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IMAGEM Representação mental de uma realidade sensível que funciona como um recurso linguístico em textos literários, quando se faz a associação inconsciente ou indirecta de dois mundos ou realidades separadas no tempo e no espaço. Nesta definição estão contidos os dois usos mais comuns da imagem no espaço literário: a possibilidade de reconstrução mental de uma realidade de que se pretende criar um efeito de verosimilhança e a possibilidade de construção de um discurso feito de analogias e similitudes com padrões conhecidos. O termo imagem significava em latim (imago) mais uma cópia da realidade do que uma representação artística, portanto, convencional e trabalhada esteticamente. Os sábios gregos antigos falavam antes da ideia ou forma sensível, que dizia mais respeito ao aspecto que um dado objecto se nos representava mentalmente, o que envolvia domínios de abstracção. Modernamente associa-se ao conceito de imagem uma visualidade, logo uma percepção objectiva e concreta, de que necessita para ser reconhecida como tal e não se confundir com impressão ou simples vestígio. É importante acrescentar que a modernidade do conceito de imagem diz apenas respeito ao pensamento dos finais do século XIX e posterior, pois entre o Renascimento e o Romantismo, o conceito de imagem exige um processo racional de identificação simbólica entre dois objectos, do tipo “a água é como um cristal” ou “a água cristalina”. De notar ainda que as poéticas românticas entendiam a imagem como simples representação não mental, mas refinada e sublimada na sua forma. Para esta concepção, contribuíram teorias como a de Coleridge que distinguia entre símbolo e alegoria e imaginação e fantasia, partindo do pressuposto de que no primeiro caso se trata de imagens “superiores”, intelectualizadas e sublimadas, e no segundo caso, tido por “inferior”, falamos apenas de imagens exteriores ao intelecto e presas à sensibilidade imediata das coisas. A poesia do século XX em particular, evoluiu para representações metafóricas com imagens dissimuladas ou simplesmente sugeridas, sem obedecer a um padrão comparativo que qualquer leitor menos informado literariamente pode reconhecer de imediato. Veja-se a construção metafórica conseguida por Eugénio de Andrade no poema seguinte, onde predominam imagens de identificação simbólica entre o sujeito e as amoras: “O meu país sabe as amoras bravas / no verão. / Ninguém ignora que não é grande, / nem inteligente, nem elegante o meu país, / mas tem esta voz doce / de quem acorda cedo para cantar nas silvas. / Raramente falei do meu país, talvez / nem goste dele, mas quando um amigo / me traz amoras bravas / os seus muros parecem-me brancos, / reparo que também no meu país o céu é azul” (“As amoras”, in O Outro Nome da Terra, 1988). O efeito imagista não se dá por correspondências analógicas directas (amoras = sabedoria, lentidão e maturidade no crescimento, ou outras simbologias tradicionais), mas por subtilezas de significado que obrigam o leitor a um complexo processo de interpretação: um País imagina-se “azul” porque a sugestão do trabalho de colheita das amoras bravas é um ritual de comunhão com entre o apanhador e aquilo que a natureza lhe oferece. A imagem construída por Eugénio de Andrade também pode ser interpretada em termos exclusivamente políticos (as amoras bravas são, por exemplo, a imagem de um país que não se domina a si próprio). Uma imagem pode ser, portanto, algo mais do que uma simples representação mental, visual ou fantástica; uma imagem construir-se-á também de acordo com uma visão cultural e política do mundo. De um ponto de vista estritamente literário, a imagem participa nos conceitos de metáfora, símile, comparação, alegoria e símbolo e em muitas figuras de pensamento que baseiam a sua capacidade figurativa na criação de imagens. Uma imagem, a rigor, é ao mesmo tempo sempre uma metáfora (aproximação entre duas coisas diferentes) e uma descrição (uma relação linguística entre palavras para revelar uma visão do mundo, real ou não real, representável ou irrepresentável pela racionalidade). Neste sentido, são

