualquer forma de músi- ca, tanto vocal como instrumental.

b) Calvino admite o canto da comunidade em uníssono e somente quando este é a reprodução de um texto bíblico. Recusa os corais a mais

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vozes, a música instrumental (até mesmo o órgão), bem como o canto gregoriano individual ou pela comunidade (rompimento radi- cal com tudo o que tivesse elementos do catolicismo).

c) Lutero admite a música em todas as suas possibilidades, seja no canto da congregação, o canto coral, a música instrumental, bem como os cânticos espirituais com poesia livre (estes, é lógico, desde que corretamente fundamentados na palavra de Deus).

No prefácio do Hinário de Wittenberg 3 , Lutero assim se manifesta:

Acredito que nenhum cristão ignora que cantar hinos sacros é coisa boa e agradável a Deus, uma vez que todo mundo tem o exemplo não só dos profetas e reis no Antigo Testamento (que louvavam a Deus cantando e tocando, versejando e com toda a sorte de instru- mentos de corda), mas este uso, particularmente com salmos, tam- bém é conhecido da cristandade em geral desde o princípio. Sim, também S. Paulo o institui em 1 Coríntios 14, e manda os Colossenses cantar de todo o coração hinos espirituais e salmos ao Senhor, para que desta forma a palavra de Deus e a doutrina cristã fossem di- fundidas e praticadas de toda maneira p o ~ s í v e l . ~

Na visão de Lutero, portanto, o que distingue a música sacra da música profana não é a forma exterior, mas o conteúdo. Se ela está a serviço do puro evangelho da salvação, sempre será música sacra, não importando a sua forma. Desprovida da santa e pura Palavra de Deus, por mais bela que possa ser uma melodia, jamais será música sacra.

BIBLIOGRAFIA - ALLMEN, J. J. Von. O Culto Cristão: Teologia e Prática. São

Paulo : ASTE, 1968. - HUSTAD, Donald P. A Música na Igreja. São Paulo : Vida Nova,

1986. - LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Porto Alegre /

São Leopoldo : Concórdia / Sinodal, 1984. - MARTIN, Ralph P. Adoração na Igreja Primitiva. São Paulo :

Vida Nova, 1982. - PRECHT, Fred L. Lutheran Worship: History and Practice. Saint

Louis : Concordia Publishing House, 1993. - WHITE, James F. Introdução ao Culto Cristão. São Leopoldo :

Sinodal, 1997.

' "Die Vorrede des Wittenberger Gesangbuchs von 1524" -' Martinho LUTERO, Pelo Evangelho de Cristo, p. 205.

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A EXORTAÇÃO DE LUTERO A SANTA CEIA: RETÓRICA A SERVIÇO DA ÉTICA CRISTÃ

Clóvis Jair Prunzel

O escopo deste trabalho é analisar as exortações de Martinho Lutero a participação na Santa Ceia. A partir do texto do Catecismo Maior de 1529, pretendemos demonstrar que Lutero fez uso de processos retóricos, apren- didos da literatura clássica, com vistas a persuadir as pessoas de seu tempo a viverem como cristãs. A utilização da retórica no discurso teológico tem um fim específico. Diz Richard Caemmerer:

The preacher speaks so that men change and move into the direction that God wills and works. Persuasive speech isn't just for entertainment. It makes a difference in people. As the preacher preaches, his purpose must be actually to move his hearers in the direction which God intends for them - better faith or better life. Pei-suasion is the art of getting the hearer to thirik the one thing that you want him to think. Hence the first step in persuasive preaching is to help the hearer realize that it concerns a matter of life and death - his life or death.'

Ao analisarmos os manuais de retórica antiga, percebemos que esta técnica desenvolveu-se com o fim de provocar adesão as teses defendidas pelos oradores. "O objeto da retórica antiga era, acima de tudo, a arte de falar em público de modo persuasivo; referia-se, pois, ao uso da linguagem falada, do discurso, perante uma multidão reunida na praça pública, com o intuito de obter a adesão desta a uma tese que se lhe apresentava. Vê-se, assim, que a meta da arte oratória - a adesão dos espíritos - é igual a de qualquer argumenta~ão".~

Rrv. Clóvis Jair Prlrnzel é pastor ern São José dos Pinhais, Pi: Este arrigo é i~nza síntc/.ro (Ir sua dissertação de Mestrado apreseiltada ao Sernirzário Coizcórdia em 1997.

' CAEMMERER, Richard. Preuching ,for the Church. Saint Louis, Concordia, 1959, p. 3 5 ' PERELMAN, C. Trutudo du Argumentuçüo - A NOVU Ret(jricu. São Paulo, Martins Fon-

tes, 1996, p. 6-8.

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Já a retórica cristã desempenhou um papel muito mais pedagógico. Com o surgimento do absolutismo dos imperadores e dos funcionários por eles nomeados, a retórica antiga perde seu poder, pois as assembléias deliberantes deixam de tomar as decisões.

A cristianização subseqüente do mundo ocidental deu origem a idéia de que, sendo Deus a fonte do verdadeiro e a norma de todos os valores, basta confiar no magistério da Igreja para conhecer, em todas as matérias saluta- res, o sentido e o alcance de sua revelação. A retórica e a filosofia são, nessa perspectiva, subordinadas a teologia, e se, graças a um melhor co- nhecimento dos textos de Platão e Aristóteles, o filósofo procurou emanci- par-se da tutela dos teólogos, a retórica ficou sendo essencialmente, na Idade Média, a arte de apresentar verdades e valores já estabelecidos. A idéia de que, em qualquer matéria, Deus conhece a verdade e a única tare- fa dos homens é descobri-la, serviu para condenar, como pertencentes a opinião, as teses controvertidas. ..3

Numa visão dogmática, quando a dialética e a retórica não têm valor probatório, estas se transformam em técnicas pedagógicas, psicológicas ou literárias, cujo intuito é reforçar a adesão a verdades estabelecidas por meio de outros procedimentos. "Concebe-se muito bem que, numa pers- pectiva religiosa, em que as verdades reveladas não são contestadas pelos fiéis, essas técnicas possam ter servido, não para estabelecer essas verda- des, mas para gravá-las no espírito e no coração do crente, para torná-las presentes em sua consciência e para imprimir uma direção a sua conduta. Não obstante, até o final do século XVI sua importância jamais foi contes- tada".4

Citando Cícero, Agostinho diz: Dixit ergo quidam eloquens, et verum dixit, ita dicere debere eloquentem, ut doceat, ut delectet, ~ l t flectat. Deinde addidit: Docere necessitatis est, delectare suavitatis, flectere victoriae."

PERELMAN, C. Refóricus. São Paulo, Martins Fontes, 1997, p. 179. Id. Ibid., p. 209. AGOSTINHO. De Docfr-inu Ct~rist iunu, Lib. IV, XII p. 123. Tradução: "Digo a quern quer ser inestre na eloqüência, e digo a verdade, que o orador de tal rnodo deve falar que ensine. convença e rnova. Acrescento: o ensinar é próprio da necessidade de convencer e de inover à vitória."

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Ao observarmos a estrutura argumentativa de certas passagens bíblicas, como por exemplo os Dez Mandamentos e a conversação entre Deus, Moisés e Faraó, os discursos de Jesus, percebemos um uso pfóprio da linguagem, que pode ser denominado de linguagem sacra. Segundo Ernesto Grassi, que escreveu uma obra titulada de Rhetoric as Philosophy: The Humanist Tradition ( 1 980), esta linguagem é caracterizada em cinco pontos:

(1) It has a purely revealing or evangelical character, not a demonstrative or proving function; it does not arise out of a process of inference, but authoritatively proclaims the truth.

(2) Its statements are immediate, formulated without mediation or contemplation.

(3) They are imagistic and metaphorical, lending the reality of sensory appearances a new meaning.

(4) Its assertions are absolute and urgent; whatever does not fit with them is treated as outrageous.

(5) Its pronouncements are outside of time. Rational speech, such as the civic rhetoric of Greek cities, is in contrast demonstrative, based on formally valid inference from accepted premi se^.^

Basicamente, a mensagem bíblica é querigmática. Na retórica clássica, o termo enthyinema serve para caracterizar a estrutura argumentativa do querigma bíblico: a partir de uma verdade revelada, amplia-se a argumenta- ção com premissas que darão mais valor à tese defendida, criando-se as- sim um processo retórico. Como exemplo desta estrutura querigmática, o evangelho segundo Marcos pode ser analisado desta forma. Jesus, o Filho de Deus, anuncia a chegada do reino através de milagres, discursos, repre- ensões, atitudes, etc.

A partir destas reflexões iniciais, destacamos que a intenção com este trabalho é demonstrar, a partir da leitura do texto de Lutero já destacado, o enredo retórico presente na argumentação quanto às exortações para a participação na Santa Ceia. E, após esta percepção, levar o leitor a perce- ber o caráter evangélico presente nesta exortação de Lutero a respeito do uso da Ceia do Senhor. Ele não ameaça, nem obriga, mas encoraja, estimu- la e motiva os seres humanos a abraçarem a dádiva do amor de Deus oferecida e comunicada na palavra e nos sacramentos de Jesus Cristo.

h Apud KENNEDY, George. The New Testuilzent Iirte~pr-etuiiot~ ihi~ough rlieiot-ic~il ct.iti~.l.rt)l Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 1984, p. 6.

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LUTERO: UM FILHO DE SEU TEMPO

A língua falada ou escrita é muito mais do que um mero meio de comu- nicação; ela traz consigo uma certa realidade que envolve todo o contexto daqueles que a usam. Portanto, o seu uso nos traz toda uma concepção de mundo dentro de um determinado contexto histórico.

Este princípio é facilmente aplicado ao estudo do pensamento de Lutero. Vivendo em meio a um mundo que estava redescobrindo o uso da retórica, Lutero é um filho de seu tempo, ao fazer uso deste instrumento para comu- nicar as verdades de Deus, reveladas na Escritura Sagrada.

A língua latina era ensinada, em seus aspectos lógicos e filológicos, pelo trivium, que fazia parte do Septennium, as sete artes liberales7. O trivi~iln atesta o esforço obstinado da Idade Média para fixar o lugar da palavra no homem, na natureza, na c r i a ~ ã o . ~ Com o Renascimento e Humanismo, a retórica assume este colorido linguístico e filológico, distanciando-se dos debates fúteis e da dialética do esco1asticismo.'

Já em 1469, foram introduzidas leituras na retórica de Cícero na Univer- sidade de Erfurt e, a partir de 1501, desenvolveu-se uma oposição consci- ente contra o uso escolástico da retóricaK) na universidade.

Lutero formou-se em meio a este mundo de constantes mudanças. Desde pequeno, a sua língua principal foi o latim, tanto para pensar como para escrever. Considerou o latim como língua de um ensino elevado e essencial para a sua produção teológica."

Estudando latim, teve contato com os clássicos latinos. Chamaram mais

' Na história da pedagogia, este é um princípio importante Conferir mais em D. lllrner "Artes liberales" in G KRAUSE and G. MULLER (ed.) Theologische Reulerizyklopüdie vol IV, pp. 156-1 71. BerlinINew York, 1979. O Septeniiium é uma rede funcional de "artes", isto é, de linguagens sujeitas a regras e tais "artes" são chamadas de "liberais" porque não servem para ganhar dinheiro. É dividido em Triviuni (gramática, dialética e retórica) e o Quudriviiit~~ (música, aritmética, geometria e astronomia). BARTHES, Roland. A Retórica Anrigu. S.n.t., p. 166.

' ALFSVAG, Knut. "Language and reality. Luther's relation to classical rhetoric in Rationis Latoinianae confutatio ( 152 1)" in Studia Theologica 41 (1 987): 83.

"' JUNGHANS, H. "Der Einfluss des Humanismus auf Luthers Entwicklung bis 1518". in Lurher Juhrbuch 37 (1970): 67s.

" Ein "Eine Predigt, das inan Kinder zur Schule halten soll", 1530 (WA 30 11, 545.10). considerou o conhecimento do latim como o inínimo para uina educação elementar. Tam- béin, na Deutsche Messe, 1526 (WA 19, 7 4 5 ) considerou a retenção do Latim na ordem de culto com fins pedagógicos.

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sua atenção Virgílio, Terêncio, Cícero e Quintiliano, e este último foi o pre- ferido de todos", tanto é que a obra Institutio Oratoria tornou-se o livro- texto na Universidade de Wittenberg após a Reforma de 15 1 8.13

As pesquisas hodiernas do pensamento de Lutero a partir de suas obras têm se voltado às influências da Roma Antiga para a forma de apresenta- ção da teologia bíblica por parte de Lutero. Alguns nomes têm aparecido nos últimos anos que ressaltam o aspecto retórico nas obras de Lutero. Destacam-se a germanista sueca Birgit Stolt,14 o alemão Klaus Dockhorn15, o estudioso da retórica renascentista, o dinamarquês J . Lindhardt16 e o americano, especialista na Renascença, Lewis W. Spitz.17

Para entendermos a retórica, precisamos nos voltar à antiguidade clás- sica, para, a partir dela, caracterizar as influências no pensamento de Lutero e seus conterrâneos. Para Aristóteles, a retórica é a "faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a pe r suasã~" , '~ enquanto que Quintiliano a caracterizava como scientia bene dicendi. Estas duas definições enfatizam aspectos diferentes da retórica: enquanto que para Aristóteles o importante eram as provas, para Quintiliano o estilo é que caracterizava a argumentação.

A retórica ensinada consistia de cinco partes ou estágios, utilizados ini- cialmente em ambientes de jurisprudência e posteriormente aplicados a to- dos os ambientes que faziam uso do discurso retórico.

I' WA Br 1,563, 10 (1519). I' WA Br 1 , I 55, 44 (15 18). Em uma carta ao huinanista Eobanus Hessus em 1523, Lutero

destaca o significado da retórica para a teologia: Pluize ilihil i t l in~~s velleitl jieri U L L I cott~ttiitti 111 iuveniuie. quum et poesin ei i-heioricen oiniiiawr ... sicui tlec u1i1.v 1l1odi.r fieri potesi. iilii.e ciptos ,fiei-; hoiniiies ud .rucru iutt~ cupe~.retldu, ~ U I ~ I dexti-e ei dlfeliier rruciuizdci WA Br 3. 5 0 . 25-29 STOLT, Birgit. Studien zur Luthers Freiheitstraktat mit besonderer Ruchsicht auf das

Verhaltnis der lateinischen und der deutschen Fassung zu einander un die Stilmittel der Rhetorik. Stockholmer gerrnanisticher Forschungen 6, Stockholm 1969. Idem. Docere, delectare und movere bei Luther. Analysiert anhand der Predigt. das man Kinder zur Schule halten solle, in same: Wortkampf. Fruhneuhochdeutsche Beispiele zur rhetorischen Praxis. Stockholiner Gerrnanistischer Forschungen 13,Frankfurt 1974. p. 3 1-77

'' DOCKHORN, K. "Luthers Glaubensbegriff und die Rhetorik", Li t zg~~i~ i icu Bib1lc.u 2 1/22 ( 1973): 19-39.

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'' ARISTÓTELES, Arte Retcíi-icu. São Paulo, Ediouro, 11, p. 33.

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The five parts of rhetoric are invention, which deals wi th the planning of a discourse and the arguments to be used in it; arrangement, the composition of the various parts into an effective whole; style, which involves both choice of words and the composition of words into sentences, including the use of figures; memory, or preparation for delivery; and delivery, the rules for control of the voice and the use of gestures. These are universal categories, not peculiar to Greek rhetoric.''

A invenção ou héuresis20 é a descoberta, realizada no domínio teórico, de temas a discutir ou investigar, de categorias mentais lógicas ou avaliativas, de argumentos verossímeis, de palavras e maneiras de 10cução.~' São as provas ou, segundo a linguagem neo-testamentária, são semeia, sinais que provam a argumentação. Os semeia no Novo Testamento são os milagres, as citações do Antigo Testamento e os testemunhos de pessoas."

A situação retórica envolve um falante ou escritor, um auditório e um discurso. Segundo Aristóteles, esta situação se traduz em três tipos de pro- vas: ethos, pathos e l ~ g o s . ' ~ O ethos diz respeito à credibilidade do autor do discurso junto àqueles a quem dirige o seu discurso. O pathos tem a ver com a resposta emocional dos leitores ou ouvintes, resultado do discurso. O logos refere-se aos argumentos lógicos da argumentação. Na filosofia, a lógica sempre é provável, enquanto que na teologia a lógica é verossímil.

Os argumentos lógicos podem ser dedutivos ou indutivos. Os argumen- tos lógicos dedutivos provêm de premissas aceitas pelo auditório, também chamadas de enthyrne~na'~, enquanto que os argumentos lógicos indutivos são frutos de paradeigmata (exemplos) arrolados para se chegar a uma conclusão geral.

A teoria de Aristóteles dos três modos de provas - logos, pathos e

Iy KENNEDY, George. New Testumenr iilterpretutiori through i.hetoric~iI criticisnl, p. 13, 14. ?" Invi~zeri quid dicas: achar o que dizer. " PLEBE, Armando e EMANUELE. Pietro. Manual de Rertír.icu. São Paulo, Martins Fon-

tes, 1992, p. 191. " Paulo. em 1 Coríntios 1.22-23 dá um exemplo de senleion. " Paulo usava deste artifício com maestria. Conferir PRUNZEL, Clóvis Jair "Auxílio

Homilético de 1 Tessalonicenses 2.8- 13", Vox Concordiana 1 1 , ( 1996): 97- 100. Apud PLEBE e EMANUELE. M U I ~ L L U ~ de Refói.icu. p. 191. "Raciocínio quase-dedutivo.

análogo por estrutura ao silogisiiio lógico, mas diferente deste por falta de necessidade lógica. Pode se apresentar como uin silogismo cujas prei~iissas são apenas verossímeis. em vez de verdadeiras, ou como um silogismo a que falta uma das duas premissas, ou até iiiesino a conclusão, tendo neste último caso um valor puramente enfático"

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ethos - transformou-se em Cícero nos três oflicia oratoris, ou objetivos do orador: ensinar, divertir e mover.25 Agostinho também distingue as ações que o orador cristão precisa desencadear para manter o interesse de seu auditório, docere necessitatis est, delectare suavitatis, flectere victoriaex'. Lutero, ao diferenciar a retórica da dialética2', enfatizou que a retórica compreende Schmuck und Uberred~ng.~"

Considerando as causas de determinada situação retórica, Aristóteles for- mulou a teoria dos tipos ou gêneros de retórica, situando cada um destes gêne- ros em determinado tempo (passado, presente, futuro). Os gêneros são o deliberativo, o demonstrativo (ou epidíctico) e o judiciário.

Numa deliberação, aconselha-se ou desaconselha-se, quer se delibere sobre uma questão de interesse particular, quer se fale perante o povo acerca de questões de interesse público. Uma ação judiciária comporta a acusa- ção e a defesa: necessariamente os que pleiteiam fazem uma destas duas coisas. O gênero demonstrativo comporta duas partes: o elogio e a censu- ra. Cada um destes gêneros tem por objeto uma parte do tempo que lhe é próprio: para o gênero deliberativo, é o futuro, pois que delibera-se sobre o futuro, para aconselhar ou desaconselhar; para o gênero judiciário, é o pas- sado, visto que a acusação ou a defesa incide sempre sobre fatos pretéri- tos; para o gênero demonstrativo, o essencial é o presente, porque para louvar ou para censurar apoiamo-nos sempre no estado presente das coi- sas; contudo sucede que frequentemente utilizamos a lembrança do passa- do ou presumimos o

Cada um destes gêneros tem objetos próprios: o deliberativo, o útil ou o prejudicial; o jurídico, o justo ou o injusto; e, o epidíctico, o belo ou o feio.

Na construção dos argumentos, tanto dedutivo como indutivo, o sujeito retórico faz uso de tópicos, topoi ou loci, que são "certos pontos capitais gerais aos quais podemos referir todas as provas de que nos servimos nas diversas matérias tratadas ou opiniões gerais que lembram aos que os con-

" CÍCERO, Oruioi., p. 69. AGOSTINHO, De Doctriizu Chr i s t i~~nu 4 , 17- 19.

'' LUTHER, WA TR 2199 a: "Diuleciicu docei, rlieioricu iilovei". ?%UTHER, WA TR, 5082 b: "Cum igitur dialectica suo muneri satisfecit, tum advenit

rlietorica. Ea ornat et suadet" '" ARISTÓTELES, Arte Reicíricu, 111, p. 39. "' Ibid., p. 39-40.

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sultam todos os ângulos pelos quais um assunto possa ser con~iderado".~' Os tópicos comuns são aplicados a cada gênero retórico, sendo que no gênero deliberativo trata-se do possível e do impossível, no gênero judiciá- rio do real e não real e no gênero epidíctico do mais ou do menos.

O processo retórico continua com a segunda parte, a taxis ou di~positio.~' A ordenação das grandes partes do discurso molda os seus elementos em uma estrutura unificada. Aristóteles dividiu a taxis em quatro partes: exordio, narratio, confirr?zatio e e p i l ~ g o . ~ "

O exordio ou prooimon compreende dois momentos: a) a captatio benevolentiae, que visa seduzir os ouvintes e ganhar-lhes imediatamente as simpatias por uma prova de cumplicidade e a partitio, que anuncia as divisões que serão adotadas, o plano a seguir.34

A segunda parte da taxis é a narratio ou diegesis, a narração dos fatos e as descrições que entram na causa, devendo ser clara, verossímil , breve e funcional.

A confirmatio ou apodeixis é a exposição dos argumentos e comporta três elementos:

1 ) a propositio (prothesis): é uma definição condensada de causa, do ponto de debate;

2) a argumentatio, que é a exposição das razões probantes; 3) as vezes, no final da confirmatio aparecia a altercatio, um diálogo

com um adversário ou com uma testemunha. O epllogo ou peroratio é um sinal para o término e se apresenta em dois

níveis: 1 ) O nível das "coisas", o momento de retomar e resumir; 2) O nível dos "sentimentos", uma conclusão patética, lacrimejante,

usada pouco pelos gregos e mais pelos romanos.

A rede retórica continua com sua terceira parte, a elocutio, ou lexis, que consiste em ornare ~ e r b i s . ~ V a r a Agostinho, eram três os modos de

" BARTHES. Roland. A R e r ó r i c ~ ~ Antigu, p. 194-195. '' J I I I ~ E I I ~ U di.~1x)t1ere: pôr em ordem o que se encontrou. " ARISTÓTELES Arte Rel(jricu, p. 205-221. " BARTHES, op. cit., p. 208. " Literalmente acrescentar o ornamento das palavras, das figuras.

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se dizerem as coisas: 1s igitur erit eloquens, qui poterit parva submisse, ~nodica temperate, magna granditer d i ~ e r e . ~ "

A lexis é composta pela escolha de palavras apropriadas para determi- nado contexto, o tropos, e pela synthesis, o uso de figuras de palavras e de pensamento. Os retóricos clássicos dividiam os dois grupos, sendo que os tropos eram "conversões" mais restritas, envolvendo metáforas, sinédoques, metonímias e hipérboles, enquanto que as figuras envolviam recursos mais abrangentes. Neste caso, eram usadas antíteses, apóstrofes, e outras. Algo similar acontece com a denotação e conotação. A denotação é o elemento estável da significação da palavra, elemento não subjetivo, enquanto que a conotação é constituída de elementos subjetivos, que variam segundo o contexto.37

As duas partes finais da techne rhetorike dizem respeito a actio, hypocrisis, ao agere et pron~ntiare, '~ e a memoria, mneme, a memoriae n~andare .~ '

O CONTEXTO RETÓRICO

Os textos do Catecismo Menor e Maior editados em 1529 são fnitos de uma série de sermões pregados por Lutero em 1528 na igreja de Wittenberg.4' Inseridos em um contexto de preocupações a respeito da vida cristã, os Catecismos representam para a história do luteranismo um importante marco, por apresentarem o supra-sumo da teologia de lu ter^.^'

Desde o início de seu movimento protestante, Lutero e seus aliados vincularam seus argumentos teológicos à praticidade da vida cristã. Dos

'" AGOSTINHO, De Doctrina Chri.stiana li( 17, p. 304. Será eloqüente aquele que disser as coisas pequenas com sensibilidade, as médias com moderação e as grandes com sublimidade. Esta citação, Agostinho retira de Cícero.

" GARCIA, Othon M. Cornunicagüo em prosa moderna, pp. 160-164. '' Literalmente tratar o discur$o como um ator: gestos e dicção. " Literalmente recorrer à memória.

Lutero prega os sermões sobre o Catecismo em maio, setembro e novembro/dezembro de 1528 '' Numa carta a Wolfgang Capito de 9 julho de 1537 Lutero escreve afirmando que se tivesse

que escolher entre as obras que deveriam permanecer escolheria os Catecismos e o De Servo Arbitrio.

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escritos de 1520, que marcam uma postura própria em relação à teologia corrente, destaca-se A Nobreza Cristã da Nação Alemã: acerca da Melhoria do Estamento Cristão, onde Lutero propõe uma reestruturação da sociedade política através da reforma das universidades e de um progra- ma educacional libertador. Para a vida eclesiástica, a Tradução do Novo Testamento de 1522 marca profundamente o projeto educacional de Lutero. Através dos Prefácios ao Novo Testamento e à Carta aos Romanos, Lutero "oferece conceitos básicos, de forma que o leitor possa entender o texto no sentido próprio"" e assim ter um proveito com a leitura bíblica.

Para um culto e missa evangélicos, publica a Form~lla Missae ( I 523) e a Deutsche Messe (1 526), onde prescreve serviços e leituras bíblicas para promover a formação cristã do povo. O apelo de Lutero Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha para que criern e mantenham escolas cristãs (1 524) visa a formação de lideranças para a igreja e para o estado.

Mas é o programa de visitação decretado pelo Eleitor João Frederico da Saxônia em 1527 que irá trazer à luz uma realidade que precisa ser modifica- da pela pregação do evangelho clara e puramente. O Unterricht der Visitatoren an die Pfarhern yrn Kur-rstenthum Z L L Sachssen de 1528 pro- põe como se deve ensinar crer, amar e viver de maneira cristã.

No prefácio ao Unterrich der Visitatoren, Lutero opina sobre a falta de uma visitação evangélica às congregações e paróquias:

Esta atividade nobre e preciosa caiu totalmente por terra, nada res- tando dela exceto a intimação de pessoas e seu banimento por cau- sa do dinheiro, dívidas e bens terrenos, ou a imposição de uma or- dem divina de berrar antífonas e versos das igrejas. Mas como ensinar, crer, falar, como viver cristãmente, como atender aos po- bres, consolar os fracos, censurar os grosseiros e o que mais faz parte desse ofício, disso jamais se cuidou. Viraram puros boas-vi- das e perdulários, que consumiam as posses das pessoas sem contrapartida alguma, ao contrário, dando somente prejuízo. Desta forma esse ofício , assim como toda a doutrina e ordem cristã e sagrada, também acabaram sendo escárnio e embuste do diabo e do anticristo, com atroz e terrível perdição das almas.43

" BECK, Nestor. "Lutero como Reformador Religioso da Educação" in LUTERO, Martinho. Obras Seleciorzudus, vol. V , Porto Alegre, Concórdia e São Leopoldo, Sinodal, p.299.

'' LUTERO, Martinho. Prefúcio pura os Pustores no ~ l e i t o r u d o da Suxriniu 1528, s.n.t.

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Como resultado da visitação, da qual ele próprio participou, Lutero es- creve em janeiro de 1529 a Espalatino:

Moreover, conditions in the congregations everywhere are pitiable, inasmuch as the peasants learn nothing, know nothing, never pray, do nothing but abuse their liberty, make no confession, receive no communion, as they had been altogether emancipated from religion. They have neglected their papistical affairs (ours they despise) to such extent that it is terrible to contemplate the administration of the papal b i s h ~ p s . ~ ~

No Prefácio ao Catecismo Menor, Lutero aponta a mesma situação, descrevendo que o homem simples nada sabe de vida cristã e os muitos pastores são de todo incompetentes e incapazes para a obra do ensino.45 Este Prefácio serve como princípio norteador do uso dos Catecismos, e a conclusão deste caracteriza muito bem a tarefa que se tem em relação a um povo ignorante, mas sedento pela palavra consoladora de Deus: "Nosso ofício se tornou coisa diversa da que foi sob o papa. Agora tornou-se sério e salutar. Razão porque agora envolve muita fadiga e trabalho, perigo e tentação, e, além disso, pouca retribuição e gratidão no m ~ n d o " . ~ "

Em relação específica a Santa Ceia, a realidade avaliada transpareceu em três situações segundo Lutero:

1 - muitas pessoas livres da coerção e da obrigatoriedade das leis pa- pais, deixaram de participar da Ceia por um, dois, três ou mais anos;

2 - outro grupo não participa por não se achar digno da Ceia; 3 - por acharem que se trata de assunto livre, não participam nem valo-

rizam o que se oferece na Ceia.47

Ao se estudar a Ceia em Lutero, não podemos esquecer suas contro- vérsias com a teologia Romana, com Zwínglio e com os Entusiastas. Desde a obra Do Cativeiro Babilônico da Igreja de 1520 até à disputa com Zwínglio, no Colóquio de Marburgo em 1528, a teologia de Lutero a respei- to da Ceia é moldada e toma forma escriturística, afastando toda filosofia que impregnava a interpretação das palavras de Cristo. No Catecismo Maior

" Apud BENTE, F. Hisroricul Inrroductions to the Synzbolical Books (!f' ttie Ev~irrgelir~rrl LuthelAurl Church, p. 67.

" LUTERO, Martinho. Pi-efucio ao Catecisnio Meiloi., 2 , p 363 Na nota 4, o tradutor do texto em português acrescenta a queixa de Leonardo Mnrini, bispo de Mântua, que descreve urna situação parecida na Itália.

" ' id Ibid., p. 366. " Id Do Slici.anieiito do Altar, 39-42, p. 490. Estas três situações Lutero irá atacar na sua

exortaçiío

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temos na parte Do Sacramento do Altar as seções 1 a 38 como o resumo da teologia da Ceia de Lutero, fruto dos debates com os o p o ~ i t o r e s . ~ ~

O GÊNERO RETORICO

Partindo do pressuposto de que a verdade revelada de Deus, exposta nas seções didáticas, Lutero quer escrever "uma exortação e animação no sentido de que não se deixe passar em vão esse grande tesouro, que entre os cristãos diariamente se administra e distribui ."49

Considerando a perspectiva aristotélica de passado, presente e futuro nos gêneros retóricos, observamos que Lutero mescla os três gêneros. A exortação.engloba aspectos de censura quando aponta a realidade desco- berta na visitação, e aspectos de aconselhamento, quando propõe a prática evangélica para aquele que quer ser cristão.

Em relação ao passado, Lutero assume uma atitude de juiz, pois julga a atitude de pessoas que se dizem cristãs, mas não vão à Ceia, e julga as ênfases dadas à participação da Ceia por parte do Papa, contrapondo a este passado a verdade bíblica. Não é Lutero que julga, mas é a palavra de Deus que mostra o contrário do que é praticado.

Sobre o presente, há pouco a elogiar. Pelo contrário, a realidade descoberta e presente na Saxônia é muito desesperadora. A prática da Santa Ceia é cen- surada, visando uma mudança de atitude em relação a ela.

Esta mudaiiça de atitude aparece no texto em forma de exortação. Já que houve um ensino distanciado da realidade bíblica, e este levou a uma prática anti-cristã, é necessária uma mudança de atitude, considerando a verdade redescoberta pelo ensino de Lutero e seus colegas refonnadores. Por isso, a ênfase da exortação está em conselhos cristãos que descaracterizam a atitude anti-cristã na prática da Ceia.

Identificando os gêneros, não podemos colocar o texto dentro de uma camisa de força: os três gêneros estão preseiites no texto, sendo que a êiifase de mudança sempre é futurística, quando se abandona o erro e se

'Vd. Ibid.. 1-38, pp. 486-490. " Id. Ibid.. 39, p. 490.

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toma uma nova atitude em relação à Ceia daí para frente. É este colorido que se percebe neste texto de Lutero.

A DISPOS~O

A organização do texto de Lutero é o nosso objeto de estudo nesta seção. A estrutura argumentativa é organizada com seu exordio, narratio, confir~natio e epilogo. Para esta análise usa-se a estrutura apresentada na tradução do Catecismo Maior no Livro de Concórdia"', a reprodução do alemão e latim no Die Symbolischen Bucher d e r Evangelisch- L~ttherischen Kirche - deutsch und lateinisch", bem como o texto da Weimar Ausgabe: Deutsch Catechismus e Vermahn~tng zu der B e i ~ h t e . ~ '

O exórdio de Lutero é próprio do gênero demonstrativo: "começa-se por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o pla- n0."53 As seções 39 a 44 nos dão o tom da exortação de Lutero. A atitude

dos cristãos em relação ao "grande tesouro, que entre os cristãos diaria- mente se administra e distribui" é relaxada e negligente. O "grande tesou- ro" é aquele apresentado na primeira parte (seções 1 a 38) e é a este que os cristãos precisam valorizar, recebendo-o frequentemente. A relação entre Lutero e seus leitores, neste exórdio, é percebida quando são vinculadas o ensino e a prática. A credibilidade de Lutero junto aos seus leitores está no fato de a ordem de se distribuir e receber a Ceia não está na vontade dele, mas nas palavras de Cristo. Por isso, "Cristo não o instituiu para que o tratássemos como espetáculo, senão que o comessem e bebessem e o fi- zessem em memória dele" (42).54

A resposta dos leitores, esperada por Lutero, é de que todos os cristãos, "os que são cristãos verdadeiros e têm o sacramento em alto apreço" e os "simples e fracos", todos estes "fiquem tanto mais estimulados a refletir sobre a razão e necessidade" que os impulsionam a participar da Santa Ceia. (43)

Para que isto aconteça, Lutero parte de um aspecto negativo: a realida- de prática da participação da Ceia. Neste ponto, Lutero classifica a partici-

"' Lii'ro de Coizctít.diu, p. 490-496 " Die Syinbolischeii Buchei- dei- Evurlgelisch-Lutherischeiz Kit.clze - deutsch uncl luteinis(.h,

p p . 504-512. " WA 30 1, 233-238. " ARISTÓTELES, Arte Rettíi-iccr, XIV, 206. " O número refere-se à secção do texto do Catecisnio Maior.

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pação prejudicial em três situações concretas: um grupo considera a Ceia sem valor, outro considera a sua dignidade na participação e o terceiro grupo alega que é matéria livre. Quanto a estes, Lutero não tem dúvida: "não devemos considerar cristãos a pessoas que por tempo tão dilatado se ausentam e abstêm do sacramento". (42) Este juízo de Lutero só tem fun- damento na perspectiva da ordem de Cristo em se celebrar a Ceia.

O estímulo que Lutero quer transmitir para que as pessoas não fiquem "indolentes e aborrecidas" (44), é que se precisa "admoestar diariamente" por causa da obra de Satanás nos cristãos, que "continuamente se opõe a esse e aos demais exercícios cristãos e deles afugenta o quanto pode". (44)

PROPOS~~~O Entre o exordio e a peroratio, há na retórica clássica a propositio.

Neste texto de Lutero são as seções 43 e 44. É um mecanismo de transi- ção, que dá o colorido da discussão e esclarece o que se pretende com a argumentação. Observamos isso muito bem no texto de Lutero: o princípio de se admoestar diariamente é a grande tônica na tratativa pastoral para que a Palavra de Deus tenha sucesso sobre a obra de Satanás na vida dos cristãos.

A estrutura retórica do texto continua com a apresentação dos argu- mentos de Lutero frente a prática não cristã da Ceia. É a peroratio nas seções 45 a 84.

Esta base argumentativa, onde propõe as provas contrárias à prática, é dividida em três seções, de acordo com os problemas apresentados no exórdio. Os blocos das seções 45 a 54, 55 a 74 e 75 a 84 apresentam os argumentos de Lutero.

A argumentação de Lutero, como admoestação, é própria do gênero deliberativo, onde se aconselha e desaconselha sobre determinado assunto, mesclando argumentos e exemplos, persuadindo os leitores a viver uma vida de acordo com o evangelho oferecido na Ceia.

Ao primeiro gmpo, aos que pensam que não há mais ordem para a celebra- ção, visto que o programa de reforma da igreja trouxe a abolição do legalismo papal (40), Lutero aponta a lei ou ordem de Cristo de celebrar a Ceia em sua memória. "São as palavras que nos preceituam e ordenam algo."(45) Aqui o logos é a grande prova e argumentação para a participação. A autoridade da ordem de Cristo está acima de qualquer autoridade humana, inclusive sobre a do papa. O foco da argumentação é a "nova lei" trazida por Cristo, ao instituir

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a Ceia. Portanto, aqui não se tem liberdade cristã para se deixar de receber os elementos da Ceia. Pelo contrário, Cristo a instituiu para se recebê-la muitas vezes. (47). Quantas vezes receber a Ceia? Contrário à ordem da Ceia Pascal do Antigo Testamento, a Ceia Cristã assume um caráter contínuo de celebra- ção. A nova ordem de Cristo não estabelece a freqüência nem o lugar próprio para a celebração, mas uma celebração contínua na vida do cristão. Sob o papado os cristãos eram impelidos a participar da Ceia ao menos uma vez ao ano. Desta forma se voltou ao Antigo Testamento e se transformou a Ceia numa celebração judaica (48). Em contraste com isso, Lutero enfatiza uma prática neo-testamentária, onde a liberdade de participar está baseada nas pa- lavras de Cristo.

