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Editorial Toda imagem é, em potencial, material e imaterial. Se apresenta por meio de elementos aparentes e outros que não se fazem ver, mas existem e persistem diante do observador, entre as estratégias da significação e as maravilhas do onírico. O Comunicador Visual, incansável criador de imagens, vive diariamente sua busca por superar dicotomias e pensar a imagem para além da materialidade, no exercício de sua atividade projetual, que cada vez mais aproxima os polos pesquisa teórica e prática cotidiana. Ao apresentar a produção teórica e prática do curso de Comunicação Visual Design, da UFRJ, a revista imagem(i)matéria pretende constituir um espaço de reflexão e exposição necessário a todos aqueles que pensam e fazem design no cenário contemporâneo. Nesta primeira edição, agradeço aos professores: Angélica de Carvalho, Daniel Por tugal, Doris Kosminsky, Marcelo Ribeiro, Marcus Dohmann e Norma Menezes; e aos alunos: Ana Seno, Igor Amorim, que gentilmente elaboraram e cederam seus textos e imagens para a realização da publicação. Todo esforço e dedicação, que tornou possível a materialização de uma idéia, devo aos meus alunos de projeto que não pouparam esforços, enfrentando prazos curtos, aulas durante o mês de janeiro e constantes mudanças por mim solicitadas, para ao final do semestre oferecem 14 visões diferentes de como imagem e texto (transfigurado também em imagem) podem convidar à leitura e transformar o encontro leitor-revista em um momento prazeroso. Julie Pires

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Revista criada para o Projeto de Comunicação Visual de Revista pela professora Julie Pires, 2012.2 Alunas: Julianna Paraizo e Amanda Rosetti A revista imagem(i)matéria, revista do curso de Comunicação Visual Design da EBA|UFRJ, baseia-se em: “O comunicador visual é um criador de imagens. Para Jorge Frascara o exercício do design busca “traduzir o invisível em visível”, o que já aponta nossa vocação profissional para superar dicotomias e pensar a imagem além de sua materialidade. Toda imagem é, em potencial, material e imaterial. Se apresenta por meio de elementos parentes e outros que não se fazem ver, mas existem e persistem diante do observador, entre as estratégias da significação e as maravilhas do onírico. Assim, a revista imagem(i)matéria, que pode também assinar pela abreviação i(i), constitui um espaço de refl exão e exposição de nossa produção no campo da Comunicação Visual Design.”

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EditorialToda imagem é, em potencial, material e imaterial. Se apresenta por meio de

elementos aparentes e outros que não se fazem ver, mas existem e persistem diante do observador, entre as estratégias da significação e as maravilhas do onírico.

O Comunicador Visual, incansável criador de imagens, vive diariamente sua busca por superar dicotomias e pensar a imagem para além da materialidade, no exercício de sua atividade projetual, que cada vez mais aproxima os polos pesquisa teórica e prática cotidiana.

Ao apresentar a produção teórica e prática do curso de Comunicação Visual Design, da UFRJ, a revista imagem(i)matéria pretende constituir um espaço de reflexão e exposição necessário a todos aqueles que pensam e fazem design no cenário contemporâneo.

Nesta primeira edição, agradeço aos professores: Angélica de Carvalho, Daniel Portugal, Doris Kosminsky, Marcelo Ribeiro, Marcus Dohmann e Norma Menezes; e aos alunos: Ana Seno, Igor Amorim, que gentilmente elaboraram e cederam seus textos e imagens para a realização da publicação.

Todo esforço e dedicação, que tornou possível a materialização de uma idéia, devo aos meus alunos de projeto que não pouparam esforços, enfrentando prazos curtos, aulas durante o mês de janeiro e constantes mudanças por mim solicitadas, para ao final do semestre oferecem 14 visões diferentes de como imagem e texto (transfigurado também em imagem) podem convidar à leitura e transformar o encontro leitor-revista em um momento prazeroso.

Julie Pires

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5236 44Comunicação Visual contemporânea: olhares ecológicos

Uma marca dinâmica para o LabVis

Objetos da adversidade: Um olhar etnográfico sobre a recontextualização material urbana

Norma Menezes Marcus Dohmann Doris Kosminsky e Igor Amorim

sumário #1

08 2014 Livro Objeto Casa - Sentidos do habitarPercepção visual, memória e cadeira

Daniel Portugal Marcelo Ribeiro e Ana Seno Angélica de Carvalho

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imagem (i) matéria 2013.2 Percepção visual, memória e cadeira

Quando batemos o olho em uma coisa qualquer, em frações de segundo realizamos uma operação complexa que costumamos chamar de “percepção visual”. É algo tão corriqueiro que raramente nos perguntamos o que ocorre nesse tempo infinitesimal. Entretanto, uma vez que começamos a questionar essa tal “percepção”, as perguntas começam a se acumular…

Percepção visual, memória e cadeiraDaniel B. Portugal

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imagem (i) matéria 2013.2 Percepção visual, memória e cadeira

Digamos que, em um dado ambiente, eu olhe para uma cadeira parecida com a que aparece na figura a esquerda. Eu vejo imediatamente uma cadeira. Mas o que é uma cadeira se não um objeto que serve para sentar? Ora, a função de “servir para sentar” não faz parte do objeto que vejo. Eu é que atribuo a ele esta função e, por isso, dou-lhe o nome de cadeira.

Se é assim, entretanto, devo reconhecer que eu não vi, na verdade, uma cadeira. O que eu vi foi um objeto de madeira com quatro pernas e uma aparência específica ao qual, através de um ato classificatório, dei, posteriormente, o nome de cadeira. En-tretanto, mesmo nessa nova formulação, o problema permanece: “objeto”, “pernas” e “madeira” são, mais uma vez, nomes dados a alguma coisa que aparece para mim e que requerem categorias específicas para existir. Em última instância, se eu seguir este raciocínio até o fim, terei que admitir que o que efetivamente vi foi apenas uma imagem singular ainda inclassificada. Entretanto, tal suposta “imagem singular in-classificada” não faz parte de minha experiência: quando olhei para a cadeira, ela já era cadeira, e não um objeto estranho que só depois virou cadeira para mim.

Algum leitor poderia perguntar neste ponto: mas não seria irrelevante o fato de eu chamar a cadeira de cadeira? Eu vi, diria ele, o que quer que seja que estivesse na frente dos meus olhos naquele momento e depois classifiquei essa coisa como cadeira. Se fosse um objeto desconhecido, isso em nada afetaria minha maneira de percebê-lo, ele continuaria a ser o mesmo objeto, apenas eu não o consideraria uma cadeira por não atribuir a ele a função de “servir para sentar”. Será que podemos nos satisfazer com tal explicação?

A ideia do leitor é a de que eu vejo “o que está lá, na frente do meu olho” e de-pois classifico aquilo que vi. Mas o que está lá de fato, na frente dos meus olhos? Será que tenho como saber? O único acesso que tenho ao que o leitor diz “estar lá” é a imagem que vejo. Portanto, dizer que eu vejo o que está lá na frente dos meus olhos é apenas outra forma de dizer que eu vejo o que vejo. Ou seja, na minha

“Mas o que está lá de fato, na frente dos meus olhos? Será que tenho como saber?”

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imagem (i) matéria 2013.2 Percepção visual, memória e cadeira

sentidos e uma sobreposição de imagens já conhecidas, imagens-lembrança, a esta “percepção bruta”. Para citar Bergson:

Na verdade, não há percepção que não esteja impregnada de lembranças. Aos dados imediatos e presentes de nossos sentidos misturamos milhares de detalhes de nossa experiência passada. Na maio-ria das vezes, estas lembranças deslocam nossas percepções reais, das quais não retemos então mais que algumas indi-cações, simples “signos” destinados a nos traze-rem à memória antigas imagens.

Com efeito, se considerássemos todas as possíveis nuances da “percepção bru-ta”, não poderíamos produzir as ima-gens ordenadas que efetivamente vemos. Funes, o memorioso, personagem de um conto homônimo de Borges per-sonifica este paradoxo de uma percep-ção sem esquecimento:

Nós, de uma olhadela, percebemos três taças em uma mesa; Funes, todos os re-bentos e cachos e frutos que compreende uma parreira. [...]. Uma circunferência num quadro negro, um triângulo retân-gulo, um losango são formas que podem-os intuir plenamente; o mesmo acontecia a Irineu com as emaranhadas crinas de um potro, com uma ponta de gado numa coxilha, com o fogo mutável e com a inu-merável cinza, com os muitos rostos de um morto num longo velório. Não sei quantas estrelas via no céu.

