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VI CONVIBRA – Congresso Virtual Brasileiro de Administração IMPACTOS DE PROJETOS SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DO MUTÁ, BAHIA Cristina Maria Dacach Fernandez Marchi – Professora da Escola de Administração de Empresas da Universidade Católica do Salvador – autora principal Roberto José Tripodi Marchi - Professor de Empreendedorismo do Instituto Federal de Educação Tecnológica da Bahia – Campus de Simões Filho - co-autor Edmilson de Jesus das Dores - Aluno da Escola de Administração de Empresas da Universidade Católica do Salvador – co-autor RESUMO: Diante de diversas perspectivas a respeito de enfoques teóricos sobre voluntariado, trabalho comunitário ou capital social, visando o Desenvolvimento Local, verifica-se a necessidade de estudos que contribuam para um maior entendimento e auxílio na construção desses conceitos. Este trabalho objetivou analisar voluntariado e cooperação, questionou-se se essas práticas seriam alternativas de desenvolvimento e de superação da crise social em pequenos municípios brasileiros. Para isso, inicialmente, foi feita uma discussão sobre desenvolvimento e empreendimentos economicamente solidários. Em seguida, apresentou-se um estudo de caso em uma pequena comunidade localizada no Recôncavo Baiano. Conclui que bons resultados têm sido alcançados na área voltada para empreendimentos sociais. Entretanto, ainda há muito a ser estudado e compreendido no que diz respeito aos condicionantes básicos, impactos e dimensões dos objetos estudados. Palavras-Chave: Desenvolvimento Local, Empreendimentos Solidários, Capital Social, Estudo de Caso. ABSTRACT: In front of diverse perspectives regarding theoretical approaches on volunteer work and Socializing Activities, many academic studies are trying to increase the concept of the particular form of regional development: the Local Development. This paper aims to analyze volunteer work and questioned if these alternatives, based upon local initiatives and locally created comparative advantages, would prepare smalls Brazilian communities for developing. KEY-WORDS Local Development; Volunteer work; Socializing Activities, Case Study

IMPACTOS DE PROJETOS SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO LOCAL: O ... · ... Professor de Empreendedorismo do ... como a ONU, contribuíram para o progresso ... à idéia de transformação

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IMPACTOS DE PROJETOS SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DO MUTÁ, BAHIA

Cristina Maria Dacach Fernandez Marchi – Professora da Escola de Administração de Empresas da Universidade Católica do Salvador – autora principal

Roberto José Tripodi Marchi - Professor de Empreendedorismo do Instituto Federal de Educação Tecnológica da Bahia – Campus de Simões Filho - co-autor

Edmilson de Jesus das Dores - Aluno da Escola de Administração de Empresas da Universidade Católica do Salvador – co-autor

RESUMO:

Diante de diversas perspectivas a respeito de enfoques teóricos sobre voluntariado,

trabalho comunitário ou capital social, visando o Desenvolvimento Local, verifica-se a

necessidade de estudos que contribuam para um maior entendimento e auxílio na

construção desses conceitos. Este trabalho objetivou analisar voluntariado e cooperação,

questionou-se se essas práticas seriam alternativas de desenvolvimento e de superação da

crise social em pequenos municípios brasileiros. Para isso, inicialmente, foi feita uma

discussão sobre desenvolvimento e empreendimentos economicamente solidários. Em

seguida, apresentou-se um estudo de caso em uma pequena comunidade localizada no

Recôncavo Baiano. Conclui que bons resultados têm sido alcançados na área voltada para

empreendimentos sociais. Entretanto, ainda há muito a ser estudado e compreendido no

que diz respeito aos condicionantes básicos, impactos e dimensões dos objetos estudados.

Palavras-Chave: Desenvolvimento Local, Empreendimentos Solidários, Capital Social, Estudo de Caso.

ABSTRACT:

In front of diverse perspectives regarding theoretical approaches on

volunteer work and Socializing Activities, many academic studies are trying to

increase the concept of the particular form of regional development: the Local

Development. This paper aims to analyze volunteer work and questioned if these

alternatives, based upon local initiatives and locally created comparative

advantages, would prepare smalls Brazilian communities for developing.