O pathos, que tem a ver com a reação do público em relação ao que se propõe no argumento, Lutero o direciona às palavras de Cristo: "se queres ser cristão, cumpre que satisfaças e obedeças a esse preceito pelo menos de quan- do em quando"(49) e "o que te deve animar, porém, e até obrigar, é o fato de ele o querer e o fato de lhe ser agradável" (52).

O ethos apresenta-se numa interação entre Lutero e os leitores: ele mesmo, ao utilizar a primeira pessoa do plural, colocou-se numa situação de desprezo por causa da influência sob o papado (5 1) e também quando desprezou o sacra- mento, por causa da coerção da participação na Ceia (53). "The genius of Luther's pastoral care rests in his honest admission of solidarity with the person i11 trouble, under the l a ~ . " ~ ~

Ao segundo grupo, aos que se sentem não preparados, Lutero confessa sua própria situação: "esta também é minha tentação, herdada especial- mente da antiga situação sob o papado, que a gente se torturava tanto, para ser inteiramente puro, de modo que Deus não encontrasse em nós a mais leve mácula" (55). De imediato, transparece o ethos da argumentação luterana.

Para solucionar o problema deste grupo, Lutero prega não a lei mas o evangelho. "Deve essa gente aprender", diz Lutero, "que a máxima sabe- doria é saber que nosso sacramento não se fundamenta em nossa dignida- de."(61) Quando se quer participar da Ceia e não podemos nos considerar dignos dela por causa de nosso pecado, precisamos dizer: "Muito quisera ser digno, mas não venho baseado em dignidade, porém firmado em tua

" WENGERT, Timothy. "Luther's Catechismus and the Lord's Supper" in Word & World X V I l , 1 (1997):54-60: p. 59.

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palavra." (62) Além disso, há a "promessa que nos deve incitar e impelir da maneira mais vigorosa." (64) Este tesouro prometido está nas palavras "dado por vós", pois "de forma nenhuma se há de considerar o sacramento como se fosse coisa prejudicial, da qual cumprisse fugir, mas como medici- na inteiramente salutar e consoladora, que te ajuda e te dá a vida, tanto na alma quanto no corpo." (68) 0 outro lado da moeda é-nos apresentado quando a Ceia é para prejuízo e condenação. Lutero desaconselha a parti- cipação na Ceia para a.quele que não é cristão e não quer se sentir cristão. De modo contrário aos que sentem a sua fragilidade (72), os indignos são aqueles que "não sentem os seus defeitos e não querem ser tidos na conta de pecadores ." (74).

Esta atitude de Lutero de aconselhar e desaconselhar é própria do gê- nero deliberativo. A figura de pensamento antítese utilizada por Jesus em Mateus 9.12 é ampliada por Lutero para de forma irônica contrastar quem deve e quem não deve ir à Ceia. Ele translitera as palavras de Cristo: "Se és puro e probo, então não necessitas de mim, e eu, por outro lado, não preciso de ti."(74)

O terceiro grupo são aqueles que não sentem necessidade da participa- ção na Ceia. "These are probably the most frustrating people a pastor will ever have to deal ~ i t h . " ~ ~ A estes, Lutero apresenta não um argumento moralista, mas direciona suas reflexões à Escritura e à experiência.

Recorrendo à figura de linguagem metáfora, na qual Lutero sugere que se faça uma análise introspectiva, onde se perceberá os frutos da natureza humana pecaminosa descritos por Paulo em Gálatas 5.19-2 1 , diz: "Aos que estão em tal estado mental, que não sintam isso, para esses não conheço melhor conselho do que o de que entrem em si mesmos e vejam se tarribém têm carne e sangue." (75)

De forma sarcástica, Lutero desmoraliza o argumento daqueles que não querem participar da Ceia, afirmando que a Escritura conhece a situação hu- mana melhor do que ela própria. (76) A carne leprosa, sinônimo para natureza pecaminosa, precisa de ajuda e de remédio que se tem na Ceia. (78)

Não só por uma questão pessoal, mas também por motivos sociais se parti- cipa da Ceia. Se estamos no mundo, diz Lutero, sempre "vai haver carência em

'"d. Ibid., p.59

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matéria de pecados e necessidade." (79) Uma pessoa que se diz cristã mas não participa da Ceia, trará dano, injustiça e violência por causa do pecado e da maldade que impera no mundo. (79)

Um terceiro motivo para se participar da Ceia é a obra do mentiroso e homicida Satanás. Lutero o caracteriza com dois adjetivos que descrevem sua ação indireta no coração humano e no mundo. E mesmo explica seus adjetivos: "Mentiroso, que seduz o coração desviando-o da palavra de Deus e cegando-o, a fim de que não sintas a tua necessidade, nem possas vir a Cristo. Homicida que não te consente por uma hora sequer a vida." (8 1 )

A solução para a experiência humana, que carrega uma natureza pecadora e por ser desenvolvida em meio a um mundo sob o domínio de Satanás, está na Escritura. As palavras de Cristo novamente assumem papel fundamental para a participação na Ceia. São elas que convidam e exortam os cristãos a uma participação verdadeiramente digna.

O epílogo ou peroratio é breve nesta exortação de Lutero. As seções 85 e 86 servem como resumo destas palavras hortatórias bem como de todo o Catecismo Maior. Algumas ênfases finais: o uso constante dos Dez Mandamentos, do Credo e do Pai Nosso; a centralidade da vida cristã na Palavra de Deus; e a luta constante contra Satanás.

PERSPECTIVAS ÉTICAS NA ARGUMENTAÇÁO DE LUTERO Com a nova perspectiva de vida cristã evangélica, proposta por Lutero,

muitas congregações apresentavam uma realidade muito a desejar. Através da liberdade cristã, muitos cristãos a transformaram em libertinagem, vivendo em completo descaso em relação à vida cristã, especialmente no que diz respeito à Ceia. Lutero escreve a conclusão do Sacramento do Altar no Catecismo Maior como "uma exortação e animação no sentido de que não se deixe passar em vão esse grande tesouro, que entre os cristãos diariamente se administra e disti-ib~i"'~. A mesma intenção se percebe na Exortação ao Sacramento do Corpo e Sangue de nosso SenhoP.

Lutero também procura apontar os responsáveis por esta situação. Diz:

"LUTERO, Martinho. Catecismo Maior in Livro de Concól.diu. Porto Alegre, Concórdia e São Leopoldo, Sinodal, 1983, 3"d., 4, 39s. Doravante será citado como CM.

'' LUTERO, Martinho. "Exortação ao Sacramento do Corpo e Sangue do Nosso Senhor" in

Pelo Evangelho de Ci.isto. Porto Alegre, Concórdia, e São Leopoldo, Sinodal. 1983. pp. 253-285. Doravante será citado como PEC.

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Temo, porém, e acredito que tudo isso é, em grande parte, culpa nossa, dos que somos pregadores, pastores, bispos e curas d'alma, uma vez que deixamos as pessoas sem que se emendem, não os exortamos, não incitamos, não admoestamos, como o exige nosso ministério. Por isso deveríamos, por outro lado, procurar ser os an- jos e vigias do nosso Senhor Cristo. Deveríamos, todos os dias, vigiar o povo contra esses anjos do diabo e com coragem persistir em incitar, ensinar, exortar, estimular, como S. Paulo prescreve a seu caro Timóteo, para que o diabo não pudesse agir a bel-prazer entre os cristãos, tranqüilamente e sem encontrar r e s i~ tênc ia~~ .

Para mover os cristãos a participar da ceia como um ato ético, no Catecis- mo Maior destacam-se duas admoestações. A rime ira:^' que se cumpra o imperativo evangélico, pois as palavras de Cristo "são palavras que nos precei- tuam e ordenam a l g ~ " . ~ ' A razão de participar da Ceia está em obedecer e agradar ao Cristo Senhor e isto muitas vezes. Para Lutero, o papa tornou a Ceia uma festa judaica, porque fez dela algo que se faz esporadicamente."? Portan- to, a liberdade que se tem em Cristo é de se fazer uso constante e freqüente da Ceia. E Lutero até vai mais longe ainda: se alguém quer fazer uso da sua liberdade para não participar da Ceia, então que faça uso desta mesma liberda- de para não ser cristão, pois, "se queres ser cristão, cumpre que satisfaças e obedeças a esse preceito pelo menos de quando em quando"." ' O que deve te animar, porém, e até obrigar, é o fato de ele (Cristo) o querer e o fato de lhe ser agradá~el" .~ Lutero é enfático: Cristo nos atrai à Ceia, mas se a vontade é não fazer caso dela, responde pessoalmente pela atitude. "Quando nos privamos assim do sacramento, dia a dia nos tornamos mais insensíveis e frios, acabando por desprezá-lo de todo. Para obviar isso, cumpre que sem falta nos consulte- mos a nós mesmos de coração e consciência e nos comportemos como pessoa que muito quisera estar de bem com Deus".65

Lutero amplia mais esta admoestação: "aos insolentes e asselvajados cum- pre dizer que se abstenham do sacramento, pois não estão preparados para receber a remissão dos pecados, já que não a desejam e não gostam de ser justos. Os outros, entretanto, que não são pessoas rudes e dissolutas assim e gostariam de ser justas, não devem afastar-se do sacramento, muito embora de

" PEC, p.256. '" CM 4, 45-63. ''CM 4, 45. '?CM 4, 47,48. hCM 4, 49. NCM 4, 52. "CM 4, 54.

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resto sejam débeis e frágeis"." Lutero sugere que não são os pecados que afastam da Ceia, mas o desprezo à mesma. Por isso completa, quanto ao que impele os cristãos a participar da Ceia: "Muito quisera ser digno, mas não venho baseado em dignidade, porém firmado em tua palavra, porque tu o ordenaste; e venho como alguém que gostaria de ser teu discípulo; minha dignidade que fique onde puder"," mas, mesmo assim, "sempre nos obstaculiza e err~baraça o fato de atentarmos mais em nós próprios do que na palavra e boca de Cri~to"."~

A segunda admoestação no Catecismo Maior6Qstá vinculada à pro- messa "que nos deve incitar e impelir da maneira mais vigorosa", pois "aí nos oferece todo o tesouro que para nós trouxe do céu e ao qual também nos atrai da maneira mais afável alhuresv7(). "De forma nenhuma se há de considerar o sacramento como se fosse prejudicial, do qual cumprisse fugir, mas como medicina inteiramente salutar e consoladora, que te ajuda e te dá a vida, tanto na alma quanto no "Pois aqui deves receber, no sacramento, perdão dos pecados da boca de Cristo, perdão que encerra em si e traz consigo a graça e o Espírito de Deus, juntamente com todos os seus dons, proteção, defesa e poder contra a morte e o diabo e toda desgra-

~ a " . ~ ' Devido a esta promessa, Lutero conclui: "se estás sobrecarregado e sentes a tua fragilidade, então vai alegremente ao sacramento e recebe refrigério, consolo e vigor. Porque se queres esperar até que estejas livre de tais coisas, a fim de chegares puro e digno ao sacramento, então terás de abster-se para sempre. Neste caso Cristo pronuncia a sentença, dizen- do: 'Se és puro e probo, então não necessitas de mim, e eu, por outro lado, não preciso de ti'. Razão porque são chamados indignos apenas aqueles que não sentem os seus defeitos e não querem ser tidos na conta dos peca-

Para aqueles que não sentem necessidade do ~ a c r a m e n t o , ~ ~ Lutero dá os seguintes conselhos:

1 - quanto menos sentes o teu pecado e a tua imperfeição, tanto mais razão tens para ir ao sacramento e procurar ajuda e r eméd i~ :~ '

"CM 4, 58.59. "'CM 4. 62. h T M 4, 63 ""CM 4. 64-86. "'CM 4. 66. 7'CM 4, 68. '?CM 4. 70. 7'CM 4. 74. 7'CM 4, 75s. 7'CM 4, 78.

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2 - se estás no mundo (Lutero sugere para se perguntar ao vizinho), não penses que vai haver carência em matéria de pecados e ne- ~ e s s i d a d e ; ~ ~

3 - o diabo, que seduz o coração, desviando-o da palavra de Deus e cegando-o, a fim de que não sintas a tua necessidade, nem possas vir a Cristo. Se visse quantas facas, lanças e flechas te alvejam a todo instante, alegremente irias ao sacramento quantas vezes te fosse po~sível . '~

ASPECTOS PEDAG~GICOS

NA ARGUMENTAÇÃO DE LUTERO Tendo em mente que a origem dos Catecismos está vinculada a uma

série de sermões, Lutero também escreve os Catecismos com fins pedagó- gicos. Diferenciando-se um pouco do gênero exortatório, o orador que faz uso de tratativas pedagógicas aproxima-se do gênero epidíctico. Um gran- de orador que fez uso deste gênero foi Demóstenes, que consagrou a maior parte de seu tempo não só a obter dos atenienses que tomassem decisões conformes aos seus desejos, mas também a pressioná-los, por todos os meios, a que essas decisões, uma vez tomadas, fossem executada^.'^

A decisão a ser tomada se encontra a meio caminho entre a disposi- ção para a ação e a própria ação, entre a pura especulação e a ação efi- ~ a z . ~ P o r isso, a argumentação do discurso epidíctico se propõe aumentar a intensidade da adesão a certos valores, sobre os quais não pairam dúvi- das. O orador procura criar uma comunhão em torno de certos valores reconhecidos pelo auditório, valendo-se do conjunto de meios de que a retó- rica dispõe para amplificar e v a l ~ r i z a r . ~ ~ Para que isso aconteça, o orador assume um papel de pedagogo, pois promove valores que são o objeto de uma comunhão social. E é isto que Lutero faz na parte de ensino do Cate- cismo.

Ao iniciar a quarta parte do Catecismo Maior, Lutero aponta que "é importante falar de nossos dois sacramentos, instituídos por Cristo. Cumpre tenha cada cristão pelo menos uma instrução geral e breve sobre eles, visto

lhCM 4, 79. 17CM 4, 82. " PERELMAN, C. Tratado du Ai-gunieiltupüo - A Novo Ret( jr ic(~. p. 55 " Id.Ibid., p. 55. '" Ibid., p. 56,57.

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sem eles não ser possível que haja cristão, ainda que até agora, infelizmen- te, nada se ensinou a respei t~" .~ ' A realidade é desesperadora. Lutero descreve-a com as seguintes palavras no Prefácio ao Catecismo Menor: "Meu Deus, quanta miséria não vi! O homem comum simplesmente não sabe nada da doutrina cristã, especialmente nas aldeias. E, infelizmente, muitos pastores são de todo incompetentes e incapazes para o ensino".x2 Para amenizar esta realidade desesperadora, Lutero escreve os enquirídios, para que pastores, pregadores e pais cumpram seu papel em relação ao povo que tanto necessita de conhecimento para mudar sua vida e prática, especialmente no que diz respeito à Santa Ceia, pois "os que vêm ao sacra- mento deveriam saber mais e compreender toda a doutrina cristã mais ple- namente que crianças e alunos novos".83

Para caracterizar como Lutero enfatiza a instrução a respeito da Santa Ceia, ao se abrir o texto "Do Sacramento do Altar" no Catecismo M a i ~ r , ~ ' destacam-se três aspectos dos quais o povo precisa estar bem instruído a respeito do sacramento: quid sit, quid utilitatis aflerat sumentibus, insiiper q~iibus fr~iendum aut sumendum ~ i t . ~ ~

De forma idêntica ao ensino sobre o Batismo, Lutero quer pôr em des- taque na sua instrução o significado (bede~itung) e o proveito (nirtzen) da Santa Ceia. Esta intenção já está presente na série de pregações proferidas sobre o Catecismo em 1 528.X6

Para Lutero está claro: o que faz o pão e o vinho serem o sacramento são as palavras de Cristo." ' O ponto cardinal é a palavra e a ordenação ou mandamento de Deus. Pois o sacramento do altar não foi excogitado ou inventado por homem algum, mas foi instituído por Cristo, sem conselho e deliberação de quem quer que fosse".xx Esta autoridade da palavra de Deus sobre o pão e o vinho é o argumento mais importante em toda a teologia do Sacramento do Altar em Lutero. Tanto em relação aos papistas como aos sectários, esta autoridade é a base de toda reflexão de Lutero. Mesmo que o uso e a celebração sejam incorretas, o sacramento permanece inalterado

" C M 4,l. ' I Lii3i.o de Conccírdiu, op. cit. p. 363. "CM, Prefácio, 5. X4CM, 5 Parte, 1-86. XSCurechisrnus Muior, De Sucrumento Alrcrris, 1 . "Predigtreihe W A 30 I, 26; 55; 119. "CM, 4, 1-7. "CM, 4, 4.

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devido a sua origem E a única maneira de se ficar fiel ao sacra- mento é de se crer nele conforme as palavras de Cristo: "Pois visto que esse tesouro é apresentado totalmente nas palavras (de Cristo), não se pode apreendê-lo e dele tomar posse de outra maneira senão pelo cora- ção"."' Esta objetividade da Ceia, que vai além da percepção humana, tam- bém é descrita no Catecismo Menor, quando Lutero pergunta "que é o sacramento do altar?".'"

Após caracterizar a origem objetiva da Ceia, Lutero pergunta: "Que é, pois, o sacramento do altar?" e a resposta é: "é o verdadeiro corpo e san- gue de Cristo Senhor, em e sob o pão e o vinho, que a palavra de Cristo ordena a nós cristãos comer e beber"."? E para que haja verdadeiro corpo e sangue de Cristo presente na Ceia, "a palavra tem de fazer do elemento um s a c r a m e n t ~ " , ~ ~ pois "se apartas a palavra ou consideras a coisa sem a palavra, nada tens além de mero pão e vinho. Se, porém, as palavras fica- rem com eles, como é devido e necessário, então é, conforme rezam, ver- dadeiramente o corpo e o sangue de Cristo. Porque assim como fala e diz a boca de Cristo, assim é, pois ele não pode mentir nem enganar".94

Com esta presença real de Cristo, defendida no Colóquio de M a r b u r g ~ , ~ ~ Lutero pôde condenar o pensamento de que a Ceia dependia da dignidade do sacerdote." E insiste: "Atenta nisso e retém-no bem. Porque sobre es- sas palavras (de Cristo) repousa todo o nosso fundamento, proteção e de- fesa contra todo erro e sedução, já vindos ou que ainda possam vir"."7 A Ceia é alimento porque é "poder e proveito em razão dos quais o sacramen- to foi propriamente i n s t i t ~ í d o " . ~ ~ Para Lutero "vamos ao sacramento a fim de receber tal tesouro, porque em Cristo é que recebemos perdão dos pe- cados" , w L‘ pois me ordena comer e beber, para que seja propriedade minha

e me aproveite como seguro penhor e sinal, sim, como exatamente o pró- prio bem estabelecido para mim contra o pecado, a morte e toda desgra-

-- -

"CM, 4, 5 . "'CM, 4.36. "CM, VI. 1-4. "CM. 4. 8 "CM 4. 10. "CM 4, 14. Esta posição é ratificada na Foriiiula de Concórdia, DS VIII, 20-23. "SASSE, Hermann. Isto é o Meu Corpo. Porto Alegre, Concórdia. 1970, p.166-203 trans-

creve os debates e os artigos assinados ao final do colóquio. '"'CM 4. 15- 19 repetido na Fórrnula de Concórdia, DS VI11 24-26. "CM 4, 19 "'CM 4, 20. ""CM 4. 22

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~ a " . " ~ ) O homem regenerado a partir do batismo tem na Ceia um "alimento da alma, que nutre e fortalece o novo homem"lO' para combater a velha natureza, pois ela permanece. Satanás faz uso desta velha natureza, enfra- quecendo o novo homem, podendo levá-lo até a morte. "Por isso o sacra- mento nos é dado para diária pastagem e alimentação, para que a fé se restaure e fortaleça, a fim de nessa peleja não sofra revés, porém se faça incessantemente mais vigorosa".102 A Ceia funciona como um antídoto contra o veneno de Satanás, que "não desiste até cansar-nos afinal, de modo que renunciamos a fé ou desanimamos e nos tornamos apáticos ou impaciente^"^^)^.

Nesta questão Lutero volta a dar forte ênfase a Palavra de Cristo.Io4 Segundo Kuhn, a palavra assume três funções: 1 - a da ordem nas palavras "fazei isso"; 2 - a da execução nas palavras "isto é o meu corpo", e; 3 - a dádiva através das palavras "por vós".105 Pode-se perceber isto nos pará- grafos trinta e trinta e um do Catecismo Maior. Portanto, todo o evangelho está incorporado na Santa Ceia devido as palavras de Cristo. Toda a fé cristã tem na Ceia o objeto central no qual se agarra e mantém firme: Cristo. l 0 \

Após considerar o fundamento da Ceia, Lutero apresenta aquele que se beneficia com este sacramento: "agora cumpre vejamos qual a pessoa que recebe esse poder e proveito. É em palavras bem sumárias, conforme ficou dito acima, no batismo, e em muitos outros lugares, aquele que crê conforme rezam as palavras e o que trazem. Pois não são ditas ou proclamadas a pedras e paus, mas aqueles que as ouvem"107. E continua: "quem disso toma boa nota e o crê verdadeiramente, esse o tem; aquele, porém que não crê, nada tem, pois deixa que se lho apresente em vão e não quer fruir desse bem salutar. O tesouro, na verdade, está aberto e é colocado a porta de todos; mais: é posto sobre a mesa. Todavia, cumpre também que dele te apropries e com certeza o consideres como sendo aquilo que as palavras indicam".'0x

""'CM 4, 22. ""CM 4, 23. ""Catecismo Maior 4, 24,25. ""Catecismo Maior 4, 26. 'LuCatecisino Maior 4, 29,30. " ' S ~ Ü ~ ~ , U. "Luthers Zeugnis vom Abendmahl in Unterweisung. Vermahnung und Beratiing"

111 Lebeil iiiid Werk Murfitl Lufhers von 1536 bis 1546. Berlin, Evangelische Verlagsanstali. 1983. I , p . 143. 144.

"'hCatecisino Maior 4, 32. ""Catecisriio Maior 4, 33. "'Tatecisino Maior 4, 35,36.

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Lutei-o deixa bem claro o que faz alguém ser digno ou indigno: "Pois visto que esse tesouro é apresentado totalmente nas palavras, não se pode apreendê-lo e dele tomar posse de outra maneira senão pelo coração".'0Y É o coração que discerne esse tesouro e o deseja.

Vemos, portanto, como Lutero é um filho de seu tempo ao usar os recur- sos retóricos aprendidos do estudo clássico. Como um instrumento, a retó- rica serve de meio para que Lutero possa atingir seu fim proposto. Como pastor e cura d'almas, Lutero também é retórico, pois sabe mesclar este instrumento com seu fim proposto. Se a grande tarefa de seu ministério é mover os cristãos para aquilo que Deus oferece e faz as pessoas serem cristãs, as formas utilizadas para se alcançar este fim precisam ser as mais contemporâneas possíveis. E Lutero consegue ser contemporâneo e de vanguarda para seu tempo, com o uso sistemático da retórica no fazer mover os cristãos para a Santa Ceia. Tanto na perspectiva hortatória como pedagógica, Lutero é um grande retórico.

CONCLUSÃO Destacamos nossas conclusões em relação utilização de recursos

retóricos na exortação de Lutero a Santa Ceia, particularmente ao uso de argumentação retórica com vistas a promover a ética cristã, no que se refere a participação na Santa Ceia. Primeiramente, Lutero é um grande pastor. Ao se apresentar como alguém responsável em educar, instruir e admoestar o povo de Deus ou o povo que quer ser de Deus, Lutero faz uso da autoridade escriturística para validar seu trabalho pastoral. Ele deixa claro, nas suas palavras, a intenção de que Cristo apareça e exerça sua função no coração daquele que já é cristão e também no coração daquele que ainda não é cristão. Lutero é hábil neste aspecto, porque sempre apela para a autoridade de Cristo.

Lutero, por esta habilidade em apontar para Cristo como aquele que move. desenvolve todo o seu pensamento em torno da Palavra de Cristo. Quanlo exorta, ele o faz a partir do que Cristo quer que façamos. As pala- vras de Cristo carregam e preenchem os argumentos de Lutero de tal for- ma que o trabalho dele é apenas de tornar claras as intenções de Jesus com a instituição da Ceia. Quando confronta a prática que desvaloriza a Ceia, Lutero coloca em xeque não a sua autoridade de pastor, mas a própria

"Tatecisino Maior 4. 36

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autoridade de Cristo. E como muito bem conclui: se queremos ser cristãos que dependem de Cristo, é preciso valorizar o sacramento o que Cristo oferece nesta Ceia. Neste aspecto, o pathos, a autoridade e credibilidade de Cristo, da argumentação é bem claro e enfático. O logos, o argumento axiomático, está nas palavras de Cristo e o ethos, a resposta do povo que quer ser de Deus, está em valorizar e aproveitar o que Cristo oferece neste Sacramento.

Lutero é um grande retórico. Quando observamos o gênero retórico de suas palavras, percebemos que enfatiza o possível e o impossível. Se al- guém quer ser cristão, só é possível quando se recebe aquilo que Deus oferece através de seu amor em Jesus Cristo. Já pelo contrário, é impossí- vel ser cristão sem valorizar o Sacramento da Ceia. Este modo de argu- mentar já o percebemos nas palavras de Jesus, quando condiciona a parti- cipação no reino dos céus através do reconhecimento de que ele é o único meio de se ganhar as graças de Deus.

Vinculado a esta participação, o uso frequente da Ceia produzirá frutos na vida do cristão. Primeiramente, frutos de fé, pois reconhece-se o papel de Cristo na vida cristã; depois, frutos e benefícios pessoais, especialmente na luta contra os inimigos espirituais que assolam a vida cristã, querendo tirar Cristo do coração dos que crêem; e, também, fmtos vinculados a uma vida responsável em relação ao próximo, pois a raiz do amor de um cristão está naquilo que Cristo lhe oferece e isto está presente na ceia.

Um outro aspecto a ressaltar é o caráter missiológico da Ceia. Já que a participação na Ceia não está centrada na dignidade do homem, mas na de Cristo, podemos observar que Lutero enfatiza o aspecto da Ceia ser cria- dora da fé e não apenas mantenedora do que já se crê. A Ceia é um meio de ação do próprio Deus e esta ação é criadora e fundamental para aquele que quer ser um cristão.

Com este modo de argumentar, aprendido da retórica clássica, Lutero quer persuadir os cristãos a satisfazer as necessidades básicas do cristão. Deixar Deus ser Deus é o único modo de ser e permanecer cristão na face da terra. A retórica assume um papel importante na reflexão de Lutero pois, de forma consciente, ele a utiliza como um instrumento na transmissão da verdade revelada. O fim proposto pelo pastor Lutero tem no Lutero retórico o melhor meio de alcançar este fim. Toda a teologia de Lutero visa um fim bem claro: deixar Cristo ser a boa nova, que traz uma nova realida- de para aquele que é cristão. Mas, para que Lutero não apareça, mas que Cristo seja a razão de viver do cristão, o meio em se atingir este fim de

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assumir uma postura de instrumento nas mãos de Deus, para que este Deus possa atingir seu objetivo no crente. Instrumentalizando-se com a retórica, Lutero consegue se colocar no lugar de servo da mensagem a ser transmi- tida. Esta postura de vanguarda coloca Lutero como um homem moderno para seu tempo, visto que utiliza o que de melhor possui para atingir seus fins propostos.

Se queremos identificar um cristão, podemos concluir que o precisamos encontrar participando da Ceia e não fazendo abuso da sua liberdade cristã, pensando que a Ceia é matéria livre e não fundamental. Para Lutero, par- ticipar da Ceia é parte da ética cristã, visto que é ordenada e instituída pelo próprio Deus em favor do homem. A ética cristã provém de um coração que já é cristão e que quer viver na dependência de Cristo. Os cristãos precisam utilizar os melhores recursos disponíveis para mostrar o que o povo de Deus precisa fazer, assim como Lutero fez uso da retórica para argumentar e mover os cristãos. Se se tem que voltar a estudar os meca- nismos retóricos da antiguidade clássica para o bem do evangelho, que haja esforço para tal, e que neste exercício funcional de anunciar Cristo para as pessoas, se deixe claro que Cristo está por trás das argumentações que convidam e entusiasmam, mas que não obrigam ou ameaçam.

Espera-se que através destas palavras tenha-se cumprido o objetivo de mostrar ao leitor que assim como Lutero agiu sabiamente na tratativa pas- toral através de formas evangélicas, sem coagir nem obrigando, quando precisou motivar os cristãos a participarem da glória de Deus em Cristo Jesus, assim possa a igreja hoje aparelhar-se através de reflexões e argu- mentos cristocêntricos para mover o povo que quer ser de Deus a valorizar o que Deus lhe oferece nesta Ceia.

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3 de dezembro de 2000 Lucas 21.25-36

Trata-se de um contexto em que se ouve falar de sinais. Jesus apresenta aos discípulos os sinais que antecederão dois eventos: a destruição do tem- plo de Jerusalém, bem como da própria cidade, um acontecimento, e a sua segunda vinda com o término desta presente era, o outro evento. As pala- vras do Mestre compõem a resposta à pergunta que lhe foi dirigida por Pedro, Tiago, João e André (Mc 13.3), em Lc 2 1.7. A resposta propriamen- te dita à pergunta de 21.7 encontra-se em 20 a 24, onde o Mestre menciona o acontecimento imediatamente à frente dos discípulos, ou seja, a queda de Jerusalém. Quanto ao fim dos tempos desta era e ao retorno de Cristo, nada há que nos permita tomar como elemento decisivo para fixar o momento dentro de uma data.

Em Mt 24.36, o Senhor diz claramente para os discípulos o que não lhes cabe conhecer. Ao mesmo tempo, todavia, lhes mostra aquilo que é impor- tante: a constante vigilância. É um fato importante este. As palavras de Jesus não contêm nada além do que é necessário ser conhecido pelos discí- pulos e por toda a igreja.

Durante todas as épocas, pessoas têm sido enganadas e conduzidas a expectativas errôneas sobre o retorno de Cristo. O engano provém de duas fontes: falsos Messias e mestres e violentos distúrbios no mundo político. No entanto, não se pode ir além do que verdadeiramente são, isto é, início dos "ais" da época que antecede ao fim e não como indicações de um imediato advento de Cristo. Em Lc 21.7- 19, a igreja de todos os tempos é chamada a perceber os perigos que nascem tanto no seu interior (heresias), como aqueles que brotam de fora dela (perseguições). Servem de adver- tência para que ela não deixe de vigiar, mas não se destinam a satisfazer a curiosidade de quem quer que seja.

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TEXTO A partir do relato da destruição de Jerusalém, Jesus instrui seus ouvintes

sobre o que aguarda o mundo inteiro. Também será destruído. Das profeci- as sobre a destruição do templo e de Jerusalém, Cristo passa para as profe- cias sobre o fim do mundo (21.25-36). O texto faz parte do discurso escatológico em Lucas. A mudança é sutil (de Jerusalém para o fim do mundo). O destaque é a vinda do Filho do Homem (27-36), mas ainda há uma breve, porém poderosa referência aos sinais que acompanharão o fim do mundo. São prelúdios do grande acontecimento.

Vv. 25 e 26 - São os sinais do fim do mundo. Apocalípticos, catastrófi- cas alterações no céu e na terra, que indicam que a ordenada criação de Deus se tornará instável e se voltará para o caos, quando o Criador começa a retirar sua benevolência. Parece não haver relação deles com os mencionados anteriormente, que tratam da destruição de Jeru- salém. Estão englobados dentro de um acontecimento só e não dois acontecimentos em sucessão. Constitui-se em pânico para a humani- dade, porém em alento para os discípulos, pois a vinda do Filho do Homem trará a estes a redenção. O "desmaiarão de terror" do v. 26 é fraco em relação ao original, que significa literalmente "parar de respi- rar", provocado pelo terror que sobreveio. O ponto principal é o resul- tado dos sinais nas pessoas: angústia e terror entre as nações.

V. 27 - O referente de "se verá" é vago a partir do original. Parece, contudo, sugerir que sejam os homens em geral, sem ninguém excluí- do. O Filho do Homem virá numa nuvem, o que nos lembra At 1.9,11. Os acontecimentos descritos nos dois versículos anteriores transfor- mam-se em arautos anunciando a vinda do Filho do Homem. "Filho do Homem" é o título mais associado a Jesus em sua paixão. É, todavia, o crucificado e glorificado Cristo que vem do céu.

V. 28 - O que os arautos trazem para os crentes não é motivo para pânico. Ao contrário, provocará júbilo, pois é chegada a libertação da aflição e a plenitude da salvação. Sem dúvida nenhuma que aqui se encontra o ponto supremo do texto. Apresenta o retorno de Cristo como a chegada da grande e plena libertação tanto das ameaças quan- to do domínio de qualquer inimigo que ousou atacar a igreja e seus crentes. Para estes, o fim do mundo não é razão de temor, mas um convite para permanecer de pé e olhar para os céus, porque está co- meçando a vida na presença do Eterno. Reino de Deus e redenção são sinônimos. Ambos estão próximos quando "estas coisas" (28,31) esti- verem acontecendo.

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Vv. 29-3 1 - A parábola tem como propósito encorqjar e levar esperan- ças para os discípulos de Jesus, enquanto aguardam a salvação final. As árvores começando a brotar anunciam que o verão está próximo. Não há necessidade de que outros nos digam isto. Os sinais já menci- onados dirão: o reino de Deus está próximo! É libertação, é vitória, é júbilo, é bem-aventurança chegando! É importante perceber isto, pois todas as nossas esperanças estão voltadas para lá.

V. 32 - "Esta geração" não se refere à que vivia no tempo de Jesus tão somente. A expressão é, na verdade, uma verdadeira cruz para os intér- pretes. Parece compreender toda a classe má de homens que se reproduz e se sucede em muitas gerações. Estabelece uma linha de continuidade de todos os descrentes. São os que rejeitam Jesus durante seu ministério terreno. Foram precedidos por aqueles que rejeitaram os profetas que pregaram a Palavra de Deus. Terão como herdeiros aqueles que despre- zarão o evangelho proclamado pelos apóstolos e pastores até hoje. O "tudo isto" que tem de acontecer engloba a totalidade dos eventos profe- tizados na parte anterior do discurso de Jesus e não simplesmente a queda de Jerusalém. "Esta geração" aparece nove vezes em Lucas e sempre se refere a uma porção descrente da humanidade (7.3 1 ; 1 1.29-32, por quatro vezes; 11.50-51 ; 17.25; 21.32; At 2.40).

V. 33 - Embora pareçam indestrutíveis, céus e terra também passarão. Permanecerão, porém, as palavras de Jesus. O que isto quer dizer? Ora, que o cumprimento delas acontecerá totalmente. São muito mais sólidas do que a solidez que céus e terra possuem e é pelos homens considerada inabalável. Que fantástica afirmação para consolo e es- perança daqueles que confiam nas palavras de Jesus! Tais palavras manterão os discípulos preparados para o fim. Quando o mundo pas- sar, aqueles que rejeitam o ensino de Jesus passarão com ele. Porém aqueles que ouvem e guardam a palavra de Jesus (Lc 11.28), perma- necerão e herdarão o reino que lhes está preparado (Mt 25.34).

V. 34 - É uma advertência para não sucumbir às tentações intoxicantes do mundo pecador. Corações sobrecarregados por elas deixam de vi- giar e orar. Cautela, portanto, diante daqueles que oferecem uma falsa catequese que conduz à injustiça, bem como à vista daquelas coisas que nos fazem perder de vista a lembrança do iminente retorno de Cristo e da rápida aproximação do fim do mundo.

V. 35 - O grande dia há de sobrevir a todos os que vivem (estão senta- dos, no original) sobre a terra. Despreocupados quanto a isto, descan-

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sam satisfeitos para terem energias a fim de aplicá-las naquilo que julgam importante. A tais, o dia final apanhará como um laço.

V. 36 - Os que são instruídos pelas palavras de Jesus estão preparados para estarem de pé na presença do Filho do Homem no dia apocalíptico. "Estar de pé" significa não cair debaixo do juízo do Filho do Homem. Coiiclama-nos a buscar permanente socorro na graça divina presente em Jesus, pois o Deus que é poderoso para destruir, é também podero- so para conservar alguém firme diante do juízo. Há grande conforto para os crentes. O fim não deve ser temido, porém saudado com cabe- ças ao alto, quando o Filho do Homem vier com a redenção, a fim de recebê-los à mesa do banquete celestial.

