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Imperio Das Casas Abandonadas

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1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 7 2 UMA ANÁLISE DA CONJUNTURA ATUAL .................................................................. 9

2.1 A REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA ........................................................................................... 9 2.2 BREVE RELATO HISTÓRICO. ................................................................................................... 14 2.3 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ....................................................................... 17 2.4 DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE .............................................................................................. 20 2.5 DO DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE ........................................................... 22 2.6 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL ....................................................................................... 30

SEQÜESTRO DE ABILIO DINIZ TAMBÉM TEVE PARTICIPAÇÃO DE ESTRANGEIROS. ................................................................................................................. 31

2.7 DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA ............................................................. 36 2.8 DO DIREITO Á EDUCAÇÃO, AO ESPORTE E AO LAZER .................................................................. 42 2.9 O PROGRAMA EDUCACIONAL DE RESISTÊNCIA ÀS DROGAS E À VIOLÊNCIA ................................. 45 2.10 DO DIREITO Á PROFISSIONALIZAÇÃO E À PROTEÇÃO AO TRABALHO ............................................. 47

3 ANÁLISE DO TRABALHO POLICIAL ......................................................................... 65 3.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍCIAS MILITARES ................................................................ 65 3.2 POLÍCIA COMUNITÁRIA ........................................................................................................ 70 3.3 A QUESTÃO DA HIERARQUIA E DISCIPLINA ............................................................................... 74 3.4 ASPECTOS PSICOLÓGICOS DO SERVIÇO POLICIAL ..................................................................... 76 3.5 DIFICULDADES DO SERVIÇO POLICIAL ..................................................................................... 77 ............................................................................................................................................ 77 3.6 CORRUPÇÃO POLICIAL ........................................................................................................ 81 3.7 VIOLÊNCIA GRATUITA ......................................................................................................... 82 3.8 DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO ............................................................................................ 83 3.9 A OPINIÃO DOS POLICIAIS ..................................................................................................... 95 3.10 PROJETOS SOCIAIS DA PMPR ........................................................................................... 101

4 ESTRUTURAS DE PROTEÇÃO .................................................................................... 103 4.1 CONSELHOS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ..................................................... 103 4.2 ÓRGÃOS FEDERAIS ............................................................................................................ 103 4.3 ÓRGÃOS ESTADUAIS .......................................................................................................... 105

CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em http://www.setp.pr.gov.br/setp/conselhos/cedca/. Acesso em 23.03.04. ........................................................................................................................................ 105

4.4 ÓRGÃOS MUNICIPAIS ...................................................................................................... 107 PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA.Disponível em http://www.curitiba.pr.gov.br/. Publicada em:13/03/2004 . Acesso em 25.03.04. ........ 108

4.5 OS CONSELHOS TUTELARES ................................................................................................ 108 4.6 O PODER JUDICIÁRIO ........................................................................................................ 112 4.7 O MINISTÉRIO PÚBLICO .................................................................................................... 116 4.8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ................................................................................... 126

5 CONCLUSÃO: O FUTURO DE NOSSAS CRIANÇAS ............................................... 128 5.1 NO QUE TANGE À POLÍCIA .................................................................................................. 128 5.2 NO QUE TANGE ÀS DEMAIS INSTITUIÇÕES .............................................................................. 129 5.3 PROPOSTAS ...................................................................................................................... 130

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 137

1 INTRODUÇÃO

O problema de crianças e adolescentes em situação de risco há muito preocupa as

autoridades e a sociedade brasileira em geral, pelos desdobramentos que apresenta. Ora

como vítimas, ora como algozes de uma violência urbana e social crescente, meninos e

meninas “de rua”, são protagonistas cada dia mais freqüentes, dos dramas e tragédias da

realidade social brasileira.

Partindo da necessidade de se investigar esta questão, principalmente do ponto de vista

da Segurança Pública, ponto mais nevrálgico do problema, o presente trabalho procurou

analisar a atual situação do Sistema de Segurança Pública, com referência a crianças e

adolescentes em situação de risco. Não apenas na questão legal e doutrinária, mas também

do ponto de vista dos menores de dezoito anos que se encontrem em tal situação e de

policiais encarregados do serviço de Polícia Administrativa, neste caso a Polícia Militar do

Paraná, para se levantar aquelas questões mais essenciais que o dia a dia das ruas esconde da

bibliografia convencional disponível, a fim de que as conclusões deste estudo estejam o

melhor sintonizadas possível, com a realidade em que vive o público alvo desta pesquisa.

7

Para tanto, no primeiro capítulo, analisamos a conjuntura atual, onde apresentamos um

retrato da realidade em que vivem crianças e adolescentes em situação de risco, com base em

estudos doutrinários e legais e na pesquisa de campo onde foram entrevistados 412 menores

de dezoito anos que se encontravam na situação objeto deste estudo.

No segundo capítulo, apresentamos um estudo da polícia, desde a sua formação

histórica até o presente momento, bem como o resultado da pesquisa de opinião realizada

entre 330 policiais militares de diversas unidades da Corporação, além de informações

complementares de interesse para o presente trabalho.

No terceiro capítulo, perscrutamos a estrutura de proteção dos direitos da criança e do

adolescente, dos órgãos federais, estaduais e municipais de proteção aos direitos da criança e

do adolescente, bem como as opiniões de representantes do Poder Judiciário, Ministério

Público Estadual e Ministério Público do Trabalho.

Como parte final desta obra, apresentamos as conclusões a que chegamos em função

deste trabalho, bem como as propostas que entendemos como mais viáveis para a solução dos

problemas que envolvem crianças e adolescentes em situação de risco.

Obviamente, este humilde trabalho não esgota o assunto, posto que a complexidade de

que se reveste o tema, é muito mais vasta do que aqui se poderia trabalhar. No entanto, com

orgulho apresentamos nas linhas que se seguem, os frutos desta nossa investigação

acadêmica, no sentido de que realmente seja útil para a melhoria de nossa sociedade, e

principalmente, da qualidade de vida daqueles pequenos seres humanos, que mais do que

apenas números de estatística, precisam com urgência ser encarados como cidadãos e sujeitos

de direito que são, sob pena de em não o fazendo, não podermos nem sequer sonhar com um

verdadeiro estado democrático de direito.

8

2 UMA ANÁLISE DA CONJUNTURA ATUAL

2.1 A REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA

Tudo começa quando o País não consegue garantir ao cidadão condições mínimas de

subsistência, como saúde, educação, habitação e emprego. Com suas dimensões continentais

e uma população de aproximadamente 170 milhões de habitantes, os problemas sociais se

acumulam e o Brasil acaba ocupando lugar de destaque em pesquisas sobre fome,

desemprego e miséria como publicado recentemente1:

Londres – “Severa degradação das condições humanas básicas, incluindo alimentação, água limpa, condições sanitárias, saúde, habitação, educação e informação." São nessas condições, consideradas de ‘absoluta pobreza’, que vivem quase 6 milhões de crianças brasileiras, segundo pesquisa publicada na terça-feira pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Unicef.

Esse número representa 10% da população infantil do Brasil, que já chega a 60 milhões de crianças. A pesquisa ainda mostra que 15% das crianças brasileiras vivem sem condições sanitárias básicas. As áreas rurais do Brasil concentram a maioria das crianças carentes, com 27,5% delas vivendo em "absoluta pobreza". Nas áreas urbanas, esse número representa 4,3% da população infantil. Mais de 1,3 milhão sofre com problemas alimentares no Brasil, como desnutrição e até mesmo fome.

1 Pobreza absoluta atinge 6 milhões de crianças no Brasil. Gazeta do Povo. Curitiba, 24 out 2003.

9

No Paraná, um estudo do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) contabiliza 589.420 famílias pobres (20,87% da população do Estado), que vivem com menos de meio salário mínimo (R$ 120) por mês. Num cálculo estimado, são 1,17 milhão de crianças pobres.

No caso específico de Curitiba e Região Metropolitana, no que tange a crianças e

adolescentes em situação de risco, segundo dados do Censo Demográfico 2000 do IBGE, se

considerarmos a população com renda per capta de meio salário mínimo, teremos uma

população de menores de 18 anos de 213.864 habitantes.

10

5 52 6 4

9 9 .7 54

1 98 69

3 8 .9 59

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

70000

80000

90000

100000

0 a 11 A n o s 1 2 a 1 7 A n o s

G RÁ FIC O 1 - P O P UL A Ç Ã O EM FA M ÍL IA S C O M RENDA FA M IL IA R P ER C A P IT A A T É 1 /2 S A L Á RIO M ÍNIM O , S EG UNDO G RUP O S ET Á RIO S - C URIT IBA E RM C - 2 0 00

C U R IT IB A R M C

FONTE: IBGE - Cens o Demográf ic o, 2000

NOTA : (1) A porc entagem ref ere-s e à par tic ipaç ão das c r ianç as pobres no total do res pec tiv o grupo etár io.

Conforme vemos no gráfico 1, especificamente em Curitiba são 55.264 crianças e

19.869 adolescentes, enquanto a Região Metropolitana composta por 22 municípios

periféricos à capital, possui 99.754 crianças e 38.959 adolescentes, significando que 46,2%

das crianças e adolescentes dentro da faixa de renda referida acima, moram na Região

Metropolitana e 17,4 % em Curitiba .

O campo de pesquisa, relatado neste trabalho, foi, além das ruas de Curitiba, Unidades

do Projeto Formando o Cidadão e do Projeto Criança em Segurança, projetos estes que

atendem a crianças e adolescentes em situação de risco, áreas de população de baixa renda

como a Vila das Torres em Curitiba, e casas de apoio para crianças e adolescentes em

situação de risco como a Casa dos Meninos de Quatro Pinheiros entre outras.

11

GRÁFICO 2 - CRIANÇAS E ADOLESCENTES ENTREVISTADOS POR SEXO

78%

22%

a. Masculino b. Feminino

FONTE: Pesquisa de campo

(322)

(93)

As entrevistas foram efetuadas por assistentes sociais voluntárias para este trabalho,

posto que este autor na condição de policial militar, teria dificuldade de acessar algumas das

áreas citadas acima ou mesmo obter cooperação e respostas sinceras por parte dos

entrevistados, haja vista a péssima imagem que a instituição policial tem perante o grupo

pesquisado, como ficou constatado ao longo deste trabalho.

A pesquisa de campo foi desenvolvida através de aplicação de questionários de

entrevistas, que se desenvolveu durante os meses de março e abril de 2004.

12

GRÁFICO 4 - CRIANÇAS E ADOLESCENTES ENTREVISTADOS PELA COR

33%

41%

26%

a. branco b.pardo c.negro

FONTE: Pesquisa de campo

(107)

(170)

(138)

42

21

3530

44

7471

66

43

23

0

10

20

30

40

50

60

70

80

7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

GRÁFICO 3 - CRIANÇAS E ADOLESCENTES ENTREVISTADOS POR FAIXA ETÁRIA

IDADE

FONTE: Pesquisa de campo

1% 0%

5%

9%

7%

11%

18%17%

16%

10%

5%

Na pesquisa de campo foram ouvidas 415 crianças e adolescentes consideradas em

situação de risco social e pessoal. Conforme o gráfico 2, 78% eram do sexo masculino,

somando 322 meninos e 22% eram do sexo feminino, somando 93 meninas, confirmando a

tendência referida na bibliografia disponível a respeito de outras pesquisas em nível nacional,

de que há uma prevalência maciça de meninos em situação de risco. Constatamos também

que, entre os entrevistados, houve uma prevalência de adolescentes entre 13 e 15 anos de

idade, não obstante a amostra tenha abrangido na totalidade a faixa etária que vai dos 7 aos

17 anos, conforme mostra o gráfico 03.