KEY-WORDS

Local Development; Volunteer work; Socializing Activities, Case Study

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INTRODUÇÃO

O movimento associativo popular é reconhecidamente lócus de mudança social e

desenvolvimento local. O associativismo é a expressão da ação voluntária1, coletiva, de

participação democrática de funcionamento, análise, discussão e execução participativa

de projetos.

Todos os anos, o dia cinco de dezembro foi o escolhido pela Assembléia Geral das

Organizações das Nações Unidas (ONU) para valorizar o trabalho voluntário em mais de 140

países. No ano de 2011 será celebrado o décimo aniversário do Ano Internacional do

Voluntariado, o “IVY+10”.

Em dezembro de 2007, em Genebra na Suíça, durante um Workshop dos apoiadores

do IVY+10, o Programa de Voluntários das Nações Unidas (UNV) ouviu algumas sugestões e

opiniões sobre de que forma o IVY +10 poderia ser festejado em 2011. As sugestões mais

populares para comemorar esta data foram: realizar uma campanha global com uma única

logomarca, promover concursos, exposições, documentários, competições, campanhas

publicitárias, selos postais, concertos musicais; nomear uma categoria intitulada

"Voluntários Embaixadores" em cada região geográfica do planeta; e realizar campanha

'boca a boca” viral, dentre outras. O Programa UNV trabalha com as agências das Nações

Unidas e outras organizações de desenvolvimento através das Delegações Nacionais do

PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) espalhadas pelo mundo. No

Brasil, estima-se que apenas 8% dos brasileiros praticam algum tipo de trabalho voluntário

(PNUD, 2009).

O incentivo a cultura do voluntariado e da participação ativa nos interesses

comunitários contribui para a construção de uma sociedade mais autônoma, democrática e

sustentável. Putnam (1993) afirma que é importante a organização comunitária e o

engajamento cívico, principais potencializadores do capital social, importante ferramenta

para o desenvolvimento econômico. Assinala que o Estado tem o dever de proporcionar

capital social através de políticas publicas criativas, que encoraje e criem condições

favoráveis à livre organização dos agentes e instituições. Para o autor, a criação das

condições à livre organização de agentes pode ser no sentido do desenvolvimento de

sistemas horizontais de participação cívica, que favorecem o desempenho do governo e da

economia. Este autor acredita que tanto os Estados como os mercados funcionam melhor

em contextos cívicos.

Tendler (1998) discute o atual entusiasmo pela descentralização e participação na

comunidade de desenvolvimento onde governo local e sociedade civil se aproximam na

busca de uma “dinâmica bidirecional de pressões para a accountability, resultando num

governo melhor” (TENDLER, 1998:31).

Milani (2003), no seu estudo sobre as Teorias do Capital Social, constatou que,

desenvolvimento local envolve fatores sociais, culturais e políticos que não se regulam

exclusivamente pelo sistema de mercado. Para Boiser (2003) a viabilidade de um alto nível

1 Nesse trabalho o conceito de voluntariado estará relacionado ao seu valor coletivo, não se reportando à idéia de voluntariado de caráter social e caritativo, de iniciativa individual.

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de capital social é questionável, além de não garantir a superação de problemas

específicos, nem combater subdesenvolvimento. Embora admita capital social como uma

importante semente de desenvolvimento. Entretanto não o considera mais relevante que

outras formas de capital, uma vez que a pobreza e o desenvolvimento são fenômenos

sistêmicos e complexos.

Para Marchi et al (2008) em resposta às transformações ocorridas no ambiente

econômico brasileiro das últimas décadas, cujo desenvolvimento local apresenta-se como

alternativa possível para a superação das desigualdades regionais e mazelas sociais, é

necessária a interação entre prosperidade socioeconômica e níveis de associativismo e

cooperação. O trabalho voluntário, quando estruturado formalmente, pode contribuir para

um processo de mudança social.

Diante de diversas perspectivas a respeito de enfoques teóricos sobre voluntariado,

trabalho comunitário e capital social, visando o Desenvolvimento Local, verifica-se a

necessidade de estudos que contribuam para um maior entendimento e auxílio na

construção desses conceitos. Este trabalho objetiva analisar voluntariado e cooperação,

questiona-se se essas práticas seriam alternativas de desenvolvimento e de superação da

crise social em pequenos municípios brasileiros. Para isso, inicialmente, será feita uma

discussão sobre desenvolvimento e empreendimentos economicamente solidários. Em

seguida, apresentar-se-á um estudo de caso em uma pequena comunidade localizada no

Recôncavo Baiano.

