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III Seminário Nacional sobre Ensino Jurídico e Formação Docente

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III SemInárIo nacIonal Sobre enSIno JurídIco e Formação docente

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Adriana Goulart de Sena Orsini Marcella Furtado de Magalhães Gomes Jéssica Luiza Moreira Barbosa Henrique Andrade Thelma Yanagisawa Shimomura Samuel Maia (Orgs.)

III SemInárIo nacIonal Sobre enSIno JurídIco e Formação docente

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© Autores

cip –Brasil Catalogação-na-Fonte | Sindicato Nacional dos Editores de Livro, rj

S456 III Seminário Nacional sobre ensino jurídico e formação docente [livro eletrô-nico]/ Organização Adriana Sena... [et al.] . -- Belo Horizonte, MG : Relicário Edições, 2016.

1,5 MB. Vários autores ISBN: 978-85-66786-35-4

1.Direito – Estudo e ensino - Brasil.2. Seminários jurídicos. I. Sena, Adriana, [et.al].II. Título.

CDD 340.07081

Revisão: Maria Fernanda MoreiraDiagRamação: Ana FontesCooRDenação eDitoRial: Maíra Nassiflayout Da Capa: João Paulo Tiago

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Prefácio 7

Egressos do XI de AgostoUm estudo sobre a influência da política acadêmica nos destinos dos alunos de DireitoCaio Sartorelo Franco, Maike Wile dos Santos, Guilherme de Souza Meirelles e Felipe Dias Gonçalves 21

Incipiências epistemológicas e metodológicas: Uma ciência do Direito em fundamento às associações civis por uma educação atenta ao artigo 205 da Constituição FederalBrahwlio Soares de Moura Ribeiro Mendes, Marcos Vinício Chein Feres e Alan Rossi Silva 51

A questão do ensino/aprendizagem nos cursos de Direito do Brasil sob a perspectiva da relação docente/discenteEnsaio sobre uma aula perfeitaRaisa Duarte da Silva Ribeiro e Juliane dos Santos Ramos Souza 81

Construção coletiva de conhecimento no mundo virtual:O caso dos grupos de Facebook no curso de Direito da UFMGLetícia Birchal Domingues 93

O desafio da educação libertadora:Uma experiência da busca pelo desenvolvimento do olharLuís Gustavo Augusto Henrique e Patrícia Alencar Silva Mello 111

Desafios para uma educação jurídica de autonomia e criticidade: Matriz curricular e projeto pedagógicoMarcus Vinícius de Freitas Teixeira Leite 123

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PREFÁCIO

Hoje, o ensino do Direito é certamente um dos temas que ocupam o pensamento de muitos daqueles que estão vinculados ao mundo jurídico e que pensam uma democracia efetiva – política, social e econômica – para o Brasil. Também não é um erro afirmar que os problemas, diagnósticos e desafios da educação jurídica da atualidade são muitos e que eles se relacionam direta ou indiretamente com alguns dos problemas da realidade jurídica e social brasileira.

As novas metodologias de ensino jurídico – em especial aquelas que se estruturam em torno da participação do aluno na construção de seu próprio conhecimento –, a possibilidade de flexibilização das grades curriculares, o desenvolvimento e valorização de atividades de extensão universitária, a apro-ximação do ensino da realidade social, o processo e a importância da formação dos professores de direito, a utilização de ferramentas tecnológicas para aperfei-çoamento do ensino são temas caros não só para o mundo das leis, mas também para o desenvolvimento nacional. Trabalhar em prol de uma educação jurídica que construa operadores do direito capazes de compreender a dinâmica complexa dos processos sociais e, ao mesmo tempo, capazes de atuar ativa e criticamente dentro dessa realidade é trabalhar para a consecução do projeto de sociedade democrática desenhado na Constituição Federal de 1988.

É dentro desse contexto que surge a iniciativa dos Seminários Nacionais sobre Ensino Jurídico e Formação Docente, com a proposta de possibilitar a troca de experiências entre diferentes atores do ensino do Direito para qualificar e ampliar as possibilidades de debate e de ação concreta no aperfeiçoamento das escolas de Direito do Brasil.

o Que noS leVou atÉ aQuI

O Seminário Ensino Jurídico e Formação Docente foi organizado pela primeira vez pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, no dia 1 de junho de 2012. Foi a partir do primeiro Seminário que se iniciou essa proposta

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de se discutir o ensino jurídico nacionalmente. Cabe dizer que o Seminário nas-ceu dando especial atenção às metodologias de ensino participativo, nas quais o aluno é o protagonista da construção do seu próprio conhecimento – essa última característica, em particular, está escrita no próprio DNA da iniciativa.

Na ocasião, o evento reuniu e contou com a participação e a parceria de representantes de mais de vinte instituições de ensino superior. Os debates re-alizados e as perspectivas vislumbradas no evento foram de tal maneira produ-tivas e positivas para o ensino jurídico do país que, durante o evento, o Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) se prontificou a realizar a segunda edição do evento no ano seguinte.

De fato, o II Seminário de Ensino Jurídico e Formação Docente ocorreu no dia 17 de maio de 2013 e também contou com a parceria de outras instituições relevantes. Mais uma vez, a qualidade dos debates e a importância da iniciati-va fez com que a gênese de sua continuidade surgisse durante a realização do próprio evento: a Faculdade de Direito da UFMG apresentou candidatura para realizar, em 2014, a terceira edição do Seminário de Ensino Jurídico e Formação Docente, a qual foi aprovada pelas entidades presentes.

E, de fato, durante os dias 16 e 17 de outubro de 2014, a Faculdade de Direito da UFMG (FDUFMG) recebeu o III Seminário Nacional de Ensino Jurídico e Formação Docente.

o cenárIo da FduFmG

A FDUFMG passa por um processo de profunda discussão sobre o estado de seu ensino. Apesar de suas muitas virtudes, a estrutura curricular e os métodos de ensino utilizados na instituição têm sido intensamente questionados por seus alunos e professores. Desde 2012, debate-se a necessidade e a possibilidade de se reformular o currículo de sua Graduação e suas demais práticas de ensino.

Algumas iniciativas foram lideradas por alunos e professores que, desconten-tes com a educação oferecida pela instituição, desenvolveram pesquisas, seminários e debates com a comunidade acadêmica sobre a temática. O trabalho rendeu frutos, como debates entre alguns professores sobre a necessidade de reformu-lação de suas práticas pedagógicas, reuniões departamentais para a discussão do ensino, produção de dados1 sobre o estado atual do ensino na FDUFMG e conscientização de outros alunos da graduação sobre a importância desse tema.

1. Cf. RESENDE, et al. Novas Perspectivas para a Educação Jurídica, 2014. Livro produzido pelo Grupo de Pesquisa Novas Perspectivas para a Educação Jurídica, coordenado pelo professor Aziz

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o III SemInárIo nacIonal de enSIno JurídIco e Formação docente

As intensas movimentações em prol de mudanças no ensino jurídico da Faculdade tornaram extremamente propícia a realização do III Seminário. Em conformidade com o histórico do evento, as iniciativas de professores e, principalmente, dos alunos da instituição, sua proposta foi a da discussão sobre o ensino jurídico que desse especial atenção às metodologias de ensino participativo, nas quais o aluno é o principal agente construtor do seu próprio conhecimento. Não se trata de uma simples mudança de paradigma frente ao ensino jurídico “tradicional”, maciçamente presente nas salas de aula das faculdades de Direito no país, mas de uma proposta que questiona o papel habitualmente atribuído ao discente em seu processo de aprendizagem – o de mero espectador – e inverte essa lógica – colocando-o como agente de seu aprendizado. Por isso, o evento buscou abrir espaço nesse debate para a participação de seu principal interessado: o aluno. Para que isso fosse possível, a discussão sobre o ensino jurídico e a formação docente contou com a participação proativa e intensa dos alunos na definição do desenho do evento.

Organizado pelas professoras Adriana Goulart de Sena Orsini e Marcella Furtado de Magalhães Gomes, desde o início a organização, concretização, os painéis e a execução do evento contaram com a construção ativa dos alunos, em especial dos discentes Jéssica Barbosa, Henrique Andrade, Thelma Shimomura e Samuel Maia.

Assim como as duas edições anteriores, houve a participação de professores e alunos de escolas de Direito de nossa Faculdade e de instituições de outras regiões do país (como Amapá, Brasília, Fortaleza, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo), que palestraram e acompanharam as discussões.

Além do tema do ensino participativo, as discussões giraram em torno de:

• Projeto Político Pedagógico• O papel do professor de Direito• Como atribuir mais valor e destaque às atividades de Extensão

oS teXtoS ProPrIamente

Sob a perspectiva de congregar experiências acerca das novas metodologias de ensino e aprendizagem, o III Seminário de Ensino Jurídico e Formação Docente

Tuff Saliba, com artigos do próprio grupo e de alunos de outras universidades. Apresenta também resultados de questionário aplicado em 568 alunos dos 2161 matriculados na FDUFMG em 2013.

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promoveu, além das palestras e mesas de discussões, Grupos de Trabalho (GT’s). Nesses espaços, resumos expandidos e trabalhos acadêmicos, previamente se-lecionados, foram apresentados e debatidos. As discussões nos GT’s foram tão produtivas que resultaram, inclusive, em propostas para o ensino do Direito no país que foram condensadas na Carta Proposta do Seminário, cujo texto também pode ser encontrado neste livro.

De maneira resumida, os GT’s assim se dividiram:

• Grupo de Trabalho 1: Como vencer a hegemonia das aulas expositivas? – Os métodos participativos aplicados a contextos de grande “tradição” (docente e discente) expositiva.

• Grupo de Trabalho 2: Professor de Direito: jurista ou educador? Ou ambos? – O estado da atividade docente nos cursos jurídicos e as es-tratégias para sua formação.

• Grupo de Trabalho 3: O Projeto Pedagógico, a grade curricular e a realidade brasileira: o que queremos de uma escola de Direito.

• Grupo de Trabalho 4: O papel da extensão – Qual seu valor e potencial educativo na formação do aluno?

• Grupo de Trabalho 5: Novas tecnologias na educação jurídica: o que não é mais possível, o que já é possível, o que será possível e o que não será mais possível?

• Grupo de Trabalho 6: O movimento estudantil e a educação jurídica: o papel formativo e pedagógico dos centros acadêmicos.

Esses anais buscam compilar aqueles trabalhos apresentados nos GT’s que mais se destacaram ao expor – de maneira dinâmica e inovadora – os sentidos da Educação Jurídica emancipatória e reflexiva, propondo estratégias de ensino e aprendizagem que contribuam para a formação de sujeitos críticos, atuantes na construção do próprio conhecimento e conscientes das transformações que podem operar no meio que os rodeia.

Assim, como texto de abertura, temos o artigo “Egressos do XI de Agosto” elaborado por Caio Sartorelo Franco, graduando da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O ensaio diferencia-se tanto pelo aspecto inovador do tema abordado – como a participação na política estudantil no contexto da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) contribuiu para a formação intelectual, jurídica e profissional de alguns alunos – quanto pelo trabalho empírico desenvolvido pelo autor, ao investigar nos planos quantitati-

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vo e qualitativo o impacto das atividades políticas desempenhadas por alunos egressos da FDUSP em suas trajetórias acadêmicas e profissionais.

A seguir, encontramos o artigo “Incipiências epistemológicas e metodológicas: uma ciência do Direito em fundamento às associações civis por uma educação atenta ao artigo 205 da Constituição Federal”, de autoria de Brahwlio Soares de Moura Ribeiro Mendes, Marcos Vinício Chein Feres e Alan Rossi Silva, da Universidade Federal de Juiz de Fora.

O trabalho desenvolve uma reflexão metodológica sobre a epistemologia jurídica, analisando a construção de possibilidades científicas que contribuam com a força normativa do artigo 205 da Constituição Federal. Parte-se de uma análise da debilidade da força normativa do referido artigo, que contribua para educação e exceda a qualificação profissional e o exercício da cidadania, mas alcance também o pleno desenvolvimento da pessoa.

Em “A questão do ensino/aprendizagem nos cursos de Direito do Brasil sob a perspectiva da relação docente/discente – ensaio sobre uma aula perfeita”, Raisa Duarte da Silva Ribeiro, advogada e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Juliane dos Santos Ramos Souza, advogada e mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense, apresentam alternativas aptas a transformar o quadro de insatisfação com o ensino e aprendizagem nos cursos de Direito do Brasil. Os apontamentos, traduzidos na proposta de uma aula modelo, indicam que a construção de educação dialógica e conscientizadora emerge como um dos principais caminhos à superação da baixa qualidade do ensino jurídico.

A internet e o Facebook são concebidos como alternativas à crise do modelo expositivo de ensino por Letícia Birchal Domingues, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em seu artigo “Construção coletiva de conhecimento no mundo virtual: o caso dos grupos de Facebook no curso de Direito da UFMG”. A partir do estudo de caso de quatro turmas do curso de Direito da UFMG, a autora analisa em que medida grupos da rede social Facebook podem despontar como alternativa de ensino que favoreça a construção autônoma do conhecimento dos discentes.

Luís Gustavo Augusto Henrique e Patrícia Alencar Silva Mello, mestrandos da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em “O desafio da educação libertadora: Uma experiência da busca pelo desenvolvimento do olhar”, apre-sentam a experiência que vivenciaram ao ministrar um minicurso de Direito e Desenvolvimento para graduandos de Direito da Universidade São Judas Tadeu. Nessa oportunidade, adotou-se o método de ensino participativo, tomando por referencial teórico a educação crítica. A experiência demonstrou que, apesar

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de árdua, a mudança de métodos indica o ideal a ser alcançado, qual seja: um processo de ensino-aprendizagem pensado para e a partir do aluno.

Por fim, o trabalho “Desafios para uma educação jurídica de autonomia e criticidade: matriz curricular e projeto pedagógico” de Marcus Vinícius de Freitas Teixeira Leite, também graduando da Faculdade de Direto da UFMG, encerra a publicação realizando uma preciosa análise histórica da educação jurídica no Brasil e propondo o urgente debate acerca do tema, sobretudo por perceber o distanciamento dos cursos de Direito em relação à realidade social e a necessi-dade de que esses estimulem a crítica, o diálogo e a autonomia.

Lembramos que, para além da divulgação das produções, esta publicação é movida pela convicção de que somente reflexões conjuntas e participativas serão capazes de delinear novos rumos à educação jurídica nacional. Compartilhar experiências e novas metodologias dá força à transformação da sistemática de ensino-aprendizagem, fortalecendo a concepção do aluno enquanto sujeito e agente de sua formação.

o HorIZonte

É relevante apontar ao leitor outros frutos do III Seminário: além do alto nível dos debates e das discussões ocorridas nos grupos de trabalho, do intercâmbio de práticas e reflexões sobre o ensino de várias partes do Brasil, e deste próprio livro, chegou-se a outros resultados importantes para as mudanças no ensino da FDUFMG:

O Colegiado de Graduação da instituição, percebendo as intensas movimen-tações em prol da modificação do ensino e dos currículos jurídicos (inclusive em outras faculdades de Direito do Brasil)2, entendeu que se deveria discutir a reforma do currículo da Graduação; em especial considerando a provável mu-dança das instalações da Faculdade do centro da capital para o campus Pampulha (junto aos demais cursos da UFMG)3.

Mais importante: alguns alunos foram indicados para desenvolver iniciativas que introduziriam e auxiliariam o Núcleo Docente Estruturante da instituição a construir um novo currículo de Graduação. De fato, a Comissão Discente para

2. Sobre a reforma curricular do curso de Direito da Universidade de São Paulo ver: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/08/faculdade-de-direito-da-usp-decide-reformar-o-curri-culo-da-graduacao.html. Sobre o debate acerca do novo marco regulatório do ensino jurídico: http://www.conjur.com.br/2014-dez-23/ministerio-educacao-altera-regras-criacao-cursos-direito. Acesso em: 10 de jul. 2015.3. Sobre a mudança das instalações da FDUFMG para o campus Pampulha: https://www.ufmg.br/online/arquivos/032375.shtml. Acesso em: 10 de jul. 2015.

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a Reforma Curricular, batizada de INOVAR4, objetiva dialogar com professores e alunos para identificar os problemas e perspectivas do curso segundo essas diferentes perspectivas, bem como divulgar e conscientizar a comunidade aca-dêmica sobre a importância da reflexão sobre o ensino jurídico.

O III Seminário Nacional sobre Ensino Jurídico e Formação Docente in-sere-se nessa corrente de mudança positiva do ensino do Direito no país. Ao analisarmos o contexto e a natureza das mudanças correntes na FDUFMG, é notável perceber como um dos elementos fundamentais do Seminário, o pro-tagonismo do aluno, tem se concretizado na prática.

Apresentamos à comunidade que debate a qualidade do ensino jurídico no Brasil um dos resultados do III Seminário Nacional sobre Ensino Jurídico e Formação Docente, realizado em 16 e 17 de outubro de 2014 na Faculdade de Direito da UFMG. Esperamos que este livro e seus trabalhos possam ser um material proveitoso para a discussão e realização de transformações positivas na educação jurídica nacional.

Belo Horizonte, agosto de 2015

Adriana Goulart de Sena OrsiniMarcella Furtado de Magalhães GomesProfessoras da Faculdade de Direito e de Ciências do Estado da UFMG

Jéssica BarbosaHenrique AndradeThelma ShimomuraSamuel MaiaAlunos da Faculdade de Direito e de Ciências do Estado da UFMG

4. Link para sua página no Facebook: https://www.facebook.com/inovarensinojuridico. Acesso em: 10 de jul. 2015.

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carta ProPoSta do III SemInárIo nacIonal Sobre enSIno JurídIco e Formação docente

Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG

Outubro de 2014

Os seguintes princípios, propostas e ideias sobre o ensino do Direito foram estabelecidos em assembleia dos participantes do III Seminário Nacional sobre Ensino Jurídico e Formação Docente ocorrida ao final dos debates no dia 17 de outubro de 2014. Versam sobre: o projeto político pedagógico; o papel do professor de Direito; como instaurar um ensino participativo; e de que maneira colocar as atividades de extensão no centro da educação jurídica.

Sobre o ProJeto PolítIco PedaGÓGIco e aS FaculdadeS de dIreIto

• Mudanças pontuais – como o aumento ou diminuição da carga horária, mudança de determinada disciplina de seu local na grade, etc. – não são suficientes para a real transformação do ensino jurídico. E, nesse sentido, não é possível discutir a reforma curricular sem se refletir sobre o Projeto Político Pedagógico (PPP) que orienta a construção da grade.

• A seguinte pergunta deve nortear o processo de definição do currícu-lo de qualquer escola de Direito e deve ser respondida por toda a co-munidade acadêmica, via consulta ampla dos alunos e professores: O que queremos do curso? Ou melhor, que curso de Direito queremos?

• Os seguintes pontos são indispensáveis a essa transformação:a) a necessidade da flexibilização curricular.b) a necessidade de um “semestre zero” nos cursos de Direito – em que os alu-nos discutiriam sobre as habilidades que lhes serão exigidas e desenvolvidas no curso, sobre aprender a aprender – p. ex., aprender sobre gerenciamento de tempo, sobre participação em pesquisas, sobre participação em grupos de extensão, sobre participação em sala de aula, problematizar o ensino recebido na educação básica, (re)pensar sobre o papel da universidade e sobre sua postura e função dentro dela, etc.

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Sobre o PaPel do ProFeSSor de dIreIto

• O professor não pode se tornar mero burocrata, discutindo apenas questões que deveriam ser periféricas à sua profissão (como distribuição de encargos etc.), mas deve discutir com seus pares questões pedagógicas importantes para a aprendizagem. Nesse sentido, deve-se pensar sobre o lugar da gestão na atividade docente: como conciliar a função de gestor do professor com o tempo necessário para o exercício de outras de suas atividades – como o ensino, a pesquisa e a extensão? Que tipo de gestão queremos? O que é gerir? Que atividades da gestão devem ser responsabilidade do professor? E quais não são de sua responsabilidade?

• O professor deve assumir postura de alteridade frente a seu aluno, de maneira a não invisibilizá-lo. Defendemos um modelo de aprendizagem em que os alunos têm papel de agentes ativos e, por isso, o professor deve sempre buscar a horizontalidade do conhecimento. Devemos refletir sobre a utilização do tempo na universidade, pois há excesso de atribuições e de aulas para pro-fessores e alunos, de modo que há falta de tempo para o estudo qualificado e falta de tempo para a preparação das aulas pelos docentes.

• Devemos, também, primar pela real valorização da profissão “ser profes-sor”: o zelo no exercício da profissão, traduzido pela preocupação com a aprendizagem dos alunos e pela constante reflexão sobre os objetivos e métodos utilizados.

Sobre como InStaurar um enSIno PartIcIPatIVo

• A sala de aula é essencial para o ensino e formação do aluno, mas não se trata de espaço absoluto, isto é, precisa ser apropriada de outras maneiras, com outros métodos além das aulas expositivas. Devemos promover o redesenho dos espaços da sala de aula, bem como das metodologias de aprendizagem e do material didático utilizado.

• A contextualização do conhecimento produzido nas faculdades de Direito (ou seja, a necessidade de se superar a distância entre “a teoria e a prática”) exige o real exercício do tripé ensino, pesquisa e extensão, constitucional-mente atribuído às universidades públicas (art. 207 da CF/88).

• As metodologias de ensino alternativas às aulas expositivas são essenciais, mas os docentes devem atentar para sua execução eficaz. Para serem bem

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sucedidas, tais metodologias não podem ser feitas “de um dia para o outro”, mas, sim, de maneira gradual, cuidadosa e refletida. Além disso, o docente deve esclarecer para seu aluno ao máximo seus objetivos e razões para apli-cá-las. Por meio de ferramentas como o plano de ensino e o plano de aula, o docente pode antecipar os objetivos e habilidades que deseja trabalhar com seus alunos durante o curso.

Com o objetivo de tornar o aluno agente de seu conhecimento:

• Devem ser usados métodos participativos, como: seminários, aprendizagem baseada em problemas, letramento acadêmico, role play, monitorias, etc. Tais metodologias exercitam no aluno a diversidade, na medida em que ele se depara com diversas possibilidades de interpretação de um mesmo fato.

• O professor também deve se utilizar da internet na aprendizagem. Facebook, blogs são ferramentas que podem ser úteis – e não necessariamente inimi-gas – ao processo de aprendizagem.

• O professor não deve se limitar à sala de aula. Deve utilizar também espaços fora da sala de aula – p.ex., visitas a locais onde possa se ver o “Direito vivo”.

• A política nacional de educação deve ter como parâmetro o discente agente/sujeito de sua aprendizagem e, com isso, refletir a concepção de universidade que forma cidadãos ativos, construtores de alternativas políticas, sociais e econômicas para os problemas contemporâneos, e a concepção de ciência em que não há absolutização do conhecimento.

• As IES devem se comprometer a interromper suas atividades rotineiras todos os anos ou todos os semestres para conhecer, discutir, divulgar, estabelecer metas, objetivos e prazos para a valorização das atividades de extensão e de representação estudantil no percurso acadêmico.

• Considerando que muitos dos problemas do ensino superior (como a postura passiva dos alunos em sala de aula) se relacionam com o ensino básico e fundamental, deve-se estabelecer o diálogo e o planejamento permanente e conjunto entre os diversos níveis educacionais – básico, médio, superior e pós.

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Sobre como traZer a eXtenSão Para o centro

A valorização da extensão e das atividades de representação estudantil deve ser uma das decisões políticas e um dos parâmetros principais dos Projetos Políticos Pedagógicos das IES públicas do Brasil.

A extensão e a representação estudantil são as atividades nas quais, de fato, todas as atividades do tripé do ensino superior são congregadas – por meio delas vivencia-se a realidade, há aprendizado e há pesquisa. Por isso, elas devem ter papel mais destacado na aprendizagem do Direito.

A extensão deve ser retirada da condição periférica em que foi oficialmen-te posta no percurso universitário e ser trazida para o centro da trajetória do discente na Universidade.

Por isso, deve haver a:

• Obrigatoriedade da consideração das atividades de extensão e de represen-tação discente (centros acadêmicos, representação de turma, associações atléticas) como disciplinas e carga horária, para o aluno (e para o professor, no caso da extensão), com o objetivo de valorizar institucionalmente essas atividades.

• Obrigatoriedade de diálogo entre as atividades de extensão da IES, por exemplo, por meio de um fórum permanente em que as diferentes iniciati-vas de extensão serão divulgadas e poderão ser conectadas, discutidas em conjunto no início de cada ano letivo.

• Definição e/ou (nos casos em que a extensão já é um critério) ainda maior valorização das atividades de extensão como critério avaliativo para o ingresso dos discentes e docentes no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu e para a admissão e progressão dos docentes na carreira.

• Regulamentação do financiamento das atividades de extensão nas IES, de maneira a corrigir o problema da falta de recursos, tão comum a essas atividades.

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EgREssOs DO XI DE AgOstOUm estudo sobre a influência da política acadêmica nos destinos dos alunos1 de Direito

Caio Sartorelo Franco Maike Wile dos Santos Guilherme de Souza Meirelles Felipe Dias Gonçalves

reSumo

Este trabalho procurou levantar dados acerca de egressos do curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Mais precisamente, seu foco dirigiu-se àqueles egressos que foram eleitos para integrar a gestão do Centro Acadêmico XI de Agosto (entidade política representativa dos alunos daquela instituição), entre os anos de 1984 e 2012. De um total de 334 integrantes das 29 gestões em questão, 103 puderam ser consultados (cerca de 31% do total). Os objetivos da pesquisa são (i) traçar um perfil objetivo desses antigos alunos em suas vidas profissionais subsequentes à graduação em Direito e (ii) vislumbrar, a partir da perspectiva dos próprios egressos, um entendimento acerca do valor formativo da política acadêmica em suas trajetórias, localizando-a no contexto mais amplo das atividades acadêmicas em geral. Para isso, o estudo – levado a cabo por um grupo de pesquisadores do Centro de Análise e Pesquisa em Educação Jurídica (CAPEJur-FDUSP) – utilizou-se de questionários elaborados e respondidos através da plataforma surveymonkey. A intenção é, de um lado,

1. O uso tradicional de pronomes masculinos para se referir a pessoas de ambos os sexos tem sido motivo de controvérsias. O masculino universal e neutro incomoda e, em trabalhos acadêmicos, diferentes estratégias têm sido adotadas frente a esse incômodo. Neste trabalho, usou-se o pro-nome “ele” e o masculino universal na maioria das vezes, e “ele ou ela” ocasionalmente (e, nesse sentido, outros substantivos e adjetivos). Fez-se isso para evitar confusões e tornar mais clara e econômica a escrita, referindo-se as expressões no masculino tanto a homens quanto a mulheres.

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trazer à tona a necessidade de maiores e mais sistemáticos estudos, na linha das pesquisas de egressos, para a evolução do debate nacional em torno da educa-ção jurídica e da função desempenhada pelas faculdades de Direito no Brasil. De outro, pretende-se veicular uma primeira aproximação a um dos aspectos do problema: a relação da política acadêmica com a formação jurídica e com o destino dos egressos dos cursos jurídicos – ainda que o campo de estudo inicial restrinja-se a apenas um desses cursos. Aqui, apresentamos somente uma parcela das informações obtidas. Os dados completos estarão disponíveis para consulta e uso no endereço online do CAPEJur2.

Palavras-chave: Egressos. Política acadêmica. Valor formativo.

abStract

This paper sought to collect data about law school graduates of the University of São Paulo Law School (FDUSP). More precisely, it focused on those graduates that were elected for the Centro Acadêmico XI de Agosto (the political entity charged with representing the students of that institution), between the years of 1984 and 2012. Out of a total of 334 members of the 29 administrations in question, 103 were consulted (approximately 31%). The objectives of the research are (i) to provide a concrete profile of these former students in their professional lives subsequent to their graduation from law school and (ii) to glimpse, from the point of view of the graduates themselves, an understanding about the for-mative value of student politics in their trajectories, locating it within the greater context of academic activities in general. For that, the study – executed by a group of researchers of the Centre for Analysis and Research on Legal Education (CAPEJur-FDUSP) – made use of questionnaires elaborated and responded to through the surveymonkey platform. The intention is, on the one hand, to bring forth the necessity of more constant and systematic studies with the same aim for the development of the national debate around legal education and the role of law schools in Brazil. On the other, we attempt a first approximation at one of the aspects of the problem: the relation between student politics, legal education and the fate of law school graduates – even though the initial field of research is only one of these schools. Here, we present only a part of the data obtained. The complete data will be made available for consultation and usage at CAPEJur’s online address.

Keywords: Graduates. Student politics. Formative value.

2. Endereço online: http://capejur.com.br.

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1. Introdução e Panorama da lIteratura

Não parece novidade que a política acadêmica, vista tanto de maneira ampla – como envolvimento de alunos de graduação nos debates sobre os rumos da universidade – quanto de maneira estrita – como participação nos processos eleitorais internos dos quais decorre a elevação de um determinado coletivo político à gestão dos centros acadêmicos das diversas faculdades brasileiras – desempenha um papel importante dentro da universidade. Também não é novidade que a política acadêmica feita dentro das faculdades de Direito tem apresentado, ao menos no Brasil, um destaque particular – o que é perceptível, por exemplo, pela quantidade de políticos de expressão nacional com forma-ção jurídica e a porcentagem, entre eles, de antigos membros de agremiações político-acadêmicas3.

Paralelamente, há um longo debate construído na literatura nacional acerca de diagnósticos variados sobre as funções das faculdades de Direito no Brasil e o papel desempenhado pelos egressos dessas instituições na sociedade. Disso, tem-se frequentemente entendido que a formação e a educação jurídicas têm influência direta nos rumos da sociedade e da política brasileiras, embora os contornos exatos dessa influência (aquela exercida pelas faculdades de Direito sobre os destinos de seus egressos e aquela exercida por estes sobre os destinos do país) não estejam sempre claros, e embora não haja em torno deles completo acordo.

San Tiago Dantas, em aula inaugural proferida na Faculdade Nacional de Direito, em meados de 1955, examina o papel do Direito e da educação jurídica na cultura de uma comunidade. Segundo o autor, o Direito é uma das formas precípuas de controle de uma sociedade, sendo portanto pela educação jurídica que a vida social consegue se ordenar segundo uma hierarquia de valores, em que a posição de dirigente compete àqueles que dão à vida humana sentido e finalidade. O diagnóstico que fez, à época, relacionava a crise na classe dirigente brasileira à crise no ensino jurídico. Nesse sentido, propunha ele um movimento de restauração da supremacia da cultura jurídica e de confiança no Direito como técnica de controle do meio social (S. T. DANTAS, 1955, p. 14-15). Dessa forma, o papel das faculdades de Direito talvez fosse o de formar “técnicos do controle do meio social”.

José Eduardo Faria, numa versão condensada de seu relatório sobre a re-forma do curso jurídico apresentado à Comissão de Ensino da FDUSP em 1986,

3. A título de exemplo, e apenas para a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP): Washington Luís, Júlio Prestes, Jânio Quadros, Ulisses Guimarães, Michel Temer, Fernando Haddad, entre outros.

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constata um crescente questionamento do ensino do Direito, identificando as razões dele na maneira como os conceitos de educação, sociedade e Estado eram transmitidos aos alunos (J. E. FARIA, 1986) – e isso em um contexto de mudança dos papéis dos juristas na sociedade moderna, principalmente na sua participação cada vez maior em movimentos políticos contestadores, por meio de sindicatos e movimentos comunitários ou populares4. O mesmo autor sinaliza no sentido de uma mudança, a partir da década de 1930, com a perda da centralidade das faculdades de Direito na formação de uma elite política, papel este deslocado para as faculdades de Economia, de Filosofia e de Ciências sociais (J. E. FARIA, 1981). Essa transição parece observável sobretudo no seio da própria Universidade de São Paulo – a maior e mais tradicional do país – em que o protagonismo (que para Faria está tanto no campo político quanto no da intelectualidade) dos egressos da Faculdade de Direito decai em favor daqueles advindos da Faculdade de Economia e Administração (FEA) e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).

No mesmo sentido, Sergio Adorno identifica como função central das fa-culdades de Direito a formação de quadros para a máquina estatal (ADORNO, 1988, p. 91). Lilia Moritz Schwarcz aponta forte tendência das elites brasileiras a enviar seus filhos para as faculdades de Direito com a intenção de encaminhá-los na vida (e então, como parte razoável desses herdeiros da elite ocupa natural-mente os ranques da política, os quadros estatais acabariam preenchidos, seja esse o objetivo das faculdades de Direito ou não, por indivíduos com formação jurídica) (SCHWARCZ, 2008, p. 142).

Roberto Mangabeira Unger, consultado sobre a organização de uma nova faculdade de Direito no Brasil, em um projeto que resultou na criação do curso da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, propõe uma graduação jurídica organizada em “cinco currículos”. Em determinado trecho de seu memorando, o autor afirma:

Entre as regras técnicas e as abstrações filosóficas, está o nível intermediário onde se colocam as questões cruciais da organização e da reorganização da sociedade. Neste nível está a vantagem comparativa do jurista. O direito é o lugar privilegiado

4. Nesse sentido, ver J. E. Faria, "A Reforma do Ensino Jurídico", Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 21, 1986, p. 47:“Entre outras razões porque, ao lado das suas preocupações de natureza profissional, muitos desses advogados também vão assumindo uma postura eminentemente polí-tica, engajados em movimentos sindicais, comunitários e populares, valendo-se dos aspectos ambíguos e contraditórios do direito positivo para uma ‘práxis libertadora’ das estruturas normativas, em prol de uma efetiva justiça material [sic]”.

