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II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 29 Sobre Listas de Táxons Ameaçados – Fauna Renato Silveira Bérnils Centro Universitário Norte do Espírito Santo- CEUNES- UFES São Mateus- ES [email protected] A produção de listas de espécies ameaçadas, em caráter global ou regional (listas nacionais e estaduais), tem se mostrado importante ferramenta de avaliação e análise do status de conservação da fauna, funcionando como termômetro e alerta sobre condições de patente declínio da qualidade ambiental e permitindo a elaboração de políticas e projetos visando reverter a situação. O Brasil tem papel de destaque na adoção de listas de fauna ameaçada, tanto historicamente quanto servindo como modelo. Há décadas o país vem flertando com as normas (critérios e categorias) preconizadas pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), adotando-as para avaliar o status de conservação de nossa fauna e procurando padronizar essas avaliações para permitir comparações com outros países que adotem o mesmo sistema e com as avaliações globais realizadas pela própria IUCN. Alguns países relutam em seguir as sugestões da IUCN ou simplesmente não se preocupam em analisar as chances de extinção da fauna presente em seus territórios. A responsabilidade do Brasil com essa questão é ainda maior em função da biodiversidade que abrigamos, com o maior volume de táxons de vertebrados do planeta, especialmente no que diz respeito a peixes de água doce, anfíbios anuros, répteis Squamata e aves. A proteção de espécies no Brasil – de indivíduos a organizações. Não é recente o desejo de proteger da extinção espécies da nossa fauna, mas somente nas últimas décadas essa preocupação deixou o meio científico e ambientalista e foi abraçada por outros setores da sociedade. Num tempo em que a caça e o desmatamento eram praticamente livres no Brasil – em alguns casos estimulados por setores desenvolvimentistas federais e estaduais, surgiram protestos isolados manifestados por personalidades que marcaram diferentes épocas e momentos na conservação da natureza no Brasil - começando o século XX com Hermann von Ihering, Cândido de Melo-Leitão, Edgard Roquette-Pinto e Alberto José de Sampaio, passando por Augusto Ruschi, José Cândido de Melo Carvalho, Adelmar Coimbra-Filho,

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II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 29

Sobre Listas de Táxons Ameaçados – Fauna

Renato Silveira Bérnils

Centro Universitário Norte do Espírito Santo- CEUNES- UFES São Mateus- ES [email protected] A produção de listas de espécies ameaçadas, em caráter global ou regional (listas

nacionais e estaduais), tem se mostrado importante ferramenta de avaliação e análise do

status de conservação da fauna, funcionando como termômetro e alerta sobre condições de

patente declínio da qualidade ambiental e permitindo a elaboração de políticas e projetos

visando reverter a situação.

O Brasil tem papel de destaque na adoção de listas de fauna ameaçada, tanto

historicamente quanto servindo como modelo. Há décadas o país vem flertando com as

normas (critérios e categorias) preconizadas pela IUCN (União Internacional para a

Conservação da Natureza), adotando-as para avaliar o status de conservação de nossa

fauna e procurando padronizar essas avaliações para permitir comparações com outros

países que adotem o mesmo sistema e com as avaliações globais realizadas pela própria

IUCN. Alguns países relutam em seguir as sugestões da IUCN ou simplesmente não se

preocupam em analisar as chances de extinção da fauna presente em seus territórios.

A responsabilidade do Brasil com essa questão é ainda maior em função da

biodiversidade que abrigamos, com o maior volume de táxons de vertebrados do planeta,

especialmente no que diz respeito a peixes de água doce, anfíbios anuros, répteis Squamata

e aves.

A proteção de espécies no Brasil – de indivíduos a organizações. Não é recente o desejo

de proteger da extinção espécies da nossa fauna, mas somente nas últimas décadas essa

preocupação deixou o meio científico e ambientalista e foi abraçada por outros setores da

sociedade.