Funes, com sua memória perfeita, não percebia do modo que fazemos nós, pro-jetando nas imagens nossas lembran-ças, despindo-as de suas singularidades de acordo com nossas categorias. Funes não precisava de classificações: vivia em um mundo abarrotado de inclassi-

ficáveis singularidades. Desnecessário dizer, portanto, que todas as categori-zações e ordenações, das linguísticas às visuais, pareciam-lhe absurdas, já que identificam coisas inteiramente dís-pares: aborrecia-o, por exemplo, “que o cão das três e catorze (visto de perfil) tivesse o mesmo nome que o cão das três e quarto (visto de frente). Seu próprio rosto no espelho, suas próprias mãos, surpreendiam-no todas as vezes”.

Nós, porém, que não somos Funes, precisamos de nossas categorias. Pre-cisamos da possibilidade de ordenar um mundo que, pelo menos tal como aparece para nossa “percepção bruta”, é inteiramente caótico. O fato é, enfim, que não poderíamos ver uma única ca-deira como cadeira se fôssemos privados da nossa humana, demasiado humana, capacidade de simbolizar.

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experiência, eu simplesmente vejo uma imagem. Eu nada sei do que a causou. A imagem simplesmente aparece para mim. E, como observei acima, ela nor-malmente aparece já permeada de sen-tidos. A questão que se coloca, portanto, é: eu posso separar a imagem que vejo dos significados que a permeiam na minha experiência corriqueira?

Ora, sabemos que alguns pintores impressionistas se colocaram questão bem semelhante e tentaram o experi-mento: o que eu percebo se tento ao máximo abs-trair tudo aquilo que sei sobre o mundo? Eles tentaram colocar na tela essa percepção imaculada pelo pensamento. Se um pintor quer repre-sentar cavalos correndo, por exemplo, costuma desenhá-los com quatro patas cada um, porque ele sabe que um cav-alo tem quatro patas. Mas quando ve-mos os cavalos correndo, se tentarmos abstrair o fato de que sabemos haver quatro patas se movimentando, deixa-mos de ver as patas e passamos a ver um borrão cheio de qualidades específi-cas impossíveis de descrever.

Assim, é possível fazer um esforço e abstrair da imagem que vemos uma grande parte dos significados que costu-mamos dar às coisas. Entretanto, a ima-gem resultante desse “olhar inocente” é algo muito diferente daquilo que o leitor que colocou a questão imaginava “estar lá” quando disse que via o que “estava lá” independentemente do fato de chamar o que via de cadeira ou não.

O fato é que, ao tentar abstrair os sig-nificados da imagem, a própria percep-ção muda, se torna ao mesmo tempo mais complexa e mais instável: uma massa caótica de sensações. Ou seja, as formas estáveis que acreditamos com-por os objetos só existem em um mundo já ordenado pelo nosso entendimento. Em outros termos: um mesmo “material perceptual bruto” pode se transformar em diferentes percepções conscientes dependendo de como o significamos. Na percepção auditiva, é mais fácil per-ceber o que digo: quando escutamos alguém falar uma língua estrangeira que desconhecemos, não escutamos as palavras e apenas não as entendemos. O

que escutamos é um ruído complexo no qual não conseguimos distinguir difer-entes palavras. Para que possamos sepa-rar as palavras, é preciso já conhecê-las de uma maneira ou de outra.

Outra lição interessante que se tira desta experiência de abstração é a de que significar uma imagem envolve principal-mente uma simplificação da imagem, e não, como poderíamos pensar a princípio, uma complexificação. O ato de preencher a imagem de significados é ele próprio uma espécie de abstração que ajuda a tornar tal imagem consciente como percepção. A imagem despida de sig-nificados é composta de inumeráveis singularidades, é caótica. Em nossa vida cotidiana não poderíamos viver com tal percepção caótica do mundo. Assim, abs-traímos dessa “percepção bruta” uma quantidade enorme de singularidades de modo a formatá-la em uma percep-ção visual coerente: ali uma cadeira, aqui chão, ali parede etc.

O processo de percepção visual normal envolve, portanto, uma atividade de es-quecimento de parte do dado bruto dos

“Quando olhei para a cadeira, ela já era cadeira, e não um objeto estranho que só depois virou cadeira para mim.”

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Apesar das grandes transformações que as tecnologias recentes trouxe-ram, atualmente ainda é possível evidenciar o destaque dado à edição do livro em papel e com sua organização tradicional. A relação entre o leitor, a estrutura e o conteúdo do livro pode parecer já consolidada, mas cabe a nós, designers, refletir sobre estas relações. A significação de um texto está também na forma como ele nos é apresentado.

A estrutura do livro como conhecemos hoje é chamada de códex. Com o surgimen-to da imprensa na Idade Moderna, o códex passou a ser reproduzido e fez com que o livro fosse utilizado socialmente, conferindo-lhe um status importante a partir da sua grande difusão pública. Este tipo de publicação se mantém como uma das principais formas de veiculação de conhecimento, apesar das inúmeras possibili-dades em outros meios, como as edições on line. Estas outras formas de publicação, mesmo estando livres de normas de autorização, controle e até mesmo de formas de censura, ainda farão concorrência com a bibliocultura durante um certo tempo. A publicação de um livro continua sendo um recurso de reconhecimento e crédito.

Desde o início de sua reprodução, a estrutura do livro se mantém praticamente a mesma. Dentro desta estrutura podemos notar a existência de controles sobre a leitura, que estão presentes desde a criação do livro como objeto até a ação do leitor. Diferentes elementos presentes no livro permanecem à margem, acompa-nhando e dando suporte ao texto, considerado como principal. Ou seja, a estrutura de um livro é também reconhecida pela disposição dos elementos paratextuais, que dão suporte ao texto. Podemos citar como exemplos destes elementos o índice, o prefácio, o posfácio, a dedicatória, a bibliografia, entre outros. Estes elementos paratextuais que foram mantidos e respeitados no meio editorial são uma forma de sustentar o controle sobre a leitura.

A pesquisadora Daisy Turrer observa alguns momentos em que os dados técnicos fortaleceram a ideia de oposição entre o texto principal e o paratexto:

“O trabalho do designer possibilita a reflexão na criação do livro que

escapa às noções habituais estabelecidas ao longo

do tempo e difundidas no meio editorial. “

Marcelo Ribeiro e Ana Seno

Livro objeto

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13Valorização do paratexto

Para isso, busca-se neste ensaio ter como base a revisão dos conceitos da filosofia, ou senão, apenas demonstrar a permanência da matriz platônica no pensamento teórico ocidental, mas pro-curando um deslocamento dessa rela-ção. Ao desestabilizar o pensamento das oposições binárias, Derrida se uti-liza dos mesmos autores que, apesar de ainda imersos no pensamento logocên-trico, indicam um local para além das oposições. O deslocamento realizado por Derrida, por exemplo, se apoia no pensamento clássico e, para Paulo Cesar Duque-Estrada (Duque-Estrada, 2002), há dois momentos inseparáveis:

(...) este momento de inversão é estru-turalmente inseparável de um momento de deslocamento com relação ao sistema a que antes pertenciam os termos de uma dada oposição conceitual. Estes últi-mos, uma vez deslocados para outro lu-gar, vão inscrever um outro sistema, um outro registro discursivo. Já se pode an-tever, portanto, que não se trata de uma pura e simples inversão [das oposições], nem tampouco do aprofundamento de um único e mesmo sistema conceitual. (DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar (org.). Às margens: a propósito de Derrida. Col. Teo-logia e ciências humanas. Rio de Janeiro: Ed. Puc-Rio; São Paulo: Loyola, 2002.)

As teorias elaboradas por Jacques Derrida resgatam e dão visibilidade a este espaço à margem e transforma esses elementos secundários em um objeto de estudo e reflexão. Se pensarmos a desconstrução na relação hierárquica que dava privi-légio ao texto em relação aos outros ele-

mentos do livro impresso, pode-se dizer que se abre a possibilidade de valorizar o paratexto, compreendido como se-cundário, desestabilizando o texto prin-cipal e consequentemente o privilégio do escritor como elemento central em um livro. Esta postura é uma parcela fundamental aos estudos em Design gráfico, pois reavalia a importância dos estudos da ilustração, da tipografia, da mancha gráfica, entre outros. Ou seja, dão visibilidade a elementos que sem-pre foram compreendidos como peças secundárias deste objeto.

Também devemos considerar a afir-mação de Rachel Nigro (Nigro, 2004), quando considera que a desconstrução não é “um vale-tudo ou uma destruição niilista”. A desconstrução é em resumo, uma “postura diante da leitura de tex-tos”. (NIGRO, Rachel. O Direito da Des-construção. In: DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar (org.). Desconstrução e ética: ecos de Jacques Derrida. Rio de Janeiro: Ed. Puc-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. 248p. P. 93-94)

Exploração e participação do leitor

A estrutura do livro impresso, pensada inicialmente como uma cidade fortificada, pode também ser apresentada por meio da valorização dos detalhes que chamamos de elementos paratextuais: ilustrações, manchas gráficas, lombadas, entre outras.

