II Conferência Nacional de Política Externa. África

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  • frica

  • MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Celso AmorimSecretrio-Geral Embaixador Samuel Pinheiro Guimares

    FUNDAO ALEXANDRE DE GUSMO

    Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo

    Instituto de Pesquisa deRelaes Internacionais Embaixador Carlos Henrique Cardim

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada ao Ministrio das RelaesExteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaes sobre a realidade internacional e sobre aspectosda pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temasde relaes internacionais e para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 Braslia, DFTelefones: (61) 3411 6033/6034/6847Fax: (61) 3322 2931, 3322 2188Site: www.funag.gov.br

  • frica

    Rio de Janeiro, 2 de maro de 2007

    Braslia, 2008

    II Conferncia Nacional de Poltica Externa ePoltica Internacional - II CNPEPI

    O Brasil no Mundo que vem a

  • Copyright , Fundao Alexandre de Gusmo

    Equipe tcnica:Maria Marta Cezar LopesLlian Silva Rodrigues

    Projeto grfico e diagramao:Cludia Capella e Paulo Pedersolli

    Direitos de publicao reservados

    Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 3411 6033/6034/6847/6028Fax: (61) 3411 9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Decreto n 10.994, de 14.12.2004.

    Conferncia Nacional de Poltica Externa e Poltica Internacional IICNPEPI : (2 : Rio de Janeiro : 2007) : o Brasil no mundo que vema.

    Seminrio : frica Braslia : Fundao Alexandre de Gusmo,2008.

    244 p.

    ISBN 978-85-7631-102-7

    1.Poltica externa frica. 2. Poltica internacional. I.Conferncia Nacional de Poltica Externa e PolticaInternacional. II CNPEPI : 2 : Rio de Janeiro : 2007. II. Ministriodas Relaes Exteriores.

    CDU: 327(680)(042)

    Impresso no Brasil 2008

  • S U M R I O

    Apresentao ...................................................................................... 7

    I. A Poltica Africana da China ........................................................ 11Amaury Porto de Oliveira

    II. Unio Africana: possibilidades e desafios ...................................... 33Cludio Oliveira Ribeiro

    III. A Repblica Democrtica do Congo - RDC .................................... 73Kabengele Munanga

    IV. As Populaes Africanas no Brasil ............................................. 103Luiz Felipe de Alencastro

    V. Tombuctu, a frica do Sul, e o Idioma Polticode Renascena Africana .................................................................. 111Paulo Fernando de Moraes Farias

    VI. frica do Sul: uma transio inacabada ..................................... 139Paulo G. Fagundes VisentiniAnalcia Danilevicz Pereira

    VII. Moambique em Retrato 3x4:uma pequena brecha para a poltica africana do Brasil .................... 209Jos Flvio Sombra Saraiva

  • APRESENTAO

  • 9Com 76 milhes de afrodescendentes, o Brasil a segundamaior nao negra do mundo. Nosso Pas tem, nas palavras doPresidente Lula, um compromisso poltico, moral e histrico, com africa e com os brasileiros que descendem dos africanos.

    Temos muito a aprender uns com os outros, a contribuiruns com os outros, experincias a compartilhar e inmeras riquezasmateriais, espirituais e simblicas para trocar.

    Hoje, o desafio identificar formas de apoio recproco e amaneira de valorizar a cultura africana em um mundo que se globaliza.

    Os participantes do Seminrio tiveram a oportunidade deabordar a problemtica especfica de alguns pases africanos, trazendoao debate temas de interesse comum e de atualidade.

    APRESENTAO

  • I.

    A POLTICA AFRICANA DA CHINA

  • Em novembro de 2006, a imprensa internacional deu granderelevo realizao, em Pequim, nos dias 4 e 5 daquele ms, de umareunio de cpula do Presidente Hu Jintao com os Chefes de Estadoou de Governo de 48 pases africanos. Era o maior conclaveinternacional jamais realizado pela Repblica Popular da China, e osjornais mencionaram ainda que a logstica em torno dele seria umaespcie de ensaio geral para o desafio das Olimpadas de 2008. Foitambm enfatizado que o governo chins estava financiando a viageme a hospedagem de luxo das 48 delegaes, numa cidade engalanada edespoluda para a ocasio. O que no foi deixado claro no noticirioda mdia que no se tratava de uma iniciativa diplomtica isolada,tomada oportunisticamente em funo de clculos governamentais.Tratava-se, na verdade, da segunda sesso plenria do Focac (Frumon China-Africa Cooperation), estabelecido em 2000 numa outra cpulaem Pequim. Essa conferncia de fundao fora precedida de reunioministerial, prevista para repetir-se a cada trs anos, como j aconteceuem 2003 (Adis Abeba); agora, em Pequim, e dever acontecer em 2009(Cairo).

    O processo Focac mostra, pois, que a China possui umapoltica africana. Poltica que vem dos primeiros anos da fundao daRPC, havendo a segunda cpula coincidido com os cinqenta anosda abertura da Embaixada da RPC no Cairo (1956). Meu propsito,neste trabalho, examinar como tem evoludo tal poltica, quais osseus objetivos e que perspectivas existem para ela. Para a evoluohistrica vou apoiar-me ampla e livremente num estudo de ZhangHong-Ming, da Academia Chinesa de Cincias Sociais (Cass), do qual

    Amaury Porto de Oliveira

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    A POLTICA AFRICANA DA CHINA

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    existe traduo brasileira, inserida em coletnea organizada por BeluceBellucci.1

    UM LONGO E CONSISTENTE TRABALHO DIPLOMTICO

    Zhang Hong-Ming registra trs fases no relacionamento daChina com a frica, nas dcadas do perodo maosta. Nos anos 50,num mundo dividido em dois campos, sob a direo, respectivamente,de EUA e URSS, a grande preocupao de Pequim era ampliar o nmerodos seus amigos. Busc-los entre os pases da primeira vaga deindependncias africanas mostrou-se importante, e a tarefa veio a serfacilitada pela ocorrncia (1955) da Conferncia de Bandung, na Indonsia.Foi l que Zhu En-lai conheceu Nasser e outros dirigentes africanos.Desses contatos saiu o estabelecimento pioneiro de relaes diplomticascom o Egito (30/05/56), e, at o fim da dcada, com Arglia, Marrocos,Sudo e Guin. Zhu En-lai, que era na poca primeiro-ministro eMinistro do Exterior, formulou em nome do governo chins cincoprincpios para o relacionamento da China com os pases estrangeiros,que interessante deixar enunciados, na medida em que ainda explicamcomportamentos dos chineses diante dos regimes em existncia na frica,por vezes criticados no Ocidente. So eles:

    1) respeito mtuo da soberania e da integridade territorial;2) no-agresso mtua;3) no-ingerncia nos assuntos internos;4) igualdade e vantagens recprocas;5) coexistncia pacfica.

    Na dcada de 1960, havendo Pequim entrado em desavenascom Moscou, a estratgia bsica chinesa passou a ser a luta contra a

    1 Zhang Hong-Ming A Poltica Chinesa na frica, in: Abrindo os Olhos para aChina, org. Beluce Bellucci. Rio de Janeiro: CEAA.

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    hegemonia das duas superpotncias, em aplicao da qual Mao Zedongelaborou a tese das duas zonas intermedirias: os pasessubdesenvolvidos da sia, frica e Amrica Latina; e a EuropaOcidental. Um importante triunfo nessa segunda zona foi oreatamento de relaes diplomticas com a Frana (1964), com reflexossobre os territrios franceses da frica. A China tinha de concorrerno continente africano com o trabalho paralelo dos EUA e da URSS,mas mesmo assim, e graas, em parte, aos trs priplos efetuados porZhu En-lai atravs de pases recm-independentes, no final da dcadaeram 19 (entre 41 novos Estados) os pases que mantinham relaesdiplomticas com Pequim; contra cinco na dcada de 1950. Retrica parte, Pequim perseguia dois objetivos de ordem prtica, nessa buscade reconhecimentos: barrar o estabelecimento de relaes diplomticascom Taiwan e ir acumulando apoios na Assemblia Geral da ONU.Quando, em 1971, a Assemblia Geral retirou de Taip a representaona ONU, em favor de Pequim, um tero dos votos foram dados porpases africanos.

    A virada da dcada de 1960 para os anos 70 foi um perodocheio de dificuldades internas e externas para o regime chins,obrigando seus dirigentes a novos ajustamentos ideolgicos. Partindoda viso de que a Unio Sovitica se tornara pas social-imperialista,cobioso e feroz, Mao elaborou a teoria dos trs mundos, quedemonstrava na prtica sua disposio de aliar-se aos EUA contra aURSS. E como fosse a frica o continente onde mais acirrada semostrava a luta entre as duas superpotncias, especial ateno foi dadapor Pequim ao trabalho ali. Numa abordagem repleta de contradies.Por um lado, seguia a China apoiando e at armando movimentos delibertao nacional, como os dos territrios sob colonizaoportuguesa. Por outro lado, ajudava abertamente aes da Frana oudos EUA, desde que tendessem a neutralizar ou frear a penetraosovitica na frica. Com tudo isso, e ajudada pelo novo estatuto demembro ativo da ONU, pde a China ampliar sua presena

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    diplomtica na frica. No fim da dcada, eram 44 os pases africanoscom relaes formais com a China: 25 a mais do que no final dos anos60.

    Com a chegada dos anos 80 e o incio das reformascomandadas por Deng Xiaoping, foi mudando por completo a visodo mundo e a ao poltica dos dirigentes do PCC. Deng era o supremopragmatista, empenhado na construo econmica do pas e despojadode teias ideolgicas No h proclamava ele verdades reveladas!Nem na Bblia ou no Coro, nem nos escritos de Marx, Engels, Lninou Mao. A verdade uma conquista do cidado, a ser buscada nosfatos. Um teste dessa posio sobreveio em junho de 1985, quando aComisso Militar Central do partido foi chamada a decidir sobre adesejada reduo de um milho de homens nos efetivos das ForasArmadas chinesas. A medida parecia imprudente diante da teseleninista da inevitabilidade da guerra imperialista. Deng dirimiu aquesto, afirmando que o crescimento das foras da paz tornavapossvel afastar por muito tempo o perigo de guerra e, quem sabe,instalar a paz mundial. Algum tempo depois, o Comit Central dopartido iria abandonar formalmente a teoria de Lnin sobre oimperialismo, visto como manifestao incontornvel da luta de classes.Para os dengistas, em vez de luta de classes, o problema dohegemonismo devia ser tratado no nvel de conflito entre Estados. Apretenso hegemonia era um desvio de comportamento de pasdesejoso de modelar o mundo. Era justo condenar e combater talcomportamento, sem deixar de trabalhar com o candidato hegemonia.

    vista dessas especulaes chinesas em torno de lideranashegemnicas, foi irnico que quinze anos mais tarde, num dos seusprimeiros pronunciamentos como Presidente dos EUA, George W.Bush tivesse rotulado a China de competidor estratgico dos EUA.Colocaes feitas por membros da equipe de Bush mostraram quepor trs dessa qualificao estava a idia de que, mais cedo ou maistarde, a RPC tentaria conquistar a hegemonia mundial. Paul

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    A POLTICA AFRICANA DA CHINA

    Wolfowitz dissera isso de forma explcita, num artigo da campanhaeleitoral: A China est emergindo como grande potncia. Convencerpotncia emergente de que transformaes no status quo devem serbuscadas pela via pacfica tem sido problemtico, historicamente. Nosculo passado no foi possvel faz-lo com a Alemanha e o Japo, e asconseqncias foram catastrficas. Condoleezza Rice dissera omesmo, num clebre artigo em Foreign Affairs: A China ressente-sedo papel dos EUA na rea da sia banhada pelo Pacfico. Isso significaque a China no uma potncia de status quo, mas sim uma potnciaque gostaria de alterar a seu favor o equilbrio de poder na sia.