Num tempo em que a caça e o desmatamento eram praticamente livres no Brasil –

em alguns casos estimulados por setores desenvolvimentistas federais e estaduais, surgiram

protestos isolados manifestados por personalidades que marcaram diferentes épocas e

momentos na conservação da natureza no Brasil - começando o século XX com Hermann

von Ihering, Cândido de Melo-Leitão, Edgard Roquette-Pinto e Alberto José de Sampaio,

passando por Augusto Ruschi, José Cândido de Melo Carvalho, Adelmar Coimbra-Filho,

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30 BÉRNILS: TÁXONS AMEAÇADOS DA FAUNA

Alceo Magnanini, Paulo Nogueira Neto, José Lutzenberger, Ibsen de Gusmão Câmara e

Helmut Sick, e chegando a Maria Tereza Jorge Pádua, José Mácio Ayres, Ângelo

Machado, Guy e Maria Ângela Marcovaldi, Devra Kleiman, Thomas Lovejoy, Russell

Mittermeier e Gustavo da Fonseca, entre outros.

Especialmente ao longo dos anos 70 do século passado, refletindo movimentos já

em andamento em outros países, foi se formando certa consciência civil de que algo

precisava ser feito para evitar o declínio da qualidade ambiental do país, e essa

preocupação se manifestou especialmente na forma de denúncias e/ou ações voltadas a

espécies ameaçadas de extinção. Diversos ícones desse ideário surgiram nessa época e

ainda hoje representam esforços consideráveis (alguns bem sucedidos) de salvamento de

espécies, destacando-se micos-leões, muriquis, peixes-boi, cetáceos, tartarugas marinhas,

tartarugas da Amazônia, araras e ararinhas.

Na esteira desses eventos, grupos de pessoas preocupadas com questões ambientais

que se revelavam urgentes, começaram a se reunir em entidades que objetivavam lutar pela

mudança desse panorama. Inicialmente agrônomos e naturalistas, e mais tarde biólogos e

profissionais os mais diversos, fundaram organizações que se tornaram emblemáticas e

ajudaram a transformar os rumos e a história da conservação no Brasil, como a FBCN, a

Funatura, a Fundação Biodiversitas, a SPVS, a SOS Mata Atlântica, o IPÊ e a SBZ, com o

apoio de organizações internacionais do porte de WWF, CI, IUCN e TNC.

A sociedade se organizava e exigia mudanças, o que acabou refletindo nas

estruturas estatais responsáveis pela proteção do patrimônio natural do país.

Gradativamente, o governo federal criou novos ministérios voltados parcial ou

exclusivamente às questões ambientais, antes tratadas pelos ministérios da Agricultura e do

Interior, através de suas autarquias (IBDF, SUDEPE, SEMA etc.), e também estados e

municípios lançaram secretarias, institutos, fundações, conselhos e outras entidades nos

mesmos moldes. Nessa linha, MMA, IBAMA e ICMBio tornaram-se referências notáveis

na definição das políticas ambientais adotadas no Brasil, muitas vezes apoiados ou

orientados por ONGs e por pesquisadores ligados à Ecologia, à Botânica, à Zoologia e

áreas afins, atuantes em universidades estatais e privadas ou outros institutos com

produção científica.

As primeiras listas de fauna ameaçada no Brasil. Ângelo Machado, figura eminente na

conservação nacional, escreveu no último Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada

de Extinção (publicado em 2008) um capítulo em que narra a história das listas de espécies

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II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 31

da fauna brasileira ameaçadas de extinção, compilando os responsáveis e as datas de cada

passo nessa direção, desde as primeiras tentativas, individuais, pontuais e personalistas, até

os esforços recentes que envolveram centenas de especialistas brasileiros e utilizaram

sistemas internacionalmente adotados. Ao longo do texto citado fica clara a evolução da

preocupação com a elaboração de listas completas e minuciosas, e com o emprego cada

vez mais disseminado do método de categorias e critérios sugerido pela IUCN – nosso país

foi um dos primeiros a aplicar esse método em listas nacionais e estaduais.

