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/////8 III ELEMENTOS DE TERMODINÂMICA 7. Calor e temperatura A noção de calor é muito intuitiva, uma vez que faz parte das nossas experiências diárias tocar em objectos a diferentes temperaturas e entender que, quando estes são colocados em contacto, é transferido calor do objecto a temperatura mais elevada para aquele que se encontra a temperatura mais baixa. Neste processo, quando o equilíbrio é alcançado, ambos os objectos atingem a mesma temperatura, cujo valor se encontra entre os valores das temperaturas iniciais. O que já não é tão imediato é compreender que o calor é uma forma de energia. De facto, uma análise histórica demonstra que, inicialmente, o que fluía entre objectos a diferentes temperaturas era tido como algo de natureza distinta das restantes formas de energia. E apenas quando se percebeu que o calor se podia transformar em trabalho, se estabeleceu que o calor seria uma nova forma de energia. 7.1 Escalas de temperatura Um conceito de extrema importância em termodinâmica é, indubitavelmente, a temperatura. Esta grandeza mede, macroscopicamente a maior ou menor agitação das moléculas constituintes de um determinado objecto. Os termómetros são, pois, dispositivos que medem a temperatura de um objecto tendo como base a variação de uma determinada propriedade desse objecto com a temperatura. Cedo os cientistas perceberam que a maioria dos materiais se expande com a temperatura, não sendo de admirar que uma grande parte dos termómetros se baseie neste facto, como o caso do termómetro de mercúrio que foi, durante muito tempo, utilizado em aplicações clínicas. Um procedimento que continua a ser importante na construção de qualquer termómetro é a sua calibração. Neste processo são considerados dois pontos de referência: por exemplo, o ponto de ebulição da água e o seu ponto de fusão (figura 27). No caso dos termómetros de mercúrio observa-se qual a altura do líquido em cada uma destas temperaturas e, em seguida, estabelece-se uma escala em que cada divisão corresponde à mesma variação de temperatura. Figura 27 - Esquema da calibração de um termómetro, com base no ponto de fusão e de ebulição da água. (Adapt. R.A. Serway, 1996). 31

III ELEMENTOS DE TERMODINÂMICA - w3.ualg.ptw3.ualg.pt/~cmsilva/documentos/Capítulo 3_Biofísica_Radiologia.pdf · Um outro resultado muito importante no estudo dos gases é a conhecida

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III ELEMENTOS DE TERMODINÂMICA

7. Calor e temperaturaA noção de calor é muito intuitiva, uma vez que faz parte das nossas

experiências diárias tocar em objectos a diferentes temperaturas e entender que, quandoestes são colocados em contacto, é transferido calor do objecto a temperatura maiselevada para aquele que se encontra a temperatura mais baixa. Neste processo, quandoo equilíbrio é alcançado, ambos os objectos atingem a mesma temperatura, cujo valorse encontra entre os valores das temperaturas iniciais. O que já não é tão imediato écompreender que o calor é uma forma de energia. De facto, uma análise históricademonstra que, inicialmente, o que fluía entre objectos a diferentes temperaturas eratido como algo de natureza distinta das restantes formas de energia. E apenas quandose percebeu que o calor se podia transformar em trabalho, se estabeleceu que o calorseria uma nova forma de energia.

7.1 Escalas de temperaturaUm conceito de extrema importância em termodinâmica é, indubitavelmente, a

temperatura. Esta grandeza mede, macroscopicamente a maior ou menor agitação dasmoléculas constituintes de um determinado objecto. Os termómetros são, pois,dispositivos que medem a temperatura de um objecto tendo como base a variação deuma determinada propriedade desse objecto com a temperatura. Cedo os cientistasperceberam que a maioria dos materiais se expande com a temperatura, não sendo deadmirar que uma grande parte dos termómetros se baseie neste facto, como o caso dotermómetro de mercúrio que foi, durante muito tempo, utilizado em aplicações clínicas.

Um procedimento que continua a ser importante na construção de qualquertermómetro é a sua calibração. Neste processo são considerados dois pontos dereferência: por exemplo, o ponto de ebulição da água e o seu ponto de fusão (figura27). No caso dos termómetros de mercúrio observa-se qual a altura do líquido em cadauma destas temperaturas e, em seguida, estabelece-se uma escala em que cada divisãocorresponde à mesma variação de temperatura.

Figura 27 - Esquema da calibração de um termómetro, com base no ponto de fusão e de ebuliçãoda água. (Adapt. R.A. Serway, 1996).

31

Como facilmente se compreende, para que este procedimento esteja correctoserá essencial que iguais aumentos de volume do líquido correspondam exactamente àsmesmas variações de temperatura na gama considerada. Ou seja, é necessário garantirque a propriedade do material que varia com a temperatura tenha uma dependêncialinear com esta. O que em termos gráficos se traduz por uma recta quando nasordenadas se representa a temperatura e nas abcissas a outra propriedade (expansãovolúmica, por exemplo, como no caso da figura 28).

Volume de um material em função da sua temperatura

0 50 100 150

Temperatura (ºC)

Volu

me

de u

m c

orpo

Figura 28 - Esquema de um gráfico do volume de um material arbitrário em função datemperatura a que este se encontra. A linearidade apresentada revela-se, neste caso, comoexcelente para construir termómetros nesta gama de temperaturas.