APLICAÇOES HOMILÉTICAS

Jesus fala com lei e evangelho no texto. Através da palavra de lei, ele realiza a obra estranha de Deus, ou seja, ameaçando com o juízo aterrador aqueles que desprezam a salvação oferecida por meio do evangelho. O texto deixa clara a vinda do dia do retomo de Cristo e o que ele significará para todos. Uma coisa será encontrá-lo como descrente; outra, totalmente diferente, recebê-lo como crente. Como lei, o texto aponta para o perigo de não exercitar a fé, substituindo-a pelo desleixo na vigilância, sobrecarregan- do o coração com preocupações referentes apenas a coisas pertencentes a este mundo, o qual, certamente, passará com tudo o que existe.

O conforto do evangelho aparece na promessa de redenção trazida por Cristo no seu retomo. Para que sua volta seja exatamente isto para os cren- tes, ele nos deixou sua Palavra, pela qual nos traz a vida e nos conserva a vida. Pela fé, fruto da ação do Espírito na Palavra, veremos nos sinais apocalípticos os sinos tocando para dar início à grandiosa adoração do nosso Salvador. Será o Rei que chega ... e nós ? Os felizes herdeiros do seu reino!

SUGESTÃO DE TEMA

CONVIDADOS PARA RECEBER A SUPREMA FELICIDADE po- deria ser o tema do sermão, apontando para o grande propósito do texto, ou seja, destacar o desejo de Deus referente ao dia do retomo de Cristo. Como a palavra evangélica é aquela pela qual Deus realiza sua obra própria, deve- rá ressaltar a misericórdia do Serihor em oferecer para nós aquilo que nos põem de cabeças para o alto, jubilantes, diante do Filho do Homem, livran- do-nos do terror a tomar conta daqueles que encontrarão apenas o juízo.

P a ~ ~ l o Moisés Nerbas São Leopoldo, RS

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10 de dezembro de 2000 Lucas 3.1-6

A leitura prevista integra um segundo bloco temático no Evangelho de Lucas. Neste bloco (3.1-4.30) são tematizadas a atuação de João Batista e os começos das atividades de Jesus. O modo de tratar alternada e paralela- mente de relatos vinculados a João Batista e a Jesus corresponde ao empre- endido pelo evangelista no bloco anterior, que tematiza as histórias da infân- cia de ambos. A pregação, o agir e a rejeição do Batista (3.1-20) correspondem a aparição de Jesus em Nazaré (4.16-30). A pregação de João se dirige a preparação, a de Jesus ao cumprimento (4.21 ). Batismo, genealogia e tenta- ção revelam e confirmam aquele que batizará com o espírito e com fogo, e que é anunciado pelo que batiza com água (3.2 1 -4.1 5) .

TEXTO V. I - O décimo quinto ano do imperador Tibério foi provavelmente o

ano 28/29. Lucas informa resumidamente sobre as relações políticas e hierárquicas na Palestina. O evento salvífico ocorre em um momen- to determinado da história universal, em um espaço marcado por po- deres políticos e hierárquicos. Pôncio Pilatos era governador da Judéia. Sob sua influência também está a Samaria. A Galiléia e também a região a leste do Jordão estavam sob a jurisdição do tetrarca Herodes Antipas (4 a. C. - 39 d. C.). Ituréia e Traconites estavam sob o tetrarca Filipe (4 a. C - 34 d. C.), irmão de Herodes. O historiador Josefo faz referência a Filipe e a diversidade de nomes de povos e lugares no território por ele governado. Por fim, Lisânias era tetrarca de Abilene, a noroeste de Damasco. Também ele é citado por Josefo. Os dados são reunidos e apresentados com esmero por Lucas.

V. 2 - Além das autoridades políticas são citados ocupantes da hierar- quia religiosa. Na verdade, a prática era haver apenas um único sumo

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sacerdote. Em 15 d. C. Anás havia sido substituído por seu filho Eleazar. Pouco tempo depois, o genro do mesmo Anás, José Caifás (1 8-36 d. C.), tornou-se sumo sacerdote. Apesar disso, Anás continuou muito influente e, na prática, compartilhava com Caifás a direção religiosa sobre os judeus. Nesse contexto político e religioso - diz o texto - veio a palavra de Deus a João. Ele estava no deserto até ser constituído em sua função profética. Agora recebe a Palavra, que o retira de lá, investindo-o em seu novo campo de ação. A inclusão do nome do pai de João lembra Os 1.1 e Jr I . 1 ss. Lucas dá seqüência à historiografia profético-sacra1 do Antigo Testamento.

V. 3 - João percorreu diferentes lugares nas proximidades do Jordão, "pregando batismo de arrependimento para perdão de pecados". "Ba- tismo de arrependimento", ou "de conversão" é a fórmula típica que caracteriza o batismo de João. A imagem presente é a do caminho. O arrependimento, a metanoia, a mudança de mentalidade é a "conver- são" do falso caminho, representado pela ruptura da aliança, para o caminho de Cristo. Essa "conversão" é inaugurada com o "batismo de arrependimento". Para muitas das primeiras comunidades cristãs o batismo de João foi um sacramento de iniciação na comunidade de Cristo, por meio do qual os membros recebiam perdão de pecados. Mateus relaciona "perdão de pecados" não só ao batismo, mas tam- bém à Ceia do Senhor (Mt 26.28). A realização do batismo era, assim, uma confissão da parte da pessoa quanto a sua impureza e simultane- amente expressão de sua conversão. O batismo de João é o sacra- mento escatológico da recepção dos membros do povo de Deus no povo escatológico de Deus. Ocorre uma única vez e é oferecido in- condicionalmente, sem nenhum período de provação anterior. A pes- soa era mergulhada na água ou, como era costume da Igreja antiga, tinha água derramada sobre si.

Vv. 4-6 - O uso da expressão "no livro das palavras do profeta Isaías" revela um escritor muito bem formado. A citação das palavras do profeta evoca determinadas expectativas de Israel: assim como na época de Moisés, o povo será restituído no deserto; uma nova tomada da terra prometida ocorrerá na era messiânica. Há que se preparar o caminho, pois o Senhor vem até o seu povo. No judaísmo há uma relação estabelecida entre ca- minho e lei. A lei de Deus é o caminho para as pessoas. Aqui em Lucas, porém, o caminho é aberto, não pelo estudo da lei, mas pelo começo de uma nova história. A imagem bíblica do caminho é repleta de linguagem profético-sapiencial. Jesus Cristo tem seu caminho, cujo começo é aberto por aquele que clama no deserto. É o caminho de Deus sobre Israel com

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as pessoas. Os obstáculos que devem ser retirados do caminho significam no Novo Testamento a impureza provocada pelo pecado. Lucas dá uma forma específica à linguagem do profeta, procurando destacar a aqão salvífica de Deus. Ele aterra os vales, retifica o que é tortuoso e nivela os montes, ou seja, preenche o vazio, leva o que é obscuro ao caminho corre- to e rebaixa o que se eleva. Toda a carne verá a salvação de Deus. Siia ação salvífica vale para toda a humanidade (cf. também Lc 2.30-32). A preparação para a salvação trazida por Deus é empreendida por João e dirigida a todos os povos, tal qual o velho Simeão já tinha constatado.

APLICAÇ~ES HOMILÉTICAS

Advento é tempo de penitência. O desafio é compreender a penitência, ou o arrependimento, como algo operado por Deus na vida de cada pessoa crente, e não como iniciativa própria, dependente da vontade humana. Por vezes, a pró- pria pregação acaba levando os ouvintes a imaginarem um possível arrependi- mento fora da perspectiva da fé, sem a ação do Espírito Santo.

A tradição confessional luterana, especialmente em seus começos, sempre relacionou estreitamente arrependimento e batismo. No momento em que o arrependimento passa a ser visto mais como fruto de esforço humano e produto da consciência das pessoas, simultaneamente o batismo acaba sendo esvaziado em toda sua dimensão de graça plena concedida por Deus. Vira festinha para reunir familiares e amigos. A interpretação do batismo por Lutero nos Catecis- mos Menor e Maior pode ser um subsídio valioso ao pregador, especialmente nas passagens em que ele relaciona batismo e arrependimento.

O texto bilblico em questão oferece uma boa oportunidade para pregar acerca do arrependimento como obra de Deus na vida de cada pessoa crente. Como Deus faz com que ele ocorra na vida de cada qual, na vida familiar, na comunidade, no cotidiano? Como Deus, em cada situação, ater- ra vales, nivela montes e outeiros, retifica os caminhos tortuosos e aplana os escabrosos?

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema - Deus faz o arrependimento: 1 - Através da pregação (palavra e ação) de João Batista; 2 - Através do batismo; 3 - Através da pregação (palavra e ação) - em nossas vidas, famílias e

comunidades.

Ricarzio W Kieth São Leopoldo, RS

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17 de dezembro d e 2000 Lucas 3.7-1 8

Do contexto anterior ao capítulo três do Evangelho de Lucas abre-se um espaço de tempo de 18 anos. Nada é relatado da adolescência e juven- tude do Salvador Jesus. O Evangelista apenas escreve: "E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens"(Lc 2.52). Deus não dá sua Palavra para satisfazer nossa curiosidade, mas para preencher o que temos total falta e não podemos encontrar a não ser somente em seu Evangelho.

O que é importante para Deus em relação a seu povo? Do que é que todos têm total falta? Que todos conheçam sua boa vontade, seu grande amor. Que instrumentos Deus usa para revelar tão importante notícia? Os mesmos que até então evidenciaram nos momentos mais difíceis da vida de seu povo, a boa vontade de Deus calcada sob sua promessa de redenção. Todos os profetas anunciaram o prometido redentor. Os instrumentos de Deus (seus profetas) proclamaram o meio de Deus (sua Palavra 1s 55.1 0- 1 3), que leva ao arrependi- mento e à remissão de pecados. Aqui temos o de que todos têm total falta, ou seja, na condição de mortos em pecados, poder ser agradáveis a Deus.

Chegou o tempo de trazer ao mundo o verdadeiro Deus, que com sua santidade como verdadeiro Homem foi como nosso substituto, que com sua obra redentora agradou plenamente a Deus, o Pai. Agora chegou o mo- mento oportuno, "a plenitude do tempo", o "dia da salvação". Deus não age ao acaso. Ele tem desde sempre tudo muito bem planejado. Através de seu profeta (1s 40.3) no AT anunciará a vinda do precursor do Messias. O teor de sua mensagem e de sua missão, o tempo certo, bem como o local exato de sua atuação como profeta foram anteriormente estabelecidos. É isto que nos relata o contexto de Lucas 3. 1-6.

João Batista é o elo humano enviado da parte de Deus para ligar toda a

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mensagem da promessa do AT com o cumpridor da promessa no NT, o verdadeiro Deus vindo ao mundo na pessoa do Senhor Jesus Cristo. A autenticidade divina do chamado profético do Batista é descrita por Lucas nas palavras: "veio a palavra de D ~ L L S a João, filho de Zacarias, no deserto "(3.2). Acompanha a pregação de João Batista um sinal visível, ordenado por Deus, " o batismo de arrependimento para remissão de pecados"(3.3). Batismo de arrependimento da velha e mundana maneira de viver, para um nova e verdadeira maneira de vida. Esta nova e autêntica maneira de viver é a conversão ao verdadeiro Deus, que inclui o crer que a era escatológica da salvação está presente entre nós em Cristo.

Vv. 7 - 9 - Resumem o conteúdo da pregação de João Batista. Multi- dões vinham para ouvir a João. Diríamos hoje que sua mensagem não era simpática, como não foi simpática aos olhos dos ouvintes a mensagem profética do AT. Entre os seus ouvintes achavam-se tarribém "muitos fariseus e saduceus" (Mt 3.7). Apesar de sua pregação se dirigir às multidões, que em sua ética natural viviam sob o signo do "olho por olho, dente por dente" (Mt 5.38), ela atingiu em cheio os que por sua nacionalidade judaica consideravam-se fi- lhos de Abraão. Como filhos do pai Abraão, achavam-se merece- dores da salvação. E entre estes ouvintes estavam os fariseus e saduceus, que achavam que por sua condição e modus vivendi eram os únicos dos quais Deus se agradava. Estes para disfarçar simpa- tia para com o pregador que atraía multidões, e sobretudo, para as- segurar sua reputação religiosa diante do povo, viriham ouvir o teor da sua pregação. A pregação de João Batista é dirigida a todos, mas encontra também o endereço certo, o coração hipócrita dos "religio- sos" em Israel. Assim sempre o é com toda a Palavra que por intermédio dos cristãos em geral e dos seus pastores em especial, Deus anuncia ao seu povo. Ela sempre atinge a todos, mas alguns se sentem mais atingidos com a pregação. Que jamais tenham os que nos ouvem a Palavra de Deus a mesma reação de total rejeição dos fariseus e saduceus. Mas se esta for sua postura lembremos o que diz o salvador Jesus: "Quein vos der ouvidos, ouve-me a mim; e, quem vos rejeitar; a mim me rejeita; quem, porém, me rejeitar; rejeita aquele que me enviou "(Lc 10.1 6 ) .

O discurso é duro. Batista chama seus ouvintes de "raça de víboras". O veneno mortal e enganoso de serem "filhos de Abraão" fazia com que a hipo- crisia grosseira no que se refere à promessa, fosse desvirtuada. Não basta apenas ser filho de sangue de Abraão, isto não garante nada a ninguém. É preciso ser feito filho pelo sangue do Messias. Crer em Cristo como o Messias

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da promessa, este é ponto central de toda a pregação do Batista. A ira de Deus permanece sobre todos os filhos rebeldes e desobedientes. Ser filhos apenas formalmente por nacionalidade não garante a ninguém a salvação. Ao contrá- rio, Deus, no seu tempo oportuno, envia " o Salvador, que é Cristo, o SenhorH(Lc 2.11). A verdade é uma só: Deus pode por Palavra e Sacramen- tos produzir em nós arrependimento. Arrependimento cujo grande fruto é o humilde reconhecimento da bondade e graça de Deus imerecidas. A soberba de querer por outras maneiras como nacionalidade, piedade disfarçada, condu- ta moral irreparável receber o favor de Deus, a não ser por sincero arrependi- mento, pode ter certeza que será como "árvore cortada e lançada ao fogo"(v.9). A pregação de João tem uma ênfase escatalógica na medida que aponta para o destino futuro dos que rejeitam a Cristo como o Messias. Lem- bra-nos do juízo final (v. 17), onde o próprio Jesus glorificado recolherá toda a humanidade (sua eira), os crentes para os céus (seu celeiro), enquanto que os descrentes irão para a condenação eterna (porém queimará a palha em fogo inextinguível) . O evangelista conclui a perícope dizendo que com muitas outras exortações João Batista "anunciava o evangelho " (v. 1 8). É importante este aspecto, para colocar às claras aos que ainda têm dúvidas, afirmando ser a pregação do Batista puramente legalista. Ele "anunciava o evangelho ". E é este Evangelho da graça de Deus que produz no coração dos homens 'Yr~rtos di,qnos de arrependimento" (v. 8) ou "bom fruto" (v.9).

Vv. 10- 14 - A pregação da Palavra de Deus, sempre provoca uma reação. Ela pode ser de rejeição como no caso dos fariseus e saduceus. Mas, ela também é positiva, como no caso das multidões, dos publicanos e dos soldados. Deus com seu evangelho provoca a boa transformação no coração dos que o ouvem, que se reflete agora em aspectos concretos do cotidiano. Diante de tudo o que Deus fez por nós e ainda faz em Cristo, como deve ser a nossa atitude? E é bom salientar que quando Deus pelo seu Evangelho em Cristo é reconciliado com a "raça de víboras ", com as "árvores que não produzem bom fruto", há uma mudança. E esta mudança sempre é referente ao novo relacionamento que a partir da fé temos com Deus. Este novo relacionamento da fé com Deus também muda nossa atitude hipócrita e egoísta para com nossos semelhantes. So- mos bons e dadivosos, não para merecermos algo de Deus, mas justa- mente porque Deus em Cristo nos salvou. "Nós amamos porque Ele nos amou primeiro" (1 Jo 4.19). É exatamente esta santa preocupação, provocada pela fé em Cristo, que relata o texto analisado. O texto tam- bém nos lembra, indiretamente, que irmãos neófitos na fé necessitam de orientação quanto a atitudes a serem tomadas.

Vv. 15,16 - João Batista foi tão claro e certamente incisivo em sua

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proclamação a respeito de Cristo, que deixou seus ouvintes na expec- tativa. Expectativa mesclada com uma ponta de dúvida: "... não se- ria ele, powentura , o próprio Cristo(?) (v.15). O orgulho poderia falar mais alto, mas em João este não é o caso. A autenticação de seu anúncio preparatório era o evangelho, com o sinal visível do batismo de arrependimento. Esta era toda sua missão. Apontou antes e du- rante sua pregação para o Cristo vindo. Agora humildemente coloca- se em seu lugar, não sem antes apontar para as multidões, para aquele que fora o motivo de sua missão, Cristo, o Messias. Os sinais de seu amor são incomparáveis, "Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo " (v. 16).

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema - Mensageiros e Mensagem de Advento

I . Quem são os mensageiros do Advento de Cristo hoje? a) sua Igreja militante; b) cada cristão em particular; c) os líderes e pastores da igreja.

2. Que mensagem (conteúdo) devem anunciar? a) o Evangelho da salvação; b) esta mesma palavra que os transformou; C) ela é anunciada em palavras e em atitudes.

3. Que Advento é este? A volta de Cristo para recolher os seus para o seu celeiro.

Orlando Ott São Leopoldo, RS

Igreja 1,uterana - No 2 - 2000

24 de dezembro de 2000 Lucas 1.39-45 (46-55)

" ... e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador."

( V 4 7 )

A exemplo de quase todas as moças, esta também sonhava em se casar! Seu coração já pertencia a José, aquele com quem dividiria toda a sua vida.

Em casa, orando, fazendo planos, lavando a louça, limpando o chão, fazendo pão, trabalhando no enxoval, ou pendurando a roupa no varal? Ah, que impor- ta?! Alguma coisa fazia, Maria, quando Gabriel se apresentou da parte de Deus e lhe disse: "Alegra-te, muito favorecida! O Senhor é contigo" .

Maria se perturbou. Possivelmente mais do que pela presença do anjo, pela sua saudação, que prenunciava uma grande revelação! Lucas, em nosso contexto, registra que ela "pôs-se a pensar no que significariu esta saudação".

Que poderia pensar Maria acerca do que Deus estava por lhe revelar?

Gabriel, então, supera em muito a expectativa de Maria! Ele a surpreen- de com a fantástica notícia de que ela fora escolhida para ser a mãe do Filho de Deus!

Perturbada ante o impacto da revelação, indaga ao anjo: "Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?"

O anjo prontamente lhe assegura: "Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, tam- bém o ente santo que há de nascer será chamado Filho de De~ls".

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Informada de que sua prima, Isabel, a estéril, na velhice havia concebi- do e já estava no sexto mês da sua gravidez, Maria compreendeu que de fato não há impossibilidades para Deus em todas as sua promessas, e então pronunciou sua célebre sentença: "Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra".

Ao visitar sua prima Isabel, Maria recebe desta a saudação que perma- nece celebrada até hoje: "Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre!"

Observemos, porém, que Isabel rende homenagem a sua prima Maria, mas adora o "fruto do teu ventre" (v. 42) ao chamar-lhe "Senhor" (v. 43). Não é a mãe do Senhor, mas o Senhor da mãe, e de todos nós, que constitui objeto direto da adoração humana! Seu senhorio é admitido e reconhecido antes mesmo de nascer! A igreja de nosso Senhor Jesus Cristo, pois, haverá de sempre render homenagens aquela distinta senhora, exemplo de fé e humildade, mas dobrará seus joelhos apenas diante do Menino de Belém, do Pai e do Espírito Santo.

Sendo Deus desde a eternidade, o Filho tornou-se carne e habitou entre nós para nossa redenção e felicidade eternas! E esse advento deu-se no Natal! Tomemos por en~préstimo do apóstolo Paulo, parodiando uma de suas frases mais expressivas (cf. Rm 8.38,39), e então digamos que nada, nem altura, nem profundidade, nem coisas do presente, nem do porvir, nem vida, nem morte ... absolutamente nada pode nos separar do amor de Deiis que está em Cristo Jesus, nem tirar-nos a alegria contida nas mensagens do NATAL, que implicam tudo o que ELE fez e há de fazer por aqueles que NELE crêem. - Que esta certeza nos contagie neste NATAL e sinalize para nós um futuro glorioso, apesar da cruz que nos aguarda e precisa ser levada no dia a dia, com paciência e perseverança.

Isabel conclui sua homenagem, que também é profética, dizendo que Maria será abençoada porque creu nas palavras que lhe foram ditas da parte do Serihor (v. 45).

Ao receber esta saudação carinhosa e distintiva que reconhece nela a futura mãe do Salvador, Maria se alegra intensamente, emociona-se, e en- canta ao Senhor enquanto canta: "A minha alma engrandece ao Senhor; e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador".

Quanta alegria há nesse canto?! Enquanto canta, encanta o seu Senhor, e se alegra em Deus, seu Salvador, sinalizando para si mesma e para todos os que viessem a crer Nele o motivo principal da verdadeira alegria!

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Maria tem absoluta consciência de que já está embalando o seu Salvador!

A sua eterna salvação, pessoal e para o seu povo, providenciada por Deus, a levou a cantar e a alegrar-se intensamente! O mundo de sua época não foi capaz de gravar os sons para compartilhá-los com a posteri- dade, mas o conteúdo consolador e contagiante de sua canção foi preser- vado pelo Senhor Altíssimo.

Poderíamos destacar alguns aspectos significativos do conteúdo do MAGNIFICAT, mas a brevidade desta proposta de estudo/mensagem leva- nos a optar por um. E escolhemos a ALEGRIA!

Na primeira estrofe do seu cântico, Maria destacou a ALEGRIA de seu espírito, firmada em Deus, seu Salvador! ALEGRIA, portanto, firmada em JESUS! Em tudo o que Ele haveria de realizar para transformar nossa miséria em riqueza, nossa dor em prazer, nosso morrer em viver, nossa tristeza em genuína ALEGRIA!

Em que se fundamenta a alegria das pessoas nesta noite, véspera de Natal, ao redor do mundo? Em presentes do Papai Noel? (Das milhões de crianças que conhecem o bom Velhiriho, quantas conhecem a Jesus?) Nas gostosas comidas e bebidas? Nos abraços? Nos encontros e reencontros da família e dos amigos?

Se no meio disso tudo não estiver JESUS, e se Ele não for o centro desta festa, então tudo isso produzirá apenas um brilho efêmero e fugaz numa imensa noite escui-a ... e um sentimento de vazio e um gosto de ressaca tomará conta das pessoas, fazendo-as deprimidas no dia seguinte ... até a próxima festa ... e a próxima ressaca. .. e a próxima festa ... e assim até o fim!

NÃO É ASSIM COM O POVO DE DEUS! GRAÇAS A DEUS!

A ALEGRIA de Maria, manifesta no seu canto, que apontava para Aquele que estava sendo gerado pelo Espírito Santo, em seu íntimo, como SALVADOR, é também a nossa ALEGRIA! Não só na véspera do Natal, no dia do Natal e nas grandes festas da Igreja. Mas a cada novo encontro do povo de Deus, na casa de Deus, para genuíno culto a Deus, devemos ma- nifestar toda a verdadeira ALEGRIA por tudo o que ELE fez e ainda fará em favor de cada um de nós!

Na Santa Ceia, no Batismo das crianças e dos adultos convertidos a fé cristã, na certeza do perdão dos nossos incontáveis erros/enganos/equívo-

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cos/pecados, nos hinos, nos cânticos, nas orações, na gostosa e sempre bem-vinda oportunidade de ouvirmos o maravilhoso evangelho, no aperto de mão, no abraço, no sorriso, no acolhimento dos nossos irmãos! ! !

Ah! Podemos tudo isso, sim! Temos todos os melhores motivos para manifestarmos ALEGRIA! Por isso, não faz sentido comparecer triste a casa de Deus e sair arrasado!

Pode até chegar triste, pela semana pesada e difícil que alguém tenha tido, mas não se admite que volte assim para a sua casa, seu trabalho, sua vida ... depois de participar da verdadeira festa do povo de Deus, na Igreja, depois de experimentar a comunhão com os irmãoslirmãs, na certeza do amor de Deus!

"Esse negócio de manifestar o sentimento de alegria é uma questão de ordem cultural" - poderá dizer alguém que sente essa dificuldade! Mas quaiido essa pessoa está de fato alegre, por algum bom motivo, ela há de expressar-se de maneira a transmitir a outros o que se passa com ela.

Assim como não basta ser honesto, tem que parecer honesto ... igual- mente não basta ser feliz, e parecer triste. É preciso também parecer feliz! Temos que parecer o que somos. Se somos felizes, por tudo o que o Menino de Belém nos proporcionou, vençamos barreiras culturais ... e procuremos manifestar nossa felicidade e ALEGRIA!

O povo brasileiro, bem como o latino, gosta de expressar seus sentimen- tos ... e igualmente aprecia vê-los manifestos nos seus interlocutores.

A Igreja precisa compreender de uma vez por todas esta realidade, se de fato deseja tomar relevantes as mensagens do Natal (que repercutem e ga- nham sentido pleno na Páscoa) para um grande número de pessoas que, hoje, ainda é apenas povo brasileiro ... mas que pode vir a ser povo de Deus!

Seja Feliz e Abençoado o Natal que mais uma vez o Senhor nos permite celebrar! Amém.

Vilsotl Regill~i

Porto Alegre, KS

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25 de dezembro de 2000 Lucas 2.1-20

CONTEXTO Nem sempre é fácil pregar no Natal. Há tanta festa, encenação, poesia

e música que um sermão parece destoar. E existe também a temida fami- liaridade do texto. (Talvez por isso a perícope histórica, que terminava no v. 14, foi, na Série Trienal, espichada até ao v. 20.) Que se poderá dizer que os ouvintes ainda não saibam? O texto é familiar. Agora, se, por um lado, a familiaridade de Lucas 2 preocupa, por outro representa um grande po- tencial. Isto porque um texto familiar já pertence aos ouvintes, e o sermão com mais facilidade se toma também o sermão que os ouvintes gostariam de pregar. Pregamos também pelo ouvinte, e não apenas para o ouvinte.

TEXTO A narrativa pode ser segmentada em quatro parágrafos:

a. O cenário do nascimento de Jesus em Belém (2.1-5) - Jesus nasce sob a Pax Aug~ista, e sua vinda em nome do Senhor resulta em "paz no céu e glória nas alturas" (Lc 19.38).

No v. 1 , Lucas apenas translitera o título latino August~rs, que mais tarde, no livro de Atos (25.21,25), aparece traduzido como Sebastós. O longo reinado de Augusto (27 a.C. até 14 d.C.) foi considerado uma era de paz, a "paz Augusta". Em muitas inscrições que foram encontradas na parte oriental do Império Romano, Augusto é aclamado como "salvador" e "deus". Em Priene, uma localidade perto de Éfeso, foi encontrada uma inscrição que dizia: "(o nascimento) do deus [i.e. Augusto] marcou o início das boas novas [no original, euangélia] por meio dele para o mun- do". Lucas nos apresenta este César Augusto como agente do Deus verdadeiro, pois através do edito do recenseamento cria condições para que Jesus nasça na cidade de Davi.

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No v. 4, o nome de Davi aparece duas vezes. Tal repetição num mesmo versículo é rara em narrativas bíblicas. Fica clara a impor- tância da linhagem davídica.

b. O nascimento de Jesus (2.6-7) - O nascimento do Messias é narrado de foima concisa e simples. Poucas palavras. Tudo muito natural e sim- ples. Isto contrasta com a expectativa de um Messias glorioso da linha- gem de Davi, alguém que, na visão de muitos daquele tempo, deveria restaurar o reino a Israel (At 1.6) num sentido político ou militar.

Maria dá à luz o seu filho primogênito (v.7). Não está necessaria- mente implícito que ele era "primogênito de muitos". Em outras pala- vras, o texto não quer enfatizar que Maria teve outros filhos; apenas quer ressaltar que Jesus tinha a condição e os privilégios de primogênito. O primogênito é o herdeiro. Neste caso, o herdeiro do trono. Tudo isto, porém, é narrado de forma breve e simples. Mas é uma simpli- cidade profunda.

A referência à manjedoura (v.7) tem importância na medida em que é repetida nos vv. 12 e 16. É como um fio que passa pela narrativa e contribui para sua unidade. A palavra que é traduzida por "manje- doura" pode designar uma estrebaria (como em Lc 13.15), mas aqui designa o cocho onde se coloca a comida de animais domésticos. O texto não faz referência a animais, que provavelmente foram "impor- tados" de textos como 1s I .3 e incluídos no presépio.

c. A manifestação da criança (2.8-14) - A notícia do nascimento do Messias é dada, inicialmente, não às autoridades religiosas e políticas do país, mas a gente simples. Pastores de ovelhas são os primeiros a serem informados do nascimento do Pastor messiânico (Mq 5.4).

Lucas nos informa que os pastores "viviam nos campos" (v.8). Há quem argumente que, se não ajuda a datar o nascimento de Jesus, ao menos parece inviabilizar uma data em dezembro, ocasião em que, por ser inverno na terra de Israel, os pastores não estariam morando nos campos. Seja como for, esta discussão serve para lembrar que o texto não traz uma data. O Natal celebra a encarnação do Filho de Deus. Celebramos o evento, não a data exata. A rigor, ninguém sabe em que dia exatamente Jesus nasceu. Interessa que ele nas- ceu. O 25 de dezembro foi fixado no século IV, e muitos cristãos ainda celebram o Natal no dia 6 de janeiro.

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Outra tradição fortemente arraigada é a da noite de Natal. A rigor, a única referência i noite aparece no v. 8, quando se diz que os pasto- res guardavam seu rebanho "durante as vigílias da noite". No versículo seguinte se diz que a glória do Serihor brilho~t ao redor deles. Da conexão entre o v.8 e o v.9 resulta a "noite de Natal". O texto não diz explicitamente que Jesus nasceu de noite.

Quem nasceu é o Salvador, que é Cristo Senhor. A expressão "Cris- to Senhor" (xp~oròc KÚ~LOC), nesta exata combinação, aparece ape- nas aqui no Novo Testamento. Soa estranha e por isso em alguns manuscritos foi alterada para "o Cristo do Senhor". Num certo sen- tido, "Senhor" explica "Cristo". "Salvador" e "Senhor" tem um tom polêmico na medida em que eram termos usados em referência ao imperador romano.

O canto dos anjos, o Gloria in Excelsis (v.14), é das partes mais conhecidas deste evangelho. Trata-se de uma estrutura em paralelismo que, numa tradução literal diz: "(A) glória (B) nas alturas (C) a Deus 1 e (B) sobre a terra (A) paz (C) entre os homens do beneplácito". A expressão final ív oiv0p0no~< E U ~ O K ia< ("homens do beneplácito", "homens da boa vontade") já foi objeto de muita discussão. Via Vulgata nos veio a noção dos "homens de boa vonta- de" (in hominibus bonae voluntatis). Hoje existe consenso de que aqui, em Lc 2.14, o sujeito dessa "boa vontade" é Deus (cf. Lc 10.2 1 ). Uma nota na Bíblia de Jerusalém (uma edição católico-romana) afir- ma que "a tradução corrente: 'paz aos homens de boa vontade', ba- seada na Vulgata, não reproduz o sentido usual do termo grego". No entanto, mais importante do que tudo isto é o fato de que esse "abrir dos céus" aponta para a dimensão transcendental deste evento.

d. A reação à manifestação (2.15-20) - Lucas conta a reação dos pastores (vv. 15- 16), a reação daqueles a quem os pastores contaram o que os anjos tinham dito (vv. 17-1 8), a reação de Maria (v. 19), e a reação final dos pastores (v.20).

APLICAÇÃO HOMILÉTICA

Às várias possibilidades de se pregar este texto (destacar alguns versículos, destacar um parágrafo, etc.) pode-se acrescentar mais duas:

a. Valer-se de um texto duplo, ou seja, tomar uma parte da leitura do Evangelho em conjunto com uma das outras leituras selecionadas

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para este dia (S196,Is 9.2-7, Tt 2.1 1 - 14). Para quem deseja enfatizar uma ou mais dimensões teológicas do Natal, este seria o caminho indicado. Por outro, é na combinação de elementos que reside muito da criatividade.

b. Simplesmente recontar a história do Natal. Ninguém resiste a uma história bem contada. Contar esta história com as devidas ênfases, com alternância de andamento, é dar vida a um texto que fala por si e tem sido poderoso ao longo dos séculos. É possível rechear o texto com detalhes derivados de uma boa exegese do texto. Um bom mo- delo encontra-se na obra O Livro de Deus: A Bíblia Romanceada (página 550 em diante), escrita pelo pastor luterano Walter Wangerin, Jr. e publicada, em tradução portuguesa, pela Editora Mundo Cristão.

Vilsoil Scholz São Leopoldo, RS

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31 de dezembro de 2000 Lucas 2.25-38

CONTEXTO A leitura do evangelho do domingo é precedida pela circuncisão de Jesus.

José e Maria, como bons membros da igreja judaica, observam todos os ritos e cerimônias da lei judaica. E chegando ao oitavo dia é circuncidado e, nesta ocasião, recebe o nome de Jesus. Exatamente assim como o anjo havia dito a Maria na anunciação e a José no sonho em Mt 1.21. Ele recebeu o nome de Jesus porque Nele havia salvação para toda a humanidade.

TEXTO Vv. 25-27 - Aqui é relatado um incidente da mais alta relevância na vida de

José e Maria, por que, sem dúvida, reforçou a sua fé. Este homem de nome Simeão estava em Jerusalém naquela ocasião. A respeito deste homem tudo o que se sabe é aquilo que o evangelista aqui relata e, apesar disso, o seu nome ainda é lembrado hoje em dia em toda a igreja cristã. Ele é descrito como um homem justo, o que se refere à condição de seu coração e mente, e piedoso, o que se refere à manifestação exterior desta condição do coração. Ele era um verdadeiro israelita. Ele cria e pratica- va a religião de seus pais. Ele conhecia as profecias a respeito do Messi- as e tinha uma compreensão correta da obra do Redentor. Estava, ansio- samente, aguardando o consolo de Israel. Aguardava um reino espiritual a ser revelado. E o Espírito Santo, que estava sobre ele, influenciava toda a sua vida e conduta.

E o Espírito Santo lhe deu uma revelação especial, uma certeza, uma promessa: que ele não morreria sem antes ver cumprida a promessa dada a seus pais. Ele não morreria sem antes ver o Cristo do Senhor.

E foi o Espírito Santo que o moveu a ir justamente nesta hora para o templo, quando José a Maria trouxeram a Jesus para ser dedicado ao Se-

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nhor, conforme costume da sua religião. E ele reconhece naquela criança, nos braços de sua mãe, o Cristo prometido.

Vv. 28-32 - Agora Simeão faz algo que deve ter espantado José e Maria: ele tomou aquela criança em seus braços e começou a cantar um hino de louvor e adoração a Deus.

E este hino, por sua beleza e sinceridade, ocupa posição de destaque na igreja cristã desde os tempos antigos e ainda hoje é cantado em nossos cultos e é conhecido como o NUNC DIMITIS (Agora Despedes).

Agora ele poderia morrer em paz, pois aquilo que, tão ansiosamente, havia esperado veio. Estas palavras devem soar estranhas aos ouvidos de uma pessoa descrente, pois fala de uma despedida cheia de paz e satisfa- ção. Ele estava alegre porque havia alcançado o que a sua alma tão ansi- osamente aguardara: a paz trazida por meio daquele Menino.

Os seus olhos haviam visto a salvação de Deus, pois aquele Menino era a salvação do mundo personificada. Em e através Dele havia completa salvação para todas as pessoas do mundo.

A salvação preparada por Deus, em Jesus, está pronta diante da face de todas as nações. Ele traz a reconciliação com Deus da qual ninguém está excluído.

Nem os gentios deviam ficar como meros espectadores do milagre ope- rado por este Menino, antes pelo contrário, esta Criança, Ela própria, é a luz que iluminaria o evangelho para os gentios e seria o grande brilho deste povo, o povo de Israel (1s 9.2; 1s 60.1-3)

Este maravilhoso hino enfatiza de modo magistral a graça universal, que ninguém é excluído da salvação conquistada pelos méritos de Cristo. E, ao mesmo tempo, Simeão nos ensina, inspirado pelo Espírito Santo, alguns dos efeitos desta graça e salvação na vida daqueles que aceitam Jesus como o seu salvador. Todos os que crêem receberão esta iluminação do Evangelho em suas mentes e corações, tomar-se-ão participantes da glória que per- tence ao Messias e a sua obra. E aprenderão a olhar para a morte tempo- ral como um cumprimento das promessas de Deus e a encararão como uma despedida cheia de paz para um futuro melhor, posto que viram a salvação preparada por Deus: com os olhos da fé viram a Jesus!

Vv. 33-35 - José e Maria ficaram maravilhados com as palavras de Simeão e que revelavam o significado que esta criança teria para o

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mundo todo. Estas palavras também os encheram de alegria e, gradu- almente, começaram a perceber como as profecias do AT estavam se cumprindo naquele bebê que estava em seus braços.