Entre os entrevistados, 41%, totalizando 170 pessoas, eram crianças e adolescentes

pardos, 33% eram negros, totalizando 133 pessoas e 26% eram brancas totalizando 107

pessoas, conforme mostra o gráfico 04.

Conforme gráfico 5, quanto á questão de terem pai, mãe ou pessoa responsável , 47 %

dos entrevistados (194 entrevistados) disseram ter pai e mãe, 25% (103 entrevistados)

afirmaram ter apenas a mãe, 12% (48 entrevistados) pessoa responsável, 9% (36

entrevistados) apenas o pai, 6% não responderam (26 entrevistados) e 2% (8 entrevistados)

responderam ter mãe e outra pessoa responsável.

13

GRÁFICO 5 - ENTREVISTADOS QUE TÊM PAI, MÃE OU RESPONSÁVEL

2%

6%

47%

25%

12%9%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

50%

Pai e Mãe Mãe Pessoaresponsável

Pai Não responderam Mãe e pessoaresponsável

FONTE: Pesquisa de campo

(194)

(103)

(48)

(36) (26)

(8)

Assim, a pesquisa revelou que a referência familiar ainda é forte entre crianças e

adolescentes em situação de risco, pois mesmo aqueles que afirmaram morar na rua, ainda

mantêm algum tipo de laço com a família.

2.2 BREVE RELATO HISTÓRICO.

Para compreendermos com maior profundidade a situação social de crianças e

adolescentes em situação de risco, é importante a análise dos fatores da evolução histórica da

mentalidade que os envolve, principalmente porque tal mentalidade acompanhou a legislação

de cada época. Com isto se pode aferir os reflexos de tais fatores na conjuntura atual.

Numa visão panorâmica do desenvolvimento histórico do tema, é importante destacar

os aspectos das doutrinas que determinaram a cultura e sub culturas que nortearam, norteiam

e ainda, por certo período de tempo, nortearão a consciência assistencial no que se refere a

“meninos de rua” no Brasil.

No livro “Os filhos do Governo”, Roberto da Silva2 divide o “pensamento assistencial

brasileiro” em cinco fases:

a. Filantrópica (1500 – 1874), modelo português que se apoiava no atendimento dado

pelas “santas casas de misericórdia” onde se procurava a não internação dos

“Expostos”, mas sim o seu encaminhamento a famílias beneméritas, as quais

buscavam criá-los e mantê-los agregados.

b. Filantrópico-higienista (1874 – 1922), passa a haver a supremacia do médico sobre

o jurista ao se tratar da questão; as chamadas amas-de-leite eram pagas para

encaminhar os “expostos”, criando-os, tentando inseri-los em outras famílias ou

apenas enterrando-os quando morriam.2 SILVA, Roberto da. Os filhos do Governo: – a formação da identidade criminosa em crianças órfãs e abandonadas. São Paulo: Ática. 1997. p.34.

14

c. Assistencial (1924 – 1964), nesta fase surgiu o primeiro Código de Menores, o

Juizado de Menores, configurando o Estado como responsável legal pela tutela da

criança órfã e abandonada. Esta corrente procurava proporcionar à criança já

internada a oportunidade para trabalhar.

d. Institucional pós-64 (1964 – 1990), dentro da Doutrina de Segurança Nacional,

surge o Código de Menores de 1979, a Funabem e as Febem, com a introdução da

disciplina militar nos internatos.

e. Desinstitucionalização (1990 - ?), com o advento da Constituição Federal de 1988,

uma gama de direitos das crianças e adolescentes, não mais apenas aquelas em

situação de risco, foi estabelecida e confirmada pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, colocando-os na condição especial de “pessoas em fase de

desenvolvimento” até a maioridade. Como grande mudança ideológica, o Estatuto

transfere a tutela de crianças e adolescentes para a sociedade civil, criando a figura

dos Conselhos Tutelares, remanescendo, no entanto, a participação do Poder

Judiciário através dos Juizados da Infância e Juventude.

Silva3 relata ainda, que a primeira manifestação documental com repercussão, tendo

como objeto a tutela do Estado sobre “os menores”, foi o projeto do senador da República

Alcindo Guanabara, apresentado ao Senado em 1906.

Em 1921 surge o projeto do Senador Mendes de Almeida e do Deputado João Chaves.

Após isso, em 5 de janeiro de 1921, a lei nº 4.242 estabeleceu que o estado de

abandono, a suspensão e a perda do então chamado pátrio poder (hoje poder parental ou

familiar) fossem regulamentadas por processo especial, tendo ocorrido isto através dos

decretos nº 16.273, de 20 de dezembro de 1921 e 5.083, de 1º de dezembro de 1926.

3 SILVA, op.cit. p.53.

15

Houve na seqüência o decreto nº 17943-A, de 12 de outubro de 1927, de Mello Mattos,

reunindo toda a legislação na Consolidação das Leis de Menores, sendo esta considerada o

primeiro Código de Menores.

A doutrina então imperante era a chamada “doutrina da situação irregular”, que teve no

Brasil como grande defensor Allyrio Cavalieri, que afirmava que “os menores são sujeitos de

direito quando se encontram em estado de patologia social definida legalmente”4. Isto

consistia entre outros aspectos, na eliminação de variadas categorias que classificavam o

“menor”, tais como transviado, delinqüente, abandonado, unificando-as no termo “menor em

situação irregular”.

Em 1979, houve mudança conceitual na legislação brasileira através da lei 6.697/79, o

novo Código de Menores, o qual passou a adotar a “doutrina da proteção integral”. Neste

documento,“partindo dos direitos da criança, a lei asseguraria a satisfação de todas as

necessidades da pessoa de menor idade, nos seus aspectos gerais, incluindo-se os pertinentes

à saúde, educação, recreação, profissionalização, etc”5, isto buscando-se o entrelaçamento

desta lei com a chamada “Política Nacional de Bem Estar do Menor”, surgida ainda no ano

de 1964 através da lei. 4.513/64.

Paulo Lúcio Nogueira6 leciona que foi no Projeto de lei do Senado nº 193, de 1989, do

Senador Ronan Tito, em seu artigo 98, que surgiu o termo “em situação de risco pessoal”,

(não obstante apareçam também termos como em situação de vulnerabilidade, em situação de

rua, em situação de perigo, entre outros). Esta denominação acabou ganhando abrangência,

sendo hoje aceita como a mais correta, ao se referir a crianças e adolescentes, que pela baixa

renda de sua categoria social se encontram em situação de eminente perigo social, sendo estas

não apenas as “de rua”, mas também aquelas que “estão na rua”, aquelas egressas “da

4 SILVA, op.cit. p.52.5 SILVA, op.cit. p.52.6 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da criança e do adolescente comentado: Lei nº 8069 de 13 de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 1991.p.07.

16

rua” (que estejam internadas em abrigos ou casas de apoio de organizações não

governamentais), ou ainda moradoras de áreas de baixa renda (bolsões de pobreza),

exploradas sexualmente ou submetidas a exploração através do trabalho infantil. Não estão

aqui compreendidas crianças e adolescentes internados em estabelecimentos educacionais de

correção, cumprindo medida sócio-educativa, recebendo estes a denominação de infratores,

os quais fogem ao objeto de estudo deste trabalho.

2.3 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Em 1988, com a nova Constituição Federal e, na seqüência, com a criação do Estatuto

da Criança e do Adolescente, através da Lei nº 8069 de 13 de julho de 1990, a orientação

ideológica do sistema buscou estabelecer uma parceria com a sociedade, criando os

Conselhos Tutelares. A partir de então, coloca-se em questão não apenas crianças e

adolescentes em situação de risco ou infratores como objeto da sua preocupação, mas todas

as crianças e adolescentes como pessoas em fase de desenvolvimento, incorporando avanços

no campo dos Direitos Humanos, estabelecidos por normas internacionais das quais o Brasil

é signatário.

Paulo Lúcio Nogueira7 elenca 14 princípios, dentre outros, que nortearam a elaboração

do Estatuto da Criança e do Adolescente, como sendo a representação dos postulados

fundamentais da nova política estatutária do direito da criança e do adolescente, derivados

que foram, em sua maioria, da Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela

Organização das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1959. Aquela Organização

estabeleceu também em 20 de Novembro de 1985, as Regras Mínimas de Beijing, acordo

moral sem caráter obrigatório8 (os artigos citados entre parênteses, são os artigos do Estatuto

da Criança e do Adolescente relativos a cada princípio abordado):7NOGUERIA, op.cit. p.14ss.8 CHAVES, Antonio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1997. p.33 e 34.

17

a) Princípio da prevenção geral: é obrigação do Estado garantir à criança e ao

adolescente ensino fundamental obrigatório e gratuito e outras necessidades básicas

ao seu desenvolvimento (art 54, I a VII), como também é dever de todos prevenir a

ocorrência de ameaça ou violação desses direitos (art.70);

b) Princípio da prevenção especial: o Poder Público, através de órgãos competentes,

regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a sua natureza, as

faixas etárias a que não se recomendem, locais e horárias a que sua apresentação se

mostre inadequadas (art.74);

c) Princípio do atendimento integral: a criança e o adolescente têm direito à vida, à

saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização entre

outros (arts. 3º, 4º e 7º), indispensáveis ao seu desenvolvimento sadio;

d) Princípio da garantia prioritária: prevalência na obtenção de socorro e proteção

em quaisquer circunstâncias, bem ainda na precedência de atendimento em serviços

públicos ou de relevância pública, assim como preferência na formulação e na

execução das políticas sociais públicas e também destinação privilegiada de

recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude

(art.4º, a,b,c,d, e).

e) Princípio da proteção estatal, que visa garantir sua formação biopsíquica, social,

familiar e comunitária, através de programas de desenvolvimento (art.101);

f) Princípio de prevalência dos interesses do “menor”9 : na interpretação do

Estatuto, serão levados em conta os fins sociais a que ele se dirige, as exigências do

bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e sua condição peculiar

de pessoa em desenvolvimento (art.6º);9 O termo “menor” foi usado aqui somente como forma de fidelidade ao enunciado do princípio, conforme consta na obra citada, haja vista este termo na doutrina hodierna ser considerado “um rótulo a ser evitado”, preferindo-se o termo criança e adolescente, como fica explícito ao longo desta obra.

18

g) Princípio da indisponibilidade dos direitos do “menor”: o reconhecimento do

estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo

ser exercido contra os pais, ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, respeitado o

segredo de justiça (art. 27);

h) Princípio da escolarização fundamental e profissionalização: são obrigatórias

sempre que possível, utilizando-se recursos da comunidade, inclusive no caso do

internado (arts. 120, § 1º e 124, XI);

i) Princípio da reeducação e reintegração do “menor”: isto deverá ocorrer,

promovendo socialmente a sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os

em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência, bem como

supervisionando a freqüência e o aproveitamento escolar (art. 119, I a IV);

j) Princípio da sigilosidade, é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e

administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua

autoria de ato infracional (art.143);

k) Princípio da respeitabilidade: é dever de todos velar pela dignidade da criança e

do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tipo de tratamento desumano,

violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (arts. 18, 124, V e 178);

l) Princípio da gratuidade: é garantido o acesso de toda criança e adolescente à

Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder judiciário, por qualquer de

seus órgãos, sendo a assistência judiciária gratuita prestada a todos que a

necessitem (art. 141, §§ 1º e 2º);

m) Princípio do contraditório: derivado da Carta Magna de 1988, este postulado

constitucional garante aos acusados em geral, ampla defesa e igualdade de

tratamento em processo judiciais e administrativos (CF, art.5º, LV e no Estatuto

arts. 170 a 190);

19

n) Princípio do compromisso: a este princípio se sujeitam todos aqueles que vierem a

assumir a guarda ou a tutela, responsabilizando-se por responder bem e fielmente

pelo desempenho deste seu encargo (art.32).