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onde práticas e instituições se encontram com interesses e ideais, com toda a riqueza de uma realidade histórica e singular. Aproveitar essa vantagem comparativa é o objetivo do currículo das alternativas institucionais. (SCHWARCZ, 2008, p. 142)

Sob esse viés, o papel do jurista estaria, acima de tudo, no exercício da “ima-ginação institucional”, superando concepções estabelecidas e fazendo transfor-mar-se, por dentro, o Direito, entendido como “a forma institucional da vida de um povo”. Dessa forma, caberia às faculdades de Direito oferecer uma formação que prepare os juristas para serem arquitetos institucionais.

Esses são apenas alguns exemplos de trabalhos que abordaram o papel das faculdades de Direito e o impacto da formação em seus egressos. Se o diagnóstico varia o que permanece é uma constatação metodológica: apenas raramente essas diferentes abordagens preocuparam-se em argumentar com base em dados empí-ricos sobre o efetivo destino dos alunos nas faculdades de Direito. Não havendo, no Brasil, o costume – um pouco mais arraigado na tradição anglo-saxã – de se manter, nas próprias faculdades de Direito, um banco de dados mais ou menos atualizado acerca do paradeiro de seus egressos e de se prolongar no tempo o relacionamento desses egressos com suas almae matres, poucos trabalhos têm versado acerca do tema. Essa circunstância, conquanto em nada mitigue o valor dos trabalhos anteriores, indica um caminho novo de pesquisa: a saber, o levan-tamento de uma base de dados relevante (ainda que a princípio embrionária) reunindo informações em volume representativo acerca dos reais destinos dos egressos das faculdades de Direito.

É nesse contexto que o presente trabalho se insere: havendo necessidade, em algum grau, de pesquisa empírica exploratória nessa área, intenta-se aqui um primeiro esforço no sentido de concentrar informações sobre egressos (ainda que apenas um grupo muito específico – aqueles que participaram da gestão de um centro acadêmico – e ainda que apenas em um contexto particular – a FDUSP). Pretende-se, através do exemplo inicial da FDUSP, tentar visualizar o que as faculdades de Direito efetivamente produziram e têm produzido por meio das pessoas que elas efetivamente formam, em vez de discutir-se aquilo que elas são concebidas para formar. Neste trabalho em específico, cujo interesse se restringe a um olhar interno lançado na direção da formação jurídica, pretende-se esboçar o papel das atividades de política acadêmica como parte integrante do quadro mais amplo da educação jurídica.

Há alguma incidência de um discurso relativamente difuso em se tratando dessa questão. Frequentemente se pretende que parte relevante do valor da for-mação jurídica esteja na política acadêmica experienciada dentro das faculdades de Direito. Na contramão, há quem afirme, sempre em um discurso difuso e

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externo ao âmbito acadêmico, que a política constitui verdadeiro empecilho ao bom transcurso da formação em Direito. Não se tem notícia, ainda, de qualquer esforço sistemático no sentido de enfrentar esses discursos, nem de se entender como a política acadêmica ajuda (ou atrapalha) a formar juristas a partir da perspectiva de seus atores. Com isso, também pouca luz tem sido jogada sobre o processo pelo qual a faculdade de Direito forma quadros políticos ou gestores para o Estado.

Esta pesquisa tem a ambição de articular uma primeira tentativa de desen-volver um estudo com esse intento, no sentido de (i) fornecer um perfil objetivo dos egressos das faculdades de Direito (novamente, focando-se em um grupo específico de egressos e no universo específico de uma faculdade) e (ii) procurar entender o quão importante foi a formação proporcionada pela participação na política acadêmica (ao menos no plano da percepção desses egressos). Adiante, na porção metodológica do trabalho, esses dois planos aparecerão de maneira mais detida e articulada.

Por fim, vale dizer que esta pesquisa é tributária de um projeto maior, ainda em execução, levado a cabo pelo Centro de Análise e Pesquisa em Educação Jurídica (CAPEJur-FDUSP) em parceria com o Núcleo de Metodologia de Ensino da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (NME–Edesp). O projeto busca traçar o perfil profissional dos alunos egressos de faculdades de Direito paulistas, entendendo o tipo de influência e impacto que teve nele a formação jurídica a que estiveram expostos.

2. metodoloGIa e recorte

Como já se afirmou, nem as experiências anteriores de pesquisa, nem as próprias faculdades de Direito brasileiras se preocuparam especificamente em coletar e organizar dados acerca dos alunos egressos. Essa limitação – que, aliás, se alastra de maneira geral pela maioria dos cursos superiores do Brasil, não se restringin-do aos de Direito5 – faz desta pesquisa, necessariamente, um trabalho de cunho exploratório. Sendo preciso, primeiro, proceder às primeiras coletas sistemáticas de dados em torno da questão central – o perfil e o paradeiro dos egressos das

5. Nesse sentido, recentes esforços de recolher informações sobre egressos de variados cursos superiores, envidados da Folha de São Paulo, através de seu “Ranking Universitário Folha” (RUF), encontraram dificuldades com o escasso volume de dados disponíveis, conforme afirma recente reportagem que tratou sobre uma pesquisa desse tipo conduzida nos Estados Unidos da América. Disponível online em: http://abecedario.blogfolha.uol.com.br/2014/12/04/mentor-triplica-chance-de-aluno-ser-bem-sucedido/. Acesso em: 18 nov. 2015.

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faculdades de Direito –, seu escopo limita-se ao esboço majoritariamente quan-titativo dessas duas circunstâncias. Daí decorre a escolha pelo método do survey, dos questionários relativamente curtos que permitem maximizar o número de respondentes e assim garantir aos pesquisadores o domínio sobre um conjunto mínimo de dados básicos.

Futuramente seguido de um estudo qualitativo, a partir de entrevistas com uma parcela dos seus respondentes6, este estudo encontra-se ainda inserido em um projeto mais abrangente, em colaboração entre o CAPEJur-FDUSP e o NME-Edesp, cujo escopo engloba os egressos das faculdades de Direito de uma maneira geral. Ainda em curso, essa pesquisa maior procura construir, de fato, uma primeira base de dados de aspiração universal para o debate em torno dos egressos do Direito e do impacto das faculdades de Direito nas carreiras jurídicas. Visto isso, passa a fazer sentido que a presente pesquisa – largamente tributária daquela – possa preocupar-se com um enfoque mais especializado e estreito, lidando pontualmente com apenas uma das problemáticas suscitadas pelo debate.

A preocupação especial com os egressos que fizeram parte da política aca-dêmica se justifica, levado em conta o levantamento bibliográfico esboçado na introdução, pela relativa ubiquidade do diagnóstico que, na literatura pertinente, liga frequentemente os alunos formados pelas principais faculdades de Direito do Brasil às elites políticas nacionais e aos rumos do país. No intento de investigar a pertinência e os moldes efetivos dessa ligação, parece importante examinar a relação estabelecida entre a sociedade na qual são desaguados aqueles alunos e a política que é feita no seio das próprias faculdades que os formaram. Sobretudo, parece adequado entender que papel desempenham na sociedade, depois de formados, aqueles que se destacaram na política acadêmica daquelas faculdades.

A opção pelo estudo inicial dos egressos da FDUSP explica-se, de um lado, pela centralidade dessa instituição, tanto como modelo em nível nacional para os cursos jurídicos, quanto como alma mater de porção considerável dos políticos de maior expressão no Brasil, entre os quais grande parte de seus presidentes da República7. Do outro, explica-se pela própria possibilidade de coleta de um volume mais representativo de dados, dada a própria composição do grupo de pesquisa, que é vinculado àquela faculdade.

6. De modo a constituir, quando terminado o projeto, um esforço de pesquisa multi-method, com componentes de vocação quantitativa e qualitativa, panorâmica e aprofundada. Por multi-method research, em sua aplicação ao projeto em curso, entendemos, em linhas gerais, o mesmo que NIELSEN, Laura Beth. “The need for multi-method approaches in empirical legal research”. In: CANE, Peter; KRITZER, Herbert M (eds.). The Oxford Handbook of Empirical Legal Research. Oxford University Press, 2010, p 951-975. 7. Ainda que, evidentemente, a maior parte deles tenham sido presidentes da República Velha.

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A restrição da pesquisa àqueles que efetivamente participaram da gestão do Centro Acadêmico XI de Agosto se justifica, novamente, em dois planos. Em abstrato, o interesse imediato é por aqueles que mais se destacaram na po-lítica acadêmica, já que se pode supor que – ao menos na média – seu sucesso se tenha replicado também fora da universidade (e para isso de fato aponta o grande número de políticos de expressão, por exemplo, entre os ex-presidentes do XI de Agosto). Em concreto, o universo quantitativo em que se desenrola a coleta de dados é mais preciso se considerados apenas os eleitos. Isso porque, ao contrário da miríade de partidos, coletivos e agremiações políticas em geral que já se lançaram em tentativas (mais ou menos sérias) de controlá-lo, o XI de Agosto mantém, através de seus anuários junto à Faculdade de Direito, o registro de todos os nomes de seus ocupantes, bem como seus respectivos cargos, ano a ano. Desse modo, é possível saber precisamente a extensão da base de dados com que se lida – e, portanto, aferir melhor a representatividade das informa-ções coletadas. Também é possível realizar buscas muito mais consistentes por aquelas pessoas, para que tomem parte como respondentes.

O recorte temporal – o intervalo entre os anos de 1984 e 2012, que inclui os dois extremos – tem também suas razões. Fixa-se 1984 como o ano de partida por datar dali o novo e atual “Estatuto do XI de Agosto”, documento que esta-belece as regras do jogo político dentro da instituição – entre elas o número de cargos de gestão e a previsão dos “conselheiros fiscais”, que são eleitos no mesmo pleito como membros externos às chapas concorrentes, mas que constam dos anuários, sendo considerados para os efeitos da pesquisa como parte da gestão. O ano de 2012 é o último analisado por ser o ano mais recente em que há, entre os membros da gestão, uma maioria de efetivos egressos, isto é, uma maioria de membros da gestão que não são ainda alunos de graduação na FDUSP.

O recorte adotado resulta em um total de 334 egressos, já descontadas as reeleições daqueles que integraram por mais de uma vez a gestão do centro aca-dêmico. Dos 334, contamos com 103 respondentes (a maioria dos quais respondeu ao questionário por completo), correspondendo a amostragem a pouco menos de 31% do universo de pesquisa. Em que pese a impossibilidade de generalizar os resultados da pesquisa para os egressos das faculdades de Direito brasileiras em geral, ao menos para o grupo escolhido, o levantamento apresenta, portan-to, relevância estatística – sobretudo se considerada a uniformidade do espaço amostral e dos resultados obtidos.

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3. o FormulárIo de PeSQuISa

O questionário a que responderam os pesquisados divide-se grosso modo em duas partes. Uma primeira, cujo objetivo é fundamentalmente estabelecer um “perfil objetivo” dos egressos, coletando informações básicas a seu respeito, e uma segunda, focada nas percepções daqueles egressos acerca do valor da política acadêmica em sua trajetória formativa na faculdade de Direito. A primeira parte articula-se a partir da questão: “quem são e o que fazem os egressos?”. A segun-da parte articula-se em uma pergunta fundante e duas perguntas derivadas. A pergunta fundante é formulada através da indagação: “sob a ótica da percepção dos egressos, a política acadêmica possui valor formativo?”. As perguntas que dela derivam procuram lançar luz sobre a natureza desse valor e entender como esse valor se compara às demais facetas e atividades da vida acadêmica.

Em síntese8, o perfil objetivo dos egressos inclui, para cada um deles, infor-mações sobre: a data de nascimento, o gênero, a raça/etnia, o ano de formação em Direito (ou a falta dessa formação), a afiliação ou não à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o município e a unidade da federação de residência antes e depois da graduação em Direito, a formação complementar (ou sua ausência), a instituição de atuação profissional (definida como aquela instituição à qual o egresso consagra mais tempo em sua vida profissional), a intenção (ou não) de mudar de carreira no futuro próximo, o número de eleições disputadas e o número de eleições vencidas para o centro acadêmico, para o Diretório Central dos Estudantes9 (DCE) e para a União Nacional dos Estudantes (UNE), além os cargos exercidos nas eventuais gestões.

A seção do formulário destinada a averiguar a percepção dos egressos sobre o valor formativo da política acadêmica, por si só e comparada às demais atividades acadêmicas desempenhadas ao longo da faculdade, contém outras perguntas. Entre elas, estão: as que pedem por uma avaliação de impacto da política aca-dêmica na formação dos egressos (se de impacto positivo ou negativo, ou ainda se de pouco impacto relevante), as que exigem a classificação comparativa do impacto da política acadêmica (se mais importante, se menos importante, ou se de igual importância) relativamente a outras cinco atividades acadêmicas típicas da graduação em Direito (aulas do currículo disciplinar, participação em gru-pos de pesquisa, atividades de cultura e extensão, clínicas ou núcleos de prática

8. O formulário completo, bem como as diferentes opções de resposta objetiva e a indicação das questões de resposta aberta, estará disponível online, no mesmo endereço em que publicaremos a tabela com a base de dados construída e utilizada. Aqui, apenas uma visão panorâmica sobre o questionário é oferecida.9. Entidade representativa dos alunos da Universidade de São Paulo de maneira geral.

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jurídica e estágios profissionais), além do principal motivo percebido daquele impacto positivo ou negativo (que variam do desenvolvimento de habilidades até o estabelecimento de uma rede de contatos).

4. PerFIl obJetIVo doS eGreSSoS

Superadas as questões metodológicas, neste ponto pretendemos traçar um breve panorama sobre o perfil do egresso de política acadêmica. Tal panorama será articulado a partir da questão: “quem é e o que faz o egresso?”. Para responder a essa questão, tem-se em vista as respostas às questões objetivas elencadas no survey e exploradas na porção metodológica deste trabalho. Isso nos fornecerá elementos objetivos do perfil do egresso, que será analisado posteriormente à luz do valor percebido da política acadêmica como parte de sua formação.

Para isso, tais dados serão apresentados de duas formas: (i) mediante gráficos com os dados individuais (e. g., dados referentes ao gênero dos egressos) e (ii) mediante gráficos com dados cruzados (e. g., dados cruzando o gênero dos egres-sos com o número de gestões). Quanto a (i), serão apresentados dados referentes ao gênero dos egressos, sua cor/etnia, número de gestões no CA XI de Agosto, se participaram da gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE), se têm algum tipo de formação complementar, o tipo de instituição em que trabalham e, por fim, o chamado “fluxo migratório”. Quanto a (ii), serão apresentados dados cruzando o gênero dos egressos com o ano em que se formaram, com o número de gestões e a instituição em que trabalha, além de gráficos cruzando a instituição em que trabalha com o ano em que se formaram e com o número de gestões.

Começamos com os gráficos referentes a dados individuais. Esse gráfico divide os egressos de acordo com seu gênero. Dos respondentes, 73% são ho-mens e 27% são mulheres. Esses números correspondem a uma leve distorção, desfavorável à categoria “mulheres”, uma vez que em termos do total de postos políticos no centro acadêmico ocupados no período abrangido (380 postos), pouco mais de 30% (117) estiveram ocupados por pessoas do gênero feminino. Esse dado inclui ocorrências de repetições de uma mesma pessoa em mais de um cargo, já que o que parece mais relevante é o número total de vezes em que mulheres ocuparam cargos de gestão, e não necessariamente o número exato de mulheres (embora esse dado também seja interessante). No gráfico a seguir, a parte externa diz respeito aos respondentes, e a interna, aos números totais.

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Figura 1 – Gênero dos respondentes x gênero dos ocupantes dos cargos de gestão

De maneira geral, há domínio masculino na política acadêmica. Esse dado será melhor trabalhado quando cruzado com outros dados, tais como o ano da gestão, o número de gestões e a instituição de trabalho.

Quanto à cor/etnia do egresso, há um predomínio maciço de brancos (84%), seguido por pardos (8%) e amarelos (3%). Vale destacar que nenhum respondente se declarou negro.

Figura 2 – Cor/etnia dos respondentes

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Este gráfico, por sua vez, diz respeito ao número de gestões de que o egresso fez parte. O limite mínimo, por óbvio, é apenas uma gestão. Dos respondentes, o limite máximo foi de três gestões. A maioria participou de uma ou duas gestões (48% e 40%, respectivamente), e uma pequena parcela (12%) participou de três gestões.

Figura 3 – Número de gestões por respondente

Parte dos egressos, além de participarem do Centro Acadêmico XI de Agosto, também participaram do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Apenas 9% dos respondentes participaram do DCE, além do Centro Acadêmico XI de Agosto. A esmagadora maioria (91%) participou apenas da gestão do Centro Acadêmico.

Diversos egressos, além da graduação em Direito, têm algum tipo de forma-ção complementar. Dos respondentes, 50% têm mestrado, 30% têm doutorado e 8% têm pós-doutorado. 14% desses egressos têm outra graduação, e 19% têm algum outro curso de especialização.

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Figura 4 – Formação complementar dos respondentes

A instituição de trabalho do egresso é um outro aspecto desta pesquisa. O gráfico a seguir traz os valores numéricos de egressos atuantes como autôno-mos, em departamentos jurídicos de empresas privadas e de órgãos públicos, em empresas privadas em função não jurídica, em escritórios de advocacia, em instituições de ensino privadas e públicas, em ONGs, em órgãos do poder judi-ciário, órgãos estatais de litigância ou órgãos públicos em função não jurídica, e em movimentos sociais.

Figura 5 – Instituição de trabalho principal dos respondentes

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A maioria trabalha em escritórios de advocacia (32%), seguida por órgão público em função não jurídica (15%). Carreiras acercadas ao judiciário bra-sileiro, como em órgãos do Poder Judiciário e em órgãos estatais de litigância (a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Advocacia Geral da União e as diversas procuradorias, por exemplo), também aparecem com alguma expressão. As respostas restantes são bastante difusas. Chama atenção o fato de apenas um dos respondentes trabalhar com movimentos sociais.

Em seguida, alguns cruzamentos dos dados obtidos apresentam-se como interessantes. Um primeiro gráfico correlaciona o gênero dos respondentes e o número de gestões integradas por eles. Nota-se que há predominância masculina independentemente do número de gestões. Quanto àqueles que fizeram uma ou três gestões, a proporção de mulheres corresponde a aproximadamente 1/3 do total. Quanto àqueles que fizeram duas gestões, aproximadamente metade eram mulheres.

Figura 6 – Gênero dos respondentes x número de gestões integradas pelos respondentes

É possível correlacionar também o gênero dos egressos com a instituição em que trabalham. Nos escritórios de advocacia, 82% dos respondentes são homens. Nos departamentos jurídicos de órgãos públicos ou de empresas privadas, e nos movimentos sociais, todos os respondentes são homens. As mulheres são maioria atuando como autônomas (80% dos respondentes), apenas. Nos órgãos estatais de litigância, representam 44% do total de respondentes.

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Figura 7 – Gênero dos respondentes x instituição de trabalho principal dos respondentes

Em seguida, a instituição de atuação profissional dos egressos passa a ser relacionada com seu ano de formação. Nota-se que, com o passar dos anos, as possibilidades de atuação parecem cada vez mais difusas, com múltiplas opções para o egresso. Essa observação deve ser relativizada em certa medida, entretanto, pelo fato de que egressos formados mais recentemente compõem uma parcela proporcionalmente maior na amostra, donde há uma pequena distorção.

Figura 8 – Instituição de trabalho principal dos respondentes x ano de formação dos respondentes

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Como última ilustração desta etapa basicamente descritiva, trazemos a seguir o “fluxo migratório” apresentado pelos respondentes. Em primeiro lugar, figuram as cidades de origem dos egressos em questão. Depois, as cidades em que esses egressos radicaram-se após a graduação em Direito. Como a localiza-ção geográfica da FDUSP sugere e o próprio volume da população paulistana impõe, a cidade de São Paulo é, ao mesmo tempo, o maior ponto de origem e de destino desse fluxo.

Origem:

Figura 9 – Município de residência dos respondentes antes da graduação em Direito

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Destino:

Figura 10 – Município de residência dos respondentes após a graduação em Direito

A princípio, a população dos egressos em São Paulo pareceria extremamente estável, sendo alterada em apenas um egresso de “ponto de origem” para “ponto de destino”. Uma análise, não dos números totais, mas dos fluxos de desloca-mento, entretanto, revela a cidade como tendo forte atração sobre egressos originários do interior paulista, ao mesmo tempo em que cede alguns de seus moradores originais apenas (em quantidades minimamente expressivas) para Rio de Janeiro e Brasília – o que, em si, pode ser objeto de interessante estudo. À esquerda, a origem, e, à direita, o destino dos egressos após a graduação em Direito pela FDUSP:

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Figura 11 – Fluxo de respondentes

o Valor FormatIVo da PolítIca acadÊmIca

Terminado o breve panorama do perfil objetivo dos egressos, resta debruçar-se sobre o valor percebido da política acadêmica como parte de sua formação. Para tanto, adotamos duas sortes de abordagens. Em primeiro lugar, apresentamos os dados referentes ao valor formativo da política acadêmica de maneira geral – para todos os respondentes, indistintamente. Nesse ponto, os dados coletados dizem respeito ao impacto percebido da política acadêmica na formação – negativo, positivo, ou pouco relevante –, aos motivos percebidos desse impacto e ao valor percebido comparado da política acadêmica com outros tipos de atividade for-mativa. Assim, tentamos oferecer os primeiros elementos de resposta à questão fundante da pesquisa – aquela referente à existência ou à inexistência de um valor formativo da política acadêmica (sempre no plano subjetivo, na perspec-tiva e percepção do próprio egresso) – e às suas duas questões derivadas, sobre

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a natureza (ou motivo) desse valor e sobre a relação de comparação entre esse valor e o valor percebido das demais atividades acadêmicas.

Em segundo lugar, perseguimos duas hipóteses simples, ambas com a in-tenção de identificar eventuais recortes dentro do recorte – isto é, de identificar grupos específicos de egressos que apresentem perfis destoantes da média geral. Aqui, a variável analisada é sobretudo a dos motivos percebidos do valor da política acadêmica. Em síntese, o que se quer é verificar se esse valor formativo é diferente para diferentes grupos de egressos. A primeira hipótese é, em um recorte de gênero, que há uma diferença na percepção do valor formativo entre homens e mulheres. A segunda, agora em um recorte que poder-se-ia chamar de reincidência, é a de que há também uma diferença na percepção de egressos que participaram de um número diferente de gestões (há egressos eleitos para uma, duas, ou mesmo três gestões durante sua trajetória acadêmica).

Todos os 103 respondentes posicionaram-se acerca do impacto da política acadêmica em sua formação. Perguntados sobre se esse impacto fora positivo, negativo ou se houvera pouco impacto relevante, a quase totalidade (99 egressos) optou por “impacto positivo”, restando 4 egressos para os quais houve pouco impacto relevante. Nenhum egresso dentro do recorte sob análise considerou como negativo o impacto da política acadêmica em suas trajetórias formativas.

Figura 12 – Impacto percebido da política acadêmica na formação dos respondentes

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Esse dado tem um aspecto interessante e outro problemático. De um lado, fica claro que aquele discurso difuso e ubíquo entre quase todos os estudantes de Direito10, segundo o qual o aspecto central de suas formações seria preenchido pela política acadêmica, encontra ressonância nos egressos do curso mesmo muitos anos após a formatura. Nesse sentido, pode-se argumentar com alguma força que a política acadêmica apresenta definitivamente algum valor formativo, e que essa é uma percepção perene e bastante uniforme. Por outro lado, o dado é problemático porque não revela a natureza de um tal valor – que poderia, por exemplo, ser ínfimo (ainda que positivo). Justamente por isso a pesquisa procurou promover uma aproximação à natureza daquele valor através de sua qualificação e de sua comparação com atividades geralmente reconhecidas como parte importante da formação jurídica.

Cada um dos 99 respondentes optando por “impacto positivo” foi instado, em seguida, a eleger um “motivo principal” daquele impacto – em outras palavras, eleger o principal ganho adquirido, como parte da formação jurídica, por meio da política acadêmica. As opções disponíveis foram o “contato com questões políticas relevantes” (alternativa elaborada com o fito de dar vazão àqueles que consideram que o aspecto mais importante da política acadêmica tenha sido a política em si, seus resultados e lições), o “desenvolvimento de habilidades de trabalho sob pressão e com alta exposição pública”, o “desenvolvimento de habilidades interpessoais” (como as capacidades de negociação e trabalho em grupo), o “desenvolvimento de responsabilidade”, o “estabelecimento de uma rede de contatos” (isto é, o chamado networking) e a opção “outra” (neste caso, o respondente declara por extenso sua “razão do impacto positivo”).

10. Essa observação é feita tanto com base nas máximas de experiência de qualquer pesquisador que tenha frequentado os círculos políticos da graduação em direito da Universidade de São Paulo quanto nas entrevistas exploratórias realizadas previamente à realização dos questioná-rios definitivos.

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Figura 13 – Principal motivo percebido do impacto positivo

A parte predominante das respostas (83%) concentra-se, portanto, nas três primeiras categorias. Nesse sentido, há que se indagar se habilidades interpes-soais e de trabalho sob pressão, bem como a reflexão sobre questões relevantes da política – todas as quais são identificadas, pelo próprio número de respostas, como importantes para a formação do futuro bacharel – não são desconside-radas ou, no mínimo, negligenciadas pela estrutura curricular da faculdade de Direito. Uma tamanha ênfase na política acadêmica como veículo para o desenvolvimento dessas habilidades pode querer dizer apenas que esse se trata de um espaço bastante privilegiado para o seu cultivo – mas pode, do contrario, sinalizar também uma deficiência relativa do curso, que não ofereceria outras vias para o mesmo tipo de aprendizado. Acerca disso, talvez novos estudos, mais aprofundados, possam ser realizados.

Por fim, os respondentes puderam ainda fazer uma avaliação da importância formativa da política acadêmica em suas trajetórias em comparação com outras atividades normalmente desenvolvidas na faculdade, ou ao menos durante o período de graduação. As atividades disponíveis consistem em: “aulas do cur-rículo disciplinar”, “participação em grupos de pesquisa”, “atividades de cultura e extensão”, “clínicas ou núcleos de prática jurídica” e “realização de estágios”. Sobre isso, uma explicação preliminar faz-se necessária. Das referidas ativida-des, apenas as aulas e o estágio desfrutam, já desde muito tempo, de grande reconhecimento social e institucional. As outras três, ainda que sempre tenham, de alguma forma, existido, apenas recentemente (ao longo da década de 2000)

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vieram a receber um estatuto próprio, com uma organização bem definida e com reconhecimento oficial como atividades acadêmicas pela própria faculdade (por exemplo, por meio da atribuição de créditos). Até então, a participação dos alunos do curso da FDUSP tendeu a ser menos regular e mais informal do que aquilo que se verifica hoje em dia. Essas circunstâncias – considerada a faixa temporal ao longo da qual espalham-se os respondentes – talvez expliquem parcialmente (i) a variação no número de respostas, já que, embora todos os respondentes tenham feito comparações entre a política acadêmica e outras atividades, nem todos o fizeram para todas as outras cinco atividades, abstendo-se em relação a algumas delas – o que ligar-se-ia ao desconhecimento de sua própria existência; e (ii) o baixo valor relativo constatado para essas atividades entre aqueles que às compararam à política acadêmica – esse explicável, provavelmente, pelo baixo índice de organização dessas atividades à época da graduação de boa parte dos respondentes. Nem por isso, entretanto, deixa de saltar aos olhos o resultado observado.

Figura 14 – Comparação da importância formativa percebida da política acadêmica com as demais atividades acadêmicas

Em contraste com todas as demais atividades, a política acadêmica, como demonstra a linha verde do gráfico acima, aparece consistentemente como “mais importante” para a formação do egresso na opinião da maioria dos responden-tes. Somando-se a isso, o segundo maior número de avaliações é, também para todos os casos, o da opção que considera a política acadêmica como tendo a

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“mesma importância” do que as demais atividades. A opção “política acadêmi-ca foi menos importante” é a menos sufragada em todos os casos. Ainda que as considerações anteriores não nos permitam concluir claramente sobre uma relativa desimportância (no nível da percepção dos egressos) das atividades de pesquisa, extensão e clínica e prática jurídica, duas ordens de observações se fazem possíveis.

Em primeiro lugar, os resultados unem-se àqueles referentes ao impacto (majoritariamente positivo) da política acadêmica na formação dos estudantes para confirmar a coerência do discurso que propõe essa mesma política acadê-mica como ponto nevrálgico da vida estudantil na faculdade. Para o bem ou para o mal, a conclusão provisória e sujeita à confirmação para a qual esta pesquisa aponta é a de que a política acadêmica possui um estatuto muito especial como atividade formativa – o que há de ser estudado mais a fundo, se o objetivo é, como tem sido para boa parte da literatura no assunto, entender a função e os produtos das principais faculdades de Direito no Brasil.

Em segundo, salta aos olhos a manutenção de patamares elevados (ao me-nos comparativamente às atividades que não a própria política acadêmica) de consideração do valor formativo (i) das aulas regulares, o que faz interessante contraste com a crítica corrente aos excessivos dogmatismo e formalismo da didática jurídica no Brasil, e sobretudo na tradicional FDUSP; e (ii) do estágio, atividade que, ainda que legalmente integrada à formação acadêmica, é objeto de muito pouco controle efetivo pelas instituições de ensino – e notadamente na FDUSP – e desenvolve-se em ambientes externos à própria faculdade.

Em sua totalidade, esse conjunto de dados permite vislumbrar um início de resposta à questão acerca da natureza e das características precisas do valor formativo da política acadêmica. Com efeito, transparece que a política acadê-mica é comparável (e favoravelmente comparável) a outras atividades largamente reconhecidas como parte da formação jurídica, do ponto de vista de seus par-ticipantes. Transparece, ainda, que nela há espaço para o desenvolvimento de certas habilidades identificadas como importantes para a formação do jurista. A essas considerações, contudo, parece interessante adicionar duas, relativas às “hipóteses menores” do trabalho.

Em uma primeira hipótese, imaginamos que perfis diferentes pudessem surgir entre grupos de egressos com diferentes índices de ligação com a gestão do centro acadêmico. Em síntese, o que se pretendeu testar foi a eventual relação entre um maior número de gestões de que fez parte o egresso e tipos específicos de motivos para o impacto positivo da política acadêmica em sua formação.

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Figura 15 – Principal motivo percebido do impacto positivo x número de gestões integradas pelos respondentes

A ideia principal era a de que, para aqueles que participam de mais de uma gestão, o valor percebido da política acadêmica se deslocaria gradualmente da aquisição de habilidades ou de uma rede de contatos, indo alojar-se na “política stricto sensu”, ou na ideia de “participação no debate político” – opção que se procurou contemplar através da alternativa “contato com questões políticas relevantes”. Para testá-la, produzimos a comparação entre egressos com uma, duas e três passagens pela gestão, que pode ser sintetizada no gráfico acima.

A princípio, o ligeiro mas perceptível aumento da participação dos egres-sos que integraram três gestões na alternativa “contato com questões políticas relevantes” (esse grupo representa 10% dos que responderam “desenvolvimento de habilidades interpessoais” e 12% dos que responderam “desenvolvimento de habilidades de trabalho sob pressão”, havendo um salto para 18% na alternativa “contato com questões políticas relevantes”) indicaria nessa direção. Da mesma forma, consideradas apenas as respostas dos integrantes de três gestões, 42% (5) fixam-se sobre esta última alternativa, contra 25% (3) em cada uma das duas outras principais. Essa impressão é, entretanto, desconfirmada ao se perceber que, tanto em um como no outro critério, os respondentes que fizeram parte de apenas uma gestão escolheram a alternativa “contato com questões políticas relevantes” mais frequentemente do que aqueles que estiveram em duas gestões. Esse dado, por si só, inviabiliza a hipótese aventada.

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A quantidade de egressos participantes de três gestões, além disso, parece pequena demais para permitir conclusões. Por fim, a própria alternativa escolhida parece ser de definição demasiado vaga, o que pode fazer com que nem todos os respondentes a tenham encarado com o mesmo sentido que a ela atribuímos, o que consistiu em uma das falhas do questionário. Trata-se, portanto, de uma hipótese que não pode ser confirmada, e sobre a qual pesam sérias dúvidas.

Diferente sorte teve a segunda hipótese inicialmente veiculada, segundo a qual haveria provavelmente uma diferença não trivial na qualificação do valor da política acadêmica quando contrastadas as respostas de homens e mulheres. Conforme anteriormente exposto, considerada a totalidade das respostas obtidas, 30% dos egressos identificam no desenvolvimento de habilidades interpessoais a principal fonte do impacto positivo da política acadêmica em sua formação. Outros 28% indicam o contato com questões políticas relevantes, e 25% o desen-volvimento de habilidades de trabalho sob pressão e com alta exposição pública. Uma vez separadas as respostas pelo critério do gênero, contudo, pelo menos uma disparidade demonstra-se acentuada.

