Upload
others
View
3
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
ILUSTRÍSSIMO SENHOR DIRETOR-GERAL DA
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE
Quid non mortalia pectora cogis
Auri sacra fames?1
Qualificação
I. FATOS
a. Da Emergência de Saúde Pública de
Importância Internacional COVID-19 e suas
prevenções: os discursos do Dr. David Nabarro
1 VIRGÍLIO (Publio Vergilius Maro). Eneida. L. III,
vv. 56-57. Edição bilíngue. Tradução Carlos Alberto
Nunes – São Paulo: Editora 34, 2016, 2ª edição.
Traduzimos: A que extremos não levas os homens, ó
fome execrável do ouro?
1. Foi declarado, pela Organização Mundial
de Saúde, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da
doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-
2), denominada COVID-19, constitui uma
Emergência de Saúde Pública de Importância
Internacional.
2. Tal nível de alerta constitui o mais alto
nível de alerta da Organização Mundial de Saúde.
Segundo o Regulamento Sanitário Internacional
(RSI)2, temos esse alerta definido como um evento
extraordinário que constitui um risco de saúde
pública a outros estados pela propagação
internacional da doença e que potencialmente
requer uma resposta internacional coordenada.
3. Em razão disso, a Organização Mundial
da Saúde recomendou, através de seus capacitados
dirigentes, um procedimento denominado
quarentena, o que se define como restrição de
atividades e/ou separação dos demais de pessoas
suspeitas que não estejam doentes ou de bagagens
2 Todas as referências ao Regulamento Sanitário Internacional podem ser consultadas em
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/246107/9789241580496-
eng.pdf;jsessionid=F8A85C7C4A60104CDB2927B5C26CBE6A?sequence=1 , consultado em 30 de
março de 2020).
suspeitas, contêineres, entre outros bens, de
maneira tal a prevenir a possibilidade de
espalhamento de infecções ou contaminações.
4. Através de tais medidas, defende-se o
isolamento social da maioria da população,
mantendo-se em atividade, sem aglomerações
populacionais, os serviços essenciais – saúde,
segurança pública e privada, aqueles atinentes ao
transporte público e privado e comércio de alimentos
e bens indispensáveis à manutenção da qualidade
de vida.
5. Na República Federativa do Brasil, o
Ministério da Saúde, órgão do Governo Federal
responsável pela manutenção da saúde pública no
país, foi lançada campanha de prevenção à doença
causada pelo SARS-CoV-2. A campanha tem um
sítio eletrônico3 disponível na rede mundial de
computadores.
6. As principais recomendações são aquelas
mais básicas:
3 Disponível em https://coronavirus.saude.gov.br/ acessado em 30 de março de 2020.
Extraído de https://coronavirus.saude.gov.br/ em 30
de março de 2020
7. A campanha segue descrevendo os
principais modos de transmissão da doença, ou seja,
alguns coronavírus podem ser transmitidos de
pessoa para pessoa, geralmente após contato
próximo com um paciente infectado, por exemplo,
em casa, no local de trabalho ou em um centro de
saúde. O vírus causador da COVID-19 pode se
propagar de pessoa para pessoa por meio de
gotículas do nariz ou da boca que se espalham
quando uma pessoa com COVID-19 tosse ou
espirra. A maioria dessas gotículas cai em
superfícies e objetos próximos – como mesas ou
telefones. As pessoas também podem pegar
COVID-19 se respirarem gotículas de uma pessoa
com COVID-19 que tosse ou espirra. É por isso que
é importante ficar a mais de 1 metro (3 pés) de uma
pessoa doente.
8. O acompanhamento diário da evolução da
pandemia pode ser feito pelo estudo de diversas
instituições confiáveis. As principais recomendações
para consulta são aquelas feitas pelo Imperial
College of London4, em especial o monitoramento
feito pela John Hopkins University. Hoje, dia
01/04/2020, tem-se o total de 46.413 mortes por
COVID-19 e 193.031 recuperações.
9. A Organização Mundial da Saúde, por
meio de seu Ilustre Diretor, o Dr. Tedros Adhanom
Ghebreyesus, indicou o Dr. David Nabarro, titular da
Cadeira de Saúde Global do Imperial College, como
agente diplomático ou mensageiro acreditado pela
Organização para prover aconselhamento
estratégico e advocacia política de alto nível e de
alto engajamento nas diferentes partes do mundo
com vistas a coordenar uma resposta global à
epidemia.
4 Destacam-se os seguintes sítios eletrônicos para monitoramento do número de casos, diretrizes e outros
assuntos de interesse: https://coronavirus.jhu.edu/map.html
10. O Dr. David Nabarro oferece à
comunidade internacional diversas mensagens
(narratives) para instruir e formar opiniões em
relação à pandemia de COVID-19. A nomeação e
seu primeiro discurso ocorreram dia 26 de fevereiro
de 2020.
11. Até hoje, dia 01 de abril de 2020, foram
proferidos doze discursos ou narratives pelo Dr.
David. As recomendações mais importantes serão
aqui expostas.
12. Em 26 de fevereiro5 o Dr. David
recomendou que as pessoas infectadas sejam
imediatamente isoladas do convívio social e tratadas
em seus sintomas para reduzir a intensidade do
surto da doença e do sofrimento associado – porque
o vírus tem um potencial de contágio muito alto.
Uma vez que o surto comece, segundo o Dr. David,
ele pode dobrar o número de casos a cada 3 ou 5
dias – o que gera pânico social e hospitais lotados
em pouco tempo. Inicialmente, a quarentena era
encorajada apenas para os infectados e as pessoas
5 Disponível em https://www.4sd.info/wp-content/uploads/200226-Nabarro-COVID-19-Narrative-one.pdf
- acesso em 01/04/2020.
de convivência próxima desses infectados em razão
da possibilidade de contágio rápido.
13. Em 03 de março de 2020, o Dr. David,
após o notável surto da doença, propôs a
implementação daquilo que chamou de
Gerenciamento Integrado da crise. Esse
gerenciamento compunha-se de quatro requisitos: a)
engajamento da população com foco em higiene
pessoal e distanciamento social; b) organização dos
serviços públicos de saúde – detecção dos casos da
doença, isolamento confortável, monitoramento; c)
planejar a provisão de cuidados médicos para
grande quantidade de pessoas; d) prevenir rupturas
sociais, promovendo o adequado abastecimento dos
serviços sociais por meio de planejamento de
contingência.