Acompanhando a sistematização exposta no Estatuto da Criança e do Adolescente é

importante neste momento, comentar a respeito dos principais direitos assegurados por esta

lei e que de forma direta ou indireta influem na vida destas pessoas, bem como as

conseqüências para as questões de Segurança Pública, em análise neste trabalho.

2.4 DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE

Além dos dispositivos constitucionais de proteção da vida constantes do art. 5º da nossa

Carta Magna já referidos, o Estatuto da Criança e do Adolescente trata do direito à vida e à

saúde em seu capítulo I, nos artigos 7º a 14.

Também a Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia das

Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil, através do art. 84, inciso

XXI, da Constituição, tendo em vista ainda o disposto nos arts. 1º da Lei nº 91, de 28 de

agosto de 1935 e 1º do Decreto nº 50.517, de 2 de maio de 1961, em seus princípios 2º e 4º

estabelece:

Princípio 2º. A criança gozará de proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança.

(...)Princípio 4º. A criança gozará dos benefícios da previdência social. Terá

direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e proteções especiais, inclusive adequados cuidados pré e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, recreação e assistência médica adequadas.

20

A este respeito, Paulo Lucio Nogueira10 afirma que, como direito fundamental de

qualquer pessoa, há que se colocar em evidência o direito à vida e à saúde, “pois a vida é o

único bem que a pessoa tem”.

Ao analisarmos tais direitos no que tange a infância e adolescência brasileira, vemos

sérios riscos até para as crianças que não estão em “situação de risco”, não apenas na questão

de violência sexual, que trataremos em item próprio, mas a violência pura e simples, que

pinta com tristes cores o cenário social destas pessoas em nosso país.

Entre tais fatos está a atuação cada vez mais freqüente de matadores em série, que

vitimam crianças e adolescentes pobres em sua maioria, normalmente após abusos sexuais e

torturas. Um caso que ganhou bastante divulgação foi o chamado “Caso Adriano”, que

ocupou as páginas dos jornais em todo o Brasil, tendo desdobramentos no Paraná:

O primeiro crime hediondo cometido pelo psicopata Adriano da Silva pode ter ocorrido no Paraná, sua terra natal. Em Bituruna, região Sudoeste do estado, fatos ligam o assassinato da menina Margarete Aparecida Ramos, de nove anos, à passagem de Adriano pela cidade, há quatro anos. Em janeiro, o paranaense de General Carneiro (Região Sudoeste), confessou o assassinato de 12 crianças no Rio Grande do Sul, entre 2002 e 2003. Ele cumpre pena de 27 anos na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, na Região Metropolitana de Porto Alegre.

(...)Todas as vítimas de Adriano pertenciam a famílias pobres11.

No Paraná, a violência contra crianças e adolescentes tem crescido de forma

assustadora, como revelou pesquisa recentemente divulgada pelo IBGE12:

10 Nogueira, op.cit. p.20.11 BUSNARDO, Érica. Assassino em série pode ter feito outra vítima no PR. Gazeta do Povo.Curitiba. 31.01.2004.12 OKUBARU, Fábio. Mortalidade infantil reduz. Violência contra jovens é grande. Gazeta do Povo.Curitiba, 14.04.2004.

21

Dados divulgados pelo IBGE mostram duas situações antagônicas em relação à mortalidade no Brasil. Se por um lado os índices de mortalidade infantil diminuíram 35% durante a década de 90, o número de jovens que morrem por causas violentas praticamente dobrou. O grupo mais diretamente afetado pela escalada de violência são os rapazes de 15 a 24 anos. A taxa de homicídio por arma de fogo nessa faixa etária aumentou 94,83%, passando de 36,8 mortes para cada 100 mil habitantes em 1991 para 71,7 em 2000. No Paraná, esse índice foi ainda maior. A proporção de rapazes mortos saltou de 16,7 para 45,6 para cada 100 mil habitantes, um crescimento de 173%. Os números constam da Síntese de Indicadores Sociais 2003, divulgada ontem pelo IBGE.

Assim vemos que a escalada da violência contra crianças e adolescentes é um fato que

merece a atenção das autoridades e da sociedade em geral, não apenas contra as que estão

tecnicamente em “situação de risco”, mas de todas as crianças e adolescentes de nosso país.

2.5 DO DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE

Na América Latina, crianças e adolescentes somam quase a metade da população total. A metade dessa metade vive na miséria. (...) Crianças são em sua maioria os pobres; e os pobres são em sua maioria as crianças. Entre todos os reféns do sistema, são elas que vivem a pior condição. A sociedade as espreme, vigia, castiga, e às vezes mata: quase nunca as escuta, jamais as compreende.13

Quanto á questão do direito ao respeito, à liberdade e à dignidade, antecipando parte

dos assuntos do cap. III deste trabalho, um aspecto que chama a atenção em nossa pesquisa

de campo, é a opinião de crianças e adolescentes em situação de risco sobre a polícia.

É lamentável constatar que um dos grandes fatores de risco, na opinião dos

entrevistados, é a forma como a instituição policial se comporta com referência à clientela

objeto deste estudo. Quando perguntados do que têm mais medo quando estão na rua, 44%

afirmaram que temem maiores criminosos, 7% afirmaram que temem outros meninos de rua

e 40% afirmaram que temem a polícia como maior fonte de risco, conforme gráfico 6.

13GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso; trad. Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999.p.14.

22

Isto mostra que o órgão encarregado legalmente da proteção do cidadão é considerado

pelos entrevistados, não um fator de segurança, mas uma ameaça à liberdade, ao respeito e à

dignidade de crianças e adolescentes em

020406080

100120140160180200

GRÁFICO 6 -O QUE OS ENTREVISTADOS MAIS TEMEM QUANDO ESTÃO NA RUA, SEPARADO POR COR:

negro

pardo

branco

FONTE: Pesquisa de campo

situação de risco, motivo pelo qual, como veremos no capítulo seguinte, é necessária uma

mudança radical na cultura policial no que tange a este aspecto.

Isto, em parte, ocorre por que a polícia é a encarregada de manter a ordem, e crianças e

adolescentes “de rua” acabam entrando em conflito com a lei, até como forma de

sobrevivência, para obter o mínimo para a sua sobrevivência, quando isto não é obtido por

meios lícitos. Isto então, fará com que ações repressivas da polícia muitas vezes acabem se

direcionando a coibir tais atos ilícitos, até por imposição legal. Por isso, ainda que atuando

dentro da legalidade, seria difícil que os órgãos policiais desfrutassem de uma imagem

positiva perante este público. Obviamente, não se descarta aqui, que agravam este quadro

excessos praticados pelos integrantes dos organismos policiais.

Outra questão que merece referência é o ímpeto sexual de representantes dos mais

diversos segmentos da sociedade, sobre crianças e adolescentes com o cometimento de todo o

tipo de atrocidade, fato que tem se tornado muito comum nos dias de hoje.

23

Um caso emblemático a este respeito, ocorreu recentemente na cidade de Campo

Largo, Região Metropolitana de Curitiba, onde oito pessoas foram denunciadas por pedofilia

e formação de quadrilha, pelo Ministério Público, pela participação em orgias com

adolescentes, entre elas um juiz e um policial civil14.

Este fato dá o tom do problema, que tem marcado as páginas policiais não só de

Curitiba, mas de todo o país e do mundo. Relatos que envolvem não apenas cidadãos comuns

em tal prática, mas pessoas das mais variadas atividades: advogados15, padres16, até mesmo

em nível internacional, como os casos havidos nos Estados Unidos da América, onde foram

registradas mais de 11 mil denúncias contra 4.000 padres, entre 1950 e 200217. Isto sem

esquecermos dos diversos casos envolvendo artistas de renome internacional, como o cantor

Michael Jackson, que responde a vários processos por pedofilia e abusos sexuais contra

crianças e adolescentes18.

A Internet tem sido também palco de tais atrocidades, como se tem noticiado

constantemente, não apenas no Brasil mas até em países tidos como conservadores, como a

Grã-Bretanha:

O crime da pornografia infantil aumentou assustadoramente na Grã-Bretanha ao longo dos últimos 13 anos, devido em grande parte ao advento da Internet, que permite que pedófilos troquem imagens de crianças vítimas de abuso, revelou um estudo divulgado nesta segunda-feira19.

Obviamente, por serem mais vulneráveis, crianças e adolescentes em situação de risco

acabam sendo as maiores vítimas deste problema, embora nem sempre os jornais o digam.

14 BERTOTTI, João Natal. MP denuncia oito envolvidos em caso com menores. Gazeta do povo. Curitiba, 13.03.2004.15 Acusado de pedofilia: advogado de 60 anos preso afirma que menina de 16 anos é sua namorada. Gazeta do povo.Curitiba, 05.04.2004. 16 Padre mineiro condenado por pedofilia receberá tratamento. O GLOBO MINAS. Belo Horizonte, 06.01.04. Disponível em http://tudoparana.globo.com. Acesso em 19.04.04.17 Pedofilia mancha milhares na Igreja. Gazeta do povo.Curitiba, 16.02.2004.18 Michael Jackson apresenta sua verdade esta sexta no GNT. Gazeta do povo. Curitiba. 09.01.2004. 19 Internet fomenta abuso sexual de crianças, diz estudo. Gazeta do povo. Curitiba, 12.01.2004.

24

Tal afirmativa se faz com base na pesquisa de campo, conforme mostra o gráfico 7, que

mostra que tudo começa com uma iniciação sexual extremamente prematura. Questionados

sobre quando mantiveram relações sexuais pela primeira vez, as respostas mostraram que isto

ocorre a partir dos 5 anos de idade, menos que 1% (2 entrevistados), 6 e 7 anos com 1% (6

entrevistados cada), 8 anos com 4% (17 entrevistados), 9 anos com 4% (18 entrevistados),

10,12 e 13 anos com 10% cada (43 entrevistados cada), mostrando serem estas as idades de

maior freqüência quanto à iniciação à vida sexual dentro do grupo pesquisado, 11 anos com

9% (36 entrevistados), 14 anos com 7% (28 entrevistados) e 15 anos com 2% (7

entrevistados). Noventa e sete entrevistados deixaram de responder a esta pergunta.

Assim vemos que há uma prevalência de início de atividades sexuais até os 11 anos de

idade, quando o corpo da criança ainda não está plenamente desenvolvido.

Segundo a psicanalista e doutora em psicologia Ruth Mattos de Cerqueira Leite, da

Universidade de Campinas, a Unicamp20, a puberdade, que vem a ser o conjunto de

transformações fisiológicas que indicam o amadurecimento dos órgãos sexuais e o início da

adolescência, chega cada vez mais precocemente para uma enorme parcela das crianças.

Segundo a doutora, muitas delas perdem a aparência infantil antes mesmo dos 8 anos de 20 MORAIS, Jomar. Adolescência sem fim. Disponível em http://www.planetajota.jor.br/mmcobafi.htm. Acesso em 07.05.04.