No Brasil, a primeira lista nacional adotada por órgãos ambientais federais data de

1968: uma portaria que continha 44 táxons, entre mamíferos, aves e répteis. Tratava-se de

coletânea publicada nesse mesmo ano por José Cândido Melo Carvalho e seguida pelo

governo federal com base exclusivamente no reconhecimento da autoridade do autor. Em

1973, através de outra portaria, 86 espécies aparecem como nacionalmente ameaçadas.

Essa nova lista resultou da compilação de dados de outros três pesquisadores renomados

que a publicaram através da Academia Brasileira de Ciências: Adelmar F. Coimbra-Filho

(mamíferos), Helmut Sick (aves) e Paulo E. Vanzolini (répteis).

Somente em 1989, sob influência dos movimentos de conscientização da

necessidade de proteger a fauna presente no país, outra lista foi elaborada. Coordenados

por Aline Tristão Bernardes, Ângelo B. M. Machado e Anthony Brome Rylands, e através

da Sociedade Brasileira de Zoologia, 22 pesquisadores estiveram envolvidos nessa nova

versão, que incluiu alguns grupos taxonômicos antes não contemplados. Foram

apresentados como ameaçados 207 táxons, entre espécies e subespécies, e os critérios

adotados seguiram, pela primeira vez, as sugestões da IUCN. No ano seguinte, 1990, a

Biodiversitas, em conjunto com a SBZ, publicou a lista homologada em portaria pelo então

recém-criado IBAMA.

Nesse meio tempo, outras ONGs e alguns governos estaduais também despertaram

para o problema da fauna ameaçada de extinção, dando-se conta de que determinadas

espécies poderiam não estar nacionalmente ameaçadas, mas mereciam tratamento regional

especial. Assim, por iniciativa de organizações civis ou de órgãos ambientais locais,

surgiram as primeiras listas estaduais: Paraná e Minas Gerais em 1995, São Paulo e Rio de

Janeiro em 1998 e Rio Grande do Sul em 2002. Os critérios para classificar os táxons

variaram entre essas listas, mas as categorias utilizadas seguiram, com pequenas alterações,

as indicadas pela IUCN.

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32 BÉRNILS: TÁXONS AMEAÇADOS DA FAUNA

Capas de algumas publicações de listas oficiais nacionais e livros vermelhos da fauna ameaçada de extinção no Brasil. Acima, da esquerda para a direita, lista de 1973, lista de 1989 e livro vermelho publicado em 1990; abaixo, as capas dos dois volumes do Livro Vermelho de 2008 (lista de 2003).

Listas nacionais com ampla consulta a especialistas. Em dezembro de 2002, a Fundação

Biodiversitas, com apoio do IBAMA e do Ministério do Meio Ambiente, organizou amplo

workshop em Belo Horizonte, com a participação direta ou indireta (consulta via Internet)

de pelo menos 227 especialistas nos mais diversos grupos animais. A lista resultante desse

evento contava com 627 táxons classificados em alguma categoria de ameaça, mas

elencava também espécies "quase ameaçadas" (equivalentes à categoria NT da IUCN) e

espécies DD, ou seja, com status insuficientemente conhecido para serem enquadradas

como ameaçadas ou não. As discussões sobre a inclusão das espécies foi precedida por

meses de consulta aberta aos especialistas que, por sua vez, foram esclarecidos acerca dos

critérios sugeridos pela IUCN – filtrados pelo pessoal da Biodiversitas. Publicada em 2003

como instrução normativa do MMA e em 2005 como Livro Vermelho (via Biodiversitas),

foi um importante marco na definição dos critérios e métodos a serem empregados

doravante na avaliação do status de ameaça das espécies da nossa fauna, mas mesmo assim

sofreu críticas as mais diversas.