São exemplos dessa exploração e participação do leitor, os livros produzidos pela editora Visual Editions. “The Life and Opinions of Tristram Shandy, Gentleman” foi escrito no século XVIII e publicado pela editora com a proposta de adicionar novos elementos visuais, mantendo o mesmo espírito do livro. Em “Tree of Codes”, o autor americano Jonathan Safran Froen cria uma infinidade de possibilidades de leitura ao cortar partes do texto da publicação “The Street of Crocodiles” de Bruno Schulz. As partes cortadas permitem a leitura de múltiplas páginas ao mesmo tempo.

Por meio de um diferente olhar para a estrutura, o livro-objeto nos oferece uma realidade de transformação do artefato editorial cotidiano e das nossas atividades tradicionais de leitor. Ao repensar o design e a feitura do livro, estamos dando uma

A estrutura do livro impresso passa a ser oferecida, antecipadamente, pela disposição gráfica de seus elementos paratextuais. Pode-se dizer que a ar-quitetura da folha de rosto do século XVI institui um modelo que se repete e permanece ainda no século XVII, para depois se transformar e se fixar de forma mais rígida no final do século XVIII e no XIX. A partir de então, formata-se o livro levando-se em consideração a exteriori-zação do texto por outra espacialidade, a folha de rosto se desdobra e ganha várias páginas, separando título, dedicatória, epígrafe, índice e prólogo. O paratexto torna-se uma cidade fortificada em torno do texto, fortalece e coloca em evidência o autor. Todos os elementos que fazem parte da publicação de um livro e o colocam em circulação passam a ocupar lugares deter-minados, definidos por fronteiras rígidas, estabelecendo-se uma relação hierárquica entre texto e margem. (TURRER, Daisy. O livro de artista e o paratexto. Pós: Belo Ho-rizonte, v. 2, n. 3, p. 73 - 81, mai. 2012. P. 74-75)

Podemos dizer que ainda hoje há este tipo de indicação e para essa classificação hierárquica foi importante a relação en-tre arquitetura e o códex. Nomenclatu-ras de elementos que cons-tituem o livro também estão presentes no cotidiano do projeto arquitetônico: citamos como exem-plo, o frontispício que na arquitetura sig-nifica a fachada de uma construção e que se tornou também uma página do livro que pode ser decorada com desenhos envolvendo títulos e textos, sobretudo entre os séculos XVI e XVIII. Outro exem-plo da analogia com a arquitetura são as ilustrações, que ornam um impresso com gravuras ou figuras alusivas ao texto.

Os elementos pré-textuais e pós-tex-tuais formam camadas que, tradicional-mente, envolvem um texto de autoria definida. O contexto histórico citado an-teriormente construiu a ideia que sus-tenta o profissional da área de Comuni-cação Visual Design como construtor e mantenedor de limites que garantem a proteção de um ‘corpo principal’, sendo os principais elementos criados pelo es-critor. O que vemos é uma repetição da estrutura tradicional do livro, que propõe uma leitura linear do texto e uma “não-leitura” dos elementos paratextuais.

Apesar de muitas dessas normas terem sido criadas para facilitar o trabalho téc-nico para a publicação de um texto no passado, elas ainda sobrevivem no livro ou mesmo em um documento eletrônico, como elementos que avalizam o conteúdo criado pelo autor e sustentam a oposição entre texto principal e o paratexto.

O trabalho do designer possibilita a reflexão na criação do livro que escapa às noções habituais estabelecidas ao longo do tempo e difundidas no meio editorial. Nossa proposta é iniciar um breve apontamento a respeito do livro visto como objeto e contribuir para um melhor en-tendimento da complexa relação entre designer-artefato e leitorvdo livro, que se tornaram, ao longo do tempo, sofistica-dos e complexos.

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nova significação ao texto e ao paratexto. Este tipo de livro se propõe a estabelecer um diálogo com o usuário, na intenção de produzir uma experiência multissensorial mar-cante que nos envolve: nossa memória dos sentidos do tato e da visão são afetadas ao explorar as estruturas tridimensionais do livro, na feitura e na utilização da obra.

Diferente do livro em que se busca um sentido pré-determinado, no livro-objeto, o conteúdo se estabelece com a participação do leitor-usuário. Dentro deste diálogo estão presentes uma multiplicidade de sentidos e o lúdico do objeto.

Estabelecemos o mesmo tipo de diálogo quando, por exemplo, abrimos um encarte de CD e procuramos desdobrar as possibilidades da peça gráfica. Tais possibilidades vão além do conteúdo visual, de sua utilidade e praticidade. Mesmo quando contamos com um número limitado de possibilidades, a tendência é procurar esgotar as formas possíveis. Ao manusear um objeto estamos adicionando experiências sensoriais que alteram nossa compreensão do mesmo. Permitir ao usuário explorar possibilidades é pensar que o produto final possui também parte da autoria de quem o utiliza.

No livro-objeto mais do que decifrá-lo, a proposta é experimentá-lo. O usuário não é apenas um participante e sim o agente principal, onde o objeto não existe sem ele. Um único movimento pode transformar toda sua estrutura. Nesta conversa, o usuário é convidado a estabelecer metáforas ao desdobrar, construir, montar e desmontar, ou simplesmente folhear um livro-objeto, transformando a matéria inerte em um suporte para criar ilusões.

No livro-objeto mostrado ao decorrer dessa matéria, podemos observar que a flexi-bilidade, a tensão e a posição estável, o esforço e a movimentação em si, permitem ao usuário a experiência que se torna o conteúdo principal do livro.

“Diferente do livro em que se busca um sentido pré-determinado, no livro-objeto, o conteúdo se

estabelece com a participação do leitor-usuário. “

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Para isso ele julga importante não considerarmos apenas a ecologia ambiental mas sim a consciência sobre uma múltipla ecologia que seria das relações sociais, da subjetividade humana e do meio ambiente. Ele fala de uma revolução política, social e cultural e que esta seria necessária não só em grande escala como também nos “domínios moleculares” da sensibilidade, da inteligência e do desejo. E isso só seria possível se trabalhássemos em micro instancias, isto é, se tornássemos efetivo o tra-balho considerando as micro escalas de relacionamento social, subjetivo e ambiental.

Ele escreveu este livro há 20 anos. Devemos portanto considerar que de lá pra cá muita coisa se sedimentou assim como outras se volatilizaram nos “ismos” do pos modernismo. Mas um aspecto importante, o da subjetividade, foi amplamente ma-nipulado pelo consumo de massa e hoje se torna palavra de lei, ao que ele chama de “serialismo de mídia” (mesmo ideal de status, mesmas modas, mesmos funk, hiphop etc.), já não nos permite ser capazes de nos vestir diferente de todos, termos hábitos diferentes, pois seríamos tratados como Ets! A complexidade humana, antes tradu-zida pelos tratados da psique, pelos estudos clássicos do comportamento humano, regidos por uma linearidade planejada sobre as coisas, hoje já não é mais capaz de resolver os problemas da humanidade em âmbito algum! O próprio conceito de cultura hoje está comprometido².

¹ Este último, muito vantajoso para o aumento de consumo e a obsolescência planejada.² Ler o livro A Idéia de Cultura de Terry Eagleton em que ele posiciona o conceito de cultura histórico e etmologicamente.

No livro As Três Ecologias, Guattari posiciona o homem pós moderno em uma situação de “ossificação”(eu diria engessamento) diante das “alternativas” impostas pelo consumo de massa. Ele acredita que a relação de subjetividade que temos para com tudo e todos (social,

animal, etc) está seriamente comprometida pelo consumo global pós moderno e coloca que o que está em jogo é como se viver daqui em diante, num contexto de aceleradas modificações e mutações técnicas e sobretudo com o aumento populacional ¹.

Comunicação Visual contemporânea: olhares ecológicos

Norma Menezes

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“O próprio conceito de cultura hoje está comprometido.”

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versal tão necessário as nossas ecologias. A transversalidade do ambiente virtual deveria estar equilibrada aos valores transversias “palpáveis” da humanidade.