25

1

10

100

5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

2

6 6

17 18

43 3643 43

28

7

-GRÁFICO 07 - QUANTOS ANOS OS ENTREVISTADOS TINHAM NA PRIMEIRA VEZ QUE MANTIVERAM RELAÇÕES SEXUAIS

NOTA: Nesta questão 97 crianças/adolescentes responderam que nunca tiveram relação sexual.FONTE: Pesquisa de campo

IDADE

0%

1% 1%

4% 4%

10% 10%

7%

2%

9%10%

idade, mostrando em seus corpos características do corpo de pessoas mais velhas, passando a

sofrer cobranças para que assumam posturas comportamentais não compatíveis com o seu

desenvolvimento psicológico.

Segundo o Dr Alberto Olavo Advincula Reis, da Universidade de São Paulo (USP) e a

Dra. Maria Aparecida Andrés Ribeiro da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no

Brasil21 “o parto é a primeira causa de internação de adolescentes no sistema público de

saúde. Em 1996, 14% das jovens com menos de 15 anos já tinham pelo menos um filho e de

cada 10 mulheres que hoje têm filhos, duas são adolescentes”.

Entre outros problemas, segundo Maria Sylvia de Souza Vitalle e Olga Maria Silvério

Amâncio,22 da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), quando a atividade sexual

resulta em gravidez, pode gerar conseqüências a longo prazo, tanto para a adolescente quanto

para o neonato. Tais conseqüências vão desde problemas de crescimento e desenvolvimento,

emocionais e comportamentais, educacionais e de aprendizado, até complicações da gravidez

e problemas de parto.

21 REIS, Adalberto Olavo Advincula. RIBEIRO, Maria Aparecida Andrés. Gravidez na Adolescência. Saúde e vida on line. Disponível em http://www.nib.unicamp.br/svol/gravprec.htm. Acesso em 06.05.2004.22VITALLE, Maria Sylvia de Souza. AMÂNCIO, Olga Maria Silvério. Gravidez na adolescência 1. Sociedade Paulista de Psiquiatria Clínica. Disponível em http://gballone.sites.uol.com.br/infantil/adolesc3.html. Acesso em 06.05.04.

26

Quanto à questão do risco de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis,

estudos realizados em vários países23 mostram uma crescente ocorrência de AIDS entre

adolescentes. Hodiernamente, as maiores taxas de infecção por esta, ocorrem entre a

população jovem. Quase 50% dos novos casos de AIDS ocorrem entre os jovens com idade

entre 15 e 24 anos. Segundo tais estudos, se levarmos em conta que a maioria dos doentes

está na faixa dos 20 anos, chegamos à conclusão de que grande parte das infecções pela

doença ocorreu na adolescência, posto que a doença pode ficar por longo tempo sem

apresentar sintomas ou sinais.

Mas os problemas não param por aí, porque quando se perguntou se foram vítimas de

violência sexual 17,6% (73 entrevistados) afirmaram que sim, conforme mostra o gráfico 8.

O que causa mais espanto é quando, destes 17,6 % que responderam, (conforme

gráfico 9) perguntados por parte de quem teria sido esta violência, 3% (12 entrevistados)

afirmaram que foi por parte do pai, 5% (22 entrevistados) por parente e 1% (5 entrevistados)

por pessoa responsável por eles, o padrasto na maioria dos casos. A pesquisa mostrou ainda

23 BOA SAÚDE. A AIDS na adolescência. Disponível em http://boasaude.uol.com.br. Acesso em 06.05.04.

27

GRÁFICO 8 - ENTREVISTADOS QUE JÁ FORAM VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

17,6%

82,4%

a.sim b.não

FONTE: Pesquisa de campo

(73)

(342)

GRÁFICO 9 - POR PARTE DE QUEM OS ENTREVISTADOS FORAM VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

12

22

5

31

3

a.pai, b.parente c.responsável d.outros meninos de rua e.Outro

FONTE: Pesquisa de campoNOTA: 85% das crianças e adolescentes entrevistados não responderam, porque não foram vítimas

3%

5%

1%

7%

1%

que 7% (31 entrevistados), sendo esta a maior freqüência, o foram por outros meninos de rua

e 1% (3 entrevistados) por outras pessoas. Isto demonstra que cerca de 50% dos casos de

violência sexual declarados, ocorrem pela ação do pai, parente ou responsável, ou seja, dentro

do próprio lar em que vivem.

Tais números acompanham estatísticas apresentadas pela Sociedade Paulista de

Psiquiatria Clínica24, quanto a abusos sexuais contra crianças dentro da família, em que 52%

dos abusos registrados foram praticados pelo pai, 32% pelo padrasto e 8% pelo tio.

Na pesquisa, conforme gráfico 10, do total de vítimas de violência sexual 8,4 % (35

entrevistados) era do sexo feminino e 9,2% (38 entrevistados) do sexo masculino, mostrando

assim, que nem sempre o sexo feminino é a maior vítima de tais abusos.

24 Ballone GJ - Abuso Sexual Infantil, in. PsiqWeb, Internet, disponível em <http://www.virtualpsy.org/infantil/abuso.html> 2003. Acesso em 06.05.04.

28

GRÁFICO 10- ENTREVISTADOS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL POR SEXO

8,4%

9,2%

feminino masculino

(35)

(38)

FONTE: Pesquisa de campo

Segundo G.J. Ballone25, da Sociedade Paulista de Psiquiatria Clínica, mesmo que a

criança conheça e aprecie a pessoa que pratica o abuso, sente um profundo conflito entre a

lealdade para com essa pessoa e a compreensão de que essas atividades sexuais estão sendo

extremamente más. Quando tais abusos sexuais ocorrem dentro da família, a criança pode

temer muito a ira do parente abusador, as possibilidades de vingança ou da vergonha dos

outros membros da família ou, pior ainda, pode temer o desagregamento da família ao

descobrir o que acontece.

O mesmo autor afirma ainda, que a criança pode acabar se tornando muito retraída,

perder a confiança nos adultos, chegando a considerar a hipótese de suicídio, principalmente

quando ocorrem ameaças do abusador para com a criança, se esta se negar a atender seus

desejos. Estudos têm mostrado, prossegue, que crianças abusadas sexualmente podem vir a

apresentar dificuldades para estabelecer relações harmônicas com outras pessoas, podendo

se transformar em adultos abusadores, com possibilidade de adquirir inclinação para a

25 Ballone GJ - Abuso Sexual Infantil, in. PsiqWeb, Internet, disponível em <http://www.virtualpsy.org/infantil/abuso.html> 2003. Acesso em 06.05.04.

29

41% 24% 35%

8% 34% 58%

0% 10% 90%

0%0% 100%

1% 9% 89%

3% 10% 87%

0%6% 94%

8% 12% 80%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR

ESTUPRO

EXTORSAO

EXTORSAO MEDIANTESEQUESTRO

HOMICIDIO

LESAO CORPORAL

ROUBO

SEQUESTRO/CARCERE PRIVADO

GRÁFICO 11 - VÍTIMAS DE CRIMES VIOLENTOS POR FAIXA ETÁRIA CURITIBA E RMC ANO 2003

0 a 11 anos 12 a 17 anos maior de 18 anos

FONTE:SisCOp Rel - CPC

prostituição ou outros problemas graves na idade adulta. A vitimização sexual de crianças e

adolescentes está estampada também nas ocorrências policiais registradas em Curitiba e

Região Metropolitana pelo fone 190 da Polícia Militar, quando comparamos os índices de

vitimização quanto a crimes violentos registrados de janeiro a dezembro de 2003.

Conforme podemos ver no gráfico 11, 41% das vítimas de atentado violento ao pudor

eram crianças e 24% eram adolescentes, totalizando 65% dos casos envolvendo este tipo

penal, enquanto no caso de estupro 8% eram crianças e 34% eram adolescentes, totalizando

42% dos casos.

2.6 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Quanto ao estabelecimento de políticas públicas, paralelamente à fórmula fácil dos

discursos políticos, um dos grandes problemas a se enfrentar é a cultura dominante entre as

autoridades políticas, de se propor soluções imediatistas para os problemas, soluções que

preferencialmente surtam algum efeito no curto espaço de tempo em que tais autoridades

ainda estejam no exercício de seus mandatos, normalmente no sentido de dar a impressão que

está se fazendo o melhor para resolver o problema.

Hoje em dia as pessoas não respeitam nada. Antes colocávamos num pedestal a virtude, a honra, a verdade e a lei... A corrupção campeia na vida americana de nossos dias. Onde não se obedece a lei, a corrupção é a única lei. A corrupção está minando este país. A virtude, a honra e a lei se evaporaram de nossas vidas.

(Declarações de Al Capone ao jornalista Cornelius Vanderbilt Jr. Entrevista publicada na revista Liberty em 17 de outubro de 1931, dias antes de Al Capone ir para a prisão.)26

26GALEANO,op.cit..p.01.

30

Tal estilo de administração das políticas públicas, aliado a uma visão distorcida da

realidade em que vivem crianças e adolescentes em situação de risco e infratoras, faz com

que os erros se repitam. Exemplo disto é o fato de alterações importantes na legislação e na

vida política do país, serem feitas em momentos de crise, quando por pressão da opinião

pública “alguém tem que fazer alguma coisa”, ou como afirma Paulo Lúcio Nogueira27:

É preciso de uma vez por todas, que as nossas autoridades se conscientizem de que os problemas sociais, econômicos e mesmo políticos, não se resolvam com a feitura de leis, que nunca chegam a ser aplicadas, ou por serem inexeqüíveis ou porque são elaboradas com o único propósito de se dar ao povo a impressão de que alguma coisa está sendo feita. (grifo nosso).

E de forma brilhante, o mesmo autor arremata28:

As leis têm sido mudadas ao sabor das circunstâncias emocionais ou das imposições de grupos econômicos, ditadas, muitas delas por votos simbólicos de lideranças, sem a devida discussão parlamentar, o que faz com que sejam repetitivas ou não cheguem a sensibilizar os seus destinatários, que simplesmente as ignoram ou deixam de cumpri-las.

Podemos constatar a veracidade da afirmação desse notável magistrado paulista,

através de fatos da nossa História recente. Após o seqüestro de grandes empresários como o

de Abílio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, em 11 de dezembro de 1989, na Zona Sudoeste de

São Paulo29, bem como do também empresário Roberto Medina, em 06 de junho de 1990, no

Rio de Janeiro30, criou-se a Lei dos Crimes Hediondos, Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.

27 NOGUEIRA, op.cit.p.07.28 NOGUEIRA, op.cit., Prefácio, p.IX.

29 Seqüestro de Abilio Diniz também teve participação de estrangeiros.da Folha Online e do Banco de Dados.Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u45205.shl. Acesso em 09.04.04.30 Empresário seqüestrado fala do cativeiro.Folha de São Paulo. São Paulo. 22 de junho de 1990. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/manchetes_22jun01.shtml. Acesso em 09.04.04

31

Esta lei veio a ser novamente alterada pela grande consternação criada pela morte da atriz

Daniela Perez, pelo também ator Guilherme de Pádua31.

Isto expressa o senso comum de que a missão básica do Estado é “vigiar e punir” e que,

fazendo isso eficientemente, o Poder Público estará bem cumprindo sua missão. Isto está nos

discursos de dirigentes políticos, quando se fala muito em construir mais penitenciárias,

comprar viaturas e armamento mais potente para a polícia, aumentar a gravidade das penas e

pouco em aumentar as condições da educação, ou investir em programas efetivos de apoio à

população carente.