Em primeiro lugar, entre o final do século passado e o início do atual, muito mais

pessoas, em especial zoólogos das mais diferentes correntes de pensamento, passaram a se

interessar pelo tema e a acompanhar as discussões internacionais sobre espécies

ameaçadas; muitas dessas pessoas, porém, não foram convidadas a participar da consulta

(chamada ampla) feita previamente pela Biodiversitas, num tempo em que redes online e

sistemas informatizados ainda engatinhavam no Brasil. Essas pessoas se manifestaram em

seguida à publicação dos resultados citando táxons que supunham não terem sido avaliados

pelos participantes do workshop; peixes e répteis foram alguns dos grupos que sofreram

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II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 33

esse tipo de crítica. Obviamente, enganos e erros passaram, considerando-se o volume de

táxons que teve que ser avaliado em tempo recorde pelos pesquisadores envolvidos, mas o

alerta dado pelos zoólogos que sentiram a "falta" desta ou daquela espécie na lista foi de

suma importância para demonstrar que a sociedade estava atenta, e que os processos de

avaliação de espécies ameaçadas deixavam de ser monopólio de alguns poucos

especialistas preocupados com conservação, como fora até poucas décadas antes.

Outra turbulência que essa lista de 2003 enfrentou diz respeito à inclusão como

ameaçadas de 47 espécies de interesse pesqueiro, notadamente peixes e crustáceos

marinhos. A lista foi publicada sem a presença dessas espécies, que em 2004, após longas

avaliações de um grupo de trabalho criado especialmente para essa resolver questão, foram

objeto de nova instrução normativa do MMA, na qual as 47 espécies foram classificadas

como sobrexplotadas ou ameaçadas de sobrexplotação – categorias sem equivalentes no

sistema da IUCN.

Discrepâncias também surgiram entre os resultados dos diferentes grupos

taxonômicos avaliados, principalmente em função de discordâncias quanto à aplicação dos

critérios IUCN, que foram interpretados de forma diferente pelos avaliadores de

mamíferos, aves, répteis e anfíbios. Alguns animais de grande porte (principalmente

mamíferos) que contaram com certo lobby durante o workshop foram incluídos como

ameaçados de extinção mais por conta de seu carisma, de seu apelo popular ou de seu

papel como espécies-bandeira ou guarda-chuva, do que propriamente por atender aos

critérios IUCN.

Especialmente entre os pesquisadores de anfíbios foi objeto de discórdia o número

de espécies categorizadas como DD. Em função do elevado grau de desconhecimento

acerca das exigências ecológicas e/ou da amplitude da distribuição geográfica desses

animais, houve certa tendência a "engordar" a lista de anfíbios considerados DD, mas isso

foi contestado pela IUCN, que mantém uma avaliação constante da fauna ameaçada em

nível global e evita ao máximo a classificação de espécies pouco conhecidas como DD. As

discussões foram acaloradas, com herpetólogos brasileiros se unindo para defender seu

ponto de vista em publicações que justificavam sua postura, e reuniões internacionais com

a presença dos dois lados para conciliar as avaliações. No final, ficou claro que essas

discussões foram outra importante conquista dos processos de avaliação dali por diante, e

ajudaram a IUCN a repensar a forma de apresentar e explicar seus critérios aos

pesquisadores que optam por aplicar seus métodos.

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34 BÉRNILS: TÁXONS AMEAÇADOS DA FAUNA

A partir da lista amplamente divulgada em 2003/2004 pelo MMA e pelo IBAMA,

novo impulso tomaram as listas estaduais. Alguns estados trataram de revisar suas listas,

atualizando-as segundo os mesmos critérios empregados na lista nacional: Paraná em 2003,

Minas Gerais em 2005, São Paulo em 2008 (revisada em 2011) e Rio Grande do Sul em

2013, enquanto outras unidades da federação fizeram suas primeiras listas: Espírito Santo

(2005), Pará (2007), Santa Catarina (2010), Distrito Federal e Bahia (ambas em

andamento).

Capas de algumas publicações de listas oficiais e livros vermelhos estaduais. Acima, livros vermelhos do Paraná (1995 e 2004) e de São Paulo (revisão de 2008), e lista do Rio Grande do Sul (2002); abaixo, livro vermelho de Minas Gerais (1998), revisão da lista de Minas Gerais (publicada em 2007) e livros vermelhos do Rio de Janeiro (1998), Rio Grande do Sul (2004) e Espírito Santo (2005).