Guattari e muitos outros já prenun-ciavam que o Capitalismo Mundial In-tegrado, ou Capitalismo Mundial Tar-dio, ou simplesmente capitalismo (i.e. a globalização do capital) iria se inscrever numa curva de crescimento logarítmico sem precedentes. A questão é saber até quando o Capital Natural (Lovins & Lovins, 1999) irá resistir ou se haverão operadores ecológicos que orientarão essa transversalidade de uma forma menos “sem saída” e absurda que ele. Atualmente, existe um movimento de mu-dança para a medição da qualidade de vida das populações em substituição ao valor do PIB cuja matemática não caracteriza as qualidades totais para uma sociedade saudável, economicamente equânime e ambientalmente sustentável: A ideia de FIB – Felicidade Interna Bruta, cuja origem butanesa rapidamente se espa-lhou pelo mundo e que vem medindo as populações dos países em geral, princi-

palmente os em desenvolvimento, pelo seu grau de satisfação pessoal e das co-munidades. No entanto até pelo valor de FIB - Felicidade Interna Bruta já encon-tramos deturpação na aplicação de seu valor chave e que este não estaria mais ligado ao bem estar social (saúde, alimen-tação, saneamento, educação, lazer) e sim a “quanto” de entrenimento e aparatus tecnológico essas populações podem possuir! E este cenário acena para um futuro assustador!

Varios teóricos postulam serem as artes, em especial as aplicadas, a práxis precurso-ra ao caminho desta “reinvenção” humana. Considerando o ser criativo como aquele capaz de tomar para si uma ecologia do im-aginário humano podemos acreditar nisso, uma vez o imaginário (aquilo que vem da imaginação) pertencer ao campo das sub-jetividades e estas poderem ser tratadas de forma ecológica, logo concordamos com tais teóricos sobre a importância de sermos eco designers de comunicação visual! No sentido de ecoarmos os diversos campos de resignificaçao humana tão necessários a nossa qualidade de vida.

Títulos a parte, consideremos o que Terry Eagleton, teórico da cultura con-temporânea postula sobre o gap (espaço a preencher) entre questões humana-mente significativas:

“A teoria cultural tal como a vemos, promete atacar alguns problemas fun-damentais, mas, no todo, falha. Tem sido acanhada com respeito a mor-alidade e a metafísica, embaraçada quando se trata de amor, biologia, re-ligião e revolução, grandemente silen-ciosa sobre o mal, reticente a respeito da morte e do sofrimento, dogmática sobre essenciais, universais e funda-mentos, e superficial a respeito de ver-dade, objetividade e ação desinteressa-da. Por qualquer estimativa, essa é uma parcela da existência humana dema-siado grande para ser frustrada. Além disso, este é um momento bastante em-baraçoso da história para que nos ache-mos com pouco ou nada a dizer sobre questões tão fundamentais. Vejamos se podemos começar a corrigir nossas de-ficiências abordando esses problemas sob uma outra luz.”

Hoje somos todos “eternamente jovens”, esmagados pelas relações econômicas que nos conferem apenas o direito de “sermos globalizados”, acreditamos que ser “in” é poder conhecer sobre o último lançamento de um aparato tecnológico re-cém lançado, ou de uma musica ou o que seja, na tentativa frágil de constituir um mínimo território existencial e com isso nossa identidade. Ainda que seja inato ao ser humano as características existenciais de medir qualidade, buscar proximidade, verificar semelhança e obter simpatia, estas são abusivamente exploradas pelas estratégias de marketing, na manipu-lação destes valores, não permitindo sua utilização para outro fim que não seja o do consumo desenfreado. O reconhecimento destes valores por boa parte da humani-dade, determinaria sua melhor utilização.

O pós modernismo já tratou (e destra-tou!) inúmeros contextos de rupturas, de descentramento, de globalização, de achatamento das massas, de tudo! E já não funcionam mais os mecanismos só-cio políticos do Séc XX. (toda a política de globalização prova isso) A Igreja “já era” (há

muito tempo!) e o Estado também. O que sobra? O homem desprovido de um senti-do de propriedade de si mesmo, (sem nada para por em troca!). Lembram do ditado que diz que “cabeça vazia é lugar do cape-ta?” Bem, esse tal “capeta” poderia estar tra-duzido nos interesses das grandes corpo-rações e ao capital flutuante multinacional na imposição do consumo de massas.

Mas, deixemos de figurações e volte-mos a Guattari. Ele postula que este novo sentido para a práxis humana estaria sob a égide de uma perspectiva ético-política e que a problemática da existência hu-mana neste novo contexto histórico deveria se ater a “desenvolver práticas específicas que tendam a modificar e reinventar maneiras de ser no seio do ser, do casal, da família, do contexto ur-bano, do trabalho, etc.”, a que ele chama de ecosofia ou lógica das intensidades. Outros teóricos do pensamento e práxis humana encontraram outras denomi-nações para este reinventar de um es-tado de Ser, mas o importante disso tudo é compreendermos que na atual descentralização do ser desejo em si

mesmo, para o ser desejo no desejo do outro (Arruda, 1999), não estamos cons-truindo o ser-em-grupo saudável, nem pra humanidade, muito menos para o meio ambiente!

Encontrar no campo prático-profissional do design o pensamento de Guattari, seria trabalharmos o design como cerne gera-dor e planejador de ações mais justas (no sentido de ajustadas) a presente urgen-cia socio ambiental. Em outras palavras, fazer design deveria significar assegu-rar a nossa sobrevivência na Terra e não comprometê-la levando-nos a exaustão de recursos, físicos, sociais e subjetivos.

A frase a seguir, formulada por Guattari, parece ser instigante na promoção deste novo fazer design ecológico: “O inscons-ciente permanece agarrado em fixações arcaicas apenas enquanto nenhum enga-jamento o faz projetar-se para o futuro”. Ao que parece, satisfazemos esse nosso futuro pela “viajem” infinita das pos-sibilidades do mundo virtual. Mas e o mundo físico?... É importante que a sub-jetividade seja trabalhada em ambos am-bientes... Esse seria o pensamento trans-

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“Fazer design deveria significar assegurar a nossa sobrevivência na Terra e não comprometê-la levando-nos

a exaustão de recursos, físicos, sociais e subjetivos.

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“A FUNÇÃO PRIMEIRA DO DESIGNER É: MELHORAR A QUALIDADE DE VIDA DAS PESSOAS E CONSEQUENTEMENTE DO AMBIENTE QUE AS CERCA” ao que acrescentaríamos: A

RESPONSABILIDADE SOBRE O PROCESSO CRIATIVO E SEU EFEITO EXPANCIONAL.”

Referencias BibliográficasBonsiepe, Gui – Teoria e Prática do Design In-dustrial. Edição Portuguesa Centro Português de Design, Lisboa 1992Eagleton, Terry. A Ideia de Cultura. Editora Unesp. São Paulo, 2003.______ Depois da Teoria. Ed Civilização Bra-sileira. Rio de Janeiro, 2003Guattari, Felix – As Três Ecologias. Papirus Editora. Campinas, 2001.Hawken, Paul & Lovins, A.& Lovins, L.H. Natu-ral Capitalism. Back Bay Books. NY, 1999Arruda, Francimar Duarte. – Tese de Douto-rado – Niteroi: UFF, 1999.

Eu diria que, a arte, seja ela aplicada a fins comerciais e de produção seriada ou não, deve servir como partida para um fazer ético universal. Infelizmente, para a maioria das mentes criativas tudo isso não passa de uma falácia, pois embe-vecidos com as inúmeras possibilidades que a tecnologia estado-da-arte oferece a cada minuto, deferem um segundo plano a estas questões.

Em origem o homem é objetivo e sub-jetivo, daí podermos criar um universo todo próprio de representações em linguagens as mais diversas que tem origem em nossos instintos e percepção. Por termos como capacidade esta infini-ta fonte possibilidades (as linguagens que construímos), basta-nos escolher que caminho redesenhar. Começar uma sociedade justa depende de reconhecer-mos que objetividade e ética não são coisas do passado e que apesar de todo movimento de desconstrução humana, o senso de sobrevivência perdura e com ele a linguagem se adequa à formulação de novas formas de ser e estar com o outro.

Um outro ponto importante, caracterís-

tico do pós modernismo é o fato de não temos mais informações sobre o mundo e sim temos o mundo como informação. O anti realismo já não é mais teoria, faz parte do cotidiano virtual em que esta-mos inseridos. A própria cultura de massa dá formato, incorpora-o em nosso dia-a-dia. Viramos fantoches exibicionistas em uma busca frenética por identidade.

Se visto sob uma perspectiva posta por Guattari, poderíamos dizer que: a eco-logia mental de que precisamos para a reformulação das questões de sobre vivência humanas deveria se apropriar dos estudos da subjetividade criativa e plantar as sementes de novas formas de Ser sujeito singular. No entanto, jogar o jogo da ecologia do imaginário pode ser tanto quanto perigoso (quando e porque criamos para a manipulação humanas) quanto profícuo (quando revientamos formas singulares e ecológicas de ser e agir). Seja na vida social, na vida indi-vidual ou coletiva a ecologia mental não deve se valer de conceitos importados de estudos sobre a psique humana. Ela necessita se apropriar de tudo o que já

vivemos e que desejamos ainda viver para editar então uma práxis ecológica. E essa propriedade pertence ao campo da criação e não de padrões cataloga-dos da experiência humana. É o novo, novamente planejado.