14. Com o agravamento das provocações dos
cientistas da ciência econômica, o terceiro
pronunciamento do dr. David Nabarro recebeu um
título interessante: Os Negócios são jogadores,
não espectadores. Objetivou o Dr. David
conscientizar as pessoas no sentido de que o
comércio e os negócios devem se reinventar no
sentido de auxiliar a conter a epidemia e manter
serviços à população e empregos. O estímulo é à
solidariedade, não às demissões em massa como
forma de pressionar os governos à suspensão das
recomendações e causar severas baixas na
população mundial.
15. Em 14 de março de 2020, novo
pronunciamento do Dr. David pela Organização
descreveu a epidemia de COVID-19 como uma
pandemia por espalhar-se de modo rápido e
alarmante, ameaçando pessoas em todo o globo
com superlotação e paralisação dos sistemas de
saúde e conclamando os governos a serem
robustos e rigorosos na resposta aos surtos. A
declaração é de clareza hialina:
A Organização Mundial da
Saúde crê que as ações que todos
tomamos agora podem limitar sua
escala e impacto [da pandemia] e
imagina por que tantos líderes
aproximam-se delas de forma
tímida e casual. Será por que a
doença é tão nova, de mudança
rápida e inesperada? Estão os
governos divididos entre focar em
questões de cunho econômico-
social e fazer o que é correto para
a saúde da população? Eles
estariam achando dificultoso
porque é uma questão de caráter
multiterritorial e está sendo tomada
numa perspectiva nacional? Eles
estarão preocupados com a
repercussão que suas escolhas
terão no jogo político e nas suas
chances de reeleição?
A declaração de pandemia
assinala que todos estamos em um
esforço épico pela saúde de todos.
O contexto muda rapidamente.
Mas deixe-nos ser claros: meias
medidas são mais perigosas que
medida nenhuma. Elas criam a
ilusão de ação quando as portas
são deixadas abertas para o vírus
fazer seus estragos. As ações
precisam ser audazes e
responsáveis AGORA, não daqui a
alguns dias ou semanas6.
16. A meta do quarto discurso do Dr. David
era conclamar e fazer surgir lideranças ambiciosas,
audaciosas, responsáveis e autênticas em todos os
lugares.
17. Ainda que tais recomendações estejam
sendo feitas pela OMS, Conselhos Profissionais de
6 Disponível em https://www.4sd.info/wp-content/uploads/200314-David-Nabarro-Narrative-4.pdf -
acesso em 01/04/2020.
Medicina e Enfermagem, além dos profissionais
individualmente considerados, todos com o auxílio
da imprensa nacional e internacional e postas em
prática pela maioria dos governos, ocorreu uma
campanha absolutamente reprovável e irresponsável
por parte do Poder Executivo da República
Federativa do Brasil, capitaneado pelo Presidente
Jair Messias Bolsonaro.
b. A Campanha – O Brasil não pode parar
18. Considera-se que a principal corrente
divergente das recomendações da Organização
Mundial da Saúde e da Comunidade Médico-
científica iniciou-se com as declarações do sr.
Lawrence Alan Kudlow, Diretor do Conselho
Econômico Nacional da Casa Branca, para a rede
de imprensa CNBC7.
19. Na mencionada entrevista, o sr. Kudlow
comunicou que enquanto a epidemia da doença
7 Disponível em https://www.cnbc.com/2020/02/25/larry-kudlow-says-us-has-contained-the-coronavirus-
and-the-economy-is-holding-up-nicely.html
causada pelo SARS-CoV-2 seria uma tragédia
humana, seus resultados jamais se comparariam
com uma tragédia econômica.
20. Como esperado, tais declarações
repercutiram em diversos escalões dos governos
mundiais. Nos Estados Unidos da América, houve
pública recomendação do presidente Donald Trump
para que as atividades de isolamento se
abrandassem até a retomada integral do
funcionamento econômico daquele país.
21. O mesmo ocorreu na República
Federativa do Brasil. Por meio da SECOM –
Secretaria Especial de Comunicação Social da
Presidência da República – o presidente em
exercício, o sr. Jair Messias Bolsonaro deu tons de
oficialidade a um pronunciamento ocorrido na terça-
feira, dia 24 de março de 2020.
22. Nesse pronunciamento8, que dura cerca
de quatro minutos, o presidente em exercício
qualificou as medidas iniciais advindas da histeria,
pânico – tudo isso seria um subproduto da
exploração midiática do grande número de mortos
8 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Vl_DYb-XaAE – acesso em 01/04/2020.
na Itália. Fundamentado nisso, o presidente em
exercício afirmou que os empregos e o sustento das
famílias devem ser preservados: devemos sim voltar
à normalidade, afirma.
23. Qualifica as medidas dos governos das
unidades federadas como estratégia de terra
arrasada, medidas essas como a proibição de
transportes, fechamento de escolas e comércio e o
confinamento em massa.
24. Raciocina o presidente que, considerando
que o grupo de risco, ou seja, aqueles mais
suscetíveis a uma evolução para óbito da doença,
são aqueles acima de 60 (sessenta) anos, não faria
sentido ordenar o fechamento de escolas. Sabendo
que a maioria dos casos das pessoas abaixo de tal
faixa etária seria assintomática ou apresentaria
sintomas leves da manifestação da doença, o
correto seria adotar medidas de extrema precaução
em evitar o contágio entre desconhecidos,
conhecidos e familiares.
25. De modo leviano, considera que uma vez
infectado, por ter um histórico de boa atividade
física, seus sintomas seriam como aqueles de uma
leve gripe ou de um resfriado comum. Segue
afirmando confiança no tratamento da COVID-19
com cloroquina.
26. Tal pronunciamento gerou, socialmente,
como é evidente, diversas manifestações críticas de
repúdio, mas também de apoio. Interessa aqui não o
repúdio, mas aquelas de apoio, uma vez que o
resultado delas implica a desconsideração ou
afrouxamento das medidas de quarentena.
27. As manifestações de apoio prático
repercutiram em ações de abertura de comércios e,
consequentemente, de convocação de trabalhadores
que poderiam permanecer unidos no combate à
velocidade de contágio se respeitassem a
quarentena.
28. As manifestações de apoio técnico, por
sua vez, traduziram-se em campanhas promovidas
pelo Governo Federal da República Federativa do
Brasil, por meio da SECOM – Secretaria Especial de
Comunicação Social da República Federativa do
Brasil. Essas campanhas estavam em vias de
começar por meio de postagens e manifestação de
apoio dos Ministros de Estado.