O ARQUÉTIPO DA PARTICIPAÇÃO CIDADÃ: EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS

A situação da população de pequenos municípios e distritos brasileiros,

principalmente aqueles localizados no Nordeste, é grave. Segundo o Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), em 2003, o Nordeste tinha 77,1% de municípios com mais da

metade da sua população vivendo na pobreza, embora a desigualdade em relação a outras

regiões do país fosse menos intensa. As ciências sociais, incessantemente, buscam modelos

que impliquem evolução, crescimento e avanço para as comunidades que residem nestas

áreas. A exclusão social é um ato que priva os indivíduos de seu valor humano, impedindo

que se tornem sujeitos de seu processo social.

Goulart Viera e Carvalho (apud Knopp, 2007), colocam que as reflexões feitas

acerca da sociedade moderna dizem respeito ao aumento da riqueza global, às inovações

tecnológicas, ao avanço no campo científico. Ao mesmo tempo em que, se fala das

mazelas sociais provocadas pelo fenômeno da globalização de mercados, pelo modelo de

produção e sistema econômico capitalista vigentes.

O associativismo ou co-operação pode facilitar a produção e a distribuição dos bens

necessários ao desenvolvimento por meio da participação e da decisão responsável das

comunidades, construindo, de forma compartilhada, o progresso e a cidadania. Para Offe

(1998), é inegável o resultado positivo da ação comunitária. A família, os vizinhos, a

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comunidade em que cada um vive é a reserva moral da sociedade, é lá que o cidadão vai

encontrar a solidariedade sem interesses.

Para Knopp (2007), promover o progresso é dotar indivíduos de instrumentos e

oportunidades que lhes possibilitem transformar sua realidade, propiciar desenvolvimento

da sua consciência histórica, social e cultural, e de seu reconhecimento como sujeito

ético-político. Uma sociedade só pode se desenvolver plenamente se tiver consciência de

si, de suas raízes históricas, de sua identidade cultural, deve buscar a autocrítica, e

resgatar a auto-estima de seus indivíduos. Desenvolvimento não se limita a crescimento

econômico, e sim, a inclusão social, resgate e valorização cultural.

Muitos estudiosos (Boisier, Lopez, Max-Neef) e algumas instituições como a ONU,

contribuíram para o progresso do conceito de desenvolvimento. Há complexidade e

multidimensionalidade neste conceito. Para Boisier (2001) entender o desenvolvimento

requer enfoques holísticos, sistêmicos e de recursos. Neste estudo, buscou-se levantar e

analisar alguns tipos de desenvolvimento, que são apresentados no Quadro 1.0, juntamente

com os seus significados:

Tipo Descrição

Desenvolvimento Humano Criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU). Mede o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Desenvolvimento Sustentável Conceito introduzido pelas Nações Unidas. Pensa o desenvolvimento presente sem comprometer as gerações futuras.

Desenvolvimento Endógeno As comunidades dispõem de recursos que estabelece o seu potencial de desenvolvimento, que servem para melhorar a qualidade de vida da população. O Capital Social é fator principal para o desenvolvimento local integral.

Desenvolvimento Territorial Acepção mais ampla do desenvolvimento. O território organizado possui atividades mais complexas, existe uma comunidade que se reconhece a partir dele, apresenta um tecido político, administrativo e institucional

Desenvolvimento Regional Ligado à idéia de transformação do território em sujeito coletivo, um processo de fortalecimento da sociedade civil, entendida como indivíduos, comunidade e região.

Desenvolvimento Local A noção de local é colocada quando se olha de cima. Um estado pode ser olhado como local se visto desde um país, ou um município é local se olhado desde um estado. Assim, ao invés de a localidade conter, – como ocorre com o território – ela está contida.

Dimensão Institucional de Desenvolvimento

Entende que as instituições são como regras que regulam as interações entre indivíduos e

organizações

Fonte: López (apud Knopp, 2007). Boisier (2001, 2003). Max-Neef, 2007. Elaboração dos autores.