Sendo assim, e dando foco ao principal assunto tratado no livro de Guattari, (as ecologias social e subjetivas), devería-mos focar o desenvolvimento de projetos em comunicação visual design que pro-movam um investimento efetivo e prag-mático em grupos humanos diversos, cuja demanda por afeto (do latim afectio = poder de afetar e ser afetado) ocorram.

A arte sempre propôs ser transnacion-al, cabe a nós, designers criativos, plane-jarmos e criarmos essa transcendência de forma a garantir a sobrevivência den-tro de padrões de vida sustentáveis, res-peitando a diversidade e, trabalhando em pequenos nichos, produzir efetivas ações siginificativas. Ou não seria essa a nossa função maior, postulada por Bonsiepe:

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Casa: sentidos do habitarAngélica de Carvalho

Havia muita expectativa no início da disciplina Fotografia I. Descobri que, para muitos, como alunos do segundo período, é uma das disci-plinas mais esperadas do curso. O que me fez pensar no encantamen-to que a fotografia exerce, mesmo com a avalanche de imagens da era digital. Partindo da ementa, os alunos deveriam adquirir noções básicas da técnica para expandi-las no desenvolvimento de um ex-

pressão fotográfica. Iniciamos com algumas questões que nos direcionaram e com a tentativa de descobrir o que os alunos esperavam. Muitos pretendiam desvendar as funcionalidades do equipamento para expressar ou capturar algo. Quase sem-pre um conceito a ser expressado, transmitido através da imagem fotográfica. Como começamos a fotografar e a pensar a fotografia? Por quê fotografamos? O que seria o olhar construído com o aparelho, transformado com o aparelho? Nos pergunta-mos: que aparelho é esse com o qual iríamos trabalhar? Quanto ao aparelho fotográ-fico, hoje, com o uso massivo das câmeras digitais, muito mais “caixa preta” do que

antes, encontrei alunos que já haviam desenvolvido alguns trabalhos, mesmo na esfera profissional, e que não conhe-ciam bem os princípios básicos envolvi-dos na produção da imagem fotográfica. Nos primeiros dias, após as entrevistas, identifiquei um enorme desejo pelo aprendizado da técnica para aplicá-la a conceitos que deveriam ser em imagens. Talvez, o desejo por um roteiro de regras básicas a seguir. Jogo? Pensando com Flusser (1985), de certa forma, sim, mas era preciso conhecer as regras e sub-vertê-las. Necessário entender que se poderia pensar para além da linearidade dos conceitos, devolvendo à imagem a possibilidade de abertura para outras dimensões e significações (ibidem, p. 8). Não se deter às regras funcionais de um programa pré-definido, mas visar o “branqueamento dessa caixa” na relação subjetiva do complexo “operador-aparel-ho” (ibidem, p.11), conhecendo fissuras - passagens vivenciadas e abertas durante o processo de um olhar com, de um refle-tir a construção de imagens como um de-sejo de criar, como um desejo de iluminar.

Nos arriscamos então, a construir um projeto de final de semestre buscando a potencialização de uma sensação como uma vontade que se elabora em ima-gens, que constrói um ser em devir, ser que ilumina e cria realidades. Ainda que Fotografia I fosse um curso introdutório, acreditei que o desenvolvimento do trabalho deveria ultrapassar a funcion-alidade do aparelho na dimensão de um gesto do olhar.

Refletimos então, sobre o gesto que se dá na imersão do processo, enquanto o olhar modifica e é modificado, quando, distanciados da percepção cotidiana da ação, deixamos que o tempo possa atu-ar, redimensionado no alargamento do instante poético.

“Casa” delineava apenas um título geral do tema proposto, no primeiro dia de aula, como uma provocação para que to-dos os alunos, a partir de reflexões gera-das junto à turma, pudessem desenvolver o trabalho final da disciplina. A proposta pretendia dirigir a atenção, para nos aproximarmos, diferentemente, de algo supostamente conhecido. Assim, o tema

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inicialmente entendido como casa física, espaço arquitetônico, foi aos poucos sen-do expandido e, com a ajuda dos debates e das orientações, fomos definindo, em cada projeto, um sentimento de habitar. Nos perguntávamos: o que é casa para mim? O que não é? Qual o avesso do se sentir em casa? Esses sentimentos são realmente antagônicos? Quais os es-paços do mundo onde me sinto em casa? Essa casa pode existir no meu corpo? Nos meus amigos? Na minha família? Que espaços do mundo abrigam ou repelem, nutrindo um ser em devir?

Dois textos centrais guiaram o proces-so de construção do ensaio: A Filosofia da Caixa Preta, de Vilém Flusser e a Poé-tica do Espaço de Gaston Bachelard. Com Flusser pensamos sobre as possíveis sig-nificações que as imagens técnicas ad-quirem em sua dimensão histórica. Dis-cutimos as implicações da linearidade do pensamento ocidental e o campo de contradições e possibilidades no qual a imagem se instaura como mediação entre o homem e o mundo. Com a in-trodução da Poética do Espaço busca-

mos potencializar o processo de criação com uma abertura ao lugar do vínculo; seguindo Bachelard, adotamos a noção de “topofilia” (1993, p.19). A habitação seria, numa perspectiva íntima, um es-paço de criação do ser – ser da imagem, com seu delineamento e existência in-ternos a ela, com seus sentidos e poten-cialidades vivenciados como uma reali-dade inaugural, criada na imagem. Sua coerência se dava independente de el-ementos externos a ela. Assim, a noção de habitação acabava por elaborar uma imagem imprevista.

Nessa perspectiva, a ideia inicial de representação de um conceito, coloca-da por alguns alunos, revelou-se inútil dentro de um processo de criação no qual possíveis conceitos se constroem por dentro do processo, onde direções a priori, poderiam funcionar apenas como um delineamento sutil do tema. Estávamos refletindo sobre sentimen-tos muito fluídos, guiados por sonori-dades de uma imagem poética, que, por seu caráter variacional, elabora in-finitamente um ser em sua atualidade

– um ser da imagem em tal concretude e mutabilidade que, qualquer tentativa de mera representação ou de fixação em um conceito, asfixiava e diminuía as possibilidades do trabalho.

Retornando a pergunta: o que seria o olhar construído com o aparelho? O que muda quando o meu gesto de olhar com a câmera se configura no ato fotográ-fico? Excluindo os aspectos legais, como responder a pergunta – de quem é essa foto? Do fotógrafo? Do modelo? E quem vê essa imagem, também, de certa for-ma, não a engendra? Estas perguntas nos ajudaram a estar no processo de criação da imagem com uma abertura maior a um campo de possibilidades onde o fotógrafo, assim como o poeta, é “aquele que conhece, isto é, que tran-scende, e dá nome ao que conhece” (1993, p.15) e onde os limites entre ob-jeto e sujeito se diluem. O trabalho se desenvolveu então, como uma abertu-ra a algo que se deu a conhecer no pro-cesso, que se instaurou e continuou em uma imagem poética, no processo de repercussão da imagem.

“Nos perguntávamos: o que é casa para mim?”

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“Quando me deparei com o questiona-mento do que seria “casa”, percebi que para mim, ela constituía mais do que um espaço físico. Bachelard compara casa a uma “topografia de nosso ser íntimo” e partindo disso, me coloquei como objeto central de meu processo criativo, buscando explorar, analisar e questionar minha própria intimidade.”...

Amanda Rosetti“...Comida é união. Você sai com seus

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“Comida é união. Você sai com seus amigos para comer... e ela está sempre lá, apoiando uma conversa, ou po-dendo até ser o tema de uma... É nisso que o meu trabalho também se baseia, em como a comida está presente em nossas relações. Então, comecei muito resistente, com a ideia fixa de tentar reproduzir isto, até que chegou uma hora em que tateei no escuro. Só consigo perceber o rumo que tomei agora que o projeto terminou. Só agora consigo ver o que dominou o meu olhar... Me perdi muitas vezes sem saber o que fazer, mas essas perdas me levaram a resultados melhores... Passei a ver com outros olhos as pessoas que eu amo, as cachorras que eu amo, as atividades que eu amo, mudanças que eu nunca achei que fossem possíveis...”

Livia Prata

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27Bahamut, meu desprazer. Sua chegada trouxe consigo muitas desgraças, instan-taneamente remetidas por mim, a ele. Minha casa se tornou um lugar sombrio e desconfortável com tais acontecimentos. Entretanto, com o desenrolar do ensaio, percebi que o que mais me desagradava naquele gato, era que eu me via nele e em cada um de seus olhares.”