29. As postagens, hoje já deletadas, com
logomarca oficial da secretaria, diziam: “No mundo
todo são raros os casos de vítimas fatais do
coronavírus entre jovens e adultos. A quase-
totalidade dos óbitos se deu com idosos. Portanto, é
preciso proteger estas pessoas e todos os
integrantes dos grupos de risco com todo cuidado,
carinho e respeito. Para estes, o isolamento. Para
todos os demais, distanciamento, atenção redobrada
e muita responsabilidade. Vamos, com cuidado e
consciência, voltar à normalidade.
#oBrasilNãoPodeParar”.
Extrato da rede social Twitter da Secretaria Especial
de Comunicação Social – no texto se lê: para os
idosos e integrantes dos grupos de risco, o
isolamento, para os demais o distanciamento.
30. Em virtude de tais pronunciamentos e
campanhas, diversos grupos sociais iniciaram
movimentos de protesto pela volta das atividades
comerciárias e, em casos mais radicais, diversos
comércios voltaram ao funcionamento normal.
31. A Folha de S. Paulo, jornal integrante da
grande mídia da unidade federada de São Paulo,
noticiou que, após o pronunciamento do presidente
da República, houve aumento de circulação de
pessoas, e comércios em geral reabriram a despeito
das determinações dos governos dos estados9.
32. Categorias de comerciantes de diversos
municípios convocaram, através de redes sociais, os
dirigentes a se manifestarem a favor do
pronunciamento do Presidente da República:
Exemplo do município de Rolim de Moura, na
unidade federada de Rondônia, no Brasil.
9 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/03/apos-falas-de-bolsonaro-circulacao-
aumenta-e-parte-do-comercio-reabre-em-favelas-do-rio.shtml - acesso em 01/04/2020.
Movimento para reabertura do comércio em
Uberaba, cidade no Estado de Minas Gerais
Movimento de reabertura do comércio em São Paulo
33. Os exemplos seriam inúmeros e tais
protestos efetivamente ocorreram. Diversos
comércios e atividades retomaram seus exercícios
normais já nos dias imediatamente posteriores ao
pronunciamento de 24 de março de 2020.
34. A hashtag “#oBrasilNãoPodeParar
transmitia as seguintes orientações sociais:
“Para os quase 40 milhões de
trabalhadores autônomos,
#oBrasilNãoPodeParar.
Para os ambulantes, engenheiros,
feirantes, arquitetos, pedreiros,
advogados, professores particulares e
prestadores de serviço em geral,
#oBrasilNãoPodeParar.
Para os comerciantes do bairro, para
os lojistas do centro, para os
empregados domésticos, para milhões
de brasileiros, #oBrasilNãoPodeParar.
Para todas as empresas que estão
paradas e que acabarão tendo de
fechar as portas ou demitir
funcionários, #oBrasilNãoPodeParar.
Para dezenas de milhões de
brasileiros assalariados e suas famílias,
seus filhos e seus netos, seus pais e
seus avós #oBrasilNãoPodeParar.
Para os milhões de pacientes das
mais diversas doenças e os heroicos
profissionais de saúde que deles
cuidam, para os brasileiros
contaminados pelo coronavírus, para
todos que dependem de atendimento e
da chegada de remédios e
equipamentos, #oBrasilNãoPodeParar.
Para quem defende a vida dos
brasileiros e as condições para que
todos vivam com qualidade, saúde e
dignidade, o Brasil definitivamente não
pode parar.”
35. Visto tal situação de possível aumento
vertiginoso do contágio em razão das mal pensadas
orientações sociais, o Ministério Público Federal da
República Federativa do Brasil protocolizou uma
Ação Civil Pública de número 5019484-
43.2020.4.02.5101, visando à interrupção da
campanha descrita e proibição de veiculação de
informações sem embasamento científico que
pusessem em risco a vida e a integridade física da
população brasileira.
36. O processo foi distribuído para a Juíza
Federal Laura Bastos Carvalho, que decidiu
favoravelmente ao pedido liminar nos seguintes
termos:
37. Segundo a juíza do caso, ficou
demonstrado o risco na veiculação da campanha “O
Brasil não pode parar”, que conferia estímulo para
que a população retornasse à rotina, em
contrariedade a medidas sanitárias de isolamento
preconizadas por autoridades internacionais,
estaduais e municipais, na medida em que
impulsionaria o número de casos de contágio no
país. A repercussão que tal campanha alcançaria se
promovida amplamente pela União, sem a devida
informação sobre os riscos e potenciais
consequências para a saúde individual e coletiva,
poderia trazer danos irreparáveis à população.
38. Assim, ficou impedido o Governo Federal
de veicular ou sugerir, por meio de propaganda ou
qualquer meio de comunicação social,
comportamentos que não estejam embasados por
diretrizes técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde
e/ou outras entidades científicas atuantes no campo
da epidemiologia e da saúde pública.
II. FUNDAMENTOS DE DIREITO
a. O Brasil como membro da Organização
Mundial de Saúde
39. A Organização das Nações Unidas,
através da Organização Mundial de Saúde e a
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS),
desde sua constituição em 07 de abril de 1948,
estão na frente humanitária de luta pelo
melhoramento da saúde pública global, no geral, e
nas Américas, em particular.
40. O Brasil é país-membro de todas as
organizações internacionais mencionadas, em
especial vinculado à da saúde, por meio do Decreto
n. 26.042 de 17 de dezembro de 1948 e, inclusive,
com perfil próprio no sítio eletrônico daquela
organização10.
41. Segue-se daí que o país está
especialmente vinculado ao cumprimento de suas
diretrizes principiológicas fundamentais. Espera-se
que seu Chefe de Estado e de Governo esteja bem
auxiliado, por meio de sua equipe técnica, a
conhecer e bem cumprir tais imperativos de Direito
Internacional Público.
42. Desse modo, verificar-se-á que a
campanha fomentada pelos pronunciamentos
públicos feitos pelo Presidente da República em
exercício no Brasil, o sr. Jair Messias Bolsonaro, vai
contra a Carta da Organização das Nações Unidas,
o Regulamento Sanitário Internacional e a Estratégia
de Cooperação do Brasil enquanto membro da
10 Disponível em https://www.who.int/countries/bra/en/ - acesso em 01/04/2020.
OPAS/OMS, porque irresponsável e nociva à vida,
integridade física e à saúde internacional e territorial.
43. Por tais motivos, é necessário o
esclarecimento e a retratação pública e, se for o
caso, a punição de tais condutas.
b. Os objetivos definidos na Carta da
Organização das Nações Unidas
44. A Carta da Organização das Nações
Unidas é importante instrumento jurídico de direito
internacional que define alguns princípios
vinculantes para os países-membros.