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IMAGEMRepresentao mental de uma realidade sensvel que funciona como um recurso lingusticoem textos literrios, quando se faz a associao inconsciente ou indirecta de dois mundos ourealidades separadas no tempo eno espao. Nesta definio esto contidos os dois usosmais comuns da imagem no espao literrio: a possibilidade de reconstruo mental de umarealidade de que se pretende criar umefeito de verosimilana e a possibilidade deconstruo de um discurso feito de analogias e similitudes com padr!es conecidos. " termoimagemsignificava em latim #imago$ mais uma c%pia da realidade do que umarepresentao artstica, portanto, convencional e trabalada esteticamente. "s sbios gregosantigos falavam antes da ideia ou forma sensvel, que dizia mais respeito ao aspecto que umdado ob&ecto se nos representava mentalmente, o que envolvia domnios de abstraco.'odernamente associa(se ao conceito de imagemuma visualidade, logo umapercepo ob&ectiva e concreta, de que necessita para ser reconecida como tal e no seconfundir com impresso ou simples vestgio. ) importante acrescentar que a modernidadedoconceitodeimagemdizapenasrespeitoaopensamentodosfinaisdos*culo+,+eposterior,poisentreoRenascimentoeoRomantismo, oconceitodeimagemexigeumprocesso racional de identificao simb%lica entre dois ob&ectos, do tipo -a gua * como umcristal. ou-aguacristalina../enotar aindaqueaspo*ticasrom0nticasentendiamaimagem como simples representao no mental, mas refinada e sublimada na sua forma.1ara esta concepo, contriburam teorias como a de 2oleridge que distinguia entre smboloe alegoria e imaginao e fantasia, partindo do pressuposto de que no primeiro caso se tratade imagens -superiores., intelectualizadas e sublimadas, e no segundo caso, tido por-inferior., falamos apenas de imagens exteriores ao intelecto e presas 3 sensibilidadeimediatadascoisas. 4poesiados*culo++emparticular,evoluiupararepresenta!esmetaf%ricascomimagensdissimuladasousimplesmentesugeridas, semobedecer aumpadro comparativo que qualquer leitor menos informado literariamente pode reconecer deimediato. 5e&a(se a construo metaf%rica conseguida por 6ug*nio de 4ndrade no poemaseguinte, onde predominam imagens de identificao simb%lica entre o su&eito e as amoras:-" meu pas sabe as amoras bravas 7 no vero. 7 Ningu*m ignora que no * grande, 7 neminteligente, nem elegante o meu pas, 7 mas tem esta voz doce 7 de quem acorda cedo paracantar nas silvas. 7 Raramente falei do meu pas, talvez 7 nem goste dele, mas quando umamigo 7 me traz amoras bravas 7 os seus muros parecem(me brancos, 7 reparo que tamb*mno meu pas o c*u * azul. #-4s amoras., in O Outro Nome da Terra, 89::$. " efeito imagistano se d por correspond;ncias anal%gicas directas #amoras umaimagemconstruir(se(tamb*mdeacordocomumavisocultural epoltica do mundo. /e um ponto de vista estritamente literrio, a imagem participa nos conceitos demetfora, smile, comparao, alegoria e smbolo e em muitas figuras de pensamento quebaseiamasuacapacidadefigurativanacriaodeimagens. =maimagem, arigor,*aomesmotemposempreumametfora#aproximaoentreduascoisasdiferentes$eumadescrio #uma relao lingustica entre palavras para revelar uma viso do mundo, real ounoreal, representvel ouirrepresentvel pelaracionalidade$. Nestesentido, sovlidasexpress!es como imagem metafrica ou imagem simblica. /istinguir entre uma imagem eumametforapodeser difcil, quandoaceitamos queentreambas apenas existeumadiferena de intensidade est*tica #uma imagem simples como -o ?oo * um omem forte.no transporta a mesma intensidade de uma metfora como -o ?oo * um touro.