Lara Torres

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“...Foi difícil encontrar um caminho para o tema do projeto. Quanto mais esforço era feito mais longe ficavam os resultados. Foi só quando comecei a relaxar e me deixar levar, que os caminhos foram surgindo e o ensaio acabou ficando muito mais rico e profundo do que eu tinha planejado inicialmente. O processo me fez entrar em contato com sentimentos que antes me negava a deixar fluir. Passei a olhar o momento que minha casa passa de outra forma...”

Mayara Lista

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“...Queria algo diferente, divertido, que despertasse um sorriso espontâneo em quem visse minhas fotos; mas como se minha inspiração não aparecia?... Foi trabal-hoso e demorado... Achar cenas que, de alguma forma, deixassem as pessoas livres para imaginar... ‘espaços em branco’! Comecei a criar mais intimidade com o tema e, no final, até que deu certo! Uma frase que a professora disse: ‘suas fotos têm essa coisa engraçada’. Isso me remeteu à primeira ideia do projeto e me deixou muito feliz, pois consegui alcançar os objetivos.”

Beatriz Barcelos

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imagem (i) matéria 2013.2 Casa - Sentidos do habitar

“...Alma e local... Anterior a esse laço, o que existia era o desejo de conhecer o que se tratava de um mistério... Fui apresentada à cidade do Rio de Janeiro com a visão de mundo de uma adolescente... O que encontrei não foi o caos de que ouvia falar, mas algo muito maior do que qualquer resistência que eu pudesse ter levantado...”

Hend Karime Ayoub

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Referências BibliográficasBACHELARD, Gaston. A poética do Es-

paço; tradução Antonio de Pádua Danesi. 1ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

FLUSSER, Vilem. A filosofia da caixa pre-ta. São Paulo: Ed. Hucitec,1985.

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Categorias utensílios domésticos/Bules e canecas - Acervo Lina Bo Bardi - São Paulo/SP

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Objetos da adversidade:

Marcus Dohmann

sta pesquisa, empreendida ao longo de 12 meses, no período de agosto de 2011 a agosto de 2012, com a finalidade de obter o título de pós-doutoramento, foi desenvolvida no Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ, na linha de pesquisa de Cultura e Desenvolvimento, sob a supervisão da Profª. Drª. Rosza W. vel Zoladz e dá continuidade ao grande interesse despertado sobre os objetos e cultuado desde o meu ingresso na graduação em Desenho Industrial, na década de 1970; gradativamente encorpado na trajetória das pesquisas empreendidas durante o Mestrado e Doutorado, junto ao Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ, ao longo dos últimos 15 anos.

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Um olhar etnográfico sobre a recontextualização material urbana

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conectam indivíduos com as suas realidades, segundo técnicas nada convencio-nais, ou mesmo, a partir da total ausência destas.

Entendendo que as ciências e as técnicas são inextricáveis dos modos de percep-ção humana, empreende-se aqui um relato sobre alguns aspectos dessa experiência material urbana, onde habilidade e percepção se misturaram definitivamente para a geração de soluções materiais oriundas da cultura pós-industrial.

Desta sorte, o artefato, como resultado da tríade meio/homem/habilidade, no sen-tido da técnica, mais investido de função e finalidade do que de sentido e repre-sentação, tem seu contorno evidenciado como elemento central desta pesquisa, ao apresentar novas facetas que permitem ao leitor situá-lo e, sobretudo, entendê-lo como mediador entre o homem e o ambiente urbano.

As imagens coletadas ao longo da pesquisa testemunham de forma inegável uma parcela pouco revelada e estudada da história tecnológica das sociedades, além de refletirem exemplos do psiquismo individual e dos seus meios sociais.

Lanterna feita através da recontextualização material de lata de conserva - Imagens do autor.

Quando imaginei o título “Objetos da adversidade” percebi que seria a expres-são mais adequada e o ponto de partida para categorizar o sentido singular que a palavra objeto representa no conjunto de casos estudados. A temática do objeto aqui abordada em investigação profunda expõe sua condição pós-industrial como eixo temático e denominador comum.

Nessa relação objeto/sujeito, face ao restrito referencial teórico existente, inaugurado por Lina Bo Bardi, em suas pesquisas no Nordeste do Brasil, na década de 1960, torna-se necessária a construção de princípios analíticos es-pecíficos para sua compreensão, fun-damentando teorias e hipóteses para o estudo sobre esta nova ordem dos arte-fatos, nem industrial, nem artesanal.

O estudo aqui apresentado inicia um trabalho idealizado há mais de dez anos, para a construção de um Núcleo de Estudos do Objeto [NEO], para onde procuro convergir olhares multidiscipli-nares que têm no sistema de objetos seu ponto comum de investigação e, ao mesmo tempo, procurando redefinir

“Viver, de todo modo, provoca necessidades que, por sua vez, são atendidas com objetos, artefatos ou produtos,

mediante funções que ligam o homem aos seus objetos.”

termos e noções nos modos de pensar e ver a nossa cultura material.

Como resultado, esta pesquisa resgata uma consistente iniciativa que chama a atenção para a questão da experiência material humana, sobretudo, mais es-pecificamente, no processo de reapro-veitamento dos refugos materiais junto às categorias menos favorecidas dos grandes centros urbanos.

“Objetos da adversidade” lança um olhar etnográfico sobre os artefatos como com-panheiros nas experiências da vida coti-diana urbana simples, captando a relação objeto-indivíduo, então transformada em um predicado da própria sobrevivência.

Concordando que nos tempos atuais a sociedade humana experimenta uma imersão total no culto aos objetos, que se renovam e multiplicam aos milhares, configurando o nosso entorno e influen-ciando profundamente nossas relações sociais, esta abordagem expõe artefatos, sujeitos e novos sentidos em uma mistu-ra que proporciona renovadas reflexões acerca desse fantástico universo físico tão presente no cotidiano do homem.

Com a intenção de chamar a atenção para um novo olhar que visa compre-ender uma faceta mais obscura des-se universo material que nos cerca, fundamentado em um levantamento sobre a reutilização dos objetos des-cartados pela sociedade de consumo, este estudo foi idealizado sob um viés diferenciado, onde a carência mate-rial identifica-se como fator motivador para a inventividade dos indivíduos.

Viver, de todo modo, provoca necessi-dades que, por sua vez, são atendidas com objetos, artefatos ou produtos, me-diante a funções que ligam o homem aos seus objetivos.

No sentido do objeto ter a função de aproximar o indivíduo dos seus resul-tados, facilitando, surpreendendo ou emocionando, apresenta-se aqui uma questão problematizada, transfigurada no jeitinho brasileiro que, sob um viés empirista, registra maneiras incomuns de lidar com as situações advindas da carência material; a partir do improviso de soluções verdadeiramente espontâ-neas e intuitivas, nas quais os objetos

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Cumprindo o objetivo de destacar, regis-trar e documentar a produção material dessa verdadeira “massa que inventa”, em expressão adotada pela própria Lina Bo Bardi, o presente estudo tem o seu di-ferencial perpassado por esta etnografia visual que revela a originalidade des-sas criações; identificadas em um triste exemplo do gap social da cultura material urbana, quando utiliza iniciativas fundi-das na informalidade e na marginalidade da sociedade de consumo, subvertendo os artefatos no seu processo original de uso, em curiosas assemblages, combinando e adicionando-lhes novas funções.

De acordo com Lina Bo Bardi, o concei-to de “design popular” era fortemente marcado pelo aspecto alternativo que as produções materiais apresentavam, so-bretudo no tangente às relações sociais através delas empreendidas.

Deste instável e imprevisível cam-po de produção poderemos traçar dois grandes grupos iniciais: um primeiro, categorizado a partir dos objetos da au-tonomia, ligados ao entorno mais ime-diato dos indivíduos e caracterizado pe-

los utensílios da vida cotidiana, em uma produção voltada de forma exclusiva ao valor de uso dos artefatos; e uma segun-da categoria caracterizada pelos objetos da subserviência, muitas vezes vistos como falsos retratos de uma imagem “simples e bondosa” do homem do ser-tão nordestino, que nas figuras de barro e estórias de cordel têm estampados o seu exclusivo valor de troca.

A documentação deste inventário, pre-conizado no estudo feito por Lina, está estruturada com base no binômio da necessidade e do utilitarismo que, ao mesmo tempo em que estabelece o cri-tério fundamental que valorizava o lado positivo dos objetos criados neste tipo de produção alternativa, procura supe-rar sua carência sígnica, portando algo mais do que simples valores sociais sub-jetivos que possam refletir a capacidade inventiva do povo no sentido de dobrar e contornar as multifacetadas barreiras da necessidade em favor da sobrevivência.

A princípio pensou-se em uma delimi-tação para essa pesquisa, em um espaço a ser compreendido principalmente pe-

las zonas Sul e Centro da cidade do Rio de Janeiro, porém no decorrer da inves-tigação surgiram outros exemplos signi-ficativos e interessantes de serem regis-trados, talvez menos pela quantidade, e mais pela variedade de composições re-contextualizadas a partir dos materiais residuais encontrados.