Figura 16 – Principal motivo percebido do impacto positivo x gênero dos respondentes

No gráfico acima, a parte externa corresponde às respostas fornecidas por homens, e a interna, àquelas fornecidas por mulheres. Sobretudo no que diz respeito à alternativa preferida pelo maior número de egressos no total (o desen-volvimento de habilidades interpessoais), homens e mulheres apresentam algum grau de afastamento. Enquanto, para os homens, a alternativa em questão cede em relação às demais, entre as mulheres ela tem um avanço notável, de 30 para

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41%, ganhando terreno (principalmente) sobre o desenvolvimento de habilida-des de trabalho sob pressão. O dado é pouco para alçar grandes voos teóricos. É, entretanto, possível aventar a possibilidade de que essa marcada diferença seja reflexo de algo importante. Notadamente, parece lícito supor que a política acadêmica talvez funcione como um espaço mais propício para que mulheres se coloquem em evidência e trabalhem suas habilidades de comunicação, liderança e convencimento – o que talvez gere inclusive algum grau de “empoderamento” por parte dessas mulheres. Em um ambiente frequentemente criticado por re-presentar um locus de atuação do machismo como é a academia, esse dado pode sinalizar uma importante contribuição que tem a dar a política acadêmica – que, talvez, venha se apresentando como um veículo mais favorável às mulheres e ao seu desenvolvimento interpessoal do que outras instâncias da faculdade, tais como a sala de aula e os grupos de pesquisa. Qualquer conclusão definitiva sobre o assunto não poderá prescindir, é claro, de maiores investigações. Mas o que se vê já aqui serve ao menos como uma hipótese instigante.

5. concluSão

O trabalho aqui apresentado ambiciona ser, acima de tudo, um passo inicial na direção de uma nova abordagem de pesquisa acerca da educação jurídica no Brasil. Por meio de maiores esforços de coleta, organização e análise de dados acerca dos alunos egressos das faculdades de Direito pode-se, a um só tempo, lançar luz sobre o que os cursos jurídicos do país vêm produzindo em termos de formação (de pensadores, quadros para o Estado, empreendedores, profissio-nais e cidadãos) e identificar deficiências formativas em relação às necessidades profissionais dos egressos. Esse expediente importa porque viria a permitir, no futuro, um duplo olhar, para dentro e para fora dos cursos de Direito, entenden-do melhor seus resultados efetivos para projetar melhor os meios de produção desses resultados, que tenderão então a apresentar avanços.

Nenhum desses objetivos é atingido por este estudo. Com sorte, entretanto, seus resultados estimularão novas pesquisas na área11, que poderão investigar mais a fundo uma série de aspectos importantes da educação jurídica pelo viés dos egressos. É, em primeiro lugar, nesse espírito que se desenham nossas conclusões. Embora os dados coletados e analisados tenham podido compor um panorama

11. A primeira, aliás, deve vir já no esforço de pesquisa em conjunto com os pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, mencionado anteriormente, cujo objetivo é traçar um perfil muito mais abrangente, incluindo egressos de diversas faculdades de Direito paulista, em um recorte temporal mais amplo e sem restringir-se àqueles que foram ativos na política acadêmica.

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estatisticamente relevante do espaço amostral específico (egressos integrantes de gestões do Centro Acadêmico XI de Agosto entre 1984 e 2012), servindo como um retrato competente desses egressos, enfatizamos seus resultados do ponto de vista das dúvidas que lançam à comunidade científica e das possibilidades de futuras investigações para as quais apontam. Paralelamente a isso, e no plano mais restrito, esboçamos também respostas para algumas perguntas simples acerca do valor formativo da política acadêmica – que não prescindem, por sua vez, de maiores pesquisas em pelo menos duas frentes: primeiro, é necessário replicar esta pesquisa para um número maior de faculdades, e em contextos acadêmi-cos diversificados, de modo a permitir alguma universalização dos resultados. Depois, é preciso, mesmo no restrito universo da pesquisa, avançar através de análises qualitativas de maior fôlego, notadamente por meio de métodos como a entrevista semiestruturada, o grupo focal e a etnografia, de modo a desvendar algumas perplexidades e desconstruir eventuais fabricações indevidas da análise quantitativa.

Em termos gerais, a pesquisa aponta para um perfil objetivo dos egressos da política acadêmica do Centro Acadêmico XI de Agosto como um grupo majoritariamente branco, masculino, paulista e altamente graduado (do que fazem prova os números de mestrados, doutorados e pós-graduados). Esses dados – bem como, aliás, cada uma das descobertas desta pesquisa – parecem não surpreender muito, mas se beneficiarão da futura comparação com os da-dos gerais, relativos aos egressos em geral, de modo a verificar até que ponto é diferente o perfil dos egressos que participaram da política acadêmica (ou, mais precisamente, das gestões do centro acadêmico).

Ao mesmo tempo, o trabalho carrega algumas linhas de força que, embora não totalmente desenvolvidas aqui, fazem pensar sobre algumas oportunidades interessantes de investigação subsequente. É destacando essas linhas de força em algumas palavras que concluímos o estudo.

Em primeiro lugar, procuramos explicitar em números um dado que, ao menos intuitivamente, já se espera encontrar na prática. Trata-se do fluxo geográ-fico de pessoas que, anteriormente à graduação em direito na FDUSP, moravam em cidades do interior paulista ou de fora do estado de São Paulo e que, ao final da graduação, em geral não retornam. Nesse ponto, pelo menos três fenômenos foram observados. De um lado, um número substancial dessas pessoas acaba radicando-se na cidade de São Paulo, que apresenta o mais alto índice de atrati-vidade entre as cidades contempladas. Em seguida, há um fluxo secundário, que leva uma quantidade também notável (embora consideravelmente menor) dos egressos a Brasília. Por fim, observa-se ainda que, entre os raros egressos pesqui-sados que retornam ao interior de São Paulo, boa parte acaba por instalar-se em

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cidades maiores do que suas cidades de origem, de modo a atingir “metrópoles regionais”, que exercem também alguma atração. As razões da atração exercida por essas cidades sobre os egressos pode ser objeto de algumas hipóteses mais ou menos seguras: a maior demanda e as maiores oportunidades profissionais dos grandes centros econômicos (São Paulo e metrópoles regionais do interior paulista) e político-administrativos (Brasília), o baixo desenvolvimento da ativi-dade jurídica em cidades muito pequenas, e a própria relação travada com São Paulo como decorrência de pelo menos cinco anos de residência na cidade são todas explicações que parecem razoáveis. Relacioná-las, medi-las e articulá-las em função de um estudo específico sobre o fenômeno do deslocamento de quadros altamente formados para esses centros continua, entretanto, uma via importante para entender o funcionamento e a função da educação jurídica no Brasil (sobretudo nas faculdades ditas “de ponta”). Um tal estudo poderia, além de lançar luz sobre tal fenômeno, acrescentar algo ao debate mais amplo sobre a ocupação de postos proeminentes na estrutura do Estado e nas grandes em-presas (jurídicas ou não), em diversas regiões do Brasil, por quadros formados naquelas faculdades de Direito paulistas.

Em segundo lugar, parece haver espaço para estudos importantes acerca do papel das mulheres na política acadêmica e, na chave inversa, do papel da política acadêmica na formação das mulheres no curso de Direito. De um lado, é preciso analisar se a porcentagem de mulheres envolvidas na política acadê-mica (com especial importância para os cargos de destaque na gestão) contrasta favoravelmente com a participação das mulheres no curso de Direito como um todo. De outro, há que se explorar com maior detalhe a natureza específica do valor formativo da política acadêmica de acordo com a percepção das egressas que dela tomaram parte. O dado relevante levantado – a saber, o de que 41% das respondentes considera como o ponto mais importante o desenvolvimento de habilidades interpessoais – estimula hipóteses a se perseguir. Especialmente, parece possível uma investigação sobre a política acadêmica como um espaço diferenciado para as relações de gênero, talvez com algum grau de empoderamento das mulheres. Em caso afirmativo, estaria reafirmada a importância do espaço político estudantil como fornecedor de um tipo de espaço para o crescimento pessoal das mulheres que outras atividades acadêmicas talvez tolham (recorren-tes são as referências ao caráter machista da sala de aula, cujos conteúdos são eminentemente veiculados a partir do ponto de vista masculino, e da dinâmica de muitos grupos de pesquisa, por exemplo). Em caso negativo, cabe descobrir se a política acadêmica simplesmente faz reproduzir as estruturas das demais atividades ou se ela se apresenta como um ambiente difícil para as mulheres de maneiras diferentes.

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Em terceiro lugar, parece importante ir além do que se fez em termos de análise do perfil profissional dos egressos. Alguns dados interessantes despon-tam do que aqui se expôs, entre os quais uma forte concentração dos egressos em (1) escritórios de advocacia e (2) órgãos públicos em carreiras não-jurídicas, principalmente na gestão de políticas públicas, seguidas a alguma distância por (3) órgãos estatais de litigância e (4) órgãos do Poder Judiciário. Além disso, a predominância de mulheres nos órgãos estatais de litigância, dentre os quais sobretudo a Defensoria e o Ministério Públicos, pode ensejar estudos acerca da seleção realizada – talvez inadvertidamente – pela estrutura das faculdades de Direito, de determinados “perfis profissionais” com incidência sobre a maneira como a vida acadêmica se orienta e articula. Sem que se obtenha mais robustas informações sobre o destino profissional dos egressos, não será possível realizar um debate ao mesmo tempo coerente e útil acerca da razão de ser das faculda-des de Direito no Brasil, nem tampouco se poderá intentar reformas eficazes e consistentes em suas estruturas curriculares.

Finalmente, uma linha de pesquisa que se pode entrever é a exploração do efeito da estrutura curricular e acadêmica no sentido amplo, bem como a pequena rigidez relativa dos controles formais (presença e avaliação) – essa, característica sobretudo do curso da FDUSP – sobre a predominância da atividade política como veia formativa dos egressos das faculdades de Direto, e particularmente daquela instituição. Nesse sentido, pode-se pensar a atividade política estudantil de maneira mais integrada com a vida acadêmico-curricular na faculdade.

De cada um desses esforços de pesquisa em potencial decorreriam, prova-velmente, ganhos consideráveis para o debate da educação jurídica no Brasil e para a formação de uma nova agenda de pesquisa em torno dele.

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InCIPIênCIAs EPIstEmOlógICAs E mEtODOlógICAs: Uma ciência do Direito em fundamento às associações civis por uma educação atenta ao artigo 205 da Constituição Federal

Brahwlio Soares de Moura Ribeiro Mendes Marcos Vinício Chein Feres Alan Rossi Silva

reSumo

O trabalho constrói uma reflexão metodológica sobre a epistemologia jurídica, construindo possibilidades científicas de colaboração à força normativa do artigo 205 da Constituição Federal. Tomando-se como problema a debilida-de da força normativa do referido artigo, encontra-se através da metodologia construída a possibilidade de fundação de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, a qual encontra-se em germinação no presente momento como resultado científico de necessidades normativas compartilhadas. Desse modo, o presente trabalho representa o fundamento científico de uma asso-ciação em surgimento que pode ser uma valiosa aliada à construção de uma educação de qualidade, também almejada pelo movimento estudantil.

Palavras-chave: Ciência. Ação. Justiça. Educação. Educação jurídica.

abStract

The work constructs a methodological reflection on the legal epistemology, building scientific possibilities of collaboration to the normative force of Article 205 of the Federal Constitution. Taking by research question the weakness of the normative force of that article, is built through the methodology the

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possibility of founding a Civil Society Organization of Public Interest, which is germinating in the present moment as a scientific result of shared normative desires. Thus, this work represents the scientific foundation for the emergence of an association that can be a valuable ally to the construction of a quality education, also longed for the Student Movement.

Keywords: Science. Action. Justice. Education. Legal education.

1. Introdução

O ensino jurídico é espécie do grande gênero da educação formal, inserido na educação superior, para a qual tem-se como pré-requisito a conclusão da Educação Básica. Propõe-se neste trabalho uma análise da relação entre Direito, justiça e educação. Tematizando não o Direito ao acesso escolar, nem mesmo o dever inafastável de entregar boa parte de nossas duas primeiras décadas de vida à escola, mas sim a qualidade dessa escolarização.

A quem incumbe decidir sobre o que será considerado uma educação de boa qualidade? Tal decisão é indissociável daquela sobre que tipo de sociedade se quer ter, sobre como deve ser o futuro das novas gerações que são inseridas no sistema escolar antes mesmo de se assenhorarem das próprias vidas. Sentimos que uma questão tão séria sobre o ser e dever ser da sociedade não pode furtar-se ao crivo da justiça. Ou seja, o senso de justiça de cada ser humano não pode cochilar enquanto sua espécie é entregue a qualquer modelo educacional.

Nesse cenário apresenta-se o Direito institucionalizado com o Estado, o qual põe em vigor um ordenamento normativo iniciado na Constituição Federal. Tal Direito posto não elimina os mencionados sensos de justiça subjetivos, mas vale-se do Estado para instituir e garantir um ordenamento de normas objetivas destinadas a regular a vida dos habitantes de determinado território. A Constituição de 1988, fundante do atual Estado brasileiro, dedica uma seção específica à normatização da educação no país; seu primeiro artigo determina que devem ser três os objetivos do processo educativo: o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

Se do ponto de vista subjetivo devemos utilizar nossos sensos de justiça para julgar que tipo de educação deve ser oferecida, do ponto de vista objetivo esse julgamento deve realizar-se em vistas às finalidades constitucionalmente postas à educação. Reduzindo-se nesse último, pela própria normatividade constitucional já se fazem inválidas as pretensões de que a educação sirva

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apenas à produção de mão de obra qualificada, reduzindo a existência humana à função laborativa. Do mesmo modo, a escola não pode ter sua qualidade medida apenas por seus índices de aprovação em exames seletivos.

O ensino jurídico é um ponto emblemático desse cenário. Ao suceder uma formação básica desatenta ao referido artigo constitucional ele pouco ou nada inova diante do modelo educativo majoritariamente vigente, o qual enquadra-se na e focaliza a preparação para verificações objetivas de conhecimentos, provas.

A pretensão de alterar tal modelo em sede de ensino superior esbarra em dificuldades múltiplas que perpassam docentes e discentes. De todo modo, nos cursos de Direito muito se fala em Estado Democrático de Direito e na relevância normativa da Constituição Federal, bem como da necessidade de busca constante da justiça como guia das interpretações e transformações do Direito posto. Portanto, não é descabido dizer que o atual estado da educação no país é também responsabilidade dos juristas, cujos conhecimentos implicam responsabilidade reflexiva e transformadora do ser rumo ao que deve-ser.

Em nosso primeiro capítulo, destinado à explicitação dos referenciais epistemológicos e metodológicos, será apresentado como essa tentativa de tornar “ser” o dever-ser pode ser feita cientificamente. Trata-se de uma espé-cie de pesquisa-ação jurídica, na qual o jurista poderia exprimir ao mundo sua convicção normativa pautada ou não no Direito Positivo, nutrindo assim tal normatividade de existência. Tal proposta é especialmente útil em normas como o artigo 205 da Constituição Federal, o qual dificilmente poderia ser cumprido somente através das meras imposições estatais do Direito Positivo.

Será importante este longo capítulo inicial para justificar-se cientificamente a ação suposta como uma das soluções à problemática enfrentada neste tra-balho, a qual poderia ser descrita na interrogativa: como contribuir de modo cientificamente fundamentado à força normativa do artigo 205 da Constituição Federal? Driblando-se o debate semântico1 sobre tal norma, pretende-se aqui apontar a possibilidade de uma ciência jurídica transformadora da realidade que pode contribuir com o movimento estudantil em sua tarefa de zelo pela qualidade educacional. Para isso, após as reflexões metodológicas será apresen-tada uma incipiente iniciativa de sua aplicação, como exemplo à possibilidade de associações civis por uma educação realmente hábil a promover um ensino básico, superior e jurídico germinador de seres humanos plenamente

1. Tal debate é objeto de estudo sob a mesma epistemologia no Mestrado em Direito e Inovação da Faculdade de Direito da UFJF na pesquisa em andamento de Brahwlio Soares de Moura Ribeiro Mendes, sob a orientação de Marcos Vinício Chein Feres.

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desenvolvidos como pessoas preparadas para a cidadania e qualificadas para o trabalho.

2. o mÉtodo e oS (deS)lImIteS da InVeStIGação

Este não é um tópico trivial em cumprimento à tradicional exigência de exposi-ção da metodologia empregada. É também isso, mas não somente, pois pretende apresentar uma proposta epistemológica não convencional, provavelmente com relevância tanto para a pesquisa, como para o ensino e extensão. Seus objetivos são possibilitar uma produção de conhecimento/existência atenta à interação entre ser e conhecer (MATURANA, 1998), à não mutilação do Direito (FERES; RIBEIRO MENDES, 2011), à beleza dinâmica do uno e do múltiplo na busca pelo ser (MATOS, 2011) e, por fim, à autenticidade (DWORKIN, 2012) como impulso à produção científica. Com essa articulação acreditamos poder fun-damentar a presente iniciativa, bem como contribuir para novas possibilida-des sociais: científicas, jurídicas, educativas, etc. A despeito dessa construção merecer uma obra própria mais detalhada, será satisfatória para este trabalho a exposição resumida dos quatro pilares que a sustentam.

Pensemos primeiro na relação entre ser e conhecer no homem e, posterior-mente, na produção científica de conhecimento jurídico. É difícil discordar de que nós somos o que nos tornamos, ou seja, o ser é um momento de algo que vem sendo. Nesse processo interagimos com nosso entorno e, com alguma consciência disso, vamos nos formando. Essa obviedade tem séria relevância para a produção de conhecimento e suas potencialidades, valendo a pena investigá-la melhor.

2.1 nós e as verdades normativas

Numa bela síntese, Maturana nos diz que viver seria conhecer e conhecer seria viver (MATURANA, 1997, p. 42). Essa afirmação dá o que pensar! Qual seria a relação entre a ontologia e a cognição nos seres vivos? Qual seria a relação entre a cognição e o viver? Esse é um dos temas desenvolvidos pelo biólogo Humberto Maturana, muitas vezes em parceria com Francisco Varela, para os quais a cognição é o instrumento que acopla os seres vivos com a realidade, que acopla o sistema vivo com seu entorno, ou seja, não se trata do conceito de cognição restrito à aprendizagem lógico-racional (PELLANDA, 2009, p. 25). Uma peculiaridade da proposta de Maturana é valer-se do paradigma científico

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cibernético para compreender o mundo em sua complexidade. Rompendo com dualismos rígidos próprios de causalidades limitadas, ele propõe uma identi-dade entre ser e conhecer, entre viver e relacionar-se com o entorno.

Os novos paradigmas científicos advindos de certo esgotamento do car-tesianismo implicam o reconhecimento de uma complexidade do real que recomenda o entrelaçamento dos saberes. É nesse contexto que, influenciado pela cibernética, Maturana realiza suas pesquisas nas fronteiras dos limites disciplinares, realizando uma biologia extremamente relevante para as questões educacionais de constituição do homem (PELLANDA, 2009, p. 19). Em termos diretos, tem-se que:

podemos definir cognição como o conjunto de interações de um sistema que se mantém vivo porque consegue se auto-organizar face aos ruídos perturbadores do meio (interno ou externo), transformando essas perturbações em padrões criativos que aumentam a diferenciação do sistema tornando-o mais capaz de enfrentar no-vos ruídos. Com esse trabalho do sistema emergem processos de complexificações sempre crescentes e sempre em devir. (PELLANDA, 2009, p. 35)

Daí notamos a essencialidade da cognição e sua inseparabilidade do viver. O entorno de cada sistema vivente é composto de uma complexidade perturbadora que precisa ser construtivamente dotada de sentido no interior do ser vivo. Essa ordenação da complexidade tem se mostrado, nas pesquisas de Maturana, um processo ativo particular em cada ser, fazendo-o divergir de Piaget ao negar sua enfatização da cognição como representação, ou seja, como captação de uma realidade objetiva (PELLANDA, 2009, p. 28).

A proposta biológica de compreensão do viver e do conhecer trazida por Maturana vale-se do conceito de autopoiese para compreender o vivo. Não há necessidade de nos determos em tal conceito, basta consideramos que trata-se da capacidade/necessidade do ser vivo de relacionar-se com seu entorno, tornando-se outro enquanto mantém-se o mesmo. É nesse processo que se daria nossa vida, em constante (re)construção de nós mesmos, até a morte.

Considerado isso, aprender a construir-se e tornar-se quem se é, além de questão psicanalítica, é questão educacional, e educação não é só o que se faz ao lecionar. É também o que se faz ao publicar/ler um trabalho científico, ao divulgar/ouvir uma música, ao trocar ideias com amigos, ao trocar ideias consigo mesmo, ao abrir-se a aprender com o cosmos. Em síntese, educação é qualquer processo interativo que interfira na (auto)construção dos seres. Note que esse termo “educacional” refere-se aqui ao âmbito de (re)construção de um ser, o qual abarca as aprendizagens técnico-instrumentais, mas, evidentemente, não se reduz a elas.

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É nesse constante processo educativo que existimos como humanos (MATURANA, 1998, p. 45). Em sentido mais amplo, a cognição identifica-se com a própria vida, e é vivendo que aprendemos a viver, sendo impossível viver sem constituir-se na vivência. Daí a questão: se todos aprendemos e nos cons-truímos na vida, poderia a ciência do Direito posicionar-se ativamente nessa construção social produzindo conhecimento/existência?

Todo este tópico é uma resposta à pergunta anterior! Por ora, atentemos para a questão de que a vinculação entre conhecer e viver abre espaço para uma perspectiva na qual a pesquisa jurídica se una ao pesquisador, num entrelaçamento que poderia parecer destrutivo à prevalência das pretensões de encontro da verdade objetiva, aquela que seria invariável diante das diversida-des de crenças subjetivas. O ponto é que a ciência não precisa necessariamente focar-se na tentativa de descrição dessas verdades objetivas, ou seja, além da ciência focada nas verdades objetivas outros tipos de esforços científicos seriam aceitáveis.

A questão epistemológica é séria. Dependendo de como compreendermos a verdade, pode ser necessário abster-se de sua busca nas questões normativas, ou reduzi-la a acordos discursivos. Uma verdade que não comporte com espirituosidade contradições e incertezas pode até incitar comportamentos, trazer segurança e avanços técnicos, mas não será suficiente à compreensão de si mesmo, do mundo e das normas jurídicas. Hans Kelsen, em seu contexto, defendeu que

verdade significa conformidade com a realidade, não conformidade com um valor pressuposto. O juízo de que algo é verdadeiro ou falso é a verificação da existência ou não-existência de um fato, e tal juízo tem um caráter objetivo na medida em que é independente do desejo ou do temor do sujeito que julga e verificável pela experiência dos sentidos, controlados pela razão. (KELSEN, 1998, p. 350)

Não há necessidade de desprezar as palavras kelsenianas, preocupadas em evitar o uso indevido do poder inerente a um determinado conceito de verdade. Essa compreensão da verdade restringiria o cientista do Direito à tarefa de apresentar as diversas possibilidades semânticas do texto normativo, de modo que optar por alguma delas seria ir além das possibilidades da verdade científi-ca. Fazê-lo seria adentrar à política do Direito (KELSEN, 2006, p. 393). Kelsen, adepto do modelo de ciência weberiano, constata a irracionalidade do ato de vontade que decide por alguma das interpretações possíveis, considerando-o, portanto, inábil à cientificidade, uma vez que a verdade apresentada dependeria dos pressupostos axiológicos subjetivos do intérprete (MATOS, 2005, p. 41). Ao

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cientista não caberia, portanto, valer-se da ciência para expressar suas próprias crenças valorativas.

Entendemos as preocupações do mestre de Viena, mas o método aqui pro-posto não absolutiza a correspondência como princípio único da verdade e nem pretende apresentar um conhecimento objetivo comprovável por alguma lógica avalorativa. O que se propõe neste trabalho é considerar a relevância de uma espécie de subjetivismo que não poderia ser aproveitado no paradigma científico kelseniano, sendo algo claramente irredutível à racionalização objetiva, mas, ainda assim, hábil a constituir uma espécie de hipótese intuída pelo pesquisador. Uma hipótese necessariamente impregnada de uma espécie de verdade deôn-tica, mas não andemos tão rápido. Por ora, entendamos que essa hipótese de significação normativa intuída pelo pesquisador não precisa derivar-se de processos analíticos racionalizados como a ponderação matematizada de Alexy (2005), mas também não pode ser qualquer interesse, preconceito ou capricho irrefletidamente eivado à condição de hipótese científica. Mais precisamente, até o método alexyano transcende a lógica ao levar em conta a relevância da investigação da gênese das convicções morais do decisor (ALEXY, 2010, p. 172); aqui essa autoanálise é tida por um dos pontos mais relevantes.

O conhecimento, inseparável das vivências do pesquisador que cotidiana-mente convive com a norma que o cativa, intriga e interessa, passa a integrar o próprio ser do pesquisador, podendo levá-lo a intuir ações e sentidos nor-mativos hábeis a cumprir uma função de hipótese. Essa proposta de abertura da ciência jurídica às intuições subjetivas pode soar bastante absurda àqueles cuja reverência a algum modelo absoluto de racionalidade imponha apriorística rejeição a tudo que se diga partir do coração humano, de sua alma, do próprio cosmos, ou até mesmo de relações neuronais irredutíveis a nossos modelos de causalidades. De todo modo, até os mais racionalistas, no sentido mais estreito da palavra, terão de conviver com o fato de que, até no mundo da verdade por representação das ciências naturais, ou da verdade lógico-matemática, as intuições marcam sua inegável relevância. Seriam vários os exemplos: Kekulé intuindo em sonho a geometria do anel benzênico, Newton e suas leis na física, Georg Cantor e os infinitos na matemática, mais tantos outros que creditaram suas descobertas não a racionalismos, mas a revelações do espírito. Não ignoremos, entretanto, o alerta racionalista:

[Newton] Inventou a lei que tem o seu nome ao enumerar diversas possibilidades, ou impôs-se ela a seu espírito? Ele próprio diz que foi o segundo caso, uma ilumi-nação acompanhada de uma sensação de certeza que encontramos com frequên-cia em outros descobridores. Esse tipo de conhecimento súbito, que poderíamos

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chamar de terceira espécie, à maneira de Espinosa, é fascinante, mas também pode ser enganoso, e o classificaremos, portanto, a contragosto, na categoria dos aspectos humanos da ciência, que não faz parte de nosso assunto. (OMNÈS, 1994, p. 275-276, grifo nosso)

Ora, mas de nosso assunto os aspectos humanos da ciência fazem parte! Sem desconsiderar sua potencialidade enganosa, eles são uma grande espe-rança de que a ciência jurídica possa ser um campo aberto à construção viva da justiça, em toda sua indizibilidade que nos constitui. Nessa opção metodológica é permitido que o jurista dê vazão a sentimentos rigorosamente refletidos sobre o juridicamente correto, sem que isso, entretanto, descambe para o irracionalismo radical, como Roland Omnès tranquiliza seus leitores:

É bem provável, porém, que esses aspectos irracionais possam ser explicados por uma atividade intelectual intensa, estendendo seu domínio a todos os componentes da personalidade, que neles se manifestam à sua maneira. Afinal de contas, essa algazarra da mente dará lugar ao silêncio, quando o alvo for atingido. Tudo será, então, cuidadosamente limpo pelo autor, que passará à forma convencional e cômoda das publicações científicas, onde só permanece a ideia-chave, Vênus Anadiomene de pés limpos da espuma. (OMNÈS, 1997, p. 278, grifo nosso)

Creio, entretanto, ser possível que boas expressões científicas de objetos normativos não possam reduzir-se à costumeira forma convencional, cômo-da e aborrecida de boa parte das publicações acadêmicas do produtivismo contemporâneo. Algumas vezes o incômodo e o distanciamento dos con-vencionalismos podem ser necessários e belos, devendo possuir seu espaço na produção científica. A ideia-chave dessas significações normativas, a intuição do autor, precisa expressar-se de modo a manter vivo o brilho que lhe deu origem. Tal deve-se à natureza do objeto normativo que, ao contrário dos fatos da natureza, possui sua própria ontologia atrelada às subjetividades humanas. Ou seja, através de nossas crenças podemos descobrir e conceituar a lei da gravidade, mas nossas crenças não constroem tal fenômeno – ele existe independentemente de nós. Com o universo normativo a questão se altera. As subjetividades constituem sua própria ontologia, não apenas sua percepção, de modo que se valer do discurso científico para a compreensão do sentido de uma norma significa nutrir tal normatividade de existência, exercendo influência criadora sobre o objeto que se investiga.

A existência de qualquer norma é indissociável de crenças em sua signi-ficação. A crença, por sua vez, não é algo à livre disposição da vontade do indivíduo, nem algo exclusivamente racional, nem exclusivamente irracional.

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Não temos a capacidade instantânea de acreditarmos no que quisermos, mas isso só torna ainda mais interessante explorar os domínios de nossas crenças, construindo-as conosco em nossas vivências. O conhecimento jurídico poderia contribuir na reflexão sobre as crenças constituintes dos sensos de justiça nesse inescapável processo construtivo que denominamos vida. Veremos adiante que a existência objetiva do Direito das leis e tribunais deve-se, em boa medida, à garantia estatal de sua aplicabilidade a despeito das crenças contingentes de indivíduos particulares. Entretanto, o Direito posto com o Estado não é todo o Direito e a formação dos sensos de justiça2 não pode ficar de fora das conside-rações do pesquisador, cujo próprio viver/conhecer o incita a penetrar.

2.2 Há direito em nós

O que foi denominado de não mutilação do Direito, ou Direito não mutilado (FERES; RIBEIRO MENDES, 2011, p. 187), cumpre aqui uma função de delimi-tação do universo de possibilidades e relevância das pesquisas jurídicas. Entre outras razões, a necessidade de estabelecimento de um objeto de estudo nítido e dócil à objetificação científica levou alguns a professarem a crença de que o conceito de Direito se esgotaria no chamado Direito Positivo, ou seja, aquele Direito posto como ordem normativa globalmente eficaz em um determinado território. Tal eficácia seria verificada pelo grau de eficiência da aplicação das consequências jurídicas correspondentes aos atos inseridos como hipóteses nas normas legais (KELSEN, 2006, p. 237). Se, como foi afirmado, as normas são feitas de crenças humanas, pode-se dizer certamente que a existência de uma organização espalhada por todo um território, que já tenha conquistado a confiança e a reverência para monopolizar o uso da força através de juízes, políticos, polícias, exércitos e funcionários de todos os tipos, só poderia se constituir através de uma espécie de crença, sendo que a própria existência da organização redundaria em reafirmar a crença que a sustenta. Nesse proces-so perpetua-se o Estado, que se apresenta como a manifestação prática de um Direito, ordem normativa que regula e desregula sua própria criação e aplicação. Nota-se que é muito mais palpável e incontroverso analisar o documentado e burocrático Direito Estatal como o único Direito verdadeiro.

2. É importante deixar claro que o senso de justiça não se identifica necessariamente com a punição. O senso de justiça não é algo estático nos indivíduos, é também dinamicamente pro-duzido em suas vivências. Para uma pequena introdução a uma interessante compreensão não punitiva da justiça, ler O valor do sagrado e da ação não-violenta nas dinâmicas restaurativas (PENIDO, 2006).

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Parece razoável que, em seu processo de formação, a ciência jurídica tenha tido de passar por um momento de afirmação de si mesma perante as demais ciências, adotando exclusivamente o Direito posto como objeto de estudo. Com isso essa ciência pôde apresentar como objeto um nítido fenômeno normativo. A existência estável do fenômeno estatal garantiu concretude a esse objeto de estudo chamado de Direito Positivo (BOBBIO, 2007, p. 11). Isso, entretanto, restringe as possibilidades dos estudiosos do Direito, que acabam se focando exclusivamente na prática jurídica institucionalizada com o Estado.

O Direito não mutilado, portanto, é o alargamento do conceito convencio-nal de Direito para considerar também os sensos de justiça como integrantes do jurídico (FERES; MENDES, 2011, p. 191). Ou seja, a institucionalização estatal desses sentimentos não os esgotam – eles permanecem vivos em sociedade. Esses sensos de justiça integram o ser de cada indivíduo a uma noção de Direito, desempenhando um importante papel na construção das identidades individuais e coletivas. Como qualquer um de nós, os estudantes e professores também possuem sensos de justiça, os quais podem impulsioná-los a realizar grandes transformações no ensino. Como afirmado, essa expansão conceitual tem implicações sobre o alcance e importância das pesquisas jurídicas.

Quanto ao alcance, é evidente que a pesquisa ascende em possibilidades, podendo adentrar num campo bastante contingente e irredutível à objetivação, estreitando-se os diálogos com a psicologia, antropologia, filosofia, neurociência, etc. Passa a ser relevante ao jurista os sensos de justiça dos cidadãos comuns, o sentimento do Direito e seus impactos sociais. Considerando isso não para unificar tais sentimentos através de uma regra majoritária, calculado algum padrão, mas para reconhecê-los em suas múltiplas e contingentes unidades, cuja fantástica interação é um dos elementos de nossa coexistência em sociedade.

Lembrando que a produção e divulgação da pesquisa sobre o sentido de uma norma influi na própria construção da norma, tem-se agora que não apenas as criações estatais do Direito podem ser objetos de investigação/construção, mas também os sensos de justiça da população. Coincidindo ou não com os imperativos do Direito Institucionalizado, essa justiça subjetiva permanece sendo sempre relevante à construção real da vida do sujeito e seu entorno. Por isso, no que se refere à educação, ainda que a coerção estatal não seja capaz de impor o cumprimento do artigo 205 da Constituição Federal, a pesquisa por sua efetivação permanece viável. Essa norma constitucional pode concretizar-se socialmente sem a necessidade de ações judiciais, desde que floresça nos sensos de justiça. Desse modo, a pesquisa expande seu interesse social ao interagir com a sociedade na busca construtiva dos sentidos norma-tivos constituintes dos indivíduos. Ou seja, o método aqui proposto não

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eleva a pesquisa a um patamar supra social; ao contrário, insiste em explicitar o posto da atividade científica jurídico-normativa como partícipe na construção da realidade social e, ao mesmo tempo, como construída na realidade social.