Esta fala, via de regra, visa aplacar a ira de um povo que não suporta mais ser vítima de

seus próprios componentes quando marginalizados, entre eles, crianças e adolescentes que,

como vítimas ou algozes, escrevem com sangue as páginas de um drama cotidiano, sem um

final feliz à vista.

A este respeito, Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria32, escreveu que não é a

gravidade da pena que previne o crime, pela intimidação do criminoso, mas a certeza da

punição, lição que até hoje não foi aprendida pela sociedade, principalmente a brasileira, que

seguidamente coloca como remédio para situações de crise na Segurança Pública, o

recrudescimento do uso da força pelo Estado.

Talvez tentar fazer com que o sistema legal fosse mais eficiente, ao invés de apenas

aumentar penas trouxesse soluções mais efetivas. Paulo Lucio Nogueira33 a respeito disso

afirma que “Melhor fora que tivéssemos poucas leis, mas que fossem cumpridas e

respeitadas, em vez de inúmeras, como as existentes em nosso país, que não são devidamente

respeitadas, principalmente pelos próprios responsáveis por seu cumprimento”.

31 Valentões que agridem mulheres serão presos. Jornal a Tribuna de Santos. Disponível em http://br.groups.yahoo.com/group/Direitos_Humanos/message/9978.Acesso em 09.04.0432 BECCARIA, Cesar. Dos delitos e das penas. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Hemus, (?), p.56.33 NOGUEIRA, op.cit. Prefácio, p. IX.

32

Assim a crença de que “vigiar e punir” é a melhor forma de resolver tais problemas, faz

com que seja mais difícil a tomada de medidas mais efetivas, ao mesmo tempo de que dá à

sociedade uma noção de geral de que “medidas já foram tomadas pelo governo” e que não é

necessário qualquer envolvimento da comunidade.

Em verdade seria necessário se tentar trabalhar outras políticas públicas para tratar do

assunto, como a chamada pedagogia corretiva, sugerida pelo então Senador da República

José Lindoso em parecer sobre o Código de Menores de 197934;

“Dentro desse contexto, o menor deve ser considerado como vítima de uma sociedade de consumo, desumana e muitas vezes cruel, e como tal deve ser tratado e não punido, preparado profissionalmente e não marcado pelo rótulo fácil de infrator, pois foi a própria sociedade que infringiu as regras mínimas que deveriam ser oferecidas ao ser humano quando nasce, não podendo, depois, agir como verdadeiro rigor penal contra um menor, na maioria das vezes subproduto de uma situação social anômala. Se o menor é vítima, deverá sempre receber medidas inspiradas na pedagogia corretiva(...)”.

Nesta mesma linha de pensamento, após o seqüestro e morte de dois jovens no interior

do Estado de São Paulo, Felipe Silva Caffé, 19 anos, e Liana Friedenbach, de 16, por um

adolescente conhecido pelo apelido de Champinha, alterou-se o Estatuto da Criança e do

Adolescente, enquanto os mais afoitos apregoavam a redução da maioridade penal, como se

isso fosse mudar de forma radical o cenário da Segurança Pública, no que tange a crianças e

adolescentes envolvidos em delitos35:

Governador de São Paulo defende pena (sic)36 de até dez anos para menor infrator

São Paulo (AF) – O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), entregou ontem ao presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), sua proposta de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Alckmin propõe o aumento de três para até dez anos da pena de restrição de liberdade para o menor infrator. A pena para o adolescente que cometer crime grave ou violento seria de oito anos e, no caso de reincidência, até dez anos.

34 NOGUERIA, op.cit. p.04 e 05.35 Proposta muda Estatuto da Criança. Gazeta do Povo, Curitiba. 20 nov 2003.36 O eventual aumento seria de medidas sócio-educativas e não de penas.

33

Segundo o governador, a pena atual acaba favorecendo a impunidade e, ao contrário de recuperar, deseduca o infrator. "Você acaba deseducando porque a impunidade deseduca. A responsabilização é importante porque tem efeito educativo e pedagógico", disse Alckmin.

Quanto à questão da redução da maioridade penal, o Dr Olímpio de Sá Sotto Maior,

Procurador de Justiça do Estado do Paraná e um dos especialistas que trabalhou na

elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente37, se coloca como radicalmente contra,

afirmando ser esta uma visão equivocada, pois estes movimentos que surgem propondo tal

redução, partem de pressupostos errados, afirmando, por exemplo, que o Estatuto promove a

impunidade. Na sua opinião, isto é um erro grave, posto que o Estatuto, impõe a

responsabilização de qualquer adolescente que venha a praticar ato infracional.

Também o ato de se enviar um adolescente para a penitenciária, no seu modo de

entender, não traria nenhum tipo de benefício à sociedade e além do mais, quando saísse,

seria um cidadão muito pior do que quando entrou.

A redução da maioridade penal, conclui, seria uma medida muito cômoda para aqueles

que querem se desobrigar do problema de forma sumária, sem buscar uma solução efetiva

para a questão.

Para o representante do Ministério Público junto à 1ª Vara da Infância e Juventude da

Comarca de Curitiba, Dr Marco Aurélio de Oliveira São Leão38, tal medida teria muitas

restrições, começando inclusive pela questão Constitucional, pois se teria de alterar cláusulas

pétreas da nossa lei maior, o que já teria sido questionado pelo Supremo Tribunal Federal,

através de declarações de ministros daquele tribunal. Considera ainda que colocar jovens de

16 anos em uma penitenciária seria uma coisa muito grave, pois não haveria condições para

permanência segura destes naquele local, coisa que nem para adultos que lá estão existe.

37 SOTOMAIOR, Olimpio de Sá. Entrevista concedida em 23 Mar 2004. Curitiba.38SÃO LEÃO, Marco Aurélio de Oliveira.Entrevista concedida em 16 Mar 2004. Curitiba.

34

Afirma ainda que estatisticamente o número de atos infracionais perpetrados por

menores que sejam realmente violentos, é muito baixo para se justificar tal medida, havendo

ainda o fato de que na maioria dos casos em que jovens praticam crimes graves estão

acompanhados de criminosos maiores de idade.

Tal assertiva, do respeitável representante do Ministério Público, pode ser comprovada

ao analisarmos a realidade de Curitiba e Região Metropolitana. Podemos observar conforme

o gráfico 12, com base nos dados do Sistema de Controle Operacional (SisCOp) da Polícia

Militar do Paraná, sistema que controla os dados referentes ao número 190, no ano de 2004,

64% dos delitos registrados tiveram como autor maiores de idade, 22% tiveram a

participação de maiores e de crianças ou adolescentes, normalmente estes liderados por

aqueles e apenas 14% foram praticados apenas por crianças ou adolescentes. Isto mostra que

a redução da maioridade penal cogitada, se aplicaria sobre um número diminuto de delitos,

não justificando assim esta alteração.

64%22%

14%

GRÁFICO 12- COMPARATIVO DE DELITOS COMETIDOS POR MENORES DE 18 ANOS EM CURITIBA E RMC NO ANO DE 2004

% >18 somente

% de criança/adolescente com participação de maiores

% de criança/adolescente s/participação de maiores

FONTE:SISCOP

35

O mesmo promotor afirma ainda, que a criminalidade deve ser combatida através de

estratégias no campo da Segurança Pública, e não através de leis que agravem punições para

determinados crimes ou categorias de pessoas.

2.7 DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

Outro aspecto de fundamental importância abrangido pelo Estatuto da Criança e

Adolescente é a proteção à família. Pela importância de que se reveste, figura em destaque

em diversos diplomas importantes, sendo o mais importante deles a própria Constituição

Federal de 1988, que em seu art. 226 assevera que a família, como base da sociedade que é,

tem especial proteção do Estado. Também os arts. 203, I e 227 a 230 procuram fazer com que

o sistema jurídico respalde da melhor maneira possível o desenvolvimento de crianças e

adolescentes no seio familiar39.

Como disposição do Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito à vivência familiar

consta do Capítulo III, arts. 19 a 52.

Paulo Lúcio Nogueira40 afirma com propriedade que a família, seja ela de fato ou de

direito, é o lugar ideal para a criação e educação da criança ou adolescente, pois será

justamente em companhia de seus pais e demais membros desta, que essas pessoas terão

condições de um melhor desenvolvimento. Os pais são os grandes responsáveis pela

formação e proteção de crianças e adolescentes. Estes têm não só o antigamente chamado

pátrio poder (hoje poder parental), mas também o dever de lhes assegurar os direitos

fundamentais, aqueles mais basilares como direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação

entre outros.

Lamentavelmente, muitos pais não estão imbuídos deste dever, por falta de condições,

simples desleixo ou má formação de sua personalidade, o que faz com que muitos deles por

39 CHAVES, op.cit p.108.40 NOGUEIRA, op.cit p.32.

36

vezes até incentivem a prática de condutas ilícitas pelos próprios filhos. É o caso das famosas

“mães esmoleiras”, que obrigam seus filhos a esmolarem em semáforos. Também é o caso

dos pais e mães que induzem ou mesmo obrigam crianças e adolescentes a se submeterem à

exploração sexual ou ainda participarem do tráfico de drogas.

Estas condutas são comuns nos grandes centros, como Curitiba, não obstante haja

sanções penais diversas para os chamados crimes contra a assistência familiar, no Código

Penal, como o abandono material (art.244), abandono intelectual (art.246), abandono moral

(art. 247) e entrega de filho menor a pessoa inidônea (art. 245), os quais com grande

freqüência não chegam a ter o devido tratamento judiciário, por vários motivos, entre eles a

falta de fiscalização por insuficiência de recursos humanos e materiais, entre outros.

Para Maria C. Minayo41, abordando a questão social envolvida com o tema,

“A família cuja função cultural é ser a criadora e reprodutora das relações primárias, é aqui ferida no seu cerne, quando por complexas razões econômicas e sociais, se vê compelida a expulsar seus filhos para a rua ou aceitar que a utilizem como lugar de vida e trabalho. (...) Expostas a um espaço tão complexo e inseguro como a rua, numa situação limite entre o trabalho, a mendicância e o furto, alvos fáceis de adultos delinqüentes, sofrendo o preconceito, o medo e o

desprezo dos grupos sociais mais abastados, essas crianças mesclam uma agressividade aparentemente grande para enfrentar a violência de que são vítimas, com uma fragilidade tão forte quanto o abandono que vivenciam”.

41 MINAYO, Maria Cecília de Souza. O limite da exclusão social: meninos e meninas de rua no Brasil. São Paulo: Hucitec/Abrasco, 1993p.13.

37

A mesma autora relata42 ainda, que em pesquisa desenvolvida a respeito da situação de

meninos e meninas de rua, verificou que este são filhos e filhas de famílias pobres, cuja

necessidade, seja material, seja de afeto e proteção, paradoxalmente as impele para a rua.

Estas crianças, prossegue43, têm em comum um lar e uma família que não consegue supri-las

das condições necessárias à sobrevivência e ao desenvolvimento adequados. Quanto a esta

questão, a pesquisa de campo mostrou que esta também é a realidade curitibana. Conforme

gráfico 13, dos entrevistados apenas 16 % (68 entrevistados) afirmaram que efetivamente

moravam na rua, 20% (82 entrevistados) moravam com algum parente, 21% (88

entrevistados) em outros lugares (abrigos, casas de apoio e similares) e 43% (177

entrevistados) moravam com os pais, o que demonstra que a vasta maioria de crianças e

adolescentes em situação de risco, embora vão ás ruas por diversas razões, ainda têm a

família como referência e procuram permanecer nela .