45. Em seu artigo 1, temos descritos os
quatro propósitos das Nações Unidas: compromisso
com a paz e segurança internacionais; o
desenvolvimento de relações amistosas entre as
nações; o desenvolvimento da cooperação
internacional para a resolução de problemas de
caráter econômico, social, cultural ou humanitário,
com especial proteção aos direitos humanos e
liberdades fundamentais; harmonização para a
consecução de objetivos comuns.
46. Verifica-se que, em relação ao artigo 1 da
Carta das Nações Unidas, o pronunciamento
irresponsável, acrítico e absolutamente nocivo do
presidente em exercício da República Federativa do
Brasil, o sr. Jair Messias Bolsonaro, levou ao
desrespeito e violação do terceiro objetivo proposto
para a ONU: a cooperação internacional para a
proteção dos direitos humanos e resolução de
problemas de caráter humanitário.
47. Isso é assim porque a pandemia de
COVID-19, doença provocada pela infecção com o
SARS-CoV-2, foi declarada como Emergência de
Saúde Pública de Importância Internacional.
48. Assim, a conduta esperada pelo Chefe de
Estado e de Governo da República Federativa do
Brasil era de adequação de seus pronunciamentos e
campanha à resolução ou, pelo menos, à mitigação
dos efeitos da pandemia causada pelo coronavírus
SARS-CoV-2, agindo conforme ao propósito da
Organização das Nações Unidas nesse sentido pela
razão simples de que para a manutenção da vida e
da integridade física da comunidade pátria e
internacional, a saúde é direito humano e
fundamental.
49. No artigo 55 da Carta da ONU tem-se que
os países-membros favorecerão a solução dos
problemas internacionais econômicos, sociais,
sanitários e conexos (alínea b) com a finalidade de
criar condições de estabilidade e bem-estar
internacionais, devendo agir em conjunto com a
ONU nesse sentido (artigo 56).
50. Ora, é impossível dizer que os
pronunciamentos do presidente em exercício na
República Federativa do Brasil bem como as
campanhas veiculadas pela sua governança pública
estejam de acordo com os objetivos da Carta.
51. Com o objetivo de fazer com que o país,
através de seu Governo Federal, em especial pela
postura pública de seu Chefe de Governo e de
Estado, cumpra as recomendações da Organização
Mundial de Saúde, é necessário exigir
esclarecimentos sobre os pronunciamentos
veiculados, sua retratação pública e adequação aos
procedimentos das autoridades sanitárias
internacionais a fim de preservar não apenas a
saúde e, consequentemente a vida e a integridade
física da população brasileira, mas também a dos
demais países do mundo, principalmente em uma
sociedade informacional globalizada.
52. É possível exigir tais esclarecimentos por
meio do Conselho Econômico e Social da ONU,
conforme o art. 64, itens 1 e 2 da Carta da
Organização das Nações Unidas.
Artigo 64
1. O Conselho Econômico e
Social poderá tomar as medidas
adequadas a fim de obter relatórios
regulares das agências
especializadas. Poderá entrar em
entendimentos com os membros
das Nações Unidas e com as
agências especializadas, a fim de
obter relatórios sobre as medidas
tomadas para cumprimento de
suas próprias recomendações e
das que forem feitas pelas
Assembleia Geral sobre
assuntos da competência do
Conselho.
2. Poderá comunicar à
Assembleia Geral suas
observações a respeito desses
relatórios.
53. Assim, verifica-se que a postura do
governo brasileiro em exercício é absolutamente
destoante da Carta das Nações Unidas.
c. Os objetivos definidos na Constituição
da Organização Mundial da Saúde e no
Regulamento Sanitário Internacional
54. A Organização Pan-Americana da
Saúde (OPAS) tem reforçado, ano após ano, sua
tradição em prol da saúde pública, visando a cumprir
seu papel de promover a equidade em saúde,
combater doenças, melhorar a qualidade e elevar a
expectativa de vida dos povos das Américas.
55. Como representação da Organização
Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, tem
buscado atender à crescente demanda de
cooperação técnica na área da saúde por meio da
consolidação de um modelo internacional que
privilegia o alcance de resultados e o
enfrentamento de desafios com base na
solidariedade e no pan-americanismo. No Brasil, a
OPAS/OMS adota estratégias de cooperação
técnica catalisadoras das necessidades, problemas
e aspirações de saúde da população, apoiando a
atuação das esferas federal, estadual e municipal do
governo no desenvolvimento sanitário. Assim, visa a
contribuir não somente para o controle de doenças e
promoção de estilos de vida, mas também para a
promoção do bem-estar da população.
c.1. Da Constituição da Organização Mundial de
Saúde
56. De acordo com a Constituição da
Organização Mundial de Saúde temos que a saúde
é um estado de completo bem-estar físico, mental e
social, e não consiste apenas na ausência de
doença ou de enfermidade. Atingir o melhor estado
de saúde possível, segundo o mesmo preâmbulo da
Constituição da OMS é um direito fundamental de
todo ser humano, numa perspectiva individual, mas
também, do ponto de vista coletivo internacional, é
essencial para conseguir a paz e a segurança e
depende da mais estreita cooperação dos indivíduos
e dos Estados.
57. Em relação a isso cada resultado obtido
pelos Estados membros converte-se em valor para
todos.
58. Desse modo, os pronunciamentos e
atitudes do sr. Jair Messias Bolsonaro podem ser
qualificados como atentados à paz e à saúde
individual e coletiva pátria e internacional. Além
disso, do ponto de vista do país-membro da
Organização Pan-Americana de Saúde da
Organização Mundial da Saúde, temos um
descumprimento de suas recomendações
fundamentais.
59. Como uma opinião pública esclarecida e
uma cooperação ativa da parte do público são de
importância capital para o melhoramento da saúde
dos povos -- e os Governos têm responsabilidade
pela saúde dos seus povo -- a qual só pode ser
assumida pelo estabelecimento de medidas
sanitárias e sociais adequadas, vê-se que tais
propósitos não são fomentados de maneira
adequada pelo governo federal brasileiro.
60. Assim não colaborando com a obtenção
do nível mais elevado de saúde possível, o governo
federal da República Federativa do Brasil pode ser
fiscalizado pela OMS nos termos de suas funções
(artigo 2 da Constituição da OMS) e da de sua
capacidade jurídica (artigo 66 da Constituição da
OMS).