Bastante se fala sobre a pesquisa jurídica e seus métodos, mas a super-ficialidade de boa parte das reflexões, ou a timidez das propostas, não conduz a grandes avanços. O apego à tradição pode limitar o progresso científico. Paul Feyerabend permitiu-se contrariar o método para tentar abrir nossos olhos (FEYERABEND, 1977), entretanto, para alguns como Omnès, Feyerabend só disse o óbvio (OMNÈS, 1996, p. 273). Em 1975 o filósofo da ciência austríaco denunciava:

A educação científica, tal como hoje a conhecemos, tem precisamente esse objetivo. Simplifica a ciência, simplificando seus elementos: antes de tudo, define-se um campo de pesquisa; esse campo é desligado do resto da História (a Física, por exemplo, é separada da Metafísica e da Teologia) e recebe uma “lógica” própria. Um treinamento completo, nesse tipo de “lógica”, leva ao condicionamento dos que trabalham no campo delimitado; isso torna mais uniformes as ações de tais pesso-as, ao mesmo tempo em que congela grandes porções do procedimento histórico. “Fatos” estáveis surgem e se mantêm, a despeito das vicissitudes da História. Parte essencial do treinamento, que faz com que fatos dessa espécie apareçam, consiste na tentativa de inibir intuições que possam implicar confusão de fronteiras. A re-ligião da pessoa, por exemplo, ou sua metafísica ou seu senso de humor (seu senso de humor natural e não a jocosidade postiça e sempre desagradável que encontramos em profissões especializadas) devem manter-se inteiramente à parte de sua atividade científica. Sua imaginação vê-se restringida e até sua linguagem deixa de ser própria. E isso penetra a natureza dos “fatos” científicos, que passam a ser vistos como independentes de opinião, de crença ou de formação cultural. (FEYERABEND, 1977, p. 21)

Aparentemente parte dessas obviedades estão sendo percebidas – de lá para cá a relativização das fronteiras disciplinares, por exemplo, vem se acen-tuando. Na pesquisa jurídica já se difundem amplamente relevantes trabalhos irradiadores da importância da interação entre as disciplinas (GUSTIN; DIAS, 2010). Tem-se aí uma deixa para uma reflexão epistemológica relevante à toda tentativa corajosa de compreensão da realidade. Dada essa abertura à multipli-cidade e incertezas fronteiriças na relação de objetos complexos, emerge a necessidade de reflexão sobre as relações de unidade/multiplicidade e todo/parte para que não se atente contra as diversidades do mundo.

Não é mais necessário que as pesquisas limitem-se aos métodos de alguma ciência exclusiva. Surge aí mais uma importante abertura para nos admirarmos

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com a infinitude dinâmica do ser, em sua existência simultaneamente unitária e múltipla, compondo um mundo complexo e interativo de inúmeras tensões entre unidade(s)/multiplicidade(s) e todo(s)/parte(s). Não se trata de jogo de palavras. Refletir em profundidade sobre a produção de conhecimento científico na contemporaneidade implica dedicar atenção à compreensão da relação entre o pensamento, o pensante e o mundo nesse contexto dinâmico de conexões em múltiplos níveis. Nisso tudo não há nenhuma novidade, mas apenas mais uma oportunidade para não desprezarmos reflexões originárias do pensamento filosófico. É nesse importante ponto de localização da pesquisa na realidade e da realidade na pesquisa que a obra de Andityas, O grande sistema do mundo (MATOS, 2011), nos oferece companhia.

2.3 a verdade e a beleza. uma combinação pela não negação do entorno

Esse é o penúltimo ponto a ser apresentado nesta construção metodológica. Foi dito acima que a presente proposta não monoteísa a verdade como correspondência e nem pretende apresentar um conhecimento exorcizante dos valores e das subjetividades, então é indispensável apresentar qual noção de verdade embasa essa epistemologia. Tentemos direcionar o foco para os objetos normativos, mas sem desconsiderar que eles mesmos são partes de um grande sistema, do qual participam os considerados objetos fáticos. Nesse cenário destaca-se a bela complexidade da existência humana, na qual convivem e constroem-se dinamicamente fatos biológicos e fatos normativos3, fazendo do humano uma existência mista de ser e dever-ser.

O que foi denominado no início deste capítulo de beleza dinâmica do uno e do múltiplo na busca pelo ser não é uma expressão a ser memorizada e repetida em provas. Trata-se de um poder inscrito em O grande sistema do mundo (MATOS, 2011). Nas próximas linhas será feita uma tentativa de expressar tal sentimento indispensável à fundamentação epistemológica desta proposta metodológica.

Trata-se do sentimento potente de colocar-se com entusiasmo, coragem e sabedoria diante do conhecimento/vida, não exitando em perguntar sobre a própria existência da existência, nem em enfrentar o infinito ou outras questões enlouquecedoras (MATOS, 2011, p. 48). O sentimento se nutre no contato sincero

3. Digo “fatos” normativos apenas para ressaltar que as normas e valores não se dão fora do mundo, dão-se dentro dele. Ou seja, o dever-ser também é – ele existe, ainda que como produto de nossas crenças, mas existe. O fato de sua ontologia fincar-se nas crenças humanas, não pos-suindo existência independente delas, não o faz menos real, ou absolutamente desconectado do mundo existente independentemente de nossos valores, crenças e vontades.

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com essas e outras perguntas originárias que, em algum momento, conduzem-nos a perguntar sobre o perguntar, despindo a linguagem e localizando o esforço pelo conhecimento dentro e fora do cosmos a ser conhecido. A possibilidade de conjugação do uno e do múltiplo em todo(s)/parte(s) inscreve-se na própria realidade, ao mesmo tempo atômica e humana, social e cósmica, individual e celular. A investigação de sentidos normativos não pode abster-se dessas reflexões.

Como não ver a beleza solitária de, dentro disto, perceber-se uma unidade? Um ser humano! Ao pesquisador do sentido de normas aparentemente vagas, das quais crê realmente ter visualizado séria relevância normativa à construção da justiça, a percepção das belezas pode ser algo especial. Como Kelsen deixou claro, não adianta que esse pesquisador tente comprovar sua verdade por algum caminho exclusivamente lógico-racional, o qual invariavelmente partiria de pressupostos axiológicos subjetivos inábeis a fundamentar uma verdade objetiva. Por isso não é dessa verdade que se fala ao investigar tais sentidos normativos; não é da verdade objetiva especialista em fazer-se engolir à força por qualquer um que aceite a lógica. Fala-se de uma verdade antecedente à lógica (MATOS, 2011, p. 89) que precisa ser profundamente sentida, cujo verdadeiro entendimento dá-se ao notá-la brotando dentro de si, não destinando-se aos convencimentos objetificantes limitados por racionalismos estritos, mas sim à profunda construção de si mesmo na articulação do próprio senso de justiça. Fala-se de uma verdade humorada, tolerante à contradição, cujo objetivo não é sobrepor-se às concorrentes para reinar na absoluta solidão até ser destronada, pois, na presente proposta, a verdade não é o ponto de chegada do trabalho, é seu ponto de partida. A verdade deixa de ser um posto teórico a se al-cançar – a verdade é o real, são as coisas em suas relações, somos nós, é algo como o “isto” não conceituável que Hegel supôs ser o momento mais pobre da verdade (HEGEL, p. 74, 1992). Por isso, nessa metodologia não se visa chegar à verdade, busca-se partir dela, ao senti-la, inconceituável, dentro de nós. Sentimos essa que pode se configurar como hipótese potente de existência e ação, a qual não pretende valer-se da expressão científica para se tornar uma verdade mais verdadeira do que aquela presente no interior dos homens. Tal hipótese, tal intuição, precisa ser sentida pelo pesquisador como verdadeira; a norma deve estar ontologicamente presente no pesquisador, sendo uma verdade da qual seu trabalho será uma expressão.

O grau de “dizibilidade” da verdade é zero e não se deixa apreender em construções do tipo “isto é aquilo”. É com certeza um belo paradoxo o fato do é – a palavra originalmente verdadeira, a que instaura o processo de nomeação e significação do mundo – não nos servir para definir a verdade. Dela podemos ter tão somente

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experiências, nunca definições. Precisamos da verdade para montar nossas brilhantes definições. Já a verdade não precisa nem um pouquinho que seja, de definições. Nunca saberemos o que é a verdade. Todavia podemos vivenciá-la na poesia. Nela não falamos da verdade, mas a partir da verdade. É isso a poesia: uma clareira, um reflexo, uma brecha. A honesta poesia de todos os tempos só se faz com verdade, sem que, contudo seja a verdade. (MATOS, 2011, p. 152-153, grifos do autor)

Como expressão4 da verdade, é como se poesia o trabalho científico se tornasse. Não se trata de escrever em versos ou rimas, mas da tentativa genuína de valer-se do real ao ponto de tocar um real alheio. Daí a abertura à utilização de todos os métodos honestos que soem bem na composição científica da verdade normativa a se expressar.

Esse soar bem diz respeito à beleza mencionada acima e permite a articu-lação de quaisquer caminhos que o pesquisador julgue necessários a expressar bem sua verdade. Se a justiça não é um dado objetivo da natureza, se ela está à disposição de nossas subjetividades, moldando-se no interior de cada eu, com vista sempre ao nós, então não cabe prender-se a métodos que visem determiná-la objetivamente. É preciso buscar caminhos para compreender as verdades normativas inscritas nos próprios seres em suas múltiplas variações resistentes à objetificação. Nessa inversão, a pesquisa é sempre uma ação que deixa de ser a busca da verdade para ser a expressão de uma verdade buscada dentro de um “eu” aberto ao conhecimento/vida, um “eu” atento às relações entre unidade(s), multiplicidade(s), todo(s) e parte(s). Desse modo, a existência normativa subjetiva, que pode ou não identificar-se a normas do Direito posto, embasa a tentativa científica de expressão da realidade.

A beleza dessa expressão científica, necessária para tocar verdadeiramente um outro, precisará atingi-lo como um ser, não como mero sujeito do conheci-mento ou objeto de manipulação estética. É preciso que a ciência jurídica possa ir além da posse de conhecimentos sobre direito; é preciso que ela possa penetrar verdadeiramente nos seres, interferindo na construção de seus sensos de justiça ao potencializar os espantos com a possibilidade viva de construírem-se a si mesmos na dinâmica de suas articulações valorativas. Por tudo já dito, espera-se que esteja claro que não se trata de fazer do cientista do Direito um ardiloso estuprador de consciências, hábil a imprimir-lhes a própria verdade normativa. Trata-se de apresentar com beleza, profundidade e seriedade científica uma verdade constituinte de si mesmo. Uma verdade consciente de que terá

4. Entenda-se “expressão” como tornar manifesto em determinado meio. Tratando-se, em nosso caso, de um processo construtivo de trazer à linguagem centelhas da verdade que nos constitui.

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de se relacionar com outras verdades, talvez não tão refletidas, mas igualmente verdadeiras. Uma vez que a justiça não institucionalizada só pode ser concreta-mente compreendida como a somatória dos, verdadeiramente existentes, sensos de justiça de cada ser humano, essa metodologia permanece sendo ciência, pois trata rigorosamente de objetos reais, não pressupondo a existência de qualquer justiça independente dos homens aos moldes jusnaturais.

A beleza poética de tocar o ser alheio, aqui reivindicada à produção científica, não pode ser limitada por métodos pré-constituídos. Tal beleza construtiva de nosso sentimento de justiça certamente possui suas peculiaridades, não sendo idêntica à beleza das equações matemáticas, cuja apreciação estética foi recen-temente mapeada pela neurociência (ZEKI et al., 2014). Uma semelhança, entretanto, parece-me clara: tal qual a apreciação da beleza matemática faz-se mais intensamente pelos matemáticos5, não apresentando-se do mesmo modo no grupo de controle que desconhecia a matemática (ZEKI et al., 2014, p. 10), também a apreciação da beleza jurídica ocorre mais intensamente àqueles abertos a construírem-se com ela. Sendo desnecessário e prejudicial restringir a beleza jurídica com algum modelo pré-concebido de produção do conhecimento, as exigências metodológicas fundamentais seriam apenas interiores ao pesquisa-dor, manifestadas em suas ações, dizendo respeito à consciência da interação entre ser e conhecer, à consideração dos sensos de justiça como componentes do Direito, à percepção da beleza da existência se dando na dinamicidade complexa de unidades e multiplicidades que se estruturam simultaneamente em todos e partes e, por fim, da autenticidade como motor científico.

As verdades normativas, essas belezas constituintes dos seres humanos, precisam de meios para se expressarem. Algumas normas, como as jurídico-estatais, expressam-se através da linguagem e da força punitiva. A punição é uma grande verdade do Estado – ela nos leva a crer na existência estatal não com argumentos, mas com armas. O que nos leva a crer nas escolas e nas faculdades? A distinção entre normas autônomas e heterônomas, com as primei-ras correspondendo àquelas construídas por nós, no interior de nosso ser, e as segundas designando aquelas que sentimos como que impostas de fora, fornece noções importantes na investigação de nossa constituição e expressão normativa.

Por sua vez, a linguagem da fala e da escrita ocupa-nos a mente em grande parte do tempo. Ela se faz de conceitos e interações conceituais, sobre os quais não podemos deixar de refletir, uma vez que, além das normas, também a ciência se expressa por meio deles.

5. Compreenda-se por matemáticos não aqueles que possuem alguma certificação que o ateste, mas sim aqueles que conhecem matemática, interagindo com ela, constituindo-se com ela.

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Graças a Heráclito, a Lógica conceitualizante de Parmênides foi assassinada antes mesmo de nascer. […] Como é possível algo como um conceito? Conceitos não passam de metonímias que tomam a parte pelo todo; são nomes mais ou menos consensuais que apresentam a multiplicidade enquanto unidade e, falseando o real, param o tempo sempre corrente para nos oferecer imagens imóveis – e, portanto, falsas – do fluido rio em que nos submergimos. (MATOS, 2011, p. 103)

Se a esperança de Omnès era de que a linguagem das publicações científi-cas vigiaria a irracionalidade da intuição, agora precisamos perguntar: e quem vigiará a vigilante?

Das palavras à realidade, do perigo das letras à ameaça da dispersão do Ser. Coincidem aqui a Cabala e Eleia. Ambas incorrem na “falácia do dicionário perfeito” denun-ciada por Whitehead, a qual supõe existir uma palavra certa para designar cada coisa do orbe. Mas os poetas sabem: não se pode confiar nas palavras. Borges o disse belamente no prólogo de Historia de la Noche: “Trabajamos a tientas. El universo es fluido y cambiante; el lenguage, rígido”. Michel Eyquen, o risonho e ocioso Senhor de Montaigne, sabia que não podemos ir muito longe com as “suti-lezas sofisticadas” dos silogismos. E ria a valer: “presunto faz beber, beber mata a sede, portanto presunto mata a sede”. Se levarmos a sério só o raciocínio mudo e nos perdermos entre os encadeamentos das falácias, forçosamente daremos razão a Agostinho, que com excelente lógica acusa a criança recém-nascida de cometer o terrível pecado da gula ao sugar os seios da mãe. (MATOS, 2011, p. 73)

Não é que não possamos confiar nas palavras, é que precisamos compre-endê-las! Poderemos confiar nelas se não exigirmos delas algo além do que podem nos oferecer. Não se trata de vigiar a linguagem tal qual vigiava-se a filha indigna de confiança para garantir sua castidade até o casamento. Precisamos compreender a linguagem, relacionando-nos com ela com sabedoria. A linguagem exprime, realiza uma espécie de magia. A incompreensão disso é fonte de gigantescos sofrimentos à humanidade.

Uma questão extremamente relevante, que influencia a própria semântica linguística, é a forma como a linguagem se apresenta. Toda forma já traz em si algum conteúdo que se funde à substância e constrói a significação. Nesse sentido até o tom de voz constrói a fala, bem como as posturas emocionais dos interlocutores. Tudo isso relaciona-se à expressão linguística que pode ser uma expressão de nossa verdade interior, mas não a própria verdade. As tentativas sinceras de unir expressão e verdade possuem uma força estética e deôntica que não pode ser desprezada no Direito. Daí o auxílio que nos presta esse conceito

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de “expressão”, permitindo-nos comunicar sobre a capacidade de valer-se da linguagem não apenas como jogo, mas também como arte.

2.4 uma outra pureza no direito?

Consciente de tantas relações e contingências, o pesquisador continua acre-ditando que seu ser tem algo a contribuir para a construção da justiça. Essa metodologia não se destina, portanto, às investigações meramente profissionais como ofício desencantado, compulsório e aborrecido. Não se trata de algo que nos aguardaria a cada dia numa gaveta no gabinete, sem que nunca o levás-semos para casa, muito menos do que desgostosamente temos de levar para casa a fim de cumprir algum prazo imposto. Ao contrário, costuma ser algo que toma prazerosamente nossos pensamentos na hora do banho! Falar da autenticidade (DWORKIN, 2012) como motor à produção de conhecimento, referenda a insistência de que a verdade normativa expressada na obra s e en-contre verdadeiramente presente no autor.

Em seu último livro publicado em vida, Dworkin apresenta as noções de autorrespeito e autenticidade como constituintes da dignidade humana (DWORKIN, 2012, p. 211). A relevância dessa autenticidade a essa proposta me-todológica é enorme. Seu significado encontra-se lançado em poucas páginas da referida obra. Trata-se da exaltação de ser quem se é, levando a própria vida a sério e não entregando-se às “convenções, expectativas ou exigências dos outros” (DWORKIN, 2012, p. 217). Não é algo simples de se pôr em pala-vras, muito menos de verificar-se objetivamente. “O Fundamental não é ver a vida de maneira diferente dos outros, mas viver segundo, e não contra, a nossa situação e os valores que consideramos adequados” (DWORKIN, 2012, p. 217).

Apropriada nesse método, a autenticidade apoia o pesquisador que apresenta a si mesmo como fonte do real, crendo poder contribuir na com-preensão construtiva da justiça. Já foi suficientemente exposta a relevância de que a hipótese da pesquisa, como potência concretizante da norma pesquisada, constitua o ser do próprio pesquisador, o qual é parte das multiplicidades que compõem a justiça. Desse modo, ela pode ser considerada uma hipótese por dar-se à interação com os demais sensos de justiça, podendo transformar, transformar-se, ou até desaparecer.

Por óbvio, o pesquisador também reflete em suas meditações sobre sua própria verdade. Esclarecendo-se que aqui não se trata de uso estilístico da palavra “meditação”, trata-se mesmo de ir além da reflexão estritamente racio-nal, empregando tempo à tentativa de sentir-se profundamente. Nesse rumo, a

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noção de autenticidade foi crucial para a (in)decisão sobre o nome a ser dado à presente proposta metodológica. Inicialmente poderia cogitar-se algo como ativismo científico, entretanto, tal expressão deixaria de lado a principal força desse método. Por isso, o melhor nome deve conter algo muito mais preciso do que um amplo ativismo. Afinal, a inexistência do mencionado dicionário perfeito não contradiz a imensa relevância da busca cuidadosa no uso de algumas palavras.

Partindo-se do necessário humor e da necessária seriedade, pode-se de-nominar essa proposta de método puro do Direito. Com sincera admiração à proposta de Kelsen, pretende-se estimular a atenção sobre outra significação da mesma palavra que intitulou sua obra mais conhecida. A pureza do método aqui exposto não visa a verdade objetiva, aquela que se aplicada aos sentidos normativos afronta a autonomia e a responsabilidade dos homens ao pretender definir objetivamente o devido e o indevido. Aqui a proposta é de exprimir uma verdade subjetiva, fazendo da ciência um campo hábil a estimular que os sensos de justiça não fiquem entregues ao senso comum. Faz-se isso, entretanto, sem se desconsiderar os esforços kelsenianos para que percebêssemos com clareza o fenômeno normativo estatal, sabendo que por trás dele, ao invés de alguma justiça absoluta, provavelmente estarão os “olhos esbulhados da górgona do poder” (KELSEN, 2001). Compreendida a existência do Direito posto, estamos aptos a perceber com segurança que a instituição jurídico-estatal convive com sensos de justiça reais constituintes de cada indivíduo6. A ciência do Direito não pode cegar-se a essa realidade e o cientista do direito não pode deixar de perceber que carrega dentro de si o objeto de sua ciência. O método puro deve ser compreendido a partir da vinculação entre pesquisa e pesquisador, entre ser e conhecer, de modo que tal pureza não se restrinja ao método. Exige-se do próprio pesquisador a pureza como sinceridade, simplicidade e limpidez. Tal pureza não é irreal, germina e anseia por germinar em muitos seres humanos, podendo ser a ciência um veículo mais fértil do que nossas falsas democracias para que ela manifeste seus brotos e contribua na construção da sociedade, na qual ela mesma é construída. Há 2600 anos atrás Lao Tsé não desprezava a pure-za, ao contrário, apontava-na belamente ao propor “a simplicidade do coração como força cósmica” (LAO TSE, 1987, p. 85). Essa força cósmica da pureza como simplicidade parece um substituto apropriado, mais humilde e verdadeiro, à neutralidade científica nas investigações de sentidos normativos. Um substituto

6. Uma interessante organização de trabalhos sobre o senso de justiça pode ser lida em MASTER, Roger D.; GRUTER, Margaret. The sense of justice: Biological Foundations of Law. Newbury Park: Sage, 1992.

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que conserva a ética da neutralidade ao afastar-se da tentativa de determinação objetiva dos sentidos normativos para lançar-se à sociedade reconhecendo sua igualdade às demais crenças normativas, sendo todas parciais.

2.5 É preciso ser/crer

Diz-se que o poder de predição das ciências humanas é limitado demais (OMNÈS, 1996, p. 281). Evidentemente isso não é um defeito na perspectiva do método puro do Direito. Aqui a questão não é predizer eventos futuros, como na física, para que posteriormente a tecnologia desenvolva-se sobre a instrumentalização das causalidades domadas pelas leis descobertas. Tendo-se por objeto de estudo o sentido ou a realização de normas componentes do senso de justiça, a meta não é compreender as leis de funcionamento normativo para manipulá-las. Talvez o marketing e a propaganda se interessem por descobrir leis de fun-cionamento dos homens, para poder manipulá-los, mas esse não é o objetivo deste método. Trata-se aqui de assumir outra interatividade da ciência com o mundo, inovando na relevância ética do cientista, sem opor-se aos demais mé-todos científicos que, aos seus modos, não deixam de retornar à sociedade da qual partem para reconstruí-la.

Neste método, o que o pesquisador faz é interagir diretamente com seu objeto, fazendo pulsar a reflexão7 normativa a partir do interior de si próprio rumo à sua expressão no mundo. É importante compreender cuidadosamente essa relação entre a pesquisa, o pesquisador e o mundo. A intuição normativa do pesquisador não s e dá isolada do mundo, não vem de outro mundo, ou, melhor dizendo, inscreve-se no grande sistema do mundo, o qual como uni-dade representa o conjunto de todas as totalidades e as partes em suas unidades e pluralidades. O pesquisador, ao exprimir a normatividade investigada, não fala em nome dos interesses gerais da sociedade, mas também não os ignora; ele sabe que o florescimento social da normatividade que semeia depende dela encontrar solo fértil nas necessidades sociais. Observando que a “teoria só se re-aliza num povo na medida em que é a realização das suas necessidades” (MARX, 2005, p. 152), se poderia avaliar o sucesso da aplicação do método puro diante de seu êxito em reverberar socialmente. Entretanto, tal impacto social não é seu objetivo preponderante. Sem discordar de que “não basta que o pensamento procure realizar-se; a realidade deve igualmente compelir ao pensamento”

7. Essa reflexão envolve desde as técnicas convencionais de estudo, até as mais diversas formas de conhecer e transformar.

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(MARX, 2005, p. 152), tem-se que a realidade subjetiva de cada um de nós não é menos real que a realidade social, por isso o pesquisador que pretende obter êxito na utilização deste método possui como objetivo preponderante ir além do mero pensar a norma. Ou seja, não se trata de pensar uma norma e tentar exprimir tal pensamento no mundo; é preciso ir além do pensar; é preciso que a norma não seja uma mera obrigação. Ela deve integrar a realidade mais profunda do ser do pesquisador, compelindo8 seu pensar, sentir e agir.

Ocorre que uma vez produzido e publicado o trabalho, a normatividade ali expressa9 guardará uma potência produtiva de reflexões nas crenças normativas dos leitores. Ressalte-se que esta metodologia exige ainda que o produto científico não seja apenas um texto; além do próprio ser do pesquisador que expressará em suas vivências o sentido normativo que pretende concretizar, também recomenda-se a utilização de quaisquer ações hábeis a contribuir à solução da problemática enfrentada. Este trabalho, por exemplo, trata da fun-dação de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público que reúna sensos de justiça tocados pela realização do artigo 205 da Constituição Federal. Essa potência transformadora não é independente do contexto histórico-cultural; ela é a semente lançada ao cenário normativo estabelecido, ou seja, dá-se na relação com a realidade do momento. Além de vivificar-se difusamente nos sensos de justiça, uma ideia normativa pode sedimentar-se pelo Direito posto com o Estado, o qual possui sua lógica própria de surgimento e aplicação através das armas, processos, funcionários públicos, etc.

É importante que a pureza metodológica aqui proposta não se reduza a simples ingenuidade. Não se pode desconsiderar que a interferência de uma ação científica na construção dos sensos de justiça pode ser ínfima se com-parada com outros elementos formadores de identidades, como a mídia de massa, organizações religiosas ou estruturação econômica. Daí surgem duas conclusões finais: uma é que as inúmeras possibilidades de ações científicas não podem ser subestimadas. Como já se pode notar, esta metodologia não se restringe à escrita; não afirma-se sequer que se restrinja às ações lícitas. Atos de desobediência civil, por exemplo, poderiam organizar-se por esta metodologia – o relevante é que se expresse o sentido normativo pesquisado de modo atento à epistemologia aqui resumida. Quanto a essa atenção epistemológica, que tem em seu núcleo a noção de respeito às verdades alheias, alguns poderiam objetar tratar-se de uma subjetividade do pesquisador inverificável pelo leitor.

8. Compelir aqui não no sentido de obrigar ou forçar, mas no sentido de impelir, ou seja, im-pulsionar, propulsar. 9. Não se desconsidera que tal ideia jamais terá interpretação unânime, como foi afirmado, a linguagem deve ser sabiamente compreendida.

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Num sentido eles teriam razão; realmente tais subjetividades não podem ser medidas com exatidão. É preciso, entretanto, ir além desse pensamento, mas conservando sua cautela e redobrando a atenção quando alguém disser aplicar o método aqui proposto. Seria sempre recomendável a tentativa de conhecer os pesquisadores pessoalmente, ação improvável no mundo apressado da contempo-raneidade, mas para a qual precisa-se reservar algum tempo quando se pretende expressar ao mundo uma verdade normativa ou conhecer profundamente tais expressões. Este método não se preocupa em fazer um texto de relevância mundial objetivamente verificável, se preocupa em expressar no mundo uma verdade normativa constituinte de si e julgada relevante ao entorno, fazendo o dever-ser ser e, aí sim, contribuindo em transformações objetivamente verificá-veis no mundo. Ao contrário da sanção estatal que usa da violência para tentar educar o povo a seguir seu dever-ser, a ciência deste método prima pela possibilidade de tocar a reflexividade interior dos seres humanos, levando-os à possibilidade de reflexão e transformação de seus sensos de justiça, ou seja, não se trata de reforçar uma força normativa heterônoma, nem mesmo de promover normas internas construídas por obrigações sociais que no fundo não gostaríamos de seguir, mas sim de promover a força normativa que impele positivamente e alegremente o agir.

Nesse sentido, tem-se a segunda conclusão: ao invés de descobrir uma ver-dade definitiva, o método puro do Direito funciona como injeção de reflexões e inovações nos sensos de justiça, que largados à habitual materialidade coti-diana, à mídia e às religiões poderiam não ver alternativas aos sensos comuns de justiça dogmaticamente difundidos e reiterados nas relações materiais. Daí ser de extrema importância que este tipo de pesquisa e ação científica semeie sua expressividade da melhor maneira possível. Não desconsidera-se que a mídia e as religiões, por exemplo, também possam provocar reflexões sobre o senso de justiça. Caso tais provocações reflexivas partam dos quatro pressu-postos metodológicos da pureza aqui defendida, estariam relativizadas as fronteiras entre os discursos científico, midiático e religioso, desde que esses também realizassem registros de suas atividades, objetivos, êxitos e falhas. Entretanto, se a busca por lucro e poder, somada à ausência de ações reflexivas sobre as dogmatizações, prevalecer na ciência, essas fronteiras também estarão abaladas numa distopia ameaçadoramente familiar à realidade acadêmica da contemporaneidade.

O aqui denominado método puro do Direito não visa criar uma teoria pura; a pureza deste método qualifica um tipo específico de sentimento normativo do pesquisador, do qual o trabalho é a expressão. Por fim, a contribuição inerente ao aqui chamado método puro do Direito não é a sedimentação de conteú-

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do das normas, mas a vazão à pureza injetora de vida à construção da justiça. Podemos apenas torcer e atuar para que algumas dessas expressões possam fazer com que a ciência contribua não apenas ao progresso técnico da humanidade, mas também ao seu verdadeiro bem-estar.

3. nutrIndo a Força normatIVa do artIGo 205 da conStItuIção Federal

Como deixado claro em nossa metodologia, a força normativa à qual refere-se o título deste capítulo não é aquela cuja arma é o amedrontamento punitivo externo ou interno; a arma da espécie de força normativa a que nos referimos é a reflexão constante sobre o próprio senso de justiça, que não despreza os prazeres, nem a beleza, nem a ética.

Trazendo ao ponto da educação formal, seja ela nas faculdades de Direito ou em quaisquer outros estabelecimentos de ensino, essa força normativa não poderia constituir-se de imposições hierárquicas que obrigassem professores e alunos a cumprirem o artigo 205 (BRASIL, 1988) por medo da punição que receberiam caso não aparentassem fazê-lo ao fiscal competente pela punição. Os seres humanos não são simples máquinas, e professores e alunos são seres humanos mesmo quando estão dentro de sala de aula. Promover um ambiente propício ao pleno desenvolvimento da pessoa não é algo que possa ser feito pelo medo da punição. É preciso um outro tipo de crença normativa, uma menos atrelada ao modo majoritário de funcionamento do Direito posto e mais vinculada ao desejo autêntico de ser quem se é realizando uma justiça. É uma variação reflexiva da energia que nos move a fazer justiça com as próprias mãos. Nesse caso, fazer justiça com as próprias mãos significa perceber que todos nós contribuímos na construção constante de nós mesmos e de nosso entorno, de modo que sendo professores ou alunos podemos sentir o dever glorioso e excitante de fazer com que os estabelecimentos de ensino respeitem a normatividade constitucional do art. 205, promovendo o pleno desenvolvimento da pessoa, sua preparação para a cidadania e qualificação para o trabalho.

3.1 Só por que está na constituição?

Parece-nos improvável que o mero fato de algo constar na Constituição Federal seja suficiente para constituir algum senso de justiça individual com a força normativa a que nos referimos. Tal força depende das vivências e reflexões do

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ser humano, o qual sente que a educação precisa mudar; o qual percebe o desin-teresse pelo conhecimento que como desinteressante se reafirma. Não é apenas uma ideia normativa constitucional pretendendo realizar-se; é a realidade da educação formal clamando por mudanças; é o sofrimento, muitas vezes silen-cioso e cotidiano, de alunos e professores que poderiam unir-se criativamente em promoção à reflexão sobre necessidades profundas de alterações nas rela-ções educativas. Muitas vezes a relação entre professor e aluno se limita a um rótulo de respeito, cujas profundezas guardam o isolamento e a indiferença. Outras vezes cai-se o rótulo e resta apenas a indiferença. Quando professores e aluno se compreenderão mutuamente como seres humanos, olhando-se nas faces e considerando-se em toda sua complexidade? Uma faculdade de Direito poderia ser um ambiente fabuloso de reunião de interessados em conhecer e utilizar o Direito Positivo; interessados em refletir sobre a justiça e praticá-la. Atualmente não se lê a Constituição Federal por curiosidade em conhecer o Direito posto – lê-se, em regra, apenas quando alguma prova o exige. A falta de prazer em frequentar um ambiente ou aprender algo é um grande sinal de que a situação precisa ser examinada. Não que o sofrimento não possa ser um elemento de aprendizado em nossas vivências, ao contrário, “as culturas huma-nas são férteis na atribuição de significado ao sofrimento humano, para além daqueles que podemos encontrar nas religiões estabelecidas” (OLIVEIRA, 2012, p. 128). A questão é não perpetuar sofrimentos desnecessários que sequer estão conduzindo a qualquer tipo de formação de excelência.