Quadro 1.0 - Tipos de Desenvolvimento

O fortalecimento dos mercados internos, principalmente nos países pobres, com

maior estímulo às pequenas empresas locais é elemento fundamental para a promoção do

desenvolvimento sustentável. Defensor do desenvolvimento local, Max-Neef concebeu,

junto a outros pesquisadores, a Tese do Umbral, a qual estabelece que, a partir de um

determinado ponto do crescimento econômico a queda da qualidade de vida dos cidadãos é

inevitável, e o sistema econômico passa a ser antropofágico. Defende pequenos

empreendimentos baseados na cultura local, respeito pela natureza e mudanças do

pensamento até então vigente, de que só a partir do desenvolvimento econômico pode-se

ter desenvolvimento social.

Dentro deste contexto é que se apresentam os empreendimentos econômicos

solidários. Teixeira (2007), afirma que a economia solidária tem ganhado espaço frente ao

combate contra os efeitos do capitalismo, geração de renda e inclusão social. A autora

coloca que as diferentes formas de denominar empreendimentos econômicos solidários, na

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maioria das vezes, são causadas por partirem de realidades sociais e experiências distintas.

Entretanto, ainda segundo a autora “... as características destas experiências possuem um

núcleo comum, qual seja: a substituição do individualismo competitivo, característico do

comportamento econômico padrão nas sociedades capitalistas.” (TEIXEIRA, 2007:2).

Finalmente, discorre sobre as distintas compreensões entre a Europa e América Latina em

relação à conceituação da economia solidária; afirma que a tradição européia é a mais

antiga, e advêm da economia social que surgiu no século dezenove com o movimento

operário associativista, inspirada pelos ideários da ajuda mútua, da cooperação e da

associação.

Ideário, este, ausente em empresas capitalistas, onde os empregados geralmente

competem entre si por promoções, prêmios, chefias; no empreendimento solidário, a

tomada de decisão, em princípio, é feita com o conjunto de todos os trabalhadores; a

confiança e a ajuda são valores fundamentais.

Analisando os empreendimentos econômicos solidários, França et al (2006)

acreditam que existem características básicas entre estes empreendimentos: pluralidade

de princípios econômicos, autonomia institucional, democratização dos processos

decisórios, sociabilidade multidimensional e inserção cidadã. Já Moura e Meira (2002)

afirmam que existem vários tipos de representações para eles, que podem ser visualizadas

no Quadro 2.0.

TIPOS CARACTERÍSTICAS

Organizações de Finanças Solidárias Conhecidas como bancos populares. Voltadas para o microcréditos para iniciativas de organizações coletivas e populares.

Empresas Autogestionárias São empresas falidas ou em vias de falência, aproveitadas por seus trabalhadores que utilizam a tecnologia da empresa antecessora

Redes Voltada para a troca de bens e serviços, a maioria garante a sustentabilidade de seus empreendimentos.

Associações Podem ser de vários tipos, o que lhe confere um caráter mais amplo que as Cooperativas.

Clubes de Trocas Sistemas de trocas, objetivando o trânsito de bens e serviços, sem recorrer a uma lógica mercantil.

Grupos Informais Aproximam-se das cooperativas, mas quanto à Legislação, encontram-se em um patamar inferior.

Fonte: Moura e Meira (2002), Cattani, 2003. Elaboração dos autores.

Quadro 2.0 - Tipos e Caracteristicas dos Empreendimentos Econômicos Solidários

Cooperativismo Popular Muitas não conseguem auferir renda. Alto nível de instabilidade, gerada nas condições precárias de desenvolvimento.

A recomendação do Projeto do Milênio das Nações Unidas 2005, intitulado

“Investindo no Desenvolvimento: Um plano prático para atingir os Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio, Visão Geral”, é que para se atingir estes objetivos os governos

precisam trabalhar ativamente com todos os segmentos, particularmente com as

organizações da sociedade civil e do setor privado. Assim, as vilas e as cidades para se

tornarem parte do crescimento econômico global precisariam ser providas de infra-

estrutura e capital humano para tal. Este Projeto identificou as “melhores práticas” em

oito conjuntos de investimentos e políticas, que são fundamentais para a consecução dos

Objetivos; o voluntariado, ou associação mundial para o desenvolvimento, é um deles.

Os graves problemas sociais sentidos pela população e a falta de resposta do Estado

estimulam um crescente sentimento de indignação e de necessidade de encontrar

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respostas coletivas e associativas para as necessidades dos diferentes grupos sociais. Em

diversas regiões do país, observam-se algumas vantagens do trabalho cooperado em

relação ao trabalho assalariado, destacando-se a autonomia e a flexibilidade. Para Teixeira

(2007) os empreendimentos econômicos solidários representam o nível da economia

solidária em que as relações econômicas ocorrem.