Como metodologia empregada para o registro dos dados coletados, incluiu-se o levantamento fotográfico e o trata-mento gráfico-analítico de alguns des-ses objetos investigados, procurando detalhá-los um pouco mais através de desenhos ilustrativos para o auxílio na compreensão das formas estudadas, por vezes necessário devido à complexidade de detalhes das peças empregadas.

Com a preocupação de registrar a efê-mera presença desses fascinantes obje-tos que se criam e se perdem diariamen-te na resposta às necessidades e desejos materializados pela prática da improvi-sação, o presente trabalho reafirma a sua importância na documentação dessas emblemáticas manifestações configura-das pela imaginação dos indivíduos que

“Júnior do Churrasquinho”/São Cristóvão/RJ - Imagens do autor

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imagem (i) matéria 2013.2 Objetos da adversidade

Nas grandes capitais como o Rio de Janeiro, o lixo é uma fonte de sobrevivência para milhares de indivíduos, entre adultos e crianças. Ainda que em pequenas quantidades, múltiplas funções são desempenhadas antes do destino

final dos materiais descartados nos lixões.

vivem de forma mais intensa as carên-cias do ambiente urbano que os cerca.

Artefatos recontextualizados a partir da lata abandonada na esquina, da ge-ladeira descartada, do pneu usado e des-gastado junto à calçada, expõem e iden-tificam traços e peculiaridades de uma cultura material advinda da urbe e res-sucitada em uma segunda vida, através de arranjos e composições carregados com novos propósitos e intenções; cons-truídos com o auxílio de ferramentas simples e saberes empíricos, para a for-mação de um singular universo material presente nas ruas, exclusivamente clas-sificado pelos seus atributos funcionais.

Para finalizar, entendendo que a his-tória oral dos atores sociais envolvidos configura um testemunho real do jeiti-nho brasileiro, o qual, sob um viés em-pirista, denota uma maneira especial de lidar com as situações, a partir do impro-viso e da espontaneidade de soluções para os problemas materiais do cotidia-no dessa gente.

Nesse sentido, confirmou-se ser de fundamental importância incluir um re-corte de uma das entrevistas realizadas durante a pesquisa, reiterando o valor do trabalho de campo e da documentação fotográfica em estudos dessa natureza.

Os materiais provenientes do descar-te da sociedade de consumo há muito orientam diversos projetos na área da sustentabilidade, através de programas governamentais, ONG’s, cooperativas e recontextualizações industriais.

Nas grandes capitais como o Rio de Ja-neiro, o lixo é uma fonte de sobrevivên-cia para milhares de indivíduos, entre adultos e crianças. Ainda que em peque-

nas quantidades, múltiplas funções são desempenhadas antes do destino final dos materiais descartados nos lixões.

A admirável capacidade de transfor-mar muitos desses materiais descarta-dos resulta em um estranho e curioso in-ventário de objetos criados para suprir as necessidades daqueles que personificam os crescentes índices das desigualdades sociais, em uma faceta pouco estudada da nossa cultura material urbana.

Como bem nos lembra Stuart Hall, a cultura tem assumido uma função de importância sem igual no que diz res-peito à estrutura e à organização da so-ciedade moderna tardia, aos processos de desenvolvimento do meio ambiente global e à disposição de seus recursos econômicos e materiais. Os meios de produção, circulação e troca cultural, em particular, têm se expandido, através dos mais diversos tipos de tecnologias, das computacionais às alternativas.

O recorte estudado na presente pesqui-sa, nos mostra uma dimensão da cultura que segue uma via expressa em direção à materialidade, permitindo interessan-tes análises acerca dos objetos que ocu-pam nosso cotidiano, que nos faz con-cordar com Roy Wagner, quando afirma ser o homem um “mediador de coisas, uma espécie de catalisador universal. Em sua imaginação ele é um construtor, um ator e um modelador da natureza imbuído de propósito, ou então um par-ceiro e colaborador solidário dos poderes do mundo” (Wagner, 2010: 211).

Ferramentas, instrumentos, peças, veí-culos, utensílios e geringonças formam um repertório ímpar de objetos únicos, tecnicamente desvinculados das expec-

tativas convencionais, ao assumir for-mas que revelam a incontestável marca da exclusão social, ilustrando de manei-ra enfática a frase estampada na capa--parangolé (1966) de Hélio Oiticica: “Da adversidade vivemos”.

Objetos originários de uma bricolage urbana, por vezes rotulada como “de-sign espontâneo”, não permitem sua identificação autoral, porém, não obs-tante, carregam a personalidade de seus verdadeiros autores, em um fascinante processo de invenção formal, consti-tuindo a essência de um tipo de design verdadeiramente popular.

É um tipo de cultura material mar-ginal onde vemos o velho transfigu-rando-se em novo, a partir da trans-formação de um objeto em outro, que não previsto em seu momento inicial, quando da produção industrial.

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imagem (i) matéria 2013.2 Uma marca dinâmica para o LabVis

O desmonte e seriação dos métodos de produção das últimas Revoluções Indus-triais propôs uma lógica baseada na frag-mentação e no intercâmbio, para a otimi-zação de seus produtos. O processo linear que as artes e ofícios em oficinas traziam evoluiu para um ambiente multifaceta-do, movido e mantido pela mudança tec-nológica, imposição do modelo industrial capitalista que tem como suas principais tintas a versatilidade da mudança.

Essa visão globalizada aqui une duas áreas que, dada suas origens, dificil-mente seriam associadas de início: as marcas — ou identidades visuais — com a visualização de dados. A interseção desses dois campos gera as incipientes marcas dinâmicas. A primeira área, com origens remotas que datam dos sine-tes mesopotâmicos e dos brasões de famílias da Idade Média, é uma maneira

“As marcas dinâmicas, do que adquiriram das marcas tradicionais, são unidades ou sistemas visuais representativos de uma ideia ou entidade; e devido a visualização de dados, são capazes de modificar sua forma com dados específicos.”

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representar uma ideia, pessoa, grupo ou entidade através de uma marca gráfica, geralmente visando sua manifestação mais sintética e marcante. Teve auge no design modernista do século XX, que aperfeiçoou um sistema comunicativo único com diversos elementos, como sinalização de ambientes, tipografia ins-titucional e grid padrão.

Já a visualização de dados é um campo híbrido e interdisciplinar por natureza, conectando arte, design, ciência e com-putação na geração de representações visuais que traduzem dados brutos em sistemas gráficos, não raro com inter-faces interativas. Por refletir uma visão de mundo bem difundida hoje, calcada no excesso de dados, heterogeneidade e fluxo, está sendo empregada prolifica-mente em outras áreas para a visuali-zação de complexas cadeias informativas.

Uma marca dinâmica para o LabVisDoris Kosminsky e Igor Amorim

Em uma análise superficial do mundo natural e cultural, a mudança é a única constante que possuímos. Essa tendência se observa tanto em macro — mudanças climáticas, revoluções — quanto em micro — nos grupos sociais urbanos e manifestações estéticas de movimentos de arte. Em últimas consequências observamos esse caminho voltar a ser percorrido com o design, porém com associações inéditas.

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imagem (i) matéria 2013.2 Uma marca dinâmica para o LabVis

As marcas dinâmicas, do que adquiriram das marcas tradicionais, são unidades ou sistemas visuais representativos de uma ideia ou entidade; e devido a visualização de dados, são capazes de modificar sua forma com dados específicos. Em um reflexo da pluralidade recorrente da contemporaneidade, é um viés recente de design cor-porativista — uma das primeiras manifestações foi a marca da MTV, nos anos 80 — que vem se prometendo como mais de uma mera moda estilística. Comprova-se essa ideia com as representativas marcas dinâmicas do LabMedia do MIT, da Casa da Música de Portugal e da região de Nordkyn.

A marca do LabMedia do MIT é inicialmente formada por três quadrados coloridos que projetam entre si outros quadrados maiores. A posição e cores dos quadrados são modificadas de acordo com um algoritmo, gerando 40 mil variações com signifi-cativas diferenças. Cada marca é cedida a uma pessoa componente da instituição — professor, aluno, funcionário —, que passa a possuir uma variação única da marca, sem que seja repetida em 20 anos.

A marca da Casa da Música foi retirada do sólido geométrico que deu origem à planta do edifício que abriga a instituição portuguesa. Como sua forma permite diferentes apreensões de acordo com a localização de seu observador, a marca se vale de seis diferentes rotações e preenche suas faces com cores que variam de acordo com o ambiente visual em que a marca é inserida — fotos, ilustrações, cores, texturas — gerando infinitas variações cromáticas.