Existem várias escalas de temperatura. A mais utilizada continua a ser a deCelsius (ºC), que corresponde àquela em que ao ponto de fusão da água se associa aorigem da escala (0 ºC) e ao ponto de ebulição se associa 100 ºC. A escala deFahrenheit continua também a ser utilizada, particularmente nos Estados Unidos daAmérica e relaciona-se com na de Celsius através da seguinte relação:

3259

CF TT , equação 28

onde TF é a temperatura em graus Fahrenheit e FC a temperatura em graus Celsius.A unidade de temperatura no S.I. não é, porém, nenhuma destas, mas sim o

kelvin. Esta escala de temperaturas é também conhecida por escala de temperaturaabsoluta (similarmente, a origem desta escala é também chamada o zero absoluto). Apassagem da escala de temperatura absoluta para a escala de Celsius é feita atendendo aque o zero absoluto corresponde a -273.15 ºC e que um grau Celsius corresponde a umkelvin. Assim, é válida a expressão:

273.15 CK TT , equação 29

sendo TK a temperatura em kelvin e TC a temperatura em graus Celsius. Uma questão arealçar é o facto de diferenças de temperatura serem iguais querem estejam em grausCelsius, quer estejam em kelvin, o que resulta de a variação de um grau Celsiuscorresponder à variação de um kelvin.

32

7.2 Expansão térmica de corposTal como já foi referido anteriormente, a maioria dos materiais aumenta as suas

dimensões com a temperatura. Chamando-se a este fenómeno dilatação térmica doscorpos (ver figura 29).

Figura 29 - Ilustração do fenómeno da dilatação térmica. (Adapt. R.A Serway, 1996).

A justificação microscópica desta observação está relacionada com o facto deao aumentar a temperatura não só as vibrações das partículas se tornarem mais amplascomo o seu ponto de equilíbrio se afasta, aumentando a distância entre elas. Umexemplo bem conhecido de um comportamento distinto deste é o que se passa com aágua a temperaturas próximas do seu ponto de fusão. O gráfico da densidade da águaem torno de 4 ºC sofre uma inflexão (ver figura 30), começando a diminuir conformediminui a temperatura. Ou seja, com a diminuição da temperatura, a água passa aocupar um volume superior. De facto, se observarmos a estrutura da água no estadosólido, verificamos que apresenta uma geometria muito aberta, resultando num volumesuperior ao ocupado pelas moléculas de água no estado líquido.

Figura 30 - Gráfico da densidade da água em função da temperatura na gama entre 0ºC e 10ºC.(Adapt. E.R. Jones e R.L. Childers, 1993).

33

Esta particularidade da água é a responsável por continuar a existir vida nahidrosfera, mesma em regiões muito frias. Repare-se que conforme a água vaiarrefecendo e aproximando-se de 0 ºC a sua densidade diminui e, portanto, a água maisfria sobe. Por este motivo, a água começa a gelar à superfície, preservando-se emestado líquido nas camadas mais profundas e, permitindo, assim, a continuação devida.

7.3 Tópicos de teoria cinéticaO comportamento termodinâmico dos materiais é fortemente condicionado pelo

seu estado físico, uma vez que, tal como já se referiu, a temperatura dos corposdepende dos movimentos das moléculas que os constituem e o movimento dasmoléculas depende muito do estado físico em que se encontram. Basta recordar que asmoléculas de um gás são fracamente ligadas entre si, mantendo-se em permanentemovimento errático; que as dos sólidos têm os seus movimentos muito condicionadospela forte interacção que estabelecem com as moléculas vizinhas e que as de umlíquido têm um comportamento entre estes dois extremos.

Formalmente, a situação em que é mais fácil estabelecer um paralelismo entre oque se passa ao nível molecular e o que se observa ao nível macroscópico é acorrespondente aos gases. Considere-se as moléculas de um gás como pequenaspartículas que apenas interagem entre si através de colisões elásticas23. Nestascondições, a energia cinética vai-se transferindo de molécula para molécula, emboraem média, ela se mantenha constante24. A energia cinética média de cada partícula édada por:

2

21 vmEc , equação 30

onde m é a massa de cada uma das moléculas constituintes do gás (que se consideramiguais entre si) e v é a sua velocidade média quadrática. Se ignorarmos os movimentosde rotação e de vibração das moléculas, esta energia multiplicada pelo número demoléculas existentes no gás, será a sua energia interna. Ora verifica-se que a energiainterna de um gás ideal monoatómico, U, é proporcional à sua temperatura, T;cumprindo-se a expressão:

nRTU23

, equação 31

sendo n o número de moles presentes no gás e R a constante dos gases perfeitos, quetoma o valor 8.314 J mol-1 K-1.

Caso se pretenda considerar os movimentos de rotação das moléculas do gás25,a equação 31 tomará a forma:

23 Uma colisão diz-se elástica quando não só o momento linear se mantém constante, mas também aenergia cinética do sistema.24 Desde, evidentemente, que a temperatura se mantenha constante.25 Enquanto que os gases ideais monoatómicos apresentam apenas movimentos de translação, os gasesideais diatómicos apresentam também movimentos de rotação (que podem ser segundo duas direcções e,por isso, apresentam dois graus de liberdade) e, caso a temperatura seja suficientemente alta, deve aindaatender-se aos movimentos de vibração (aos quais correspondem também dois graus de liberdade).

34

nRTU25

,

quando não são considerados movimentos de vibração. E:

nRTU27

,

no caso em que também os movimentos de vibração sejam englobados.

Um outro resultado muito importante no estudo dos gases é a conhecida Lei dosGases Ideais26 (ver figura 31). Nesta lei estabelece-se que existe uma proporcionalidadedirecta entre o volume, V, e a temperatura de um gás, T, (Lei de Charles e Gay-Lussac)e que a pressão, P, e o volume são inversamente proporcionais (Lei de Boyle). O quematematicamente se traduz através da expressão:

nRTPV , equação 32

sendo n o número de moles do gás.

a) b)

Figura 31- Ilustração da Lei dos Gases Ideais. a) Proporcionalidade directa entre o volume e atemperatura; b) proporcionalidade inversa entre a pressão e o volume. (Adapt. dehttp://cwx.prenhall.com/bookbind/pubbooks/hillchem3/medialib/media_portfolio/05.html,Setembro de 2004).