Simeão agora abençoa a ambos e dirige-se a Maria com uma profecia. Ele diz que esta criança está destinada, pela vontade de Deus, para um duplo propósito: em primeiro lugar ele servira para derrubar e para levantar muitos em Israel, o verdadeiro Israel, os membros do reino de Deus. O orgulho e a autojustiça, que caracterizam a natureza humana, precisam cair e ser derrubadas e removidas completamente, antes que a ressurreição pela fé em Cristo Jesus ocorra. E, em segundo lugar, ele servirá de sinal de oposição e contradição. Muitas pessoas, a maioria talvez, iriam recusar esta oferta do amor de Deus e estes que endurecem os seus corações contra Ele serão condenados por culpa própria (2 Co 2.15- 16).

Assim Jesus é um alvo, um sinal, diante do mundo, assim como foi a serpente no deserto para todo o povo, mesmo para aqueles que se recusa- vam a olhar para ela. Muitos em Israel não olharam para este alvo e, com isto, rejeitaram a sua própria salvação.

Vv. 36-38 - Simeão não era o único verdadeiro israelita que aguardava nas promessas de Deus. A profetisa Ana tarribém pertencia a este grupo de pessoas fiéis em Israel. Ela havia casado cedo e, depois da morte do marido, consagrou-se ao Senhor. Ela estava agora com 84 anos e foi a primeira a entrar no templo naquela manhã. E ela, ao ouvir as palavras de Simeão, começou a dar graças a Deus e come- çou a repartir com todos a quem encontrava esta boa notícia, pois havia ainda outros em Jerusalém, mesmo que não houvesse muitos, havia aqueles que ansiosamente esperavam pela redenção de Jerusa- lém, através da obra do salvador prometido.

APLICAÇ~ES HOMILÉTICAS

Há, neste texto, pelo menos duas boas possibilidades homiléticas. A primeira pode centrar-se no grande tema da esperança. Os vários tipos de espera que povoam as mentes das pessoas. As esperas das crianças, dos jovens, dos idosos ... O crescimento e amadurecimento proporcionado, es- pecialmente, pelas esperas significativas em nossas vidas A segunda pode centrar-se na adoração e louvor presentes da vida cristã, como resultado da ação do Espírito Santo, através dos meios da graça. A ação de Deus no mundo de hoje. A relevância do louvor e adoração no mundo de hoje.

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PROPOSTA HOMILÉTICA

Primeira Tema - Quem ainda gosta de esperar no mundo de hoje? I - Aqueles que sabem o que, por que e por quem esperam I1 - Aqueles que esperam como os nossos pais esperavam 111 - Aqueles que esperam como Simeão e Ana

Segunda Tema - Por que ainda cantamos esta velha canção'? I - Porque ela é Boa Notícia para nós I1 - Porque ela é Boa Notícia para todas as nações.

M~ír-io Lelzeribli~ie,- Por-to Alegre, KS

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7 de janeiro de 2001 Lucas 3.15-1 7, 21-22

CONTEXTO DA PERICOPE João Batista está anunciando que o "reino dos céus está próximo" (aquele

reino inatingível pelo esforço do ser humano), isto é, está junto, "está aí", por isso chama a todos a "dar meia volta" em direção a Deus ( arrependimento ) e, como sinal disto, submetia as pessoas ao batismo ( batismo de arrependimento para remissão dos pecados). João está "preparando o caminho do Senhor e endireitando as suas veredas", conforme profecia do Profeta Isaías.

Jesus está prestes a ser manifestado como o Unigênito Filho de Deus e iniciar o seu ministério. Ele tem a aprovação do Pai e do Espírito Santo, e é para ele que João Batista aponta como o Cordeiro de Deus que tira o peca- do do mundo. A expectativa de muitos é que o Messias assuma o poder para libertar o povo da escravidão romana; João, porém, prepara os seus ouvintes para a verdadeira promessa do Messias, que viria para trazer li- bertação de uma escravidão pior do que a dos romanos.

Vivemos o tempo da "manifestação" de Jesus como o Príncipe da Paz, como o Rei dos Reis, como o Filho de Deus e como aquele que "batiza com o Espírito Santo". Somos também chamados a dar "meia volta" do nosso caminho próprio para, agora, trilhar no Caminho, Verdade e Vida (Jesus) que nos conduz ao Pai celeste. Somos consolados na certeza de que ele nos reconcilia com o Pai e nos dá o seu Espírito Santo. Somos igualmente convidados a "manifestar" a nossa fé e esperança, seguindo o exemplo de humildade de João Batista, anunciando Cristo, e não procurando os nossos próprios interesses.

TEXTO Vv. 15- 16 - João foi o homem escolhido por Deus para anunciar a vinda

do Messias, de preparar o povo para recebê-lo, de dizer que Jesus era

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este Messias, o Cristo. Sua ênfase na pregação, o batismo nas águas do Jordão e a maneira estranha de portar-se levou algumas pessoas a pensar ser ele o próprio Messias. João nega ser ele o Messias e, ime- diatamente, dá uma resposta pública para evitar qualquer mal-enten- dido. Com um "EGÓ" enfático João aponta para o poder ilimitado do Messias, que não apenas batiza com água, mas "dá o seu Espírito Santo". Este que "está a caminho", "que está chegando", " é muito maior do que eu". Eu não sou digno de desatar as correias de suas sandálias, isto é, diante do Messias não mereço fazer nem mesmo o trabalho do mais humilde escravo. Se João não era digno sequer de tocar as sandálias do Messias, quão grande não devia ser este? A resposta: Ele é o próprio Filho de Deus. Quando João diz que alguém muito mais poderoso do que ele está chegando, com isso ele também reconhece que recebeu poder, pois a palavra que pregava "é poder para a salvação de todo aquele que crê". João não demonstra uma falsa humildade, mas o claro entendimento dos acontecimentos.

"Ele batizará no Espírito Santo e fogo" - Um homem divinamente orde- nado pode usar água no batismo; no entanto só o Filho de Deus pode derra- mar o Espírito Santo, e isto após o cumprimento de toda a sua obra reden- tora e retorno ao céu. Fogo lembra purificação, iluminação, calor e também juízo. Cristo nos dá o Espírito Santo, confirmando que somos purificados dos nossos pecados, sendo iluminados pela sua Palavra, recebendo o con- solo de sermos filhos de Deus.

V.17 - É comum nas profecias do Antigo Testamento apontar para o advento de Cristo, tanto para a redenção da humanidade quanto para o juízo final, nem sempre levando em conta o grande intervalo de tempo entre estes. João faz o mesmo: Cristo derrama o Espírito Santo com toda a sua graça e também separa o grão da palha. A questão do tempo entre estes pertence exclusivamente a Deus. A ênfase é que arrlbos dependem do Filho de Deus. A analogia com a planta, os grãos e a palha, apontam para o fato de ser ele o responsável pelo nosso bem-estar e salvação, e que também ele julgará a todos.

Vv. 21-22 - Além da ênfase sobre o nome de Jesus, Lucas enfatiza o Espírito Santo e o Pai. O céu se abre, aquele que outrora estivera fechado, agora, pelo batismo de Cristo se converte em uma porta para que se possa ver o que para nós está preparado. Nada mais pode nos separar do amor de Deus. O Espírito Santo desceu sobre ele de forma corporal. Há indícios de que não apenas Jesus o tenha visto, mas que o próprio João o viu, reconhecendo em Jesus o Cristo de Deus. Trata-

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se da unção da qual fala o Salmo 45.7: " ... por isso Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria como a nenhum de teus companheiros". Tu és meu Filho amado é uma declaração relacionada com a obra iniciada por Jesus. Ele é o Filho amado desde a eternidade. O Filho eterno é o Eleito do Pai para a grandiosa tarefa de resgatar a criatura para o Criador. Tanto o Pai como o Espírito Santo aprovam a obra de Jesus.

APLICAÇ~ES HOMILÉTICAS

O pregador muitas vezes poderá ser tentado a gloriar-se do seu ministé- rio ao invés de glorificar àquele que é o centro de toda a pregação: Cristo. Neste mundo em que são manifestados muitos senhores, muitos salvadores e muitos poderosos, somos desafiados a proclamar o que é infinitamente superior, aquele que o Único Senhor, o Poderoso, o Único Salvador, que nos ama e que graciosamente nos dá o céu e nos garante a sua presença tam- bém em nossa vida diária.

SUGESTÃO DE TEMA E PARTES

Tema - Cristo, o Filho amado de Deus

I- Nos batiza com o Espírito Santo 11- Nos purifica completamente 111- Nos reúne em seu celeiro celestial IV- Queimará a palha em fogo inextinguível.

Puulo Gerhurd Pietzsch Süo Leopoldo, RS

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14 de janeiro de 2001 Lucas 2.1-11

CONTEXTO Jesus, o Filho de Deus, sai do anonimato de trinta anos para, em público,

dedicar-se a obra que o trouxe a esta terra, a saber, a salvação dos homens.

O evangelista João, após apresentar o personagem principal de seu Evan- gelho, "o Verbo que se tornou carne" (Jol . 14), traz um quadro das primei- ras coisas em relação a Jesus ao iniciar o seu ministério. Vejamos: a) o primeiro testemunho de João Batista a respeito de Jesus: "Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (Jo 1 .19-34); b) os primeiros discípulos de Jesus (Jo 1.35-5 1); c) o primeiro ensinamento de Jesus: "... pois maiores coisas do que estas verás. ... vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem" (Jo 1.50,5 1 ).

E no contexto posterior o evangelista apresenta: d) a primeira ação de Jesus no tempo. E quando foi perguntado pelos judeus: "Que sinal nos mos- tras, para fazeres estas coisas?" (Jo 2.1 8), Jesus respondeu: "Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei." (Jo 2.19). Como Verbo que se fez carne, Jesus anuncia sua vitória sobre a morte.

O evangelista João insistentemente procura provar que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, a fim de que as pessoas cressem nele.

TEXTO O texto em estudo, Jo 2.1-1 1, apresenta o primeiro milagre de Jesus: ri

transformação de uma quantidade considerável de água em vinho de ex- celente qualidade.

V.] - gámos = casamento. Os judeus costumavam realizar a festa de casa- mento, conforme as circunstâncias, ou na casa dos pais da noiva (o mais

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comum), ou dos pais do noivo ou na própria casa do noivo. As festividades duravam sete dias, e certas vezes o dobro desse prazo.

V. 2 - Jesus também foi convidado com os seus discípulos. Na lista de convidados para o casamento o nome de Jesus deve figurar em pri- meiro lugar. Pois o dia do casameilto corresponde ao lançamento dos alicerces de um novo lar. E Jesus é a pedra de esquina, a rocha, que sustenta a casa, contra chuvas e ventos e toda a sorte de infortúnios. Sem ele a casa estaria edificada sobre areia e exposta ao desabamen- to total. A escolha da parte de Jesus de uma festa de casamento para sua revelação indica o quanto ele preza o santo estado matrimonial.

Vv. 3 e 4 - usterésantos = cair em falta, esgotar-se. Acabara-se o vinho. Maria lembra a Jesus que eles não têm mais vinho. É sinal de irrestrita confiança nos caminhos de Deus, pois se grandes coisas acon- teceram no passado (gravidez de Maria, Belém, os pastores, os ma- gos, o episódio no templo quando Jesus tinha 12 anos), maiores acon- tecerão no futuro.

ti emoi kai soí, gúnai =o que é isto para mim e para ti, mulher? Jesus usa a palavra g~ínni com todo o respeito. É a primeira vez que Jesus deixa de tratá-la de mãe. Jesus lhe traça a linha divisória entre sua existência humana, ligada à mãe por laços de parentesco carnal, e sua existência divina, ligada ao Pai celeste, desde a eternidade. E Maria aceita.

ôra = hora. Jesus não rejeita a prece, apenas corrige a mãe lembrando que sua hora ainda não havia chegado. Deus tem sua hora para tudo o que se relaciona com o homem, e não cabe a este prescrever-lhe prazo e ma- neira de agir. A oração é a fala da fé, e fé é confiança filial no amor do Pai que nos acolhe como filhos seus, graças aos méritos de Jesus. O que acon- teceria nesta festa de casamento em Caná seria o marco da fase inicial da glorificação do Filho do homem. E Maria já antevê, com olhos de fé, o esplendor daquele que era seu filho na carne.

Vv. 5-7 - lítinos = de pedra. Era usada pedra porque em si mesma ela não contraía a impureza. metretés = metretas. A metreta era medida grega (ática) e correspondia a uma medida líquida de 38,25 litros. Por- tanto, as seis talhas correspondia a um total aproximado de 600 litros. Deveras, Deus não dá minguados.

Vv. 8- 10 - arxitriklínos = mestre-sala. Era o superintendente do banquete cujo dever era dispor as mesas e a comida. O mestre-sala era a pessoa

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encarregada da organização da festa, providenciando tudo o que era ne- cessário e supervisionando a equipe de serventes. Neste sinal (milagre) realizado por Cristo, percebe-se que o Filho de Deus dispensa o estarda- lhaço, o espetáculo, a exibição diante das massas, pois o que interessa não é o milagre em si, mas sua motivação e finalidade.

V.l I - semeíon = sinal. Um ato ou milagre que visa levar à crença em Jesus como o Messias, o Filho de Deus (v. NDITNT). "Na verdade fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome" (Jo 20.30,3 I ).

efanérosen ten dóxan autou = manifestou a sua glória. Sua glória messiânica foi manifestada na abundância do vinho que era a figura vétero- testamentária da alegria dos últimos dias. Essa glória sempre esteve pre- sente, na vida terrena de Jesus, mesmo nas horas de extrema humilhação e sofrimento. É óbvio que, tornando-se homem para se colocar debaixo da lei em nosso lugar, ele escondesse, via de regra, sua majestade divina sob o manto da "forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, re- conhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obedi- ente até à morte, e morte de cruz" (Fp 2.7,8). Portanto, o que Jesus fez em Caná da Galiléia foi um sinal, uma demonstração de sua glória divina, sem- pre presente na sua jornada terrena.

epísteusan = crer em, confiar em. Podemos imaginar esse impacto nos primeiros seguidores? Se o haviam seguido e permanecido em sua compa- nhia é porque pela pregação de João Batista haviam nele reconhecido o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. E seguindo-o, viam-se for- talecidos nesta fé pelas próprias palavras do Mestre, que calavam fundo no seu coração. E agora este milagre! Certamente recordam-se das palavras de Jesus, no diálogo com Natanael: "maiores coisas do que estas verás". E poucos dias depois são testemunhas da primeira dessas "maiores coisas", com o resultado: e os seus discípulos "creram" nele, isto é, tiveram sua fé enriquecida e revigorada. Verdadeiramente, "o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus"!

APLICAÇ~ES HOMILETICAS 1. Objetivo do texto: Jesus fortaleceu a fé dos discípulos manifestan-

do a sua glória, glória como como do unigênjto do Pai, através de um semeíon (sinal).

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Com sua presença, Jesus trouxe bênçãos em Caná da Galiléia. Ele foi convidado.

2. Objetivo deste sermão: João 2.1-1 1 é um texto que nos permite falarmos sobre a importância de convidarmos a Jesus para se fazer presente na vida matrimonial. No entanto, queremos nesta mensagem enfatizar a glória do Filho de Deus, analisando o sinal realizado, para o fortalecimento de nossa fé. Mostrar que Jesus, o verdadeiro Deus, se fez homem para cumprir as exigências de Deus para a nossa salva- ção. E os sinais realizados por Cristo são as provas que Ele é Deus- homem.

3. Moléstia: A falta de vigor espiritual está na falta de comunhão com o Filho de Deus e no conformismo com este século (materialismo, sensualismo, liberalismo, etc).

4. Meios: O fortalecimento da fé se dá através da comunhão contínua com o "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo". E esta comu- nhão podemos ter, principalmente, através do estudo da Palavra de Deus, que é a revelação de Cristo como o Filho de Deus, o Salvador do mundo. Através do estudo da Palavra de Deus o Espírito Santo nos fortalece a fé. Também podemos ter comunhão com Cristo através da Santa Ceia e oração.

SUGESTÃO DE TEMA E/OU PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema - Jesus dá início a seus sinais. I - Mostrando o seu amor (bondade) II - Manifestando a sua glória III - Fortalecendo a fé.

Lauri P ~ I I I I O L L ' Pulnzitos, SC

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21 de janeiro de 2001 Lucas 4.14-21

CONTEXTO (Lc 3.21-4.13) O contexto descreve o início do ministério de Jesus, em que é identificado

por João Batista como aquele de quem não era digno de desatar a correia das sandálias, e que batizaria com o Espírito Santo e com fogo. Nesse período houve toda uma confirmação da pessoa e ministério de Jesus. Quando batizado o céu se abriu, o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea de pomba e ouviu-se uma voz que dizia: "Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo" (3.22). Depois de ser batizado, conduzido pelo Espírito, foi ao deserto onde suportou, além das agruras do deserto, as tentações de satanás, das quais saiu vitorioso não caindo em nenhuma de suas ciladas. Após os quarenta dias no deserto, no poder do Espírito, retomou à Galiléia. Assim, confirmou a sua posi- ção de Salvador, aquele que venceu o diabo, pecado e, posteriormente, a morte.

TEXTO Alguns exegetas afirmam haver um vazio inexplicável entre os vv. 13 e 14.

De que forma Jesus teria se tomado famoso em tão pouco tempo? No v. 15 lemos: "E ensinava nas sinagogas, sendo glorificado por todos".

O evangelista Lucas nos conta as suas caminhadas e obras na Galiléia. Ele, no entanto, não relata tudo, apenas nos retrata as obras proféticas diante de pessoas e não faz referência nenhuma sobre as primeiras obras na Galiléia (Jo 2.1 - 12). O que o evangelista nos relata aqui é da segunda ves em que Jesus esteve na Galiléia. Este é o parecer de Dieffenbachl e Lenski' em seus co- mentários de Lucas.

' Dieffenbach. D. G. Chr. Das Eva~lgel iu~n St. Lucu. Sttutgan. 1891 ? Lenski, R . C. H. The In~elpretution os St. Luke's Gospel. Ausburg P. House. Minneapólis.

Minnesota. 1961

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No poder do Espírito Santo foi novamente para a Galiléia. Tudo o que Jesus fazia, fazia no poder do Espírito Santo, o qual o gerou, o encheu e fortaleceu para a sua obra. Ele circulou pela Galiléia e ensinava nas sinagogas, sendo glorificado por todos. Sabia ensinar como ninguém, pois, sendo o próprio eterno Filho de Deus, estava ensinando a Palavra da Vida. Hoje não o vemos pregando de forma visível entre nós, razão porque fundou a sua igreja, para que ela cuide e divulgue a sua palavra. Deu a igreja a Sagrada Escritura, para que tivesse a Palavra pura e clara. Também instituiu o ministério dentro da igreja para que o evangelho con- tinue sendo pregado. Desde o retorno do cativeiro babilônico, os judeus em todos os lugares, na terra santa e mesmo fora dela, tinham pequenas congregações, casas de reuniões, sinagogas e escolas. Reuniam-se todos os sábados e dias festivos para oração e para ouvirem a leitura da palavra. Em cada sinagoga havia um armário no lado que apontava para Jerusalém; nele eram guardados os rolos de pergaminho com as sagradas escrituras, Torá (a Lei) e os Profetas. Havia também uma cortina que era uma figura do véu que estava diante do santo dos santos no templo. Diante desse armário sagrado alguém conduzia a oração com a congregação que estava assentada. Também estranhos podiam dirigir a pala- vra. Os apóstolos em suas viagens aproveitavam esse sistema no ensino do evan- gelho, assim como o Senhor em Nazaré. Essa orientação da sinagoga e a ordem cúltica ainda são preservadas entre os judeus. A igreja cristã, porém, tem em cada ordem de culto duas ou três leituras da palavra de Deus, do Antigo Testa- mento e Novo Testamento (epístola e evangelho).

O Senhor segundo seu costume foi à sinagoga no sábado, o que também fazia costumeiramente na sua juventude. Palavra de Deus era o seu alimento, a oração com o Pai celeste era a sua alegria e sua força. Assim também deveria ser em nosso meio, com todos os cristãos. Isso deveria ser um costume cristão, que no dia do Senhor todos fossem à casa do Senhor, para ouvir a Palavra da Vida e orar com todos, bem como cantar hinos de louvor e gratidão. Haveria muito mais comurihão se isso estivesse acontecendo. Muitos, no entanto, não se preocupam com a casa de Deus e por isso não recebem bênçãos, que lá são oferecidas, muito mais do que nas sinagogas.

O Senhor está em Nazaré, na sinagoga. Ele se levanta e lê; era costume entre os judeus que membros da congregação, ou mesmo algum estranho poderiam ler a palavra e expressar um parecer a respeito. Estava à disposição do Senhor o rolo de Isaías. Ele leu do capítulo 6 1.1-2. Ao ter terminado a leitura da palavra do Senhor, devolveu o livro, sentou-se, e os olhos de todos estava fitos nele, e ele começou a explicar a palavra. Lucas apenas nos dá a introdução da sua pregação com poucas palavras: "Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir". É'isso que Jesus explicou na sinagoga em Nazaré; ele mostrou como encontrou nas palavras do profeta Isaías o seu cumprimento, como fora enviado por Deus e

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como é o ajudador e salvador com a intermediação do Espírito Santo.

As palavras dos profetas, que o Senhor apresentou e explicou, são maravi- lhosamente ricas. Elas nos apresentam quão grande é a nossa carência e quão graciosa é a ajuda do Senhor. "O Espírito do Senhor está comigo, por isso me ungiu e me enviou" v. 18. Cristo é o ungido de Deus. A ele foi concedido o Espírito de Deus em rica medida, para que fosse o justo profeta, sumo sacerdo- te e rei. Suas mãos concedem bênçãos, sua boca tfansborda de misericórdia, seu coração bate em santo amor, e seu caminhar é de graça e paz. Enviado pelo Pai por causa do seu amor incomensurável, enviado do céu para a terra, da perfeição para a miséria, da glória e majestade para este mundo de morte, aceitou a vinda de boa vontade e a cumpriu com alegria. Também precisamos lembrar isso com alegria e gratidão.

E para quem foi enviado? - O profeta nos responde com palavras amáveis: "para anunciar o Evangelho aos pobres". Todos nós somos pobres, pobres por causa dos pecados e de suas conseqüências; pobres, por estarmos fora do lar celestial e por isso sem alegria e paz, sem consolo e sem esperanças. O Senhor, porém, nos concedeu no Evangelho o perdão dos pecados, vida e santidade. Apenas quem conhece sua pobreza e miserabilidade, esse aceita de bom grado essa notícia; orgulho e autojustiça fecham o coração muitas vezes a isso. Por sermos pobres e miseráveis, o Senhor nos presenteia com o Reino - para sarar os corações machucados. Por nossos pecados estamos machucados e enfer- mos. A cura para tais feridas está somente com o Senhor, o médico perfeito. Os que não reconhecem sua enfermidade, mas se consideram saudáveis, não procuram o médico e querem curar-se a si mesmos.

Na plenitude do tempo de Deus se cumpriu a profecia. Os vv. 16 e 17 são a centralidade deste texto. Para confirmar sua missão e pessoa ele, Jesus, faz essa leitura propositadamente: "O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração de vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Serihor" (vv. 18,19).

"O Espírito do Senhor está sobre mim ", a citação original expressa uma certa consciência pós-exilica do profeta Isaías a respeito de uma missão espe- cial. O sentido da passagem é amplo e Jesus o aplicou a si mesmo, pelo que demonstra de que tinha consciência de estar cumprindo o ofício de Messias.

"pelo qL(e me ungiu" - este texto com certeza faz referência ao batismo de Jesus e de sua confirmação pela descida do Espírito Santo. Ele é o escolhido de Deus para ser o Salvador, o Messias - o Cristo.

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"para evatzgelizar os pobres" - o relato de Lucas faz menção aos pobres, e não aos "pobres de espírito". É provável que estejam em foco as pessoas pobres, com a idéia de que o evangelho é sempre exposto aos pobres, ao passo que os ricos o ignoram e zombam dele. A idéia parece ser paralela à de Tiago 5.1 ss, onde os ricos estão sendo denunciados, porque oprimem tiranamante os seres humanos ao passo que os pobres aprendem a depender de Deus, desen- volvendo-se espiritualmente (Tg 2.5). A pobreza, porém, em si mesma não conduz à piedade; muitas vezes a experiência humana demonstra que o contrá- rio é a verdade. O pauperismo impõe o empecilho da preocupação demasiada com as questões básicas da vida. Por outro lado, o cristianismo não é uma religião de classes sociais.

"etzviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vis- ta aos cegos, para pôr ern liberdade os oprimidos," - assim continua o pro- feta, também isso se cumpriu através do reinado de Cristo. Cegos, por natureza somos todos espiritualmente cegos, sem corihecimento de Deus, sem conheci- mento de nossos pecados, sem conhecimento do caminho da vida, nas trevas e sem salvação. O Senhor é o que nos trouxe a luz, pois ele é a luz do mundo, também ele nos abriu os olhos espirituais para vermos nossa miséria e a sua ajuda. Todos somos aprirnidos pelo peso do pecado e da lei. Mas, o Senhor nos torna seus filhos livres. Livres e sem as cargas e angústias do pecado, que tenazmente nos assedia.

"e upregour o ano aceitável do Senhor" - Essas palavras não indicam um ministério terreno de Jesus, como chegaram a compreender alguns dos primeiros pais da igreja (Clemente de Alexandria e Orígenes), mas indicam a importantíssima inauguração da era do Messias. Israel comemorava seu jubileu a cada cinqüenta anos. Nesse ano da graça todos os israelitas que estavam em servidão recebiam sua liberdade. Direitos à terra eram readquiridos; todas as dívidas eram perdoadas. A terra deveria descansar, ninguém deveria semear ou colher. O ano do Jubileu era ano santo. Esse ano do Jubileu de Israel era uma antevisão do tempo messiânico de Jesus. Ainda estamos festejando este ano aceitável do Senhor, pois, cf. NTLH, v. 19, "anunciar que chegou o tempo em que o Senhor salvará o seu povo".

Quando o Senhor vier novamente em sua glória para concluir o seu reino, então se iniciará "o ano aceitável do Senhor" em seu sentido mais elevado, que jamais terá fim. Então nos será devolvido tudo o que perdemos; será restaurado o paraíso perdido pelo pecado. Que bom seria se "o ano aceitável do Serihor" viesse já! Os sinais e promessas vão se cumprindo, ainda hoje, por todos os lados em que sua palavra está sendo pregada, também entre nós. Que aceite- mos de boa vontade esta notícia do reino gracioso.

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APLICACOES HOMILÉTICAS

É urgente contrapormos essa verdade a tantas heresias apregoadas como verdadeiras. Cristo é apresentado apenas como aquele que soluciona somente problemas do tempo presente, como se fosse um mero provedor de coisas materiais, um curandeiro, um médium, etc.

SUGESTÃO DE TEMA E/OU PROPOSTA HONIILÉTICA

Tema - A igreja, o ante-céu

Introdução Quem é a igreja? - os chamados para serem santos (comunhão dos santos).

Todos os que crêem em Cristo como seu Salvador (3" Artigo do Credo Apostó- lico e explicação do Catecismo Menor de Martinho Lutero).

1 . A igreja vive e age no poder do Espírito Santo; 2. A igreja está plena de esperança; 3. A igreja participa da restauração plena da pessoa; 4. A igreja vive o ano aceitável do Senhor.

Conclusão Vemos muitas vezes a igreja como quem não vê razão para sua existência.

Não há alegria nem exultação. A igreja, Corpo de Cristo, tem todas as condições de se alegrar, louvar e

bendizer, com intenso júbilo ao Senhor, porque nele somos mais que vencedo- res. Cristo cumpriu tudo em nosso lugar. Aceitemos também a disciplina do Senhor com alegria (Hb 12.1 I). Sirvamos ao Senhor com alegria (S1 1 OO), en- quanto aguardamos o seu retorno.

Outras obras consultadas3.

Gunter Martinlzo Pjluck Porto Alegre, RS

' Chainplin, Norman R. O Novo Testumento Inreipr-etudo. A Voz Bíblica. São Paulo Halley, H. H. Manual Bíblim. Edições Vida Nova. Vol. 2, 3" ed, 1978. Bíblia - Novu Trudupio nu Linguugern de Hoje. Soc. Bíblica do Brasil. São Paulo. 3000 Idem - Revisrrr e Atucilizudu. Soc. Bíblica do Brasil. São Paulo. 2a ed. 1999

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28 de janeiro de 2001 Lucas 4.20-30

1. Para compreender melhor a mensagem de Lc 4.20-30, é preciso lem- brar que é perícope do 4" Dom. após Epifania. Epifania, que sempre inicia em 06 de janeiro, é o período inserido entre dois grandes ciclos do ano eclesiástico: o Natal de Cristo e a Páscoa de Cristo. No tempo de Epifania, como diz o próprio termo, Cristo se manifesta, se revela e se apresenta como o Messias prometido, o Salvador do mundo. É o que expressam as palavras de Cristo: "Hoje se cumpriu a Escritura", de Lc 4.18-21. Neste ciclo, a igreja reflete sobre a identidade de Jesus e o início de seu ministério público.

2. Lc. 4.20-30 tem um contexto muito bonito e rico. É o início do minis- tério de Jesus. Acabava de vencer a batalha da tentação do diabo (4.1 - 13). Derrotado pelo "as Sagradas Escrituras afirmam" de Cristo, "o diabo foi embora". E a "fama de Jesus" corria por toda a Galiléia. Era honrado, recepcionado, aclamado e glorificado (4.14-1 5) pelas multidões e todos "se maravilhavam da sua doutrina, porque a sua palavra era com autoridade" (4.32). Entre a "glorificação por todos" (v.15) na Galiléia e a "perplexidade com a doutrina" (v. 32) de Cafarnaum, encontra-se o episódio acorrido na sinagoga de Nazaré, "onde Jesus fora criado" (v. 16): Todo mundo olha para Cristo, e Cristo se apresenta, à luz de 1s 61 (v. 18, I), como o Messias profetizado e provoca uma grande divisão entre seus ouvintes. Quando Cristo apa- rece e fala, ninguém consegue permanecer neutro ou indiferente. Só existem duas posições: contra ou a favor de Cristo; "admiração" (v.22) ou "ira". A perícope de Lc 4.20-30 tem uma moldura muito linda e rica. Ela apresenta a conseqüência daquilo que havia acontecido na sinagoga: Cristo faz a leitura bíblica do AT no culto; lê 1s 61.1,2; e como bom Mestre de homilética e Profeta, aplica a si este texto: "Hoje

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se cumpriu este texto da Escritura"; "Eu sou aquele de quem fala Isaías". É fantástico. Uma aplicação tão clara e inesperada da profe- cia, só podia chamar a atenção de todos e causar a divisão entre os ouvintes. Este contexto precisa ser bem explorado no sermão.

TEXTO Vejanzos, agora, alguns destaques especiais do texto:

1. Atenizoo (v.20): Olhar de modo fixo e intei~sivo; fixar sem tirar os olhos, sem piscar o olho; observar e encarar com muito interesse e atenção; olhar de maneira concentrada e hipnotizada. Traduções: "ti- riham os olhos fitos nele" (ARA); "olhavam para Jesus sem desviar os olhos"(BLH); "todo mundo olhava atentamente para ele (BV); "olhavam-no, atentosm(BJ). Todos estavam encantados e fascinados com o sermão de Jesus. De fato, "Jesus ensinava e falava com auto- ridades". Jesus precisa ser visto e ouvido por todos. Chegará o dia em que, de fato, todos terão um encontro com Jesus, o verão e o reconhe- cerão como o Senhor sobre a vida e a morte: "todas as nações serão reunidas em sua presença" (Mt 25.32); "ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra" (Fp 2.10, l l ) . Hoje, no tempo da graça, Jesus quer ser visto e ouvido por todos nos "cultos das sinagogas" da igreja cristã, e por isso convida: "Vinde a mim todos ...." (Mt 4.19; 1 1 28 ) .

2. Martureoo (v.22): Testemunhar; testificar em público o que foi visto, ouvido ou vivido; falar com convicção e mostrar e defender a verda- de; confirmar como verdadeiro; concordar com o que vê ou ouve; confessar diante de outros. Em juízo a testemunha promete: "Prome- tes falar a verdade, somente a verdade, nada além da verdade?". Traduções: "todos lhe davam testemuriho" (ARA); "todos começa- ram a elogiar Jesus" (BLH); "todos falavam bem dele" (BV). É nos- sa missão confessar, falar, testemunhar a respeito do Salvador Jesus. "Vós sereis minhas testemunhas" (Art. 1.8; 1s 43.10,12, Rm 10.9).

3. Tha~~rnazoo (v.22): Ficar maravilhado, admirado, abismado, surpreso, atônito, espantado, perplexo, entusiasmado. Traduções: "e se maravilha- vam" (ARA); "admirados com as palavras" (BLH); "espantavam-se" (BJ). O testemunho era feito sob grande emoção, com sentimentos no- bres, com o "coração batendo a mil". Nada de frieza, de indiferença, de sonolência, de neutralidade diante de Jesus. Todos viram e falaram admi- rados, envolvendo "todo coração, toda alma, todo entendimentoV(Mt 22.37). Porque este testemunho e pasmo? Diante do extraordinário sermão de

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Cristo. Cristo estava na sinagoga, a casa de cultos e orações; fez a leitura do AT; o texto era a profecia de 1s 61.1,2; disse que esta promessa estava se cumprindo naquele exato momento; diz "sou eu"; e então desenvolveu o seu sermão sobre 1s 6 I . E este sermão tinha "palavras de graças que lhe saíam da boca" (ARA). Outras traduções: "palavras agradáveis que ele falava" (BLH); "palavras cheias de graçaW(BJ); "palavras bonitas que saiam de seus lábios" (BV). Por isso os evangelistas repetem tantas ve- zes que as "multidões se admiravam com sua doutrina", seus ensinos, suas palavras (4.32; Mt 7.29; Mc 1.22).

4. Th~lmós (v.28) : Ira, raiva, ódio, fúria, indignação; sentimento de re- pulsa, de revolta, de rejeição, de condenação, de destruição, de morte, "um calor que faz ferver por cima". Traduções: "se encheram de iraM(ARA); "se amotinaram contra Jesus" (BV); "e ficaram com muita raivaV(BLH); "todos se enfureceram" (BJ). É o sentimento oposto ao do v.22. Há pouco, todos falavam bem, se maravilhavam e aclama- vam a Jesus; agora falam mal, estão cheios de ódio e raiva. Que mu- dança rápida e profunda!

5. Ekbáloo (v.28): Expulsar, lançar para fora, excluir do grupo, remover para longe. Jesus é transformado em adversário, em inimigo, em "persona non grata". Deveria ser expulso do culto da igreja (sinagoga, casa de oração, capela). Traduções: "levantando-se, expulsaram-no" (ARA); "se amotinaram contra Jesus, e o levaram à encosta do mon- te" (BV); "arrastaram Jesus para fora da cidade" (BLH); "expulsa- ram-no para fora da cidade" (BJ). Além de ser expulso da casa de culto e de "sua cidade", eles queriam a morte de Jesus. Estavam prontos para, em sua cegueira espiritual e raiva, cometer um homicídio, aliás, um deicídio! Por isso, "o levaram ao cume do monte ... para de lá o precipitarem abaixo" (ARA); "e o levaram a encosta do monte ... para empurrá-lo no precipício" (BV); "e o levaram até o alto do mon- te ... para o jogarem ali embaixo" (BLN); "e o conduziram até em cima da colina ... com intenção de precipitá-lo de lá" (BJ).

Mas, como "ainda não era chegada a sua horaM(Jo 2.4), Jesus Cristo, na união das naturezas humana e divina, simplesmente "passando por entre eles, retirou-seV(ARA); "mas ele passou pelo meio da multidão e foi embora" (BLH); "passando pelo meio deles, prosseguia seu caminho" (B J). Ninguém ousou empurrá-lo, jogá-lo, precipitá-lo, matá-lo. Majesto- samente, gloriosamente, divinamente Jesus Cristo retirou-se, pois "é ne- cessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também as outras cidades" (4.43).

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DISPOSIÇÃO Introdução - Jesus é um "divisor de águas"

1 . Simeão, em Lc 2.34, profetizou que Jesus sei-ia alvo de contradiqão. contestação e divisão - de salvação e de destruição: "Eis que e3te menino (Jesus) está destinado tanto para ruína como para levanta- mento de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição" (ARA): "Esta criança (Jesus) foi escolhida por Deus, tanto para a desti-uic;ão como para a salvação" (BLH).

2. Na entrada triunfal em Jerusalém, a multidão se manifesta a favor de Jesus e o recepciona bem: "Hosana ao Filho de Davi! Bèi~dito o que vem em nome do Senhor" (Mt 2 1.9). Pouco depois, próximo do Calvário. a mesma multidão se manifesta contra Jesus e o condena com: "Ci-LI- cifica-o, crucifica-o" (Lc 23.21 ).

3. O próprio Jesus se considera um "divisor de águas", mostrando cliie cada um e todos que o conhecem, precisam se definir por uma posi- ção: "Quem não é por mim, é contra mim; quem comigo não clj~rntcl.

espalha (Lc 11.23). Ninguém pode permanecer apático, neutro, indi- fel-ente diante de Jesus.