    Lanxin Xiang, um professor universitrio chins de trnsitointernacional, reagiu com vigor, em artigo na Survival, revista doInstituto Internacional de Estudos Estratgicos (IISS) de Londres2, aessa tentativa de estabelecer analogia entre a ascenso da China, nofinal do sculo XX, e a ascenso da Alemanha Imperial quando EduardoVII reinava na Inglaterra. A tese central de Lanxin Xiang que osneo-conservadores americanos erram ao invocarem o dilemaeduardiano de um sculo antes. Nas condies atuais diz ele aChina que defende o equilbrio de foras prevalecente, diante daagressividade kaizeriana dos EUA. A China mantm-se na posiodefensiva que teve a Inglaterra, revelando ao mesmo tempo a suafrustrao com a visvel determinao dos EUA de mudarem as regrasdo jogo internacional. Na verdade, quando a equipe de George W.Bush intensificou a circulao das suas teses, em 2000/2001, j a cpuladirigente de Pequim se afastara h tempos at de sua estridncia contrao mundo monopolar da preferncia dos EUA, que estivera de modaaps o fim da Guerra Fria.

    Voltando a acompanhar as relaes da China com a frica,cumpre assinalar que nos anos 80, por iniciativa prpria, o governochins redefiniu sua estratgia diplomtica e poltica em relao quele

    2 Xiang, Lanxin. Chinas Eurasian Experiment, in Survival, vol. 46 n. 2 (2004).

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    continente. Sublinhando que a paz e o desenvolvimento eram aspreocupaes a ter primordialmente em conta, os chineses insistiamjunto aos eventuais interlocutores africanos em trs princpiosfundamentais para o relacionamento entre eles: manuteno daindependncia e da autonomia; defesa da paz no mundo e busca emcomum do desenvolvimento. Sob Deng Xiaoping, a China passara apreconizar uma diplomacia aberta, livre de consideraes ideolgicas,e despolitizou, em conseqncia, seu trabalho diplomtico na frica.Em termos concretos, esforou-se por estabelecer relaes com ospases antes desprezados como pr-Moscou. Trs novos pasesreconheceram Pequim, num ambiente de favorecimento da cooperaoeconmica e do intercmbio comercial sobre questes de ordempoltica. Entre dezembro de 1982 e janeiro de 1983, o primeiro-ministro Zhao Ziyang efetuou um circuito de 29 dias por onze pasesafricanos, pondo nfase na cooperao econmica e tecnolgica. Napassagem pela Tanznia (13/01/83), Zhao afirmou que da em diantea China observaria, nos seus contatos com a frica, os princpios de:igualdade e vantagens recprocas; valorizao da eficcia; diversidadenas formas de cooperao e desenvolvimento em comum. Os interessesdos Estados em causa seriam o princpio e o fim do trabalho conjunto.3

    Embora a frica no seja a prioridade nmero um dadiplomacia da China, o continente africano exerceu desde o incioforte atrao sobre os governantes da RPC, como fonte de matrias-primas e mercado para exportaes, alm de arena de trabalho poltico.No plano internacional, a regra onusiana de um pas, um voto tornao conjunto dos africanos fora eleitoral nada desprezvel, e a Chinatem sabido cultivar pacientemente esse terreno, consciente do respaldoque lhe d a frica nas pelejas internacionais. Desde 1989, o Ministrochins do Exterior visita a frica no incio de cada ano. E as estatsticasdos anos 90 mostram que, nessa dcada, mais de dez dirigentes chineses

    3 cf. Zhang Hong-Ming, citado nota 1, pg. 256.

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    no nvel de vice-primeiro-ministro ou superior efetuaram cerca detrinta viagens frica. O presidente Jiang Zemin fez dois priplospelo continente e o primeiro-ministro Li Peng, trs. Em 1999, o aindavice-presidente Hu Jintao visitou quatro pases africanos. Zhu Rongji,por vrios anos o czar da economia chinesa, abriu novo setor detrabalho num circuito em 1995, quando acertou com governanteslocais novas formas de cooperao econmica sino-africana. Dois mesesaps a sua volta, Zhu organizou em Pequim uma ConfernciaNacional de Trabalho para a Reforma da Assistncia a PasesEstrangeiros, na qual foi decidida a abertura, na frica, de dez Centrospara Comrcio e Investimentos. Empresas chinesas estavam comeandoa instalar-se na frica e o Ministrio do Comrcio Exterior e daCooperao Econmica convocou, em 1997, uma conferncia nacionalpara acertar medidas de ajuda aos empresrios chineses. Um SeminrioSino-Africano de Funcionrios da Gesto Econmica passou a reunir-se duas vezes por ano. Foi em culminao de todo esse trabalho que,em outubro de 2000, reuniu-se em Pequim a primeira cpula do Focac.

    DUAS CONFERNCIAS EM CONFRONTO

    O fato de a cpula sino-africana de novembro de 2006 tersido o ponto de chegada de um longo e rotineiro trabalho diplomticoem nada empana seu impacto mundial. Pelo contrrio. O que precisoagora situ-la no contexto histrico, como o possvel ponto de partidade uma nova era para a frica. Essa expectativa ganha sentido quandose compara a Conferncia de Pequim com uma outra, realizada emBerlim em 1885. Cada um desses encontros teve o objetivo central deestabelecer mtodos e normas para o aproveitamento dos recursosnaturais do continente africano, num surto esperado de modernizaoeconmica. A grande diferena entre os dois momentos aparece quandose examina o contedo civilizacional da sociedade por nascer. Os neo-conservadores americanos erram quando vaticinam um choque

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    irrecorrvel entre a China em desenvolvimento e os EUA, mas elesno deixam de ter razo quando vem a China como o competidorestratgico dos EUA. Numa competio que no precisa degenerarem conflito armado, mas que tende a produzir sociedade bem diferenteda preparada na Conferncia de Berlim, da qual os EUA vieram a sera verso acabada.

    A Conferncia de Berlim (15/11/84-23/02/85)4 foi convocadapara regulamentar as condies mais favorveis ao desenvolvimentodo comrcio e da civilizao em certas regies da frica. Por trsdesse arrazoado estavam disputas muito reais em torno de colnias,nas quais se estavam empenhando a Inglaterra, a Frana, a Alemanhaem pleno repto ao hegemonismo ingls, a Espanha, Portugal e o Reidos Belgas. A Blgica era na poca um dos pilares da I RevoluoIndustrial, e Leopoldo II havia criado uma entidade semiprivada, aAssociao Internacional do Congo, com ambies territoriais ecomerciais na frica Equatorial, bem recobertas por um discursocivilizador e humanista, que impressionava, entre outros, os EUA.As pretenses da Associao Internacional chocavam-se com velhosinteresses de Portugal na embocadura do Rio Congo, e a Inglaterratomou o partido dos portugueses. Alemanha e Frana tomaramposio oposta e desse imbrglio nasceu a idia de uma confernciainternacional, da qual participaram os pases europeus, menos a Suae os Estados Balcnicos, e os EUA. A Ata de Berlim, assinada ao finalda conferncia, estabeleceu uma espcie de cdigo internacional paraa partilha da frica Negra. As regras do jogo apoiavam-se em doisprincpios fundamentais: (1) um Estado civilizado que ocupe pontona costa do continente tem direito ao interior; (2) somente a ocupaoefetiva garante esse direito. Para a implementao desses princpiosfirmou-se a teoria das esferas de influncia. A hinterlndia controlada

    4 Para o contexto histrico da Conferncia de Berlim e seus resultados, veja-se porexemplo: BAUMONT, Maurice Lessor Industriel Et lImprialism Colonial (1878-1904). Paris: Presses Universitaries de France, 1949, pp 97-103.

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    por potncia estabelecida na costa estendia-se at onde a ocupaoefetiva da mesma topasse com as fronteiras de uma zona de influnciavizinha ou de um Estado organizado.

    Os Estados civilizados de que falou a Ata de Berlim haviamdeixado de interessar-se pela mercadoria anteriormente buscada nafrica os escravos. Queriam agora matrias-primas para as indstriasque iam tomando impulso. E calorias para a fora de trabalho dooperariado industrial, dando origem a novos cultivos de oleaginosas,como o amendoim, que transformaram regies inteiras. A histria dafrica no sculo XX em grande parte a histria da luta pelo controledesses vrios insumos. A meio caminho, a Segunda Guerra Mundialalterou bastante o quadro poltico do continente. A ascenso de umanova potncia hegemnica e a contestao mesma, feita durante vriasdcadas, pelo campo comunista, abriram oportunidade para oaparecimento de nacionalismos africanos, que foram se erigindo emEstados. So hoje mais de cinqenta, surgidos ao sabor daspossibilidades, e tem-se mostrado impraticvel dar racionalidade sfronteiras entre eles. Todos tiveram de aceitar os fatos criados pelagrande partilha colonial; situao com que vai tendo igualmente detrabalhar a China.

    Ao pr em marcha o processo Focac, a China est tambmbuscando assegurar matrias-primas para seu prprio desenvolvimentoeconmico, como fizeram as potncias do Congresso de Berlim. Mas bem diferente a maneira de agir dos chineses. A China no integraalianas militares, no tem bases no estrangeiro e sua projeo militarno exterior, apenas incipiente, quase s em misses onusianas demanuteno da paz. Seus instrumentos de trabalho em relao fricaso a diplomacia, a ajuda tcnica e financeira e o comrcio. Diferenteoutrossim poder vir a ser a sociedade construda pelos chineses coma contribuio dos insumos africanos. possvel ver a China em plenaedificao de uma economia de dimenso continental, repetindo oprecedente histrico da continentalizao da economia dos EUA, na

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    segunda metade do sculo XIX. Se tudo correr bem para eles, oschineses podero dispor, dentro de vinte ou trinta anos, de um mercadonacional nico, solidamente montado sobre modernssimas malhasde transportes e telecomunicaes. As relaes polticas e econmicasglobais acusaro, certamente, o impacto do aparecimento desse plode atrao mundial, alternativo aos EUA, e a frica desfrutar deposio privilegiada por seu auxlio na obteno de tal resultado.