Trilhando o caminho aberto pela Faculdade de Direito da UFMG, a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora, em 1974, recebeu um Seminário de Metodologia do Ensino do Direito, do qual participaram professores e alunos (CASTELLÕES, 1975, p. 196). Do Seminário na UFMG os professores produziram um informe intitulado “Notas para uma transformação do Ensino Jurídico”, no qual expressaram:

Não pode haver acesso real a uma cultura, senão na medida em que o processo educativo proporcione a formação dessa capacidade crítica e problematizadora, que nos faça diminuir o interesse pela transmissão alienante de conteúdos enci-clopedicamente mostrados através da manipulação de uma informação erudita e academicamente cristalizada. É preciso mudar. É indispensável e urgente encontrar soluções que possam levar o aluno a realmente aprender, a realmente formar-se. É imperioso buscar caminhos em que a informação ande lado a lado com a formação, a criatividade, a vivência. (CASTELLÕES, 1977, p. 197)

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Essa urgência foi reafirmada pelos professores e alunos que compuseram o Seminário em Juiz de Fora, levando-nos ao espanto com a atualidade e apro-fundamento das dificuldades do ensino jurídico de quatro décadas atrás.

Mesmo sem consultar a vasta bibliografia voltada às crises no ensino de modo geral e do ensino jurídico em particular, percebe-se cotidianamente a necessidade de uma profunda transformação educacional que pode ser impul-sionada pelos que sentem tal necessidade. Soma-se a isso a existência de um artigo na Constituição Federal que ordena três finalidades à educação, o pleno desenvolvimento da pessoa, sua preparação para a cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). Ou seja, a Constituição declara o dever de apoio estatal a uma educação mais atenta ao humano e suas relações do que a que possuímos. Quantas preparações de aulas e interesses discentes voltam-se ao pleno desenvolvimento da pessoa e sua preparação para a cidadania? Quanto discentes e docentes poderiam ajudar-se em seus plenos desenvolvimentos como pessoas e suas preparações para cidadania? O que é o pleno desenvolvimento como pessoa? O que é a preparação para cidadania? São perguntas importantes a mover-nos rumo à reformulação do que tem significado as escolas básicas ou superiores.

Do referido artigo constitucional tem-se ainda que “a educação, dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da socieda-de” (BRASIL, 1988). O movimento estudantil estrutura-se formalmente como associações civis interessadas, entre outras coisas, na qualidade da educação fornecida aos estudantes.

Neste trabalho a proposta é a criação de associações civis destinadas expli-citamente à promoção da força normativa do artigo 205 da Constituição Federal. Desse modo, não é por estar na Constituição; é por estar nos sensos de justiça constituintes de muitos seres humanos, inseridos ou não nas instituições de ensino. É para que professores e alunos saibam que podem reconstruir seus ambientes educacionais; é para sabermos todos que podemos conhecer a nós mesmos, tornando-nos outros e mantendo-nos os mesmos. É para que daqui a anos, muitos saibam que podem agir por uma outra educação, por uma outra cultura de relação com o aprendizado, apta a promover-nos ple-namente como pessoas, preparar-nos para a cidadania e qualificar-nos para o trabalho. Não com esse último ocupando a todo tempo a finalidade primordial do processo, mas com ele relacionando-se aos demais de modo a não obs-curecer a complexidade dos sentidos de nossas existências.

É para que esta tirinha de André Dahmer (2004) não se torne uma nor-malidade inevitável aos estabelecimentos de ensino superior:

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Figura 1 – Tirinha 279 dos Malvados | Fonte: DAHMER, André, 2004.

3.2 aplicando a metodologia

Este trabalho pode ser considerado a certidão de fundamentação científica de uma ação em curso de desenvolvimento. Trata-se da fundação de uma associação civil qualificada como “Organização da Sociedade Civil de Interesse Público” (BRASIL, 1999) com a finalidade explícita de incentivo e colaboração ao artigo 205 da Constituição Federal, como o próprio convida a sociedade a fazer (BRASIL, 1988). Tal associação agiria não somente sobre o ensino jurídico, mas também em todos os meios que seus associados manifestarem interesse e disponibilidade.

Caso fôssemos tentar classificar essa incursão prático-científica, provavel-mente chegaríamos a algo próximo à pesquisa-ação emancipatória:

Essa é uma outra variação da pesquisa-ação política, que tem como meta explícita mudar o status quo não só para si mesmo e para seus companheiros mais próximos, mas de mudá-lo numa escala mais ampla, do grupo social como um todo. As sufragistas, por exemplo, não queriam simplesmente obter para elas mesmas o direito de votar, mas sim garantir que todas as mulheres tivessem esse direito. Assim também a pesquisa-ação emancipatória é uma modalidade política que opera numa escala mais ampla e constitui assim, necessariamente, um esforço participativo e colaborativo, o que é socialmente crítico pela própria natureza. (TRIPP, 2005, p. 458)

É preciso, entretanto, não apegar-se à classificação. Nossa metodologia sabe que toda forma traz consigo um conteúdo relevante à construção dos seres humanos e de suas habilidades. Por isso a forma de ação compatível com esse método não é aquela que visa em primeiro lugar a mudança no status quo; tal mudança ocorre como resultado da finalidade de expressão pura de um sentido normativo que não pretende simplesmente convencer o outro, mas principalmente aprimorar sua capacidade jusexpressiva e jusreflexiva.

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Aqui propõe-se uma organização embasada nos pressupostos metodoló-gicos apontados no primeiro capítulo. Não importa classificá-los, mas enten-dê-los, notando as razões desses objetivos educacionais dependerem da união dos que sentem-se tocados em seus sensos de justiça a colaborar para tal fim. O estatuto da associação até o momento não foi escrito, mas estará registrado antes da data final para o reenvio do trabalho completo a esse Seminário. Estará também disponibilizado online juntamente com todos os projetos componentes das ações em realização10. Trata-se da união de seres humanos profundamente interessados em contribuir com uma educação mais atenta ao pleno desen-volvimento da pessoa, sua preparação para a cidadania e sua qualificação para o trabalho, operando não de modo impositivo, mas sempre a estimular a reflexividade própria e alheia.

Essa associação poderia relacionar-se com o movimento estudantil em causas educativas relacionadas à promoção do artigo 205 da Constituição Federal. Dessa união poderiam surgir ótimos frutos, criando-se ligações apartidárias e científicas dos centros acadêmicos com a associação. Dentro das universidades e dos cursos de Direito há muito o que fazer; se formos criativos e corajosos poderemos identificar vários possíveis pontos de estímulos às reflexões, às curiosidades, ao gosto pelo aprendizado, contribuindo com a existência de um ambiente propício ao florescimento do impulso normativo interior a uma educação voltada “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo ao exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Era previsível que as ações desta metodologia conduzissem à necessidade de reunião de sensos de justiça reflexivos interessados em expressar-se norma-tivamente sem pretensão de violar a consciência alheia. Muitos desses sensos de justiça são alunos, professores, membros do movimento estudantil, artistas, cozinheiros, faxineiros, etc. A intenção da associação não é a de reunir um grande número de associados; é também essa, mas em primeiro lugar é a de reunir apenas associados cujo senso de justiça clame por uma educação que pense e transforme a si própria, ao invés de apenas reproduzir irrefletidamente métodos padronizados.

10. Essa promessa acabou não se cumprindo até o momento, no qual o desenrolar dos aconte-cimentos levou a uma redução de entusiasmo com a OSCIP, mas não com seu propósito. Uma espécie de coletivo tem sido articulado como Laboratório de Justiça e Educação, de modo que o desejo por construir uma outra realidade educativa continua se expressando como pode.

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4. concluSão

A educação não pensa a si própria. A educação não pensa. Nós pensamos. É também nossa inércia e incapacidade de convivência e comunicação que tem permitido que perpetuemos um modelo no qual já não acreditamos. Deparamo-nos cotidianamente com o excesso de necessidade de consumo, o desperdício irracional, o desconhecimento profundo sobre os alimentos ingeridos, a falta de curiosidade pelo aprendizado. Qual o papel da educação formal nesse cenário? É o papel que os alunos e professores souberem lhe dar. Esperamos que seja um papel que prime pelo pleno desenvolvimento das pessoas, sua preparação para cidadania e qualificação para o trabalho. Não para alguma forma mais ou menos evidente de trabalho escravo, mas para o trabalho livre, o qual só existe quando incorpora o pleno desenvolvimento da pessoa e sua preparação para cidadania.

É com uma sensação de inconclusividade que terminamos o trabalho, mas também com a disposição para iniciar uma aventura jurídico-científica de re-alização da justiça por transformações educativas consagradas no artigo 205 da Constituição Federal de 1988. O respaldo jurídico e simbólico em qualificar-se como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público é uma possibilidade oferecida pelo atual ordenamento jurídico positivo que serve muito bem ao propósito de atuação científica promotora de reflexões aos sensos de justiça sobre qual educação devemos possuir. Que possamos potencializar a força normativa do artigo 205 da Constituição Federal, cuja realização depende da percepção de que podemos construir nossa educação, não sendo imperioso que reproduzamos, sendo possível arriscar e inovar, errar e arrumar, comunicar nossas angústias, encontrar amigos; sendo possível dar ouvidos ao nosso senso de justiça sobre qual educação devemos promover.

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A QUEstÃO DO EnsInO/APREnDIZAgEm nOs CURsOs DE DIREItO DO BRAsIl sOB A PERsPECtIVA DA RElAÇÃO DOCEntE/DIsCEntEEnsaio sobre uma aula perfeita

Raisa Duarte da Silva Ribeiro Juliane dos Santos Ramos Souza

reSumo

O presente ensaio tem como escopo o encaminhamento de possíveis alternativas para modificar o quadro de insatisfação no que tange ao ensino e aprendizagem nos cursos de Direito do Brasil. Nesse sentido, a hipótese trabalhada é a de que a baixa qualidade do ensino nas faculdades de Direito se deve à apatia dos docentes e discentes quanto às reflexões acerca das questões necessárias para revolucionar o referido modelo. Os apontamentos realizados neste trabalho, portanto, vão indicar a construção de uma educação dialógica e conscientizadora como a principal possibilidade para a questão apresentada, incluindo o aper-feiçoamento de estratégias discursivas, organização do espaço físico da sala de aula e uma remodelação das convicções pessoais de cada sujeito comunicante dessa relação.

Palavras-chave: Educação dialógica e interativa. Relação docente/discente. Estratégias discursivas.

abStract

This work is scoped routing alternatives for modifying the framework of dissatisfaction with regard to teaching and learning in the law school in Brazil.

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In this sense, the assumption is that crafted the low quality of teaching in law schools is due to the apathy of teachers and students about the reflections on the issues necessary to revolutionize that model in law schools. The notes made in this work, therefore, will indicate the construction of a dialogical and awareness education as the main option for the question presented, including the development of discursive strategies, organization of the physical space of the classroom and a remodeling of the personal convictions of each contacted person of that relationship.

Keywords: Dialogical and interactional education. Relationship between lecturer and student. Discursive strategies.

1. Introdução

Inúmeros trabalhos sobre ensino e aprendizagem nos cursos de Direito do Brasil já foram realizados no decorrer dos últimos anos (FRAGALE FILHO; VERONESE, 2004). Na grande maioria deles, encontramos apontamentos obje-tivando reforçar a relação dialógica entre professor/aluno, despertar o interesse em pesquisa na área jurídica, bem como refletir sobre a trajetória desses cursos durante toda a história do nosso país (VERONESE, 2007). Todavia, a realidade denota uma baixa absorção e manutenção desses apontamentos nas faculdades de Direito, já que ainda prevalecem: (i) o caráter meramente infor-mativo no processo de ensino/aprendizagem relativo à formação dos agentes jurídicos; (ii) pensamentos autoritários dos docentes que somente viabilizam o acatamento por parte dos discentes, ao invés de proporcionar o diálogo; (iii) baixa porção, ainda que em crescimento, de matérias basilares para uma formação conscientizadora do estudante, capazes de contribuir para o desenvolvimento da cidadania (SANTOS, 2002, p. 222-229).

Considerando o quadro descrito, não nos surpreende o fato de o curso de Direito, apesar de ser um dos mais concorridos no Brasil1, ainda apresentar, em geral, baixíssima qualidade, segundo avaliações do Ministério da Educação2.

Segundo a hipótese adotada no presente trabalho, a baixa qualidade do ensino nesse curso se deve à apatia dos docentes e discentes quanto às reflexões acerca das questões necessárias para revolucionar o modelo de ensino/aprendiza-

1. Informação retirada do site <http://www.mundovestibular.com.br/articles/16339/1/Conheca-os-10-cursos-mais- concorridos-do-pais/Paacutegina1.html>. Acesso em: 29 de julho de 2014.2. Conforme detalhado no site: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2011-06-02/mec-suspende-11-mil- vagas-em-cursos-de-direito-de-baixa-qualidade>. Acesso em: 26 de julho de 2014.

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gem. Essa reviravolta deveria começar internamente, nos próprios indivíduos, e, depois, se externalizar para as salas de aula, fazendo nascer, inclusive, um novo modelo de concepção de mundo que, de acordo com a nossa perspectiva, se demonstra urgente. Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é indicar possíveis alternativas para modificar o quadro de insatisfação no que tange ao ensino e aprendizagem nos cursos de Direito do Brasil, partindo de elementos que consideramos indispensáveis para o desenvolvimento de uma aula perfeita.

Do ponto de vista metodológico, os procedimentos aqui utilizados encontram sua fundamentação nos raciocínios hipotético-indutivo e crítico-reflexivo, sus-tentados por alguns doutrinadores da teoria do discurso (CHARAUDEAU, 2011).

2. aula PerFeIta: educação dIalÓGIca e conScIentIZadora

Com o título provocativo desse tópico, não almejamos ser utópicas, mas desen-volver uma perspectiva diatópica, considerando como topos o lugar do discente e do docente para a consecução de uma aula perfeita.

Limitamo-nos a perfeição almejada ao nível de satisfação dos discentes em sala de aula. Para tanto, é necessário, primordialmente, que o docente realize um diagnóstico acerca das mazelas do ensino e aprendizagem nos cursos de Direito, reflita sobre as estratégias viáveis para modificar essas questões, desen-volva métodos capazes de criar aproximação com as problemáticas apontadas e, na medida do possível, aplique as soluções adequadas e necessárias para sanar qualquer tipo de problema que seja verificado.

Essa última parte referente ao desenvolvimento de métodos novos no que tange à relação de ensino/aprendizagem é de absoluta importância para o tema do presente trabalho. Conforme apontado por Carlos María Cárcova, os métodos utilizados no processo de ensino/aprendizagem influenciam con-sideravelmente no nível de interesse dos discentes pelas disciplinas ministradas (CÁRCOVA,1966, p. 166).

Consideramos como negativo o quadro apontado anteriormente. Neste primeiro passo, os docentes precisam projetar o seu perfil docente dentro de ideias pautadas na mutualidade, sempre objetivando combater a ideia da escola (lato sensu) como uma agência de imposição cultural.

O diálogo deve ser sempre posto em prática. O professor não deve se preo-cupar tão somente com o conhecimento e a transmissão de informações para o discente, mas também se incluir como participante no processo de construção da cidadania do aluno. O docente deve ter em mente que possui um papel fundamental na facilitação do processo de aprendizagem do aluno, sendo

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um intermediário entre os conteúdos apresentados e a atividade construtiva de assimilação do discente.

Nesse sentido, Paulo Freire oportunamente já destacou o papel de um bom professor:

(...) o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a in-timidade do movimento do seu pensamento. Sua aula é assim um desafio (...). Seus alunos se cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vin-das de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas. (FREIRE, 1996, p. 96)

O professor deve propiciar, dentro e fora de sala de aula, um espaço de co-laboração com os alunos, devendo ser capaz de ouvir, refletir e discutir o nível de compreensão dos alunos acerca das suas explicações, facilitando o relacio-namento entre o seu conhecimento e o conhecimento adquirido pelos alunos, numa clara relação de simbiose3.

O discente, por sua vez, também deve se inserir em um papel colaborativo. Não deve exigir de pronto o conhecimento do docente e terminar a sua fase cognitiva em sala de aula. Ele deve manifestar interesse, buscar informações, questionar, refletir, adotando uma postura proativa. Nesse sentido, cabe salientar que corroboramos novamente com Paulo Freire quando afirma que “ninguém educa a ninguém, nem ninguém se educa a si próprio, senão que os homens se educam entre si (ou em comunhão) mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p. 33-44).

Dessa maneira, através de uma relação dialógica e conscientizadora, acre-ditamos ser possível construir uma educação problematizadora da realidade. Reside aqui outro ponto crucial para o desenvolvimento do binômio ensino/aprendizado no Direito. Ao invés de se pautar pura e simplesmente em ficcções jurídicas, generalizações e abstrações (estas duas últimas como características ínsitas das leis), os docentes precisam se pautar na realidade de um Direito vivo, na perspectiva desenvolvida por Eugen Erlich (ERLICH, 1986).

Além disso, os docentes possuem uma responsabilidade trivial de contex-tualizar historicamente os temas abordados em aula, a fim de transmitir uma perspectiva holística ao discente sobre o assunto, o que o capacitará a desen-volver críticas e reflexões pertinentes sobre a matéria abordada.

Nessa linha, vale destacar o pensamento de Savigny citado por Eugen Ehrlich em sua obra Fundamentos da Sociologia do Direito:

3. Simbiose é a relação interespecífica (de espécies diferentes) que ocorre entre dois ou mais organismos de espécies diferentes, de forma mutuamente vantajosa. Ver: http://www.infoescola.com/relacoes-ecologicas/simbiose/. Acessado em: 14 de ago. de 2014.

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Quanto mais soubermos da atividade bancária romana tanto melhor com-preenderemos o receptum e o literis contrahere – será que para o direito de nossa época não vale o mesmo? Neste sentido, Savigny tinha razão, quando pensava que o direito – e o direito para ele consistia predominantemente na prescrição jurídica – só podia ser explicado a partir de seu contexto histórico; o contexto histórico, porém, não se localiza em um passado remoto, mas no presente, no qual a prescrição jurídica se desenvolve. (ERLICH, 1986, p. 384)

Ora, é fato que a cada dia vemos uma sociedade que vive menos pautada nas normas abstratas (legais) e mais nas regras extrajurídicas de comportamento e convivência social. Ainda, muitas legislações são produto de demandas sociais e, portanto, concretas. Dessa forma, não é possível estudar conceitos/prescri-ções legais sem que seja feita uma contextualização sobre o tema; sem que se debruce sobre o Direito como processo e como produto da realidade, inserida em uma relação altamente catalisadora das demandas sociais4.

Na contramão da ideia exposta anteriormente, entendemos ser conveniente citar o pensamento desenvolvido por Hans Kelsen em seu livro Teoria Pura do Direito (2009), no qual o autor propôs uma purificação do Direito em momento que precedeu a teoria de Eugen Ehrlich. Em outros termos, propôs separar o estudo do Direito, enquanto área específica, desvinculando-o das demais áreas do conhecimento. Assim, ele passou a ser visto a partir de um enfoque dogmático, sem se relacionar com as demais áreas do conhecimento.

No entanto, a separação estanque do Direito das demais áreas, dentro de uma perspectiva do Direito vivo, causa um relevante problema: a separação do Direito da realidade. E essa separação torna a matéria desinteressante, desesti-mulante e aparentemente desatual, na medida em que a associação entre teoria e prática se torna inviabilizada.

Atualmente, os professores de Direito, no âmbito do ensino jurídico tradi-cional, ensinam a “letra de lei”, promovendo enorme concretização da dogmática jurídica, esquecendo-se, muitas vezes, de contextualizar a lei no seio da prática jurídica; ou, quando o fazem, reproduzem um mecanismo acrítico da prática advocatícia.

4. Sobre a necessidade de contextualizar os tópicos tratados em sala de aula, ver o tópico sobre a inserção da disciplina de Direitos Humanos na Universidade de Direito da Faculdade de Buenos Aires. CÁRCOVA, Carlos María. Direito, Política e Magistratura. Tradução de Rogério Viola Coelho, Marcelo Ludwig Dornelles Coelho. São Paulo: LTr, 1996. p. 92-100. Sobre o Direito como processo e produto das demandas sociais, ver BELLO, Enzo; Falbo, Ricardo Nery. Movimentos sociais e ocupações urbanas na cidade do Rio de Janeiro: o Direito como processo e como produto. Disponível na internet em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=93fb9d4b16aa750c>. Acesso em: 30 de jul. de 2014.

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Na vertente tradicional de ensino, percebe-se que o professor, dentro de seu papel reprodutor de conhecimento frio da lei, acaba por esquecer que a lei é criada em um espaço de conflito, sendo fruto da vontade da sociedade, que a impulsiona e move com as suas demandas sociais as demandas jurídicas.

Além disso, esquecem que a lei não pode mais ser interpretada restrita-mente, devendo ser analisada dentro da ótica constitucional. Ou seja, a lei, para ser aplicada, deve observar os preceitos fundamentais e os princípios consti-tucionais. Modernamente, a lei não pode ser analisada per si, mas deve ser contextualizada na ótica do Direito, sendo relacionada sempre com a sociedade, que é a sua força motriz.

De acordo com Paulo Freire, somente quando o homem compreende a sua realidade é que se torna possível o levantamento de hipóteses sobre o desafio da realidade e a procura de soluções (FREIRE, 1996). Nesse mesmo sentido, cumpre frisar que ao “promover um ensino descontextualizado, está-se a in-viabilizar, em termos efetivos, qualquer possibilidade de ingerência do educando sobre o meio ao qual se insere” (SANTOS, 2002, p. 251).

A contextualização colide com a prática tradicional do ensino do Direito, em que o conteúdo é transmitido por meio de um caráter meramente informativo. Na estrita dogmática, os institutos jurídicos são postos como universais, não havendo possibilidade da sua flexibilização para garantir direitos e princípios fundamentais. Além disso, no contexto tradicional do ensino jurídico, a reflexão do papel do Direito na sociedade não é colocada em pauta ou, quando se torna possível, é relegada a planos inferiores, sem estar imbuída de importância.

É inegável que o Direito não pode continuar sendo, como tradicionalmente era, enclausurado em sua ótica estritamente jurídica. Deve se relacionar com outras áreas do conhecimento, pois não há nenhum conhecimento jurídico que não possa – e deva – se correlacionar com outras disciplinas. Assim, é aconselhável que o Direito deixe de ser lecionado e perpassado através de uma mentalidade puramente dogmática e que seja estudado numa perspectiva interdisciplinar, correlacionada com a realidade e com as demais áreas do conhecimento. Nesse passo, tornar-se-á mais fácil transformar a disciplina em uma forma de conhecimento mais fácil de ser transmitida, por estar inserida na ótica da sociedade, sendo um elemento mais palpável de ser apreendido.

O ensino jurídico precisa, urgentemente, abandonar a sua prepotência com relação às demais áreas do conhecimento. Deve admitir, humildemente, que não possui capacidade e autonomia suficiente para solver sozinho todos os problemas sociais, tendo em vista a complexidade da nossa sociedade.

Impõe-se a necessidade de um diálogo constante entre o Direito e outras áreas do conhecimento, de forma que seja possível conectá-lo novamente

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com a realidade. O Direito não pode continuar sendo neutro à realidade e as demandas sociais. Portanto, nessa perspectiva, as explanações dos docentes devem ser hábeis para formar agentes capazes de lidar com um mercado de trabalho repleto de novas situações jurídicas, para o qual os atuais profissionais do Direito – em sua grande maioria, engessados – não estão preparados.

3. orGanIZação eSPacIal da Sala de aula: Interação

Objetivando ainda promover a interação entre os discentes e também entre estes e os docentes, é preciso atentar para a organização espacial da sala de aula. Isso porque o espaço físico possui uma carga semântica e simbólica muito impor-tante para a construção da relação discentes-discentes e discentes-docente no processo do conhecimento.

Os meios educativos já foram vistos, implantados e analisados de di-versas formas. Por exemplo, podemos visualizar meios educativos tradicionais e convencionais, em que a educação era implantada através de um sistema hierarquizado e verticalizado, no qual o professor fazia o papel de educador, de quem detinha o conhecimento, e o estudante de sujeito a ser educado, tendo a obrigação de aprender.

Uma sala de aula na qual o docente se coloca no alto denota uma posição de superioridade, hierarquia e distância com relação aos discentes, o que acarreta na construção de um obstáculo para a exposição de sua ideias e pensamentos. Nessa mesma sala de aula, os alunos se encontram sentados uns de costas para os outros, distanciados, sem a menor interação. Trata-se de um modelo tradi-cional, que traduz a ideia de que o docente possui um conhecimento superior que deverá transmitir aos discentes e que, estes, enquanto não conhecedores do conhecimento, apenas devem assimilar o conteúdo passado e não se po-sicionar com uma postura crítica. Esses meios educativos estão ultrapassados, embora ainda possam ser observados em grande parte de nossas instituições. Nesses modelos tradicionais, a educação é vista de modo unilateral, como um processo estanque, em que o educado não possui espaço para manifestar suas dúvidas, sugestões e opiniões.

Se o objetivo é a promoção de uma aula participativa, reflexiva, dialógica e crítica, não há razão para que o professor seja o único a se posicionar de frente para os alunos, como se a enunciação do discurso se desse de modo unilateral. Também não há razão para os alunos se posicionarem de costas uns para os outros, sem que haja a menor possibilidade de interação entre eles.

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Na atualidade, valendo-se de um modelo moderno, é aconselhável uma atuação colaborativa entre o docente e o discente. O docente não deve ser o mero transmissor da mensagem, visto como soberano do conhecimento. O docente deve atuar em colaboração com o discente, auxiliando em suas dúvidas e tentando despertar o seu interesse pelo conteúdo abordado em sala de aula.Para tanto, uma sala de aula em que o docente se coloque na mesma posição em que os discentes, demonstrando igualdade e abertura para as demandas que surgirem, caracteriza um modelo moderno. Uma sala de aula construída de forma a não possibilitar a aproximação entre todos os alunos e professores acaba por prejudicar ou, muitas vezes, inviabilizar uma relação mais sólida e efetiva entre as partes envolvidas no processo do conhecimento.

De forma a concretizar esse espaço moderno de aula, torna-se necessária a estruturação de uma sala de aula clara, aberta e espaçosa, com abertura para a locomoção do docente entre os discentes, de forma a possibilitar um inter-relacionamento maior entre eles. O docente, na medida do possível, não deve ficar parado, sendo adequada a sua movimentação em direção e entre os alunos, de forma a possibilitar uma maior interação dele com a turma. Nesse mesmo sentido, a linguagem corporal e o olhar atento do professor a todos os discentes – ou quando difícil a sua ocorrência, a todos os espaços da sala de aula – se mostram de grande importância. Ainda, quando houver possibilida-de, as cadeiras devem estar arrumadas em círculos, de forma a viabilizar a interação entre os próprios alunos e também entre os alunos e o professor, de forma que informações possam ser trocadas, diversos entendimentos profe-ridos, viabilizando a construção de uma educação dialógica e conscientizadora.

Sob essa perspectiva, uma aula, para ser considerada perfeita, deverá possuir um conteúdo de qualidade, propiciar a participação dos discentes e a troca de conhecimento entre todos os sujeitos comunicantes. Além disso, o discente deve tentar sempre se colocar em posição de igualdade com os alunos, de forma a não inibir a participação deles no processo de construção coletiva de ideias. A figura de um docente superior pode acarretar – e muitas vezes ocasio-na – a timidez dos alunos.

Na medida em que uma aula, não apenas expositiva, mas interativa, ocorre, através da reflexão das informações e análise dos acontecimentos, inicia-se o processo de conhecimento, revelando o que há de universal no particular. Nesse sentido, observa-se que uma aula perfeita deve se pautar em uma análise crítica, e é através do método utilizado que se traz o caminho, o processo e o instrumento que possibilitam direcionar a busca real do conhecimento.Ainda, há que se registrar que uma aula perfeita não necessariamente deve

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ser realizada dentro dos limites de uma sala de aula constituída de 4 (quatro) paredes e algumas cadeiras.

Nesse passo, consideramos o espaço físico como um elemento colaborador, mas, em alguns momentos, prescindível. Há determinados conteúdos, matérias e disciplinas que podem – e devem – ser melhor representadas em um ambiente externo. A sala de aula, em algumas situações, pode aprisionar o processo do ensino/aprendizagem no campo do Direito e, ainda, torná-lo essencialmente dogmático, o que ruiria com a proposta reflexiva no processo de construção desse tipo de saber.

4. ProPoStaS de mÉtodoS a Serem utIlIZadoS no eXercícIo da docÊncIa: Foco na adeQuação do dIScurSo

Objetivando alcançar as projeções feitas anteriormente acerca do desempenho dos discentes e docentes para o desenvolvimento de uma aula considerada per-feita, ainda há que se considerar a imperiosa participação do aluno. Para tanto, é preciso que o docente tenha cuidado na escolha das estratégias discursivas, valendo-se de um método e metodologia adequados para cada aula.

De acordo com Maria da Glória Marcondes Gohn, a metodologia é de suma importância para explicitar os pressupostos e os caminhos do método e estabelecer a forma de organização do conhecimento construído a partir de um determinado método (GOHN, 2005). Assim, o docente, prioritariamente, deve escolher o método adequado e a metodologia que será utilizada em sala de aula.

Em primeiro lugar, entendemos que o docente não pode prescindir do prin-cípio da alteridade na elaboração do seu discurso em sala de aula. Nesse sentido, é preciso ter consciência, no momento da escolha do método discursivo, de que “sem a existência do outro, não há consciência de si” (CHARAUDEAU, 2011, p. 16). Assim, somado à observância acerca do contexto histórico já abordado anteriormente, o docente não pode deixar de avaliar o contexto social vivido pelos discentes-interlocutores, a fim de tornar inteligível o discurso proferido.

Em segundo lugar, é preciso desvendar as representações que cada interlocutor possui sobre a temática trabalhada. Essa descoberta só poderá ser feita por meio de estímulo à participação do aluno na troca de informações durante a aula, contribuindo para a construção de um conhecimento dialógi-co, portanto. Isso porque cada sujeito comunicante realiza uma representação pessoal sobre o mundo. Por óbvio, é preciso certificar quais julgamentos, opiniões e apreciações estão sendo realizados pelos discentes-interlocutores

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durante o discurso do docente, para que seja proporcionada a troca de impressões, de opiniões e de críticas sobre a temática. Assim, em regime de mutualidade, o docente e os discentes construirão um espaço de proximidade, salutar para a construção do conhecimento horizontal.

Nosso ideal projetado como docente será a construção de um conheci-mento horizontal. Isso significa que, apesar de haver uma diferença quanto ao acúmulo de conhecimento (adquirido pelo tempo de estudo, dedicação e experiências de vida profissional e acadêmica) entre docente e discente, e la não justifica a imposição de um conhecimento do primeiro sobre o segundo, o que entendemos, nesse caso, como relação de conhecimento vertical. Esse ideal não representa ausência de respeito pelo papel do docente. Ao nosso juízo, significaria a construção de uma educação dialógica, pautada no princípio de alteridade e, por definição, respeitosa.

Somente com a observância dos elementos destacados acima é que será possível atingir um contrato de comunicação entre os sujeitos (docente/discen-tes) dentro do campo de enunciação (CHARAUDEAU, 2011, p. 52), realizando trocas de conhecimento, construindo um processo de ensino/aprendizagem mútuo, crítico-reflexivo e de qualidade, sempre justapondo os conceitos jurídi-cos abstratos à realidade na qual o Direito se insere, a fim de combater as esquizofrenias jurídicas que, infelizmente, ainda perduram em nossa sociedade.

5. concluSão

O Direito, talvez em razão da sua tradição e do seu distanciamento das outras áreas, vem se aprisionando dentro de um universo exclusivo, sem levar em con-sideração, em muitos momentos, a realidade e os elementos sociais. Em que pese já existir um vasto número de trabalhos que possuem como objetivo a busca pela construção de um ensino/aprendizagem interdisciplinar, constatamos que essa consciência se mantém, na maioria da vezes, no campo do discurso, ao invés de ser aplicada efetivamente.

Objetivando contribuir com possíveis alternativas para o problema aponta-do neste trabalho, é necessário que os docentes passem a integrar em suas aulas elementos empíricos, questionadores e provocativos, de modo a desenvolver nos alunos interesse pelo conteúdo desenvolvido. Assim, em um modelo de aula perfeita, os docentes devem permitir uma interação dialógica com os discentes. O docente não pode mais continuar se colocando dentro de um modelo tradi-cional, no qual o único conhecimento que deve ser transmitido é o seu e a única tarefa do discente é associar o conhecimento. Torna-se cada vez mais

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necessária a adoção de modelos alternativos de aula, em que existam trocas de informações e diálogo.

De outra feita, os discentes também precisam contribuir para a reversão do destacado quadro de apatia no ensino/aprendizagem no Direito. Para tanto, precisam estar dispostos a ensinar e a aprender. Nesse ponto, os alunos precisam estar em sala de aula com vontade de conhecer mais, dispostos ao diálogo e ansiosos pela desconstrução e reconstrução de “pré-conceitos”.

Apesar das dificuldades que a trajetória impõe, essa é uma fórmula que não tem segredo: para que uma aula possa ser considerada perfeita ou, ao menos, prazerosa, é necessário que haja interação, diálogo e adequação do discurso entre os docentes e os discentes.

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COnstRUÇÃO COlEtIVA DE COnhECImEntO nO mUnDO VIRtUAl: O caso dos grupos de Facebook no curso de Direito da UFMG

Letícia Birchal Domingues

Com efeito, assim como a empresa substituiu a fábrica, a formação permanente tende a substituir a escola, e o controle contínuo substitui o exame. Este é o meio mais garantido de entregar a escola à empresa.

(DELEUZE, 1992)

reSumo

O presente trabalho é um estudo de caso a respeito do uso dos grupos de Facebook por parte dos estudantes de Direito da UFMG. Tomando como base a concepção de “código técnico” desenvolvida pela teoria crítica da tecnologia, é feita uma análise do uso dos grupos de Facebook por quatro turmas dos cursos diurno e noturno. As características desse uso contribuirão para se pensar em alterna-tivas para o momento de encontro em sala de aula entre alunos e professores, levando em consideração a crise do modelo expositivo baseado em transmissão de informações.