Neste trabalho, se abordará os empreendimentos associativos, que podem ser de

trabalho ou de moradores, por possuírem caráter mais amplo que os outros tipos de

empreendimentos econômicos solidários. Além disso, enquanto as associações são

organizações que têm por finalidade a promoção de assistência social, educacional,

cultural, representação política, defesa de interesses de classe, filantrópica, os outros

empreendimentos possuem finalidade essencialmente econômica.

Algumas vantagens do associativismo podem ser citadas: autonomia institucional;

fortalecimento comercial a nível local, regional e nacional; acesso à capacitação e

consultoria gerencial e técnica a custos menores; possibilidade de realização de compras e

vendas em conjunto; participação em feiras e eventos com menor custo; exercício da

cidadania mediante participação em projetos sociais, e promoção do crescimento de

segmentos econômicos locais. Desvantagens também são sentidas, como: ausência de

consciência sobre a importância do associativismo; receio de se expor ao concorrente;

difícil manutenção de nível de atratividade da associação, e comprometimento do grupo

com as ações planejadas. Essas duas últimas desvantagens são oriundas do

desconhecimento ou irregularidade de participação em movimentos comunitários;

principalmente no que se refere ao nível de direção.

Para se fundar uma associação, o primeiro passo é formalizar um estatuto, ir a um

cartório e se informar sobre os documentos e requisitos necessários para legalizar a

entidade. A sua estrutura de funcionamento é relativamente simples: uma diretoria eleita

pelos sócios (constituída de presidente, vice-presidente, tesoureiro e secretário),

assembléias - órgão máximo, onde são decididas questões a ser empreendidas pela

diretoria, ou referendadas as ações realizadas, conselhos de representantes e conselho

fiscal.

As associações de moradores contam com recursos organizacionais mínimos. São

pouco freqüentes a existência de um corpo de funcionários e suficiente fundo financeiro.

No próximo capitulo, se tratará das ações empreendidas por uma Associação de Moradores

de um pequeno distrito, com a finalidade de investigar as ações que são promovidas, o

suporte encontrado e se efetivamente vem contribuindo para a superação da crise social e

econômica da região onde se insere.

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ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DO MUTÁ: METODOLOGIA E RESULTADOS ENCONTRADOS

Em termos metodológicos, este estudo é oriundo de pesquisa-ação. Neste tipo de

pesquisa não há separação entre pesquisados e pesquisadores, pois todos são considerados

sujeitos do processo. Segundo Boaventura Santos (2000), é necessário que se busque uma

racionalidade mais plural, um conhecimento compreensivo que não nos separe e sim nos

una pessoalmente ao que estudamos. Trata da “ecologia de saberes”, ou seja, do diálogo

entre sistemas de saberes de origens diferentes, e não apenas científicos. A metodologia

da pesquisa-ação interage com a de constituição de capital social, que valoriza as

interações sociais formais e informais, como a solidariedade entre vizinhos, ou a presença

de associações comunitárias.

Também foram realizados estudos bibliográficos, e construídos fichamentos para o

aprendizado dos alunos. O lócus da pesquisa é a Associação de Moradores de Mutá – AMMU,

situada na região de Jaguaripe, Bahia. A AMMU é formada por pessoas ligadas aos trabalhos

junto à pesca e à mariscagem. Os dados foram coletados mediante aplicação de

questionários, e tabulados pelos alunos de Iniciação Científica.

Inicialmente, buscou-se criar e consolidar relações de parcerias entre a AMMU e a

comunidade por meio de ações assistencialistas, a fim de promover a confiança necessária

para trabalhos associativos. Posteriormente, elaborou alguns projetos que se inserem em

aporte na luta contra a pobreza, no desenvolvimento da integração social, na geração de

renda, no fortalecimento de valores comunitários, solidários e participativos. Dentre

alguns projetos se encontram o Leite Amigo, iniciou em fevereiro de 2008, o qual fornece

uma cesta de alimentação mínima para crianças de 0 a 2 anos; o Projeto Catadoras de

Esperança, início em julho de 2008, que apoiou a capacitação em artesanato, e geração de

renda; e, o Arte na Praia, maio de 2009, que promoveu exposição cultural visando

propiciar incentivo, e uma maior conscientização e participação comunitária. Os resultados

desses projetos serão aqui apresentados e analisados.