    Nas anlises ocidentais do trabalho da China na frica, reduzida a ateno dada ao movimento recproco das elites africanasinteressadas na cooperao com a China. Esse interesse bem real, noentanto. Desde os anos 60, governantes da primeira vaga deindependncias africanas e pioneiros dos movimentos de libertaona frica buscaram aprofundar contatos com o regime chins. SkouTour, Presidente da Guin, foi o primeiro Chefe de Estado africanoa visitar oficialmente a China, em setembro de 1960. Nos 40 anosseguintes, Chefes de Estado ou de Governo das cinco dezenas deEstados que foram surgindo na frica fizeram 200 vezes a mesmaviagem. Alguns lderes (Nyerere, Kaunda, Mobutu, Bongo, Krkoue Mugabe) repetiram-na vrias vezes. Acrescentem-se a isso centenasde visitas de ministros de governos africanos.

    O cientista poltico sul-africano Chris Alden tem um artigona Survival5, que trata bem do tema e no qual vou apoiar-me nosprximos quatro pargrafos. Os lderes africanos vm-se ressentindo,observa Alden, de uma crescente retrao das fontes de influnciapoltica, investimentos econmicos e ajuda ao desenvolvimento, quevinham tradicionalmente do Ocidente, ao mesmo tempo que seintensificam as tendncias dos velhos doadores bilaterais e multilateraisa interferirem nos assuntos domsticos africanos. Os governantesafricanos sentem-se compelidos a buscar novas fontes para aestabilidade dos seus regimes situao particularmente pronunciada

    5 Alden, Chris. China in Africa, in Survival. Londres: ISS, Automn 2005.

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    A POLTICA AFRICANA DA CHINA

    no caso dos governos cujas polticas tm resultado no empobrecimentoprogressivo dos seus pases, no aguamento de conflitos domsticos eem violaes dos direitos humanos, colocando-os diante da imposio,pelos ocidentais, de condicionamentos para a continuao de ajudas.O comportamento compreensivo da China a esses respeitos muitobem-vindo. Na reunio ministerial do Focac em Adis Abeba (2003), oprimeiro-ministro Wen Jiabao declarou que a assistncia e osinvestimentos chineses so dados com a mais profunda sinceridade esem condicionamentos polticos. Posio reiterada pelo presidenteHu Jintao, durante uma visita ao Gabo, em fevereiro de 2004.

    No de surpreender que a boa disposio chinesa tenhaecoado positivamente em pases como o Zimbbue, a RepblicaCentro-Africana ou o Sudo, s voltas, todos, com conflitos domsticosou problemas de direitos humanos. Na reunio do Focac em AdisAbeba, o presidente Robert Mugabe, do Zimbbue, movido pelainterveno de Wen Jiabao, causticou a unio sagrada anglo-sax contrao Zimbbue, contrastando-a com o caminho alternativo propostopela China, prenncio, na verdade, de um novo paradigma global.O extraordinrio crescimento econmico da China estimula governose homens de negcios africanos a desenvolverem laos efetivos com opas que muitos vem como uma prxima superpotncia. Os xitosda China, pas reduzido situao de pobreza pelo imperialismoocidental e que dela se livrou, superando at mesmo desastrosasexperincias socialistas, so de molde a entusiasmar elites africanas busca de modelos positivos de desenvolvimento.Tanto mais quantomostram-se os comunistas chineses aptos a se adequarem s injunesda economia de mercado global, sem porem em causa os interesses doregime vigente. Como acentua Chris Alden: Para lderes e regimesconfrontados com instabilidades domsticas; desgastes dareestruturao e liberalizao econmicas e presses por aberturademocrtica, a China mantm acesa a esperana de reformas que noponham a perder todos os ganhos acumulados no exerccio do poder.

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    Alden acautela, porm, contra concluir-se que a ao chinesana frica est concentrada em facilitar o crescimento das redes deinteresses das elites governamentais. Pequenos e mdios empresriosafricanos tm podido estabelecer lucrativos laos com redes de negcioschinesas e taiwanesas, fora dos canais governamentais. E h o turismo.Graas ao fortalecimento, na China, de uma classe mdia com poderaquisitivo, cresce o fluxo de turistas para pontos da frica. E o governode Pequim sabe usar a poltica dos destinos tursticos aprovadospara recompensar regimes amigos. A frica do Sul e o Zimbbue soexemplos de pases que receberam transfuses de receitas tursticas,em momentos de dificuldades do lado ocidental.

    Evidentemente, nem tudo so flores no relacionamento doslderes africanos com os seus pares chineses. Um dos pontos de tenso o comrcio. Indstrias como a txtil e as manufaturas de baixatecnologia vm sendo abaladas pelo fluxo de produtos baratos chineses,dando margem a frices nos encontros ministeriais. Redes de lojasretalhistas chinesas espalham-se pelo continente, aumentando odescontentamento de pequenos comerciantes. Outra fonte deressentimentos a prtica de empresas chinesas de trazerem seustrabalhadores para projetos contratados, o que j tem dado causa aprotestos, por vezes violentos, como foi o caso na Zmbia e no Lesoto.Chris Alden chama a ateno para a apreenso que estar causando naChina a evoluo recente da arquitetura jurdica da cooperaointerafricana. H um distanciamento do apoio incondicional aoprincpio da soberania ilimitada do Estado, tpico da velha Organizaoda Unidade Africana, em direo ao regime mais flexvel da UnioAfricana, que prev a possibilidade de interveno direta em Estado-membro, se determinada pelo Conselho de Paz e Segurana da novaentidade. Tambm o Nepad (sigla inglesa de New Economic Partnershipfor Africa) vai-se constituindo num mecanismo independente defiscalizao da adeso dos regimes africanos aos critrios da boagovernana. So passos no sentido da instituio de normas derivadas

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    A POLTICA AFRICANA DA CHINA

    de preocupaes ocidentais, passveis de alterar o apoio usual do blocoafricano, nas instncias multilaterais, s posies chinesas de defesaextremada da soberania nacional.

    A insistncia de Pequim em que a China no impecondicionamentos na cooperao com pases amigos deixa de funcionarquando aparece o problema de Taiwan. Os chineses invocam a, a seufavor, o princpio da no-interferncia nos assuntos internos doparceiro. Em 1997, Pequim cortou de chofre as relaes com o Chad,aps ter esse reconhecido Taip, em troca de um emprstimo de 125milhes de dlares. Reao mais paciente, que tornou evidente o valorsimblico da frica do Sul para a diplomacia chinesa, ocorrera em1994, quando Nelson Mandela tentou criar o fato consumado derelaes simultneas com Pequim e Taip. Aps meses de um trabalhode lenta persuaso e contra-propostas de ajuda desenvolvimentista,Pequim logrou obter de Pretria o abandono dessa experincia e orompimento com Taiwan. Em setembro de 2006, pde um jornal daZmbia (The Times) registrar o que ele mesmo chamou de primeirosinal de interferncia da China na vida poltica africana. Estava emcurso a campanha para a eleio de um novo presidente, e um doscandidatos vinha demonstrando inclinaes a trabalhar com o passoberano Taiwan. Segundo The Times e um outro jornal de Lusaka,o embaixador chins, Li Baodong, andou comentando em crculosempresariais que os investidores chineses teriam de reconsiderar seuinteresse pela Zmbia, se vencesse aquele candidato.6

    UMA NOVA POTNCIA AFRICANA

    Em maio de 1996, o ento secretrio-geral do PCC ePresidente da China, Jiang Zemin, em viagem pela frica, foi convidado

    6 Pequim deve ter influncia sobre eleio na Zmbia. So Paulo: Valor, 22/09/2006.

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    para falar perante a Organizao da Unidade Africana, em Adis Abeba.Em discurso intitulado Para uma Nova Ordem Monumental nosAnais da Amizade Sino-Africana, Jiang Zemin desenvolveu cincosugestes de ao para os dois lados, colocando num novo patamar deentendimento e de seriedade a cooperao da China com os pases dafrica. As sugestes de Jiang Zemin nada mais eram que a adequaos reformas econmicas do ps-maoismo, e ao trabalho com osafricanos, daqueles velhos cinco princpios para o relacionamento daChina com pases estrangeiros, formulados por Zhu En-lai em 1956.Sua reformulao, quarenta anos depois, no era simples retrica.Expressava, entre outras coisas, a preocupao do governo de Pequimcom a recente transformao da China num importador lquido depetrleo.7 Nas dcadas de 1970 e 1980, a China pde manter-se distanteda turbulncia que sacudia o sistema internacional do petrleo, dando-se ao luxo de fixar os preos domsticos do combustvel sem refernciaaos preos internacionais. Em 1993, depararam-se os chineses com ofim da auto-suficincia em petrleo e a necessidade de reorganizarrapidamente suas fontes de energia primria, se queria o pas continuarno caminho da modernizao. Duas linhas alternativas de trabalhocomearam a ser testadas: a expanso do uso do gs natural recorrendoa jazidas domsticas e s de pases vizinhos e o ingresso na corridamundial por suprimentos e reservas do ouro negro. Uma dasestratgias julgadas rentveis, a este ltimo respeito, era buscar pasesdotados de reservas petrolferas, mas nos quais tivessem as grandesfirmas petrolferas, na maioria americanas, dificuldade de trabalhar.Era uma combinao de fatores que se repetia em vrios pases dafrica.

    O primeiro contrato obtido pela China para levantarpetrleo no exterior foi com o Peru, em 1993. Outras investidas foram

    7 A dimenso petrolfera da poltica africana da China est muito bem tratada em:Lafargue, Franois La Chine, une puissance africaine, in Perspectives Chinoises.Hong Kong, Juillet 2005.

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    A POLTICA AFRICANA DA CHINA

    feitas na Amrica Latina, com xito especial junto Venezuela deChvez. Avanos foram tambm conseguidos na sia Central, comdestaque para o Ir, e entre os pases rabes do Oriente Prximo. Mas sobretudo na frica (Sudo, Angola, Arglia e outros) que as trsmaiores estatais chinesas do petrleo: CNPC (China NationalPetroleum Corporation); Cnooc (China National Offshore OilCorporation); e Sinopec (China Petroleum and Chemical Corporation)vm tendo xito. Dezenas de acordos de comrcio e investimentosforam assinados em funo do trabalho dessas companhias, e, em 2005,a China importou 38 milhes de toneladas de petrleo da frica;30% de todo o petrleo importado pelo pas. Particularmenteimportante tornou-se o Sudo, pas que investimentos chinesestransformaram de importador em exportador de petrleo. Asexportaes petrolferas do Sudo esto alcanando dois bilhes dedlares, metade delas destinadas China, onde representam 5% dopetrleo importado. Segundo relatos de imprensa, quatro mil guardaschineses no uniformizados protegem as instalaes petrolferassudanesas.

    A despreocupao dos chineses com a eventualidade de oparceiro africano figurar em listas negras dos EUA costuma aborrecerWashington, mas evidentemente alimenta as simpatias pela China entreos regimes africanos. A frica no tem sido uma prioridade diplomticapara os EUA. Somente quatro presidentes americanos estiveram emterras africanas, se se contar como visita o comparecimento deRoosevelt reunio, no Cairo, dos Quatro Grandes da SegundaGuerra Mundial. Nos ltimos anos, tem ocorrido uma busca pelacooperao de capitais africanas, mas essencialmente para a luta contrao terror; desenvolvimento que por outro lado faz crescerem asrestries aos vistos para estudantes, um setor tradicionalmentepropcio a germinar entusiasmo para com o modo de vida americano.A China responde s crticas que lhe so feitas nesse contextoenfatizando seu respeito soberania dos Estados e no-interferncia

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    AMAURY PORTO DE OLIVEIRA

    nos assuntos internos dos parceiros. No tocante ao problema especficode Darfur, a China d vigoroso apoio ao papel de liderana que cabe Unio Africana. Em respaldo aos esforos da UA na manuteno dapaz no continente, a China tem intensificado sua assistncia financeirae sua participao concreta nas operaes de preservao da paz. Nofinal de 2005, havia 843 militares chineses servindo em oito dessasoperaes, na frica. Em maro de 2005, a China fora um dosprimeiros pases a designar representante junto UA.