61. Pelo artigo 2 da Constituição da
Organização Mundial da Saúde, é função: atuar
como autoridade diretoria e coordenadora dos
trabalhos internacionais no domínio da saúde (alínea
a); estimular e aperfeiçoar os trabalhos para eliminar
doenças epidêmicas, endêmicas e outras (alínea g);
ajudar a formar entre todos os povos uma opinião
pública esclarecida sobre assuntos de saúde (alínea
r); dum modo geral, tomar as medidas necessárias
para alcançar os fins da Organização (alínea v).
62. Desse modo, é esperado que a
OPAS/OMS, no Brasil, em virtude dos
pronunciamentos e campanhas exarados pelo
Governo Federal, atue de modo a coordenar os
trabalhos de prevenção ao spread de contágio por
SARS-CoV-2 e o aumento de casos graves de
COVID-19 (alíneas a e g).
63. É esperado que o Governo Federal da
República Federativa do Brasil, agindo em
consonância com as diretrizes da OPAS/OMS,
promova uma formação pública esclarecida sobre os
assuntos relacionados à infecção pelo SARS-CoV-2
e a nocividade decorrente do aumento vertiginoso de
casos de COVID-19, tais como a logística e
administração hospitalar.
64. Tais objetivos vêm sendo
sistematicamente descumpridos como demonstrado
e, através de uma liderança carismática e muito
pouco afeta à preservação da vida, da integridade
física e do reconhecimento da sapiência da ciência
médica, os objetivos da OMS, tais como definidos no
artigo 1 da Constituição, são colocados em último
plano de importância.
c.2 - Os objetivos definidos na Estratégia de
Cooperação com a Organização Mundial de
Saúde
65. Enquanto membro da Organização
Mundial de Saúde (OPAS/OMS), o Brasil possui
compromissos com a OMS.
66. Esses compromissos traduzem-se em um
Acordo de Cooperação Estratégica11. No sítio
eletrônico da OPAS/OMS, no perfil do Brasil, há
duas versões – o acordo completo e o briefing desse
mesmo termo de cooperação estratégica.
11 Disponível em https://www.who.int/countries/bra/en/ - acesso em 01/04/2020.
67. É relevante notar que o acordo
estratégico completo refere-se aos anos de 2008-
2012, não sendo apresentada uma nova versão. O
briefing, contudo, apresenta uma agenda de
objetivos de 2018 a 2022.
68. São definidas seis prioridades
estratégicas e principais áreas de cooperação com a
Organização Mundial da Saúde.
69. A Prioridade Estratégica número 1 é
atinente à promoção da saúde e do bem-estar das
pessoas. As principais áreas de cooperação com a
OPAS/OMS são aquelas referentes às
determinantes sociais, econômicas e climáticas,
desenvolvimento sustentável relativo à saúde,
envelhecimento e saúde, respostas a eventos e
crises, promoção à saúde, promoção à saúde no
ambiente laboral e gerenciamento de
emergências e desastres naturais. (grifos nossos).
70. Ora, os pronunciamentos efetuados
desrespeitam de modo frontal tais objetivos,
conclamando o povo às ruas quando o risco de
elevação dos contágios pode subir
exponencialmente, levando o contágio aos mais
idosos e indivíduos com comorbidades que sugerem
um agravamento rápido com evolução à morte em
pelo menos 15% nos casos de contágio por SARS-
Cov-2.
71. A Prioridade Estratégica número 2 refere-
se à expansão de acesso e cobertura a uma forma
de saúde compreensiva e equitativa, com ênfase
nos cuidados primários de saúde. As principais
cooperações serão aquelas destinadas à promoção
de acesso e coberturas universais à saúde,
fomentos ao Sistema Único de Saúde (SUS) e
gerenciamento do conhecimento em saúde e
participação e diálogo social.
72. Ora, tal prioridade estratégica vem sendo
sistematicamente descumprida pelas campanhas e
pronunciamentos que, ao invés de prevenir, nada
mais farão que aumentar exponencialmente o
número de contágios, colapsando os sistemas
público e privado de saúde, bem como o sistema
social de bem-estar. Isso não é promover a paz, mas
sim criar conflitos e caos social em questão de
saúde.
73. A Prioridade Estratégica número 3 refere-
se ao desenvolvimento de mão-de-obra qualificada
em saúde.
74. A Prioridade Estratégica número 4 atina-
se ao acesso e uso racional de medicamentos e
outros insumos de saúde. A cooperação se fará com
a expansão de acesso a medicamentos, diretrizes
de acesso e uso racional dos insumos, regulação
sanitária desses mesmos itens, estabelecimento de
diretrizes de pesquisa e aplicação de evidências
científicas em diretrizes e práticas.
75. Ora, esse talvez seja o ponto mais crítico
de descumprimento das metas da República
Federativa do Brasil. Apesar das evidências e
recomendações da OMS e das mais conceituadas
instituições públicas e privadas, nacionais e
internacionais acerca de medicina e saúde pública,
entre elas a própria OPAS/OMS, o Imperial College
of London, a Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo, vemos pronunciamentos
e campanhas totalmente na contramão dos objetivos
assumidos pelo país.
76. A Prioridade Estratégica número 5 é
dedicada à prevenção e controle de doenças não
contagiosas e fatores crônicos de risco para
promover a saúde. Tal prioridade não se relaciona
com o cenário fático atual.
77. A Prioridade Estratégica número 6, ao
contrário, é atinente ao controle de doenças
contagiosas. A cooperação Brasil – OPAS/OMS
refere-se à alerta e resposta a surtos e epidemias,
implementação do Regulamento Internacional
Sanitário, vigilância, prevenção e controle de
doenças e epidemias causadas por vetores de
contaminação preparação, monitoramento e
resposta a emergências e desastres.
78. Ora, a sexta prioridade estratégica pode
ser tida como totalmente descumprida por parte do
Governo Federal através dos pronunciamentos e
campanhas do presidente da República em
exercício, o sr. Jair Messias Bolsonaro.
79. Como visto, apesar do alerta à pandemia
oficialmente declarada pela OMS, o presidente
buscou diminuir seu impacto social e, ao invés de
prevenir, sua conduta apenas aumentará o surto de
contágio pelo SARS-Cov-2 e desenvolvimento de
mais casos de COVID-19. Assim, a preparação,
monitoramento e resposta à pandemia restará
prejudicada.