42 MINAYO, op.cit. p.19.43 MINAYO, op.cit. p.65.

38

GRÁFICO 13 - ONDE OU COM QUEM MORAM OS ENTREVISTADOS

43%

20%

16%

21%

a. Com os pais b. Com algum parente c. Na rua d. Outro

FONTE: Pesquisa de campo

(88)

(68)

(177)

(82)

Segundo o UNICEF44, Fundo das Nações Unidas para a Infância, já em 1990, 30

milhões de crianças estavam na rua em todo o mundo.

Uma questão que também merece análise é o conflito de gerações entre pais e filhos.

Este é inerente ao próprio ser humano e remonta a tempos imemoriais da civilização humana.

“Os jovens já não respeitam os mais velhos. Eles se tornaram impertinentes e perderam toda a noção de comedimento”. (Inscrição numa tumba egípcia, 3.000 a.C.)45

“Um cavalo indômito torna-se intratável, e um filho deixado à sua vontade torna-se insolente”. (Livro do Eclesiástico, cap.30, versículo 8)46

Hoje, no entanto, diversos fatores têm influído no sentido de que tais conflitos se

tornem cada vez mais acirrados, ocasionando um grande número de famílias desfeitas,

violência e até morte, principalmente nas famílias de baixa renda, onde as dificuldades de

obtenção de sustento e das condições mínimas de sobrevivência, determinam, entre outras

coisas, o abandono do lar com muita freqüência.

Foram relatados47 como principais fatores, as dificuldades de relacionamento entre pais

e filhos, surras dos pais sobre os filhos e até abusos ou tentativas de abusos sexuais dos pais

sobre os filhos ou mesmo de companheiros da mãe sobre os filhos desta. Relataram-se

também como motivo de tal saída, prisões, suicídios e homicídios entre pessoas da família.

As entrevistas realizadas na pesquisa de campo indicaram que é freqüente o pai

abandonar aquele núcleo familiar, deixando para trás uma esposa com muitos filhos e muitos

problemas. Na seqüência vão os filhos para a rua. Num primeiro momento para obtenção de

recursos como dinheiro e comida, depois definitivamente, pelos conflitos que se seguem,

mormente quando a mãe arranja um novo companheiro. Neste caso são muito freqüentes os

44 CHAVES, op.cit. p.234.45. BUCHALLA, Anna Paula .O Antigo Egito já reclamava deles. Revista Veja. São Paulo: Ed. Abril. 18 Fev 2004.p. 77.46 BÍBLIA SAGRADA. Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1989.p.772.47 MINAYO, op.cit. p 84 .

39

relatos de hostilidades, assédio, abusos ou mesmo violência sexual contra os filhos do

companheiro anterior.

“Na nossa família não era muito bom, principalmente quando minha mãe se juntou com meu padrasto. Depois que meu pai morreu, ela ficava só arranjando outros homens. Minha mãe era boa pra gente. Meu padrasto bebia muito, começou a bater em mim e na minha mãe. Uma vez ele me quebrou a perna. Pensei que ele era o diabo correndo atrás de mim, e pulou com o joelho em cima da minha perna e quebrou ela. Nesse dia eu saí de casa, fui morar na beira de um rio, morei lá três ou quatro semanas, eles ficaram me procurando”.

(...)“Quando eu tinha 8 anos, sofri muito com o vício do meu padrasto. Ele

surrava eu, minha mãe e meus irmãos com qualquer coisa. Minha irmã mais

velha tinha 13 anos, meu padrasto chegava bêbado em casa tentava fazer malandragem com ela. Um dia, chegou bêbado em casa para fazer a mesma coisa , e ela fugiu. (...)”48

A este respeito na pesquisa de campo, conforme gráfico 14, que não obstante 18% (74

entrevistados) tenham afirmado que vão para as ruas pela liberdade que ela dá, 14% (60

entrevistados) afirmaram que vão às ruas por causa de brigas em casa, 14% (59 entrevistados)

porque apanhavam muito, e 13% (53 entrevistado) para arranjar dinheiro e comida,

48 OS MENINOS DE QUATRO PINHEIROS. Histórias de nossas vidas. Curitiba: Fundação Educacional meninos e Meninas de Rua profeta Elias, 1999.p.20.

40

18%

14% 14%13%

19%

21%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

Pela liberdadeque a ruaoferece

Por brigas emcasa

Por queapanhava

muito

Para arranjardinheiro ou

comida;

Outro Nãoresponderam

GRÁFICO14 - PORQUE OS ENTREVISTADOS SAÍRAM DE CASA

FONTE: Pesquisa de campo

(74)

(60) (59)

(53)

(80)

(89)

totalizando estes três referenciais 41% dos entrevistados, o que mostra que quase a maior

parte das crianças e adolescentes vão para a rua compelidas por algum tipo de necessidade e

apenas um minoria por mero desejo de liberdade. Estudos feitos por Rizzini e colaboradores49

em 300 meninos de rua no Rio de Janeiro, comprova esta mesma afirmação. O mesmo estudo

conclui que tais crianças vão para as ruas por razões sociais e econômicas. Uma das grandes

razões para tal afirmação é o fato de que 70% do público alvo da pesquisa, saía de casa para

trabalhar durante o dia e voltava à noite.

Assim, lazer ou diversão, não seriam causas comprovadas para o êxodo familiar de

meninos e meninas em situação de risco. Conforme gráfico 15, dos que referiram brigas

como motivo da sua saída de casa, 7% (28 entrevistados) afirmaram que as brigas eram entre

os entrevistados e os pais, 5% (21 entrevistados) entre os pais e 3% (11 entrevistados) outras

situações como brigas entre irmãos ou outras pessoas que conviviam no mesmo ambiente. O

que comprova que o conflito entre pais é filhos é uma questão importante no que tange ao

abandono do lar.

49 RIZZINI, I. e et alii. A geração de rua. Um estudo sobre as crianças marginalizadas no Rio de Janeiro. Série: estudos e pesquisas. 11-58. Rio de Janeiro, 1986.

41

7%

5%

3%

0%

1%

2%

3%

4%

5%

6%

7%

a.Entre você e seus pais b.Entre seus pais c.Outro

GRÁFICO 15 - ENTRE QUEM ERAM AS BRIGAS EM CASA

NOTA:86% (355) das crianças e adolescentes não responderamFONTE: Pesquisa de campo

(28)

(21)

(11)

Também há muitos relatos da morte prematura do pai, da mãe ou de ambos, associados

à desestrutura familiar, que também contribui para o êxodo infanto-juvenil em direção á

rua .Em nossa pesquisa, quando se perguntou qual seria o momento mais difícil da vida do

entrevistado, conforme gráfico 16, a morte dos pais, entre aqueles que responderam, aparece

como fator de destaque com 6% (25 entrevistados). Por ser uma pergunta aberta no

questionário de pesquisa, houve muita dispersão nas respostas, das quais as que surgiram com

maior freqüência, além da já citada foram brigas em casa 6%, (25 entrevistados), passar frio e

fome e a própria saída de casa com 5% cada item (19 e 20 entrevistados respectivamente),

havendo ainda referências quanto à prostituição, estupros e uso de drogas. Por ser um assunto

delicado ou mesmo doloroso para a maioria dos entrevistados, 22% preferiram não responder

(91 entrevistados) e 46% (191 entrevistados) colocaram razões diversas de difícil tabulação,

situação compreensível pela pessoalidade marcante que caracteriza a pergunta.

2.8 DO DIREITO Á EDUCAÇÃO, AO ESPORTE E AO LAZER

42

5%

6%

4%

6%

2%

5%

2% 2%

0%

1%

2%

3%

4%

5%

6%

7%

saída decasa

morte dospais

morte deparente

brigas emcasa

estupro passar frio efome

prostituição drogas

GRÁFICO 16 - MOMENTO MAIS DIFÍCIL DA VIDA, RELATADO PELOS ENTREVISTADOS

FONTE: Pesquisa de campo

NOTA:22% das crianças e adolescentes não respomderam e 46% responderam outros momentos difíceis

(20)

(25)

(15)

(25)

(10)

(19)

(10) (9)

É importante também o papel da educação em todo este processo. Não obstante a

educação não seja especificamente um interesse da Segurança Pública, na atualidade, de

forma direta ou indireta, esta acaba influindo, posto que muitos dos problemas vivenciados

por crianças e adolescentes, com relação à sua educação acabam se tornando problemas de

Segurança Pública.

No texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito a educação, à cultura, ao

esporte e ao lazer estão no Capítulo IV, arts. 53 a 59. Na questão específica da educação, o

art.54 repete textualmente o art. 208 da Constituição Federal de 1988, que coloca como dever

do Estado a garantia de acesso ao ensino regular adequado.

Também há referência específica quanto à questão da educação na Declaração

Universal dos Direitos da Criança:

Princípio 7º. A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário.

Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.

Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.

A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.

Não obstante as garantias legais, inclusive constitucionais, de acesso a educação, o

número de crianças e adolescentes fora da escola não só no Brasil, como em todo mundo é

muito grande. Segundo o UNICEF50, em 1990, 100 milhões de crianças estavam fora da

escola em todo o mundo. No Brasil e no Paraná a situação atual também é difícil:

No Paraná, segundo o Mapa da Exclusão Educacional, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão ligado ao Ministério da

50 CHAVES, op.cit. p.234.

43

Educação, existem 64.606 crianças com idade entre 7 e 14 anos excluídas do sistema educacional. A pesquisa foi feita com base nas informações do Censo Demográfico de 2000, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O levantamento faz parte do programa federal "Escola para todos", que tem como meta promover um mutirão nacional para levantar os motivos do abandono e para cadastrar as cerca de 1,5 milhão de crianças que estariam fora das salas de aula. Esse número representa 5,5% da população com idade para freqüentar o ensino fundamental, considerado um direito universal.51

Por outro lado este trecho do Estatuto recebe a crítica de alguns autores, entre eles

Paulo Lúcio Nogueira52, que afirma que aquele diploma contém normas ociosas e até mesmo

acintosas em relação aos educadores, quando estabelece que à criança e ao adolescente fica

garantido o direito de ser respeitado por seus educadores, o que subverte a ordem de respeito,

que obviamente deve ser recíproco, resultando numa luta dentro das salas de aula de hoje,

para que hajam as mínimas condições de disciplina. Muitos jovens inclusive utilizam tal

estratagema para se furtarem a eventuais medidas disciplinares, por atos praticados, alegando

que são intocáveis por que assim o Estatuto estabelece.

Desta forma, prossegue o mesmo autor, o Estatuto teria sido pródigo em conceder

direitos às crianças, sem, no entanto dar a mesma atenção aos seus deveres, o que dificulta a

que estes muitas vezes aceitem orientações e direção de pais e professores, necessárias estas à

sua boa formação moral e intelectual.

Um dos grandes problemas que assolam os ambientes escolares são as drogas e

violência. Não apenas para crianças e adolescentes em situação de risco, que ainda

freqüentem a escola, mas até para crianças de classe social mais elevada, drogas e violência

chegam em muitos momentos a dificultar a freqüência escolar.

51 MORAIS, Andréia. Mais de 64 mil crianças estão fora do sistema educacional. Gazeta do povo. Curitiba, 04 Jan 2004.52 NOGUEIRA, op.cit. p. 69.