O ICMBio como mediador das listas. Criado em 2007 a partir de nova disposição dos

órgãos federais ligados ao Meio Ambiente, o ICMBio tem, entre suas atribuições, executar

programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade brasileira,

ou seja, atuar diretamente na produção e análise de dados ambientais gerando estudos

voltados à fauna e flora do Brasil.

Diante desse desafio, o ICMBio e seus centros de pesquisa e conservação

(TAMAR, CEMAVE, CENAP, RAN, CEPTA, CPB etc.) passaram a assumir papéis que,

antes, o IBAMA não tinha como prioridade e preferencialmente delegava a outras

instituições: meio acadêmico, institutos de pesquisa, ONGs e assim por diante. A

elaboração das listas de espécies ameaçadas está entre as atividades antes simplesmente

acatadas pelo governo federal (listas de 1968, 1973 e 1989) ou confiadas a organizações

não governamentais (lista de 2003), mas agora assumidas pelo ICMBio. Deste modo, estão

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II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 35

em andamento (algumas já concluídas) as revisões das listas de peixes, anfíbios e répteis,

por exemplo, todas coordenadas e executadas pelos respectivos centros, com consulta a

especialistas de todo o país em oficinas especialmente organizadas para esse fim, e

acompanhamento de pessoal da IUCN na validação dos resultados.

Especialistas em anfíbios (acima) e serpentes (abaixo) durante as oficinas que definiram as espécies ameaçadas de extinção nesses grupos no Brasil; Acadebio, Iperó, São Paulo; 2012.

O número de especialistas envolvidos nesse processo cresceu significativamente em

relação aos que haviam se envolvido nas discussões anteriores. Como exemplo, para

avaliar os anfíbios, apenas nas quatro oficinas de avaliação realizadas em 2012 estiveram

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36 BÉRNILS: TÁXONS AMEAÇADOS DA FAUNA

envolvidos 49 herpetólogos de 32 instituições, enquanto nas discussões de 2002 menos de

20 pessoas tinham participado de todo o processo.

Paralelamente, o ICMBio vem também gerenciando a elaboração de planos de ação

nacional (PANs) para a conservação de táxons e de áreas; são conjuntos de ações

coordenadas, determinadas em grande parte pelo reconhecimento das espécies ameaçadas

de extinção, o que confere ainda mais relevância às listas de fauna ameaçada como

ferramentas na definição de políticas conservacionistas regionais e nacionais.

E o Espírito Santo nessa história toda? Em 2005, conforme já citado, o estado do

Espírito Santo ganhou sua primeira lista oficial de espécies da fauna ameaçada de extinção,

a qual foi publicada em formato próximo de um Livro Vermelho em 2007, pela ONG

Ipema (Instituto de Pesquisas da Mata Atlântica), sob coordenação dos pesquisadores

Marcelo Passamani e Sérgio Lucena Mendes. Certamente foi um avanço e tanto, uma vez

que o estado se juntava aos demais da região Sudeste como possuidor de instrumentação

legal com embasamento científico para proteger sua fauna.

Esta não foi, contudo, a primeira tentativa de proteger a fauna capixaba e da Mata

Atlântica da região Sudeste na forma de lista de espécies ameaçadas. Um dos pioneiros da

conservação no Brasil, Augusto Ruschi, em abril de 1954 havia publicado um artigo no

Boletim do Museu de Biologia Prof. Mello Leitão com o seguinte título: "Algumas

espécies zoológicas e botânicas em vias de extinção no estado do E. Santo. Método

empregado para a sua prospecção e para o estabelecimento de área mínima para a

perpetuação da espécie, em seu habitat natural". A publicação, com a típica idiossincrasia

dos textos do famoso ambientalista capixaba, embora não tenha sido adotada como fonte

oficial para proteger plantas e animais no Espírito Santo, foi a primeira manifestação feita

no Brasil no sentido de listar espécies ameaçadas de extinção e propor formas de protegê-

las, antes mesmo das primeiras listas nacionais (não oficiais) de José Cândido de Melo