Em nossa perícope, todos vêem Jesus e se dividem.

Tema - Todos olhavam para Jesus (v.20)

I. Olhavam com os olhos cheios de admiração (v.22) 1. Contexto - Do ano eclesiástico: ciclo de epifania, revelação de Je-

sus; da Bíblia: a tentação, aclamação na Galiléia e Cafarnaum; adini- ração, ódio e expulsão na sinagoga e Nazaré.

2. Tema - Apontar para a importância, necessidade e bênção do peca- dor no encontro com Jesus. Precisamos encontrar, ver o Senhor e ouvir sua palavra. É vida ou morte. Ver a Jesus como o Messias. o Salvador, o Senhor.

3. 1" parte - Olhar sem piscar, sem tirar os olhos; fixar coin atenção. interesse e devoção. Explicar atenizoo. Olhar com os olhos e com o coração - com amor: admiração, entusiasmo, surpresa, perplexidade, testemunho e adoração. Baseado no texto de 1s 61.1,2, Cristo pro- nuncia um sermão repleto de "palavras de graça", "palavras agradá- veis", "palavras bonitas" a respeito de si mesmo como o Filho de

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Deus, o Messias, o Salvador do mundo. Por isso todos olhavam para Jesus com tanta perplexidade, admiração, vibração, devoção e entu- siasmo.

4. Mini-aplicação. - Em Cristo se cumprem as profecias messiânicas do AT. Cristo é o Messias, "que haveria de vir". Diante de Jesus: ser a favor ou contra. Nós, encontro com Jesus: palavra e sacramentos. Nós, a favor de Jesus. Queremos ver, admirar, aclamar e adorar o Senhor. No lar, a família em devoção doméstica; na igreja, a "família de Deus", em cultos públicos. Jesus quer ser encontrado, visto, admi- rado, adorado e glorificado por nós. E há razões suficientes. Nós, testemunhar "palavras de graça, agradáveis e bonitas". Dizer com o salmista (1 22.1 ): "Alegrei-me.. .Vamos à casa do Senhor".

11. Olhar com olhos cheios de raiva (v.28) 1. Transição - Fidelidade e infidelidade. Hino: "Sê fiel até à morte".

Ap 2.10: "Sê fiel ... coroa da vida". Mudança dos ouvintes da sinagoga (v.20, 22 e 28,29): do a favor para o contra. "Deus é fiel". Pessoas: moeda, duas faces; duas caras; máscara, hipocrisia. Agora, possível fingir, encobrir e esconder a infidelidade. No juízo, porém, haverá a separação: "Vinde, benditos; apartai-vos, malditos" (Mt. 25.34,41,46).

2.2" parte - Olhar para Jesus com rejeição, desprezo, revolta, raiva, ódio, fúria, indignação. Que mudança, preconceito: "nenhum profeta é bem recebido na sua própria terra"(v.24). Além de odiado, Jesus é expulso . Que inversão de conduta. Além de odiá-lo e expulsá-lo, todos querem a morte de Jesus. Os adoradores se transformam em homicidas. Antes de jogá-lo no precipício, "Jesus retirou-se". Majestade divina!

3. Mini-aplicação - Aconteceu a divisão e separação. Cristo divide. A verdade une ou separa. Cumprimento: Jesus "foi escolhido por Deus, tanto para a destruição como para a salvação"; será "alvo de contra- dição"; "quem não é por mim, é contra mim". Antes, "as palavras de graça, agradáveis e bonitas" levaram todos ao testemunho e admira- ção de Jesus; agora, estas mesmas palavras - quando Jesus apresen- ta o plano da salvação - provocam rejeição, desprezo, ódio, raiva, expulsão, morte. Terrível. Os mesmos filhos de Israel rejeitaram Es- tevão: "enfureciam-se nos seus corações e rilhavam os dentes.. .lançando-o fora da cidade, o apedrejaram" (At 7.54-60). Mais tarde Jesus chora sobre a impenitência de seu povo: "Jerusalém, quantas vezes quis eu ...." (Mt 23.37). "Hoje, se ouvirdes ..."( Hb 3.7,12,15).

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CONCLUSÃO

1 . Repetir e reafirmar o tema e as duas partes. 2. Posição clara e definida: pró ou contra Jesus. Jesus divide multidões. 3. Ainda é tempo de ver e ouvir a Jesus. 4. Mostrar Jesus para outros: "Senhor, queremos ver Jesus" 5 . Ser fiel para receber o convite: "Vinde, benditos ..."

Leopoldo Heimanri São Leopoldo, RS

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04 de fevereiro de 2001 Lucas 5.1-11

CONTEXTO Estamos no início das atividades do Senhor, no seu primeiro ano, tam-

bém chamado por alguns de "ano da iiiauguração". Jesus está convocando discípulos e começando toda a sua atividade missionária.

Para nos colocarmos melhor dentro do contexto daquele início é impor- tante ter em mente a seqüência das primeiras atividades de Jesus:

a) Jesus sai de Nazaré e vai até Bete-Arabá, onde é batizado por João (Mt 3.13-17);

b) Parte para o deserto onde é tentado pelo diabo (Mt 4.1 - 1 1); c) Volta a Bete-Arabá onde arrola os cinco primeiros discípulos (Jo

1.38-5 1 ) André, Pedro, Filipe, Natanael e provavelmente o próprio João, que não se identifica;

d) De Bete-Arabá a Caná, onde no casamento Jesus transforma água em viriho (Jo 2.6-10);

e) De Caná a Cafarnaum onde desenvolve seu ministério no chamado circuito da Galiléia.

Também é importante notar que Jesus dá uma continuidade aos ensinamentos de João Batista. João Batista pregava que o Reino de Deus estava próximo (Jo 1.6) Jesus acrescenta que o tempo se cumpriu.

O início do ministério de Jesus foi marcado por ensinamentos nas sinagogas (Lc 4.16), por muitas curas (Mc 1.32) e por oração. Notamos a preocupação do Senhor em chamar e confirmar a fé dos seus discípulos bem como se apre- sentar ao mundo como o Messias. O texto da "Pesca Maravilhosa" nos apre- senta todos estes aspectos. E neste período de Epifania nos convida a apresen- tar Jesus ao mundo, estendendo a todos os cristãos o convite feito a Pedro, para que também nós sejamos "pescadores de homens".

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T~xro O povo fazia pressão ao redor de Jesus (epikeinui - deitar sobre, fazer

pressão em derredor, apertar) para ouvir a Palavra. Estavam num lugar plano e não tendo como se colocar num local mais elevado, a solução foi emprestar o barco (ploiárion - barquinho aberto de 7 a 10 metros de comprimento) de Simão para pregar. Com o barco a alguns metros da margem poderia se dirigir com facilidade a toda a multidão. Podemos imaginar o silêncio que reinava naquela praia para que todos pudessem ouvir as palavras ditas pelo Mestre, causado também pela fome que aquelas pessoas deviam sentir pelo evangelho, pela Palavra, que é o próprio Cristo, o "Logos" de Deus naquela ocasião pesso- almente presente. Era Ele que estava ensinando (edhsken) a resposta à expectativa de todo o povo de Israel, o cumprimento das profecias do Antigo Testamento, a resposta da promessa feita a Abraão (Gn 12.3).

Tendo acabado os ensinamentos, manda que Pedro volte ao mar para pes- car. Apesar de terem passado a noite inteira sem nada terem apanhado, confor- me o depoimento de Pedro, este reconhece a autoridade do mestre epistcítes: supervisor, diretor, mestre, subentende a autoridade de quem tem o direito de dar ordem) e "sob tua palavra", baseado, confiando na tua "palavra", "lançarei as redes". Para surpresa sua, apanharam grande quantidade de peixes (v.6) a ponto de as redes se romperem e precisarem da ajuda de outro barco para recolherem os peixes, indo os dois, quase, apique (v.7). O milagre se toma mais significativo quando lembramos que não tinham pescado nada a noite inteira e pelo trabalho que tiveram para tirar todo aquele peixe do mar.

Pedro, num gesto público de adoração, de reconhecimento, cultua o Senhor, "prostrando-se aos seus pés" (v. 8). Tendo consciência do seu pe- cado, e de que nada que é impuro pode ficar na presença do Senhor, pede que o Senhor se retire. Todos estavam admiradíssimos. Jesus tranqüiliza Pedro dizendo: "Não temas, doravante serás pescador de homens" (v. 10). Diante disso deixaram tudo e o seguiram (v. 1 I ).

Uma das coisas que nos chama atenção neste texto é a didática usada pelo Senhor, e a sabedoria da sua pedagogia. Nada seria mais significativo para um pescador-candidato-a-discípulo do que aquela pesca miraculosa e magnífica. O objetivo duplo do milagre, confirmar e chamar, fica marcado de forma a não deixar dúvidas nos discípulos e, de modo especial, em Pedro. Ali estava Jesus, o Messias, verdadeiro Deus, comprovando tudo isso com um extraordinário milagre, convocando, chamado pescadores de peixes a estenderem as suas redes e se tornarem pescadores de homens (sogrôn, part. pres. sogréo, capturar vivo; o particípio indica ação linear e contínua). Como recusar um convite feito de forma tão marcante?

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Hoje, quando o Espírito Santo nos traz viva esta palavra e nos chama pelo Evangelho, podemos sentir, vivo e atual, o convite do Senhor para lançar as redes da Palavra e nos tornarmos, cada um, pescador de homens.

APLICAÇ~ES HOMILÉTICAS

Na Epifania temos o compromisso de apresentar e anunciar o Senhor Jesus como o Messias, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O milagre da pesca maravilhosa é significativo neste sentido pois vem comprovar esta verdade. O convite feito a Pedro é estendido a todos os cristãos para que pelo testemunho pessoal, missão, evangelização se tornem também pesca- dores de homens. Quando formos pregar este texto, estes dois aspectos devem ser abordados. Devemos lançar as redes do evangelho, que nos conta sobre Jesus, o Cristo, e aceitar o compromisso, pela fé, de testemu- nhar, evangelizar com esta "rede". A Epifania é um período próprio para esta apresentação.

PROPOSTAS HOMILÉTICAS

Proposta 1 - Sugestão para pregação expositiva. Faça uma narração do início do Ministério de Jesus, enfatizando seu

caráter messiânico e o anúncio do Reino. Termine contando a história da pesca maravilhosa, convidando a todos para se tornarem pescadores de homens.

Proposta 2 - Sugestão para pregação temática.

Tema - "Vamos pescar?"

I - Usando a rede - (o ensino) a) A Palavra, Jesus o "Verbo da Vida". b) O evangelho, a Boa-Notícia.

I1 - Lançando a rede (motivados pelo Espírito Santo) a ) Todos são chamados; b) Sacerdócio Universal; C ) Testemunho, Evangelismo, Missão

I11 - Puxando a rede - (os alvos e os frutos) a) A humanidade b) Os pecadores.

Rubens José Ogg São Lourenço do Sul, RS

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11 de fevereiro de 2001 Lucas 6.17-26

Jesus está no auge do seu ministério. Grande multidão o procura e busca sua presença. Pessoas vinham de todas as partes: curiosos e com boas intenções vieram da Galiléia, inclusive representantes da capital - Jerusalém. De terras pagãs (Tiro e Sidom) também procuravam estar pró- ximos de Jesus. Portanto, ali estavam misturados judeus e gentios, pois Cristo tem uma mensagem para todos. Vieram com os mais variados obje- tivos: para ouvi-lo, tocar nele, serem curados de suas enfermidades. Muitas curas são realizadas "e curava todos" (Lc 6.19). Inimigos (fariseus) tam- bém faziam parte da multidão, mas ali estavam com propósitos hostis.

Jesus está preocupado com a continuidade de sua missão. Os discípulos têm como missão as multidões. Jesus os quer ensinar para bem desempenharem a missão que teriam pela frente. Certamente sua ação entre o povo (curas e sinais) era a causa de muitos comentários. Muitos satisfaziam-se com estes sinais e dele se aproximaram exclusivamente por este motivo. Jesus direciona a instrução para um tema bem mais abrangente. A vida tem um sentido bem mais amplo que apenas "as coisas deste mundo". Sua mensagem é para as bem-aventuranças (S1 1). Bem-aventurado é o homem = pobre, faminto, o que chora e o que é persegui- do: descrição do pecador penitente, destes é o reino de Deus. Pois esta é a graciosa vontade do Pai: oferecer perdão dos pecados e vida eterna através de seu Filho Jesus Cristo. Aí reside a plenitude da vida e seu significado maior. As bem-aventuranças estão no tempo verbal futuro. Não temos ainda tudo o que o Reino de Deus tem a oferecer, mas somos um povo em marcha.

V. 20 - "Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus". É dito a quem experimentou a "metanoia". Homem pobre. Alguém que não possui absolutamente nada e depende da caridade alheia. São aquelas pessoas que no seu íntimo possuem carência de tudo. Não possuem nenhuma reserva moral interior - estão falidos.

(O publicano da parábola). Quando o homem nota o seu absoluto vazio interior, quando sente falta de tudo. Quando a Lei de Deus abre o mais I-ecôndito beco em seu coração, e o Evangelho o ilumina com sua graça , então o pecador passa a possuir a maior de todas as riquezas - é um bem-aventurado, No momento em que a graça de Deus me esvazia de meus valores morais e Deus ocupa o espaço vazio - sou bem-aventura- do. Enquanto me mantenho em pé (o fariseu da parábola) - sou um pobre homem.

V. 21 - "Bem-aventurados vós, os que agora tendes fome, porque sereis fartos". Mateus acrescenta o complemento "de justiça". Antes da "metanoia" não se tem fome de justiça. A justiça vem de Deus, não está no homem, pois nossa tendência natural é satisfazer-se com as coisas do mundo. Deus tem um padrão de justiça da qual o homem se afastou e a justiqa que é de padrão humano está muito aquém do padrão de Deus. "Não sou digno de que entres em minha casa" (Mt 8.8).

V. 3 1 b - Bem-aventurados vós, os que agora chorais, porque haveis de i-ir". Chora-se quando se está separado de algo que é vital. Chora-se quando se está longe da plenitude. Quando nos separamos de Deus, sentimos que perdemos a plenitude, a inocência, a santidade. Quem não sentiu a ruptura não aceita o consolo - não sente o riso. No momento em que sou atraído para junto de Deus (através dos meios da graça Palavra e Sacramentos), acaba o meu choro. As lágrimas transformam-se em riso por causa da salvação em Cristo.

Vv. 22,23 - Por causa da aliança com Cristo, seriam separados das sinagogas dos judeus e rejeitados por carregarem o nome "cristão". Sei-ia uma clara demonstração de que eram "novas criahiras", renascidas em Cristo para uma vida santificada. Filhos do reino de Deus - cujo único e suficiente salvador era o Messias. Messias este rejeitado pela maioria da liderança espii-ihial de Jerusalém. Seriam odiados, pois sua presença testemunhava a inaugui-ação de uma nova vida. Vida esta negada pelos inimigos. Assim tambEm procederam no A.T. - fecharam seus ouvidos para os profetas de Deus para darem ouvidos aos falsos que lhes anunciavam exatamente o que suas vidas em pecado queriam ouvir.

Os "ais" são uma séria admoestação para os pecadores impenitentes, aqueles que julgam não necessitar da graça de Deus. Aqueles que se satisfazem com uma vida voltada sobre si mesma. Para quem vive olhando para seu próprio umbigo. Aqueles que não reconhecem seus pecados. Sentem-se "ricos" , "far- tos" e "riem" fundamentados em suas virtude?. Sentem-se mais dignos que os

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outros e julgam terem atingido um patamar mais elevado de justiça e retidão. É o homem que confia em suas próprias obras. Quem procura atrair para si os aplausos do mundo, não encontra espaço para aplaudir a Deus pelo seu grande amor revelado em Cristo. Ai destes.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Tema - Bem-aventurados vós ...

Introdução 1 - Segundo a expectativa do homet~i caído etn pecado - pecador

itnpenitente - se é bet11-aventurado q~tcttzdo: a - Nossas necessidades humanas são preenchidas. Ser rico, pos-

suir tudo, estar de bem com a vida (rir) e ser louvado. b - Este sentimento também afeta a vida espiritual. Partidário da

autojustificação. Cumpridor de certos rituais - caricatura do verdadeiro culto a Deus. Sente-se o "centro do mundo".

Os cristãos não estão livres de caírem na mesma vala. Eis o motivo pela qual a Lei de Deus em seus três usos jamais pei-de sua validade, pois ...

I1 - Seg~tndo a revelação da Palavra de Deus, carninha-se para a bet~i-aventuratzça quando: a - Se está sob a graça e a ação da Palavra de Deus - pecador penitente: O

cristão está sujeito a sofrimentos também no plano físico-material como res~iltado do ser "seguidor de Cristo". Jesus anunciou tempos difíceis. - A história é testemunha do quanto já sofreram os filhos de Deus

por causa da fé. - O suportaram e suportam fortalecidos pelas promessas de

Deus. - Reconhecem que são apenas peregrinos e forasteiros.

b - Ciente de sua real situação diante de Deus (pelo uso da Lei) no plano espiritual.. . - Sente-se pobre, com fome, chora - mas confia na graça de

Deus revelada em Jesus Cristo. - É filho de Deus, sacia sua fome com os meios da graça. é

consolado - tem o perdão dos pecados. - Testemuriha com intrepidez sobre a verdade. Não é uma

cana agitada de um lado para o outro pelo vento. Não busca o aplauso do mundo, mas a proclamação da verdade.

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18 de fevereiro de 2001 Lucas 6.27-38

CONTEXTO O Senhor Jesus passara a noite no monte, em oração. Chama seus

seguidores e escolhe, dentre eles, seus doze apóstolos.

Ao descer do monte encontra muitos discípulos seus, e grande multidão. Esta multidão parecia como ovelhas sem pastor (Mc 6.34), atormentados pelo diabo, sedentos pela Palavra do Mestre, desesperados em suas doenças físicas e espirituais. Só tocar em Jesus já lhes trazia poder e cura! E Jesus fala. Fala do pecado, das bem-aventuranças: É SEU SERMÃO DO MONTE!

TEXTO V. 27 - légo tois akouousin: "digo a vós que ouvis!" A Palavra de

Deus precisa ser DITA e OUVIDA! Ela sempre traz orientação e advertência perfeita. São regras práticas para serem observadas pe- las pessoas, em especial, pelos cristãos. Vejamos, então:

- agapírte tous extrous ~lrnôn - ("amai os vossos inimigos"). Nesta lição de humildade ensinada por Jesus, como estas palavras machu- cam o nosso orgulho!

- kalôs poieite tois rniso~~sin umas - ("fazei o bem aos que não gostam de vós"). No falar e ouvir, as palavras aqui rasgam fundo em nosso egoísmo!

V. 28 - eulogeite.. .proseÚxeste: ("bendizei.. . orai"). Nem sempre a '

nossa língua é usada para isso. Cuidado para que a língua, como ins- trumento da palavra, seja feito:

- fogo devorador: Tg 3.6; Pv 16.27 - mundo de iniqüidade: Tg 3.6

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- carregada de veneno mortífero: Tg 3.8 - flecha mortífera: Jr 9.8 - ponta de espada: Pv 12.18 - navalha afiada: S152.2 - açoite: Jó 5.21

O Senhor ordena: "bendizei! ... orai!". Fazendo isso, a língua é:

- prata escolhida: Pv 10.20 - medicina: Pv 12.18 -habilidoso escritor: SI 45.1

Vv. 29,30 - Um espírito de humildade e despreendimento é algo que tem lugar e aceitação sempre!

V. 3 1 - Este versículo é uma linda REGRA DE OURO! É nesta prática de amor que se mostra nossa fé!

Vv. 32-36 - Pois é aqui que se diferencia a atuação e prática do verda- deiro amor entre o cristão e o não cristão: agayate tous agayÔnta\ ~rnzas (amar os que vos amam!). Isto até o pagão faz! Amar os que não nos amam só acontece com um coração transformado pelo san- gue de Jesus! Fazer o bem ao que faz o bem para nós é apenas troca de favor. Nenhuma recompensa trará!

Por outro lado, é bem difícil, humanamente, duneisete (emprestar) aos pecadores, aos "famintos, forasteiros, nus e presos". Mt 25.35,36. Eles não têm com que apolcíhosin (devolver). O verdadeiro espírito cristão está em agapate tous extrous (amar os inimigos), sem esperar apelpízontes (re- ceber de volta).

Vv 37,38 - Sempre é mais fácil ver os defeitos dos outros. E, por isso, estamos prontos a krinete (julgar) e kritete, (condenar). Quando se aponta um dedo ao próximo, existem três dedos apontados para nós, e mais um para cima: para Deus!

Deus usa a mesma medida que nós! Só que ela vem "comprimida, sacu- dida, transbordante", de volta. Por isso, "perdoai e dai!" Deus é nosso exem- plo! Ele sempre é oiktirmon (misericordioso).

SUGESTÃO DE TEMA E/OU PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema - Amor Fraternal

Igreja Luterana - N" 2 - 2000

Um provérbio indiano afirma: "O bem que se faz num dia é semente da felicidade para o dia seguinte!"

Louis Evelyn diz: "Tudo o que se faz por amor adquire formosura e se engrandece."

I - Atitude Cristã 1 . ser benignos mutuamente: Ef 4.32 2. amar até os inimigos: Lc 6.27-30; Ct 8.6,7 3. tratar os outros como queremos ser tratados 4. perdoar: O MELHOR REMÉDIO: Tg 5.16 5. no amor ao próximo, mostramos nosso amor a Deus: 1 Jo 4.7,8, 19-21 6. andar no amor: 1 Jo 2.6; Ef 5.1,2 7. ser longânimo: Tg 3.17

/I - Atitudes Reprovadas 1 . só fazer o bem aos que nos fazem o bem 2. palavras duras: Ef 5.31 ; Pv 15.1,2,4 3. julgamentos precipitados

I11 - A Colheita 1. grande galardáo no céu 2. ser filhos do Altíssimo 3. receber a misericórdia do Pai 4. teremos perdão 5. já aqui: "boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosa ...

vos darão!"

II~USTRAÇÃO O dia era sufocante. Um menino carregando pesado cesto de alimentos

quase desfalecia ante escaldante sol. O peso era além de suas forças. Parou numa sombra para descansar. Havia, pela frente, um longo aclive para subir.

Um robusto cavalheiro ajudou o exausto menino a carregar o cesto até o alto. "Fico-lhe imensamente grato!" balbuciou o menino.

Passaram-se 30 anos. O cavalheiro, agora idoso e combalido, pobre e sozinho, estava sentado em sua cadeira de rodas. Num instante, soou a campainha. Um fidalgo finamente vestido entrou em seu lar. Observou, num relance, o ambiente e disse: "Tuas condições estão precárias. Vim lhe trazer 20 mil dólares. Esta quantia é suficiente?"

Igreja Luterana - No 2 - 2000

O ancião, estupefato, apenas meneou a cabeça em sinal de aprovação.

"Explico", disse o visitante: "há trinta anos atrás fui auxiliado pelo se- nhor, carregando minha pesada cesta. Foi como uma semente de bondade plantada em meu coração. Hoje sou um homem próspero. Tenho uma grande indústria. Sempre quis lhe mostrar minha gratidão."

Evuldo Muroni Três de Muio, KS

Igreja Luterana - N" 2 - 2000

25 de fevereiro de 2001 Lucas 9.28-36

CONTEXTO Algodão entre ferros, Transfiguração de Jesus. Episódios marcantes e

alguns até sangrentos precedem o fato: João Batista, sob solicitação de Salomé, é decapitado (Mt 14.1-12); as duas multiplicações de pães (Mt 14.13.21; Mt 15.32-39); a confissão de Pedro e a predição de Jesus quanto a própria morte (Lc 9.1 8-22); a cruz a ser carregada pelo discípulo (Lc 9.23-27). Episódios não muito suaves lhe seguem após: nova predição de Jesus quanto a morte sua (Lc 9.43-45); rejeição dos samaritanos (Lc 9.5 1 - 56); a impenitência das cidades (Lc 10.13-16). Como o contexto inicial é bem mais sofrido que o posterior, talvez até se possa alterar a metáfora do algodão entre ferros para algodão lenitivo, primeiro para as feridas mais graves e então para as menos doridas. De qualquer maneira, a Transfigura- ção brilha como vela suave em meio a tenebrosa carnificina.

INTERPRETAÇÃO V. 28 - O círculo formado pelos doze já era em si limitado e bastante

fechado. Nele, porém, havia ainda mais um e muito menor, Tiago, Pedro e João, que Jesus leva consigo, a fim de orar, ao local onde seria glorificado. Esses também o acompanhariam no Getsêmani (Mt 26.37) com o mesmo intuito.

A razão por que os três foram escolhidos podem ser estas: Pedro era o líder dos doze e, na maioria das vezes, aquele que tomava a palavra arris- cando sempre uma sugestão, uma pergunta ou uma resposta ainda que não a mais apropriada (Mt 14.28; Mt 16.13-20; Mt 17.4; Mt 26.31-35; Mt 26.69- 75) ou era interpelado pelos de fora (Mt 17.24-27) ou tomava a iniciativa em instantes cruciais (Lc 24.12; Jo 20.1-10; At 2.14; At 3.1).

De João, por sua vez, temos dois retratos bem diferentes: o filho do

Igreja 1,uterana - No 2 - 2000

trovão (Mc 3.17; Lc 9.49,54; Mt 20.20-24) e o discípulo que Jesus amava (Jo13.23; Jo 19.26-27). Além disso, estava junto com Pedro na ressurrei- ção de Jesus e na igi-eja de Jerusalém imediatamente após o Pentecostes.

Já Tiago, irmão mais velho do anterior, não apresenta uma biografia táo rica. Era igualmente um Boanerges, a saber, um filho do trovão e foi o primeiro dos apóstolos a sofrer o martírio (At 12.2). Era primo de Jesus (Mt 27.56; Mc 15.40; Jo 19.25). Fora, talvez, o parentesco, nada o habilitava a ser um escolhido para o círculo mais íntimo do Mestre.

A outra questão crucial deste v. consistia na oração de Jesus. Por que ele, o Deus encarnado, precisava orar frequentemente como se vê nos evangelhos? Bem , se pensarmos na oração como sendo, em fé, a confissão de subalternidade e o contato com a divindade, mas com não umadiviiidade impessoal, longínqua, e, sim, com o Pai amoroso, estaremos definindo a oração do cristão comum. Mas estai-íamos definindo a oração de Jesus Cristo já que ele compaitilhava integral- mente a mesma essência com o Pai? Sim e não. Por ser Deus, Jesus sequei- podia confessar alguma espécie de infeiioridade. Ao mesmo tempo, seu contato com o Pai se realizava ininterruptamente. Nesse caso, oração, como nós a enten- demos, sei-ia algo totalmente supérfluo. Jesus, poi-ém, tinha, e ainda a conserva, uma outra natureza: a humana. E essa natureza, em quase todos os momentos em que viveu na terra, se achava no estado de humilhaqão, ou seja, ele se esvaziasi1 da sua natureza divina e se humilhara até a morte (Fp 2.5-8). Sua oraçáo, portan- to, vinha a ser na prática a oração do crente comum que se angustia e se vê alienado e sempi-e mais longe da presença do próprio Deus. Ela, portanto, se iguala à nossa, tomando-se, é claro, exemplo e incentivo para também orarmos.

V. 29 - A Transfiguração deve ter sido algo lindíssinio de ver. Marcos (9.3) usa uma imagem plástica extremamente feliz: " ... as suas vestes tornaram-se resplandecentes e sobremodo brancas, como nenhum lavandeiro na terra as poderia alvejar". Por um lado, ela foi a preseri- ça do Pai, a exemplo do que se deu com Moisés (Êx 34.29). Por outro, foi o próprio Jesus que, por fugazes momentos, retomou a glória no convívio com o Pai, Moisés, Elias e os três discípulos. É digno de nota, porém, que, se Moisés tinha um brilho no rosto que seus companheiros nem o podiam fitar, o de Jesus, cujo brilho ultrapassava o do legislador em escala infinita, foi apreciado com imensa avidez - sem nerihum problema (2 Pe 1 . I 6-1 8). Por quê? O de Moisés refletia a lei (2 Co 3.7); o de Jesus, o evangelho (Lc 9.3 1 , 35).

V. 30 - Tradicionalmente se diz que a presença de Moisés e Elias repre- senta a lei e os profetas e não há por que rejeitar essa idéia.

Igreja Luterana - No 2 - 2000

V.3 1 - Ambos enfatizam a ida de Jesus para Jerusalém tendo em vista, com toda a certeza, aquilo que iria lá acontecer segundo a proposta sacrificial do próprio Jesus. Sabemos que os discípulos não aceitavam essa colocação de Jesus, razão pela qual as palavras deles nesse con- texto se tornaram mais candentes ainda.

V. 35 - As palavras de Jesus, como atesta o Pai, deveriam ser ouvidas como a autoridade, como a verdade, como a salvação. Embora Jesus pregue também a lei, não foi para isso especificamente que veio, pois tanto Moisés quanto Elias e todos os profetas já o tinham feito com muita eficácia. E, a bem da verdade, já haviam eles, da mesma forma, pregado o evangelho embora não com a clareza concreta com a qual Jesus o faria daí a pouco. De fato, ele veio, acima de tudo, para pregar e personificar o evangelho enquanto tal.

CONSIDERAÇOES HOMIL~TICAS

Pregar sobre a Transfiguração talvez não seja algo tão fácil quanto gostarí- amos que fosse. E provável que pensemos em nós mesmos e nossa congrega- ção nos transfigurarmos por ocasião da subida ao púlpito para fazer o mínimo de justiça ao texto. Com certeza, nada disso acontecerá como de fato jamais aconteceu em nenhuma das vezes em que pregamos sobre ele. Mas isso não é motivo de desânimo, pois, como diria Paulo: "Temos ... este tesouro em vasos de barro para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós" ( 2 Co 4.7). Não vamos, portanto, jamais do púlpito reproduzir o evento. Contudo, podere- mos pregar sobre ele com propriedade se tivermos para com ele o respeito que devemos ter para com outra passagem qualquer, a saber, meditar em profundi- dade, analisar comentários, dicionários, etc.

Qual seria, então, a grande mensagem do texto? Poderíamos enumerar, talvez, até mais de uma:

I . O Pai engrandece o Filho para enfatizar a salvação a) este é o meu Filho, o meu eleito; b) a ele ouvi.

2. A oração oferece recompensas inesperadas a) através dela Deus renova sua eleição b) através dela Deus concede um novo brilho em nossa vida.

3. A glória eterna do Pai é refletida plenamente no evangelho de Cristo ( 2 Pe 1.17-18)

a) não que a lei não reflita a glória de Deus ( 2 Co 3.7);

Igreja Luterana - No 2 - 2000

b) mas a sua glória maior é o amor (I Jo 4.8) que seu Filho manifesta (Lc 9.3 1,35);

4. O Servo de Deus, mesmo transfigurado, não perde a visão da cruz. a) para enfrentar a cruz, ele veio (G14.4-5; Jo 18.37); b) a cruz é a sua glória (Jo 12.23-24; Jo 3.3 1-32).

5. Os filhos de Deus nem sempre conseguem falar das grandezas do Pai. a) nosso vocabulário, via de regra, está limitado ao inundo em que viven~os; b) as bênçãos de Deus são muito maiores que nós.

6. Queremos permanecer nos momentos gloriosos da fé a) porque são os momentos que enlevam nossa alma e nos tiram da

preocupação deste mundo; b) Deus, porém, nos coloca de volta na realidade da cruz.

Martirlho Lutero HqljlÍirz~lt~ri Chury~ieucio.~, RS

Igreja 1,uterana - No 2 - 2000

4 de março de 2001 Lucas 4.1-13

CONTEXTO Toda a vida de Jesus foi previamente planejada pelo conselho da Trinda-

de, antes mesrno de Jesus encarnar-se como verdadeiro homem e verda- deiro Deus (cf. Jo 5.43; 7.28; 8.42). A tentação é mais uma etapa impor- tantíssima a ser completada no processo da salvação da humanidade. Jesus não veio excursionar e nem passar férias aqui no mundo. Jesus veio para aniquilar com o poder de Satanás e dos seus agentes, e para glorificar o nome do Pai. É o que nos ensina o próprio Cristo e os seus santos apóstolos (cf. Jo 12.27;IJo 3.8; C1 1.13 ss. - Presença real da Trindade).

TEXTO O texto de Lucas traz um detalhe que os outros sinópticos não trazem.

No v. 1 ele diz que Jesus voltou do Jordão pléres - "cheio do Espírito San- to". Cheio tem o mesmo sentido de pleno, completo no grego. Jesus estava com plenos poderes, após o seu Batismo, para enfrentar a grande luta con- tra o tentador.

A vitória de Jesus acontece em campo aberto, no deserto. O deserto e o tempo de permanência nele são tipológicos da provação de Israel nos seus qua- renta anos de peregrinação antes da posse de Canaã (cf. Dt 6 - 8; l R 19.8 ss.).

A forma gramatical do verbo peirázo - tentar, deixa transparecer de novo toda a missão do Messias. A forma verbal é peirazómenos. Ela está no particípio presente passivo , "sendo tentado" . Aqui podemos nos re- portar ao que Paulo teologicamente diz em Fp 2: "A si mesmo se esvaziou, asscrtnindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de ho- mens ... ". Jesus sentiu na carne e no espírito a nossa maldita tentação e condenação. E foi maldito para que fôssemos benditos (cf. G1 3.1 3 ss.). Jesus refresca nossa alma com a doce brisa da vitória sobre o nosso inimi-

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go implacável. A lei o evangelho transparecem com clara nitidez em meio às palavras e linhas de todo o texto.

Aqui propomos algumas citações do livro "A Teologia da Cruz de Lutero", de Walther von Loewenich, onde Lutero não vê separação entre teologia da cruz, fé e tentação:

- "De acordo com a teologia cruz, a pior tentação consiste em não ter tentações; pois a tentação mantém a fé em movimento. A vida sob a cruz é uma vida de tentação, teologia da cruz é teologia da tentação."

- "Lutero esclarece isso no exemplo de Abraão. Desdobra neste ho- mem não apenas sua teologia da fé mas também sua teologia da ten- tação. Na tentação a fé luta com a autocontradição de Deus."

- O grau máximo da fé é então continuar confiando na graça de Deus inclusive na tentação do abandono por Deus. Esta fé não é brincadei- ra; ela é nada menos do que uma luta com Deus contra Deus. O Deus abscôndito é realidade, não apenas ficção. O diabo é apenas instru- mento de Deus, o sujeito da ação é o próprio Deus. Em tais momentos Lutero sente com toda clareza sobre si a ira de Deus."

- "Que conselho Lutero tem para tais casos? Apegar-se à Palavra. A Palavra outra coisa não é do que Cristo (revelado). Encontramo-nos em tentação quando nos foi arrancada do coração a Palavra, ou seja, Cristo. Por outro lado, a tentação está vencida quando Cristo torna a falar-nos, quando voltamos a ouvir a Palavra. Ao lado do recurso a Palavra coloca-se a evocação insistente do batismo."

O diabo monta seu plano estratégico para tentar o Filho do homem, Jesus. Julgou certo que seu plano iria funcionar com o segundo Adão como funcionou com o primeiro. Vejamos, então, suas metas. A primeira tenta- ção é a CARNAL - vv. 3, 4, onde o diabo como bom marqueteiro quer vender seu produto: a MENTIRA! No livro "Tentação", Dietrich Bonhoeffer faz esses comentários : "Se és o Filho de Deus", aqui Satanás tenta Jesus na fraqueza de sua carne humana. Ele quer lançar sua divindade contra a sua humanidade. Satanás sabe que a carne tem medo do sofrimento. Por que deve então o Filho de Deus sofrer na carne? Caso Jesus fugisse ao sofrimento da carne, toda carne estaria perdida. O caminho do Filho de Deus sobre a face da terra assim estaria encerrado. Fiel à Palavra de Deus Jesus diz: "Não só de pão viverá o homem". Venceu contra a tentação, defendendo sua humanidade e mantendo seu caminho de sofrimento."

Igreja 1,uterana - No 2 - 2000

A segunda meta de Satanás é a tentação ESPIRITUAL, a tentação da fé. "Ele mesmo faz uso da Palavra de Deus contra Jesus (Os falsos mes- tres e as falsas doutrinas). A resposta de Jesus lança a Palavra de Deus contra a Palavra de Deus, de modo que a verdade se revele contra a men- tira. Não pode haver a dúvida. Ela é maligna. Jesus chama esta tentação, uma tentação de Deus. Tentar a Deus, porém, quer dizer lançar a culpa, o fato da infidelidade, a mentira, sobre Deus mesmo, em vez de culpar Sata- nás. Tentar a Deus é a maior tentação espiritual."

A versão de Lucas é mais teológica do que a de Mateus. Lucas inverte a terceira tentação do relato de Mateus para a segunda. Para Lucas, ainda não era tempo de Satanás partir, abandonar a batalha. Ele tinha outros golpes guardados - vv. 9-1 1 .