26 É interessante referir que esta Lei, embora tenha sido estabelecida experimentalmente, consegue serdeduzida a partir da análise do comportamento cinético das moléculas de gás.

35

7.4 Transferência de calorEm geral, associamos à transferência de calor um aumento de temperatura, no

entanto, esta não é a única consequência de um transporte de calor. Na verdade, o calortransferido de um corpo para outro pode ser utilizado: 1) num aumento de temperatura;2) na ocorrência de uma mudança de estado ou 3) na conversão deste num outro tipo deenergia. Nesta secção iremos discutir alguns conceitos associados aos dois primeirosmecanismos (o terceiro será discutido mais tarde) e referir as diversas formas sob asquais o calor pode ser transferido.

Associado à maior ou menor tendência de um corpo alterar a sua temperaturaquando recebe ou liberta calor, está uma grandeza à qual damos o nome de calorespecífico. O calor específico de uma substância, C, corresponde ao calor que énecessário fornecer a um kg dessa substância para que a sua temperatura aumente de1 K. Em termos formais, seja Q o calor transferido (recebido) para (de) um dado corpode massa, m, e seja ΔT a variação de temperatura a que esse corpo fica sujeito, épossível escrever:

TmCQ . equação 33

Embora a unidade do S.I. de calor seja, obviamente, o joule (uma vez que setrata de uma forma de energia), durante muito tempo foi utilizada uma unidade, que,aliás, não caiu ainda em desuso, que é a caloria (cal). A definição da unidade caloriaestá intimamente relacionada com a equação 33, uma vez que uma caloria define-secomo o calor necessário para fazer subir um grama de água pura de 14.5 ºC para15.5 ºC. Ou seja, o calor específico da água pura, dado em cal g-1 C-1 é 1. Atendendo aque 1 cal corresponde a 4.186 J, facilmente se verifica que o calor específico da águaem S.I. é 4.186 x 103 J kg-1 K-1. Na tabela 3 estão indicados alguns valores de calorespecífico.

Substâncias Calor específico (cal g-1 ºC)Água 1Gelo 0.480Corpo humano (média) 0.83Solo (dependendo da % de água) 0.2-0.8Alumínio 0.214Proteínas 0.4

Tabela 1 - Calor específico de algumas substâncias. (Adapt. de P. Davidovits, 2001).

A título ilustrativo examine-se o que se passa com o corpo humano. Os seusconstituintes são fundamentalmente água (cerca de 75%) e proteínas (cerca de 25%),conjuntamente com alguma gordura e minerais. O seu calor específico é reflexo destacomposição. Repare-se que, se considerarmos apenas a contribuição da água e dasproteínas, obtém-se um valor muito próximo do valor medido experimentalmente:

85.04.025.0175.025.075.0_ proteínaságuahumanocorpo CCC cal g-1 C-1.

Uma outra grandeza importante para esta discussão é o calor latente. Conformese referiu anteriormente a transferência de calor de (ou para) um sistema pode implicaruma mudança de estado e o calor latente mede a maior ou menor extensão de massaque fica sujeita a essa mudança de fase quando existe transferência de calor. Como

36

facilmente se compreende, cada substância apresenta dois valores de calor latente: ocalor latente de fusão, Lf (que tem o mesmo valor que o calor latente de solidificação)e o calor latente de evaporação, Le, (que tem o mesmo valor que o calor latente decondensação). Matematicamente são definidos através das expressões:

ou fmLQ emLQ , equação 34

onde m é a massa de substância e Q o calor transferido. A unidade de calor latente noS.I. é J kg-1.

A transferência de calor poderá ser feita através de três processos: porcondução, convecção e radiação (ver figura 32).

Figura 32 - Representação dos diferentes tipos de transporte de calor: a) condução, b) convecção ec) radiação. (Adap. de P. Davidovits, 2001).

Quando as extremidades de um mesmo objecto se encontram a temperaturasdistintas, ao fim de algum tempo, todo o objecto se encontra à mesma temperatura,tendo havido transferência de calor por condução de um extremo para o outro. Este tipode transporte de energia térmica envolve a vibração dos átomos que se encontramligados e o movimento de electrões livres que existe em alguns materiais. Omovimento de vibração dos átomos é transferido aos átomos adjacentes, conduzindo,dessa forma, o calor. No entanto, como os átomos num sólido se encontram bastanteligados, esta forma de transferência de energia é bastante lenta. Já os electrões livres dealguns materiais, nomeadamente, dos metais, por terem uma grande mobilidade nointerior do sólido transferem calor de um modo muito mais eficiente. Por este motivo,os metais são, geralmente, bons condutores de calor.

Matematicamente, a taxa de calor conduzido, Q, por unidade de tempo, Δt, édada por:

21 TTLAK

tQ c

, equação 35

onde Kc é o coeficiente de condutividade térmica, característico do material, A é a áreado secção recta do bloco (ver figura 33), L é o seu comprimento e (T1-T2) é a diferençade temperaturas entre os extremos do objecto.

37

Figura 33 - Fluxo de calor por condução num bloco de área A, comprimento L e sujeito a umadiferença de temperaturas: (T1-T2). (Adap. de P. Davidovits, 2001).

Se nos sólidos a forma mais eficiente de transferência de calor é através dacondução, nos fluidos o mecanismo mais relevante é a convecção. Quando umadeterminada região de um fluido é aquecida, este tende a tornar-se menos denso (versecção 8.2.) e, portanto, geram-se correntes de fluido que vão aquecer outras regiões.Quando um fluido se encontra em contacto com um sólido, uma parte da energia étransferida para este, aquecendo-o. Mais uma vez é possível quantificar a taxa detransferência de calor, Q, por unidade de tempo, Δt, através de convecção com base naexpressão:

21' TTAK

tQ

c

, equação 36

em que 'cK é o coeficiente de convecção, função da velocidade do fluido, A é a área

exposta às correntes de convecção e (T1-T2) a diferença de temperaturas entre asuperfície e as correntes convectivas.