    O interesse da China na frica vai bem alm dos assuntospetrolferos. Em janeiro de 2006, o governo de Pequim deu a pblicoum Livro Branco8 sobre as relaes sino-africanas, notvel pelaabrangncia dos temas tratados e pela sofisticao demonstrada notipo de ajuda concreta prestada pelos chineses. A prtica antiga deconstruir estdios esportivos ou grandes edifcios pblicos est dandolugar a projetos de infraestrutura, que facilitam, depois, a atuao deempresas chinesas. Companhias privadas chinesas, sozinhas ou emparceria com grupos locais, esto construindo auto-estradas, oleodutos,estradas de ferro, hospitais e portos. Estima-se em 80 mil o nmerode tcnicos e trabalhadores chineses empenhados ativamente nessasobras, por todo o continente. Prtica que pode provocar protestosde sindicalistas, mas que representa uma forma concreta de assistnciatcnica e pe o assistente chins trabalhando lado a lado com o operriolocal, um fato novo na histria do contato da frica com o grandemundo.

    Situaes desse tipo explicam a crescente difuso do softpower chins, na frica.9 Comeam a surgir ali os InstitutosConfcio, de eficcia provada na sia como centros de estudoschineses e de ensino do idioma chins. Em 2004, 2.400 estudantesafricanos participaram de cursos diversos na China, sendo que 332

    8 http://www.fmprc.gov.cn/eng/zxxx/t230615.htm.9 Sobre o crescimento do soft power chins na frica e o comrcio de armamentos, cf.Eisenman, Joshua Chinas Africa Strategy, in Current History, May 2006.

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    A POLTICA AFRICANA DA CHINA

    matriculados em universidades. Amidam-se na China os seminriospara o treinamento de jornalistas africanos. Tambm programas detrs meses, em francs ou ingls, para aprimoramento de diplomatasda frica. E h exemplos de transferncia de tecnologia, como a ajudaque esto dando Nigria cientistas chineses, num projeto delanamento de satlite espacial.

    Num outro plano, consolida-se a cooperao militar, e africa cresce como mercado para armamento de fabricao chinesa.Entre 1996 e 2003, somente a Rssia vendeu mais armas a pasesafricanos. A cooperao militar tem sido particularmente intensa como Zimbbue, o Sudo e a Etipia. Em abril de 2005, seis avies a jatopara operaes militares de baixa intensidade foram fornecidos aoZimbbue, que no ano anterior havia comprado l2 caas e l00 veculosmilitares. Tanques, caas, bombardeiros, helicpteros, etc., tm sidocedidos ao Sudo.

    A sede da China por todo tipo de recursos que alimentemseu acelerado crescimento reflete-se na variedade de suas importaesdo continente africano. Algodo bruto da frica do Oeste; cobre ecobalto da Repblica Democrtica do Congo; minrio de ferro eplatina da Zmbia e madeira do Gabo. No sentido inverso,manufaturas e vesturio de baixa tecnologia, da China, invadem ascidades africanas. Um ministro da Etipia ressaltou, recentemente,que 90% das mercadorias venda no maior mercado de Adis Abebaprocedem da China. Em 1955, o ano anterior ao citado discurso deJiang Zemin, o comrcio total China-frica tinha sido de trs bilhesde dlares. Em 2005, chegou a quase 40 bilhes e a expectativa quetenha alcanado a marca dos 50 bilhes de dlares em 2006. Paraconseguir esses resultados, a China oferece aos parceiros africanoscrditos a longo prazo e juros baixos, e concede tarifa zero para 190tipos de produtos oriundos de pases africanos que mantenham relaesdiplomticas com Pequim. s vsperas da cpula de novembro de2006, o primeiro-ministro Wen Jiabao anunciou que iam ser estudados,

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    AMAURY PORTO DE OLIVEIRA

    na reunio, mecanismos de proteo das indstrias africanas e dosempregos, diante do crescimento das importaes provenientes daChina.

    Para encerrar esta resenha dos dez intensos anos derelacionamento sino-africano, entre o discurso de Jiang Zemin emAdis Abeba e a segunda cpula Focac, cumpre ainda falar dosinvestimentos chineses. Nos dez anos anteriores ao discurso, a Chinainvestira apenas 20 milhes de dlares na frica. J em 2004, dos 15bilhes de dlares investidos naquele continente, 900 milhes vieramda China. As linhas de crdito abertas pela China funcionam muitasvezes como um bilhete de acesso s riquezas naturais. Assim foi naNigria, onde a promessa de quatro bilhes de dlares a sereminvestidos em refinarias, centrais eltricas e agricultura foi a chavepara a obteno de direitos para a explorao de petrleo. Mas nofaltam casos em que no h produtos naturais envolvidos. A Huawei,firma do setor das telecomunicaes, ganhou contratos no valor de400 milhes de dlares, para instalar redes de telefonia mvel noQunia, Zimbbue e Nigria. Em 2006, dados chineses diziam estar aChina empenhada em 450 projetos de investimentos na frica, dosquais somente 28% no setor de minerao e petrleo. Nesta faixa,alis, tinham os chineses arrebatado o valioso contrato para a exploraoda mina de ferro de Belinga, no norte do Gabo, pelo qual muitolutara a Vale do Rio Doce.

    O Banco Mundial divulgou recentemente um estudointitulado A Estrada de Seda da frica, no qual se adianta j haveremos investimentos chineses atingido 10% de todos os investimentosdiretos estrangeiros no continente africano. O estudo afirma estaremos pases da frica retirando benefcios de tais investimentos; benefciosque tendero a crescer com o aumento previsvel da transferncia detecnologias. A cpula de novembro de 2006 parece ter confirmadoessas boas perspectivas. O presidente Hu Jintao prometeu crditos eemprstimos de longo prazo aos pases africanos, no valor de cinco

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    A POLTICA AFRICANA DA CHINA

    bilhes de dlares, e afirmou que at 2009 a China dobrar sua ajuda frica. A reunio produziu um plano de ao, com pormenoressobre a cooperao poltica e no setor social que se pretende levaradiante. A China assumiu o compromisso de formar 15 milprofissionais africanos, isentar de tarifas uma nova leva de importaesda frica, e estabelecer at cinco zonas de livre comrcio. margemda conferncia, empresas chinesas assinaram acordos com onze pasesafricanos, prevendo investimentos de US$ 1.9 bilho em setores comotelecomunicaes e equipamentos tecnolgicos; infraestrutura;matrias-primas; bancrios e de seguros.

    O senhor Gobind Nankani, vice-presidente do BancoMundial para a Regio Africana e que esteve ligado elaborao doestudo acima citado, participou como observador da Cpula dePequim. Em entrevista agncia chinesa Xinhua10, ele fez um balanomuito positivo do estado das relaes entre a China e a frica. Oimpacto do comrcio sino-africano e dos investimentos chineses comeaapenas a se fazer sentir no mundo, acentuou Nankani. E a China, queh 20 ou 30 anos se beneficia de investimentos diretos estrangeirosmacios, tem agora a oportunidade de estender seus ganhos frica.Um relacionamento de novo tipo est em via de nascer e a Chinacomear a ser vista como uma nova potncia africana.

    Para no deixar diminuir o mpeto gerado pela Cpula dePequim, o presidente Hu Jintao j voltou frica, menos de um anoaps seu ltimo circuito por aquele continente. Na virada de janeiropara fevereiro ele visitou oito pases africanos, levando consigo a decisodo seu governo de conceder os mesmos trs bilhes de dlares decrditos especiais. Segundo a agncia chinesa de notcias Xinhua, aChina terminara 2006 com um dficit comercial de US$ 2.1 bilhescom a frica. No centro desse priplo de Hu Jintao esteve a escala no

    10 A entrevista de Gobind Nankani e farto material jornalstico sobre a cpula doFOCAC e o estudo do Banco Mundial podero ser acessados em www.chinaview.cn

  • Sudo, na qual disseram os jornais que ele instou com o presidenteOmar Hassan al-Bashir pela necessidade de boa e rpida soluo parao problema de Darfur. Hu anunciou uma ajuda humanitria da China,no valor de 48 milhes de dlares, especificamente para essa provnciasudanesa. Alm disso, Hu ofereceu ao Sudo um emprstimo de 12milhes de dlares, sem juros, e perdoou dvidas de 70 milhes. Ocomrcio bilateral China-Sudo superou, em 2006, a casa dos trsbilhes de dlares.

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    AMAURY PORTO DE OLIVEIRA

  • II.

    UNIO AFRICANA:POSSIBILIDADES E DESAFIOS

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    Cludio Oliveira Ribeiro

    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    INTRODUO

    Este trabalho procura analisar a constituio e evoluo daUnio Africana (UA) a partir da experincia de duas instituies quemarcaram a histria recente do continente africano: a Conferncia deBandung e a Organizao da Unidade Africana (OUA). A tese central a de que, a despeito do trmino da Guerra Fria e da reorganizaodos espaos numa perspectiva regionalista, a UA ser incapaz defavorecer a integrao do continente africano caso no assegure aviabilidade de arranjos institucionais capazes de suprir as necessidadese urgncias vivenciadas no continente africano; especialmente aconsolidao da democracia e a promoo do desenvolvimento. Duasdimenses diretamente relacionadas estabilidade poltica e segurana.

    Estruturalmente, o texto divide-se em quatro partes: as duasprimeiras apresentam uma breve caracterizao das condies polticase econmicas do continente africano, apontando questes consideradascomo relevantes para a anlise do projeto de integrao regionalensejado pela UA. A terceira parte debate as dificuldades epossibilidades vivenciadas pela UA. A ltima procura sintetizar osargumentos apresentados no decorrer do trabalho.

    FRICA: OS CUSTOS DA TRANSIO

    Seria incorreto discutir a UA sem referir-se a duas instituiesque marcaram a trajetria do continente africano na segunda metadedo sculo XX: a Conferncia de Bandung e a Organizao da Unidade

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    Africana (OUA). Estas instituies marcaram a trajetria dos Estadosafricanos e delinearam as formas atravs das quais podemos considerare avaliar a evoluo tanto dos acordos quanto das organizaesregionais que vm sendo promovidos no continente. Desse modo,servem de guia para avaliao os meios de consecuo de projetosintergovernamentais no continente africano.