Na terceira meta - tentação TOTAL. Nos vv. 6 - 8 a serpente, o leão e o sedutor diabólico investe com suas próprias armas. Ele arrisca a última cartada. "Aqui não há mais camuflagem alguma, nem simulação. O poder de Satã se opõe diretamente ao de Deus. Seu oferecimento é imensamente grande e belo e mesmo sedutor. Ele exige em retribuição a adoração - o culto satânico. Ele exige franca apostasia de Deus. Eis a tentação para pecar contra o Espírito Santo."

Foi a Palavra de Deus que condenou o diabo e os seus anjos. É a Pala- vra de Deus que condena o pecado e pune o pecador. É com esta arma poderosíssima que Jesus contra-ataca o tentador: "Dito estú: Não tentcl- rús o Senhol; teu Deus." Quantas e quantas vezes o Santo Deus mencio- na na Escritura: "Assim disse ou assim falou o Senhor"? A Palavra é poder que constrói e destrói. Esta Palavra é que salva, que dá a vida eterna, que consola e vence todas as tentações do maligno! Lutero nos deixou este consolo: "Por esse motivo o cristão aceita a tentação com agradecimento como presente da mão de Deus. Ele não deve refletir sobre ela, mas experimentá-la. Então, no final, não faltará a experiência da graciosa con- dução de Deus.

PROPOSTA HOMILÉTICA O plano estratégico de Satanás e o poder da Palavra de Deus.

Wilhelnl Frederico Langbehn Butiá, RS

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11 de março de 2001 Lucas 13.31-35

CONTEXTO a) Bíblico: Jesus estava se dirigindo a Jerusalém (Lc 13.22; 17.1 I ; 1 8.35;

19.28,4 I), onde aconteceria sua morte (Lc 18.3 1 ). b) Litúrgico: Estamos na Quaresma, acompanhando Jesus a caminho

da cruz. Este é mais um episódio. Devemos ressaltar o seu plano salvador e sua vitória. As leituras do dia destacam: SI 4: Apesar dos inimigos, o filho de Deus confia em seu Senhor e descansa em paz. - Jr 26.8-1 5: O profeta Jeremias é ameaçado de morte por proclamar a Palavra de Deus (Cf. a citação de Jesus no Ev.: Jerusalém mata os profetas ...) - Fp 3.17-4.1: Os inimigos da cruz de Cristo.

TEXTO E APLICAÇ~ES H O M I L ~ I C A S V.3 1 - Herodes Antipas, governador da Galiléia e da Peréia. Após a morte

de seu pai, Herodes o Grande (4 AC) o reino foi dividido em quatro partes (Lc 3.1). Este Herodes já tinha morto João Batista ( Mt 14.1 ) e a ameaça dita pelos fariseus podia ser verdadeira. Pode ser entendida tam- bém como uma pressão para acelerar a ida de Jesus a Jerusalém, onde seria mais fácil condená-lo. (Cf. as palavras de Jesus a respeito de Jerusalém nos vv. seguintes.) Os fariseus não tinham nenhuma intenção em proteger a vida de Jesus; muito pelo contrário, estavam sempre pro- curando uma ocasião para condená-lo!

V.32 - "raposa"- entre os judeus, um animal desprezível, mas também reconhecido por sua astúcia.

- "expulso demônios e curo"- Jesus aponta para as suas obras como sinal da sua autoridade e missão.

- "hoje e amanhã e no terceiro dia"- expressão repetida no v. 33. Num primeiro momento não parece tratar-se de uma referência a sua res-

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surreição ao terceiro dia; mas não podemos fugir desta idéia quando Jesus arremata dizendo: "no terceiro dia terminarei"; ou, como diz na NTLH: "terminarei o meu trabalho"; ou na NIV: "I will reach my goal", isto é: "eu vou atingir o meu alvo". Lembramos do "Está consumado" (Jo 19.30): toda a obra da salvação, planejada por Deus e executada em Cristo Jesus, estava concluída e completa.

V.33 - Jesus expressa que há um plano definido por Deus que culmina- rá na sua morte redentora em Jerusalém. Herodes não poderia ante- cipar o plano de Deus.

V.34 - "Jerusalém, Jerusalém"- a repetição enfática mostra a importân- cia e a seriedade do pronunciamento que vem a seguir (cf.: "Marta, Marta" - Lc 10.31; "Em verdade, em verdaden- Jo 3.3).

- "matas os profetasv- repete a afirmação do final do v. 33. No texto paralelo de Mt 2.29-39, Jesus estende mais o discurso sobre a mor- te dos profetas em Jerusalém (cf. leitura do AT).

- "eu quis" - "vós não quisestes" - Temos aqui o tema do texto! A vontade salvadora de Jesus encontra oposição na vontade perversa dos homens, que não apenas rejeita o plano salvador de Deus, como quer eliminar o Autor da salvação!

- "galinhaH- ou pássaro. No AT Deus é várias vezes comparado a águia que cuida dos seus filhotes (Êx 19.4; Dt 32.1 1,12; S19 1.4; SI 57.1). A figura é belíssima e ilustrativa.

V.35 - Profecia contra a destruição de Jerusalém, ocorrida no ano 70 DC. Em Lc 19.41 Jesus chora quando profetiza a destruição da cidade e conclui: "porque você não reconheceu o tempo em que Deus veio salvá-la" (NTLH), repetindo o lamento do texto de hoje: "vocês não quiseram" (NTLH).

- "Bendito ..." Apenas na entrada triunfal Jesus voltaria a Jerusalém. O plano de Deus tinha prazos certos e determinados.

- Tema - Vontade de Cristo X vontade dos homens.

- Objetivo - Insistir no esforço amoroso de Jesus em salvar a humanidade, apesar da rejeição sistemática de ontem e de hoje por parte de muitos.

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- Empecilhos na busca do objetivo: rejeição, perseguição, indiferença, outras prioridades.

- A solução de Deus: Deus quer a salvação da humanidade e realizou- a pela morte e ressurreição de Jesus! Apesar da oposição dos ho- mens, ele continua fiel ao seu propósito salvífico. Estamos ainda no tempo da graça!

- Introdução: Descrever uma cena do interior, visualizando os cuida- dos de uma galinha com os seus pintinhos e como eles se abrigam debaixo das suas asas quando ela os chama.

I - A vontade perversa do ser humano: - "vós não quisestes" - Herodes, o Grande, havia tentado matar o menino Jesus (Mt 2.13-1 5 ) - Herodes Antipas ameaça agora. - Os líderes judeus sempre se opuseram e acabaram matando Jesus. - Rm 3.9-18: "Não há justo ..." - Nossa resistência pessoal à vontade de Deus: citar situações espe-

cíficas locais.

I1 - A boa e misericordiosa vontade de Deus: - "quantas vezes quis eu ..." - Ez 18.23,32; 33.1 1 - Deus não tem prazer na morte do perverso. - 1 Tm 2.4: Deus deseja a salvação de todos. - Mt 11.28: "Vinde a mim ..." - 2" e 3" petição do Pai Nosso; explicação de Lutero. - seu sacrifício por nós: maior prova de amor.

CONCLUSÃO

A história da galinha vermelha: Incêndio no galpão do sítio, à noite. De manhã o proprietário vai ver o prejuízo. Ao chutar uma "bola" carbonizada, de baixo saíram vários pintinhos. A galinha havia morrido queimada, mas protegera com vida seus filhotes.

Ao abrigo de Jesus estamos seguros!

Curlos Wulter Wir~terle Porto Alegre, RS

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18 de março de 2001 Lucas 13.1-9

CONTEXTO A perícope pode ser dividida em duas partes. Os vv. 1-5 em que pessoas

trazem relato de uma tragédia e a resposta incisiva dada pelo Senhor Jesus; e os vv. 6-9 em que o Senhor passa a contar a parábola da figueira plantada na meio da vinha, para demonstrar a longanimidade e as providências cor- respondentes tomadas pelo Pai na pessoa e obra de Cristo.

TEXTO Vv. 1-5 - Não se sabe ao certo com que intenção o relato da morte dos

galileus por parte de Pilatos foi feito. Mesmo que isso pudesse ser atribuído ao estilo Pilatos de governar ao longo de seus I0 anos de mandato, tudo o que sabemos é o que Lucas relata.

O texto parece indicar que as pessoas estavam relatando o caso devido a sua violência, pressupondo que esses galileus tivessem cometido um cri- me extremamente grave. Do contrário, Deus certamente não teria usado ou permitido que Pilatos violasse um local tão sagrado para os judeus, mis- turando o sangue de criminosos com o dos sacrifícios.

A negativa do Senhor é direta. Não havia uma correlação entre a gravi- dade do crime e a intensidade do castigo. O fato de o Senhor contar uma outra história trágica, apenas corrobora isso.

A ênfase do Senhor está no arrependimento. Não importa o tipo de morte que sobrevenha. O fim trágico dos que não se arrependem em tem- po, será sempre o mesmo. Impenitentes têm um único fim - a condenação eterna. "Nem esses galileus eram mais pecadores do que outros galileus, nem aqueles 18, sobre quem desabou a torre de Siloé eram mais culpados que outros moradores de Jerusalém".

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Vv. 6-9 - A parábola cantada a seguir pelo Senhor tem o propósito de reforçar o que foi dito anteriormente. A figueira e a vinha formam uma unidade. A figueira que foi plantada na vinha pertence ao dono da vinha. Exatamente por ter plantado a figueira no meio da sua vinha é que ele lhe dá o direito de esperar que produza fruto.

Três anos de expectativas frustradas levaram o dono da vinha a decisáo de mandar seu viticultor (Cristo) cortá-la.

A intercessão do viticultor por "mais este ano" não visa a demonstrar o quanto o Pai é severo e de que só Jesus é misericordioso, e sim, que o Pai aceita a intercessão de Jesus. A ênfase está na mediação. Veja, o viticultor não con- testa a decisão do dono da vinha. Ele apenas intercede por mais tempo.

O texto, no entanto, não ressalta uma intercessão passiva. Não é uma questão de apenas conceder mais tempo a figueira. O tempo está umbilicalmente ligado ao tratamento intensivo que seria dado a mesma: "até que eu escave ao redor dela e lhe ponha estrume".

A finalidade da figueira é dar frutos. Sal que não salga não é sal. O texto fala da natureza das coisas. A ordem do dono da vinha sobre quem não produz frutos dignos de arrependimento, já foi dada. A única maneira de escapar desse julgamento passa pelo arrependimento.

A misericórdia do Pai não está apenas no fato dele ter dado todo o tempo necessário, mas no fato de ter permitido que esse tempo fosse acom- panhado de todas as necessidades que pertencem ao processo de recupe- ração da figueira improdutiva.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

1 - Temos em nossa mídia eletrônica e na impressa relatos tão ou mais violentos do que os que são narrados no texto. Pessoas que abominavam a idéia da pena de morte no Brasil, não conseguem mais disfarçar sua apreensão com os rumos da violência e passaram a defender a pena de morte para crimes hediondos. Relatos no abuso dos direitos humanos criaram um complexo de culpa na sociedade atribuido-lhe uma co-auto- ria na violência que a cerca e a torna prisioneira da mesma.

2 - Ainda que tenhamos uma grande responsabilidade no que concerne a diminuição e ao controle da violência, o que o texto nos quer ensinar é que a natureza da morte física não pode mascarar as consequênci- as da morte espiritual.

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Somos ministros de Deus para chamar pessoas ao arrependimento. A tragédia maior é aquela em que pessoas são condenadas à morte eterna por sua impenitência.

3 - Graças ao Pai de todas as misericórdias, as coisas não precisam continuar como estão. A exemplo do viticultor, Cristo, nosso Media- dor, precisamos agir - tomar as medidas que podem impedir o corte das figueiras improdutivas, impenitentes.

O Pai não nos abandonou à nossa própria sorte. Ele nos capacitou e apare- lhou com enxadas, arados, tratores e o(s) adubo(s) para fertilizar o solo.

Nosso papel como proclamadores do evangelho é lembrar todos os si- nais que apontam para o grande amor do Pai por todas as pessoas em cada um dos domingos na Quaresma.

Oscar Leherzbauer Porto Alegre, RS

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25 de março de 2001 Lucas 15.1-3,11-32

LEITURAS DO DIA O Salmo 32 fala da alegria de ser perdoado. É a experiência pessoal de

cada pecador arrependido, que confessa suas transgressões a Deus e re- cebe o Seu perdão. Estar em paz com Deus é motivo de grande alegria e regozijo. Isaías 12.1-6 é um cântico (na verdade são dois) de celebração pela libertação de Israel. Do tronco de Jessé virá libertação para todo o povo (cf. 1s 1 I ) , o Senhor é salvação. Com o Santo de Israel em seu meio, o povo exulta e jubila. 1 Coríntios 1.18-3 1 lembra que a sabedoria de Deus segue outros padrões, que não os humanos. A palavra da cruz é instrumen- to poderoso de salvação. Eis porque a proclamação do evangelho sempre será notícia de grande alegria. O Evangelho do dia confirma essa verdade. O retorno de um filho arrependido a casa do pai é motivo de grande festa (cf.15.24-25,32).

CONTEXTO O texto de Lucas 15, com sua série de parábolas, nos apresenta um

Jesus que se associa com pecadores. O texto apresenta uma questão cultu- ral, pois trata da comunhão a mesa. A comunhão a mesa, em qualquer parte do mundo, é um assunto relativamente sério. Isto é verdade especial- mente no Oriente Médio. No Oriente, hoje em dia, como no passado, um nobre pode alimentar quantas pessoas necessitadas desejar, de nível inferi- or, como sinal de generosidade, mas não come com elas. Todavia, quando os convivas são "recebidos", a pessoa que recebe esses convivas come com eles. A refeição é um sinal especial de aceitação. Lucas 15 ( 1 -3) apresenta um Jesus empenhado em relacionamentos sociais como esse com publicanos e pecadores. O fato de Jesus ter recebido pecadores para a comunhão à mesa causou grande descontentamento entre os seus opo- nentes. As parábolas de 15.4-32 são, na verdade, uma defesa deste ato de Jesus e afirmam que a inclusão de pecadores na comunhão da salvação,

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conseguida com a comunhão à mesa, é a expressão mais significativa da mensagem do amor redentor de Deus (cf. Kenneth Bailey, As Parábolas de L~lcas, Vida Nova, 1995, pp. 193- 195).

A parábola de Lc 15. 11-32 é a história dos dois filhos perdidos. No centro da história está o pai compassivo. A parábola é um convite para nos alegrarmos na graça de Deus. Não é sem razão que a mesma, durante séculos, tem sido chama de "Evangelium in Evangelio. " Como vimos acima, os vv. 1-3 providenciam o cenário. O v. 1 muito se relaciona com o que é dito em 14.35; os publicanos e pecadores eram aquela classe de pessoas que tinham os ouvidos para escutar Jesus. Nos vv. 2-3 o assunto em questão é a palavra de boas-vindas e de aceitação que Jesus oferece aos pecadores. Os vv. 11-32 têm algo a dizer tanto aos p~iblicanos e peca- dores bem como aos fariseus e estribas.

TEXTO Os vv. 11-32 apresentam a a parábola em si. O v. 1 I faz referência a

"dois filhos"; o filho mais velho está presente na história desde o seu início. O pecado do filho mais moço está em seu desejo de viver indepen- dentemente de seu pai. Na verdade o que ele diz a seu pai é: "Pai, eu não posso esperar até que você morra ". Ele quer ser o seu próprio deus. Tal liberdade resulta em uma degradação suprema (vv. 12- 19). A vida extrava- gante do filho é descrita graficamente pelo verbo & ~ c ~ o p n ~ a e v , espalhou, dissipou de várias maneiras a sua herança (cf. uso similar em 16.1) vivendo a a o z o ~ dissolutamente (v.13). Esta é a única ocorrência deste advérbio em todo o NT, embora o substantivo aaot la seja usado por Paulo e Pedro (cf. Ef 5.18; Tt 1.6 e 1 Pe 4.4). No v.16, o imperfeito ~ní€Iuper, indica que havia um continuo desejo no coração do filho e certamente foi necessário um certo tempo até ele ter "caído enz si". Digno de nota é o 'pródigo" uso de clnokkupa~ (v.17). A ênfase do termo neste capítulo é muito maior do que uma simples idéia de fome (cf. vv. 4,6,8,9,24 e 32). A repetição de "Pai, peq~lei contra o céu e diante de ti" (vv. 18 e 2 1) destaca o quanto o filho deve ter ensaiado essas palavras antes de poder proferi-las diante de seu pai, imaginando sem dúvida como seria a sua reação. ,

O verbo"eankay~v~a~q (v.20), central nesta história, é o grande verbo 1 para expressar compaixão. No NT é usado apenas em referência a Jesus, 1 o Rei compassivo (cf. Mt 18.27) e ao pai em nosso texto. O pai toma a 1 iniciativa e corre pela estrada afora, sua compaixão precede qualquer con- 1 fissão de arrependimento por parte do filho e corresponde ao buscar (v.4) e 1 ao procurar (v.8) das duas parábolas precedentes. O beijo é um sinal de perdão e de restauração da relação rompida. A história demonstra a com-

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paixão de Deus pelos pecadores. E esta atitude é claramente retratada no comportamento de Jesus enquanto caminhava em direção a Jerusalém. Perdão, em última análise, significa a Cruz! E este não pode ser oferecido apenas com uma palavra bonita, mas é oferecido a um alto preço. Quares- ma lembra que o Cordeiro de Deus resgata o "perdido" (cf. vv.4 e 8) não com ouro ou prata, mas com seu santo e precioso sangue e sua inocente paixão e morte (cf. 1 Pe 1.18-19 e 1 Jo 1.7). É somente na morte do Filho obediente, que filhos desobedientes revivem e são encontrados (cf. v.32).

Nos vv.21-24 o filho já não fala mais em "ser tratado como um dos traba- lhadores" (v. 19), simplesmente reconhece sua total indignidade; e então a com- paixão do pai se sobressai, restaurando o rebelde à condição de filho.

Os vv.25-32 destacam o rompimento na relação entre o filho mais velho e seu pai. Na verdade, o filho mais velho declara que não deseja fazer parte da família de seu pai. Ele havia vivido na casa com um espírito de escravo (6ouhcuw aot) e agora está à procura de méritos e recompensa. Publica- mente insulta a seu pai, recusando participar de sua celebração. Mais uma vez o pai demonstra sua compaixão. Pela segunda vez no mesmo dia, ele sai de sua casa (v. 28), e pede ao filho com ternura, não o repreende ou mesmo lhe censura. O imperfeito do verbo Í'TapeKahet indica uma ação contínua do pai, rogando que o filho mais velho mudasse sua atitude. O filho mais velho, todavia, permanecia irredutível; e a dureza de seu coração transparece na maneira como ele se refere a seu irmão, chamando-o ape- nas de o utoc aou, aquele que havia devorado - ~ a r a + a y o v os bens do pai com meretrizes (v.30). O pai, por assim dizer, deixa as noventa e nove que não precisam de arrependimento e busca a perdida. Sua palavra é meiga - T E K V O V (v.3 1) Ambos eram seus filhos, o pai ama os dois da mesma forma. O carinho e a compaixão do pai é algo fora do comum, que mexe com o coração de todos nós. Esta parábola é conhecida pelo título de "A parábo- la do filho pródigo", mas pela atitude do Pai, seria melhor chamá-la: "A parábola do Pai pródigo". Afinal, quem despende misericórdia em ex- cesso e esbanja compaixão pelos filhos é o Pai.

PROPOSTA HOMILÉTICA

A parábola em questão é um evangelho maravilhoso; o que talvez possa trazer um certa dificuldade para o pregador é o fato de o texto ser muito conhecido, e o desafio é articular este texto de forma nova. Pensando nis- so, talvez a pregação desfigurativa seria uma saída (cf. Nelson Kirst. Rudimentos de Homilética, Sinodal, 1985, pp.108-109). A idéia seria des- figurar o texto a partir do momento em que o pai reage ao retorno do filho: o pai não aceita as explicações do filho; toda a vizinhança já vinha comen-

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tando o caso há muito tempo, ele estava magoado, amargurado; agora, finalmente, tinha oportunidade de descarregar toda a raiva acumulada; por isso, explodiu na cara do filho: desapareça e não se arrisque a voltar! Mos- trou aos vizinhos o que pensava desse filho perdido; o filho mais velho, se alegra com a cena e cumprimenta o pai pela sua atitude; o pai então pen- sou: pelo menos um que tem a cabeça no lugar, nesta família.

O objetivo desta técnica é dar o que pensar e possibilitar uma redescoberta do texto. Por ser esta uma perícope muito conhecida, o ouvinte já sabe, após as primeiras palavras do pregador, como tudo vai terminar. Por isso, desliga-se do sermão. A desfiguração do texto quebra essa rotina tão co- nhecida. O ouvinte começa a pensar. Através do contraste, o enunciado principal do texto se destaca de uma maneira totalmente nova diante do ouvinte e este começa a defendê-lo mentalmente contra a desfiguração ensaiada pelo pregador. A idéia é levar o ouvinte a se alegrar na graça do Pai, que incansavelmente vem em busca de seus filhos com uma palavra de carinho e compaixão.

Ely Prieto Süo Leopoldo, RS

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O1 de abril de 2001 Lucas 20.9-19

CONTEXTO Jesus dirige esta parábola a todo povo e não somente aos escribas e

fariseus que hostilizavam o Mestre, porém, o faziam sutilmente, pois "temi- am o povo" (v. 19). Trata-se de uma parábola importante no seu conteúdo e ensinamento, pois é das poucas referidas por mais dois evangelistas: Mateus e Marcos. Refere-se em especial ao povo de Israel, mas suas lições dirigem-se a todos, em todos os tempos, para todas as nações.

Fica claro o quanto é corrompida a natureza humana, quão grande é a paciência, a longanimidade e a misericórdia de Deus, mas, também, quão implacável é a justiça de Deus para os que não se arrependem de seus pecados e de seus maus caminhos.

Vv. 9- 15a - A explicação da parábola e suas peculiaridades são bastan- te evidentes. O dono da vinha é Deus. A vinha é o Reino de Deus, que Deus havia plantado em Israel (1s 5.7). Através da aliança no Sinai, Deus recebeu Israel como seu povo. E não deixou faltar nada a seu povo. Cercou-o, protegeu-o com a 1ei.Tirou-o da mira dos genti- os, estabeleceu o reinado de Davi e a Palavra de Deus era oferecida abundantemente no templo. As inoportunas, as más respostas dadas pelo povo de Israel aos benefícios oferecidos por Deus são mostra- das pelo exemplo desta parábola.

Os lavradores são cada pessoa do povo de Israel, em especial os líderes, os principais sacerdotes e os escribas e fariseus. Através dos seus servos pro- fetas, Deus exortou incansavelmente o povo, apontando os desvios, os pecados e chamado-os ao arrependimento. Porém, esses servos foram inexplicavelmente desprezados, ultrajados, espancados, feridos, expulsos. Finalmente, Deus en- viou seu unigênito e amado Filho para realizar essa tarefa. E, num previsão dos

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acontecimentos futuros, Jesus mostra através da parábola o que, na realidade, os escribas e fariseus estavam tramando contra Ele e o que, acabou acontecen- do: a morte do Filho de Deus prometido, ao qual não queriam receber, nem se submeter e honrar como tal. Queriam, sim, continuar dominando sobre o povo de Israel (" ... para que a herança venha a ser nossa" v. 14).

Vv. 1 % 1 8 - Na conclusão da parábola, Jesus pergunta: "Que Ihes fará, pois, o dono da vinha?" (v. 15). Alguns dos escribas e principais sa- cerdotes responderam: "Virá, exterminará aqueles lavradores e pas- sará a vinha a outros" (v. 16a). Jesus percebeu a dissimulação de seus interlocutores, a tentativa de disfarce, quando afirmaram: "Tal não aconteça" (v. 16b) e Ele próprio lembra aos seus interlocutores o juízo, a sentença, começando por recordar as palavras do salmista: "A pedra que os construtores rejeitaram, esta veio a ser a principal pedra, angular" (Salmo 11 8.22). Os judeus rejeitaram, repudiaram seu Messias Prometido. Cristo, porém, ressuscitou da morte e tor- nou-se pedra angular, sobre a qual foi construída a igreja do Novo Testamento, reunida a partir de todos os povos e de todas as nações. E Jesus dá ainda mais uma explicação a respeito da "pedra angular": "Todo o que cai sobre esta pedra ficará em pedaços; e aquele sobre quem ela cair ficará reduzido a pó" (v. 18). Já Isaías profetizara (1s 8.14) que Jesus seria "pedra de tropeço e rocha de ofensa". Além do tropeço, finalmente cairá sobre os que rejeitaram, repudiaram o Mes- sias, a ii-a e o juízo de Deus.

V. 19 - Cada vez mais o desejo íntimo dos principais sacerdotes e escribas ("lançar as mãos em Jesus") aumentava e queiram colocá-lo em prá- tica. Porém, temiam o povo, que via Jesus como um grande profeta. Sim, infelizmente, reduziram Jesus a essa condição. É incrível que os hosanas da entrada triunfal em Jerusalém (Lc 19.28-40) em honra e homenagem ao Rei dos Reis e Messias, estavam praticamente esva- ziados e esquecidos.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Jesus Cristo é PARA TODOS e é decisivamente u PEDRA ANGULAR:

- "pedra de tropeço" e juízo para todos os que implacavelmente o rejeitam; - fundamento, base, de todo plano da salvação para todos os que,

arrependidos, o recebem no coração.

Norberto E. Heine São Leopoldo, RS

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8 de abril de 2001 Lucas 23.1-49

CONTEXTO O texto da perícope está inserido no bloco de Lucas que cobre a sema-

na da paixão de Jesus (21.39 - 24.12). Ele também pode ser localizado dentro do trecho da semana da paixão que cobre a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus (22.63 - 24.12).

TEXTO O texto é bastante extenso e cobre momentos finais da paixão de Jesus,

até a sua morte. Certos momentos possuem textos paralelos em outros Evangelhos e é útil verificá-los.

O texto é bem conhecido e de fácil compreensão. Alguns comentários:

Vv. 1,2 - Jesus está diante de Pilatos. Pilatos era a autoridade romana que julgava os casos de natureza não-religiosa. Por isso, no v. 3, a acusação de que Jesus estava "pervertendo a nossa nação". Se isto fosse verda- deiro, então Pilatos era a autoridade adequada para um julgamento.

V. 3 - "Respondeu Jesus: Tu o dizes": Esta resposta de Jesus em rela- ção à acusação de que era o rei dos judeus demonstra que esse "títu- lo" não era autodeterminado. Se assim estava sendo chamado, então era por causa de terceiros.

V. 8 - A presença de Jesus diante de Herodes Antipas é descrita em Atos 4.26-28 como cumprimento do Salmo 2.1,2. Aqui se repete a afirmação do desejo de Herodes de ver a Jesus (Lucas 9.9).

Vv. 1 1,12 - Herodes não conseguiu resolver o problema e mandou Jesus de volta para Pilatos. Ironicamente, Jesus e seu caso acabaram sen- do instrumento de reconciliação entre Herodes e Pilatos.

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V. 23 - "Seu temor prevaleceu": Aqui fica claro que Pilatos cedeu ao desejo do povo de ver Jesus crucificado, embora tivesse o desejo de libertá-lo, pois o havia julgado inocente (vv. 4, 16,22).

Vv. 28-32 - Costuma-se interpretar esta profecia de Jesus como se referindo à destruição de Jerusalém, no ano 70.

APLICAÇÃO HOMILÉTICA

Pela sua extensão e quantidade de material homilético, é impossível uti- lizar todo o texto em apenas um sermão. Escolhi o v. 22: "Então, pela terceira vez, Ihes perguntou: Que mal fez este? De fato, nada achei contra ele para condená-lo à morte; portanto, depois de o castigar, soltá-lo-ei".

Sugiro que o pregador "brinque" com o paradoxo que a perícope oferece. Para tanto, sugiro o seguinte raciocínio básico para o desenvolvimento da mensagem:

- Quando uma,pessoa se apresenta diante de um tribunal, acusada de alguma coisa, uma das primeiras coisas que o juiz pergunta é: você é culpado ou inocente?

- O texto da perícope apresenta Jesus sendo julgado. Ele era culpado ou inocente? O povo, de uma forma geral, o considerava culpado. Pilatos, contudo, o considerou inocente. Quem estava certo, ou erra- do, afinal? Por paradoxal que pareça, tanto o povo como Pilatos esta- vam certos e errados.

- Jesus, de fato, era inocente de tudo. As Escrituras mesmo testificam que ele era "sem pecado". Embora, certamente, não estivesse pen- sando nas Escrituras, Pilatos concordou com elas. Ele estava certo: Jesus era inocente.

- Mas o povo também estava certo: Jesus também era culpado. Quer dizer, Deus Pai o tomou culpado de tudo. Por que era culpado, teve se sofrer e morrer.

- Esse é um abençoado paradoxo! Felizmente, Deus Pai considerou culpado seu inocente Filho. Assim, nós, pecadores, que por isso éra- mos culpados, agora podemos ser considerados inocentes.

Dieter Joel Jagriow Porto Alegre, RS

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13 de abril de 2001 João 19.1 7- 30

CONTEXTO Essencialmente o relato de João assemelha-se com o dos evangelhos

sinóticos, trazendo os marcos principais do evento universalmente signifi- cativo da crucifixão de Jesus. Estes elementos são o caminho de Jesus para o monte das caveiras, a inscrição na cruz, a distribuição das vestes de Jesus, a presença das mulheres, a cena do vinagre com fel, e a sua morte. Mas João vê todo este episódio de um outro ângulo, bem específico, que já é introduzido no prólogo de seu evangelho, e que também explica o fato de ele ter deixado de fora alguns trechos da tradição e introduzido outros, ou seja, João explica a morte de Jesus na cruz como o cumprimento de sua obra salvadora durante sua atividade em Israel (cf. Schneider).

NOTAS 'I'EX'I'UAIS E HOMILÉTICAS

V. 17 - «...ele próprio...». Este fato em si não significa necessai-iamenie que João contradiz a tradição sinótica segundo a qual Jesus precisou da ajuda de outrem (Simão de Cirene) para carregar a sua cruz (como alguns interpretam, como Maillot), mas está evidente que João omite este fato relatado pelos sinóticos. Talvez a intenção teológica - com a ênfase auto tó stúuron, seja, coerentemente, de mostrar a individuali- dade de Jesus diante do Pai, ele que orou sozinho a oração sacerdotal, que sozinho e serenamente enfrenta o destino que, mesmo parecebendo uma derrota e humilhação, o elevará à glória por ter cumprido com os desígnios salvíficos de Deus para com este mundo. «...saiu...». Pen- samos aqui na analogia soteriológica e expiatória que o autor de Hebreus (13.12) faz com a morte de Jesus quando conclui, após explanar o mecanismo oblativo do sacrifício de animais no Antigo Testamento, que foi «por isso que também Jesus, para santificar o povo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta». Após sua oração sacerdotal, Jesus «sai» como sacerdote e vítima a um só tempo para a oblação

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vivificadora de si mesmo para todos os que nele «se encostarem» (entrarem em relação de fé com ele). Consolo para todos os que têm que «sair»: os excluídos, os marginalizados, os estigmatizados, especi- almente os que sofrem por causa de sua fé. «Gólgota em hebraico»: significa caveira, e etimologicamente, «o que é redondo» (provavel- mente o monte da crucifixão tinha a forma de um crânio, cf. Schneider). Esta descrição explica a frequente representação de um crânio (o de Adão?) ao pé da cruz, na iconografia cristã (cf. Maillot).

V. 18 - "outros dois" - João não alude ao fato de se tratar de crimonosos. " ... e Jesus no meio": Lange contradiz, com razão, em 1860, autores como H. Meyer que diziam ser isto uma determinação dos judeus porque seriam eles os autores da crucifixão. Tal culpabilização quase frenética dos judeus, que se tem observado em âmbitos do cristianis- mo, teve conseqüências drásticas para o povo judeu e o relaciona- mento entre judeus e cristãos na história (Veja-se Stolle quanto a este ponto). Outros autores sustentam - razoavelmente - uma determina- ção romana deste fato, que teria tido o intuito de zombar de Jesus, como se ele tivesse "todo o seu exército à sua direita e h sua esquer- da" no "seu trono" (Cf. 1 Rs. 22.19, Lange). Interpretemos isto ainda um passo adiante: o Verbo "entre nós" (cf. 1.14) também aqui signifi- ca que o santo veio santificar o que era rebelde contra Deus. Os rebeldes não são os "malfeitores" nem os "judeus" ou outros desta história. Somos todos nós com todos estes personagens. É entre estes - nós - que Deus vem, encarnado, (1.14) se colocar como vítima expiatória, para sua glória e nossa salvação.

Vv. 19-22 - O título no cimo da cruz: é razoável que, como Schneider o coloca, este título trilíngue não somente sirva de zombaria de Pilatos contra Jesus, mas também de uma zombaria vingativa sua contra o povo judeu. Compreenderemos a reação escandalizada dos líderes judeus: o rei dos judeus pendurado no madeiro (1 Co. 1.23). Ao mes- mo tempo ele ressalta a "profunda ironia", a "ironia divina" (Lange) neste ato: sem o saber, Pilatos testemunhou e profetizou sobre o ver- dadeiro rei do universo, o rei da salvação (como Caifás, cf. 1 1.50-52). Ele coloca as coisas no seu devido lugar para os que buscam mera- mente títulos: a nossa maior glória é sermos chamados povo deste Rei, filhos deste Pai, e ter nossos nomes inscritos no livro da vida! Note-se a presença dos principais sacerdotes. Deus cumpre o seu plano e sua palavra através de chefes religiosos inimigos ou pelos poderosos deste mundo, mas sem que eles o saibam. Neste sentido também é interes- sante um aspecto trazido por Lange: a inscrição na cruz tornou-se

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símbolo da pregação do Cristo crucificado nas "três principais línguas do mundo": as línguas da religião, ou do povo (hebraico), da cultura (grego) e do Estado (latim). Creio que esta analogia, embora possa parecer artificial, fornece estímulo homilético para o tema da univer- salidade da proclamação do Cristo crucificado, não esquecendo a pro- clamação profética contra políticos ou dominadores que subvertem os valores do Reino de Deus e os direitos humanos (nunca pensar nem pregar - o que muito se tem feito e ainda se faz! - textos como 1 Pe 2.17 ou Rm 13 sem a clara inclusão conseqüente [porque podendo implicar em hostilidade contra o povo de Deus] da cluus~ila Perri: At 4.19, e de Amós!). Também nos lembra do valor do estudo e aprofundamento nestas línguas para a compreensão e correta procla- mação da mensagem bíblica, mesmo nos muitos afazeres do dia-a-dia de um pastor. "O que escrevi, escrevi": se o escrito de um juiz deste mundo pode dificilmente ser mudado, quanto mais aquilo que Deus mesmo escreveu em seu testamento, em sua mão, em sua palavra.

V. 23-24 - O episódio das vestes, da túnica: O acontecimento é referido ao S1 22.18. É provável que ele tenha se desenrolado algo diferente- mente, no detalhe, visto que no Salmo parece tratar-se efetivamente de um purallelismus membrorum (o "paralelismo hebraico"): as duas partes designam uma única ação descrita paralelamente, enquanto que aqui acontecem duas ações distintas, o que João narra (cf. Schneider e Lange). Embora João não faça alusão a qualquer sentido simbólico mais profundo deste fato (para Lange, João vê nesta túnica uma "sim- ples obra de artesanato feita por mãos carinhosas"). Pode-se tentar compreender o fato com o pano de fundo de Gn 37.3,3 1. A túnica, por ser "sem costura", é preciosa. As outras vestes tinham costuras fá- ceis de serem desfeitas (para poder "rasgar" suas vestes com mais facilidade). Aqui podem entrar reflexões sobre o ofício de Cristo, apro- veitando a analogia com vestes reais e vestes sacerdotais. Quanto aos soldados, também eles agem, sem saber, dentro de uma economia de salvação: o que eles crucificam aqui, é o Messias anunciado (S122, Es 53 etc.).

Vv. 25-27 - Historicamente se tem deduzido que o discípulo em questão seria João. Alguns, no entanto, argumentam com mais reservas, hoje. Seja como for, a menção da presença das mulheres aqui é importante. E só João menciona que uma delas foi a mãe de Jesus. Outra curiosi- dade é que João não menciona nem uma palavra de Jesus na cruz citada pelos sinóticos. Aqui ele cita outras. Aqui estão estampados o carinho e cuidado de Jesus para com sua mãe. "Mulher" não é depre-

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ciativo. Vejamos ali um elo com o título "filho do homem". Jesus é o novo e verdadeiro homem. Mas a "mulher" Maria, já um modelo da verdadeira mulher. Note-se aqui que Jesus tira Maria de seu círculo familiar natural, dos que são chamados os irmãos e irmãs de Jesus (Mc 3.31-35). E este episódio da cruz ilustra Mc 3.35. Os elos natu- rais entram em nova relação. (cf. Lange e Maillot). Aqui também há espaço para se refletir sobre o cuidado com os mais fracos, necessita- dos, viúvas, etc. bem como sobre a preparação e o cuidado que um cristão pode ter pelos seus ao morrer.