$. @e aimagemfor-consci;nciadealgumacoisa.,comoprop!e?ean(1aul @artrenumdosmaiscompletos estudos sobre a imagem #Imagination, 89AB$, ento torna(se ainda mais difcildecidir qual adiferenaentreumaimagemeaquelasfigurasqueseservemdela. @eoprocesso psicol%gico * id;ntico na construo de uma metfora, de um smbolo e de umaimagem, por exemplo, ento o texto que abriga estas representa!es deve ser capaz de asdiferenciar pela capacidade que o escritor tem de registar por escrito, de uma forma original,uma viso do mundo. ) esta viso que o leitor vai partilar e reconecer.=ma das mais antigas fun!es ret%ricas reconecidas 3 figura da imagem * o retratoexemplar ou imago, de que ?esus 2risto pode ser ilustrao em qualquer literatura ocidental,onde aparece como modelo de comportamento, comcaractersticas intelectuais quetranscendem o omem comum. =ma imago forte como a de 2risto transforma(se sempre emmito, porque tem uma funo rituale mgica pr%pria de um ser superior, cu&a magnitudeer%ica * reconecida por vrias gera!es e durante vrios s*culos. 6ste tipo de imagemexemplar, que podemos encontrar em inCmeras personagens literrias de todos os temposcomo 4quiles, =lisses, 6neias, D*rcules, Eristo, ,solda, Featriz, /om Guixote, etc., * apenasuma representao particular e umana de uma realidade maior que a imago tamb*m podefigurar: o mundo. 4s imagens cosmol%gicas, como a cruz, a montana, o rio, o templo, etc.,so denominadas na tradio latina como imago mundi. " lugar representado numa imagomundi* sempre umapro&ecodomundo, emuitas vezes de ummundoidealizado,aperfeioado ou engrandecido at* aos limites da imaginao criativa. No se trata de umtoposclssico de uso limitado 3 literatura latina, pois * a poesia de todos os tempos, porexemplo, coneceu vis!es inspiradas de mundos idealizados a partir de uma matriz simples,como * o caso deste poema de ?os* Flanc de 1ortugal : -6u te louvo, % mundo, no teuespao 7 Gue atinge o c*u e o cont*m, 7 1or quem o tempo * 7 1or quem n%s somos 7 Nopor quem /eus * 7 'as no seu mist*rio renovado a cada instante 7 /ele * a imagem maior..#-"de 1rimria., in Cadernos de Poesia, nH B, 89IJ$. Guando a imagem que se pretendeconstruir * apenas do domnio do simb%lico, * possvel aproveitar a significao universal daexpresso imago mundipara conceder a toda uma obra a ideia de obra ecum*nica. Nestecaso, relembrando a enciclop*dia de Donorius ,nclusus, com o ttulo Imago mundi #c. 88KK$,* a pr%pria obra de arte que se apresenta como representao universal do conecimento,provavelmente a mais ampla das imagens que podemos construir imaginariamente. 2"'14R4LM"> N2"N6> ,'4O,N4LM"> ,'4O,@'"> '6EPQ"R4> @,ON"Fib.: 4ndreR "rtonS #ed.$: Metaphor and Thought#89:8$> O. 1. 2aprettini: -,magem., inEnciclopdia, 6inaudi, vol. A8 #899T$> 1ierre 2aminade:Image et mtaphore. Un problmede poti!ue contemporaine#89UK$> @idneS ?oelson @egal #ed.$: Imager"# Current Cogniti$e%pproaches#89U8$> V. ?. E. 'itcell:-Vat ,s an ,mageW., Ne& 'iterar" (istor"#89:T$> Volfgang2lemen: The)e$elopmentof *ha+espeare,sImager" #89UU$> Volfgang,ser:The %ct of -eading. % Theor" of %esthetic -esponse#89U:$.Fonte: Instituto Ita CulturalAcesso: 2 fev. 2013.