Falta abordar a última forma de transferência de calor que corresponde àemissão de radiação electromagnética, fundamentalmente na gama entre oinfravermelho e o visível. Como já se referiu, o aumento da temperatura implica umaumento da amplitude dos movimentos das partículas constituintes da matéria. Quandoessas partículas são carregadas (como é o caso dos electrões e dos núcleos atómicos)passam a emitir radiação electromagnética. Na realidade, uma vez que os electrões sãomuito mais leves do que os núcleos, este mecanismo ocorre prioritariamente devido àvibração electrónica. Além disso, a energia irradiada é tanto maior quanto maior for atemperatura do objecto emissor. Neste caso, a taxa de calor perdido, Q, por unidade deárea do objecto, A, e por unidade de tempo, Δt, é dada por:

4TetA

Q

, equação 37

onde e é a emissividade da superfície (e depende da temperatura, da natureza dasuperfície e pode variar de 0 a 1), é a constante de Stefan-Bolzmann(5.67 x 10-8 W m-2 K-4) e T é a temperatura absoluta do corpo. A equação anteriorrevela dois factos importantes: 1) que este tipo de transferência de calor éparticularmente importante para temperaturas muito elevadas (repare-se na

38

dependência da perda de calor com a quarta potência da temperatura); 2) que qualquerque seja a temperatura de um objecto, ele perde calor através deste mecanismo.

Um outro ponto importante nesta discussão é o facto de a equação 37 sertambém válida para descrever a energia absorvida por um corpo. Deste modo, umcorpo à temperatura T1, e num meio à temperatura T2, liberta energia térmica porradiação, com uma taxa de:

42

41 TTe

tAQ

, equação 38

uma vez que o parâmetro e, é igual quer o corpo esteja a libertar, quer esteja a absorverradiação.

8. Transporte passivo e activoA forma como as substâncias se movimentam nos tecidos reveste-se de

particular interesse na compreensão do funcionamento do corpo humano. Por estemotivo, neste capítulo, ir-se-á abordar, de uma forma simples, o formalismo associadoao transporte de substâncias através de um meio que poderá ser homogéneo (difusãolivre) ou heterogéneo (através de membranas, por exemplo).

8.1 Difusão livreA experiência diz-nos que se introduzirmos uma solução colorida no interior de

um líquido, observa-se a cor da solução a espraiar-se gradualmente através do líquido.A este processo, em que as moléculas da solução se movimentam das regiões de maiorconcentração para as regiões de menor concentração, dá-se o nome de difusão.

A difusão deve-se ao caminho aparentemente aleatório que as moléculaspercorrem nas suas constantes colisões. A propósito da teoria cinética dos gasesreferiu-se que as moléculas não só possuíam uma velocidade média, como colidiamincessantemente umas com as outras. Seja L a distância média que as moléculaspercorrem sem colidir, também denominado o livre percurso médio das partículas.Verifica-se, através de cálculos estatísticos, que a distância a que uma molécula seencontra do ponto de partida, após colidir N vezes é dada por:

NLS .

Com base nesta informação é possível determinar o tempo necessário para umadeterminada substância difundir-se através de uma distância S. Comece-se por calcularo espaço percorrido pela partícula:

LS

LSLLN

2

2

2

percorrido espaço .

Se a velocidade média das partículas for v, então o tempo necessário para percorrer S,será:

LvS

vt

2percorrido espaço . equação 39

39

Atendendo a que as molécula num líquido como a água estão muito próximas(L é muito pequeno, da ordem de 10-8 cm) e que a sua velocidade média é, àtemperatura ambiente, cerca de 102 m s-1. Então o tempo necessário para uma moléculade água percorrer 1 cm será:

s40m46h2s101010

10 4210

222

LvSt .

Repare-se, no entanto, que, se a distância de difusão for da ordem de 10-3 cm(que é a dimensão típica de uma célula tecidular) a difusão é extremamente rápida (daordem de 10-2 s). Por este motivo, embora a difusão macroscópica num líquido seja umprocesso relativamente lento, este mecanismo aplicado à troca de oxigénio, nutrientes edetritos ao nível celular é bastante eficiente.

Note-se, ainda, que o facto de nos gases as moléculas estarem mais afastadas,implica que o livre percurso médio seja maior do que nos líquidos (cerca de 3 ordensde grandeza nos gases à pressão atmosférica: cm10 5L ). Pelo que, uma moléculade gás, nessas condições, demora apenas cerca de 10 s para percorrer uma distância de1 cm.

Uma outra abordagem da difusão livre consiste no cálculo do número departículas que atravessam uma dada região em função da densidade27 dessas partículasno meio. Considere-se a figura 34 que representa um conjunto de moléculas numrecipiente cilíndrico em duas regiões distintas.

Figura 34 - Representação de um conjunto de moléculas com concentrações diferentes em duasregiões distintas. (Adap. de P. Davidovits, 2001).

Na região 1 (considerada a origem dos eixos) a densidade das moléculas é ρ1, enquantoque na região 2 (à distância S da primeira) a densidade é ρ2. Se VD for a velocidade dedifusão28, obtém-se:

SLv

LvSS

tSVD

2 ,

atendendo à equação 39. Calculemos em seguida o número de moléculas por unidadede área e de tempo, J1, que atravessa uma fatia Δx do recipiente na região 1 em

27 Neste contexto entende-se densidade como o número de partículas por unidade de volume. 28 Repare-se que VD é a velocidade média associada à difusão (e, portanto, será a razão entre odeslocamento das partículas e o intervalo de tempo necessário para esse deslocamento) e que v é avelocidade média associada à totalidade do espaço percorrido (será, pois, a razão entre o espaço totalpercorrido pela partícula e o mesmo intervalo de tempo).