Vv. 28-30 - A narrativa da morte de Cristo limita-se a poucos dados, que parecem esenciais a João. Não menciona o sentimento de aban- dono de Jesus, nem o sofrimento físico. O que importa aqui é que Jesus sabe que tudo chegou ao seu cumprimento e realização. O "te- nho sede" é o único indício da fragilização física de Jesus. O vinagre deve lembrar o SI 69.21, ou seja: tudo acontece segundo um desígnio de Deus. "Está consumado": segundo os acontecimentos contingen- tes da história, numa análise humana, Jesus fracassou. No entanto estes mesmos acontecimentos foram necessários para que Jesus rea- lizasse a obra que lhe fora confiada pelo Pai (cf. 10.1 8; 14.31 ; 15.10), e pela qual ele mesmo glorifica o Pai como Deus que ama este mundo (17.4), tornando-se nada menos do que o regente deste mundo (cf. 12.3 1 ) pela derrota do seu "príncipe". Não diz "terminou", mas o fim é perfeito. Terminou em cumprimento total. Está perfeito. Claro que a cruz é o fim. Mas ao mesmo tempo, é muito mais, um novo começo! Pode-se, cf. Lange, tomar esta palavra como 1) profética: toda Escri- tura foi cumprida; 2) sacerdotal: o sacrifício expiatório foi realizado; 3) real: o Reino de Deus irrompeu neste mundo; 4) unívoco e global: a obra da salvação foi cumprida como fundamento da nova criação. E "inclinando a cabeça, rendeu o espírito": é a hora em que "as trombe- tas chamam, dos muros do templo, para a oferta e a oração da noite" (cf. Schneider). Aqui, então, se cumpre tudo o que ele disse sobre a sua glorificação do Pai (Jo.13.31-32;12.23,28;17.1-5. É a hora em que ele será "elevado": 12.32;3.14;8.28, para "atrair todos os homens" para si. Isto nos mostra claramente, como bem o lembra Maillot, que Cristo só nos é acessível através da cruz.

Para o trabalho homilético poderia se escolher por exemplo entre dois trechos: o de vv.20-22, onde Pilatos, sem saber, realiza um desígnio impor- tante de Deus, o que não o isenta dos seus erros e sua culpa. "A cruz é o momento onde se encontram, num mesmo ato, a maldade, o pecado do homem que rejeita o Messias, e a misericórdia que Deus lhe dá" (Maillot).

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Ou o trecho dos vv. 28-30: parece que João está fazendo um jogo de pala- vras colocando um "fim7' a obra de Cristo e ao seu próprio evangelho. Mas o "fim" é um novo começo: começa o Rein(ad)o de Deus, abre-se o tempo da fé, o Filho nos legou o seu Espírito. Não esqueçamos de ligar o "termina- do", com o "no princípio" de Jo 1 .1 (e então também ao bereshit de Gn 1 . 1 !). Em Cristo e sua gloriosa cmz (e ressurreição conseqüente) se juntam criação e eschaton e o seu sentido agora nos é revelado, para uma vida plena já aqui, até aquele dia!

DISPOSIÇ~ES HOMILÉTICAS

Disposição I - Está consumado 1 . O quê? Não alguma coisa nem qualquer coisa. Tudo! Tudo o que

fundamenta o novo mundo de Deus em seu Reino. 2. Está. Não "será". Hb 10.14. O tempo da salvação já começou. Com

Cristo o fim já fez irrupção em nossa história. O dia chama-se "Hoje". 3. Consumado. Levado para o alvo (telos) como ação espiritual, como

luta de uma vida, como sofrimento de morte, como vitória de Cristo e salvação divina.

Disposição I1 - A palavra "Está consumado" 1. é evangelho de Cristo 2. é confissão da comunidade 3. é alegria no coração dos que crêem 4. é incentivo em toda obra da fé cristã. 5. é profecia do último dia (eschatorz, "Dia do Senhor") .

LITERATURA - Dietzfelbinger, Hermann. Gottes Weg zum Kreuz im Alten B L ~ I Z ~ .

Meditationen. München: Chr. Kaiser Verlag, 1956. - Lange, J.P. Das Evangelium nach Johannes. Bielefeld: Verlag von

Belhagen und Klasing, 1860. - Maillot, Alphonse. Je suis qui je serai. Notes homiléthiques [Carême-

Trinité]. Paris: Mission Intérieure de 1'Eglise Evangélique Luthénenne, s.d. - Schneider, Johannes. Das Evangelium nach Johannes. [Theologischer

Handkornmentar zum Neuen Testament, ed. Por Erich Fascher et alii], vol. especial, Berlim: Evangelische Verlagsanstalt, 1982.

- Stolle, Volker. A morte de Jesus numa perspectiva histórica e teológica. [A ser publicado em Theophilos, ULBRA, vol. 1, nOl, 2001).

Marlfi-ed Zeuch Curloas, RS

Igrqja Luterana - N" 2 - 2000

15 de abril de 2001 Lucas 24.1-11

CONTEXTO Talvez a primeira questão que deva ser abordada é a própria delimita-

ção da perícope. Chama a atenção que o versículo 12 tenha ficado de fora. Quem examinar o aparato crítico de seu Novo Testamento grego notará que este versículo, em algumas versões, está omitido. Possivelmente isto explique sua omissão também na leitura da perícope.

O contexto da ressurreição de Jesus é conhecido. Talvez isto nos tente a ignorá-lo (sob a alegação de que todo mundo sabe que a ressurreição vem depois da morte e sepultamento!). Mas um detalhe merece ser mencionado. O versículo 1 simplesmente diz: "foram" (fikeov) e as traduções acrescentam "elas" (Almeida Revista e Atualizada - ARA) ou "as mulheres" (Nova Tradu- ção na Linguagem de Hoje - NTLH). De fato, o verbo encontra seu sujeito no contexto anterior. As mulheres estavam vendo o que acontecia na cruz (23.49), viram o túmulo onde Jesus foi sepultado (23.55) e foram para casa para prepa- rar perfumes e óleos, descansando no Sábado, conforme a lei (23.56). O con- texto indica uma ênfase digna de nota. A ressurreição não era esperada (ao menos, não há menção de fé que ela aconteceria). A cena da ressurreição começa com o propósito das mulheres de visitar um morto!

TEXTO (DESTAQUES)

V. 3 - "Senhor" - o evangelista coloca de maneira singela, mas reveren- te: "não acharam o corpo do Senhor Jesus." Lucas, com Paulo, é o escritor do Novo Testamento que mais utiliza o termo K Ú P L O S . É um título muito próprio para Jesus, visto ser a tradução utilizada pela Septuaginta (LXX) para o nome de Deus, ;ii;i-.

V. 5 - "o que vive" - esta não é apenas uma designação do estado atual de Jesus (não está mais morto; mas vive). A expressão tem um senti-

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do quase técnico, como mostra seu uso em Apocalipse, referindo-se a Jesus ou ao Pai: 1.18; 4.9,10; 10.6; 15.7; cf. Dn 4.34. O contraste é estabelecido com os ídolos mortos e com a própria natureza humana, submetida a morte por causa do pecado. Jesus é Senhor da vida. "A vida estava nele" - ARA ("era a fonte da vida" - NTLH), diz João (1.4). Pedro interpreta o fato na sua mensagem no Pentecostes: "Deus ressuscitou Jesus, livrando-o do poder da morte, porque não era possí- vel que a morte o dominasse" (At 2.24 - NTLH). Sendo Ele o Serihor sobre a morte, esta não tinha como retê-lo.

V. 7 - "importa" (ARA); "precisa" (NTLH) - o termo 6ci é usado para falar de algo necessário, em função do projeto de Deus, especialmente no que tange ao seu propósito de salvar a humanidade. Assim o verbo é empre- gado diversas vezes para referir-se a obra de Cristo. Por exemplo: Mt 16.21; 26.54; Jo 3.14; At 3.21. Nas palavras do anjo, tanto a paixão e morte, como a ressurreição estão no nível do "necessário". A ressurrei- ção era necessária. Paulo trabalha este aspecto em 1 Co 15.13- 19. Lá ele o faz negativamente, mostrando as conseqüências que existiriam se a ressurreição não ocorresse. Aproveitando a argumentação de Paulo, mas dizendo positivamente, a ressurreição de Jesus era necessária, visto que por ela fica evidente que: os mortos ressuscitam; nossa pregação e fé são cheias de significado; somos testemunhas verdadeiras de Deus ao procla- mar o Cristo vivo; nossa fé tem sentido, vale a pena; não mais permane- cemos em nossos pecados; os que dormiram em Cristo vivem; somos os mais felizes de todos os homens.

V. 1 1 - o que as mulheres disseram aos discípulos Ihes pareceu como "delírio" (ARA), "tolice" (NTLH) - o termo grego, h f j p o ~ , é emprega- do apenas aqui em todo o Novo Testamento. Refere-se a uma con- versa "boba", sem sentido. Daí certamente vem a expressão coloquial da língua portuguesa, "lero-lero", que o dicionário explica como "con- versa mole"! O pregador lembrará que pensar na ressurreição como "lero-lero" não foi exclusividade dos discípulos. Assim ocorreu com os ouvintes de Paulo em Atenas (At 17.32). Assim é próprio de pes- soas vivendo em um contexto espírita como o brasileiro.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Pregar a cada ano sobre a ressurreição de Jesus é um desafio que se coloca diante de cada pastor. Ser bíblico, cristocêntrico e relevante nem sempre é tarefa fácil diante de uma mensagem que "todo mundo conhece tão bem"! Mas será que conhece? Uma proposta homilética seria a de meditar sobre como a ressurreição é sempre novidade: por ser ela algo

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preocupado mais com a identidade de Jesus, acrescenta também os pés e ainda relata o fato de que Jesus comeu na presença deles. Eram sinais concretos que provavam a identidade de Jesus. Até hoje marcas físicas autentificam corpos irreconhecíveis, como, por exemplo, as arcadas dentárias dos passageiros de um avião sinistrado. Quando os restos mortais do famoso missionário na África, Livingstone, chegaram à Inglaterra, provaram a sua identidade aos que dela duvidavam com um de seus braços que havia sido quebrado por um leão, quan- do ainda em vida. Se mesmo hoje há aqueles que pregam um Cristo sem as marcas de suas feridas, afirmando que não foi crucificado por nossos pecados, devemos evitá-los, pois pregam um Jesus falsificado, apenas um homem Jesus e não um Cristo divino e humano.

"Os discípulos se alegraram ao verem o Senhor." Estavam alegres por- que o seu melhor amigo estava de novo entre os viventes, perto deles, como antigamente. Embora não mais andando a seu lado em figura visível, podi- am ter a certeza que seu coração estava pulsando a favor deles, que seus olhos vigilantes os estavam acompanhando e dirigindo em todos os seus caminhos. Ainda hoje cantamos alegremente: "Que alegria, oh! que ale- gria:/ Cristo o nosso mal desvia./ Que ventura, oh! que ventura:/ Cristo é o Sol da graça pura" (Hin. Lut., 118).

V. 21 - João repete as palavras da saudação de Jesus: "Paz seja convosco." Essa paz que só Jesus sabe dar é outro motivo da alegria dos discípulos e também da nossa, que expressamos num outro hino pascoal: "Exultem todos os cristãos,/ aos céus levantem suas mãos./ O Redentor já ressurgiu,/ a culpa e a morte destruiu" (Hin. Lut., 105, estr. 4). Pelo fato de Jesus ter destruído os nossos inimigos, entre os quais a culpa e a morte, é possível termos paz. Paz de consciência, por sabermos que pela fé na sua satisfação vicária, obtemos o perdão de todos os nossos pecados. Paz externa, por nos acharmos seguros con- tra os ataques de nossos inimigos espirituais e principalmente da mor- te, da qual foi tirado o aguilhão e que se tornará a nossa passagem para a vida eterna, depois de termos ressuscitado com um corpo in- corruptível e imortal (1 Co 15.52-53), que o Senhor transformará para ser igual ao corpo da sua glória (Fp 3.21). Essa paz foi para os discí- pulos ao mesmo tempo uma absolvição, porque Jesus perdoou-lhes a deserção, quando fora preso, e, por sua misericórdia, absolveu-os de todos os seus pecados. É uma paz que nos quer acompanhar mesmo na hora de nossa morte e foi tão belamente expressa nas palavras de um poeta sacro, Samuel Medley: "Sou um pobre barco despedaçado, prestes a entrar no porto bem-aventurado e oh, quão doce será o abri- go após a tempestade."

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No entanto, Jesus não quis que os discípulos só guardassem e aplicas- sem a si mesmos as boas novas que lhes trouxe. A paz que Ihes concedeu formava a base de sua comissão que consistiu nas palavras: "Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio." A sua obra redentora estava con- cluída e ele agora quer que seja proclamada em todo o mundo por seus discípulos. Assim ele transfere a autoridade e o poder de seu ofício a eles.

Vv. 22-23 - Depois de os ter nomeado seus ministros, Jesus os instala for- malmente em seu ofício, soprando sobre eles, e Ihes concedendo o seu Espírito Santo, que deveria acompanhá-los na proclamação de sua pala- vra, dando-lhes o poder de perdoar e reter os pecados. Jesus instituiu aqui o que mais tarde foi chamado o Ofício das Chaves. A proclamação do evangelho, além de anunciar a salvação de Jesus, também faz a aplicação desta mensagem. Todo aquele que crê na sua salvação, recebe o perdão de seus pecados, mas ao que não crê, o seu pecado lhe é retido, isto é, não perdoado, e ele fica excluído da graça de Deus. Esse poder de perdoar e reter os pecados, diz Lutero, é um poder peculiar, especial e maravilhoso, maior do que todo o poder de reis e imperadores. No entanto, os discípulos de Jesus não usam esse poder segundo o seu próprio parecer, mas segun- do a vontade e orientação de seu Senhor. Aqueles a quem perdoam os pecados, estes já foram perdoados e aqueles a quem os retêm, já foram retidos. As duas formas verbais, óI4íovrat e K E K P ~ K ~ V T ~ L estão no per- feito passivo e uma tradução ao pé da letra seria: têm sido perdoados e têm sido retidos.

Esse poder também não era a prerrogativa apenas dos apóstolos, nem hoje é o poder exclusivo da hierarquia da igreja, mas foi concedido a todos os crentes, pois Jesus o concedeu naquela noite a todos os que estavam presentes (Lc 24.33) naquele esconderijo. Embora todos tenham esse po- der, publicamente ele deve ser exercido apenas por ministros devidamente chamados pela congregação. Mas, em particular, cada um pode usá-lo. Lutero observa: "Quando meu vizinho vem e diz: 'Amigo, estou triste na minha consciência, diga-me uma palavra de absolvição', então posso fazê- 10 livremente, anunciar-lhe o evangelho e mostrar-lhe como se apropriar da obra de Cristo, crendo firmemente que a justiça de Cristo é sua, e seus pecados são de Cristo. É esse o maior benefício que posso fazer a meu vizinho. Quem poderá explicar plenamente que consolação indizível, pode- rosa e abençoada é essa, que com uma palavra alguém pode abrir o céu e fechar o inferno para alguém" (Lenski, St. John's Gospel, 1378).

Vv. 24-25 - Tomé, um dos doze, não esteve presente na primeira apari- ção de Jesus aos discípulos. Será que estava resolvendo alguns negó-

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cios particulares? Ou estava ele tão abatido por causa da crucifixão de seu mestre que resolveu evitar a companhia dos outros e curtir sozinho a sua dor? Ou será que esteve tão chocado que estava pres- tes ou já abandonara a sua fé? Não o sabemos. Quando lhe anuncia- ram a aparição de Jesus, ele não acreditou neles. Poderiam ter tido uma visão enganosa. Ele não apenas quer ter a evidência pela visão, mas também pelo tacto: pôr o dedo no sinal dos cravos em suas mãos e colocar a sua mão na marca que deixara a lança em seu lado.

A dúvida ou incredulidade de Tomé a respeito da ressurreição sempre tem sido uma pedra de tropeço para a razão do homem. Sempre de novo os descrentes têm ridicularizado a mensagem da Páscoa. E quantas vezes também não acontece que ocorram dúvidas ao crente que confessa com a boca a frase do segundo artigo: "no terceiro dia ressuscitou dos mortos." Gostaria ter evidências claras e palpáveis do Cristo ressuscitado, vê-lo, apalpá-lo, ouvir a sua voz. E sua fé cristã fica obnubilada, fé que depende inteiramente do artigo da ressurreição, pois só ela pode conceder o consolo da salvação e a certeza da vida eterna. Então só a compaixão e misericór- dia de Jesus por meio de sua palavra e sacramentos pode reerguê-10 de novo como o fez com a dúvida cruel de Tomé.

Vv. 27-28 - Após oito dias, Jesus mais uma vez aparece aos discípulos no mesmo lugar, com a presença de Tomé. Não apenas Tomé, mas também os demais discípulos precisavam urgentemente de sua pre- sença, pois o seu medo continuava a coabitar com eles atrás de portas trancadas. Quantos temores mantêm também a nós tantas vezes com as portas trancadas: o medo da falta de saúde, da falta de dinheiro, da falta de emprego ou da falta de boa reputação, etc. Mas aquele que passou pelas portas fechadas dos discípulos, também pode atravessar os ferrolhos do nosso medo com sua saudação consoladora: "Paz seja C O ~ V O S C O ! " e demonstrar-nos a mesma paciência e misericórdia que demonstrou a Tomé.

Jesus poderia ter agido severamente com Tomé e o rejeitado por causa de sua vacilação e inconstância. Mas ao invés disso, vem a seu encontro e satisfaz condescendentemente as suas exigências, "pois não quer esmagar a cana quebrada, nem apagar a torcida que fumega" (1s. 42.3; Mt 12.20). Manda pôr o seu dedo nas suas mãos e a sua mão em seu lado. E acres- centa: "Não sejas incrédulo, mas crente." O verbo empregado é y ívopa~, que, além do significado ser, também pode ser traduzido por tornar-se, vir a ser. "Não te tornes, ou não venhas a ser incrédulo, mas crente." A BLH traduz: "Pare de duvidar e creia!" e a tradução inglesa de William F. Beck:

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"And don't doubt but believe." Acreditamos que Tomé ainda não tinha perdido a fé, a qual era igual a um pavio fumegante, que Jesus quer reavivar e fortalecer. Mas ao mesmo tempo adverte contra esse veneno sutil que é a dúvida, que pode envenenar a matar a nossa fé.

Vv. 28-29 - A fé de Tomé ficou plenamente restaurada com a aparição de Jesus que fez borbulhar de sua boca uma das mais lindas confis- sões já feitas do senhorio e da divindade de Jesus: "Senhor meu e Deus meu." Alguns até acham que ele nem tocou a Jesus, mas imedi- atamente caiu a seus pés, fazendo a confissão. Mas certamente ele deve tê-lo tocado, e também os outros discípulos, porque João esci-e- veu em outro lugar: ". . . e as nossas mãos apalparam.. ."( l Jo 1 . I ) Jesus queria que seus discípulos fossem plenamente convencidos de sua ressurreição não apenas pelos sentidos da vista e do ouvido, mas também pelo do tato.

No entanto, Jesus acrescenta que não há necessidade de que a fé se apóie sobre evidências externas. Bem-aventurados são todos aqueles que não viram, como eles viram, com os olhos corporais, mas creram, cuja fé está baseada sobre a evidência interna que o Espírito Santo opera neles através da palavra e dos sacramentos.

Também nós podemos ser chamados de bem-aventurados, se cremos pela evidência interna operada pelo Espírito Santo. É essa a fé que sustenta a igre-ja cristã e se tem manifestado em milhões desde então, letrados e iletrados, como demonstram as palavras de Louis Pasteur, famoso químico francês e inventor da vacina contra a raiva. Ele não insistia em fundamentar a sua fé sobre provas tangíveis, declarando: "Quanto mais eu aprendo, tanto mais a minha fé se aproxima dum camponês da Bretanha. Se eu soubesse tudo, teria a fé duma camponesa da Bretanha." Esses camponeses bretões eram co- nhecidos pela sua confiança infantil ( Walter A. Maier, For Christ and C o ~ ~ t ~ t r y , 387). Infelizmente também houve milhões que resistiram à ação do Espírito Santo, procurando construir a sua própria bem-aventurança, mas em vão, como ocorreu com Wolfgang Goethe, um dos maiores poetas da Alema- nha, que aos setenta e cinco anos confessou que na sua vida inteira não conseguiu viver plenamente feliz num espaço de quatro semanas. Ele sem- pre estava fazendo rolar pedras pesadas, preocupado com a vida no além (Idem, Co~lruge i t ~ Christ, 368). Houve outros que procuraram zombar do Cristianismo, e até tentaram erradicá-10, mas terminaram frustrados, como o famoso filósofo francês, Voltaire, que frequentemente se gabava de que estava pronto a vender o seu lugar no céu por uma moeda prussiana. No entanto, a enfermeira que dele cuidou nos últimos dias, declarou que nem por

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todos os reinos da Europa ela estaria disposta a repetir essa sua pavorosa experiência (Idem, ibidem, 367-368).

Vv. 30-31 - O apóstolo João encerra o seu Evangelho, (o cap. 21 é considerado um apêndice, escrito, porém, também por ele), atestando que os milagres de Jesus que registrou nem de longe esgotam o reper- tório a sua disposição, mas os que relatou bastam para justificar o propósito de seu livro que é para operar a fé em seus leitores na divin- dade de Cristo para que por intermédio dessa fé obtenham a vida em seu nome. É a vida eterna da qual João fala em tantas passagens (3.16, 33; 5.24; 6.47; 17.3, etc.), que aquele que crê já recebe nesta vida, embora ainda não plenamente. É o que alguns teólogos chamam de escatologia realizada ou inaugurada, o já, mas ainda não; já a temos qualitativamente, mas ainda não em sua quantidade total.

PROPOSTA HOMILÉTICA

A perícope é muito rica em propostas homiléticas. É muito difícil explo- rar todo o seu conteúdo em apenas uma só. O tema mais abrangente com suas subdivisões poderia ser o seguinte:

Tema A tríplice bênção da ressurreição de Jesus Cristo 1. Ela nos provou que Jesus também é o nosso Senhor e Deus; 2. Ela pôs o selo sobre nossa redenção, pela qual agora alcançamos paz

e perdão dos pecados, e nos incumbiu de sua proclamação; 3. Ela também a nós garante vida em seu nome.

Paulo i? Flor Dois Irnaãos, RS

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29 de abril de 2001 João 21.1-14

Os discípulos de Jesus estavam confusos, e em certo sentido até desilu- didos. O Mestre havia sido crucificado. Sim, havia também ressuscitado. Já lhes aparecera ressuscitado duas vezes (Jo 20.19-22 e 20-29). Alegra- ram-se (Jo 20.20). Creram na sua ressurreição (Jo 20.25 e 28). Conheciam as profecias messiânicas. Jesus as havia explicado. Mas estavam por de- mais influenciados pelo "espírito da época", liderado pelos fariseus, que advogavam um Messias político, um segundo Davi, que Ihes restaurasse o antigo reino de Israel (1 Rs 4.21,24).

Tristes, abatidos, perplexos pelos acontecimentos, sete dos discípulos, Simão Pedro, Tomé, Natanael, João, Tiago (Mt 4.21), e "mais dois dos seus discípulos" , provavelmente integrantes do grupo dos setenta (Lc 10.1 ), dirigiram-se para a Galiléia. Por que Galiléia? Primeiro, porque a grande maioria dos discípulos era desta região da Palestina; segundo, talvez instintivamente devido a lembrança da profecia de Jesus (Mt 26.32). Uma vez na Galiléia, diante do futuro "incer- to", Pedro tomou uma resolução: "Vou pescar". Nada melhor que o trabalho para vencer a depressão! A proposta de Pedro foi aceita pelos demais. "Disse- ram-lhe os outros: Também nós vamos contigo" (Jo 21.3). No íntimo talvez pensaram: O "sonho" acabou, mas a vida continua. É preciso voltar a realidade. A realidade porém lhes foi adversa. O mar de Tiberíades, sempre tão piscoso, nesta noite "não estava para peixe". Ao romper da alvorada desistiram, e co- meçaram a remar para a praia. Estavam cansados, abatidos, chateados. Nada dera certo. E agora? Nisto ouvem alguém da praia perguntar: "Filhos, tendes aí alguma cousa de comer?" Quem seria? Pouco importa. A fome que sentiam devido uma noite inteira de trabalho infrutífero, os levou a um seco: Não! Mas estranhamente, apesar do cansaço, obedecem-lhe a sugestão: "Lançai a rede à direita do barco, e achareis" (Jo 21.6). E ao recolher a rede, não conseguiram puxá-la ... olharam-se estupefatos ... com toda a experiência do passado, nunca algo semelhante Ihes havia acontecido ... a não ser ... quando aqui no mesmo

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lago de Genesaré (mar de Tiberíades), Jesus realizou o milagre da "pesca ma- ravilhosa" (Lucas 5 . l - 1 l). Daí o grito radiante de João: "É o Senhor!" (Jo 2 l .7). Não havia dúvida. Mesmo, devido à escuridão, não terem reconhecido o vulto que lhes falara, conscientizaram-se de que era Jesus. Pedro não se conteve de alegria, de emoção, de saudade, atirou-se nas águas e com braçadas vigorosas foi ao encontro do Mestre. Enquanto os demais remaram para a praia, puxan- do a rede repleta de 153 grandes peixes.

O reencontro de Jesus com estes sete discípulos foi deveras familiar. Jesus sabia que todos estavam famintos, após uma noite de trabalho. Havia-lhes assim preparado o "café da manhã", agora reforçado com alguns dos peixes que havi- am apanhado na rede. O silêncio que mantiveram mostra respeito, mas também temor. Um estranho temor. Como Lutero mais tarde diria na explicação dos man- damentos: "Devemos temer e amar a Deus e, portanto ..." Acontece que após a ressurreição, os discípulos sentiram o impacto da divindade do ~ k s t r e . Jesus não se encontrava mais no seu "estado de humilhação". A cada manifestação de Jesus, as profecias messiânicas se revelavam exegeticamente a seus olhos. Esta- vam diante do Filho unigênito de Deus, que como verdadeiro homem, cumpriu a lei (OS dez mandamentos), padeceu e morreu; e como verdadeiro Deus, expiou a ira (justiça) de Deus, venceu o pecado, a morte (a condenação eterna) e o diabo (Hb 2.14; cf. Catecismo Menor, perg. n. 1431144). Esta foi a terceira manifesta- ção de Jesus a seus discípulos. Houve outras. Todas, no entanto, tinham o mesmo objetivo: convencê-los da sua ressurreição. Afinal esta era a missão para a qual Jesus os escolhera: testemunhar a sua ressurreição. O crer na ressurreição é fundamental na fé cristã. Negar a ressurreição é negar a obra redentora de Jesus. A fé não faz sentido sem a ressurreição. Crer num Redentor não ressus- citado significa crer numa ilusão (1 Co 15.12- 19).

Neste Redentor ressuscitado nós cristãos cremos. E como fruto deste crer, o servimos, e o obedecemos. Assim, a exemplo dos sete discípulos, que ao obedecerem a ordem de Jesus, apanharam grande quantidade de peixes, tam- bém as bênçãos da vida cristã estão relacionadas a uma vida de obediência. Obedecer a Jesus sempre oferece "redes cheias de bênçãos" (1 Sm 15.22).

A terceira manifestação de Jesus após a sua ressurreição! I . A depressão e tristeza dos discípulos (v. 1-3) 2. Um estranho encontro (v. 4-5) 3. A bênção da obediência (v. 6-1 3).

Walter O. Sreyer Süo Leopoldo, KS

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6 de maio de 2001 João 10.22-30

CONTEXTO Ao longo do capítulo 10, Jesus tem se identificado com a figura do pastor

de ovelhas. No v. 19, João destaca que houve divisão entre os judeus. Al- guns, quem sabe, começaram a considerar a possibilidade de Jesus ser de fato o Messias esperado. Estes então oferecem, com sua pergunta, uma oportunidade para que Jesus pudesse continuar seu discurso sobre a rela- ção pastor-ovelhas.

TEXTO V. 22 - Festa da Dedicação, Han~lkkal7, celebração da reconsagração

do templo para uso dos judeus, 165 A.C. Sob os macabeus, a festa se dava em dezembro e durava 8 dias.

V. 23 - Pórtico de Salomão, alpendre ou cobertura apoiada em grandes colunas e ligada ao templo.

V. 24 - Os judeus cercam Jesus e querem uma resposta mais clara as suas indagações, não uma mensagem cifrada por parábolas, possivelmente. O verbo usado aqui, aireo, é o mesmo usado no v. 18, traduzido ali como "tirar a vida". Quem sabe os judeus sentiam-se de alguma forma ameaça- dos. Na verdade, a questão do Messias prometido é fundamental para todo o povo, conforme o próprio Caifás coloca em 1 1.50.

Vv. 25-26 - De fato Jesus já havia dito claramente, mas eles não ouviram, não reconheceram as suas obras, não creram nele. Jesus retorna ao tema que está presente desde o começo do capítulo: as ovelhas e o pastor.

V. 27 - Jesus agora, em oposição a quem não é ovelha, caracteriza as mesmas: ouvem a voz, são conhecidas e seguem a Ele. (Confira aqui a

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definição que Lutero dá de Igreja como aqueles que ouvem a voz do Pastor Jesus e O seguem).

V.28-30 - A ênfase aqui é no poder, dado pelo Pai, que o pastor tem de manter as ovelhas sob sua proteção. Pode-se usar como apoio o texto de Rm 8.35-39 (Quem nos separará do amor de Deus?)

Tema - Ovelha, ser ou não ser, a hora da verdade

I . Quem não é a. Não ouve a voz do Pastor b. Não reconhece suas obras c. Não crê nele

2. Q ~ i e ~ n é a. Ouve a sua voz b. São conhecidas por Jesus (Ele sabe nossos nomes, conhece nossa

estrutura, necessidades e dificuldades ...) c. Seguem a Jesus d. Estão seguras nos braços do Pastor Jesus.

Flávio Luis Horlle Curitiba. PR

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13 de maio de 2001 João 13.31-35

CONTEXTO Caso fosse feita uma pesquisa sobre em que ocasião da história do

mundo Deus e Seu filho foram mais desonrados, a resposta da grande mai- oria provavelmente seria na hora em que Jesus foi entregue aos gentios para ser crucificado. Este seria o julgamento de todos os que olham para aquele momento com os olhos críticos e naturais. Mas, aos olhos da fé, este momento em que Jesus é entregue nas mãos dos iníquos adquire outra coloração. Todo o desígnio e vontade de Deus são naquele momento apre- sentados e vistos e a plenitude da glória de Deus resplandece a partir des- sas circunstâncias. As palavras de Jesus nesta perícope fazem parte do Seu último discurso aos discípulos na Quinta-feira Santa, ocasião em que Ele os prepara para os acontecimentos que envolvem Sua paixão, morte, ressurreição e ascensão. Com a saída de Judas pela porta do cenáculo, Jesus, contrariando todas as expectativas, anuncia que agora Ele foi glori- ficado. Diferente de toda sorte de glorificação humana, a glorificação de Cristo vem por meio da cruz. Esta também é a glória dos Seus discípulos e do Seu povo. O amor de Cristo pelo mundo ecoa a partir de então e conclama toda a Sua igreja a uma iniciativa de amor.

TEXTO V. 3 1 - a saída de Judas determina o início da mútua glorificação de Deus Pai

e de Deus Filho. O texto é tão marcante e paradoxal que muitos estudio- sos evitam interpretá-lo nos detalhes. Concebem a glorificação e glória como relacionadas apenas à ressurreição, ascensão e entronamento de Jesus mas descartam Sua paixão e morte como parte do mesmo quadro. O conceito de que a glória de Deus é manifestada na cruz, em humilhação e sofrimento, é uma das fortes ênfases do evangelista João. Todo o minis- tério de Jesus é descrito em termos da revelação da Sua glória. Contudo, é uma glória velada, visível apenas aos olhos da fé (1 1.40).

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20 de maio de 2001 João 14.23-29

CONTEXTO Este texto faz parte de um bloco maior que abrange os capítulos 14- 17.

Contém neles os últimos ensinamentos de Jesus. Mesmo próximo de sua morte, Cristo mostra como deve ser a vida de sua igreja, marcada pelo infinito amor de Deus e relacionada com sua revelação (palavra).

O contexto imediato leva Jesus a responder ao questionamento de Judas, não o Iscariotes, sobre a prioridade da manifestação dele aos discípulos e não ao mundo (v.22).

TEXTO V. 23-24 - Guardar a palavra é o relacionamento natural do cristão com

o seu Deus. Este novo relacionamento evangélico estabelece e garan- te um resultado futuro promissor: ser amado, poder se achegar a ele e morar com ele. O relacionamento inverso é sinônimo de confusão, abandono, desprotegimento, não amado por Deus. A palavra dita por Jesus tem um valor acentuado, pois, sendo ele mesmo enviado pelo Pai, faz cumprir as suas ordens. Cristo é menor do que o Pai em seu estado de humilhação humana.

V. 25 - O falar de Jesus é uma palavra empenhada, garantida, constante e firme (Jo 15.1 1 ; 16.1,4,25). Enquanto ele caminha, ensina, admoes- ta, define "quem-é-quem", estabelece padrões no seu relacionamen- to. Sua forma visível, sua presença entre os discípulos, é a certeza de que, falando "cara-a-cara" com os eles, não voltaria atrás. Ele tam- bém deseja falar de outra maneira através de seu Espírito.

V. 26 - A promessa do Consolador, aquele que é "chamado ao teu lado para ajudar" já é predita em Isaías 9.6. O próprio Jesus enfatiza sua vinda

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neste versículo e a repete em Jo15.26 e 16.7. Esta chegada confirmaria o relacionamento íntimo da missão de Jesus, garantiria o ensino de Deus em todas as coisas essenciais à salvação (Jo 16.13), e ainda, teriam memória clara de tudo aquilo que Jesus fez e ensinou. O seu nome empenhado (Jo 1.12; 14.13) é garantia de bons resultados espirituais.

V. 27 - A paz do mundo que é promovida com o exercício da guerra é aparente, duvidosa, insegura. A paz de Cristo estabelece valores nun- ca vistos pelos homens e, por isso, quem possuí-Ia tem um patrimônio duradouro, seguro, real. Jesus a desejou aos seus discípulos (Lc 10.5; 24.36; Jo 20.19, 26). É desnecessário ficar atemorizado, intimidado, pois o mesmo Deus que a deu, é o mesmo que garante o seu produto.

V. 28 - 29 - O projeto de salvação inclui a permanência do pastor junto às suas ovelhas. O ir de Jesus faz referência aos mistérios de Deus, incompreensíveis a nós, porém necessários conforme a revelação bí- blica (16.7). Aqueles que receberam todo o amor de Deus na pessoa de Jesus Cristo deveriam ter atitudes de alegria por participarem e compreenderem o propósito divino. Esta revelação se completa com a finalidade objetiva de Deus - salvar o que crê, estabelecer relaciona- mento de confiança, fazer acreditar em sua obra salvadora (ver tam- bém 13.19).

Tema - A Promessa do Consolador Estabelece Relacionamentos de Fidelidade com Deus

I - Introdução Aguardamos muitas mudanças neste novo milênio. A guerra, a fome, a

pobreza irão acabar, conforme algumas predições. Há quem diga que o pecado já não existirá aqui na terra, o ser humano será feliz. Essa é a expectaviva humana, bem definida por Jesus, como a paz do mundo. O Consolador estabelece padrões de fé, de amor e garante o nosso aprendi- zado em tudo que Jesus ensinou.

I I - Relacionarnento de confusão a) Não amar a Cristo - sinônimo de solidão - v. 18, 24; b) Não guardar a sua palavra - v. 24; c) Ter o coração turbado, viver atemorizado; d) Não ter fé - v. 29.

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i// - lielac-ionanzento ideal a) Ser amado pelo Pai - v. 23; b) 11- a ele e morar com ele - v. 23; C ) Aprender e recapitular as coisas aprendidas - v. 26; d) Possuis a paz - v. 27; e) Ter alegria - v. 28 f) Po'der crer - v. 29

/V - Coizclcrsáo Comentar Lema IELB 2001 : "Missão de Deus - Desafio da IgreJa" - " Deixe Deus ser Deus"; - SeJa uma instrumento nas rilãos de Deus - proclame seu Evangelho; - Viva hoJe e sempre a promessa do Consolador. Amém.

Arr~alclo Hojfn~cinn Filho Belo Norizotite, MG

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27 de maio de 2001 João 17.20-26

CONTEXTO Diante dos eventos dramáticos que viriam a acontecer, Jesus antecipa-

damente procura consolar seus discípulos. As dificuldades do discipulado, especialmente a perseguição e aflição, são confrontadas com a certeza da presença do Consolador e com o pedido expresso de Jesus diante do Pai de que seus discípulos sejam guardados do mal, santificados na palavra e uni- dos em amor.

TEXTO V. 20 - Jesus intercede pela igreja cristã. Conhecendo o crescimento e

as dificuldades pelos quais sua Igreja passaria, Jesus, o Verbo Eterno, mostra seu cuidado e amor por "aqueles que vierem a crer" nele. Jesus também destaca que estes chegariam à fé em Cristo através da pregação e testemunho dos próprios discípulos. A abrangência do pe- dido de Jesus destaca o caráter constante de seu amor por nós.