    No caso da primeira, importante frisar seu contexto. Almdas motivaes polticas internas, a luta pelo processo de descolonizaofoi fortemente apoiada pela realizao de fruns internacionais paratratar da temtica. Em janeiro de 1949, realiza-se, em Nova Delhi,uma conferncia para debater conflitos entre Holanda e Indonsia.Contando com a participao de representantes da Etipia e do Egito,nesta reunio, alm da recomendao da adoo de medidas coletivascontra os Pases Baixos, decidido estabelecer a coordenao da aodos pases afro-asiticos na ONU, criando um bloco composto por:Afeganisto, Arbia Saudita, Birmnia, Egito, ndia, Indonsia, Iraque,Ir, Lbano, Paquisto, Sria, Yemen, Etipia e Libria.

    Entre abril de 1954 e abril de 1955, so realizados mais doisencontros internacionais para debater assuntos relativos ao processode descolonizao. O primeiro, em Colombo, contando com apresena da Birmnia, Ceilo, ndia, Indonsia e Paquisto. Ao final,os pases participantes publicaram um comunicado conjunto, frisando,entre outros aspectos, o desejo de convocar uma conferncia de naesafro-asiticas. Em dezembro desse mesmo ano, os pases patrocinadoresreuniram-se em Bogor, Indonsia, e decidem promover a Confernciade Bandung.1

    A Conferncia de Bandung tornou-se um marco para oprocesso de descolonizao. Por iniciativa da Birmnia, Ceilo, ndia,

    1 A Conferncia contou com a participao dos seguintes pases: Afeganisto, Birmnia,Camboja, Ceilo, China, Egito, Etipia, Costa do Ouro, ndia, Indonsia, Ir, Iraque,Japo, Jordnia, Laos, Lbano, Libria, Lbia, Nepal, Paquisto, Filipinas, Arbia Saudita,Sudo, Sria, Tailndia, Turquia, Vietnam do Sul e Yemen.

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    Indonsia e Paquisto, a Conferncia foi realizada em 18 de abril de1955, com a participao de 29 Estados e 36 convidados. Nas palavrasde Rodrigues, Bandung foi realmente a primeira conferncia afro-asitica, reunindo 29 pases e 36 convidados, e teve significao histricato grande quanto a das Naes Unidas, em So Francisco. Representouquase 60% da populao mundial, tendo-se evitado a assistncia dosEstados Unidos e da Unio Sovitica, das duas Corias, da Monglia,de Israel e da Unio Sul-Africana. (RODRIGUES: 1961, p. 326).

    Com efeito, ela sinalizou interesse de seus membros emparticipar de forma ativa e propositiva no sistema internacional,recusando o alinhamento prvio aos blocos existentes, ao mesmo tempoque conferiu apoio aos territrios afro-asiticos em processo dedescolonizao. Conforme Menezes (1956, p. 288), a longo e mdioprazos, os principais resultados alcanados pela Conferncia foramque:

    a) trouxe Pequim, de certo modo, ao convvio internacional;

    permitiu-lhe ganhar face e dar o primeiro passo para os

    subseqentes entendimentos com os Estados Unidos e que

    resultaram pelo menos na liberao dos prisioneiros americanos;

    b) deu cunho oficial poltica de ajuda mtua rabe-oriental,

    iniciada em 1950 na Reunio da Assemblia da ONU, em Paris;

    c) marcou a nascena de um sistema regional que provavelmente

    vir pesar tanto ou mais na ONU que os blocos latino-americano

    ou europeu;

    d) deu maior coragem aos pases sio-africanos para persistirem

    em suas reivindicaes anticolonialistas;

    e) mostrou aos Estados Unidos e Rssia que eles, se bem que no

    tendo potencial militar, formam uma fora internacional a ser

    computada em qualquer estratgia mundial;

    f) fez com que os Estados Unidos tendessem a depreciar menos e

    a olhar com menos desconfiana a poltica do bloco neutralista

    asitico.

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    Sob a denominao de naes terceiro-mundistas, almda defesa do pr inc p io de no-a l inhamento e deautodeterminao, este grupo passa a declarar-se contrrio segregao racial e prope a reduo dos arsenais nucleares e oestabelecimento de formas pacficas de resoluo dos conflitosinternacionais.

    Os princpios defendidos na reunio de Bandung soratificados em 1956 pelo presidente da Iugoslvia, Josip BrozTito, pelo ministro indiano, Jawaharlal Nehru, e o presidenteegpicio, Gamal Abdel Nasser, durante encontro realizado emBrioni, Iugoslvia. Neste evento, a reiterao das propostas deBandung produz efeitos mais significativos para o processo dedescolonizao. Na ONU, este grupo de pases torna-se maioriae passa a contrabalanar a hegemonia EUA-URSS (grfico 1).Como avalia Pinheiro (1988, pp. 68-69):

    A partir de ento as grandes potncias ocidentais e a Unio

    Sovitica perceberam o peso do bloco afro-asitico no equilbrio

    de poder mundial, donde seu direito de desempenhar um papel

    ativo no debate internacional. Acrescente-se o fato de, nesta

    reunio, haverem sido lanadas as bases do movimento

    neutral ista, opo polt ico- ideolgica de insero na

    comunidade internacional , at ento cristal izada na

    bipolaridade. [...] neste sentido que a Conferncia de

    Bandung, muito embora projetada desde 1954 e realizada em

    1955, guarda importncia numa anlise da poltica brasileira

    frente a descolonizao africana, no que ela provavelmente haja

    influenciado a ao diplomtica dos anos posteriores. Sero

    seus possveis reflexos na poltica externa do governo Juscelino

    Kubitschek que indicaro se e at que ponto o divisor de guas

    do movimento de libertao afro-asitico o foi tambm para o

    Brasil no sentido de uma nova poltica frente descolonizao.

  • 39

    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    Os efeitos mais significativos da atuao dos pases terceiro-mundistas na ONU so sentidos em 14 de dezembro de 1960. Nestadata aprovada, por Resoluo da XV Assemblia Geral da ONU, aDeclarao de Garantia de Independncia dos Pases Coloniais,reafirmando o princpio de autodeterminao dos povos. Contandocom o apoio do Brasil, o documento, considerado como textoinstitucional da descolonizao, declarava:

    1) A situao dos povos a uma subjugao, a uma dominao e a

    uma explorao estrangeira constitui uma negao dos direitos

    fundamentais do homem, contrrios Carta das Naes Unidas e

    comprometedores da causa da paz e da cooperao mundiais.

    2) Todos os povos tm direito livre-determinao; em virtude

    deste direito eles determinam livremente seu estatuto poltico e

    buscam livremente seu desenvolvimento econmico, social e

    cultural.

    Grfico 1 - Membros das Naes Unidas por regio geogrfica, 1945-1988

    Fonte: TILLY (1996. p. 282).

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    3) A falta de preparao no domnio poltico, econmico ou social

    ou no campo da educao no devem jamais servir de pretexto para

    o retardamento da independncia.

    4) Ser posto fim a toda ao armada e a todas as medidas de

    represso, de qualquer tipo que sejam, dirigidas contra os povos

    dependentes, para permitir a estes povos exercerem pacfica e

    livremente seu direito independncia completa, e a integridade de

    seu territrio nacional ser respeitada.

    5) Sero tomadas medidas imediatas nos territrios sob tutela, os

    territrios no-autnomos e todos os outros territrios que ainda

    no atingiram a independncia, pela transferncia de todo poder

    aos povos desses territrios, sem nenhuma condio nem reserva,

    conforme a sua vontade e seus votos livremente expressos, sem

    nenhuma distino de raa, de crena ou de cor, a fim de permitir-

    lhes gozar uma independncia ou uma liberdade completas.

    6) Toda tentativa visando destruir total ou parcialmente a unidade

    nacional e a integridade territorial de um pas incompatvel com

    as finalidades e os princpios da Carta das Naes Unidas.

    7) Todos os Estados devem observar fiel e estritamente as

    disposies da Carta das Naes Unidas, a Declarao Universal

    dos Direitos do Homem e a presente Declarao sobre a base da

    igualdade, da no-ingerncia nos assuntos internos dos Estados e do

    respeito aos direitos soberanos e integridade territorial de todos

    os povos. (ONU, Resoluo 1.514, de 14/12/1960).

    A aprovao da Declarao de Garantia de Independnciados Pases Coloniais sinalizava a dimenso crescente que o processode descolonizao alcanava no contexto internacional. A posiobrasileira perante a Resoluo da XV Assemblia Geral da ONUdenotava, igualmente, a importncia e a consistncia que esta temticaadquiria no pas ao final dos anos 50. Pode-se mesmo considerar queela veio coroar um perodo de efervescente atividade poltica no

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    continente africano, sinalizando promessas de dias e melhores chancesde se provar ao mundo a capacidade africana de autodeterminao.

    O clima de euforia deu condies aos novos Estados africanosde pensarem na promoo de instituies capazes de possibilitar odesenvolvimento econmico, promover a modernizao e assegurar aliberdade poltica em meio ao exacerbado sentimento nacionalista quecompe o mosaico tnico africano. E assim surgiu a OUA. Criada emsintonia com o processo de descolonizao africano, a OUA teve suafundao registrada em 25 de maio de 1963, em Adis Abeba. Entreseus objetivos foram estabelecidos:

    - Promover a unidade e solidariedade entre os estados africanos;

    - Coordenar e intensificar a cooperao entre os estados africa-

    nos, no sentido de atingir uma vida melhor para os povos de

    frica;

    - Defender a soberania, integridade territorial e independncia

    dos estados africanos;

    - Erradicar todas as formas de colonialismo da frica;

    - Promover a cooperao internacional, respeitando a Carta das

    Naes Unidas e a Declarao Universal dos Direitos Humanos;

    - Coordenar e harmonizar as polticas dos estados membros nas

    esferas poltica, diplomtica, econmica, educacional, cultural,

    da sade, bem-estar, cincia, tcnica e de defesa. (OUA, 1963).

    Com objetivos to amplos e demandas no menos aflitivas,a OUA registrou uma srie de dificuldades desde seu surgimento.Uma das principais, sem dvida, era responder ao desafio da questotnica. E a carta da OUA tratou tal dificuldade garantindo a unidadedo Estado dentro das fronteiras coloniais, procurando assegurar aformao de naes fora dos distintos grupos religiosos, lingsticos eculturais. Estratgia assumida pelo grupo de Monrovia, representadopelos presidentes da Costa do Marfim, Flix Houphout Boigny, edo Senegal, Lopold Sdar Senghor.

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    Noutra direo, o lder de Gana e principal representantedo Grupo de Casablanca, Kwame Nkrumah, no hesitou emdefender a tese de que a OUA poderia vir a favorecer uma integraoafricana capaz de ser gerida por um nico governo. A tese de Nkrumahera bastante clara: a conquista da independncia por parte dos Estadosafricanos parecia se realizar via um neocolonialismo uma nova formade dominao que no se limitava expropriao tcita da economia eriquezas africanas, mas da prpria estrutura de poder poltico de seusEstados e territrios, que tinham sua poltica dirigida do exterior. Aconsolidao das independncias a compasso com a luta contra todasas formas de neocolonialismo incidentes no continente, portanto, straria efeitos positivos se fossem vistos e combatidos como movimentospan-africanos, com uma frica unida. (NKRUMAH, 1963).