40

direcção à região 2. Comece-se por calcular o número total de moléculas nessa fatia,por unidade de área e de tempo:

DVtAxA

tAV

tANJ 1

11'1

,

onde N o número total de moléculas na fatia considerada, A a área da secção recta, Δt ointervalo de tempo, V o volume, Δx a espessura da fatia e ρ1 a densidade de moléculasna região 1. Admitindo que estatisticamente metade dessas moléculas se movimentamno sentido da região 2 e a outra metade em sentido contrário, então:

221

'1

1DVJ

J

.

De igual modo, o número de moléculas por unidade de área e de tempo que semovimentam da região 2 para a região 1 (ou também chamado fluxo, em unidades dem-2 s-1), será:

22

2DVJ

.

Pelo que, o fluxo total da região 1 para a região 2 será a diferença de ambos:

S

LvVJJJ D

222121

21

,

onde a velocidade de difusão foi substituída pela sua expressão em função do livrepercurso médio, L, da velocidade média quadrática, v, e do espaço percorrido, S.Podendo esta expressão ser reescrita em função do coeficiente de difusão, D:

S

DJ 21 , equação 40

sendo esta equação conhecida como a Lei de Fick da difusão29. O coeficiente dedifusão no caso considerado é metade do produto do livre percurso médio com avelocidade média quadrática. No entanto, em situações mais complexas poderá ter umaexpressão mais complicada. Aliás, para compreender a dependência deste parâmetrocom diversos factores basta atentar no facto de mesmo o livre percurso médio serfunção das dimensões das moléculas e da viscosidade do meio de difusão.

8.2 Difusão através de membranasNa secção anterior estudou-se o transporte de substâncias num meio

homogéneo. No entanto, na maior parte das situações biológicas as substâncias sãotransportadas através de membranas o que modifica de sobremaneira o fluxo dematéria. De uma forma muito simples é possível definir o fluxo através de umamembrana através da expressão:

29 Esta equação aparece muitas vezes representada com a grandeza densidade substituída porconcentração. Nesse caso, a única diferença reside nas unidades de fluxo que passam a ser mol m-2 s-1.

41

21 PJ , equação 41

sendo P a permeabilidade da membrana à substância em estudo, com unidades develocidade e 21 a diferença de densidades da substância em cada um dos ladosda membrana30. O parâmetro P mede a maior ou menor facilidade com que asmoléculas atravessam a membrana, dependendo do tipo de canais que esta possui (verfigura 35).

Figura 35 - Representação de uma membrana com os respectivos canais. Nesta figura ilustra-se aselectividade dos canais, neste caso, determinada pelas dimensões das partículas. (Adap. de P.Davidovits, 2001).

Em alguns casos as membranas são selectivas, ou seja, permitem a passagem dealgumas substâncias, mas evitam a passagem de outras. Em particular, esta situaçãoverifica-se com muita frequência no que respeita à água31. A este efeito selectivoassociado à água dá-se o nome de osmose. Suponha que se divide um recipiente emdois através de uma membrana colocada no seu interior que só permita a passagem daágua (figura 36). Numa das divisões coloca-se água pura e na outra uma solução deágua com açúcar, por exemplo. Após deixar sistema evoluir, verifica-se que a situaçãode equilíbrio corresponde a uma parte da água na primeira divisória ter sido transferidapara a segunda. A explicação microscópica deste fenómeno prende-se com o facto deas moléculas de água da solução terem maior dificuldade em chegar às paredes damembrana, uma vez que encontram pelo caminho as moléculas de açúcar. Por sua veza água pura atinge as paredes da membrana com mais facilidade, o que implica que ofluxo de moléculas de água da primeira para a segunda divisória seja maior do que emsentido contrário.

30 Também neste caso, as densidades podem ser substituídas por concentrações.31 A água é constituída por moléculas muito pequenas cuja circulação raramente é barrada pelasmembranas que evitam a passagem de moléculas maiores, mas são completamente permeáveis à água.

42

início equilíbrioFigura 36 - Ilustração do fenómeno de osmose. (Adap. de J.B Marion e W.F. Hornyak, 1985).

Devido aos motivos anteriormente expressos, verifica-se que, no equilíbrio, asolução apresenta uma altura superior à da água pura (figura 36). À quantidade ρgh(onde h é a diferença de alturas, g a aceleração da gravidade e ρ a densidade dasolução) dá-se o nome de pressão osmótica da solução e representa-se pela letra gregaΠ. Uma forma de compreender o significado físico da pressão osmótica é entender queesta é a pressão adicional que se teria que exercer na água para que esta nãoatravessasse a membrana. Um resultado bastante interessante foi o encontrado por J.H.van’t Hoff ao perceber que a pressão osmótica é directamente proporcional àconcentração da solução e à sua temperatura absoluta. Considerando a constante deproporcionalidade o parâmetro , obtém-se:

TnVTVnCT , equação 42

que é uma expressão muito semelhante à equação dos gases ideais discutidaanteriormente. Analogia que se torna tanto mais evidente quanto o facto de apresentar um valor muito próximo ao da constante dos gases ideais R.

É ainda de referir a notável influência que o fenómeno da osmose tem ao níveldo equilíbrio dos tecidos. Repare-se que todas as células são revestidas por membranassemipermeáveis o que implica um enorme equilíbrio entre as pressões osmóticas nointerior e no exterior das células para que estas não percam ou ganhem demasiada águacom a consequente alteração do seu volume.