Palavras-chave: Facebook. Código técnico. Ensino participativo. Educação jurídica.

abStract

The present paper is a case study of the UFMG Law students’ usage of Facebook groups. The notion of “technical code” developed by the critical theory of tech-

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nology is used to analyze the Facebook groups’ usage by four classrooms from day and night courses. This usage characteristics will contribute to formulate alternatives for the encounter moment between students and teachers in the classroom, taking that the expository method based in information transmission is in crisis.

Palavras-chave: Facebook. Technical code. Participative teaching. Law education.

1. Introdução

A ampliação da difusão da informação é real no mundo contemporâneo. No caso do Direito, temos acesso fácil à legislação, aos manuais, às decisões judiciais, aos atos do Poder Executivo e tantos outros materiais que podem ser úteis à educação jurídica. Contudo, ao entrarmos em sala de aula, continuamos com um modelo educacional baseado na transmissão de informações. Tradicionalmente, uma aula de Direito tenta passar ao estudante o conteúdo da legislação, sua interpretação e a jurisprudência nos casos mais polêmicos. E segue-se, da mesma forma, de artigo em artigo. Trabalho quase infinito, tendo em vista a quantidade de leis que são abordadas em um curso.

Ao mesmo tempo, vemos um desinteresse crescente pelo que se passa dentro da sala de aula. No caso da Faculdade de Direito da UFMG, em pesquisa reali-zada em 2013 pelo Projeto Novas Perspectivas para a Educação Jurídica, 41,9% dos alunos dizem desenvolver atividades paralelas em sala de aula relacionadas a seus estudos, trabalho ou outros deveres; 20,1% desenvolvem atividades paralelas não relacionadas a esses temas e 31,3% afirmam não desenvolvê-las (RESENDE et al., 2014, p.164-165). Sabe-se, também, que esse cenário não é exclusivo da instituição em que a pesquisa foi realizada:

[n]a verdade, há um mal-estar generalizado entre os professores – compartilhado, diga-se de passagem, pelos alunos – que engendra uma grande receptividade ao emprego de novas metodologias ou, mais precisamente, à adoção de uma metodo-logia. Ocorre que a ampla maioria dos docentes dos cursos de Direito desempenha múltiplas funções, dispõe de pouco tempo para a preparação de aulas e quase nenhum para a reflexão sobre seu ofício. (VENTURA, 2004, p.11)

O mal-estar descrito tem diversas justificativas que se complementam, entre elas a falta de preparo metodológico por parte do docente e a opção tácita pelo uso da sala de aula para a transmissão de informações. Poucos são os professo-res de Direito que têm uma formação voltada para a docência e, por isso, existe uma tendência à repetição das metodologias nas quais os atuais professores

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foram formados e assim em diante: tradicionalmente, a metodologia expositiva baseada na informação.

Contudo, se a centralidade (ou quase exclusividade) do método expositivo já é criticada por tantos autores e por tanto tempo na literatura especializada, devemos colocá-la sob a luz de nossos tempos e problematizar, mais uma vez, a função da sala de aula. Em plena “era da informação”, em que os meios de comunicação estão cada vez mais ágeis e as pessoas cada vez mais conectadas a diversos bancos de dados, persistir na centralidade da sala de aula para o compar-tilhamento de informações é querer manter-se em uma situação de concorrência desleal. O material que é encontrado na internet é muitas vezes mais diversificado e melhor do que o que pode ser transmitido durante uma aula. Sendo de suma importância ressaltar que a disseminação de informações é muito diferente da formação de conhecimento, e é para chegarem a esse último que professor e alu-no precisam do instante do encontro, da sala de aula. Dessa forma, precisamos atualizar as funções desse espaço para melhor compatibilizá-lo ao uso da web e, também, compreender o uso das ferramentas da internet para fins educacionais. O professor José Garcez Ghirardi explana bem a posição na qual os professores se encontram ao decidir o que fazer em sala de aula:

Temos diante de nós, por um período muito breve, um número enorme de alunos cuja jornada de vida trouxe até nossa sala de aula, vindos de tantos lugares, trazendo consigo memórias e experiências de cuja riqueza nem sequer suspeitamos. Temos a oportunidade única de dizer-lhes algo que poderão levar consigo quando, muito em breve nos deixarem. É para isso que estão à nossa frente, para que os ajudemos a seguir caminho. A decisão do que dizer, do que fazer neste breve momento é o que nos define como docentes. (GHIRARDI, 2012, p.73)

E, decidir o que fazer em sala de aula, levando em consideração a existência de espaços virtuais de convívio, compartilhamento de informações e construção de conhecimento entre os estudantes, como o Facebook, é essencial hoje.

Atualmente, logo que é divulgado o resultado da seleção de estudantes para entrada na universidade é criado um grupo de Facebook com os membros da turma. Provavelmente, esse é o primeiro contato que os alunos terão entre si, ainda anterior ao primeiro dia de aula. Esses grupos seguem existindo durante todos os cinco anos de formação da turma, sendo, então, um novo local de apren-dizado para além dos tradicionais: sala de aula, biblioteca, corredores ou mesmo o Moodle1. Ao trabalharmos os grupos de Facebook como locais de aprendizado, entendemos que eles são conexos à sala de aula e esses outros espaços, de forma

1. Plataforma virtual de ensino a distância utilizada na UFMG.

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que o que ocorre em um influencia diretamente no que acontece no outro e vice-versa. Impossível separar de forma estanque o que acontece nos grupos de turma no Facebook e o que se passa nas interações fora dessa plataforma virtual.

O presente trabalho busca analisar como se dá o uso dos grupos de Facebook por turmas do curso de Direito da UFMG dentro de uma perspectiva de crise do modelo expositivo. Para isso, tentaremos compreender o funcionamento da internet e do Facebook como tecnologias e, portanto, detentoras de um código técnico (FEENBERG, 2010) e passaremos para um estudo de caso com quatro turmas do curso de Direito da UFMG no Facebook para propormos uma forma de ensino que leve em consideração os espaços virtuais autônomos usados pelos alunos.

2. a Internet e o Facebook

Para melhor compreendermos o uso dos grupos de Facebook pelos estudantes de Direito, é necessário levantarmos as características gerais da internet e dos grupos de Facebook, uma vez que seu uso será influenciado e influenciará tais peculiaridades. Para isso tomaremos como base a teoria crítica sobre tecnologias desenvolvida por Andrew Feenberg, deixando claro que ambas as tecnologias em análise estão em construção, em disputa de constituição.

Segundo a teoria crítica, defendida por Feenberg, as tecnologias tanto são controláveis pelo ser humano, quanto trazem em si valores sociais que determi-nam seu uso. O conceito de código técnico, então, articula o “relacionamento entre exigências sociais e técnicas” (2010, p.111) para o desenvolvimento de uma tecnologia. Esses elementos sociais e técnicos estão inseridos dentro da tecnologia e seu funcionamento é marcado por eles, mesmo sendo possível que os usuários tenham vivências diversas dela.

Mais precisamente, então, um código técnico é um critério que seleciona entre projetos técnicos factíveis e alternativos, nos termos de um objetivo social. Por factível entende-se, aqui, tecnicamente trabalhável. Os objetivos “são codificados” no sentido de artigos e escalonamento de itens eticamente permitidos ou proibi-dos, esteticamente melhores ou piores, ou mais ou menos socialmente desejáveis. (FEENBERG, 2010, p. 112)

Nesse sentido, “[t]echnology is not an independent variable but is ‘co-cons-tructed’ by the social forces it organizes and unleashes2” (FEENBERG; NORM,

2. A tecnologia não é uma variável independente, mas é co-construída pelas forces sociais que ela organiza e desencadeia (tradução nossa).

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2012, p.3). Por isso, para pensarmos a educação mediada pela internet, precisamos compreender seu funcionamento e, para isso, precisamos conhecer os valores nela embutidos, os elementos do seu código técnico, pois eles também contribuem para a construção de uma noção contemporânea de educação. Ao analisarmos os grupos de Facebook enquanto tecnologias detentoras de código técnico, pode-remos perceber suas funções de forma nem neutra nem determinística. Ou seja, o uso da tecnologia por parte dos alunos não é nem completamente neutro, de forma que o usuário poderá construir dentro da plataforma da maneira que ele quiser, nem completamente determinística, de forma que a tecnologia domina a forma de uso deixando o estudante sem nenhuma saída. O código técnico mostra que a tecnologia tem valores, portanto, o uso tem um certo espaço de determinação, mas que também é construído pelos usuários e pela sociedade, de forma que existe uma margem de manobra para usos diversos e modificações.

Como veremos, o Facebook já está sendo usado como uma ferramenta educativa independentemente de qualquer projeto pedagógico ou intenção das instituições de ensino, de forma que seu uso tem aspectos a serem conhecidos que podem contribuir para a inovação na educação jurídica e podem ser aproveitados de maneira formal. As características do código técnico e a maneira de utilizar a plataforma por parte dos estudantes pode mostrar elementos e valores que são compartilhados pelos alunos e podem ser adotados pelas instituições de ensino.

Como já mencionado, tanto a internet quanto o Facebook são tecnologias ainda em construção. Por isso, é necessário precaução para interpretarmos suas características e funções, sem chegar a conclusões absolutistas. Contudo, já é possível conhecer seus elementos, inclusive aqueles em disputa, e visualizar seu desenvolvimento.

Technologies normally stabilize after an initial period during which many differing configurations compete. Once stabilized, their social and political implications finally become clear. But despite decades of development, the Internet remains in flux as innovative usages continue to appear. The nature of the network is still in question. It is not a fully developed technology like the refrigerator or the ball point pen.3 (FEENBERG; NORM, 2012, p.3)

3. As tecnologias, normalmente, estabilizam-se depois de um período inicial durante o qual diferentes configurações estão em competição. Depois de estabilizadas, suas implicações sociais e políticas finalmente ficam claras. Contudo, apesar de décadas de desenvolvimento, a internet contínua em fluxo à medida que usos inovadores continuam a aparecer. A natureza da rede continua uma questão. Não é uma tecnologia completamente desenvolvida como o refrigerador ou a caneta esferográfica (tradução nossa).

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Criada em 1969 com finalidades militares, a internet passou de uma plata-forma de scholars, transferência de dados e grandes quantias monetárias para o que conhecemos hoje com a criação do ciberespaço (MALINI; ANTOUN, 2013, p.19). Em suas origens, os militares estavam mais interessados na capacidade de sobrevivência desse meio de comunicação, diante da situação de guerra, do que no controle de seus fluxos, por isso, criaram uma rede de nós estruturada sem uma referência central. Diferentemente do telefone, que necessita de uma central para realizar as ligações, a internet conecta os nós diretamente, de for-ma que é menos vulnerável a ataques, uma vez que a perda de pontos na rede não implica seu colapso total. Daí surgem características que estão presentes até hoje na internet, como a não hierarquia, ou horizontalidade, e a circulação de dados. Após a Segunda Guerra Mundial, os militares estado-unidenses en-tenderam que a parceria com a academia era de suma importância para seu poderio bélico. Por isso, inseriram-nos dentro da rede e criaram um programa de e-mail para contribuir com a demanda de comunicação e colaboração entre os cientistas. Rapidamente, esse espaço de comunicação tornou-se um local de troca de conversas triviais, do dia-a-dia, além de diálogos de conteúdo sério. Tais elementos, de comunicação diversificada e colaboração, também persistem até hoje (FEENBERG; NORM, 2012, p.7-8).

Contudo, desde sua criação, a internet está em disputa:

Por um lado, eles [os militares] querem uma rede focada nos interesses mais finan-ceiros e científicos; mas, de outro lado, aparecem os hackeadores da rede, fazendo dela um dispositivo de conversação e relações sociais e comunitárias, onde cada um tem sua própria voz sem precisar passar pela intermediação de instituições e discursos oficiais ou comerciais. (MALINI; ANTOUN, 2013, p.18)

E dessa disputa participaram os próprios usuários da rede, que, mesmo de forma inconsciente, influenciavam na sua forma de utilização, como pode ser visto no caso citado anteriormente sobre o uso do e-mail pelos cientistas para fins diversos de seu trabalho. A internet ainda estava (e está) se redesenhan-do e, nesse ponto da história, os hackers tiveram um papel importante nessa reestruturação e na criação do que hoje chamamos de ciberespaço. A nova internet, também chamada de web 2.0, passa a ter como desenho estruturante o aprofundamento da lógica peer-to-peer4, ou seja, da contribuição entre pares (MALINI; ANTOUN, 2013, p.17-18). Nesse sentido, na internet, a informação

4. Exemplo deste modelo é o sistema de compartilhamento de músicas, o Napster, no qual [o]s arquivos são permutados diretamente, entre computadores dos usuários, sem que sejam arquivados no servidor ou em qualquer outro ponto da rede, ou seja, de forma peer-to-peer” (MALINI; AUTOUN, 2013, p.91).

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não está apenas acessível a todos que buscarem, mas também é construída e disponibilizada por seus usuários.

Críticos pontuam que a internet é, na verdade, um espaço voltado para os negócios e para uma ética de autopropaganda narcisística (FEENBERG; NORM, 2012, p.9). Tais elementos também são constitutivos desse espaço virtual e dizem muito respeito à lógica individualista proporcionada pelo capitalismo, que não vem ao caso desenvolver de forma aprofundada aqui. O Facebook mesmo traz ambas as características; seu “Mural” é quase uma vitrine em que as pessoas podem divulgar o melhor de si, as selfies sorridentes e suas últimas aventuras, ou frustrações, e terem curtidas recebidas em retorno. E, dessa forma, gera ele-mentos para uma venda de publicidade mais efetiva pelo Facebook, conforme o que a pessoa curte e diz. Contudo, mesmo com elementos de autopromoção e negócios, são encontrados na internet e no próprio Facebook espaços de cons-trução coletiva para fins diversos, como veremos de forma mais detalhada nos grupos de turma do curso de Direito.

Sendo assim, a descentralização, a horizontalidade, a heterogeneidade, a contribuição entre pares, a autopromoção narcisística, os negócios e o compar-tilhamento passam a ser elementos essenciais nesse modelo.

Por sua vez, o Facebook, como rede social on-line, traz em si os diversos componentes estruturantes da internet e possui, também, seu próprio código técnico. É a rede social que tem feito maior sucesso globalmente, tendo diversas utilidades como a conversa direta entre duas ou mais pessoas por meio do chat, a divulgação de informações por meio de páginas e perfis, a junção de pessoas em torno de interesses comuns em grupos, o convite para atividades diversas por meio de eventos, entre outras. Das diversas funções que tal plataforma traz, vamos nos focar no uso dos grupos, uma vez que são o centro de nosso estudo.

Dentro da lógica peer-to-peer, qualquer usuário do Facebook pode criar um grupo; para isso é necessário apenas escolher um nome, seus membros, sua forma de privacidade (se será público, fechado ou secreto) e um ícone ilustrativo. A forma que se dará a dinâmica dos grupos e o uso de suas demais funcionalidades dependerá da atuação de seus próprios usuários. Neles, todos os usuários podem fazer postagens, criar eventos, adicionar fotos, vídeos e documentos, entre outras funções. Apenas pode ser restringido o poder de adicionar ou aceitar novos membros, contudo, ele também pode ser liberado para todos os participantes do grupo. Muitos grupos têm regras internas de como se dá seu funcionamen-to, como quais pessoas são bem-vindas e quais tipos de postagem podem ou não ocorrer, o que colabora com a lógica de construção coletiva existente em seu código técnico. Claro que, como em qualquer espaço colaborativo, podem

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ocorrer desentendimentos sobre a forma do andamento do grupo, muitas vezes resolvidos no próprio espaço virtual.

A organização espacial das postagens se dá em linha de rolagem, tendo como posição no topo da página aquelas mais novas ou com movimentações mais recentes. Assim, à medida que novas postagens ocorrem, as postagens se perdem na linha do tempo. Isso dificulta o desenvolvimento alongado de discussões ou, principalmente, a retomada de tópicos debatidos, uma vez que eles estarão submersos em uma coluna de novas postagens. Contudo, permite a variedade de tópicos e diferentes movimentações dentro do grupo.

Sendo assim, podemos ver nos grupos de Facebook uma estrutura horizon-talizada, dinâmica, de alguma fugacidade de informações, de construção coletiva e de compartilhamento.

3. oS GruPoS de turma no Facebook

Após conhecermos melhor o funcionamento da internet e dos grupos de Facebook, passaremos a analisar as atividades de quatro grupos de turmas no Facebook da Faculdade de Direito da UFMG: as turmas de entrada em 2011/1 e em 2012/1 dos turnos diurno e noturno. Os dados foram recolhidos em 12 de setembro de 2014, quando seus alunos estavam, respectivamente, no 8º e no 6º períodos do curso.5 Para tanto, foi utilizado o aplicativo de Facebook de extração de dados Netvizz e o software Gephi 0.8.2 para a análise destes, sendo resguardado o anonimato de todos os membros dos grupos. Os dados utilizados são relativos aos vínculos de amizade entre os usuários dos grupos.6

A metodologia do estudo foi a análise topográfica das redes de amizades nos grupos em questão, a partir de parâmetros que permitem visualizar diferen-tes aspectos de sua estrutura. Também foi utilizada a análise de conteúdo para interpretar as postagens realizadas nos grupos.

Ao visualizarmos a topologia das amizades do grupo, vemos que todos são bastante coesos, uma vez que a maior parte dos nós está bem próxima e o for-mato é perto do circular. Quanto mais fortes os vínculos de amizades entre os membros do grupo, mais parecido com o circular é o formato da rede. Contudo,

5. O período é calculado segundo o padrão de quem entrou em 2011/1 e 2012/1 na faculdade, existindo pessoas nos grupos que entraram em outro momento e que cursam disciplinas isoladas em determinada turma, ou que já tiveram aula na turma e não fazem mais parte dela, sendo relevantes para a análise.6. Nessa forma de análise, cada nó do gráfico é um usuário e cada aresta é a amizade que ele possui com outros usuários.

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uma comparação entre eles aponta para uma diferença entre as turmas do diurno e do noturno: os grafos da manhã são mais arredondados, portanto, mais coesos, e possuem menos nós flutuantes no entorno do centro. Esses nós flutuantes são membros do grupo que não têm amigos dentro deste; a maioria provavelmente é de estudantes que fazem apenas uma ou algumas disciplinas naquela turma, de forma que não solicitou amizades de membros da turma pelo Facebook, o que indica que provavelmente não tem um forte vínculo offline com esta. Tal característica coaduna com a dinâmica existente nas turmas do curso, uma vez que é mais frequente que os alunos do curso diurno façam disciplinas isoladas no curso noturno do que o inverso. Vê-se, também, que a maioria dos estudantes é de sexo feminino, exceto na turma 2012/1 do noturno.

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Colaboram com a interpretação a respeito da coesão das turmas os dados da tabela abaixo.

Tabela 1: Parâmetros de análise

Primeiramente, o parâmetro “número de nós” indica o número de usuários existentes no grupo e o “grau médio” indica a proximidade média dos vínculos dos usuários na plataforma virtual – quanto maior seu valor, mais próximas são as pessoas. Podemos ver que o número de nós é significativamente maior nas turmas do noturno, contudo, o grau médio é significativamente menor. Isso contribui para a ideia de que as turmas do noturno são mais variadas, com membros de salas distintas passando por elas, tendo um maior número de pes-soas dentro do grupo, mas que não interagem tanto entre si e que não têm laços tão fortes quanto no diurno. No mesmo sentido, se dá a análise do parâmetro “componente gigante”, que mostra o número de usuários que têm pelo menos

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um amigo dentro do grupo: a proporção é significativamente maior para os grupos do turno diurno.

Contudo, o “diâmetro da rede” mostra o maior número de nós interligados por amizades pelos quais se deve passar para atravessar toda a rede. Por sua vez, o “número de comunidades” junta os usuários que têm vínculos mais fortes entre si. Como se pode ver, os valores são iguais para todos os grupos. Sendo assim, a diferença pontuada dos vínculos entre os grupos diurno e noturno é existente, mas não tão forte, uma vez que não gera diferenciações nesses parâmetros em questão.

Tendo visualizado os aspectos gerais das relações de amizade entre os usu-ários dos espaços virtuais em questão, podemos passar para uma análise da forma de uso destes.

Ao observarmos os 20 últimos uploads de materiais feitos em cada turma, podemos perceber um uso padrão dos grupos em análise para, principalmente, compartilhamento de informações. Entre esses documentos, encontramos cader-nos das matérias, materiais para aula, planos de curso e calendários, questões para provas e exercícios, livros, provas antigas, materiais da comissão de formatura, editais e eventos. Mesmo materiais que são enviados pelo professor através do Moodle também são compartilhados nos grupos de sala. Isso se dá pela maior facilidade do uso da interface do Facebook e pela sua horizontalidade e dinami-cidade, elementos que não estão presentes (ou estão em pequena medida) na construção do código técnico da plataforma Moodle. Soma-se a isso o fato dos estudantes terem inserido em sua rotina a utilização do Facebook e em muito menor medida a entrada na plataforma oficial de ensino a distância.

Interessante perceber que esse trabalho é coletivo, contributivo e horizontal, construído a partir de uma ética de apoio entre os colegas (peer-to-peer), uma vez que o compartilhamento de muitos desses materiais e informações partem da iniciativa de um dos alunos em disponibilizá-lo para os demais, sabendo que, dentro dessa lógica, se alguém também tiver algo que possa ser de interesse da turma, também irá colocá-lo no grupo.

Dessa forma, começa a se formar no grupo um pequeno acervo de materiais úteis para um graduando em Direito, com livros, artigos, manuais e até provas antigas e questões de concurso para auxiliar no aprendizado do estudante. Um material já selecionado para as aulas dos professores de cada semestre, uma vez que o diálogo entre os estudantes permite que eles tenham conhecimento dos manuais de preferência de cada professor e sua forma de cobrança em avaliações. Dessa forma, a informação não está apenas disponível na internet, mas já está selecionada dentro dos grupos de Facebook, pelo menos para cumprir com a demanda de cada semestre. Novamente, vemos a limitação do uso da sala de aula

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para transmissão, ou mesmo para compartilhamento, de informações. Ressalta-se que os materiais que estão disponíveis hoje são muito bons para que os alunos consigam desenvolver as exigências postas pelos professores, mas dificilmente se aprofundam para além disso. Por isso, um plano pedagógico que leva em consideração o compartilhamento de informações em espaço virtual pode ser uma boa maneira de aproveitar essa dinâmica que já existe.

Além disso, o acesso a provas antigas, muitas vezes visto pelo professor como uma forma de burlar o processo de provar o conhecimento, pode ser entendido como uma maneira de aprendizado. Algumas vezes, inclusive, ocorrem debates nos grupos das turmas para se chegar à resposta correta, ótima forma de cons-trução coletiva do conhecimento permitida pelo próprio desenho do Facebook, que permite a conversa sobre tópicos, como se pode ver no exemplo abaixo.

Importante salientar que o uso de provas antigas não deve ser a única fonte de estudos, uma vez que isso se insere dentro de uma lógica de aprendizagem que se basta com o provar conhecimento nos momentos avaliativos. O interessante dessa dinâmica está no fomento ao raciocínio jurídico construído por meio do debate ao se tentar resolver coletivamente problemas postos pelos professores em avaliações anteriores.

Tanto alunos quanto professores devem se atentar ao papel da avaliação para a formação e não apenas como um momento de verificar se o aluno me-morizou bem o que foi dado em sala de aula ou o que está escrito na legislação. Dessa forma, a adoção do controle contínuo e da avaliação formativa podem ser formas de incentivar o estudo mais constante e aprofundado das disciplinas e o

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uso de avaliações anteriores seria apenas uma parte desse estudo, uma vez que os professores devem propor atividades de conteúdos diferentes a cada semestre.

Os mecanismos de controle contínuo favorecem a efetiva aprendizagem, demonstrada periodicamente durante a aula, enquanto os momentos tradicionais de avaliação conduzem à memorização temporária dos conteúdos para reproduzi-los no exame.Já o princípio da avaliação formativa garante que a atividade de avaliação sirva igualmente para ensinar algo ao avaliado. Ou seja, a “prova” deve trazer elementos novos, no sentido de que não exigirão mera reprodução do que foi transmitido, mas sim o raciocínio para manipulação dos conteúdos apreendidos diante de novas informações ou situações. (VENTURA, 2004, p.6)

Ainda, das últimas 150 postagens de cada grupo, foram selecionadas 15 ale-atoriamente para análise do uso dos grupos. Percebemos que a maior parte do uso é para organização das turmas (datas de provas e trabalhos ou cancelamento e reposição de aulas), pedido de ajuda e colaboração espontânea (normalmente sobre o que se dá em sala de aula ou sobre provas e trabalhos). Também é usado para divulgação de eventos acadêmicos, festas, editais e outros, assuntos relativos à comissão de formatura e outros usos menos relacionados com o ensino em si, como compartilhamento de notícias, vídeos e imagens engraçados e debates políticos. Percebe-se que coexistem no grupo usos triviais, de descontração, e de trabalho sério, assim como ocorre em sala de aula ou nos corredores da faculdade. Feenberg contribui para essa análise, ao discutir as características da internet:

Rather than comparing the Internet unfavorably with edited cultural products like newspapers, it would make more sense to compare it with the social interactions that take place on the street. There the coexistence of the good, the bad and the trivial is normal, not an offense to taste or intellectual standards because we have no expectation of uniform quality. (FEENBERG; NORM, 2012, p. 8)7

Inclusive, a diversidade de usos do grupo pode ser um elemento crucial para que a contribuição nos momentos de aprendizagem funcione melhor, pois isso gera laços de afinidade entre os membros que levam à maior vontade de contribuição. Além disso, torna mais constante o uso do espaço virtual, por ser ao mesmo tempo útil e agradável.

A partir do conteúdo das postagens, ficou possível ver ainda mais a lógica contributiva dentro dos grupos das turmas. Além disso, visualizamos que eles

7. Em vez de comparar a internet de forma desfavorável com produtos culturais como jornais, faz mais sentido compará-la com as interações sociais que ocorrem na rua. Nela, é normal coexistir o bom, o ruim e o trivial, e não é uma ofensa ao gosto ou padrões intelectuais, porque não temos expectativas de qualidade uniforme (tradução nossa).

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são espaços de gestão do que se passa nas salas de aulas. Esse espaço é essencial para uma vivência completa do processo de ensino-aprendizagem atualmente, uma vez que quem está fora dele fica alheio a essas trocas e construções.

Ressalta-se que a ausência dos professores nos grupos de turmas é elemen-to importante para que seu funcionamento seja como o descrito, uma vez que isso propicia um nível de liberdade entre os colegas, inexistindo uma figura de “autoridade” entre eles. Algumas questões organizacionais e compartilhamento de alguns materiais não se dariam da mesma forma, por exemplo, se existissem professores nos grupos. Por isso, ao se pensar na inserção pedagógica dos grupos de Facebook, deve-se levar em consideração essa peculiaridade do uso atual. A horizontalidade, incentivada pelo código técnico da plataforma virtual, é realizada de forma mais intensa, uma vez que todos os membros dos grupos são estudan-tes e estão em posição igualitária dentro do processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, o uso dos grupos pode ser incentivado pelos docentes, mas, para permitir seu funcionamento na sua capacidade máxima, a autonomia desses grupos deve ser resguardada.

4. concluSão: alGumaS ProPoStaS

A partir da observação dos grupos de Facebook, cujo código técnico traz valores de horizontalidade, compartilhamento, dinamicidade, fugacidade de informações e construção coletiva, podemos perceber um uso pelos alunos marcado por esses elementos. Com isso, os grupos de turma no Facebook se tornam espaços de seleção de materiais úteis para o aprendizado bem como de construção coletiva de conhecimentos. Como os grupos são coesos, com os membros se conhecendo entre si e com convívio físico e virtual intenso para diversas finalidades, essa possibilidade de construção de conhecimento fica ainda mais forte.

Esse cenário é mais um elemento para a falência do papel do professor como transmissor do conhecimento. A dinâmica dos grupos de Facebook permite que transformações sejam feitas não apenas visando a utilização desse espaço, mas também para que a sala de aula seja aproveitada com base nos elementos que sua utilização traz; lembrando que entendemos que existe uma superfície porosa que separa esses dois espaços, estando eles intimamente relacionados. Conhecendo as características do código técnico da internet e dos grupos do Facebook, podemos apreender elementos que funcionam em tais plataformas e utilizá-los em sala de aula.

Vimos que a plataforma virtual consegue ter sucesso para a disponibilização de informações. Dessa forma, elas não precisam mais ser dadas no momento

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do encontro presencial – o professor pode passar a ser um guia que, junto com os alunos, compartilha dados e constrói conhecimento. Entendendo que um momento de encontro entre os alunos sem a presença dos professores também é importante, pode ser necessária uma outra plataforma (como uma reestruturação do Moodle ou mesmo outro grupo de Facebook) para que o diálogo horizonta-lizado e dinâmico se dê entre os estudantes e os professores.

Acreditamos que a parte mais rica para a construção do conhecimento proporcionada pelo Facebook está nas discussões que ocorrem nos grupos. Isso pode ser incentivado pelos professores, ao proporem perguntas a serem respon-didas em conjunto para a aula seguinte ou ao disponibilizarem, eles mesmos, avaliações antigas para resolução por parte dos alunos, por exemplo.

Ao mesmo tempo, essa dinâmica mostra as potencialidades da resolução de problemas em grupo como forma de aprendizado. Vimos que os estudantes usam os grupos de Facebook para discutirem respostas de avaliações antigas e de trabalhos que têm de fazer, demonstrando um caráter coletivo de solução de problemas dentro do Direito. Não só os alunos são capazes de, por meio do de-bate, chegarem a resultados, como isso pode ser usado como método de trabalho dentro de sala de aula, tanto em atividades avaliativas quanto não avaliativas. Os estudantes, entre si, constroem saber: com o auxílio de professores, utilizando métodos participativos, o momento do encontro em sala de aula pode deixar de ser de transmissão de informações (feita de forma compartilhada online) e passar a ser o tempo de desenvolvimento de competências e aplicação das informações de forma coletiva (VENTURA, 2004).

Além disso, o ethos da horizontalidade pode ser transferido para sala de aula por meio de uma gestão coletiva de seu espaço e tempo. Vimos que parte disso se dá pelo grupo do Facebook, o que pode ser aprofundado visando uma maior participação do aluno nos diversos aspectos de seu processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, não apenas datas de provas e trabalhos podem ser negociadas com o professor, mas também se pode fazer programas coletivos das disciplinas, escolha participativa da bibliografia e estabelecimento de nor-mas de convívio e comportamento em sala de aula, por exemplo (UGARTE; DOMINGUES, 2014, p.24).

Também foi possível perceber indícios de uma diferença entre as turmas do curso diurno e noturno. Tais diferenças merecem um estudo aprofundado, mas já se pode pensar que a forma de uso dos grupos de Facebook institucionalmente dentro das turmas do noturno deve ser diferenciada, talvez com atividades que demandem menos tempo e em grupos menores.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FEENBERG, Andrew. “ Racionalização democrática, poder e tecnologia”. In: NEDER, Ricardo T. (org.). A construção crítica da tecnologia e sustentabili-dade. Vol. 1, n. 3. Brasília: Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina/Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS, 2010.

FEENBERG, A.; NORM, F. (Eds.). (Re)Inventing the Internet: critical case studies. Rotterdam: Sense Publishers, 2012.

GHIRARDI, José Garcez. O instante do encontro: questões fundamentais para o ensino jurídico (Coleção acadêmica livre. Série didáticos). São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2012.

MALINI, Fábio; AUTOUN, Henrique. A internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes sociais. Porto Alegre: Sulina, 2013.

RESENDE et al. Novas Perspectivas para a Educação Jurídica. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2014.

UGARTE, Norton Ivon; DOMINGUES, Letícia Birchal. A educação jurídica na teoria, na prática e em sala de aula: algumas propostas. In: RESENDE et al. Novas Perspectivas para a Educação Jurídica. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2014.

VENTURA, Deisy. Ensinar Direito. Barueri, SP: Manole, 2004.

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O DEsAFIO DA EDUCAÇÃO lIBERtADORA:Uma experiência da busca pelo desenvolvimento do olhar

Luís Gustavo Augusto Henrique e Patrícia Alencar Silva Mello

reSumo

O presente artigo pretendeu apresentar uma experiência vivida pelos autores, alunos do Mestrado Acadêmico da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, na ministração de um minicurso de Direito e Desenvolvimento apresentado aos alunos de Direito da Universidade São Judas Tadeu. O méto-do de ensino participativo e o referencial teórico da educação crítica como prática da libertação serviram de apoio para a estruturação do projeto, pois o intuito maior era trabalhar um olhar mais reflexivo, não somente quanto à importância dos conceitos sobre a relação do Direito com o Desenvolvimento, mas também acerca de sua presença na vida deles e da imprescindibilidade de futuros profissionais do Direito, como eles, adotarem uma perspectiva mais liberta e crítica da temática explorada. Contudo, a prática nos ensinou que a mudança de métodos, apesar de recomendável, pode gerar inseguranças e desconfortos que podem comprometer os objetivos do processo de ensino aprendizagem. Não obstante, o esforço da proposição de um modelo mais adequado à formação de seres humanos livres e críticos e a mudança de rotas empreendidas para ajustar a postura mais passiva a que estavam acostumados acabaram por indicar que um ideal de ensino teria sido alcançado, qual seja: um processo de ensino-aprendizagem pensado para e a partir do aluno.