Carvalho, Alceo Magnanini, Adelmar Coimbra-Filho e Helmut Sick (publicadas entre

1968 e 1972). Se comparada à lista de 2005, de competência de um volumoso número de

especialistas dos diversos grupos taxonômicos abordados, a lista de Ruschi mostra muitas

divergências, algumas óbvias por envolver animais com problemas taxonômicos ainda não

solucionados àquela época, ou por falta de conhecimento mais profundo da história natural

e da distribuição geográfica de todas as espécies. Mesmo assim, as duas listas têm também

várias confluências e concordâncias, denotando o estado crítico que algumas espécies

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II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 37

apresentavam no estado 60 anos atrás, bem como a preocupação conservacionista [então

considerada insólita] do precursor das listas de espécies ameaçadas de extinção no Brasil, o

capixaba Augusto Ruschi.

Extratos da publicação de abril de 1954, de autoria de Augusto Ruschi (foto): primeira lista de espécies ameaçadas de extinção feita no Brasil.

O futuro da lista de fauna ameaçada no Espírito Santo. As listas de espécies ameaçadas

são necessariamente dinâmicas. O status de cada táxon é inconstante, pois condições

adversas ou favoráveis à sua conservação podem surgir ou desaparecer em pouquíssimo

tempo, especialmente quando há atividades humanas direta ou indiretamente envolvidas.

Assim, pelas recomendações da IUCN, toda lista de espécies ameaçadas, seja global ou

regional, precisa de reavaliações constantes, de preferência a cada cinco anos. Como a

primeira lista capixaba oficial foi feita em 2005 [e publicada em 2007], já se passaram

mais de cinco anos: uma atualização se faz necessária. Além disso, pelas normas da IUCN,

é conveniente categorizar 100% da fauna de cada região, não apresentando apenas as que

podem ser encaixadas nas categorias de ameaça (CR, EN e VU), mas também as que foram

avaliadas como NT, DD, LC, NA, e mesmo as consideradas regionalmente extintas (RE) –

algo seguido em listas estaduais apenas recentemente (por exemplo, nas listas mais

recentes de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul).

Além das considerações acima, destaca-se que houve significativo aumento do

número de zoólogos atuantes no Espírito Santo desde 2005. Naquela ocasião, por exemplo,

a lista de répteis foi encabeçada por oito pesquisadores com alguma experiência em terras

capixabas, mas somente dois deles eram herpetólogos efetivamente residentes no estado

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38 BÉRNILS: TÁXONS AMEAÇADOS DA FAUNA

(Antônio Pádua de Almeida e João L. Gasparini). Hoje temos pelo menos outros seis

pesquisadores de répteis com moradia fixa no Espírito Santo, muitos com doutorado e/ou

mestrado desenvolvido com esse grupo animal. Diversos inventários feitos no Espírito

santo foram publicados de 2005 para cá, e as coleções zoológicas que encerram material

capixaba foram fortemente enriquecidas desde então.

A efetivação de políticas conservacionistas no estado precisa obrigatoriamente

passar pelo crivo da lista estadual de fauna ameaçada, constituindo-se em mais uma

pressão para sua renovação/atualização e para a publicação de um Livro Vermelho

capixaba. A Polícia Militar Ambiental do estado, por exemplo, terá nesses instrumentos

reforço significativo para atuar com maior rigor e conhecimento de causa na repressão e no

controle das atividades ilegais que envolvem a fauna capixaba.

Por fim, os avanços pró e contra a conservação, observados no Espírito Santo nos

últimos dez anos, podem modificar consideravelmente a situação de diversas espécies.

Táxons considerados NT ou DD naquela ocasião talvez estejam sofrendo ameaças

evidentes e tenham que ser enquadrados em alguma categoria de ameaça, enquanto estudos

voltados a determinadas espécies antes categorizadas como ameaçadas podem permitir sua

reclassificação. Também o desenvolvimento das listas de Minas Gerais (revista em 2005) e

da Bahia (em andamento) darão novas perspectivas à avaliação das espécies ocorrentes no

Espírito Santo.