Até aqui tem-se referido o transporte espontâneo, ou seja, o transporte de massaque ocorre no sentido das maiores concentrações para as menores concentrações. Noentanto, várias são as situações em que o transporte ocorre em sentido contrário com onatural consumo energético. Este tipo de transporte, ao qual se dá o nome detransporte activo, é perpetrado por proteínas de membrana as bombas que sãomuitas vezes responsáveis pela manutenção das concentrações iónicas vitais para ofuncionamento celular. Uma vez que este tipo de transporte envolve, geralmente, otransporte de iões, o seu funcionamento está relacionado com diferenças de potencialeléctrico existente entre o interior e o exterior das membranas e, por esse motivo, seráabordado com maior detalhe no capítulo respeitante ao comportamento eléctrico dossistemas biológicos.

43

8.3 A importância da difusão na oxigenaçãoComo é do conhecimento geral, a energia necessária para a manutenção do

corpo humano é fornecida essencialmente pela oxidação dos alimentos que ingerimos,sendo, portanto, crucial o consumo de oxigénio. Verifica-se que a forma mais simplesde oxigenar o corpo humano é através da difusão de moléculas de oxigénio através dapele. Porém, este mecanismo é muito pouco eficiente verificando-se que no homem,por exemplo, apenas 2% das suas necessidades em oxigénio poderão ser supridasatravés deste processo. Os pulmões são, pois, a forma encontrada para tornar o ritmodas trocas gasosas adequado às exigências. De facto, a superfície dos alvéolos é cercade 50 vezes superior à superfície da pele e, além disso, a distância entre os alvéolos eos capilares é cerca de 4 x 10-5 cm, pelo que a troca de oxigénio e de dióxido decarbono através da difusão entre os pulmões e os capilares é bastante rápida. Quanto aosentido do fluxo dos gases é fácil compreender que este se processa tendo em conta asdiferenças de concentração dos mesmos: no caso do oxigénio será dos pulmões para oscapilares, no caso do dióxido de carbono será dos capilares para os pulmões.

9. Leis da TermodinâmicaA Termodinâmica é tida como a ciência que estuda as relações entre o calor, o

trabalho e as subsequentes trocas energéticas. É de referir que a termodinâmica assentafundamentalmente em duas importantes leis: a primeira é, na sua essência, a lei deconservação da energia, enquanto que a segunda regulamenta o tipo de trocasenergéticas que poderão existir entre os sistemas.

9.1 Primeira Lei da TermodinâmicaComo já se referiu, a Primeira Lei da Termodinâmica é a Lei da Conservação

da Energia32 que estabelece que a energia não é gerada nem perdida, apenastransformada noutras formas de energia. Ou seja, se um sistema receber energia(qualquer que seja a sua forma) essa energia poderá ser utilizada para aumentar aenergia interna desse sistema, ou poderá ser libertada sob qualquer outra forma,nomeadamente, através de calor ou da realização de trabalho. Esta lei pode serrepresentada através da expressão:

WQE . equação 43

onde E é a variação de energia interna do sistema, Q é o calor recebido pelo sistema(se Q for negativo toma o significado de calor cedido pelo sistema) e W é o trabalhorealizado pelo sistema (se W for negativo toma o significado de trabalho realizadosobre o sistema)33.

32 A Lei de Conservação da Energia é inicialmente introduzida como uma lei de conservação da energiamecânica. E neste formato estabelece que a variação de energia de um sistema ao qual só estão aplicadasforças conservativas (cujo trabalho não depende da trajectória) é nulo e a variação de energia de umsistema ao qual estão também aplicadas forças não-conservativas (também chamadas dissipativas) igualaa energia dissipada por essas forças. Quando o conceito de calor tomou o significado de energia, a lei foirevista no sentido de englobar esta forma de energia, dando lugar àquela que é actualmente conhecidacomo a Primeira Lei da Termodinâmica.33 Note-se que os sinais das diferentes variáveis são convencionais e é possível encontrar na literaturaoutras convenções, com as consequentes alterações nos sinais da expressão 43.

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9.2 Segunda Lei da TermodinâmicaFacilmente se verifica que existe uma infinidade de fenómenos que, embora

sejam permitidos pela Primeira Lei da Termodinâmica, não ocorrem espontaneamente.Pense-se, por exemplo, no fluxo de calor cujo sentido é sempre o dos corpos atemperatura mais elevada para aqueles que se encontram a temperaturas mais baixas enunca o inverso. Existem ainda exemplos mais simples, como o facto de um pratopartido não regressar ao estado inicial espontaneamente, ou o de água derramadaregressar ao copo de onde caiu. A irreversibilidade destes processos está intimamenterelacionada com questões probabilísticas. Para entender esta questão coloque-se umasituação simples: imagine-se três moedas que se encontram num estado dito ordenadoquando as três faces cara se encontram viradas para cima. Seguidamente as moedas sãomisturadas de maneira a que, uma vez largadas, seja igualmente provável aparecer aface cara ou a face coroa. Uma análise das várias combinações possíveis indica-nosque existe apenas uma hipótese em oito de as moedas regressarem ao estado inicial.Existindo sete hipóteses em oito de adquirirem qualquer das outras combinações. Ouseja, os estados desordenados são mais prováveis do que os ordenados. Repare-se aindaque quanto maior for o número de moedas, mais improvável será retomarem ao estadoconsiderado ordenado, ou seja, aquele que corresponde a todas as moedas terem a facecara voltada para cima. De tal forma que, se o número de moedas for suficientementegrande, a possibilidade de elas regressarem ao estado ordenado é consideradanegligível34. À luz deste exemplo, a Segunda Lei da Termodinâmica poderá serintroduzida da seguinte forma: As alterações espontâneas num sistema são no sentidodos estados de menor probabilidade para os estados de maior probabilidade. Ou seja,dos estados mais ordenados para os estados mais desordenados. Assim, alterações queenvolvam a passagem para estados mais organizados exigem o consumo de energia,não podendo, portanto, ser consideradas espontâneas. Ou seja, um sistema ordenadodeixado evoluir livremente tenderá a perder a sua organização.