Palavras-chave: Direito e Desenvolvimento. Ensino participativo. Olhar crítico e reflexivo. Ensino-aprendizagem.

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abStract

The present article report a lived experience of the authors who are Academic Master students of the Fundação Getulio Vargas School of Law in São Paulo: the administration of a short course in Law and Development presented to law students at the Universidade São Judas Tadeu. The participatory method of teaching and the theoretical framework of critical education as a practice of liberation served as support to structure this project. The intention was to de-velop a more reflective look, not only on the importance of the concepts about the relationship between law and development, but also about its presence in their lives and the indispensability of future legal professionals, like them, to take a more critical perspective of the theme explored. However, the practice has taught us that changing methods, although recommended, can cause insecurities and discomforts that may compromise the objectives of the teaching learning process. Nonetheless, the effort of proposing a more appropriate model for the formation of free and critics human beings and the changing routes taken to adjust the more passive posture to which they were accustomed, eventually indicated that an ideal education would have been achieved, which is: a process of teaching and learning designed to and from the student.

Keywords: Law and Development. Participatory learning. Critical and reflective look. Teaching learning process.

1. Introdução

Entre os inúmeros desafios enfrentados pelo professor em uma sala de aula não parece haver um de tão difícil enfrentamento que aquele condizente com seu papel de facilitador da construção de um pensar de forma crítica e livre.

Em se tratando da área jurídica, essa dificuldade é potencializada. A maioria das escolas de Direito do país considera que essa ciência se restringe às regras postas pelas legislações. A metodologia de ensino em regra é expo-sitiva por se mostrar adequada à concretização desse formato. Para conhecer o Direito reduzido às normas vigentes, bastaria mesmo ao estudante assumir o papel de receptor das informações trazidas pelo professor.

Entretanto, essa concepção de Direito e de como ensiná-lo se chocam com as exigências que o novo contexto político, econômico e social impõe ao profis-sional dessa área. Seja pelo próprio Direito posto, através de uma Constituição Federal dirigente como o é a de 1988, seja pela dinâmica da sociedade global, é imprescindível que o professor compreenda e trabalhe questões jurídicas que

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vão além da apresentação de normas em vigor e, ainda, que não restrinja o aluno a um repositório dessas.

O manuseio do Direito no mundo contemporâneo demanda um profis-sional que foi orientado a refletir e problematizar a realidade sobre a qual atuará, dado que as diretrizes constitucionais e os fatos sociais requerem dele uma visão que a legislação em voga não supre. Assim, está evidente a necessidade de se conceber o Direito como um objeto em construção, que, portanto, prescinde de ser ensinado através de uma metodologia que possibili-tará ao estudante da área o desenvolvimento de uma postura mais ativa diante dessa realidade mutante não prevista em códigos.

O presente artigo foi estruturado de forma a problematizar esse cenário do ensino do Direito no país, baseado na experiência dos autores como professores. Ambos, alunos do Mestrado Acadêmico da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV Direito SP), ministraram um minicurso aos graduandos em Direito da Universidade São Judas Tadeu, também da mesma cidade, havendo sido o objeto eleito dessa aula a relação entre o Direito e o Desenvolvimento. Cumpre ressaltar que a FGV Direito SP foi estruturada e dissemina uma metodologia participativa de ensino do Direito, que retira o aluno do papel de espectador, colocando-o como elemento pri-mordial na dinâmica do ensino em sala de aula, construindo o conhecimento em parceria com o professor.

O papel que coube a esses dois mestrandos foi o de, após a construção de conceitos relevantes realizada por outros professores, dar andamento ao curso, buscar a aplicação dos conteúdos a partir do enfrentamento de um caso real a eles apresentado, que foi discutido com toda a sala, e concluir o minicurso enfatizando e problematizando alguns pontos relevantes trabalhados naquele dia. Logo, dois eram os desafios: envolver os alunos em uma atividade nova que pressupunha o ensino participativo com o qual poderiam não estar acos-tumados e incitá-los a reconstruir conceitos trabalhados, mas os questionando a partir da realidade brasileira. Nossa expectativa era envolver os alunos, despertando-os para a importância do objeto da aula e ao final desenvolver, a partir de uma reconstrução de conceitos, uma desconstrução, por meio de debates e perguntas provocativas que desafiam a padronização da relação do Direito com o Desenvolvimento1.

1. Algumas perguntas foram lançadas para que os alunos voltassem às suas rotinas questionando-se sobre a imitação de modelos de desenvolvimento por meio do trans-plante de modelos jurídicos e sobre a existência de um único modelo ou a necessidade de ser aperfeiçoado um padrão típico brasileiro.

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O intuito maior era trabalhar seu olhar mais crítico, não somente quanto à importância dos conceitos sobre a relação entre Direito e Desenvolvimento, mas também acerca de sua presença na vida deles e da imprescindibilidade de futuros profissionais do Direito, como eles, adotarem uma perspectiva mais liberta e crítica da temática explorada anteriormente. Desse modo, os pontos relevantes seriam reforçados pelo debate construído na atividade proposta e, depois, algumas eventuais crenças comuns seriam desmistificadas por meio da problematização de entendimentos não usualmente pensados de forma crítica. Nosso lema, portanto, era o envolvimento dos alunos com o tema Direito e Desenvolvimento e o despertar de um olhar mais reflexivo do modelo brasileiro de crescimento econômico e social, mas de forma a libertá-los de opiniões não refletidas, colocando-os em uma posição ativa no contexto da sala de aula.

A intenção estava clara. A premissa do Direito não restrito às normas postas estava introjetada. Todavia, qual seria a fórmula capaz de tornar possível o sucesso dessa ambição? O quão crível seria envolver os alunos e desenvol-ver neles olhares críticos em relação a diversos sensos comuns? A experiência confirmou a hipótese de que inexistem receitas prontas para essa complexa empreitada. Contudo, certo é que, partindo de uma proposta cujo protagonismo está no aluno, o caminho para respostas mais positivas de alcance do objetivo final, consistente em cativar o aluno e nele despertar um olhar crítico e liberto, pareceu ser mais real.

Para compartilhar essa experiência, este artigo subdivide-se em mais três partes além desta. A seguir, será realizada uma breve revisão de teoria que envolve o ensino como construção de seres humanos críticos e o método participativo em que nos amparamos. Em seguida um rápido relato resgat a o minicurso acima mencionado, enfocando a parte que envolveu esses pesquisadores, qual seja: desenvolvimento de um debate e finalização do curso. Ao final, a conclusão resumirá os principais pontos aqui desenvolvidos.

2. a conStrução de SereS HumanoS crítIcoS e a educação PartIcIPatIVa

Paulo Freire (2011) defende que a educação tem como meta o desenvolvimento da criticidade da consciência dos alunos, confirmando a necessidade de respeito ao compromisso humanista. Esclarece que a educação “não pode ser desvincu-lada da vida, esvaziada da realidade e pobre de atividades por meio das quais se ganharia a experiência do fazer” (p. 60). Assim, segundo Paulo Freire, é crucial que sejam fornecidas aos alunos condições para que construam sua capacidade

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crítica, evitando, assim, uma mera consciência ingênua e manipulável, com a qual seriam “massificados e alienados na sociedade” (FREIRE, 2011, p. 61).

Aliás, ainda conforme Freire:

A própria posição da nossa escola, de modo geral acalentada pela sonori-dade da palavra, pela memorização dos trechos, pela desvinculação da realidade, pela tendência a reduzir os meios de aprendizagem às formas meramente nocionais, já é uma posição caracteristicamente ingênua. (2011, p. 64)

A ausência de “criticidade está diretamente relacionada à ingenuidade e à superficialidade” com que tratamos os problemas em geral, o que acaba por impedir uma posição de maior liberdade. É preciso que os alunos adotem posturas mais indagadoras, inquietas e criadoras em detrimento da passividade, do conhecimento memorizado que, “não exigindo de nós elaboração ou reela-boração, nos deixa em posição de inautêntica sabedoria” (FREIRE, 2011, p. 72).

Desse modo, quer o autor demonstrar ser imperiosa a mudança da postu-ra dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, sob pena de restar prejudicado o sentido da palavra educação. Como bem afirma Freire, faltava em nossa cultura a experiência do diálogo, da investigação, da pesquisa, todos intimamente ligados à criticidade, situação que se vem tentando modificar paulatinamente, afinal:

a educação é um ato de amor e, por isso, um ato de coragem. Não pode temer ao debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. (FREIRE, 2011, p. 73)

Para tanto é preciso trabalhar com o aluno e não sobre ele, e não lhe impondo ordens sem lhe proporcionar meios para um “pensar autêntico” em que mais do que guardar fórmulas se requer sua incorporação e reinvenção.Não ocorrendo dessa forma, o resultado é a construção de uma consciência ingênua incapaz de despertar no educando o “gosto da pesquisa, da constatação, da revisão dos “achados”- o que implicaria o desenvolvimento da consciência transitivo-crítica” (FREIRE, 2011, p. 60).

Ademais, a concepção do professor como sendo repositório/portador do conhecimento não mais se sustenta no mundo atual. Uma alteração da metodo-logia de ensino se faz premente. A denominada Geração Y, aquela que pela primeira vez convive com as novas tecnologias, pode acessar informações de forma cada vez mais simplificada e menos custosa, entrando em contato com um ambiente no qual a variedade das fontes dessas informações cresce exponencialmente. É facilitada também a possibilidade de contestar, uma

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vez que a multiplicidade de visões sobre um mesmo tema instiga o questio-namento do que é posto.

Para Freire é indispensável a visão harmônica entre a “posição verdadeira-mente humanista”, em uma “sociedade em transição como a nossa, e a tecnologia”.

Harmonia que implicasse a superação do falso dilema humanismo-tecnologia e que, quando da preparação de técnicos para atender ao nosso desenvolvi-mento, sem o qual feneceremos, não fossem eles deixados, em sua formação, ingênua e acriticamente, postos diante de problemas outros que não os de sua especialidade. (2011, p. 76)

Vê-se, pois, que a preocupação de Freire (2011) com a atuação de profes-sores para que formem alunos engajados com a autenticidade de seus pen-samentos não abandona as necessidades tecnológicas atuais ou as contrapõe aos fins que devem ser buscados no processo educacional. Antes propõe uma visão de forma harmônica posto que, do contrário, a ingenuidade prejudicaria o sistema do qual os próprios professores dependem.

Por tal motivo a figura do professor acaba assumindo uma importância reduzida, quando se parte da concepção do professor como sendo o detentor exclusivo do conhecimento. Os alunos, pertencentes a essas novas gerações, rompem com a relação passiva perante o professor, não sendo raro quando o estudante surpreende o “mestre” com informações mais atualizadas sobre o que ele está ensinando.

Diante dessa nova configuração, o professor deve passar a se ver como um aprendiz. E, mais do que isso, a relação de hierarquia entre professor e aluno é desconstruída, ainda que não se admita tal fato e se prossiga construindo o ensino sobre essa premissa. Ao professor cabe a tarefa de pensar no e como o aluno: NO aluno, trabalhando com informações úteis, adaptadas à linguagem e sintonizadas com as aspirações do aluno; COMO aluno, aprendendo junto (MORAN, 2007).

Para se concretizar esse intento, um novo método de ensino que se adeque ao perfil ativo do aluno se faz necessário. O ensino participativo se mostra perti-nente a esse objetivo. É preciso aliar a teoria à prática, sendo a última constituída pelas experiências vivenciadas pelo estudante, além dos fatos e informações de que já tenha conhecimento. O professor não mais se define como detentor e transmissor do saber, segundo a concepção bancária de educação exposta por Paulo Freire, mas por propiciar condições para que o aluno construa por si mesmo o seu saber (FREIRE, 2008).

Mas, como se fazer essa transição de um método expositivo/“tradicional” para um que se pretenda mais participativo? Apesar de o cenário se apresentar

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preparado para a introdução de uma nova metodologia de ensino que preconize pelo protagonismo do aluno, as instituições de ensino, há décadas, algumas há séculos, têm sua estrutura baseada na relação verticalizada entre aluno e professor. Os alunos são preparados e moldados, desde a educação básica, para assumirem uma posição passiva, de receptor do conhecimento emitido pelo professor. Este, por sua vez, tende a replicar o comportamento baseado no método de ensino bancário de seus anteriores professores, seus únicos parâ-metros. Sem dizer que sair de sua “zona de conforto” e assumir um perfil mais ativo durante as aulas desencadeia insegurança nos estudantes, chegando até mesmo a desestimulá-los diante de uma transformação que conteste o que até então era colocado como adequado ao alcance do aprendizado.

A escolha por criar um ambiente mais participativo pode implicar profundas transformações para o estudante que poderá passar a partir de então a:

1. Considerar as informações que adquiriram por si e o conhecimento de sua exclusiva autoria como sendo dignos de serem compartilhados em sala de aula e relevantes para a construção do conhecimento;

2. Reconhecer a importância da opinião dos demais alunos. Até então o professor era quem detinha o saber, restando aos alunos apenas assimilá-lo. A partir de agora, deve enxergar significância no que diz outro aluno, alguém que se encontra no mesmo patamar dele;

3. Ser mais exigido. Muito além de mero espectador, o estudante é pro-tagonista e, portanto, é chamado a interagir. Para tanto, muitas vezes, mais do que se posicionar, o aluno deve se ocupar em se informar sobre o tema da aula, dado que dele será exigido um posicionamento crítico e não meramente reprodutor do objeto ensinado.

4. Desenvolver a percepção de que é possível aprender por esse método. A nova formatação do ensinar, na qual o professor não é mais o protagonista, com o consequente rompimento da relação hierárquica aluno-professor, também possibilita a aprendizagem.

Para que essas adequações ocorram, faz-se imprescindível que as concep-ções do aluno sejam restruturadas, sendo importante para tanto a existência de um período focado nessa readequação, um período de transição. Como descrevem pesquisadores da área da educação, a transição é acompanhada de uma diminuição na motivação e na percepção da competência acadêmica pelo próprio estudante. Entretanto, verifica-se também que essas duas consequências não tendem à perenidade, justificando a escolha do termo transição para a denominação desse momento de câmbio. Indo além, aponta-se como apropriada

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a existência de um período especial, cujo foco seja o preparo do aluno para que a transição ocorra de forma gradual (ANDRADE, 2011; SILVA, 2009).

Tem que se encarar uma ruptura em relação à estrutura sobre a qual o ensino se construía até então, à qual o aluno já havia se adequado; inovação desencadeada pela restruturação principiológica e de objetivos desenhados para esse novo momento mais participativo.

3. breVe relato de uma eXPerIÊncIa

Considerando as premissas acima, a disciplina de Formação em Educação Jurídica acabou por instigar-nos, alunos do Mestrado Acadêmico da FGV Direito SP, a encarar um desafiador projeto: ministrar um minicurso aos graduandos em Direito da Universidade São Judas Tadeu sobre o tema Direito e Desenvolvimento. Além de abordarmos em poucas horas um complexo as-sunto que determina a linha de pesquisa do mestrado da FGV Direito SP e que demandou vários meses de leitura, debates, construção de conceitos e aprendizagem aprofundada, levávamos igualmente a missão da escola, que consiste em “formar profissionais capazes de resolver problemas complexos e com senso crítico apurado”, por meio de “técnicas de metodologia de ensino pouco utilizadas nas faculdades de Direito no Brasil”, em que o aluno é “agente na construção de seu próprio conhecimento”, o chamado ensino participativo (GHIRARDI, 2012, p. 9).

Assumimos a desafiante proposta de apresentar os dois grandes temas que envolvem debates de Direito e Desenvolvimento, a saber: o crescimento econômico e o desenvolvimento social e humano. Partindo dessas premissas e as aliando ao referencial teórico supracitado, considerando ainda a informação de que dispúnhamos sobre o método de ensino expositivo a que estavam acostumados os alunos inscritos no curso que ministraríamos, decidimos por combinar essa metodologia “tradicional” com o método participativo.

Após o momento introdutório, e a apresentação dos elementos teóricos centrais do tema do curso a partir do método expositivo, cabendo frisar que os alunos em sua grande maioria permaneceram bastante atentos ao que era apresentado, convocamos a se reunirem em grupo, para que juntos desenvol-vêssemos argumentos a serem utilizados em um posterior debate envolvendo toda a classe.

Vale aqui sublinhar que a escolha do objeto que seria discutido foi a Lei Geral da Meia-entrada. Essa opção foi pautada pelo interesse em colocar os alunos diante de um problema com o qual facilmente vislumbrassem a relação

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direta do Direito com a realidade que vivenciam. Portanto, em se tratando de um grupo de universitários, com esse tema se pretendeu obter a identificação direta dos alunos, facilitando assim o engajamento deles. Por não ser tradicio-nalmente utilizado na Universidade São Judas Tadeu o método participativo, a eleição do tema que debateríamos foi bastante cuidadosa, a fim de garantir que mesmo não sendo comum participarem das aulas, eles assumissem uma postura mais ativa, como objetivava nosso minicurso.

Contudo, quando foram convocados para formarem grupos e discutirem a Lei Geral da Meia-entrada, antes de colocar o debate para toda a classe, senti-mos um bloqueio por parte dos alunos. Assim, preocupados com um provável baixo nível de engajamento dos alunos, o que prejudicaria nosso propósito, os questionamos se prefeririam pensar individualmente nas questões e não em grupo. Aliviados responderam, unanimemente, sim. Contudo, vale destacar o fato de que mesmo tendo sido avessos à formação de equipes para discussão, durante o tempo em que refletiram sobre o assunto, foi possível verificar que vários deles espontaneamente começaram a conversar sobre seus pontos de vista com colegas que estavam próximos.

Decorridos os minutos concedidos para que pensassem sobre o tema, quando a discussão se iniciou, ficou claro que havia interesse deles em se engajarem no debate. Entretanto, a falta de habitualidade em participar de aulas nesses moldes fazia com que a insegurança e o acanhamento em se posicionar perante os próprios colegas e professores suplantassem o interesse em manifestar aqueles pensamentos formulados durante o período anterior ao debate.

Interessante, inclusive, é comparar essa com outra experiência vivenciada por um dos autores deste trabalho, quando apresentou uma pesquisa a uni-versitários de uma instituição que preza por um ensino participativo, guiado por uma lógica de horizontalização da relação aluno-professor. Como a incumbência nesse caso era somente apresentar o tema central dessa pesquisa, o método expositivo foi eleito. Diagnosticamos, contudo, uma maior dificuldade dos alunos em manterem a atenção ao que era exposto, uma vez que foram coloca-dos em uma situação de passividade para a qual o grupo estava despreparado.

No que se refere ao momento de encerramento do minicurso, esse foi além de uma simples revisão dos conceitos que envolvem a relação do Direito com o Desenvolvimento apresentados no decorrer da aula. Perguntas impactantes foram formuladas, tais como: um país será mais ou menos desenvolvido com base em quais pressupostos? Será que subdesenvolvimento é estágio do desen-volvimento? Há um padrão jurídico-institucional a ser seguido?

Reforçamos com exemplos que cada país possui suas próprias lógicas, cultura e forma de alocação do Direito, e que o Brasil poderia dispor de sua.

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Demonstramos os caminhos escolhidos por esse país e a maneira como nossa Constituição Federal brasileira tratou o tema desenvolvimento. Mas, o que se pretendia era fazê-los perceber que eventualmente poderia inexistir respostas simples ou completamente corretas nesse campo. Há opções, mas a análise de sua conveniência ou não pode não bastar. Talvez fosse preciso saber quais são as escolhas para se pré-julgar uma ação, considerando que a imitação de modelos mostrou não funcionar até o momento.

Todavia, a ausência de respostas prontas para encerrar um tema tão complexo, se por um lado objetivava injetar nos alunos um incômodo que permitisse a reflexão posterior, por outro pode ter surtido um efeito de frustração com um desfecho sem respostas acabadas.

O que percebemos, contudo, é que essas duas narrativas evidenciam o quanto a aposta no novo pode gerar incômodos e desinteresses que acabam por comprometer o objetivo de uma aula. Constatamos a importância em se pensar nessa fase transitória, uma vez que a implantação de uma nova metodologia implica transformações para as quais os alunos devem estar preparados, caso contrário poderão surtir efeitos arrefecedores ou até mesmo contraditórios em relação ao potencial que o método pode propiciar.

De todo modo, o principal objetivo teria sido alcançado: conduzir um processo de ensino-aprendizagem pensado para e a partir do aluno, que al-mejava o desenvolvimento de um olhar crítico e que oferecesse a oportunidade de vivenciar o ensino participativo. Como na obra O instante do encontro, con-siderávamos que não se podia desperdiçar a “oportunidade única de dizer-lhes algo, de oferecer-lhes algo que poderão levar consigo quando, muito em breve, nos deixassem” (GHIRARDI, 2012, p.73). O ponto principal que ansiávamos alcançar ao final consistia no desejo de que percebessem que, mais que repetir discursos, era preciso pensar e repensar, pois, ao que parece, são esses os juristas de que realmente depende a construção de estruturas indispensáveis para o desenvolvimento do Brasil.

Com isso, o saldo final nos pareceu bastante promissor. Tanto quanto à proposta de participação e construção conjunta dos conceitos sugeridos, como no que concerne ao exercício de reflexão e ao despertar para um olhar crítico que reclama a desconstrução do senso comum e a construção de um pensar livre.

Apesar de jamais sabermos o real impacto que surtiu na vida dos alunos com quem compartilhamos essa experiência, é possível concluir com certo grau de confiança que é viável acreditar na educação como prática dessa libertação. Isso se a vontade do professor é não utilizar o aluno como um objeto, uma tábula rasa, um mero depositário de um conhecimento externo, somando essa

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premissa com o desejo de libertá-los para, em um processo de mediação, oferecer um ambiente que os conduza a um pensar reflexivo.

4. concluSão

Este artigo assumiu o desafiante compromisso de, ao relatar concisamente uma experiência vivida, repensar o papel do professor e da educação. Não pretendeu, por óbvio, arquitetar fórmulas e oferecer respostas fáceis. Antes, ambicionou evidenciar a importância do papel do educador como facilitador no processo de educação comprometida com o aluno e sua libertação.

Tamanha ambição pareceu possível, não obstante o reduzido momento de encontro com os alunos da Universidade São Judas Tadeu. Isso porque, uma vez presente a consciência do verdadeiro objetivo desejado, consistente no esforço de manter o aluno em posição de destaque, inúmeras podem ser as libertações, inclusive do próprio educador.

Como professores que encararam a oportunidade oferecida como meio de testar a viabilidade desse pensamento, constatamos o quanto não é utópica tal proposta. Percebemos que o perfil dos estudantes da atualidade, cada vez mais informados e contestadores, em especial pelo impacto que a liberdade característica do ambiente virtual imprimiu nas gerações mais recentes, é fértil ao desenvolvimento de um novo modo de ensinar, o que ficou evidente na adesão crescente dos alunos à discussão proposta e à percepção de que suas opiniões e as dos colegas eram relevantes e acresciam à dinâmica. Resta aos professores aproveitarem desse momento favorável, transpondo para o mundo real o ativismo assumido no universo virtual.

Foi plausível, durante toda a experiência aqui narrada, o pensar constante no educando como centro da prática educacional e os esforços empreendidos em instigá-lo a se perguntar seu papel no mundo. Afinal, “aqueles que estão em nossas salas de aula, por um curto período como alunos, serão por toda a vida cidadãos” (GHIRARDI, 2012, p. 75).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Mariza. “Investigação sobre a transição dos alunos do ensino fun-damental I para o ensino fundamental II”. Monografia (curso de graduação em Pedagogia da Universidade de Londrina). Universidade Estadual de Londrina, Paraná, 2011.

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CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Trad. Roneide Venancio Majer. 12ª ed. Vol.1. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 47ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 14ª ed. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 2011.GHIRARDI, José Garcez. O instante do encontro: questões fundamentais para

o ensino jurídico. São Paulo: Fundação Getulio Vargas, 2012. (Coleção Acadêmica livre. Série didáticos)

MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. Campinhas: Papirus, 2007.

SILVA, Jaime Carvalho. Sobre a transição de ciclo de estudos. Revista a Página da Educação. Revista de Verão no 185, jun., 2009.

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DEsAFIOs PARA UmA EDUCAÇÃO JURÍDICA DE AUtOnOmIA E CRItICIDADE: Matriz curricular e projeto pedagógico

Marcus Vinícius de Freitas Teixeira Leite

reSumo

O presente trabalho foi realizado em razão da patente necessidade de se debater a educação jurídica nas faculdades de Direito do Brasil e, sobretudo, por perceber a necessidade de que os cursos de Direito estimulem a crítica, o diálogo, a autonomia e a aproximação com a realidade social. Para tanto, é observado o aspecto histórico da educação jurídica no país, a fim de demonstrar o quanto se avançou ou não no tema, a importância do estudante se ver como sujeito ativo na sua formação e algumas reflexões sobre matriz curricular e o projeto pedagógico de curso, no intuito de entender melhor como a educação é tratada pelas próprias instituições.

Palavras-chave: Educação jurídica. Crítica. Autonomia. Histórico. Currículo.

reSumen

Este trabajo se efectuó en razón de la evidente necesidad de discutir la educación jurídica en las universidades de derecho de Brasil y, principalmente, por per-cibir que es urgente que los cursos de derecho estimulen la crítica, el diálogo, la autonomía y la aproximación con la realidad social. Para ello, se observa el aspecto histórico de la educación jurídica en el país, a fin de demostrar cuánto se avanzó o no en este tema, la importancia de que el estudiante se vea como sujeto activo en la formación; además de algunas reflexiones sobre la matriz

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curricular y el proyecto pedagógico del curso, buscando entender mejor cómo la educación está tratada por las propias instituciones.

Palabras clave: Educación jurídica. Crítica. Autonomía. Histórico. Currículo.

1. Introdução

Nos últimos anos, tem crescido o debate acerca da educação jurídica no Brasil, motivado principalmente por um notório descompasso entre o Direito e a realidade social. Apesar disso, as raízes dos problemas enfrentados hoje podem ser melhor compreendidas se analisarmos como a educação jurídica se deu ao longo da história. Dessa forma, muito do que hoje se discute sobre tal tema já constitui problema antigo de insatisfação por parte daqueles que se ocupam com o ensino do Direito.

Ao fazer esta análise, entende-se que uma das deficiências mais relevantes das faculdades de Direito consiste na ausência de estímulo à autonomia do estudante, bem como de teor crítico e dialógico no estudo. Assim sendo, o presente artigo pretende compreender, primeiramente, como a educação ju-rídica foi tratada no Brasil desde sua criação, no ano de 1827, uma vez que dessa forma será possível notar que não se avançou muito em alguns fatores, tais como as metodologias de ensino.

Além disso, este trabalho tem como fundamento a ideia de que a autonomia, a criticidade e o diálogo são alguns dos quesitos mais importantes quando se fala em educação, sobretudo em cursos de Direito. Por isso será discutido o papel fundamental que a autonomia possui na formação do profissional, levando em consideração a influência exercida pelas metodologias de ensino, pelos projetos pedagógicos de curso e pela matriz curricular.

Por fim, serão feitas algumas reflexões sobre os currículos e os projetos pe-dagógicos, buscando-se entender a importância de um cuidado institucional que priorize a autonomia do aluno, ou seja, o protagonismo do estudante em sua formação. Assim, pensando em maneiras de melhorar o olhar das faculdades de Direito em relação a esse assunto, a reformulação da visão institucional é urgente. Em suma, espera-se que este artigo contribua para o amadurecimento da discussão e auxilie a procura por uma educação mais próxima à realidade.

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2. HIStÓrIco do enSIno JurídIco no braSIl

A história do ensino jurídico brasileiro tem início no Decreto de 11 de agosto de 1827, quando foram criados os cursos de Direito de São Paulo e Olinda. No período colonial, e anteriormente a essa lei, a formação dos juristas brasileiros era realizada, sobretudo, na Universidade de Coimbra. Simplificadamente, o percurso do estudante abastado à época do Brasil Colônia ocorria, em sua educação básica, pelos jesuítas, que também iniciavam as lições preliminares de Letras, Filosofia e escrita. Somente a partir de então seguia-se para a Metrópole a fim de concluir a formação (BITTAR, 2006, p. 107-112).

A gênese dos cursos de Direito no Brasil, evidentemente, atendia a interesses ideológicos e necessidades contextuais. Por isso, Eduardo Bittar percebe essa incipiente academia em suas relações e demandas de poder, em detrimento a questões relativas ao saber:

Desde a independência, algo que é notório no espírito da época é a transparente necessidade de formação de bacharéis para a composição da elite social, intelectu-al, burocrática e dominante do período. [...] A academia, nesse sentido, é vista menos como espaço de saber e mais como espaço de poder, verdadeiro nicho de reprodução de bacharéis para atender a demanda crescente em torno da auto-nomia dos estamentos do Estado e da ideologia liberal na constituição do poder. A criação de dois cursos jurídicos é ato meticulosamente pensado, politicamente engajado, fruto de sérias polêmicas e contendas do período. A Academia então, torna-se um laboratório para os aprendizes do poder, local de reprodução das diferenças sociais e de fermentação das elites jurídicas e administrativas do Estado brasileiro. (2006, p. 108)

Essa contextualização se faz necessária para compreender os fatores que influenciaram a constituição dos cursos de Direito no país. Assim, é possível relacionar a ideologia liberal, predominante nos primeiros cursos, aos ideais da Revolução Francesa, que instituiu o Código Civil de 1804 com os princípios de segurança jurídica aos negócios e de proteção à propriedade. A Universidade de Coimbra, por sua vez, não ficou imune à propagação das ideias liberais. Sendo esta universidade o principal polo de formação jurídica brasileira, justifica-se a influência sofrida na criação dos cursos jurídicos do país.

Além disso, pode-se dizer que o controle estatal exercido nessa criação também foi determinante para se ter o ensino jurídico voltado às demandas do Império e de suas elites. Foi inviabilizado nas faculdades de Direito, por-tanto, um viés libertador, com conscientização crítica e comprometimento com

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os anseios da sociedade em geral (NEVES, 2005, p. 113-114)1. A característica mais notória era, dessa forma, o conservadorismo, a preocupação em fazer a manutenção do status quo.

Contudo, em algumas décadas, as faculdades de São Paulo e Olinda não seriam mais capazes de suprir a busca por novos profissionais do Direito. Nesse sentido, a análise de Sérgio Rodrigo Martinez é valiosa, pois traz o relato histórico da educação jurídica brasileira levando em consideração os paradigmas de Estado e o devido contexto. Sendo assim, ao final do século XIX, a procla-mação da República e os avanços da cafeicultura geram alterações relevantes no quadro econômico e social.

Acompanhando essas transformações, inicia-se o “ensino livre” do Direito, com a criação de faculdades na Bahia, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul, entre outros estados. O objetivo era expandir a educação jurídica, sen-do que o mercado regularia as questões de oferta e demanda, percebendo-se assim, novamente, a preponderância do discurso liberal no que denominou-se “fábrica de bacharéis”. Não obstante o aumento significativo de vagas para os cursos de Direito, não foram observados avanços qualitativos nas faculdades (MARTINEZ, 2006)2.

No que diz respeito ao primeiro centenário de ensino jurídico no Brasil, por conseguinte, Martinez nota a íntima relação entre a educação em Direito e a ideologia dominante, isto é, o liberalismo, o Estado Liberal. Era exigida a consolidação da classe burguesa – já dominante economicamente – também relativamente à produção do conhecimento, cujo símbolo maior seria a “codi-ficação civilista” no que tange a academia jurídica, de modo que as disci-plinas de Direito Privado predominavam nas grades curriculares da época (MARTINEZ, 2006).

Outro aspecto observado pelo autor consiste na pedagogia tradicional como o método de ensino, posto que a simples transmissão do conheci-mento era a forma pela qual os professores pretendiam ensinar seus alunos (MARTINEZ, 2006). Claramente, como nota-se até hoje em muitas salas de aula, a pedagogia tradicional limita – ou inviabiliza – o aprendizado, tornando o aluno mero reprodutor das ideias que lhe são passadas. Em um ensino marcada-mente acrítico, a manutenção do status quo tende a ser a consequência natural, uma vez que é retirada do aluno a oportunidade de questionar aquilo que é transmitido; coloca-se uma roupagem de verdade absoluta, de argumento

1. Disponível em: www.seer.furg.br/juris/article/download/584/129. Acesso em: 15 ago. 2014.2. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/8020. Acesso em: 20 ago. 2014.

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inquestionável, naquilo que o professor fala. Logo, a ideologia liberal alcançou respaldo metodológico na pedagogia tradicional.

A partir da década de 1930, porém, algumas mudanças são levadas a cabo. A “Reforma Francisco Campos”, de 1931, passou a dividir o curso de Direito em doutorado e bacharelado, sendo que o primeiro dizia respeito à parte mais teórica, à formação acadêmica, e o segundo era voltado à profissionalização (NEVES, 2005, p.114). Isso contribuiu para reforçar o inocente dualismo entre teoria e prática, esquecendo-se que a “teoria é apenas teoria da prática, assim como a prática não é senão a práxis da teoria” (LYRA FILHO, 1984)3.