    A, na verdade, [dizia Nkrumah] esto as engrenagens reais do

    neocolonialismo. A, na verdade, esto as ramificaes econmicas

    dos monoplios e grupos de empresas. Seus Imprios financeiros e

    econmicos so pan-africanos e s podem ser enfrentados em base

    pan-africana. S uma frica unida, atravs de um Governo de uma

    Unio Africana poder derrot-los. (NKRUMAH, 1967, p. 41).

    No por acaso, desde sua fundao at a criao da UA, aOUA permaneceu inalterada em sua estrutura. Seus objetivosdeclarados no sofreram igualmente alteraes substantivas, sendoreiterados atravs de sua existncia a constante defesa da soberania,da integridade territorial, da independncia dos Estados africanos eo princpio de no-interferncia nos assuntos internos dos pases. Atese de Nkrumah, contudo, foi veementemente marginalizada, parano dizer expurgada, dos debates que cercaram a existncia daInstituio. A renncia tese de uma integrao supranacionalpareceu ser to lmpida e correta que seu debate jamais ganhou forae densidade.

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    Assim, entre o processo de descolonizao e a instauraoda OUA, os Estados africanos no lograram consolidar uma dimensosatisfatria do ponto de vista institucional. Em boa medida porque:

    Quando os europeus desmontaram o seu prprio aparelho governa-

    mental, as foras armadas, as igrejas e as corporaes ocidentais eram

    muitas vezes as organizaes mais eficientes que operavam no terri-

    trio do Estado. Alm disso, as foras armadas possuam algumas

    caractersticas distintivas: seus postos de comando eram preenchidos

    rapidamente com os mesmos homens que ocupavam antes posies

    subordinadas nos exrcitos coloniais. Muitas vezes dando continui-

    dade a um padro de recrutamento institudo pelas potncias coloni-

    ais, recorriam a uma populao lingstica, religiosa e/ou regional e,

    portanto, tornavam-se o instrumento ou local de intensas rivalidades

    tnicas. [...]

    Salvo naqueles locais em que eram mantidos sob controle por lderes

    nacionais carismticos, os exrcitos do Terceiro Mundo comumente

    se opuseram ao domnio civil. Os oficiais superiores freqentemente

    sentiam, e diziam, que sabiam muito melhor do que os meros polti-

    cos o que o destino do pas precisava, e como manter a ordem a fim de

    cumprir esse destino. (TILLY, 1996, p. 283).

    Ademais, para alm do modelo de administrao, a adoodo princpio de integridade territorial (uti possidetis juris) adotadopela OUA implicou que os Estados surgidos do processo dedescolonizao herdassem, quase sempre, os limites territoriais doperodo colonial. (BOUTROS-GHALI, 1969, p. 47). Assim, a garantiade imutabilidade das fronteiras resultou, e ainda implica, em gravesproblemas de legitimidade e estabilidade. Foucher (1991) chama aateno para o fato de que, entre 1960 e 1985, apenas 13% dos traadoscoloniais chegaram a ser debatidos pelos Estados que se tornaramindependentes. Segundo o autor:

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    Os acordos ps-coloniais so muito pouco numerosos. Da decorre

    que essas fronteiras permanecerem, na grande maioria (87%) herda-

    das e, nesse sentido, so ainda poucos africanas: essa propriedade

    no designa apenas os traados geogrficos ou a sua origem, mas

    tambm o seu estatuto. por isso que a frmula fronteiras herda-

    das da colonizao no remete apenas a um fato histrico evidente

    ou a uma constatao estabelecida com fins mais ou menos crticos

    ou explicativos, mas tambm e sobretudo a um princpio de legiti-

    midade. (FOUCHER, 1991, p. 167).

    O desfecho desta situao bem sabido: as lutas porlibertao e a conquista das independncias ocorridas entre as dcadasde 1960 e 1970 no lograram pr fim maior parte dos conflitosvivenciados no continente africano. Parafraseando Bahia, pode-seconsiderar que a revoluo africana seguiu uma trajetria marcadapela breve euforia aps a independncia, instaurao de partido nicoou tomada de poder pelos militares, forte estatizao da economia eampla esperana de democratizao; em muitos casos, seguidas de umarestaurao autoritria sobre um fundo de crise de identidade e deviolncia. (BAHIA, 2002, p. 116).

    Os Estados, em comparao ao perodo colonial, tornaram-se impressionantemente to numerosos quanto frgeis, para usar umaexpresso de Fukuyama (2005). Estruturados, em sua maioria, a partirde elites tnicas, estes Estados no geraram instituies nacionaiscapazes de assegurar a aplicao e o cumprimento de leis e contratos.A natureza do pacto social, expresso pela ordem constitucional e seusprocessos, no resultou em nveis de coeso social capazes de garantira paz em tempos de crise.

    Em muitos pases africanos embora no em todos o pacto social

    ps-colonial e seus valores, identidades e interesses fundamentais

    no refletiram a aspirao coletiva. Da mesma maneira, culturas

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    cvicas e tradies que emanavam de contextos institucionais locais

    obrigaram os excludos a olharem alm do estado e para fora da

    nao em busca de identidades, valores e interesses alternativos.

    (GROVOGUI, 2004, p. 141).

    A prevalncia do sistema unipartidrio, sob qualquer formae intento, fez proliferar o modelo de Estado de partido nico comofundamento de unidade e bem-estar social geral, frustrando asexpectativas criadas ao longo da descolonizao, acarretando umprocesso desenfreado de crises e desacertos. (SYLLA, 1977). Sua adooacarretou patrimonialismo, nepotismo, tribalismo e corrupogeneralizada, minando o otimismo da era da independncia,propiciando intervenes militares cujos registros, com poucasexcees, tm sido muito piores do que aqueles dos regimes que elessubstituram. (GROVOGUI, 2004, p. 125).

    Conseqentemente, os Estados africanos foram pouco,para no dizer quase nada atrativos aos investimentos externos.Em boa medida porque: os novos Estados independentestentavam controlar economicamente as riquezas de seu solo esubsolo, a inda dominadas pelos trustes ; e a pol t ica denacionalizao, ento implantada, multiplicou os conflitos que,indiretamente, abalaram a economia mundial por exemplo,durante a crise do petrleo de 1973. (FERRO, 1996, p. 394).Com efeito, as crises econmicas internacionais, como a que seregistra na dcada de 1980, so particularmente profundas nocontinente, levando os mercados africanos a se tornarem cadavez mais reduzidos. Com a elevao das taxas de juros (de cercade 3 a 4% em 1973, para 22 a 23% nos anos 80) decai ainda mais ointeresse de investidores pelo continente.

    Neste perodo, os Estados africanos sofrem intensamentecom os efeitos da dvida externa, a insuficincia de recursos para odesenvolvimento e os rigorosos programas de ajuste estrutural

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    coordenados pelo FMI e pelo Banco Mundial, reduzindodrasticamente a capacidade de estas melhorarem substancialmenteos nveis socioeconmicos das populaes. Como mostra o ltimoInforme da ONU acerca dos Objetivos do Milnio (FAO, 2006),no comeo da dcada de 1990, 44,6% da populao da fricasubsaariana contava com menos de US$ 1 por dia para se manter.Passada mais de uma dcada, esta cifra praticamente no se alterou,registrando-se que 44,0% da populao mantm-se no mesmopatamar socioeconmico.

    O deteriorar da situao econmica tem contribudo parao aumento do fluxo de refugiados e migrantes, agravando ascondies de higiene, segurana e habitao. Neste ambiente, ocontinente africano transformou-se em palco para o crescimentodesenfreado de uma srie de doenas, ainda que muitas delastotalmente passveis de controle (como poliomielite, sarampo,dengue, etc.), logrem ser capazes de fazer milhes de vtimas a cadaano. No caso da epidemia de Aids, em particular, a situao aparecede forma mais assustadora, chegando a ponto de afetar asperspectivas demogrficas a longo prazo em vrios pases (FAO,2006).

    OPES POLTICAS, RESULTADOS ECONMICOS

    certo que os benefcios da globalizao no souniformes em todas as regies e pases. Devido s tendnciassubjacentes do crescimento e presena de Estados frgeis, a fricacompreende uma regio com alta possibilidade de ser deixada paratrs no confronto com o que alguns autores denominam deparadigmas da III Revoluo Industrial (MOURO, 1997).Contudo, tambm a frica que pode vir a obter as vantagensmais expressivas da integrao ensejada pelos processos deglobalizao e regionalizao. O continente pode aproveitar, por

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    um lado, a brecha existente entre a tecnologia e as diferenas salariaiscomo uma vantagem para impulsionar um nvel mais elevado decrescimento sustentvel; e, por outro, as demandas polticas e sociaiscomuns para institucionalizao de mecanismos favorveis integrao continental.

    No entanto, no possvel deixar de negar que se tornoumotivo de inquietude a possibilidade de as foras poderosas daeconomia internacional promoverem o aumento da desigualdadeem muitas economias nacionais, em especial naquelas localizadasna frica subsaariana. Embora seja provvel que uma grande partedo mundo em desenvolvimento ingresse no que o Global EconomicProspects 2007 denominou de uma classe mdia mundial, algunsgrupos sociais podem ser relegados ou mesmo marginalizadosdurante o processo de crescimento. Os trabalhadores noqualificados sero, possivelmente, os mais negativamente afetados,pois o processo tecnolgico, ao gerar uma demanda por maiorqualificao, tende a alargar a ruptura entre o salrio dostrabalhadores qualificados e aqueles que no o so. As tendnciasdemogrficas tm igualmente importncia nos aspectos queinfluenciam as taxas da dependncia social (proporo dostrabalhadores em relao aos jovens e aos aposentados) e o nvel deinstruo alcanado.

    De modo geral, no h como atestar que o comrcio porsi s seja capaz de gerar de maneira sistemtica e direta umaampliao da brecha salarial nos pases. No obstante, se combinadaa mudana tecnolgica e, em menor medida, o investimento externo,tais foras relacionadas globalizao podem causar umadesigualdade maior em muitos pases. Frente a este quadro,depreende-se que a regio da frica subsaariana ter que fazer umesforo importante, e com a sustentao da comunidadeinternacional, para que no seja deixada para trs nas prximasdcadas (como demonstra o grfico 2).

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    Atualmente, a metade do dcimo mais pobre dapopulao mundial vive na sia. Mantidas as atuais condies,o World Bank estima que em 2030 esta proporo tenha sidoreduzida para um quinto nesta regio. J na frica, no entanto,as projees indicam que na mesma poca ela concentre a teraparte dos povos mais pobres, duplicando a proporo queregistra atualmente. indiscutvel que esta regio detenha opotencial necessrio para promover um crescimento maisacelerado. Contudo, primordial que os conflitos civis cessem,poi s e l e s t m t ido a capac idade negat iva de l imi tar odesenvolv imento em d iver sa s r eg ie s do cont inente ,particularmente na regio da frica subsaariana. Para tanto,faz-se necessrio promover reformas polticas que garantam apaz e assegurem a estabilidade necessria aos investimentos.Cumpridas tais exigncias, o World Bank prev que o nvel decrescimento na frica poderia ser duplicado (como descreve ogrfico 3).