80. Por tais descumprimentos, é necessário
que o Chefe de Estado da República Federativa do
Brasil venha prestar esclarecimentos e retratações
necessárias a fim de retomar a Cooperação para
que todos os países da América alcancem a
superação da crise com o menor número de
mortalidade possível e com o maior número de
consciências formadas de modo público e
esclarecido sobre a gravidade do quadro mundial.
c.3 – Do Descumprimento do Regulamento
Sanitário Internacional
81. A Cooperação Estratégica da República
Federativa do Brasil com a OPAS/OMS, em sua
Prioridade Estratégica número 6, prevê a
implementação do Regulamento Sanitário
Internacional.
82. Por esta razão, é necessário observar no
descumprimento os dispositivos normativos contidos
no Regulamento Sanitário Internacional.
83. Tal regulamento é instrumento jurídico
para prevenir, proteger, controlar e dar uma resposta
de saúde pública contra a propagação internacional
de doenças, de maneiras proporcionais e restritas
aos riscos para a saúde pública, e que evitem
interferências desnecessárias com o tráfego e o
comércio internacionais, princípios motivadores das
ações de todos os trabalhadores em saúde do
Brasil.
84. Tal relatório tem nascimento na epidemia
ocorrida na primeira década dos anos 2000 de
influenza A (H1N1). Sabia-se, já naquela época, que
um Evento em Saúde Pública de Interesse
Internacional-ESPII pode transcender o setor saúde
e repercutir diretamente em alguns segmentos da
economia. O alerta sobre a atual Influenza, tal como
ocorrido com o episódio da gripe aviária em 2005, foi
emblemático neste sentido. Ao tempo em que o
setor saúde buscava se organizar para o
enfrentamento de algo novo e naquele momento
desconhecido, a possibilidade de repercussão
econômica para algumas regiões tomou proporções
alarmantes.
85. Atualmente, a Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo informou o
mesmo12, ou seja:
Não há contradição entre proteção
da economia e proteção da saúde
pública. A recessão econômica
decorrente da pandemia será
global e já é inevitável. Medidas de
proteção social, especialmente o
12 Disponível em https://www.fsp.usp.br/site/noticias/mostra/19357 - acesso em 01/04/2020.
provimento de renda mínima para
trabalhadores informais e
complemento de renda para
populações vulneráveis, a exemplo
do que outros países estão
fazendo, devem ser adotadas
imediatamente. Esta proteção
econômica é um dever do Estado
que garantirá tanto a subsistência
dos beneficiários como a
preservação de um nível básico de
consumo, protegendo a vida e a
economia, inclusive os pequenos
comércios. Neste cenário, os
cortes de salários, inclusive de
servidores públicos, constituiriam
dano irreparável à economia, com
queda ainda mais brusca de
patamares de consumo. Não há
que se confundir a economia
brasileira com interesses
econômicos de determinados
grupos.
86. Emergências Internacionais desse tipo,
portanto, não são desconhecidas da comunidade
política, científica ou acadêmica.
87. Contudo, a implementação do Relatório,
além de compromisso estratégico, é fundamental
para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde e
melhora na consecução do objetivo da OPAS-OMS,
que é o mais alto nível de saúde da população
mundial e, assim, preservar a vida e a integridade
física da comunidade humana.
88. De acordo com o artigo 2 do Regulamento
Sanitário Internacional13, seu objetivo é:
Artigo 2 Propósito e abrangência
O propósito e a abrangência do
presente Regulamento são
prevenir, proteger, controlar e dar
uma resposta de saúde pública
contra a propagação internacional
13 Disponível em
http://portal.anvisa.gov.br/documents/375992/4011173/Regulamento+Sanit%C3%A1rio+Internacional.pd
f/42356bf1-8b68-424f-b043-ffe0da5fb7e5 - acesso em 01/04/2020.
de doenças, de maneiras
proporcionais e restritas aos riscos
para a saúde pública, e que evitem
interferências desnecessárias com
o tráfego e o comércio
internacionais.
89. No caso que se leva a conhecimento da
Organização, o Regulamento especificamente
cumprido levará à proteção de todos os povos contra
a propagação do SARS-Cov-2 e do surgimento de
novos casos de COVID-19.
90. De acordo com o artigo 3, os Estados
possuem, segundo a Carta das Nações Unidas e os
princípios de direito internacional, o direito soberano
de legislar e implementar a legislação a fim de
cumprir suas próprias políticas de saúde. No
exercício desse direito, deverão observar o propósito
do presente Regulamento.
91. Assim, esperava-se conduta do
presidente da República em exercício e de sua
equipe de governança pública no sentido de
observar os dispositivos normativos do Regulamento
Sanitário Internacional.
92. As Emergências de Saúde Pública de
Importância Internacional encontram-se definidas no
artigo 12 e seguintes do Relatório Sanitário
Internacional.
93. Definidos os casos de infecção por SARS-
Cov-2 e desenvolvimento de COVID-19 como
Emergência de Saúde Pública de Importância
Internacional, foram feitas recomendações
temporárias pelo ilustríssimo Diretor-Geral da OMS,
nos termos dos artigos 15 e 49 do mesmo
Regulamento Sanitário.
94. Dentre essas recomendações, o
isolamento social horizontal, consistente no
desaceleramento das atividades não essenciais a
fim de diminuir o contágio comunitário pelo vírus e
desenvolvimento desenfreado da doença. Tais
recomendações foram endossadas pela comunidade
científica e acadêmica e midiática:
O isolamento exclusivo de pessoas
em maior risco não é uma medida
viável, especialmente em um país
com as características do Brasil,
com elevados índices de doenças
crônicas não transmissíveis que
constituem comorbidades
relevantes diante da incidência do
novo coronavírus. É importante
ressaltar que a Covid-19 pode ser
assintomática, tem largo potencial
de propagação e, como bem
revelam os dados de outros
países, pode acometer igualmente
jovens saudáveis que, com a
sobrecarga dos serviços de saúde
públicos e privados, podem vir a
engrossar as estatísticas de óbitos
evitáveis. Ademais, a experiência
de outros países demonstra que,
na falta de isolamento, parte
significativa dos profissionais de
saúde está sendo infectada por
transmissão comunitária, ou seja,
em seu convívio social, reduzindo
o contingente de trabalhadores
disponíveis, em prejuízo da saúde
desses profissionais e de toda a
sociedade.
95. Assim, os pronunciamentos do presidente
da República em exercício no Brasil e a campanha
O Brasil Não Pode Parar, por afrontar as
recomendações temporárias, colocam em risco a
saúde pública pátria e internacional.
96. As recomendações temporárias são
fundadas em pareceres científicos, conforme o art.