Uma das áreas em que a Segunda Lei tem uma aplicação directa é limitando osprocessos em que ocorre conversão de calor em trabalho. Para compreender como,debrucemo-nos sobre as diferenças entre o calor e as restantes formas de energia.

Na verdade, a principal característica que distingue o calor das restantes formasde energia é a sua natureza aleatória. Vejamos, por exemplo, o que se passa quando ocalor é transmitido por condução ou por convecção. Como já foi discutidoanteriormente, esse transporte está relacionado com o movimento caótico daspartículas, ou seja, corresponde a um processo não ordenado. Também quando o caloré transmitido através de radiação electromagnética, as ondas tomam qualquer direcção,são caracterizadas por uma larga gama de comprimentos de onda e apresentam fasesaleatórias. Se discutirmos as outras formas de energia verificamos que se manifestamatravés de processos mais ordenados: a energia potencial gravítica de um objectocorresponde a uma posição bem definida no espaço; o trabalho realizado por uma forçaestá intimamente relacionado com a trajectória descrita pelo objecto ao qual a força éaplicada; a energia química depende das conformações específicas que determinadasmoléculas adquirem… Ou seja, enquanto a maioria das formas de energia depende deprocessos bem determinados, o calor apresenta um carácter desordenado e, por isso etendo em atenção o que foi anteriormente discutido referente à maior probabilidade dossistemas desordenados, enquanto que qualquer forma de energia se transformaespontaneamente em calor, o contrário não é válido.

Um modo mais formal de introduzir a Segunda Lei da Termodinâmica é atravésdo seguinte enunciado: Considerando um fluxo de calor, Q, entre uma temperatura

34 Repare-se que se para 3 moedas a probabilidade de obter um estado ordenado é de 1/8 (0.125), para 10moedas a probabilidade é de 0.001!

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mais elevada, T2, e uma temperatura inferior, T1, apenas uma fracção desse calor poderáser transformado em trabalho, W, cumprindo-se a relação:

1

21TT

QW

. equação 44

Analisando a equação anterior, facilmente se conclui que o calor só poderia sertotalmente convertido em trabalho se a temperatura mais baixa (representada por T1

fosse zero). Como esta expressão só é válida considerando as temperaturas na escalaKelvin e o zero absoluto é impossível de alcançar, conclui-se que o calor nunca étotalmente transformado em trabalho.

9.3 Aplicação das duas Leis da Termodinâmica às necessidadesenergéticas dos seres vivos

Embora seja evidente que os seres vivos não sobrevivem sem se alimentar, omotivo pelo qual isso sucede é menos fácil de compreender, sendo necessário recorrerà conjugação das duas leis estudadas anteriormente para o justificar. Comecemos porpensar num corpo que não só tem que manter a sua temperatura contra um meio que seencontra a uma temperatura, por hipótese, menor, como também realiza trabalho,através de movimentos musculares. À luz da Primeira Lei compreende-se que só com aentrada de energia é possível manter estas duas funções (ver figura 37).

Figura 37 - Esquema das trocas energéticas entre o corpo e o exterior. (Adap. de P. Davidovits,2001).

Esta abordagem conduz-nos, no entanto, à seguinte questão: “Um corpo que semantenha termicamente isolado e não realize trabalho muscular sobreviverá sem sealimentar? E, em caso da resposta ser negativa, em que será utilizada essa energia?Repare-se que segundo a Primeira Lei a situação é perfeitamente possível: se não entranem sai energia do corpo, então a energia interna manter-se-á constante…”35. Naverdade, é necessário recorrer à Segunda Lei para compreender o que se passa nestascircunstâncias. Recorde-se que um sistema vivo é um sistema extraordinariamenteordenado. Um sistema com estas características, deixado evoluir livremente, tenderia aperder a sua ordem e, no limite, tornar-se-ia disfuncional. Deste modo, um ser vivoainda que não interagisse com a vizinhança exigia energia para manter a sua ordeminterna.

35 Repare-se que esta situação é, obviamente, hipotética, uma vez que um ser vivo nunca poderia ser umsistema isolado… De modo que esta hipótese deve ser considerada apenas como conceptual e utilizadapara introduzir a importância da Segunda Lei da Termodinâmica neste contexto.

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Energia interna:químicatérmica

Entrada de energia (alimentos)

Calor

Trabalho

9.4 Entropia e Segunda LeiNeste capítulo, várias têm sido as referências à ordem de um sistema e à sua

importância. É, pois, compreensível que surja uma grandeza que a meça. A essagrandeza dá-se o nome de entropia e, a este nível de conhecimentos, é, habitualmente,definida em termos da sua variação, S . Em particular, num processo que ocorra auma temperatura constante, T , a variação de entropia de um sistema que receba (ouperca) uma quantidade de calor Q é definida como:

TQS

, equação 45

o que implica que a entropia tenha como unidade J K-1.Com base nesta grandeza tem-se, ainda, uma outra formulação da Segunda Lei

que é enunciada da seguinte forma: A entropia de um sistema isolado (ou seja, que nãorealiza trocas energéticas com o exterior) nunca diminui36.

A título de discussão, gostaríamos ainda de atentar no facto de a aquisição deordem por parte dos sistemas exigir não apenas energia, mas também informação. Defacto, para que a energia seja utilizada no sentido de ordenar um sistema é necessáriosaber exactamente como fazê-lo. Assim, associada a este tema está esta outra grandeza(informação) que é tão crucial como a energia para que a entropia de um sistemadiminua. Ou seja, fazendo, uma vez mais, um paralelismo que o que se passa nos seresvivos, poderemos afirmar que para manter estes sistemas funcionais, é necessário queestes estejam ordenados, pelo que estes recebem energia por via dos alimentos queingerem (energia química) ou directamente do sol (no caso das plantas com clorofila) eacedem à informação de como essa energia pode ser utilizada através do DNA.