    Grfico 2 - Africa risks falling behind,as average incomes are unlikely to converge

    Fonte: www.worldbank.org/gep2007

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    Por esta perspectiva, no h como negar que a existncia depotenciais a serem explorados com a expanso do comrcio nocontinente africano, como, por exemplo, a possvel triangulao [...]envolvendo os espaos regionais do Mercado Comum do Sul(Mercosul), da Southern Africa Development Community (SADC) eda Unio Europia (UE), centradas em torno de interesses reais ecomplementares dos trs potenciais parceiros regionais. (MOURO,1997, p. 94 ). At mesmo por pases de menor porte, como ilustraBhagwati (2004, p. 70), podem vir a se beneficiar, pois:

    Os economistas hoje tambm reconhecem que existemeconomias de escala passveis de serem exploradas quando o comrcioexpande mercados. Por essa razo, a Tanznia, Uganda e o Qunia, quehaviam se protegido com altas tarifas contra a importao nos anos 60,concluram ser alto demais o custo dessa proteo, com cada um dessespases produzindo poucas unidades de vrios produtos. Por issodecidiram, nos anos 70, estabelecer um Mercado Comum do Leste dafrica de modo a poderem se especializar entre si para que cada umproduzisse com custo menor para um mercado conjunto maior.

    Grfico 3 - More acceleration is possible

    Fonte: www.worldbank.org/gep2007

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    Ao voltar suas economias para fora, os pases africanos tmcomo explorar e se beneficiar do crescimento e de elevada demandasproduzidas pelas economias emergentes, particularmente pela China,ndia e mesmo pelo Brasil, que oferecem grandes oportunidades parao aumento de suas exportaes. No caso da China e ndia, o aumentode suas exportaes tem incrementado a demanda por insumos, comoenergia, tecnologia e bens de capital, acelerando e afetando diretamenteo crescimento das exportaes provenientes do continente africano emesmo da Amrica Latina nos ltimos anos (grfico 4).

    Em relao ao Brasil, uma anlise do intercmbio comercialao longo dos ltimos 20 anos (grfico 5) com o continente africanodemonstra que ele tem se intensificado, sendo que, nos ltimos 5 anos,o destaque deve-se s relaes comerciais com Angola, Nigria e fricado Sul. Juntos, estes pases representam em mdia 48% do total dasexportaes brasileiras para aquele continente e 53% das importaesafricanas para o Brasil.

    Grfico 4 - Chinas non-oil imports from all developingcountries have surged over the last two decades

    Fonte: www.worldbank.org/gep2007

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    Um recorte dos ltimos 3 anos nestas relaes comerciaispossibilita perceber uma continuidade no saldo positivo das relaescomerciais brasileiras com Angola (+1.1 bilho US$) e frica do Sul(+2.3 bilho US$); porm no com a Nigria (-3.1 bilhes US$). Chamaateno o saldo positivo da balana comercial brasileira com Angolaneste perodo (+1.1 bilho US$), que alcanou 42% do valor relativoaos ltimos 20 anos. Fato semelhante, porm em intensidade bem menor(22%) advm da frica do Sul, o que sugere um efetivo crescimento dasexportaes com tais pases. Uma primeira caracterizao dos produtosexportados pelo Brasil para estes pases pode ser observada na Tabela 1.

    Grfico 5 - Brasil: Evoluo do comrcio internacional como continente africano (perodo 1985 a 2005)

    Fonte: elaborado a partir de dados do MDIC. www.mdic.gov.br

    Tabela 1 - Exportaes brasileiras para Angola, frica do Sul e Nigria porfatores agregados (1984-2005)

    Fonte: elaborado a partir de dados do MDIC. www.mdic.gov.br

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    Mais do que a representao de resultados econmicos, oconjunto de dados expressos reflete a dimenso de opes polticas.Assim como ocorreu com o Brasil entre as dcadas de 1980 e 1990,um crescente nmero de Estados africanos, a exemplo de frica doSul e Angola, tem registrado profundas transformaes em suasestruturas polticas, econmicas e sociais em plano domstico. Almda adoo de regimes polticos democrticos, observa-se aimplementao de polticas econmicas de priorizao da estabilidademacroeconmica, consideradas como essenciais para o desenvolvimentosustentado; ao mesmo tempo que a redefinio das estratgias deindustrializao que no se realizam pela substituio de importaes,mas pela integrao das respectivas economias aos fluxos internacionaisde comrcio e investimento.

    No por acaso, a compasso com as alteraes da prpriaeconomia mundial, nesta virada de sculo um conjunto de mudanasinstitucionais viabilizou a ampliao do grau de abertura financeiraem muitas economias africanas. Como resultado, pde-se observar,ainda que lenta, a efetiva insero dos agentes domsticos no mercadofinanceiro internacional, bem como o ingresso de Investimento ExternoDireto (IED). Este ltimo, caracterizado pelo tipo que se vincula aocapital social de empresas, numa perspectiva empreendedora, com finsprodutivos. Por meio de subscrio de aes ou quotas, geralmente serealiza tanto pela injeo de dinheiro nas empresas como pela aquisiode participaes de terceiros.

    Somente em 2005, o fluxo de IED no continente atingiu acifra de US$ 31 bilhes. Ainda que esteja concentrado em poucospases, expressivo notar que neste ano o aumento de IED chegou a78% em comparao com 2004, sendo ocasionado principalmente porum forte crescimento na rentabilidade das empresas que operam nocontinente e pelo alto preo de commodities l produzidas. Nocontinente, a frica do Sul foi o pas que mais recebeu investimentosem 2005 (US$ 6.4 bilhes) sendo seguida pelo Egito, Nigria,

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    Marrocos, Sudo, Guin Equatorial, Repblica Democrtica doCongo, Arglia, Tunsia e Chade.

    Os aportes realizados no continente foram concentrados emsetores como petrleo, gs e minerao. Segundo as estimativas da Unctad(2006), o fluxo de investimentos para a frica dever continuar a crescerdevido ao grande nmero de projetos j anunciados na regio, quantidadeexpressiva de investidores interessados nos recursos africanos e polticasgeralmente favorveis para o recebimento de IED no continente. Assim,aps dcadas sem crescimento, a economia africana passa a dar sinais demelhora sensvel. Durante a ltima dcada o continente tem observadono apenas a acelerao constante do crescimento econmico, mas tambmnovas oportunidades de comrcio e investimentos.

    Como conseqncia, igualmente importante observar oesforo generalizado promovido pelos Estados africanos na promoode reformas macroeconmicas e polticas, em que a SADC e a NovaAliana para o Desenvolvimento da frica (Nepad) so sinais claros,no apenas de boa vontade, mas de interesses definidos por parte deseus membros de encarar de forma realista os problemas do Continente,assumindo, com todas as dificuldades inerentes a projetos deste porte,as responsabilidades derivadas da cooperao em prol dodesenvolvimento. Assim, ainda que simblica, a declarao contida nodocumento constitutivo desta Instituio categrica ao afirmar que:

    A Nova Aliana para o Desenvolvimento da frica (Nepad) um

    compromisso dos lderes africanos, baseado numa viso comum e

    numa convico firme partilhada de que tm um dever urgente de

    erradicar a pobreza e colocar os seus pases, quer individual quer

    coletivamente, na senda do desenvolvimento e crescimento susten-

    tveis. O seu programa concebido para a frica tem por base um

    empenho ativo em relao paz e democracia e uma boa governana

    poltica, econmica e empresarial, como condio prvia para um

    desenvolvimento sustentvel. (Nepad).

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    UNIO AFRICANA: ORIGENS E DESAFIOS

    por este prisma que o debate acerca das UA deve ser avaliado.Como instrumento capaz de assegurar as condies necessrias paz e aodesenvolvimento de seus Estados-membros. Debate que, em ltima instnciatraz tona a prpria discusso sobre as Organizaes Internacionais - OI,tradicionalmente centrada no dilema da ordem ou da governabilidade emum sistema anrquico: o sistema de Estados, em que as unidades componentesagem aliceradas pelo princpio da soberania nacional. Por tal caracterstica,deste sistema deriva um baixo grau de governabilidade, uma vez que oelemento tido como primordial para cada uma das unidades a autonomiado Estado em questes domsticas e externas.

    Esse debate percorre as mais variadas linhas de interpretaotericas. Seja pela corrente realista, liberal, racionalista ou marxista, apreocupao central dos pesquisadores compreender os mecanismose dinmicas que asseguram a manuteno da ordem internacional.Sinteticamente, pode-se definir as OI como: Associaes voluntriasde Estados, estabelecidas por acordo internacional, dotadas de rgospermanentes, prprios e independentes, encarregadas de gerir interessescoletivos e capazes de expressar vontade juridicamente distinta da deseus constituintes (VELASCO, 1990, p. 41). Por este prisma, as OIpodem ser tidas como:

    Coletividades vivas interagindo com seus ambientes, contendo

    membros que buscam usar as organizaes para seus fins particula-

    res e que, por vezes, lutam com outros membros a respeito do con-

    tedo e alocao do produto das organizaes. Estas dinmicas pro-

    duzem um carter organizacional distinto atravs do tempo. (NESS;

    BRECHIN, 1988, p. 24).

    Assim, as OI adquiriram importncia capital no quadro dasrelaes internacionais contemporneas, sobretudo pela sua rpida e

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    ampla multiplicao aps o trmino da II Guerra Mundial. A partirde ento, questes tradicionalmente reservadas autoridade dasunidades estatais (como paz e segurana, migraes, sade, trabalho,etc.), passaram a ser tratadas como objeto de interesse de instituiesinternacionais. Tomando por exemplo o art. 1 da Carta das NaesUnidas, obtm-se entre seus propsitos:

    1. Manter a paz e a segurana internacionais, e, para esse fim: tomar,

    coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaas paz e repri-

    mir os atos de agresso ou outra qualquer ruptura da paz e chegar,

    por meios pacficos e de conformidade com os princpios da justia

    e do direito internacional, a um ajuste ou soluo das controvrsias

    ou situaes que possam levar a uma perturbao da paz;

    2. Desenvolver relaes amistosas entre as naes, baseadas no res-

    peito ao princpio de igualdade de direitos e de autodeterminao

    dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento

    da paz universal;

    3. Conseguir uma cooperao internacional para resolver os pro-

    blemas internacionais de carter econmico, social, cultural ou

    humanitrio, e para promover e estimular o respeito aos direitos

    humanos e s liberdades fundamentais para todos, sem distino de

    raa, sexo, lngua ou religio;

    4. Ser um centro destinado a harmonizar a ao das naes para a

    consecuo desses objetivos comuns.

    Paradoxalmente, no art. 2, 6, reitera-se que: AOrganizao far com que os Estados que no so Membros dasNaes Unidas ajam de acordo com esses Princpios em tudo quantofor necessrio manuteno da paz e da segurana internacionais.Tal proposio leva a se perceber o carter voluntarista da participao,uma vez que a Instituio no pode agir sobre Estados que no faamparte da Organizao. E mais, considerando as prprias caractersticas

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    de seus membros, depreende-se que as OI so instituies interestatais,uma vez que recaem sobre os Estados as responsabilidades demanuteno dos propsitos acordados. Da as OI terem comocaracterstica serem instituies interestatais ou mesmointergovernamentais, uma vez que outros membros no podemalcanar um outro patamar que no seja o de observador.