17 do Regulamento Sanitário Internacional e a
campanha e os pronunciamentos apenas são
fundamentados na ganância.
97. Incumbe apenas ao Diretor-Geral da
OMS, nos termos do artigo 49 item 6 do
Regulamento Sanitário Internacional:
O Diretor-Geral informará os
Estados Partes a declaração e a
extinção de uma emergência de
saúde pública de importância
internacional, bem como qualquer
medida de saúde tomada pelo
Estado Parte em questão, qualquer
recomendação temporária emitida
e a modificação, prorrogação e
extinção dessas recomendações,
juntamente com os pareceres do
Comitê de Emergências. O Diretor-
Geral notificará aos operadores de
meios de transporte, por
intermédio dos Estados Partes e
das agências internacionais
pertinentes, as recomendações
temporárias emitidas, incluindo sua
modificação, prorrogação ou
extinção. Subsequentemente, o
Diretor-Geral disponibilizará essas
informações e recomendações ao
público em geral.
98. As ações impensadas do Governo
Federal, por meio da Presidência da República,
nada mais fazem que deslegitimar toda a
OPAS/OMS.
99. Assim, é possível concluir com base no
artigo 56 do Regulamento Sanitário Internacional,
que há um litígio entre a OPAS/OMS e a República
Federativa do Brasil. Tal questão deve ser levada à
Assembleia de Saúde e ao Conselho Econômico e
Social da Organização das Nações Unidas para as
providencias necessárias ao seu bom e efetivo
cumprimento.
d. Do Descumprimento do Código
Sanitário Pan-Americano
100. O Código Sanitário Pan-Americano14,
ainda em vigor, foi aprovado pelo Brasil em 13 de
agosto de 1929 e ainda permanece em vigor (art. 58,
item 2 do Regulamento Sanitário Internacional).
101. Tal Código tinha por finalidades (art. 1º),
evitar a propagação internacional de infecções ou de
14 Disponível em
https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/11433/v8n11p1257.pdf;jsessionid=B2F8181B7587852997
5E3DF8CAB472FF?sequence=1 – acesso em 01/04/2020.
doenças suscetíveis de propagar-se a seres
humanos; estimular a adoção e empregar
medidas cooperativas destinadas a impedir a
propagação de doenças nos territórios dos
países signatários; uniformizar a reunião de dados
estatísticos; entre outros.
102. O artigo 11 do referido Código Sanitário é
bastante interessante para o caso que se apresenta:
103. Sabendo disso, é impossível dizer que
medidas que estimulem o rápido contágio da
população e que levarão ao colapso dos sistemas
públicos e privados de saúde e da escalada do
número de mortos cumprem com as finalidades do
Código Sanitário e com medidas preventivas – mais
brandas, diga-se de passagem, em relação ao artigo
11 do mesmo Código.
104. Retome-se aqui a epígrafe desta moção:
A que extremos não levas os homens, ó fome
execrável do ouro. Este é o único fundamento da
campanha vergonhosa O Brasil não Pode Parar: a
fome execrável da economia, que se alimentará de
vidas humanas, seja no cenário político da
República Federativa do Brasil, seja no cenário
estadunidense ou em qualquer outro que se veja
acima da ciência e da humanidade.
e. Do desenvolvimento de Termos de
Cooperação e Termos de Ajuste
105. A Organização Mundial da Saúde cunhou
o termo cooperação técnica para definir a relação de
co-construção e corresponsabilidades e intercâmbio
entre os Estados Membros da Organização e a
Organização em si.
106. No Brasil, a cooperação técnica pode ser
entendida, para o caso, como estratégia de parceria
com a OMS para produzir impactos positivos para a
população, como elevar níveis de vida, modificar
realidades, promover o crescimento sustentável e
contribuir para o desenvolvimento social15.
107. Nesse sentido, uma cooperação técnica
entre a República Federativa do Brasil e a OMS
pode contribuir para diminuir os impactos negativos
da realidade que se instituiu com a campanha e dos
pronunciamentos levianos e acríticos do chefe de
estado em exercício no país, diminuindo a
mortalidade possível e promovendo a retomada
sustentável das atividades com a proteção dos
grupos de risco de morte por COVID-19.
108. Tais termos podem ser estabelecidos com
a intermediação do Ministério da Saúde, com apoio
e intermediação da Secretaria Executiva e a
Coordenação-Geral de Programas e Projetos de
Cooperação Técnica, do Departamento de
15 Regulação disponível em
https://www.paho.org/bra/images/stories/GCC/diretrizes_tc%202015.pdf?ua=1 – acesso em 01/04/2020.
Economia da Saúde, Investimentos e
Desenvolvimento e a OPAS/OMS.
109. Ocorre que a provocação, dada a estultice
do Governo Federal, necessita de provocação
externa.
110. Existe, no sistema jurídico nacional, o
Decreto n. 54.366, de 1º de outubro de 1964, que
estabelece um Convênio entre a OPAS/OMS e a
República Federativa do Brasil para prestar
assistência técnica de caráter consultivo.
111. Essas assistências podem consistir, nos
temos do artigo 1, item 3, em diversos itens. Os mais
relevantes para a natureza do problema com a
COVID-19 são:
❖ organizar e dirigir seminários, programas de
adestramento, projetos de demonstração, grupos
de trabalho integrados por peritos, assim com
atividades conexas nas localidades que se
convenham por acordo mútuo;
❖ proporcionar qualquer outra forma de assistência
técnica de caráter consultivo em que convenham a
Organização e o Governo.
112. Por meio disso, é possível chegar ao
cumprimento dos objetivos da Organização Mundial
e educar o Governo Federal no auxílio ao combate à
disseminação do SARS-CoV-2.
113. O artigo IV do Convênio estabelece que
cada projeto será objeto de um acordo específico, de
modo que assim haveria maior força, eficiência e
legitimidade das recomendações da OPAS/OMS no
Brasil.
114. Sabendo que toda proposta de Termo de
Cooperação se trata de um instrumento jurídico
firmado entre o Ministério da Saúde e a OPAS/OMS
com base nas normas internacionais vigentes,
visando à realização de ações conjuntas em temas
específicos da saúde; sabendo que a
operacionalização dos Termos de Cooperação se
dão por meio de Termos de Ajuste; a fim de que se
possa combater, a nível federal, a pandemia no país
e sanar os efeitos nocivos da campanha e dos
pronunciamentos presidenciais, é possível afirmar
que seria mais do que útil a formação de um Comitê
Executivo destinado ao trabalho racional para
promover a saúde nesse sentido.