1- Projeto voltado para Parceria e Ações Sociais: o Projeto Leite Amigo inicialmente assistia a 10 crianças; em março de 2009, contava com 28 crianças, houve um

aumento de 180%. Mas, o resultado mais significativo foi o aumento de peso e melhoria na

saúde das crianças assistidas. A proporção inicial de crianças abaixo do peso era de 80%,

em um ano essa proporção baixou para 10,7%, conforme pode ser visualizado no Gráfico

1.1.

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Fonte: Pesquisa Direta. Elaboração dos autores.

Figura 1.1 - Gráfico do Projeto Leite Amigo – Relação Atendimento às Crianças e Evolução do Peso no Primeiro Ano.

Um importante passo dado foi a parceria com a Pastoral da Criança, instituição

ligada à Igreja Católica. Esta parceria ampliou o atendimento às crianças, tanto nas suas

necessidades de reforço alimentar, com a inclusão da farinha multimistura na dieta de 54

crianças, quanto na formação de líderes para acompanharem a saúde das crianças e de

suas famílias, Gráfico 1.2.

Fonte: Pesquisa Direta. Elaboração dos autores.

Figura 1.2 - Gráfico da Evolução de Parcerias junto ao Projeto Leite Amigo – Relação Atendimento às Crianças, Peso e Uso da Farinha Multimistura.

Em setembro de 2008, foi promovida uma atualização da Logo do Projeto Leite

Amigo, que contou com a participação de professores e alunos, incentivando repassar aos

alunos a importância da fixação da marca em projetos sociais.

Figura 1.3 – Nova Logo do Projeto Leite Amigo

Essas ações foram implementadas para estreitar os laços de confiança entre a AMMU

e a comunidade, a confiança é considerada como componente básico do capital social.

Para Fukuyama (1996), o estímulo a capacidade de associação “... depende do grau de

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1º Ano 2º Ano

CriançasAtendidas -LeiteAmigo

Crianças abaixodo Peso

CriançasAtendidas -Pastoral

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partilha de normas e valores no seio de comunidades e da capacidade destas para

subordinarem os interesses individuais aos interesses mais latos dos grupos” (FUKUYAMA,

1996, p. 22).

2- Projeto voltado para Geração de Renda: o Projeto Catadoras de Esperança visou criar e ampliar a renda de associadas da AMMU com o oferecimento de cursos de

artesanato, fixação de ponto de venda e promoção dos produtos criados, Figura 1.3.

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Início Atual

Mães Artesãs

Mães Atendidas- Leite Amigo

Fonte: Pesquisa Direta. Elaboração dos autores.

Figura 1.4 – Fotografia do Artesanato e Gráfico da Evolução de Mães participantes do Projeto Catadoras de Esperança.

Em julho de 2008, foram oferecidos cursos de artesanato para as associadas da

AMMU, onze delas aceitaram o desafio. No final de 2008, barracas foram instaladas na

praça central do distrito do Mutá para exposição e venda das peças. Alguns resultados

parciais podem ser apresentados: peças vendidas: 360 unidades; valor arrecadado com a

venda das peças: R$ 520,00, percentual revertido para AMMU (seguindo o acordo firmado

entre associadas participantes e diretoria): 20%, ou seja, R$ 104,00. A formação de

empreendimentos de caráter solidário erige-se como forma de valorizar o trabalho e as

relações democráticas, assentando-as em ideais de ajuda mútua e auto-sustentabilidade.

3- Projeto voltado para o Fortalecimento Comunitário: Projeto Arte na Praia, que levou os trabalhos e a cultura de alguns pintores da arte cristã junto à comunidade inserida

na área de atuação da AMMU. O objetivo foi valorizar o espaço social no qual vivem e

repensar a identidade dos seus moradores. O intuito deste Projeto foi incentivar a

comunidade do Mutá, a partir do conhecimento que já tem, a apreender novas

perspectivas e a importância da construção e da organização do espaço. A importância de

valorizar a arte, em locais desprovidos de alternativas de lazer, se dá pela necessidade de

estimular o universo restrito percebido por muitos moradores de comunidades carentes,

desafiando e confrontando a sua visão restrita de outras informações, permitindo a

exploração de novos conhecimentos. Acreditou-se que desta forma, esta exposição poderia

ampliar horizontes e promover uma maior consciência dos desafios enfrentados pela

comunidade, o que poderia se traduzir em maior participação comunitária.