9.5 Aspectos da energética do corpo humanoComo já e referiu anteriormente o corpo humano necessita de energia para

diversas tarefas, por conveniência estipulou-se uma grandeza média de consumoenergético a que se dá o nome de taxa metabólica e cuja unidade é J m-2 s-1 em S.I.,embora seja muito comum ser dada em kcal m-2 hora-1. A taxa metabólica média paradiferentes actividades está apresentada na tabela 4.

Actividades Taxa Metabólica (kcal m-2 hr-1)Dormir 35Vigília (repouso) 400Sentado 50Em pé 60Andar 140Trabalho físico moderado 150Andar de bicicleta 250Correr 600Tiritar de frio 250

Tabela 2 - Taxas metabólicas para diferentes actividades. (Adapt. de P. Davidovits, 2001).

Em muitas situações é importante conhecer-se o consumo energético de umindivíduo que realize determinada tarefa. Pelo que foi exposto, para tanto, seránecessário conhecer a área da superfície do corpo. Ora, geralmente, as variáveis36 Note-se que sendo a entropia uma medida da ordem, esta é apenas uma outra forma de dizer que umsistema que não troque energia com o exterior deixado evoluir espontaneamente, nunca tende paraestados de maior ordem.

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susceptíveis de medida são a massa e a altura dos indivíduos. Uma expressão empíricaque permite obter a área da superfície a partir destas variáveis é:

725.0425.0202.0 hmA , equação 46

onde A é a área da superfície do corpo em metros quadrados; m será a massa emkilograma e h a altura em metros.

Para compreender a forma como são utilizadas estas expressões, calcule-se aenergia consumida por um indivíduo de 70 kg e 1.55 m de altura durante um dia,admitindo que não executa qualquer outra actividade a não ser permanecer deitado37.Comece-se por calcular a área aproximada do corpo:

2725.0425.0 m69.155.170202.0 A .

Em seguida, calcule-se a energia consumida numa hora (consultar a tabela 4):

-1' horakcal6.6769.140áreametabólica taxa E .

E, por fim, para o cálculo da energia consumida num dia:

kcal162224 67.6horas 24' EE .

Tal como já foi referido, a energia necessária para o funcionamento do corpohumano é obtida a partir da oxidação dos diversos nutrientes, nomeadamente, hidratosde carbono, proteínas, lípidos (gorduras) e álcoois. Cada um destes tipos de nutrientestem reacções de oxidação associadas, nas quais existe libertação de energia. Aoxidação da glucose, por exemplo, é descrita através da equação:

energiaO6H6CO6OOHC 2226126 .

Em média, é aceite que por cada grama de hidratos de carbono ou proteínasoxidados são libertadas 4 kcal, por cada grama de lípidos, são libertadas 9 kcal e porcada grama de álcool são libertadas 7 kcal. Relativamente a este balanço energético háainda a considerar dois pontos importantes, o primeiro diz respeito ao facto de aoxidação dos nutrientes às temperaturas habituais do corpo não ocorrerespontaneamente. Por este motivo, é necessária a participação de catalizadores (que nocorpo humano são formados por moléculas muito complexas a que se dá o nome deenzimas) que promovem estas reacções. Uma segunda questão está relacionada com ofacto destas reacções exigirem consumo de oxigénio38, o que, por sua vez, implicagastos energéticos que devem ser tidos em conta quando se calculam dosesrecomendadas de alimentos.

Um aspecto importante da energética do corpo humano prende-se com ocontrolo de temperatura, o qual envolve diversos mecanismos. Tendo em conta que daenergia muscular gasta, apenas cerca de 20% é aproveitada sob a forma de trabalho,

37 Neste exemplo de aplicação não se irá fazer distinção entre o consumo energético durante as horas desono e as restantes.38 Assume-se que por cada litro de oxigénio utilizado na oxidação de alimentos, sejam consumidas4.83 kcal.

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observa-se que a restante energia é transformada em calor, o qual, se permanecesse nointerior do corpo, torná-lo-ia disfuncional devido ao aumento de temperatura. Destemodo, é necessária a existência de um processo eficiente de transferência de calor dointerior para o exterior. E é ainda necessária uma diferença de temperaturas entre a pelee o interior do corpo que promova o fluxo de calor. No entanto, se o mecanismo detransporte de calor no interior do corpo se limitasse à condução, este seria muitoineficiente, dado o baixo valor de condutividade térmica dos tecidos. De facto, oprocesso mais eficiente de libertação de calor é o correspondente à condução através dosangue. O fluxo sanguíneo transporta calor que é libertado ao nível da superfície dapele através dos capilares que a irrigam. Aliás, quando se pretende que a libertação decalor seja menor, ocorre constrição ao nível dos capilares, reduzindo as trocas térmicascom o exterior.

Note-se que a perda de calor para o exterior é feita por qualquer dosmecanismos anteriormente estudados. No entanto, tendo em conta que a condutividadedo ar é muito pequena, a perda de calor por condutividade é diminuta, só sendoconsiderável se uma parte considerável da superfície corporal estiver em contacto comum material com uma boa condutividade térmica (um metal, por exemplo). Casocontrário os dois mecanismos mais importantes de troca de calor entre a pele e oexterior são a convecção e a radiação. No entanto, como facilmente se conclui do quefoi exposto na secção 8.4., estes dois mecanismos só são verdadeiramente úteis nadissipação de energia térmica do corpo quando a temperatura do exterior é menor doque a temperatura do interior. Caso contrário, a temperatura corporal éfundamentalmente regulada através da evaporação do suor. Um elevado calor deevaporação da água (cerca de 0.580 kcal g-1) permite uma eficiente perda de calor poresta via. Pode ainda referir-se a perda de calor por evaporação devido à respiração, noentanto, no homem, este mecanismo é diminuto quando comparado com o datranspiração.

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