Nesse contexto, o Estado Social surge como pano de fundo das discussões sobre o ensino jurídico. Com a maior influência dos Estados Unidos sobre o Brasil, novas pedagogias liberais chegam ao país, como a “Escola Nova”. Apesar do aparente ar de novidade que pairava sobre os cursos de Direito, manteve-se a pedagogia tradicional e o enfoque mercadológico dos cursos (MARTINEZ, 2006). Um dos motivos dessa manutenção teria sido a ideia de “pureza” do Direito que se espalhava nas Academias, disseminada sobretudo pela obra “Teoria Pura do Direito”, de Hans Kelsen, publicada em 1934 e bastante influente nas décadas seguintes. Dessa forma, a noção de “proteção” e “isolamento” do Direito prevaleceu sobre possíveis tentativas de inovação pedagógica (MARTINEZ, 2006).

Nas décadas de 1930 e 1940, houve um impulso à produção normati-va, com a criação do Código de Processo Penal, Código Penal, Código de Processo Civil, além das Constituições de 1937 e 1946. Assim, cresceu também o número de cursos jurídicos no país, sem que, mais uma vez, houvesse altera-ções significativas na pedagogia utilizada, mantendo o modelo tradicional. Ao longo das décadas posteriores, algumas vozes se levantaram, porém, sem grande relevo. Já na década de 1960, a Lei 4.024/61 surge para regular a educação brasileira, sendo instituído, para os cursos superiores, o currículo mínimo. A ideia era que as instituições pudessem escolher os currículos de seus cursos, conforme as demandas de cada região, o que não obteve sucesso, uma vez que novamente o mercado foi responsável por ditar esse currículo mínimo (MARTINEZ, 2006), afastando a formação de demandas mais prementes da sociedade.

Com o Golpe Militar de 1964 e o regime autoritário que se seguiu, eram previsíveis as consequências para os cursos jurídicos. O ensino acrítico, enfo-cado no tecnicismo, é praticado nas universidades brasileiras, uma vez que é característica de regimes ditatoriais a castração do pensamento crítico, reflexivo

3. Disponível em: http://issuu.com/assessoriajuridicapopular/docs/1984_por_que_estudar_di-reito_hoje_lyra_filho. Acesso em: 21 ago. 2014.

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e dialético. A prioridade, agora, é a formação de profissionais para atender a manutenção da ordem e o pretenso avanço econômico. Como era de se esperar, o número de vagas nos cursos de Direito foi bastante elevado: em 1964, exis-tiam 142.388 matrículas, e em 1974, 897.200 (BITTAR, 2006, p. 110), apesar da estagnação pedagógica e metodológica dos cursos.

Após o obscuro período do Regime Militar, a redemocratização traria novos ares para toda a sociedade, para o Direito – principalmente com a Constituição de 1988 – e também para a educação jurídica. Em 30 de dezembro de 1994, a Portaria 1886/944 seria a mais importante alteração nos cursos de Direito desde sua criação. As disposições que mais chamaram atenção foram a inclusão de disciplinas como Sociologia, Economia, Filosofia Geral e Jurídica e Ciência Política como obrigatórias para o curso, o trabalho de conclusão de curso (mo-nografia), carga horária de atividades complementares e o estágio de prática jurídica, supervisionado pela faculdade. Pode-se dizer que os impactos dessa portaria foram positivos para a educação, uma vez que tratou o Direito (em tese, ao menos) em seu caráter interdisciplinar, ao exigir o cumprimento das disciplinas citadas acima. Além disso, a portaria procurou conjugar melhor teoria e prática, reconhecendo a complementaridade entre as duas facetas e buscando superar o dualismo que as envolvem.

Contudo, como ocorreu sempre ao longo de toda a história dos cursos jurídicos no Brasil, não houve qualquer alteração, ou simples abordagem, em relação às metodologias de ensino utilizadas nas faculdades brasileiras. Mais uma vez, marginalizou-se a questão metodológica e os cursos ficaram à mercê da pedagogia tradicional, pautada na transmissão e reprodução de conhecimentos.

Assim sendo, o enfrentamento desse importante fator, negligenciado durante toda a história do ensino em Direito, deveria ser feito através dos projetos pedagógicos dos cursos, já que foi completamente omitido pela Portaria 1886/94. Nesse sentido, o Parecer CES/CNE 0146/20025 (revogado pelo Parecer CNE/CES 67/2003)6, ao dispor sobre o projeto pedagógico dos cursos de ensino superior, faz considerações acerca de interdisciplinaridade, integração entre te-oria e prática, objetivos gerais do curso, entre outros. Porém, nada dispõe sobre metodologias de ensino – da mesma forma, assim continuam os novos pareceres –, o que leva à crença da irrelevância, na ótica do MEC, das metodologias de ensino, inclusive nos projetos pedagógicos.

4. Disponível em: http://www.ufpb.br/sods/consepe/resolu/1997/Portaria1886-MEC.htm. Acesso em: 21 ago. 2014.5. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0146.pdf. Acesso em: 24 ago. 2014.6. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0067.pdf. Acesso em: 24 ago. 2014.

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Ora, as salas de aula são, ainda hoje, o principal local de aprendizagem nas faculdades brasileiras. Os currículos, consequentemente, ganham aplicação prática sobretudo nesse ambiente, o que torna absolutamente incompreensível como permanece intocada a questão metodológica nas discussões sobre a edu-cação jurídica. O Direito é ensinado no Brasil praticamente da mesma forma desde a criação dos cursos de Olinda e São Paulo. O atraso do tema é eminente, bem como a necessidade de discuti-lo.

Em síntese, foi possível notar como se deu a caminhada histórica dos cursos de Direito no país. As mudanças ocorreram sempre de acordo com os contextos vividos, desde as elites do Brasil Império ao tecnicismo da Ditadura e à Constituição de 1988; a criação de mais vagas foi uma alternativa utilizada algumas vezes ao longo dos quase 200 anos de educação jurídica brasileira e a reforma curricular sempre foi remédio para as deficiências observadas durante todo esse tempo, embora pouco eficaz (MARTINEZ, 2006). Apesar disso, a pedagogia tradicional fixou residência, um verdadeiro lugar cativo no ensino do Direito, inviabilizando transformações mais profundas, limitando a criticidade, o aprendizado dialógico e, é claro, a autonomia do estudante. É imprescin-dível, portanto, repensar não só o currículo, mas também a maneira pela qual se pretende aplicá-lo em sala de aula.

3. a releVÂncIa da autonomIa: o eStudante como ProtaGonISta do ProceSSo de aPrendIZaGem

Como pôde ser observado na breve explanação sobre o caminhar da educação jurídica brasileira, em diversos contextos históricos ocorreram mudanças importantes de várias naturezas, tais como a massificação/democratização das faculdades de Direito, cujo acesso era restrito às elites sociais, e as intervenções nos currículos jurídicos, com as alterações da Portaria 1886/94 e o currículo mínimo da década de 1960, por exemplo. No entanto, como visto, as transfor-mações não ocorreram no sentido de buscar um ensino crítico do Direito, de caráter libertador, estimulando a autonomia de seus alunos. Não sendo de outro modo, não é de se espantar que nos dias de hoje se fale em crise da educação jurídica no Brasil.

É notório o descompasso entre as demandas atuais da sociedade e o Direito ensinado, como diagnostica Boaventura de Sousa Santos:

O principal desafio que se coloca neste contexto é que todo o sistema de justiça, incluindo o sistema de ensino e formação, não foi criado para responder a um

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novo tipo de sociedade e a um novo tipo de funções. O sistema foi criado, não para um processo de inovação, de ruptura, mas para um processo de continuida-de para fazer melhor o que sempre tinha feito. Estou convencido de que, para a concretização do projeto político-jurídico de refundação democrática da justiça, é necessário mudar completamente o ensino e a formação de todos os operadores de Direito. (2011, p. 54)

Um dos motivos de tal desacordo entre sociedade e Direito consiste, a meu ver, na forma pela qual as faculdades insistem em ensiná-lo. Isso envolve, sobretudo, as matrizes curriculares e, consequentemente, as metodologias de ensino, que dão vida ao currículo pensado. É possível dizer, atualmente, que ao longo da história não foram observados avanços relevantes nesses dois aspectos e, como já mencionado, os frutos de uma educação feita dessa maneira são, entre outros, a acriticidade, o baixo teor dialógico e o tecnicismo.

Apesar disso, quando fala-se em um Direito ensinado metodologicamente errado, deve-se ter em mente também qual é o Direito ensinado nos dias de hoje. Por isso, vale fazer um parênteses para explicar que tecnicismo é esse, que deve ser evitado, e que criticidade e Direito dialógico são esses almejados. Em relação ao primeiro ponto, Aloysio Ferraz Pereira sintetiza bem o Direito a ser evitado nas faculdades, citando também Machado de Assis, na obra Dom Casmurro, cap. XVII:

Contentar-se com ser técnico em Direito significa limitar-se ao empírico utilitário, renunciar à racionalidade científica e à lúcida compreensão do Direito em seu contexto existencial e ontológico. Esta compreensão revela-se indispensável ao próprio exercício das profissões jurídicas. Limitar-se à técnica jurídica seria resignar-se a agir e trabalhar como disse fazê-lo aquele inseto que Machado de Assis imaginou interpelar: “Meu senhor, respondeu-me um longo verme gordo, nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos: nós roemos”. (1996, p. 10)

O técnico em Direito, portanto, mostra-se incapaz de lidar com a dina-micidade dos problemas existentes na sociedade, sendo um dos responsáveis pelo descompasso entre o Direito e a vida social, considerada em todas as suas nuances. Desse modo, é importante delimitar qual é o saber jurídico desejado, tendo em vista sua dimensão crítica:

Em síntese, o conhecimento jurídico, no que concerne à sua objetividade, ocorre em três estratos teóricos: o dogmático, o zetético e o crítico. O primeiro é uma teoria descritiva da norma, o segundo, uma teoria descritiva dos conhecimentos sociais e ideológicos normados e o terceiro, uma teoria construtiva e prospectiva

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do direito como instrumento de transformação social. Nessa dimensão crítica, o método de que se vale o conhecimento jurídico é a dialética da participação, e os instrumentos basilares que possibilitam o pleno acesso ao objeto são as carac-terísticas críticas. Por pleno acesso, entende-se um conhecimento consciente do objeto em sua dialeticidade imanente, isto é, em seu imanente dinamismo como totalidade e movimento, de sorte que a participação do sujeito, o jurista, envolve não somente o conhecimento em si do objeto como a consciente atuação do sujeito em sua construção, reconstrução e transformação. Em suma, o jurista situado na dimensão crítica é ao mesmo tempo um político consciente, que, conhecedor das mazelas e do grau de manipulação a que estão sujeitas as leis e os próprios valores que as informam, em favor dos privilegiados da sociedade e contra os reais inte-resses do povo, luta contra o status quo, também denominado establishment, e faz de seu lugar profissional uma trincheira nessa batalha ingente contra as injustiças sociais. (COELHO, 2003, p. 188-189, grifo do autor)

O conhecimento jurídico é entendido aqui em suas facetas dogmática, zetética e crítica, buscando distanciar-se do puro tecnicismo, que priva o sujeito da compreensão do Direito em todo seu dinamismo social. Não há como al-cançar uma formação reflexiva, com o desenvolvimento da capacidade crítica, sem estudantes autônomos, aptos a perceberem as demandas da sociedade e os campos nos quais mais se necessita da atuação do jurista, sempre tendo a igualdade como um dos pontos almejados pelo Direito.

Assim sendo, a autonomia é fator de extrema relevância na formação do jurista, posto que significa possuir independência em relação àquilo que está colocado no mundo, o que, sem dúvida, é requisito fundamental para a crí-tica, “pois somente ela divisa o errado no aparentemente certo, o injusto no aparentemente justo”. Ademais, em vez de construir autonomia, as faculdades de Direito no Brasil produzem apatia, conformismo, enclausuramento de ideias (sobretudo da noção de libertação) e desestimulam constantemente a dúvida (BITTAR, 2006, p. 28-29). Não obstante esse preocupante quadro, ao analisar o histórico da educação jurídica brasileira, desde o século XIX, nota-se que muito pouco foi feito para priorizar a formação autônoma. O principal sintoma de tal estagnação consiste na metodologia de ensino retrógrada, fundada na mera transmissão e reprodução de conhecimento/informação.

Não é difícil fazer esse diagnóstico. Basta frequentar algumas salas de aula dos cursos de Direito para perceber que a estrutura de aula se mantém: o professor, detentor do saber, transmite a seus alunos, ignorantes, parte do conhecimento que possui. Como forma de avaliar se o estudante teve sucesso durante o semestre, o professor pede que ele reproduza aquilo que recebeu. É

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importante lembrar que essa análise não pretende ser universal e aplicável a todo o ensino jurídico brasileiro, mas, certamente, é uma realidade bastante comum a todo o país.

As salas de aula das faculdades de Direito têm sido, portanto, lugar de reprodução irrefletida de conteúdos e de preconceitos, sob a falsa ideia de que o professor é a autoridade que pronuncia a verdade. Evidentemente, nada há de estímulo à autonomia em uma estrutura tão hierarquicamente rígida e que coloca o papel do estudante em segundo plano. Um aluno com função tão passiva no processo de aprendizagem dificilmente poderá tornar-se um sujeito capaz de promover mudanças na sociedade.

Essa pedagogia tradicional, utilizada há tanto tempo nas instituições de ensino brasileiras, pode ser entendida como a “educação bancária”, na qual o aluno é “depósito” das informações passadas pelo professor. Tal teoria, desenvolvida por Paulo Freire, é de extrema importância para que se tenha consciência de como nos encontramos, generalizadamente, em um estágio pri-mitivo da educação:

A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão. Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante. [...] Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comu-nicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. [...] No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta destorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também. [...] Não é de estranhar, pois, que nesta visão “ bancária” da educação, os homens sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos. (FREIRE, 1987, p. 33-34)

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Essa concepção de ensino está em pleno acordo com a ideia de jurista em seu tecnicismo, e é oposta à noção de postura crítica em relação ao Direito, acima citada. Quando Freire fala que, na visão “bancária”, os homens são percebidos enquanto “seres da adaptação, do ajustamento”, nota-se que essa percepção valoriza a domesticação do homem. E, pior, esse papel nefasto da educação muitas vezes passa despercebido por alunos e professores, uma vez que ainda é dominante a ideia de que a academia é o sagrado local do “saber”, sendo pouco questionado em que condições o conhecimento é construído ou, na maior parte dos casos, reproduzido.

Em relação ao “memorizar e repetir”, uma imagem que facilita a compreensão do teor “bancário” do ensino jurídico é a do download, em que o aluno deverá ser devidamente formatado para receber a informação – de modo a capacitá-lo para que compreenda a linguagem na qual os dados estão escritos – e posteriormente reproduzir aquilo que lhe foi passado (GHIRARDI, 2012, p. 33). É imprescindível lembrar: o aluno precisa ser dócil frente a essa formatação para ser considerado bom, sendo necessário adequar-se, ser passivo.

Essa forma de pedagogia, como visto, está diretamente vinculada a um con-ceito de Direito, o que nos leva a crer que seja uma escolha ideológica e política de alunos, professores e todos aqueles que compõem a estrutura educacional, mesmo que de maneira inconsciente. Apesar disso, não é raro observar do-centes cujo engajamento político está muito mais alinhado à noção crítica do Direito que ao tecnicismo e, mesmo assim, reproduzem o ensino “bancário”, o que leva a notar um dos mais importantes problemas nas faculdades de Direito: a falta – ou inexistência – de preparo pedagógico por parte dos professores.

Assim, o professor de Direito possui grande dificuldade de reconhecer-se enquanto educador (VENTURA, 2000, p. 9-27), de modo que a metodologia utilizada serve para reafirmar a ideia do docente como detentor do saber e do aluno como ignorante, à espera do conhecimento. É extremamente comum nos depararmos com professores que exercem outras carreiras e marginalizam a função de magistério, o que culmina em aulas feitas sem preparo prévio, em prejuízo à comunidade acadêmica.

Além disso, em geral, os professores são selecionados pelas instituições tendo em vista sua capacidade “didática”. Contudo “a aferição dessa ‘didática’ atine ao ‘falar bem’, ao ‘comunicar’, e não às competências pedagógicas do in-divíduo, pois comunicar não é necessariamente transmitir, e ainda que fosse, transmitir não é necessariamente ensinar” (VENTURA, 2000, p. 12). Dessa forma, depreende-se que a própria noção de educação e de ensinar, nas univer-sidades, está calcada nos pressupostos do “bancário”, uma vez que valoriza-se

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a mera retórica, mesmo que desprovida de estímulos à autonomia estudantil e à construção crítica do conhecimento.

As salas de aula são, ainda hoje, o mais tradicional espaço de aprendizagem nas instituições de ensino superior e, por isso, deveria ser o ambiente sobre o qual incide o maior cuidado em relação aos métodos pedagógicos. Nesse sentido, a aula expositiva é a principal metodologia utilizada nas salas. Para se ter ideia, em pesquisa7 realizada na Faculdade de Direito da UFMG, entre 550 alunos que responderam à questão “Indique o nível de contato que teve com cada método listado: a) Aula expositiva: amplo / restrito / nenhum”, 94,9% responderam que consideram tal contato como sendo amplo. Portanto, se faz necessário repensar as diversas maneiras de se realizar uma aula expositiva, de modo a melhor aproveitá-la, sem que seja necessário colocá-la como grande vilã da educação jurídica, uma vez que o método expositivo também cumpre papel importante, quando feito corretamente. De toda sorte, é urgente que o professor de Direito reconheça-se como educador, a fim de entender melhor sua função no processo de aprendizagem e estimular a autonomia do estudante, colaborando para que ele seja o verdadeiro protagonista na construção de seu conhecimento.

Isso posto, é preciso que os projetos pedagógicos dos cursos de Direito façam jus ao nome que recebem e passem a apresentar diretrizes no que tange à pedagogia a ser utilizada no curso, preferencialmente se optarem por fazer um distanciamento do tecnicismo. No entanto, é importante que cada institui-ção faça as discussões cabíveis em cada caso, de acordo com as demandas de sua localidade. Acredito, então, que seja interessante ter por marco a noção de autonomia, pensamento crítico, reflexivo, dialógico, etc., pois assim o Direito poderá vir a ser um instrumento de transformação. Portanto, é impensável que o projeto pedagógico não reconheça o atual – e histórico – status “bancário” da educação jurídica e busque afastar-se disso, orientando os docentes a serem facilitadores do processo de aprendizagem, deixando o protagonismo para o estudante, de acordo com suas maiores aptidões e pré-disposições, favorecendo, assim, sua autonomia.

7. A pesquisa foi feita pelo grupo “Novas Perspectivas para a Educação Jurídica”, no segundo semestre de 2013, sob coordenação do prof. Aziz Tuffi Saliba e contou com seis pesquisadores bolsistas. Os resultados da pesquisa foram publicados no livro Novas Perspectivas para a Educação Jurídica. Belo Horizonte: Ed. D’Plácido, 2014.

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4. reFleXÕeS Sobre currículo e ProJeto PedaGÓGIco de curSo

Ao analisar todo o histórico da educação jurídica no Brasil, nota-se que muito pouco foi feito no sentido de buscar níveis satisfatórios de criticidade, diálogo e, principalmente, autonomia estudantil nas universidades brasileiras. O método “bancário” permanece presente nos cursos de Direito espalhados pelo país, reproduzindo seu caráter tecnicista e se colocando como obstáculo à educação com potencial transformador. Nas faculdades, tais deficiências encontram eco nas mais relevantes manifestações institucionais acerca do ensino, por parte das IES: a grade (ou matriz) curricular e o projeto pedagógico de curso (PPC).

Como se sabe, o mais tradicional espaço de aprendizagem, atualmente, ainda é a sala de aula. Assim, esse é o ambiente no qual coloca-se em prática o currículo pensado, onde as disciplinas são ministradas e são dadas as orien-tações aos alunos acerca da matéria em questão. O projeto pedagógico, por sua vez, tem sua definição aqui compreendida como o documento que mostra a identidade da Faculdade para o público, semelhante ao disposto no parecer CNE/CES 0055/20048:

As instituições de ensino superior deverão, na elaboração do projeto pedagógico do curso de graduação em Direito, definir, com clareza, os elementos que lastreiam a própria concepção do curso, com suas peculiaridades e contextualização, o seu currículo pleno e sua adequada operacionalização e coerente sistemática de avaliação, destacando-se os seguintes elementos estruturais, sem prejuízo de outros:

I. concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções institucional, política, geográfica e social;

II. condições objetivas de oferta e a vocação do curso, incluindo adequada e atu-alizada biblioteca;

III. cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;

IV. formas de realização da interdisciplinaridade;

V. modos de integração entre teoria e prática;

VI. formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;

8. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2004/ces0055_2004.pdf. Acesso em: 07 set. 2014.

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VII. modos da integração entre graduação e pós-graduação, lato sensu e stricto sensu quando houver;

VIII. concentrações, habilitações ou ênfases e núcleo de especialização temática, integrada e/ou subsequente à graduação, a critério da instituição, de acordo com o surgimento de novos ramos jurídicos, e modalidades de aperfeiçoamento e atualização, de acordo com as efetivas demandas do desempenho profissional;

IX. atividades de pesquisa e extensão, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica e a inserção profissional;

X. regulamentação das atividades relacionadas com trabalho de curso ou trabalho de graduação, de acordo com a opção das instituições de ensino, sob diferentes modalidades;

XI. concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisio-nado, suas diferentes formas, ambiente e condições de realização, observado o respectivo regulamento, bem como a implantação, estrutura e funcionamento do Núcleo de Prática Jurídica; e

XII. concepção e modalidades das atividades complementares.

Tanto o currículo quanto o projeto pedagógico, ao serem praticados nas salas de aula, sofrem com a falta de método e com a má utilização deles. Esse fato muito surpreende, pois é de se estranhar que o projeto pedagógico de várias faculdades brasileiras, inclusive conforme parecer do Ministério da Educação acima citado, não versem sobre metodologias de ensino. Existem pontos interessantes na ideia de projeto pedagógico colocada pelo parecer 0055/2004, como a interdisciplinaridade, os objetivos gerais do curso, modos de integração entre teoria e prática, entre outros. Contudo, em momento algum fala-se, nesse e em tantos outros pareceres9, sobre a melhor forma de aplicação de todos os elementos presentes no PPC e de todas as disciplinas presentes na matriz do curso.

9. Além dos pareceres já citados ao longo do artigo, é possível verificar a referida deficiência no que tange ao projeto pedagógico em vários outros documentos do MEC, tais como os pareceres CNE/CES 108/2003, CNE/CEB 8/2004, CNE/CES 329/2004.

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Um tímido e quase imperceptível movimento feito em direção às metodo-logias de ensino é observado no Parecer CNE/CES 9/200410, em seu artigo 9º, parágrafo único, que afirma: “Os planos de ensino, a serem fornecidos aos alunos antes do período do início de cada período letivo, deverão conter, além dos conteúdos e das atividades, a metodologia do processo de ensino- aprendizagem [...]”. Porém, é possível considerar que não se trata de uma iniciativa dotada de alguma relevância para o debate sobre as metodologias de ensino e que, portanto, essa discussão encontra-se negligenciada desde a criação dos cursos de Direito no Brasil, contribuindo para a manutenção do método “bancário”.

Sem dúvida, a crise do Direito tem como uma importante causa a ausência do debate metodológico, que gerou e tem gerado, ao longo da história, juris-tas de baixa capacidade crítica e reflexiva. Dessa forma, penso que o projeto pedagógico seria o lugar ideal para se (re)afirmar a necessidade de que os professores de Direito se reconheçam enquanto educadores, como explicado pela autora Deisy Ventura, e de que cada instituição, após seu próprio processo de discussão, paute a maneira pela qual entende que o Direito deve ser ensinado. Melhor será, como já exposto aqui, se as metodologias forem voltadas para a construção da autonomia do estudante, sempre tendo em mente o poder de transformação do Direito.

Outrossim, em relação aos currículos, é extremamente comum observar matrizes constituídas em alto nível de rigidez, ou seja, com elevado núme-ro de carga obrigatória. Isso significa que o aluno não tem a possibilidade de escolher para si o perfil de jurista que mais se adequada ao seu modo de ser, às suas aptidões, à sua vocação, à sua liberdade e espontaneidade, o que caminha em sentido contrário à autonomia dos estudantes, algo que apa-rentemente configura uma falta de zelo das instituições de ensino em relação a fatores tão importantes à formação de um profissional e ao percurso de um aluno. Assim, pode-se dizer que “apegar-se ou impor um só perfil de jurista na universidade seria dirigismo totalitário, como ao tempo de Stálin e de Hitler” (PEREIRA, 1996, p. 13), de modo que é imposta ao aluno, desde seu ingresso no curso, uma matriz curricular com as disciplinas que a instituição definiu como sendo importantes para a formação.

Nem é necessário dizer que essa escolha por parte das IES é notoriamente política e ideológica. Mesmo que o aluno não se encaixe no perfil imposto pela faculdade, há pouco espaço para que ele faça um percurso de acordo com suas

10. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces09_04.pdf. Acesso em: 08 set. 2014.

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próprias características. Por isso, é necessário repensar as matrizes curriculares, sobretudo em relação à carga horária de disciplinas obrigatórias, para que o estudante seja capaz de direcionar sua própria formação e melhor aproveitar o curso. Evidentemente, a definição daquilo que deve ser considerado obri-gatório pelas IES precisa ser discutida levando em conta as peculiaridades e as demandas da região na qual a faculdade está inserida, a fim de que o egresso seja capaz de lidar com a realidade que o cerca.

A título de exemplificação, cabe aqui fazer uma breve análise de alguns currículos do curso de Direito da UFMG11 ao longo das últimas décadas. Em 1979, o curso era realizado com início no chamado Ciclo Básico, com carga horária de 285 horas/aula e, até o 8º período, o aluno cursava as disciplinas do Currículo Mínimo e as complementares obrigatórias, o que totalizava em 2385 horas/aula. A partir de então, ao alcançar o 9º período, “o aluno poderá fazer opção pelo campo A, ou B, ou C; feita a opção, as disciplinas da área escolhida passam a ser obrigatórias”, conforme descrito no programa do curso. Percebe-se, então, que até mesmo esse parco momento de escolha, de exercício da autonomia, era previamente determinado pela instituição, de modo a não possibilitar ao estudante que fosse sujeito ativo em sua formação.

No ano de 1989, uma nova versão curricular foi pensada. Nesse currículo, permanece o Ciclo Básico com 285 horas/aula, inclusive com as mesmas disciplinas ofertadas. Até o 9º período, a matriz era composta por disciplinas obrigatórias, totalizando a carga horária de 2670 h/a. E, neste penúltimo período do curso, o aluno deveria escolher uma das Opções Complementares para estudar, em um universo de três disciplinas. Já no 10º período, o aluno deparava-se com mais quatro disciplinas obrigatórias (195 h/a) e mais quatro créditos (ou 60 h/a) de matérias opcionais, entre seis disciplinas possíveis. Assim, é possível concluir que, na melhor das hipóteses, apenas 120 horas/aula não eram obrigatórias para o aluno de Direito da UFMG.

A versão de 1996/1 (com alteração de 1998/2), já com as mudanças im-postas pela portaria 1886/94, fez com que o programa do curso se tornasse mais completo, com maiores especificações acerca das atividades complementares, estágio e projeto de monografia. Contudo, apesar dessas importantes altera-ções, nota-se que até o 8º período do curso as disciplinas obrigatórias totalizavam 2445 h/a, sendo que somente n o s dois últimos períodos havia espaço para o aluno escolher algumas disciplinas ao mesmo tempo em que cumpre 420 h/a

11. Os currículos de Direito da UFMG foram obtidos mediante solicitação no Colegiado de Graduação do curso. As versões disponíveis para consulta são dos anos de 1979, 1989, 1996 (com alteração de 1998), 2003 e 2008.

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obrigatórias. Além disso, dentro do leque de escolhas, percebe-se que houve um aumento significativo de oferta, com 48 disciplinas, o que representou um grande avanço em relação aos currículos anteriores. Porém, ainda assim, foi destinada pouca carga optativa para os estudantes, algo em torno de 360 h/a.

Em 2003, foi possível observar um avanço no que tange ao projeto pedagógico do curso, com explanações acerca da característica do curso, breve histórico da Faculdade e uma explicação sobre o currículo. Como perfil do egresso, dispõe o PPC: “o bacharel com possibilidade de visão crítica em face dos problemas sociais e dos fundamentos da ordem jurídica, coexistindo com a formação técnica e científica para atuar nas diversas áreas de trabalho do profissional jurídico”. Não cabe aqui discutir se a Faculdade foi capaz de formar profissionais com o perfil acima descrito, pois isso envolveria um outro tipo de pesquisa sobre o assunto. Apesar do avanço demonstrado pelo PPC, a carga obrigatória total do curso era de 2790 h/a e apenas 22 créditos optativos (330 h/a), além, é claro, do estágio supervisionado. Nessa versão, estavam disponíveis 54 disciplinas optativas, de acordo com o programa do curso, o que representa a maior oferta já observada até então.

Por fim, a última e atual versão de projeto pedagógico, de 200812, não pode ser considerada inovadora ou flexível. O curso é constituído por 2880 h/a de disciplinas obrigatórias e apenas 320 h/a de optativas, com uma carga horária também composta por atividades complementares de graduação (ACG), es-tágio e trabalho de conclusão de curso. São ofertadas, segundo o PPC, 88 disciplinas optativas aos estudantes de Direito. Há, além disso, a possibilidade de se fazer a formação complementar, o que viabiliza uma maior flexibilização para o já muito rígido currículo atual.

É importante lembrar que essas análises sobre os currículos não preten-dem ser profundas e, por isso, não nego que vários problemas estruturais da Faculdade de Direito da UFMG podem tornar inviável, por exemplo, a disponibilidade real das disciplinas optativas colocadas no PPC. Ademais, a flexibilização curricular não é colocada como a grande solução para os pro-blemas do ensino jurídico, mas certamente constitui um dos mais importantes fatores de estímulo à autonomia do estudante. Destarte, o breve olhar para as matrizes de 1979 até os dias de hoje já mostra como pouco avançamos nesse quesito, o que impossibilita o protagonismo do aluno na sua própria formação e remete à ideia do “dirigismo totalitário” observado por Aloysio Ferraz Pereira. Outro importante ponto que merece destaque é a marginalização que as

12. Disponível em: https://www2.ufmg.br/direito/direito/Home/O-Colegiado/Projeto-Pedagogico. Acesso em: 09 set. 2014.

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metodologias de ensino recebem pelos projetos pedagógicos, seja pelo parecer do MEC que tenta delimitar o desejável em um PPC, seja pelas universida-des brasileiras, afastadas de tal debate. Por isso, mais importante que buscar a criticidade, o diálogo e a autonomia na formação dos profissionais é inserir as faculdades de Direito na discussão sobre ensino, de modo a aproximá-las da realidade e torná-las instrumentos de transformação.

5. concluSão

Por todo o exposto ao longo do texto, percebe-se que toda a história do ensino jurídico brasileiro foi marcada por poucas mudanças no que diz respeito às metodologias de ensino e às matrizes curriculares, ao menos no sentido de objetivar a autonomia e a criticidade do jurista. Vimos também que a educação mais voltada ao tecnicismo possui forte fundamento político- ideológico, contextualizável de acordo com as demandas da sociedade, de forma a não colocar como prioridade o potencial transformador do Direito.

Os currículos dos cursos de Direito, ao longo do tempo, sofreram várias mudanças justificadas, majoritariamente, nas demandas de mercado de cada época e lugar. No entanto, não se observou um movimento em direção à flexibilidade curricular, com o intuito de possibilitar ao estudante uma for-mação mais autônoma e adequada às suas aptidões. Já os projetos pedagógicos de curso, apesar de terem grande importância em vários aspectos – definir perfil do egresso e objetivos gerais do curso, por exemplo –, jamais foram capazes de refletir acerca das metodologias de ensino, a fim de almejar uma melhor apli-cação do currículo. Por esse motivo, muitas faculdades de Direito, e até mesmo seu próprio corpo docente, não identificam suas funções enquanto educadores, reforçando um viés domesticador e pouco crítico ou reflexivo. Evidentemente, uma educação assim gera sérias consequências, entre elas, a enorme dificuldade dos profissionais do Direito atuarem para a transformação da realidade, para a quebra do status quo.

Como exemplo de cursos jurídicos com as deficiências acima descritas, foi demonstrado um breve histórico de currículos da Faculdade de Direito da UFMG. Foi possível perceber a quase inexistência de flexibilização curricular, com um excesso de disciplinas obrigatórias, o que retira do estudante a possi-bilidade de exercício da autonomia. Certamente, apenas a flexibilização não é capaz de solucionar os problemas da educação jurídica, mesmo em relação à criticidade e autonomia. Porém, não há dúvidas de que representa um passo necessário para as faculdades de Direito.

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É sabido, também, que as análises aqui realizadas não pretendem possuir um caráter universal aplicável a toda educação jurídica brasileira, mas trata-se de uma realidade comum a várias instituições e, de qualquer forma, pode contribuir para as discussões e melhorias dos cursos de Direito. Finalmente, por todos os motivos expostos, acredito que a flexibilização curricular e a adoção de metodologias de ensino que se distanciem da “educação bancária” (metodologias essas que carecem de tomar forma em projetos pedagógicos apri-morados) são medidas de extrema necessidade para a melhoria da educação jurídica. Assim será possível esperar que o Direito e o jurista se aproximem da realidade, tendo sobre ela um olhar crítico e autônomo, ávido por transfor-mações sociais, e que sejam capazes de representar uma evolução histórica, um avanço em relação à educação jurídica de séculos anteriores.

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