115. Os pressupostos para a elaboração do
Termo de Cooperação encontram-se preenchidos de
acordo com o Decreto mencionado e seus adendos.
116. É possível dizer facilmente que os
objetivos se coadunam comparando o briefing
apresentado com as Prioridades Estratégicas de
números 1 a 6 pela República Federativa do Brasil à
OMS, aliado ao quadro fático de Emergência de
Importância Internacional decretado pelo mesmo
organismo internacional intergovernamental.
117. As negociações iniciais visarão:
a. Entender a necessidade de acatar às
recomendações da OPAS/OMS para estabelecer os
períodos de quarentena e isolamento social
horizontal com vistas a diminuir o spread de contágio
por SARS-Cov2;
b. Estabelecer as ações iniciais de cooperação
técnica frente à novidade da pandemia;
c. Identificar a situação a ser modificada pelo
Termo de Cooperação considerando o contexto
político, técnico e emergencial causado pelos
reflexos econômicos decorrentes das medidas de
quarentena e aqueles decorrentes de seu não
cumprimento.
118. Em especial, o não cumprimento das
medidas de isolamento social horizontal -- é
essencial que se compreenda -- poderá causar o
fenecimento de cerca de 500 mil vidas humanas.
119. O Dr. David Nabarro, do Imperial College
of London e colaborador da Organização Mundial da
Saúde, junto com o Dr. Tedros Adhanom
Ghebreyesus, ilustre Diretor da Organização,
afirmaram16 que uma vez que o surto de COVID-19
aumenta como ocorreu na Itália (mais
16 Dispoível em https://www.imperial.ac.uk/news/196373/david-nabarro-says-coronavirus-challenges-
averted/ - acesso em 01/04/2020.
especificamente pela irresponsável atitude
governamental em Milão, bastante similar à do
Governo Federal da República Federativa do Brasil)
ou no Irã, ações drásticas como a restrição total de
movimentos têm que tomar lugar.
120. Mas o mesmo acadêmico alerta: ainda
que o surto tenha sido contido, deve-se estar
preparado para que retorne. Até que exista uma
vacina eficaz, é impossível que o mundo se
comporte da mesma forma. Por qual razão a
República Brasileira deveria agir em
desconformidade, colocando em risco não apenas a
si própria e seu povo mas todo o mundo?
121. É necessário, reforça o Co-Diretor do
Institute of Global Health Innovation e titular da
Cadeira de Saúde Global do Imperial College, que
os governos nunca devem deixar de conter os surtos
conquanto apareçam.
122. Ele recomenda que todos mantenham
boas práticas de higiene e de etiqueta ao tossir;
mantenham separação física dos demais; que sejam
feitos testes para saber da condição da população
acerca da infecção; diagnósticos rápidos devem
estar acessíveis; os infectados devem ser mantidos
sob vigilância, isolados e dado o suporte necessário.
Além disso, frisa que a distância física deve ser
especialmente observada em relação aos grupos
mais vulneráveis.
123. É bastante interessante notar que as
recomendações e as estatísticas não levam em
conta locais como favelas, cortiços e guetos, locais
em geral de moradia inadequada, sem ventilação,
em que a aglomeração é condição normal de vida
das pessoas.
124. Assim sendo, é necessário que um Termo
do Cooperação seja estabelecido o mais rápido
possível entre a OPAS/OMS e a República
Federativa do Brasil a fim de que as medidas
recomendadas pela organização e a comunidade
médica sejam cumpridas satisfatoriamente.
III. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS
125. Por todo o exposto, verifica-se que os
pronunciamentos do Presidente da República
Federativa do Brasil em exercício, o sr. Jair Messias
Bolsonaro, bem como de campanha propagada pela
sua equipe de governança pública (secretarias e
ministros de estado), configuram-se como
descumprimento:
a) Da Carta das Nações Unidas;
b) Da Constituição da Organização Mundial de
Saúde
c) Da Cooperação Estratégica enviada pela
República Federativa do Brasil à Organização
Mundial da Saúde;
d) Do Regulamento Sanitário Internacional;
e) Do Código Sanitário Pan-Americano.
126. Em razão disso, requer-se do Ilustríssimo
Diretor-Geral da Organização Mundial de Saúde, do
Conselho Econômico e Social da Organização das
Nações Unidas, da Assembleia de Saúde que:
a. Notifiquem, nos termos do Regulamento
Sanitário Internacional, a República Federativa do
Brasil a acatar as recomendações expedidas pela
OPAS/OMS em relação às determinações de
quarentena e isolamento social horizontal, bem
como as demais necessárias;
b. Demandem do Presidente da República
Federativa do Brasil em exercício, o sr. Jair Messias
Bolsonaro, enquanto Chefe de Estado e do Governo
Federal que se digne a retratar-se publicamente de
seus pronunciamentos exarados em 24 de março de
2020 e da campanha O Brasil Não Pode Parar,
altamente nocivos à saúde pública nacional e
internacional;
c. Requisitar do Governo da República
Federativa do Brasil os esclarecimentos e
detalhamento das medidas tomadas para o
cumprimento das recomendações da OMS (art. 64,
item 1 da Carta das Nações Unidas) e repassar as
informações à Assembleia Geral para as
providências cabíveis (art. 64, item 2 da mesma
Carta);
d. Recomendar, publicamente, o
acolhimento às recomendações temporárias do
Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde,
nos termos do artigo 15 do Regulamento Sanitário
Internacional da OPAS/OMS, para controlar o
elevado contágio por SARS-CoV-2 e
desenvolvimento da COVID-19.
e. Cobrar a formalização de um Termo de
Cooperação Técnica (TC) entre a República
Federativa do Brasil e a OPAS/OMS a fim de definir
resultados, indicadores e ações a serem executadas
de forma alinhada às prioridades da Organização e
aos objetivos estratégicos do país.
Tais ações visam contribuir para a superação dos
desafios atuais e para o fortalecimento e
aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde, além
de consolidar iniciativas governamentais na esfera
da cooperação com os objetivos da Organização
Mundial de saúde com vistas a preservar a vida e a
integridade física pelo maior e mais épico esforço de
promoção do Direito Humano Fundamental à saúde
dos nossos tempos.
São Paulo, 1º. de abril de 2020.
Respeitosamente,
RUI GOETHE DA COSTA FALCÃO
Deputado Federal (Partido dos Trabalhadores-São
Paulo).
Câmara dos Deputados, Gabinete 819 -8º. Andar –
Brasília – DF.