    Como efeito, no art. 2 da Conveno de Viena sobre oDireito dos Tratados, estabelece-se que uma organizaointernacional significa uma organizao intergovernamental. Poreste prisma, o debate sobre OI passa a uma dimenso mais pragmticae complexa: considerada a sua natureza, como equacionar os limitesde autonomia entre as OI e as unidades constitutivas, sejam elasfundadoras ou associadas? Debate que encerra o prprio sentido evalidade das OI, e, por sua vez, da UA, pois coloca em questo suacapacidade de ao e legitimidade frente s unidades estatais. Em ltimainstncia, entre ordem e anarquia no sistema interestatal.

    O processo de transio que levou a OUA para a UA recolocaem questo, portanto, tal perspectiva. Ensejada na dcada de 1990,seu avano mais significativo se deu a partir de 1999, quando lanadoo projeto, em Sirte, na Jamahiriya rabe Lbia Popular e Socialista.Arquitetada pelo lder Muammar Qadhafi, a proposta do Tratado daUA foi, surpreendentemente, se transformando em realidade empouco menos de dois anos. O Tratado foi adotado pela maioria dosmembros da OUA em 2000, na cimeira de cpula de Togo, Lom, eratificado e 2001, por seus Estados-membros entre os quais a fricado Sul, Costa do Marfim, Senegal, Nambia, Moambique, Zimbbuee vrios outros, que resistiam forma como se pretendia fazer estaintegrao continental.

    Com sede em Addis Abeba, Etipia, a UA conta hoje com53 Estados-membros.

    Seu principal rgo decisrio a assemblia geral dos Estados-membros, que se renem ordinariamente ao menos uma vez por ano,

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    representados pelos respectivos chefes de Estado. A assemblia geralelege um presidente com um mandato vlido pelo perodo de 12 meses.Um Conselho Executivo, composto dos ministros das relaesexteriores, aconselha a assemblia geral. H, ainda, uma Comisso,que na prtica se constitui num secretariado com poderes executivos,composto por dez comissrios encarregados de pastas especficas parareas distintas. Esta Comisso elege um coordenador com um mandatode quatro anos.

    A UA tem como modelo a estrutura e formatao da UnioEuropia (UE). Em 2004 a UA criou um parlamento pan-africanocom atribuies meramente consultivas, mas que vem se constituindoem importante centro de debates das questes regionais. Da mesmaforma, a UA contempla a criao de um banco central regional e temo ambicioso projeto de criao de uma moeda nica para a comunidade,cuja data de implementao est marcada para 2023. Esto igualmenteprevistos para mdio prazo a constituio de um banco dedesenvolvimento regional e um tribunal supranacional de direitoshumanos. Seu Ato Constitutivo, como descrito, estabelece comoprincpios e objetivos:

    a) realizar maior unidade e solidariedade entre os pases e povos

    da frica;

    b) respeitar a soberania, integridade territorial e independncia

    dos seus Estados-membros;

    c) acelerar a integrao poltica e socioeconmica do Continente;

    d) promover e defender posies africanas comuns sobre as ques-

    tes de interesse para o Continente e os seus povos;

    e) encorajar a cooperao internacional, tendo devidamente em

    conta a Carta das Naes Unidas e a Declarao dos Direitos do

    Homem;

    f) promover a paz, a segurana e a estabilidade no Continente;

    g) promover os princpios e as instituies democrticas, a partici-

    pao popular e a boa governao;

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    h) promover e proteger os direitos do homem e dos povos, em

    conformidade com a Carta Africana dos Direitos do Homem e

    dos Povos e outros instrumentos pertinentes relativos aos direi-

    tos do homem;

    i) criar as necessrias condies que permitam ao Continente de-

    sempenhar o papel que lhe compete na economia mundial e nas

    negociaes internacionais;

    j) promover o desenvolvimento duradouro nos planos econmi-

    co, social e cultural, assim como a integrao das economias

    africanas;

    k) promover a cooperao em todos os domnios da atividade hu-

    mana, com vistas a elevar o nvel de vida dos povos africanos;

    l) coordenar e harmonizar as polticas entre as Comunidades Eco-

    nmicas Regionais existentes e futuras, para a gradual realiza-

    o dos objetivos da Unio;

    m) fazer avanar o desenvolvimento do Continente atravs da pro-

    moo da investigao em todos os domnios, em particular em

    cincia e tecnologia;

    n) trabalhar em colaborao com os parceiros internacionais rele-

    vantes na erradicao das doenas susceptveis de preveno e

    na promoo da boa sade no Continente.

    Por tais caractersticas, o processo de transio da OUA paraUA coloca em debate a viabilidade da Instituio, pois no deixaexatamente claro quais suas diferenas ou objetivos quando comparada sua antecessora. O debate em volta da UA assume contornos para lde crticos, mesmo porque as dvidas e descrenas persistem. Se aOUA no foi, em mais de 40 anos de existncia, capaz de colocar emprtica solues s demandas continentais, por que a UA, surgida deforma prematura e voluntarista, o seria? O ceticismo, deve-se frisar,no se baseia restritamente UA, mas ao prprio vcuo deixado pelaInstituio no que diz respeito sua viabilidade. A despeito da

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    conceituao consideravelmente ampla e genrica, a concepo einstitucionalizao da UA exprimem um ato de vontade de mais de50 pases independentes na construo de uma organizao multilateralde objetivos seguramente incontestveis. As dvidas em torno doprojeto continuam a ser, contudo, os objetivos prprios da UA: qualo contedo e as finalidades da instituio projetada?

    Por este prisma a UA ainda encerra uma srie de dvidasquanto ao seu real significado. Para alm da valorizao e preservaodos laos tnicos e histrico-culturais, consoante promoo depolticas de desenvolvimento: qual, exatamente, o propsito desteprojeto multilateral que envolve Estados de economia e basesindustriais relevantes como a frica do Sul com pases africanos comoSudo e Somlia? A princpio, poder-se-ia cogitar que o objetivo bsicoseria o desenvolvimento de projetos comuns, sobretudo os de mbitospolticos e econmicos, consoante harmonizao da posturainternacional dos pases membros. De acordo com Mouro (2002, p.259), a UA:

    [...] para alm da programao anunciada de seus objetivos, poder

    ter um papel a desempenhar no campo da democratizao dos pases

    do continente e servir, complementarmente, os processos

    integrativos, no excludentes, mormente em assuntos que vo da

    integrao, integrao regional insero internacional, de medidas

    favorveis criao e desenvolvimento da infra-estrutura de

    integrao, difuso da informao, conhecimento e tecnologia,

    comrcio intra-regional e inter-regional, combate ao narcotrfico,

    medidas para limitar a multiplicao da Aids e tantas outras, em

    um encadeamento de intenes.

    Contudo, no h uma definio clara acerca dos custos desteexerccio multilateral, comparativamente elevados para boa parte dospases africanos. Como resultado, vrios membros tm esboado

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    preocupao pela ausncia de definies claras acerca dos objetivospolticos e econmicos da UA. Uma das mais urgentes diz respeito violncia observada nos ltimos dias no Darfur, Sudo, que, desdefevereiro de 2003, vivencia uma gravssima crise humanitria, sem quea UA tenha capacidade tcnica e mesmo organizao poltica para darfim situao.

    Ainda que a UA conte com um Conselho de Paz e Seguranasimilar ao da ONU e seu Ato Constitutivo estabelea limitaessignificativas soberania dos Estados-membros, prevendo, em seu art.4, como motivo de interveno as circunstncias graves, isto , crimesde guerra, genocdios e crimes contra a humanidade, a incapacidadede pr fim situao de Darfur tem colocado em questo a capacidadegerencial e executiva da Instituio.

    Obviamente que este no deixa de ser um problema da ONU.Talvez at mais pertinente sua competncia do que necessariamente da UA. Mas a este ponto que se deve atentar: entre a OUA e UAainda no foi possvel estabelecer mecanismos capazes ou eficientes napromoo dos direitos bsicos que deveriam ser assegurados em mbitointerestatal. No foi igualmente possvel verificar a validade deinstituies capazes de prescrever comportamentos estatais aceitveise repudiar aqueles tidos como inaceitveis. Como instituio, primordial a UA ser capaz de estipular as formas como os Estados-membros deveriam cooperar e competir entre si. (MEARSHEIMER,2000, p. 333).

    Tal constatao leva a concluir que o ideal de um continenteconstrudo a partir de uma OI ainda est bastante distante. Ainda quese reconhea a validade dos acordos e blocos regionais existentes, no possvel negar que os mesmos so facilmente suscetveis sinstabilidades domsticas, s guerras de fronteira e mesmo s disputastnicas. Para tornar-se efetiva, a atuao da UA deve ter impactoobjetivo sobre a realidade vivida. Ao lidar com questes referentes adireitos humanos, como o caso em Darfur, torna-se imperativo

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    UNIO AFRICANA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

    reconhecer que se lida com o poder manifesto no cotidiano. Portanto,a ao deve ser capaz de assegurar o auxlio necessrio manutenoda vida, seja em seus mbitos normativos, seja em sua urgncia cotidiana.

    Desta perspectiva, apresenta-se como indispensvel UA umaestratgia eficaz de preveno e soluo dos conflitos, numa instnciasuperior dos mecanismos criados pela OUA, para que se exera comeficincia o direito reconhecido em sua Carta Constituinte: intervirem Estado-membro, por deciso da Conferncia, em certas situaesgraves, como crimes de guerra, genocdio e crimes contra ahumanidade, ou de responder ao direito dos Estados-membros desolicitarem a interveno da Unio para restaurar a paz e a segurana.(UA).

    Em funo das ameaas potenciais, a UA deve ter como umade suas estratgias a localizao de foras de paz, em cada exrcitonacional ou, em sua ausncia, o exrcito nacional, um Estado lderem cada sub-regio que disponibilize ao rgo sub-regional depreveno e gesto de conflitos um contingente de soldados formadose equipados para operaes de manuteno ou de restabelecimento dapaz. Seu objetivo ltimo seria minimizar os custos inerentes projeode foras, o que coloca em questo a capacidade de coordenao comas instncias sub-regionais existentes, que deve ser regulamentada como o caso do Reforo da Capacidade Africana de Manuteno daPaz (Recamp), da Frana, o African Center for Security Studies (ACCS),dos Estados Unidos, e o British Military Advisory and Training Team(BMATT), da Gr-Bretanha, que necessitam ser integrados a estaestratgia ampla. (TSHIYEMBE, 2001).

    Por outra perspectiva, um dos meios efetivamentepromissores e capazes de estabelecer um alto grau de interdependnciaentre os Estados africanos em prol da manuteno e validade da UA a adoo, por esta, de uma poltica continental que v ao encontro dedois desafios indispensveis maioria de seus membros: a regulaodo poder por formas legitimadas de governo o que equivale ao

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    CLUDIO OLIVEIRA RIBEIRO

    desafio da construo e reforo da democracia e a reintegrao docontinente no sistema internacional, mediante a criao de ambientese de mercados internos geradores de poupanas e investimentos.

    Se as dimenses da segurana so importantes, no possvelnegar que a unio poltica entre os Estados africanos s ter condiesde se materializar quando se basea