55“A posição e cores dos quadrados são modificadas de acordo com um algoritmo, gerando 40 mil variações

com significativas diferenças.”

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imagem (i) matéria 2013.2 Uma marca dinâmica para o LabVisUma marca dinâmica para o LabVis

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Nordkyn é uma inóspita região ao norte da Noruega, e sua marca, a fim de incentivar o turismo, é inspirada no hexágono do floco de neve. Seus vértices têm seus ângulos alterados e formam uma seta que indica a direção do vento, e as cores da forma indicam a tempera-tura do local. Os dados a alteram a cada cinco minutos, e podem ser observados no site. Embora seja um sistema com número limitado de variações, ilustra um fator imprevisível como o tempo.

A marca para o Laboratório da Visuali-dade e Visualização está sendo desen-volvida nesse momento com orientação da professora Doris Kosminsky, di-rigente do LabVis. Partindo do conceito da comunicação universal que guia o design desde sua gênese bauhausiana, e fazendo referência à visualização de dados e infografismo — temas aborda-dos no LabVis — vai ser uma vitrine do que desenvolvemos no curso.

“Teve auge no design modernista do século XX, que aperfeiçoou um sistema comunicativo único com

diversos elementos.”

A ideia é que coletemos dados relativos ao sistema de educação brasileiro — tan-to âmbito nacional quanto na seção uni-versitária — e/ou apenas da própria UFRJ. Tal coleta seria automática — através do RSS de sites relativos ao assunto — e gera-ria modificações em tempo real na marca. Como o LabVis trata tanto do mundo externo (Vis, visualização de dados) quanto do interno (Lab, laboratório de es-tudantes), pareceu adequado a escolha de dados tanto sobre a educação brasileira como um todo como algo mais específico da UFRJ. As opções de dados são diversas: a quantidade de alunos que colam grau por período, número de matrículas ativas, circulação de veículos na Cidade Univer-sitária, montante de notícias positivas ou negativas sobre a educação, valores de verba investidos, consumo de energia, etc.. O desafio é conseguir um modo efi-ciente capturar esses dados automatica-mente e processá-los na marca.

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“Outro ponto de importância é justamente o controle de tamanha informação: devem-se estabelecer limites para que os dados não se sobreponham totalmente ao seu invólucro visual”

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Outro ponto de importância é justamente o controle de tamanha informação: de-vem-se estabelecer limites para que os dados não se sobreponham totalmente ao seu invólucro visual e não distorçam o desenho da marca no ponto em que suas variações se tornem muito distintas — em outros termos, a marca deve conviver harmoniosa-mente com a visualização de dados. Como os três exemplos citados acima, é essencial a conexão formal da ‘marca-mãe’ com suas subsequentes. E, de uma maneira geral, a propriedade dinâmica deve ser usada como uma ferramenta potencializadora das ne-cessidades do projeto, e não como uma amarra formal. Mesmo que com novas peças em jogo, os princípios de que a forma segue a função continuam a se aplicar aqui.

A marca, a ser aplicada novo site do LabVis, além de suas utilidades imediatas, vem a fim de trazer essa tendência de design, até agora inédita no Brasil, ao grupo de pes-quisa do curso de Comunicação Visual Design da UFRJ. Paralelamente, também vai ser uma maneira de se atentar a uma nova mídia, que faz de sua análise um modo de entender as novas manifestações visuais de nosso tempo, naturalmente híbridas e conec-tadas a outros campos de igual e vital importância.

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Daniel B. PortugalDoutorando em Comunicação e Cultura na UFRJ,

Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM-SP e Designer pela UFRJ. Atua como professor substituto no curso de Comunicação visual Design da UFRJ. Pesquisa temas relacionados a: comunicação, consumo, ética, estética, teoria da imagem, design.

Marcelo RibeiroPossui graduação em Desenho Industrial - Pro-

gramação Visual pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1995), mestrado (2004) e doutorado (2009) em Design pela Pontifícia Universidade Católica (RJ). Foi professor substituto (disciplina Desenho) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi professor do curso técnico Multimídia no NAVE (Nú-cleo Avançado em Educação), projeto financiado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro e Oi Futuro. Foi selecionado para participar do UNESCO-BIB Work-shop, Bienal de Ilustração. Recebeu o Prêmio Petrobras para a realização do curta Avenida Rio Branco: quadro a quadro e, em 2004, recebeu o Prêmio de Melhor Il-ustração FNLIJ. Atualmente é coordenador e Professor Adjunto do curso de Comunicação Visual Design (EBA-UFRJ) das disciplinas Bidimensional, Tridimensional, Mídia Digital e Análise da Imagem. Tem experiên-cia na área de Design, atuando principalmente nos seguintes temas: design gráfico, design de exposição, ilustração e animação.

Ana SenoEt occaecat. Ad modignam que volorest rera veli-

taqui inullabo. Anim aut aut qui tes et, in re quodia iliqui cum vit ut omnis assim remqui corehendio eici omnita peligni musciisciis eum ipiet fugiati aut et doluptate lam hiciatur, con plabo. Nem reiciet que sequi cusam qui officia dem il .

Norma:Possui graduação em Desenho Industrial pela Uni-

versidade Federal do Rio de Janeiro (1997), graduação em Escultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991) e mestrado em Ciências da Arte pela

Currículo

Universidade Federal Fluminense (2003). Professora Assistente 40DE do Curso de Comunicação Visual De-sign da Universidade Federal do Rio de Janeiro atua área de ensino (graduação) e coordenação(projetos de extensão), Criação em Artes e Design, com ênfase em Design Institucional, de Informação e Educação, Eco Design e Sustentabilidade, atuando principal-mente nos seguintes temas: design & comunicação sustentável, comunicaçao design, oficina basica para comunicação visual, info design, ecologia so-cial, ilustração e poética das artes visuais. É total-mente fluente nos idiomas Portugues, Inglês e Es-panhol. Francês, lê bem. Realiza pesquisas junto ao Núcleo de Comunicação Design NCD-EBA/UFRJ, foi Co Orientadora do Projeto de Extensão Ilha Design da UFRJ e colaboradora do Instituto Multidiscipli-nar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Ë Coordenadora de Extensão do Depar-tamento BAV, coordenando projeto de extensão "Design em Emergência objeto de pesquisa junto ao NCD/CVD/EBA.

Angélica de CarvalhoInt quidi di debitiaspic te raero tes etur mi, nectem

velluptur molor alibea dipsam net ex eatem facesti numendis is estia nos audi reriandi con rem abor aut enisqua spidiorestem vellum net la volupta ipiet do-luptur susam nobitae mo maionsed quunt, qui sim dolorepro dit estio. Nitibus et es demquia tempori-atem voluptatur, idesequi rati iusapit faccum apid ma quias simodic ienihilit volent in rem facia nos dolecta ecust, commodi tatus.

Marcus DohmannCom Pós-Doutorado em Estudos Culturais, pelo

Programa Avançado de Cultura Contemporânea – PACC/UFRJ, é Doutor em Artes Visuais e Mestre em História da Arte pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola da Belas Artes – PPGAV/EBA/UFRJ; e Bacharel em Desenho Industrial pela Escola de Belas Artes da UFRJ. Professor do Depar-tamento de Comunicação Visual da Escola de Belas Artes da UFRJ e membro do quadro permanente da

linha de pesquisa Imagem e Cultura do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais —PPGAV/EBA/UFRJ. Coordenador do Laboratório Gráfico de Comu-nicação Visual – LabGraf/EBA/UFRJ e líder do Grupo de Pesquisa do Núcleo de Estudos do Objeto – NEO, vinculado à Plataforma Lattes/CNPq. Consultor para Design da Incubadora de Empresas da COPPE/UFRJ.

E-mail: [email protected]

Doris KosminskyProfessora do curso de Comunicação Visual Design

e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (Linha Poéticas Interdisciplinares - PPGAV) da Escola de Belas Artes da UFRJ onde coordena o Laboratório da Visualidade e Visualização - LabVis / EBA-UFRJ. Possui graduação em Desenho Industrial pela ESDI-UERJ (1982), mestrado (2003) e doutorado (2008) em Design pela PUC-Rio com Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese de 2009. Trabalhou como editora de arte no jornalismo da TV Globo e lecionou em cur-sos de especialização no SENAI-CETIQT e na PUC-Rio. Tem experiência interdisciplinar nas áreas de design de informação, TV graphics, imagem e animação, construção social da visualidade, visualização artís-tica de dados, artes visuais e novas mídias.

Igor Amorim Nusandus exerspi endio. Nem simporum net a et

audam, im dis el idit mossimint aspicil idus rescili-bus. Uga. Net exere quatque eossunt alitas dolorer erunt, ut lam qoluptiumquo blaccuptas el molupta doluptatum eatur sus.