44

Duas escolas na Região Metropolitana de Curitiba cancelaram aulas esta semana por questões ligados à segurança. Na Escola Estadual Professora Rosilda de Souza Oliveira, em Piraquara, as classes foram suspensas na noite de segunda-feira, depois que um grupo de pessoas invadiu as salas de aula, subiu nas carteiras dos alunos e promoveu depredações. As aulas só voltam na próxima semana. Na Escola Estadual Dirce Celestino do Amaral, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), uma manifestação impediu as aulas na terça-feira. Os alunos do ensino médio protestaram contra a falta de segurança. Na semana passada, um homem armado invadiu uma das salas para fugir de um tiroteio53.

Segundo levantamento feito pela Unesco (Organização das Nações Unidas para

Educação, Ciência e Cultura)54 em escolas do país, o álcool é a droga que mais atrai alunos

dos ensinos fundamental e médio: 42,2% dos estudantes consomem bebidas eventualmente.

Intitulada "Drogas nas Escolas", a pesquisa ouviu 3.099 professores e coordenadores, 10.225

pais e 50.049 alunos de 13 a 24 anos da rede pública e de escolas privadas em 14 capitais do

Brasil desde 2000.

2.9 O PROGRAMA EDUCACIONAL DE RESISTÊNCIA ÀS DROGAS E À VIOLÊNCIA

Para tentar fazer frente a este problema, principalmente buscando soluções preventivas,

foi criado o PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência).

O governo do estado pretende ampliar as ações do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) este ano. Gestora das ações, a Polícia Militar deve levar o programa a 250 mil estudantes entre 9 e 12 anos – 61,2% a mais do que os 155 mil alunos participantes em 2003.

(...)·. O Proerd existe há quatro anos e já chegou a 164 municípios do estado.

Seu funcionamento é simples: instrutores (policiais militares) fazem palestras ao longo de um semestre nas escolas. Nesse período, ensinam os alunos a lidar com a auto-estima, tensões e a resistir às pressões dos colegas no que se refere a drogas e violência.55

53 BACARIN, Raquel. Violência na RMC fecha duas escolas. Gazeta do Povo.Curitiba, 29.08.2002.54 Álcool é a droga preferida dos estudantes brasileiros. Gazeta do Povo.Curitiba, 12.11.2002.55 CALDEIRA, Keise. PM usa educação contra violência. Gazeta do povo. Disponível em http://tudoparana.globo.com/gazetadopovo/parana/ Acesso em 16.04.04.

45

Segundo a Coordenação do PROERD na Polícia Militar, este programa tem como base

o D.A.R.E. “Drug Abuse Resistance Education”, criado na cidade de Los Angeles/EUA, em

1983, pela Professora RUTH RICH, do Distrito Escolar de Los Angeles em conjunto com o

Departamento de Polícia daquela localidade, hoje presente nos 52 estados americanos e em

mais de 58 países, inclusive no Brasil, onde está sendo aplicado em todos os Estados.

O PROERD é um Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência,

desenvolvido no Estado do Paraná pela Polícia Militar, em parceria com a Secretaria de

Educação, na rede de ensino fundamental pública e em escolas particulares. Consiste em um

esforço cooperativo da Polícia, Escola e Família oferecendo atividades educacionais em sala

de aula, durante um semestre letivo, objetivando prevenir o uso de drogas e o uso da

violência entre crianças e adolescentes.

O Policial Militar, especialmente treinado e designado para cada escola, uma vez por

semana ao longo de um semestre, aplica o programa junto às turmas da 4ª série do ensino

fundamental, compreendendo crianças de 09 a 12 anos de idade, como atividade extra,

complementar ao currículo escolar.

Um importante elemento do PROERD é o uso de alunos líderes naturais que não

usam drogas, como modelos positivos para influenciarem os demais.

As escolas, assim como as famílias, são essenciais para o bom desenvolvimento do

PROERD, que em um trabalho conjunto ( Escola - Família - Polícia Militar ) operam em

favor da criança. O programa não invalida qualquer outro trabalho de prevenção dirigido aos

jovens, apenas precisa contar com uma parceria indispensável com a comunidade. A

participação das escolas é voluntária e as solicitações devem ser feitas à Coordenação do

PROERD.

O Policial, instrutor PROERD, é acima de tudo voluntário, selecionado diante de sua

conduta profissional, ética e moral. Deve possuir auto-estima elevada, dinamismo,

46

afetividade no trabalho da educação infantil, acrescido de um treinamento específico com

profissionais das áreas de saúde, educação, psicologia e legislação, através de um curso de

especialização com duração de 80 horas/aula.

Hoje o Programa no Estado do Paraná conta com 149 Instrutores PROERD, sendo 25

Mentores PROERD, 02 Master PROERD, atuando em 152 municípios do Estado, sendo

atendidas 708 escolas públicas e particulares, trabalhando neste semestre com

aproximadamente 44.542 alunos. Desde a implantação o PROERD formou 296.107 crianças.

O PROERD, também ministra palestras preventivas em escolas, associações, empresas

e na comunidade em geral com o intuito de alertar a população sobre o problema das drogas e

da violência, contribuindo assim na defesa de uma sociedade saudável e harmônica.

2.10 DO DIREITO Á PROFISSIONALIZAÇÃO E À PROTEÇÃO AO TRABALHO

O trabalho é outro ponto crucial deste estudo, por que em função da necessidade de

provimento das condições básicas de sobrevivência é que gira a problemática da infância e

adolescência em situação de risco, e o trabalho acaba, por conseguinte, tendo papel de

destaque nesta análise.

Esses meninos (...) são obrigados, desde cedo, a aceitar qualquer tipo de ganha-pão (...) São escravinhos e escravinhas da economia familiar ou do setor informal da economia globalizada (...):

Nos lixões da cidade do México, Manila e Lagos, juntam garrafas, latas e papéis, e disputam restos de comida com os urubus;

São as toupeiras nas galerias das minas do Peru (...) e quando seus pulmões deixam de funcionar são enterrados em cemitérios clandestinos;

(...) envenenam-se com pesticidas nas plantações de algodão da Guatemala e nas bananeiras de Honduras;

(...) vendem frutas nos mercados de Bogotá e chicletes nos ônibus de São Paulo;

Á força recrutam meninos os exércitos em alguns lugares da África, Oriente Médio e América Latina. Nas guerras os soldadinhos trabalham matando e, sobretudo trabalham morrendo: eles somam a metade das vítimas nas recentes guerras africanas.56

56 GALEANO, op.cit. p.15 e 16.

47

A este respeito Antonio Chaves57 afirma que segundo a Organização Internacional do

Trabalho, em relatório divulgado em 12 de novembro de 1996, 250 milhões de crianças de 5

a 14 trabalhavam no mundo, 50% delas em período integral. O mesmo relatório afirmava que

seriam 153 milhões de crianças trabalhando na Ásia, 80 milhões na África e 17,5 milhões na

América Latina. Tal relatório, divulgado na cidade de Genebra, afirmava que muitas crianças

estariam sendo usadas no trabalho escravo e na exploração sexual, muitas delas sendo,

inclusive expostas a produtos perigosos. Há ainda relatos de que crianças que faziam serviços

domésticos eram vítimas de violência e abusos sexuais.

O art. 60 do ECA, veda o trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de

aprendiz. Isto já é da tradição jurídica nacional58, constando também na nossa Carta Magna,

no art.7º, XXXIII. Ali há a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores

de 18 anos, idade mínima aquela reiterada no art. 227, § 3º.

Chaves cita ainda, que isto é resultado da Convenção de Nova York, em seu art. 36, do

qual o Brasil é signatário, a fim de proteger as crianças de todas as formas de exploração

prejudiciais a qualquer aspecto do seu bem-estar: “Os Estados –Partes reconhecem o direito

da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de

qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja nocivo

para a sua saúde ou para o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.”

Não só a questão dos danos ao desenvolvimento da criança merecem atenção, mas há

também o fato de que muitas crianças nem recebem remuneração por conta de seu trabalho

ou recebem muito pouco, colocando-as normalmente numa condição de semi-escravidão. É o

que as pesquisas especializadas59 têm demonstrado a respeito do tema:

57 CHAVES, op.cit. p.266.58 CHAVES, op.cit. p.267.59 Mais de 2 milhões trabalham de graça em 2001. GLOBO.COM. 16.04.2003. Disponível em http://www.tudoparana.com.br.m Acesso em 19.04.04.

48

Em 2001, 5,4 milhões de crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos de idade, trabalhavam no Brasil. Desse total, 2,2 milhões, o equivalente a 48,6%, não recebiam qualquer remuneração. De acordo com pesquisa sobre trabalho infantil divulgada hoje pelo IBGE, um terço dessas crianças cumpria jornada integral de trabalho e 77% ganhavam um salário-mínimo ou menos.

Para Irene Rizzini60et alii, um dos principias problemas quanto ao trabalho infantil é a

questão cultural, pois a relação que se estabelece no senso comum das pessoas é a de que se

deve ocupar dignamente a infância no trabalho, pois do contrário esta seria ocupada trilhando

caminhos desviantes como a ociosidade, a vadiagem, a mendicância e a criminalidade, sendo

aqui o termo infância, entendido como os filhos da pobreza. A mesma autora cita ainda61, o

problema de que as crianças e adolescentes que começam precocemente a trabalhar,

dificilmente adquirem uma qualificação profissional que os capacite para competir em

condições favoráveis no mercado de trabalho futuro.

Na luta pela sobrevivência crianças e adolescentes se lançam nos campos de batalha da

rua com as armas que têm: sua imagem esquálida, para obter esmolas ou outro tipo de favor,

sua agilidade, para subtrair bolsas ou objetos, sua pouca força física para puxar um carrinho

de juntar papel, seus corpos, no depravado mercado dos prazeres sexuais mundanos.

60 RIZZINI, Irene. RIZZINI, Irmã. HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. A criança e o adolescente no mundo do trabalho. Rio de Janeiro: USU Ed. Universitária: Amais Livraria e Editora, 1996.p. 30.61 RIZZINI, op.cit. p.46.

49

O que incentiva este estado de coisas é, o fato de serem estas as únicas formas de

obtenção de renda disponíveis, posto que a educação que recebem na escola (aqueles que

ainda a freqüentam), só num futuro distante poderá se reverter em uma profissão. Outro fator

que determina este quadro é demanda que a sociedade oferece por estes “serviços”.

Em nossa pesquisa, várias referências a formas alternativas de obtenção de renda

surgiram, conforme o gráfico 17, o que mostra que as atividades variam muito, conforme

detalhamos a seguir.

Como atividade mais freqüente surgiu a pratica de crimes contra o patrimônio, com

15% (58 entrevistados). Não obstante a palavra mais usada seja “roubo”, não apenas este tipo

penal está aqui representado, mas também furtos, em suas formas simples e qualificada.

Isto mostra que na luta pela sobrevivência, tais delitos surgem como uma forma,

entendida como viável, de obtenção de recursos para crianças e adolescentes em situação de

risco, freqüentemente praticados em semáforos através de simples ameaça ou mesmo com a

50

14%

12%

6%

5%

4%

3%

3%

3%

2%

1%

0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 14%

"roubo"

"esmolagem"

prostituição

formando cidadão

catar papel

trabalho

estudo

guarda de carros

venda de drogas

malabarismo

GRÁFICO 17- FORMAS DE OBTENÇÃO DE RENDA

FONTE: Pesquisa de campo

NOTA:27% das crianças e adolescentes não respomderam e 21% fazem com freqüência outras atividades

(58)

(51)

(24)

(19)

(15)

(12)

(11)

(11)

(8)

(4)

utilização de algum tipo de arma branca em sua maioria, como pequenas lâminas, facas e até

mesmo uma simples pedra. Também foi citada na pesquisa, a utilização de artifícios, como se

amarrar uma vela de motor a um barbante que é girado e batido com força contra o vidro da

janela de veículo momentaneamente parado no sinaleiro, para quebrá-lo, o que por vezes é

substituído pelo uso de uma pedra como instrumento de rompimento de tal defesa da vítima.