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Figura 1.1

Figura 1.2

Figura 1.3

Fonte: Marchi, 2009.

Figura 1.5 - Fotografias da Divulgação e Participação no Projeto Arte na Praia

(Foto 1.5.1 – Cartazes promocionais divulgando o Evento; Foto 1.5.2 – Reproduções apresentadas na Exposição do Projeto Arte na Praia; Foto 1.5.3 –Participação da Comunidade)

A fim de avaliar as primeiras impressões causadas aos visitantes que compareceram à inauguração da exposição do Projeto Arte na Praia, e apreciaram obras que retratavam símbolos religiosos de pintores de renome e reconhecimento internacionais, se procurou apreender aspectos relacionados ao conteúdo e impactos daquele acontecimento, e expectativas futuras para os próximos eventos culturais.

O conteúdo da exposição foi satisfatório para 88% das pessoas entrevistadas. Este

resultado pode estar ligado ao impacto moral e emocional positivo que a exposição causou

na comunidade local, especialmente o pintor Giotto di Bondone. Seus trabalhos foram

escolhidos por 59% dos participantes, como as obras que mais lhes chamaram atenção

(Tabela 1.0).

Tabela 1.0 – Obra Mais Interessante

Satisfação quanto ao Conteúdo

Freqüência Percentual

El Grecco 2 11,8

Michelangelo 2 11,8

Caravaggio 3 17,6

Giotto 10 58,8

Total 17 100,0

Fonte: Pesquisa Direta. Elaboração dos autores.

Constatou-se que a totalidade das pessoas entrevistadas afirmou que a apreciação

das obras expostas lhes causou sentimentos diversos. Quando questionados quais reflexões

afloraram mais fortemente quando apreciavam estas obras, as respostas foram as que

seguem: “motivação” para perceber outros pontos de vista; “alegria” por poder enxergar

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coisas bonitas e coloridas; “admiração” pelas formas e cores; ”paz”; “auto-estima” por

estar tendo acesso a obras de mestres da pintura, e “bem estar” por poder apreciar pela

primeira vez uma exposição de arte, dentre outras. Quando questionados sobre a

expectativa por futuros acontecimentos culturais similares, 100% dos entrevistados

responderam que gostariam de participar de outros eventos.

CONCLUSÃO

A AMMU, apoiada pela Igreja e pela Universidade vem investindo em projetos

sociais e culturais, que contribuem para a promoção do desenvolvimento local com

igualdade de oportunidades e valorização das potencialidades, como é o caso do projeto

de geração de renda.

Porém, existem limitações em termos dos resultados efetivos ligados ao

desenvolvimento local das pequenas comunidades. Iniciativas locais necessitam reconhecer

a existência de interesses distintos, e conflitos latentes. A idéia de que o desenvolvimento

local é uma possibilidade decorrente de uma conjugação de esforços de atores locais é

ingênua. Associações ou Cooperativas, se conduzidas por um grupo de interesses comuns,

podem ser injustas, corporativas e egoístas (Offe, 1998). Por outro lado, paradoxalmente,

a capacidade de mobilização e articulação da comunidade pode ser vista como importante

papel para contribuir na geração de renda e melhoria econômica da localidade. O

desenvolvimento local e a cultura possibilitam a promoção da solidariedade grupal,

emancipação individual e coletiva por meio da participação social. Para Offe (1998),

apesar de tudo, é inegável o resultado positivo da ação comunitária.

Este trabalho objetivou responder se voluntariado e cooperação seriam alternativas

de desenvolvimento e de superação da crise social em pequenos municípios brasileiros.

Apesar de ser possível trazer algum nível de desenvolvimento a partir de iniciativas locais,

desde que apoiada por instituições e/ou organizações, uma real melhoria na qualidade de

vida de uma pequena comunidade não é tarefa fácil. As pequenas comunidades

nordestinas, como é o caso do distrito do Mutá, são dependentes de um contexto maior,

caracterizado por uma crise do capitalismo global, aumento da pobreza, do desemprego e

da exclusão.

REFERÊNCIAS

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