V. 21 - A unidade do Filho com o Pai foi expressa no v. 11 (Jo 10.30). A unidade orgânica da Igreja (de uns para com os outros e de todos os crentes com Deus; ver 14.9-1 1 ; 16.15; Ef 4.1-6) tem um objetivo mui- to específico: dar testemunho ao mundo sobre o Salvador - quem é (Filho de Deus), de onde veio (do próprio Deus), e o que veio fazer (reconciliar).

V. 22,23 - A glória do Filho está conectada à glória do Pai (Jo 1.14). Através de sua morte vicária e ressurreição, Jesus glorifica o Pai (v. 1 ), e é glorificado por Ele. Assim os crentes, ao serem justificados e de- clarados santos, ao receberem a nova natureza (Ef 4.24) e serem revestidos de Cristo, recebem glória do próprio Cristo, sendo unidos ao Pai através de Cristo - "eu neles, e tu em nzim".

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Na vida regenerada e santificada, os crentes expõem a glória de Deus em cada ato de serviço e humildade, mostrando o poder da Palavra de Deus em suas vidas e na comunhão de uns com os outros sendo aperj'ei- çoudos nu ~ ~ n i d u d e através da presença de Cristo em suas vidas. Nova- mente esta unidade aponta para o caráter missionário da Igreja: a graça e o amor (Jo 3.16) de Deus oferecidos ao mundo.

V. 24 - O desejo amoroso do Bom Pastor é estar com o seu rebanho (Jo 14.3), protegendo (v. 15) e consolando (Jo 16.33) as suas ovelhas. Es- tar com Cristo é o desejo ardente dos cristãos (Fp 1.21,23). A concretização Última deste querer ( ~ E ~ w K c ~ ' ) gracioso de Cristo e do desejo dos cristãos (ver a glória de Cristo) se dará na vida eterna.

V. 25 - Novamente o nosso Sumo Sacerdote aponta para o relaciona- mento dele com o Pai, do mundo com Deus e dos cristãos com seu Senhor. A expressão "Pai justo" (Iiatcp 6 1 ~ ~ x 1 ~ ) aparece apenas nes- te texto e aponta um Deus que é justo e que perdoa (1 Jo 1.9). Esta misericórdia e a justiça de Deus são então reveladas sublimemente no próprio Filho. O ministério de Jesus (v. 8) levou os discípulos a esta compreensão (Jo 20.31).

V. 26 - Os discípulos ainda viriam a conhecer mais do próprio Deus na morte e ressurreição de Jesus, no evento miraculoso do Pentecostes, na expansão da Igreja e pela própria certeza da vida eterna. Essa revelação do nome do Deus amoroso continua sendo propagada atra- vés dos crentes, como quer o próprio Cristo.

O fim, o propósito da encarnação do Verbo, da obra do Verbo ao revelar o Pai justo (v. 6), é a volta do ser humano (7 KCLYW EU CIUTOL') a comunhão (v. 23) amorosa do seu Criador e Salvador.

APLICAÇOES HOMILÉTICAS E TEMA A Vontade Amorosa do Salvador

1 . Q ~ t e o m~indo conheça o nome de Deus. Por causa do pecado, afastado de Deus o ser humano não o vê como um Pai, mas como um Deus irado. Enviando seu Filho, Deus se faz conhecer de uma maneira maravilhosa. O mistério da Trindade agindo para promo- ver a reconciliação.

2. Q ~ i e seus discípulos estejam sempre com Ele. Diante das dificuldades, os discípulos podem pensar em se afastar de Cristo e da Sua pal'avra. Tendo como resultados as desuniões, inter-

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pretações errôneas, dando um mau testemunho do Deus Salvador.

Jesus intercede para que seus discípulos permaneçam fiéis. Ele mesmo quer estar com cada um deles para que recebam a glória eterna. Além de providenciar nossa salvação, Ele cuida e intercede por nós enquanto estamos no mundo para que assim outros possam ser atingidos por seu amor.

Fernando Henrique Huf Recife, PE

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3 de junho de 2001 João 15.26-27, 16. 4b-11

O PENTECOSTES Pentecostes para muitos é sinônimo de Espírito Santo. Para estes e

outros também é numa "igreja pentecostal" que o Espírito Santo age com todo o seu poder. Não são todos os que sabem que pentecostes significa literalmente 50." dia, e que sua origem está na Festa das Primícias (Lv 23.15- 17), também conhecida como Festa das Semanas (Êx 34.22; Dt 16.9- 12) e que cai exatamente 50 dias após a Páscoa.

Pentecostes é sinônimo de Espírito Santo, porque foi neste evento que Deus festejou a primeira grande colheita de almas do Espírito Santo, três mil (At 2.41). Se já há festa no céu quando um pecador se arrepende (Lc 15.1 O), imaginemos então três mil pecadores.

TEXTO Num longo discurso de despedida que começa em Jo 13.3 1, Jesus quer

convencer seus discípulos a entrarem nesse clima de festa. Só que "Filhi- nhos, ainda por um pouco estou convosco" (Jo 13.33), não são palavras agradáveis de ouvir. O que é inevitável e absolutamente natural na pers- pectiva de Jesus, não é tão natural assim do ponto de vista dos discípulos, que vêem a partida de Jesus como um desastre. Eles sentiram o impacto da iminente despedida e Jesus teve trabalho, tanto para consolá-los (Jo 14.1,16,18,27; 16.6-7), como para fazê-los compreender as razões de sua partida (Jo 16.16-1 8). Por isso, Jesus vai tocar pela última vez no assunto e ele vai fundo.

V.26 - Esta é a terceira vez que Jesus designa o Espírito Santo como o parákletos (1 4.16; 14.26), mormente traduzido por Consolador. Este termo é um adjetivo verbal que significa "chamar ao lado", mas que também tem o sentido de encorajar e de exortar. D.A. Carson lembra

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em seu comentário, que no grego secular parákletos significa assis- tente legal ou advogado, alguém que ajuda uma outra pessoa num tribunal, seja como um advogado, como uma testemunha, ou repre- sentante. Vale a pena lembrar que esta qualidade é atribuída a Jesus em 1 Jo 2.1. Traduzir parákletos apenas por consolador pode limitar a compreensão da multifacetada ação do Espírito Santo em favor dos homens, por isso é sábio desembnilhar um pouco mais os sentidos envolvidos nesta palavra.

Também são três vezes que o Espírito Santo é designado como o Espí- rito da verdade. Julgando pela descrição de sua obra em Jo 16.13, é possí- vel concluir que ele assim é identificado por comunicar a verdade e teste- munhar a verdade que é Jesus (Jo 14.6).

V.27 - Mas o Espírito Santo não é o "faz tudo sozinho". Jesus passa a bola para seus discípulos, pois eles é que serão os instrumentos pelos quais o Espírito fará a sua obra. A sua escolha e capacitação está ligada à sua presença com Cristo desde o início do seu ministério. Eles é que falarão a verdade sobre Jesus, sobre sua obra, suas palavras e testemunharão sua morte e ressurreição. E isto dá conteúdo suficien- te para falar tanto das bênçãos conferidas por Jesus, bem como do seu justo juízo. A lei e o evangelho, o doce e o amargor estarão na boca dos discípulos. Só que esta proclamação pode não ser prenúncio de aplausos, mas de resistência e oposição e Cristo prepara seus pre- gadores para o pior.

V.4b - Aqui as palavras de Jesus parecem ter dois objetivos: o primeiro é prevenir seus discípulos sobre a perseguição que os esperava e que Jesus não havia mencionado antes, visto que sua presença pessoal era garantia de proteção. E o segundo é trazer outra vez à tona o assunto da separação que em breve deverá acontecer e que estava deixando os discípulos inconformados.

Vv. 5-6 - Na verdade Pedro já havia questionado a Jesus sobre isto (Jo 13.36), bem como Tomé (Jo 14.5), só que naquelas oportunidades o assunto introduzido não teve seqüência e a conversa tomou outros rumos. Alguns estudiosos chegam a ver nisto uma aparente contradi- ção e tentam resolver o problema argumentando que João se utilizou de diferentes fontes para compor seu evangelho. No entanto, o que parece é que Jesus não está afirmando que seus discípulos nunca lhe haviam perguntado sobre o assunto, mas ele apenas está afirmando que naquele momento ninguém deles teve essa preocupação, talvez

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porque a tristeza deixou seus raciocínios lentos e sua atenção concen- trada mais neles próprios do que em Jesus.

V.7 - Jesus agora corrige isto. As primeiras palavras dele não seriam necessárias, mas ele as usa para enfatizar o que vem em seguida. "Convém-vos que eu vá", é importante, é vantajoso. Para os discípu- los a partida de Jesus é o fim do mundo, mas para o Filho de Deus o começo de uma nova realidade. Na condição imposta por Jesus não há razões metafísicas, como se ele e o Espírito Santo não pudessem estar com seu povo ao mesmo tempo, ou para que não houvesse "con- corrência" entre os paracletos. Há uma necessidade puramente escatológica envolvida, porque é o Espírito Santo que caracterizará essa nova etapa no Reino de Deus. A profecia de Joel 2.28-29 e o seu cumprimento no dia do Pentecostes em Atos 2 apontam para esta realidade na nova fase da história da salvação.

V.8 - A palavra chave deste versículo é elegxei. Neste verbo estão com- primidos todos os atos futuros do Espírito Santo. Além de convencer, seu significado também é trazer à luz, ou persuadir. O Paracleto persu- adirá o mundo a respeito do pecado, da justiça e do julgamento. Este "convencer" não pode ser entendido como um mero exercício intelectu- al, mas sim o de levar alguém a reconhecer sua culpa e se corrigir. Esta é a conotação sempre que este verbo é usado, sua função é mostrar o pecado e levar ao arrependimento (Mt 18.1 5; Lc 3.19; 1 Tm 5.20; Jo 3.20) e a fé (1 Co 14.24). É interessante também notar que a obra do Paracleto não se restringe apenas a defender, mas sua função também é de um promotor público que acusa e prova a culpa do mundo. O mundo é culpado e ele aponta seus erros quanto à real natureza e as conseqüências do pecado, da justiça e do juízo.

V.9 - Se existe um pecado capital diante de Deus, este é o pecado da incredulidade, a rejeição da proclamação de Cristo. Prosseguir nesta disposição é ignorar a real necessidade de cada um, que é a de se voltar para Deus e ficar livre da culpa destrutível que esta situação provoca. A obra do Espírito Santo é convencer o mundo desta sua culpabilidade e mostrar o caminho de volta. Primeiro, é tornar eviden- te que o veredicto para quem insistir em continuar na falta de fé é a condenação (Jo 3.18,36). Depois é que sua obra se toma graciosa e doce, ao fazer o mundo perceber que está caminhando o caminho da morte e que precisa retomar à vida, fazendo o reconhecer da sua necessidade em voltar-se para Jesus e "deixar de ser mundo", para ser o povo salvo de Deus.

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V.10 - A justiça (a maneira que Deus trata a humanidade) do mundo está longe de ser a justiça de Deus. A do mundo é tão imperfeita e mesquinha que o profeta Isaías a compara como sendo um trapo de imundícia (1s 64.6). A missão do Espírito é trazer a luz a verdade que a justiça diante de Deus baseada em esforços próprios é inadequada e vazia, mas que na obra sacrificial de Cristo na cruz está a justiça divina. Nesta declaração, Jesus afirma que a verdadeira justiça está conectada nele, na sua obra e em seu retorno ao Pai e não nas falsas pretensões da auto e falha justiça do mundo.

V. 1 1 - O mundo também está equivocado a respeito do julgamento. En- quanto sua sentença está fundamentada nas aparências (Jo 7.24), o julgamento de Jesus é o reverso, pois é justo (Jo 5.30) e verdadeiro (Jo 8.16). Aqui a tarefa do Espírito Santo é persuadir o mundo que tam- bém seu julgamento é falso, porque está ligado a seu príncipe, o pai da mentira (Jo 8.44) e que já está julgado e condenado. No que aparente- mente poderia ser o seu triunfo, na cruz de Cristo (Jo 12.3 1 ), o diabo foi exposto ao desprezo e sua derrota final. Aqui ainda é necessário lembrar do juízo futuro, o geral descrito em Mt 25.3 1-46 e o individual em Hb 9.27.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Numa carta a pastores luteranos de 1960, Hermann Sasse, no livro We Confess the Church, p. 17, reclama que a doutrina do Espírito Santo pare- ce ter se tornado um corpo estranho em algumas pregações. Do meu ponto de vista parece até que há uma demasiada cautela, às vezes uma exagerada dogmatização, ao falarmos daquele que é o propulsor do minis- tério e da vida de toda a igreja. Talvez porque em nossas igrejas não há "cenas pentecostais". Mas este texto concede uma oportunidade de ouro em falar sobre o que está mostrado claramente, apesar de não ser nenhu- ma "imagem pentecostal", que a atividade do Espírito Santo é no coração dos pecadores e que a cada pregação pode haver uma festa da colheita de almas.

Tema - A obra silenciosa, mas poderosa do Espírito Santo.

Anselmo Ernesto Gruff Barra do Garças, M T

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O SENHOR PROVÊ BONS PASTORES PARA O SEU REBANHO

Jeremias 23.23-29

Aquele fim de semana havia sido muito duro para o pastor Glênio dos Santos. Foram quatro cultos, dois grupos de instrução de confirmandos, uma reunião com as senhoras, com os jovens e, no domingo à noitinha, ainda o ensaio do coro. Se não bastasse isso, uma parte da liderança estava novamente "pegando no seu pk". As insinuações eram constantes e os comentários dos mais variados: ele já está muito tempo conosco; é duro em suas pregações, só fala de pecado e arrependimento, etc., etc.

Enquanto registrava os dados estatísticos das atividades realizadas, as ima- gens do fim-de-semana voltavam à sua mente. De repente, olhou pela janela de seu gabinete e percebeu que aquele ipê amarelo havia se tornado uma grande árvore. Parecia que tinha sido ontem que ele o havia plantado, foi a primeira coisa que fez quando chegou ali. É já haviam se passado dezoito anos. Dezoito anos?! É, quem sabe o pessoal tenha uma certa razão com relação aos seus comentários. Mas o pastor Glênio não estava totalmente convencido disso. Havia ainda muito por ser feito. Essa paróquia era grande, o povo ainda neces- sitava aprender muitas coisas a respeito de Deus e de Sua vontade. Absorto em seus pensamentos, o pastor Glênio nem percebeu quando a sua esposa o cha- mou para o tradicional chimarrão antes do almoço.

Após o almoço, o passeio até o centro da cidade e os demais afazeres não conseguiram relaxá-lo. O seu sentimento parecia o pêndulo do velho relógio em sua sala de visitas - ora sentia uma certa revolta pelas coisas difíceis que estava enfrentando na paróquia, ora nutria amor e carinho por todo aquele povo, que Deus havia colocado sob os seus cuidados pastorais. Assim foi, até o restante do dia. "Amanhã as coisas vão estar melhor" lhe disse a esposa. "Não há nada que uma boa noite de sono não con-

siga recuperar ". "É ... " respondeu ele, "quem sabe você tenha mzão ..., amanhã será um novo dia. "

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Na terça-feira, às 8 horas, o pastor Glênio já estava em seu gabinete. Como de hábito, iniciou o estudo do sermão do próximo fim de semana. A pei-ícope pi-oposta era Jeremias 23.23-29. A princípio, os vv. 28 e 29 lhe chamaram a atenção. "...aquele e171 q~le~i i está a minha pulavra, jale u minha paluvra co~ii verclade. Não é a minha puluvru fogo, diz o Se- nhor, e nzartelo que esnziuça u penhu.7"

O pastor pensou, "este com certeTa é unz bom texto para aquela liderunqa contestadora da paróquia. Está na horu de eles provarerii unz po~iq~iinho do jbgo e do rnartelo du lei de Deus. "

Mas o pastor sabia que estabelecer um tema de sermão a esta altura, seria uma atitude precipitada de sua parte.

Como bom aluno de homilética, ele sabia que um estudo isagógico do livro era fundamental para a compreensão do texto em questão e, conse- qüentemente, a elaboração de um bom sermão.

De início, algo chamou a atenção do pastor. Jeremias nascera no seio de uma família sacerdotal de Anatote, pequeno lugar próximo a Jerusalém e ainda muito jovem - cerca de 20 anos, foi chamado pelo Senhor para ser seu profeta (Jr 1.1-2,6-7). O pastor logo se identificou com Jeremias, pois ele também pertencia à uma família de pastores - seu pai (hoje aposenta- do) havia sido pastor por muitos anos, tinha ainda um irmão e dois primos pastores. Ele ainda lembrava da primeira frase ouvida logo na sua chegada: "Pa.stor, o Sr. é tão jove~n e já está no nzinistério!" E era verdade ... o pastor Glênio recém completara 24 anos e já era chamado de Pastor!

E a "puróquia" de Jeremias? Era extensa, todo o Reino do Sul (mais tarde se estendeu ao povo em exílio - cf. Jr 29). A situação era caótica. O império Assírio estava em decadência e a Babilônia surgia como a nova potência. O povo ... bem, o povo havia abandonado o Deus da aliança e vivia atrás de outros deuses. A idolatria havia chegado a um extremo tal, que o povo já estava sacrificando seus próprios filhos a deuses estranhos (cf. 7.30-34). Jeremias prega o juízo de Deus. Jeremias condena Judá pe- los seus pecados abomináveis e anuncia o desastre iminente - a destruiçáo do templo de Jerusalém (cf. 7.14). " A Bahilôniu verii aí. .. a Bahil6nia vem uí. .. e corii ela urii duro cativeiro - 70 longos anos!" (cf. Jr 4.5-7, 6.22-26,25.1-11).

Dar tapinhas nas costas e afagar o ego dos ouvintes até que dá bons resultados, mas pregar o juízo de Deus jamais trouxe popularidade a nin-

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guém. Jeremias sentiu isso na pele. Amigos? Certamente não eram muitos, uma mão era suficiente para contá-los (cf. Aicão - 26.24; Baruque - 36.4-8, Gedalias -39.14; Ebede-Meleque - 38.7-13). Em seu ministério profético, Jeremias muitas vezes se sentiu só. Foi acusado de traidor, preso e julgado (cf. Jr 20.1-6 e 26). Em sua angústia e decepção muitas vezes chega a ques- tionar a Deus pelo progresso de seus inimigos e pede que os mesmos sejam eliminados (cf. Jr. 12.1-3, 15.15, 17.18, 18.19-23). Jeremias abre o seu cora- ção para Deus e gradualmente o Senhor lhe revela que sofrer por fidelidade à palavra de Deus é um elemento inseparável do ministério profético.

A essa altura, o Pastor Glênio se recosta em sua cadeira. Reflete em seu ministério de 18 anos. Quantos sentimentos e revoltas semelhantes às de Jeremias haviam passado por seu coração nestes anos! Quantos questionamentos, quantas dúvidas, Senhor! É... mas Jeremias continuou fiel ao seu chamado. Foram 40 anos ... e ele suportou tudo sem se desviar de sua missão, pois estava convicto que seu chamado era divino (cf. Jr 1.2,4-7). Agora aquelas palavras do Senhor dirigidas a Jeremias por oca- sião de seu chamado, ecoavam nos ouvidos do pastor Glênio, como se ti- vessem sido ditas a ele no dia de sua instalação: "te consagrei e te cons- titui profeta as nações ... a todos a quem eu te enviar, irás; e tudo quanto eu te mandal; falarás ... não temas diante deles; porque eu sou contigo para te livrar, diz o Senhor" (cf. Jr 1.5,7,8).

Aquelas, sem dúvida, eram palavras maravilhosas para se concluir o estudo da manhã. O pastor Glênio estava empolgado com o livro de Jeremias, especialmente com seu modelo de ministério. O sermão do próximo fim de semana prometia, e o pastor aguardava com ansiedade a quinta-feira, quando teria todo o dia para trabalhar em seu sermão.

Motivado pelo estudo da manhã, o pastor Glênio dedicou a parte da tarde para realizar algumas visitas. Tendo visitado alguns idosos e enfer- mos, se dirigiu à casa do Sr. Armindo Rupenthal. O seu Armindo, após ter passado por várias igrejas, havia sido recebido por profissão de fé na con- gregação. Os neófitos recebiam um cuidado especial do pastor, ele sabia que estas "ovelhas" precisavam "ser apascentadas com conhecimento e com inteligência" (cf. Jr 3.15).

O Seu Armindo era um crente sincero e isso fez com que o pastor Glênio se lembrasse de Jr 17.7-8: "bendito o homem que confia no Se- nhol; e cuja esperança é o Senhor. Porque ele é como a árvore planta- da junto às águas, que estende as suas raizes para o ribeiro e não receia quando vem o calor, mas a sua folha fica verde; e no ano de

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sequidão não se perturba nem deixa de dar fruto. "

Após a oração final, o Seu Rupenthal disse ao pastor: "como é bom pastor, quando as nossas feridas mais profundas são curadas pela paz do evangelho " (cf Jr 6.13- 14). Sabe pastor, as suas palavras sempre me "enchem de esperança, porque são palavras que vêm da boca do Senhor. "(cf. Jr 23.16). O pastor Glênio esboçou um sorriso acanhado, mas o seu pensamento estava longe, lá em Jeremias 23, o texto do sermão, e as palavras do v.28 pareciam retumbar em seus ouvidos: "o profeta que tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em quem está a minha palavra, fale a minha palavra com verdade."

Já no carro, de volta para casa, o pastor Glênio não se continha de alegria e satisfação. Com suas palavras simples, o Sr. Armindo havia descortinado o texto de Jeremias. Jeremias 23 é uma perícope que fala do ministério, onde a figura do falso pastor é contrastada pela do verdadeiro pastor. O sermão do fim de semana já estava tomando forma.

O café da manhã do pastor Glênio naquela quinta-feira foi rápido, às 7h30min lá estava ele novamente debruçado sobre o texto de Jeremias 23. Como aquela visita ao Seu Armindo havia sido valiosa. O foco que antes (na terça-feira) estivera fechado apenas sobre o rebanho - a congregação, agora se ampliava, voltando-se também para o pastor.

E de pronto os versículos iniciais saltaram aos olhos do pastor Glênio. Ali o Senhor fala de duas categorias de pastores - os falsos, que dispersam as ovelhas do seu pasto, as afugentam e delas não cuidam (vv. 1-2) - e os verdadeiros - que vão ao encontro da perdida, e a trazem de volta para a segurança do aprisco (vv.3-4).

E a promessa do Senhor vai mais longe ... "eis que ... levantarei a Davi um Renovo justo; e, rei que é, reinará, e agirá sabiamente, e executa- rá o juizo e a justiça na terra" (v.5).

Em seu estudo, o pastor Glênio havia descoberto que o termo Pastor, quando usado metaforicamente na Escritura, significa Rei. Então ... o Sal- mo 23 logo lhe veio à mente e em seguida João 10 - e num instante, a figura do Bom Pastor desabrochava do texto de Jeremias.

Para o pastor Glênio não havia dúvida. Para ser um bom pastor, antes de mais nada, é preciso estar sob o pastorado do Bom Pastor Jesus. É preciso primeiro ouvir a sua voz. É necessário estar no conselho do Senhor, ver e ouvir

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a Sua Palavra (cf. vv.18 e 22) - ouvir o Seu chamado, então sim ... será possível ser a Sua voz no mundo. E desta forma, se cumpre a palavra do próprio Cristo: "quem vos der ouvidos, ouve-me a mim" (Lc 10.16).

Então, a palavra do pastor jamais será uma palavra de sonhos, ou men- tira. Palavras que brotam de sua mente = coração. O pastor pregará de forma que nunca "o povo se esqueça o nome do Senhor" (v.27).

Por isso, tendo recebido a palavra, irá proclamá-la em verdade e amor (cf. v.28). Algumas vezes ...

1. Na forma de fogo - testando assim a qualidade da obra de cada um (cf. 1 C0 3.13).

2. Como um martelo - atuando implacavelmente, julgando "os pensa- mentos e propósitos do coração" (cf. Hb 4.12).

3. E como trigo - que diferentemente da palha, alimenta e nutre os cora- ções com a sua doçura (cf. Jr 15.16; Ez 2.8-3.3; Ap 10.9-10 e S1 l .2).

O ministério profético de Jeremias havia causado profunda impressão no pastor Glênio. Jeremias não fora enviado somente para arrancar, derri- bar, destruir e arruinar, mas também para edificar e plantar (cf. Jr 1.10). Após atuar por meio de uma obra que lhe é estranha - Lei, Deus realiza a sua obra que lhe é própria - anuncia o Evangelho.

O julgamento de Deus com relação ao seu povo, embora terrível, não seria a sua última palavra. A misericórdia e a fidelidade a Sua aliança iriam triunfar. Após o julgamento viria restauração e renovação. Novamente Deus seria o seu Deus e eles, o seu povo (cf. Jr 3 1.33).

Sob o reinado do Renovo de Davi, Judá e Israel estarão unidos e "então haverá cinz rebanho e um pastor" (cf. Jo 10.16). Haverá um novo Israel!

Naquele domingo o pastor Glênio pregou um vibrante sermão sobre o tema: "O Senhor provê bons pastores para o S ~ L L rebanho. " E todos que o ouviram, voltaram para casa aiiimados e fortalecidos pelo doce trigo do evangelho que o pastor Glênio Ihes havia ministrado. Amém.

Mensagem proferida pelo Prof. Ely Prieto na devoção do Seminário Concórdia em 13 de setembro de 2000, realizada na

capela da Congregação São João Batista, em São Leopoldo, RS.

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SEGUIR JESUS DE OLHOS BEM ABERTOS

Lucas 14.15-33

Aconteceu num país da Ásia onde o governo exige que todos cidadãos tenham uma religião. Todos precisam ter e declarar uma religião, pois não ter religião é sinônimo de comunismo, e isto o governo não tolera. Pois um jovem, hoje pastor, ao ingressar na universidade teve de fazer a referida opção. E não teve dúvida: procurou a religião mais fácil. E logo descobriu que a religião mais fácil é o cristianismo. Mas com o passar do tempo, mais uma coisa foi ficando clara: a religião que parecia ser a mais fácil era, na verdade, a mais difícil. De fato, como disse alguém:

"O cristianismo é a religião mais fácil do rnundo, nias ao n~esmo tempo a mais difícil".

William Arndt

Se alguém tiver alguma dúvida a esse respeito, precisa reler o texto de hoje. Jesus diz: "Nenhum de vocês pode ser meu discípulo se não deixar tudo o que tem" (v. 33). "Não pode ser meu seguidor quem não estiver pronto para morrer como eu vou morrer" (é assim que a Nova Tradução na Linguagem de Hoje traduz o v. 27, que fala de tomar a cruz e seguir Jesus). "Quem quiser me acompanhar não pode ser meu seguidor se não me amar mais do que ama o seu pai, a sua mãe, a sua esposa, os seus filhos, os seus irmãos, as suas irmãs e até a si mesmo (v. 26).

Este versículo 26 é "forte". Fala, no original, em odiar a família e a si mesmo. Isto parece conflitar com o quarto mandamento. (Trata-se, na verda- de, do primeiro mandamento "relativizando" o quarto!) Almeida Revista e Atualizada traduz "aborrecer" e explica que se trata de "amar menos". De fato, odiar é forma bíblica de dizer "amar menos". Portanto, as nossas tradu- ções reproduzem o sentido do texto. Agora, por mais que pareçam abrandar o impacto do texto, não resta dúvida que temos aí uma palavra difícil de engolir!

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Quero, hoje, compartilhar uma maneira um pouco diferente de encarar esse texto e, depois, concluir com uma aplicação.

Comecemos pela maneira de encarar o texto que fala do preço do discipulado (Lc 14.25-33). A tendência é olhar o texto em isolamento, vendo nele um episódio isolado e completo em si mesmo. É possível e (por que não?) recomendável vê-lo em conjunto com a parábola que vem logo antes, a parábola da grande ceia (Lc 14.15-24). Um exame mais cuidado- so mostra que as duas histórias têm um ensino semelhante. Uma complementa a outra.

Na conhecida parábola, um homem convida muita gente para uma festa que ia dar. No dia, manda o empregado dizer que a festa está pronta. Aí começam as rolar as desculpas. Um comprou um sítio, outro, cinco juntas de bois. O outro acaba de casar.

Pois este que acaba de casar e não aceita o convite (v.20) é aquele que ama mais a sua esposa e a si mesmo do que a Jesus (v.26). E aqueles que compraram um sítio e cinco juntas de bois (vv.18-19) são aqueles que não conseguem deixar tudo o que têm (v.33) para serem discípulos de Jesus. As desculpas na parábola são exatamente as coisas ou as pessoas que alguém precisa amar menos para seguir Jesus, a quem é preciso amar mais. Fica também estabelecida a conexão entre aceitar o convite para a festa - festa que, na parábola, é figura do Reino de Deus - e seguir Jesus. Nos Evangelhos, o reino de Deus é o próprio Jesus.

A festa marcada, a vinda do Reino de Deus, a presença de Jesus é o bem maior. Diante disso, tudo mais se relativiza, perde importância, é ama- do menos.

Deixar tudo por amor a Jesus. "Pastores sabem muito bem o que isto significa", um colega me lembrava ainda ontem. Há poucos dias cruzei com uma família pastoral que, depois de recentemente terem aparelhado sua casa com eletrodomésticos, deixaram tudo para trás por um chamado pastoral do exterior. Lá estava a esposa cozinhando feijão por quatro horas, alegre, mas lembrando da panela de pressão que ficou no Brasil e que precisa ser reposta. Alguém que olha de fora poderia dizer que é loucura. Quem conhece textos como Lucas 14 entende um pouquinho do porquê dessa "loucura".

E já que estamos no campo da aplicação, dá para acrescentar que calcular os custos não está excluído do âmbito da fé. Esta é a lição das parábolas do constiutor da torre e do rei guerreiro. Sabemos que dizer sim ao convite, amar

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mais a Jesus (e menos as nossas relações e nossas posses) é dom de Deus. Mas há, por assim dizer, uma dimensão humana nisso também. Deus não nos enche de entusiasmo e anestesia a nossa capacidade de pensar para só então esperar o nosso "sim". Deus não nos venda os olhos e nos força a entrar. Ele não nos ilude com promessas. A fé sabe muito bem o que está fazendo, mesmo quando é loucura aos olhos dos outros.

Amar menos, deixar tudo. Estas palavras nos ferem, pois são lei. E onde fica o evangelho em tudo isso? Que tal isto? "Deus nos convida para a festa do ano, a festa do século, a festa do milênio, a festa dos séculos dos séculos. É o banquete do reino de Deus. É o privilégio de ser de Jesus e de estar com Jesus. Nada é melhor do que isto. E o convite é repetido, enquanto o seu amor nos chama. Em meio ao turbilhão de vozes, rodeados de coisas e amarrados por relacionamentos humanos, pelas ruas e becos da vida, temos o prazer de aceitar o convite e reconfirmar que aceitamos o mesmo. De olhos bem abertos, cientes e conscientes da cruz.

Devoção proferida pelo DE Vilson Scholz na capela do Seminário Concórdia no dia 6 de outubro de 2000

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Manual de Conforto - Para Pessoas Angustiadas e Doentes.

Por Johann Gerhardt. Canoas, Editora da ULBRA, 2000, 140 pp.

Alguém pode estar se perguntando: "O que uma obra escrita (em latim!) em 1611 tem a nos dizer nos dias de hoje?" Muito! A começar pelo seu autor. Johann Gerhard é considerado o terceiro teólogo mais importante na história do luteranismo, depois de Martinho Lutero e Martinho Chemnitz.

Gerhard foi o teólogo luterano mais influente no século XVII. Realizou seus estudos em importantes escolas: Wittenberg, Marburg e Jena. Nesta última, recebeu seu doutorado em teologia em 1606. Como teólogo e pastor, escreveu em muitos campos da teologia, incluindo exegese, dogmática, his- tória, bem como temas da pastoral - devocionais e homilética.

A importância desta obra é confirmada por suas diferentes traduções. Em 1877 foi traduzida pelo pastor Carl Julius Boettcher para o alemão. Mais recentemente, em 1995, o pastor John Drickamer fez uma tradução abreviada para o inglês, e agora, pela tradução do pastor Horst Kuchenbecker, este importante manual já pode ser lido em Português. A tradução que chega às nossas mãos está baseada na tradução inglesa. Por- tanto, é também uma obra abreviada e adaptada. Mas o leitor é assegurado que " o livro não perdeu nada do conforto bíblico e evangélico" (p.6).

Mesmo sendo um grande teólogo sistemático, Johann Gerhard tinha um coração pastoral e "sernpre esteve preocupado em aplicar a doutrina ù vida" (p.8). Este manual quer ser "urn jardim com ervas medicinais, no qual a pessoa, que necessita de cura, pode encontrar as niais diferen- tes plantas rnedicinais "(p.8). Aqui cabe lembrar que essas "ervas rnedi- citzais" foram aplicadas à própria vida do autor.

Ainda jovem, com apenas 15 anos de idade, Gerhard passou por uma enfermidade grave e uma depressão muito séria, onde esperava morrer.

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Mais tarde, incentivado por seu pastor, Johann Arndt, resolveu estudar teo- logia. Em 161 1 , já atuando no ministério, perde seu filho primogênito, na ocasião, único filho. No mesmo ano, ele e sua esposa ficam gravemente enfermos. Apesar de todas essas dificuldades, o homern interior de Gerhard não entra em colapso. Ele busca conforto na medicina da palavra de Deus para fortalecer sua própria alma e a alma de sua esposa. Pouco tempo após haver terminado essa obra, sua esposa veio a falecer.

O livro é primordialmente uma literatura de consolação. Contém uma série de perguntas - divididas em 46 temas - que brotam no coração daque- les que estão angustiados e enfermos, no limiar da vida. Basicamente a pessoa aflita formula uma pergunta e o confortador responde, aplicando o consolo da palavra de Deus à sua vida. Consolar é muito mais do que dizer palavras de coragem ou oferecer alguns pensamentos positivos. Consolar é anunciar as respostas de Deus tiradas de Sua Palavra, baseadas na graça de Cristo, as quais infundem verdadeira confiança no amor de Deus e en- chem o coração de paz e esperança (p.5).

Este breve manual certamente será de grande auxílio para todos aqueles que estão envolvidos napoimênica do povo de Deus. Assistir almas aflitas com o doce evangelho de Cristo é sem dúvida tarefa de todo o cristão.

Ely Prieto

Igreja Luterana - No 2 - 2000

A Igreja hoje - organizada a partir de seus objetivos Por Erní Walter Seibert.

Porto Alegre, Concórdia Editora, 2000, 101 pp.

Esta obra, anteriormente publicada sob o título Congregação Crista - Enfoques Teológicos e Práticos, pela Escola Superior de Teologia de São Paulo (1988), aparece agora em uma nova edição, revista e atualizada pelo próprio autor.

O Dr. Erní W. Seibert é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), tendo atuado no ministério congregacional por mais de dez anos, é professor de teologia no Instituto Concórdia de São Paulo desde 1985. A Igreja Hoje é, portanto, uma obra, como seu antigo título sugere, de cunho teológico e prático. Em todo o livro transparece a experiência pastoral do autor, bem como sua pesquisa e reflexão teológica.

De acordo com o prefácio à segunda edição (p. 1 l), o conteúdo da obra não foi alterado em sua essência. Foi feita uma revisão lingüística, alguns dados bibliográficos foram acrescentados e, no final de cada capítulo, foram incluídas questões que auxiliam na fixação e no aprofundamento do tema estudado. O livro está dividido em 13 capítulos, sendo que os quatro primeiros abordam o tema igreja, meios da graça, ministério e sacerdócio universal dos crentes. Os capítulos cinco e seis abordam os objetivos da igreja e como esta se relaciona com o mundo em que vive. O capítulo sete fala de administração paroquial, planejamento e treinamento de líderes. Lembra que a congregação deve plane- jar toda a sua ação e que a sua organização deve servir para aumentar a efici- ência do trabalho (pp.45 e 46). Do capítulo oito ao doze, cada um dos cinco objetivos da igreja - adoração, educação, testemunho, serviço social e comu- nhão - são analisados exaustivamente pelo autor. Várias sugestões são apre- sentadas, visando auxiliar a organização da congregação local em suas diferen- tes áreas de ação. O último capítulo serve mais como uma conclusão ao livro, onde se ressalta que a igreja é um organismo vivo, que necessita de ajustes e correções, para que o propósito estabelecido por Deus seja alcançado.

Igreja Luterana - N" 2 - 2000

O grande valor desta obra se resume no fato de a mesma refletir a nossa realidade. Foi escrita por um pastor brasileiro para congregações brasileiras. Portanto, não é um manual de receitas importadas, que muitas vezes não se aplicam às necessidades de nossas congregações. A idéia é fornecer, aos pastores e líderes leigos, material que os ajude a refletir sobre o seu trabalho e subsídios que os auxiliem num melhor desempenho de suas funções. As idéias e sugestões estão aí. É ler e pôr a mão na massa.

Ely Prieto