Segundo os entrevistados, também se tem o costume de através de um trabalho

coordenado entre vários indivíduos. Num semáforo anterior ao ponto onde ocorrerá o roubo,

um dos participantes gruda um pedaço de chiclete no vidro do carro de uma futura vítima, em

função de este ter observado que aquela traz algum objeto de valor à vista como bolsa, celular

ou jóias. Isto é observado por outro membro do grupo, que espera no próximo semáforo e

abordará esta vítima, roubando-lhe o pertence anteriormente observado.

A utilização de armas de fogo é mais referida por adolescentes de idade mais avançada,

posto o seu preço ser mais alto entre os traficantes de armas. A obtenção de armas de fogo só

é facilitada para crianças, quando atuam no tráfico de drogas, momento em que o próprio

traficante lhes fornece armas.

Também é comum a prática de furtos e roubos na região central onde vítimas

desatentas são privadas de seus pertences pela ação dos “descuidistas”, que os furtam sem

serem percebidos ou mesmo dos chamados “cavalos loucos”, que arrancam das suas vítimas

bolsas, correntes, pulseiras e fogem em desabalada carreira, daí o apelido dos adeptos desta

prática, que correm como se fossem “cavalos em disparada”.

Em segundo lugar na pesquisa, com 12% (51 entrevistados), aparece a mendicância,

freqüentemente referida como “esmolagem” entre meninos e meninas de rua. Na pesquisa

houve referência de que os próprios pais incentivam ou até mesmo obrigam crianças e

adolescentes a esta prática. Esta procedimento encontra amparo num elevado número de

51

pessoas que dá a esmola pedida, sem se preocupar com a destinação que se dará a este

dinheiro, sendo muitas vezes usado para a aquisição de drogas.

Surge a seguir na pesquisa com 6% (24 entrevistados), a exploração sexual de crianças

e adolescentes. Nos bolsões de pobreza, o ganho com a exploração sexual de crianças e

adolescentes se constituem, muitas vezes, como principal fonte de renda de famílias pobres.

Obviamente o número aqui apresentado diz respeito apenas à amostra da pesquisa,

sendo que os números reais da exploração sexual de crianças e adolescentes, é provavelmente

muito maior do que isso.

Na pesquisa, quando se perguntou se já haviam feito sexo por dinheiro, conforme

mostra o gráfico 18, 18% (76 entrevistados) afirmaram que já fizeram, sendo que 9% (39

entrevistados) afirmaram tê-lo feito de 1 a 3 vezes, 4% (15 entrevistados) afirmaram tê-lo

feito mais de 3 vezes e 5% (22 entrevistados) afirmaram tê-lo feito muitas vezes. Os

entrevistados que responderam esta pergunta são em sua maioria maciça meninas, segundo

relatado na pesquisa, com idades entre 7 até 17 anos. Isto comprova que além de uma

52

339

3915 22

0

50

100

150

200

250

300

350

a. Nunca b. de 01 a 03 vezes c. mais de 03 vezes d. muitas vezes

GRÁFICO 18 - ENTREVISTADOS QUE JÁ FIZERAM SEXO POR DINHEIRO

FONTE: Pesquisa de campo

82%

9%

4% 5%

iniciação sexual prematura, crianças e adolescentes em situação de risco freqüentemente

recorrem à utilização de seus corpos, como única coisa venal disponível para trocar pelo

dinheiro, que lhes proverá a satisfação das necessidades básicas de sobrevivência, que sua

condição social por si só não provê. Os riscos desta prática, além da violência de que são

vítimas por ”clientes” insatisfeitos ou não dispostos a pagar no momento do “acerto de

contas”, envolvem a exposição a doenças sexualmente transmissíveis, gravidezes

indesejadas, além de prejuízos ao seu desenvolvimento físico e mental.

Conforme gráfico 19, na pesquisa de campo, quando perguntou-se por que o faziam,

5% (19 entrevistados) dos que responderam este item, afirmaram que era para comprar

drogas, 3% (12 entrevistados) responderam que era para comprar comida, 3% (11

entrevistados) para ajudar a família, 3% (11 entrevistados) por que eram obrigados por

alguém, 3% (11 entrevistados) que era para comprar comida e drogas e apenas 2% (7

entrevistados) afirmaram que era por acharem divertido, mostrando que não é a busca por

prazer a maior motivação que os leva a isso, mas sim necessidades básicas em sua maioria.

53

1112

19

7

11

5

11

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

a. Paraajudar afamília

b. Paracomprarcomida

c. Paracomprardrogas

d. Por achardivertido

e. Por que éobrigado por

alguém

f. Outro g. paracomprarcomida edrogas

GRÁFICO 19 - RAZÕES PELAS QUAIS OS ENTREVISTADOS SE SUBMETEM À EXPLORAÇÃO SEXUAL

NOTA: 85% das crianças e adolescentes não responderam

FONTE: Pesquisa de campo

3%3%

5%

2%

3%

1%

3%

A pesquisa demonstrou também que um “programa” de meninas exploradas

sexualmente costuma variar entre R$ 5,00 e R$ 10,00. Por conta deste preço, (R$ 5,00),

existe uma rua nas proximidades da Vila das Torres no Bairro Jardim Botânico, que é

conhecida como a “Rua do Cincão”.

Segundo verificou-se na pesquisa, as meninas de melhor aparência conseguem fazer de

5 a 6 “programas” por noite. Também ficou constatado nas entrevistas, que o número de

meninas que engravidam em função disto é muito grande, embora não tenhamos conseguido

obter referenciais numéricos concretas a este respeito.

Com 4% (15 entrevistados), com base no gráfico 17, está catar papel como forma de

obtenção de recursos. Segundo os entrevistados, a renda com este trabalho varia muito,

podendo-se obter no máximo R$ 15,00 por dia com este trabalho. Muitas vezes não apenas os

jovens, mas por vezes a família inteira se empenha nesta obra no afã de se maximizar a renda.

Isto dependerá de fatores como se ter ou não lugar para acumular papel para a venda, número

de “clientes exclusivos”, isto é, pessoas ou empresas que destinam todo o seu lixo reciclável

para um único catador, entre outros. A insalubridade deste trabalho é grande, pois além de

danos ao sistema ósteo-articular principalmente da cintura escapular, pelo esforço repetitivo,

a constante exposição às condições de tempo, como sol forte, chuva, frio, causam desgaste

físico acentuado, principalmente em crianças e adolescentes sujeitos a este trabalho. Soma-se

a estas dificuldades a impaciência de motoristas que não toleram a presença de “carros de

catar papel” na via pública.

Surge com 2% (8 entrevistados) a venda de drogas como ocupação, conforme mostra o

gráfico 17. Obviamente este número está muito aquém da realidade, posto que o número de

crianças e adolescentes em situação de risco envolvidos com o tráfico de drogas é muito

maior e cresce a cada dia.

54

Na verdade, o problema começa pela utilização de drogas em larga escala, por crianças

e adolescentes em situação de risco. Na pesquisa de campo, constatou-se que a utilização

bem como as preferências por cada tipo de droga, conforme mostra o gráfico 20, é bem

diversificada.

0 10 20 30 40 50 60 70

todas as drogas indicadascola

cigarromaconha

tinercrack

loló (cheirinho)bebidas alcóolicas

outros cocaína

cabral

67

59

5450

37

35

259

97

2

GRÁFICO 20 - DROGAS MAIS USADAS PELOS ENTREVISTADOS

FONTE: Pesquisa de campo

16%

14%

13%12%

9%

8%

6%

2%

2%

2%

0,5%

Dezesseis por cento (67 entrevistados) afirmaram utilizar todos os tipos de drogas, o

que deve ser encarado com relativa credibilidade, posto que as entrevistadoras eram pessoas

do sexo feminino e é comum entre a clientela pesquisada, se afirmar usar todos os tipos de

droga, quando isto na maioria dos casos não é verdade, sendo mais uma bravata do que

propriamente uma afirmação séria. Quatorze por cento (59 entrevistados) afirmaram usar cola

de sapateiro62, 13% (54 entrevistados) disseram usar cigarros, 12% (50 entrevistados)

afirmaram usar maconha63, 9% (37 entrevistados) disseram usar tiner, 8% (35 entrevistados)

62 Entende-se por ‘Cola de Sapateiro’ produto cuja composição química tem solvente hidrocarboneto aromático (tolueno) e seus similares químicos.63 Planta da família do cânhamo, gênero e espécie Canabis sativa, seu princípio ativo é o Tetra-hidro-canabinol (THC), freqüentemente vem misturada (“batizada”) com estrume de vaca, para se aumentar o volume, que quando seco tem consistência e coloração similares. O usuário só perceberá a falsificação ao fumá-la, quando sentirá ardência na língua.

55

afirmaram usar crack, 6% (25 entrevistados) disseram usar o “cheirinho da loló”64, 2% (9

entrevistados) admitiram o uso de bebidas alcoólicas, 2% (7 entrevistados) referiram o uso de

cocaína65, menos que 1% (2 entrevistados) citaram o uso de “cabral”66”. Na pesquisa, embora

nenhum dos entrevistados tenha admitido sua utilização, mas referiu-se a prática de lamber a

pele dorsal de sapos, o que segundo especialistas do CONEN, Conselho Estadual de

Entorpecentes tem efeitos alucinógenos. Também se referiu a ingestão de uma espécie de

chá, feito da infusão de fitas magnéticas de vídeo, possuindo também efeitos fracamente

alucinógenos, segundo os mesmos especialistas.

Com base em uma importante pesquisa realizada nas favelas do Rio de Janeiro,

promovida pela Organização Internacional do Trabalho67, é possível estabelecer alguns

padrões de crianças e adolescentes envolvidas com o narcotráfico.

Suas principais características são: pertencem às famílias mais pobres das favelas, sua

escolaridade é abaixo da média; a grande maioria das crianças envolvidas é negra ou parda,

casam-se muito mais cedo do que a média dos adolescentes brasileiros; as crianças ingressam

e permanecem nas atividades de narcotráfico de forma a adquirirem prestígio e poder,

preencher emoções – “adrenalina”.

Não obstante tal pesquisa tenha ocorrido naquele estado, a realidade curitibana se

mostra muito similar:

Crianças e adolescentes que trabalham para as quadrilhas do narcotráfico andam armadas mesmo durante o dia nas ruas da Vila Torres, em Curitiba. Eles não têm mais do que 12 ou 13 anos de idade, mas impõem medo aos moradores do bairro exibindo revólveres e pistolas na cintura. São os aviõezinhos do tráfico, responsáveis pelo transporte e distribuição da droga na área de atuação das quadrilhas.

64“Cheirinho da loló” é o nome de uma droga caseira, que consiste na mistura de algum solvente como tinner, éter ou similar, que é adicionado a um aromatizante qualquer como essência de baunilha ou morango, normalmente disponíveis em qualquer residência. Provoca efeitos alucinógenos.65 Cocaína: droga derivada do extrato concentrado da folha de coca, planta de uso tradicional na cultura andina.66 “Cabral” droga resultante da utilização conjugada de maconha e “crack”.67 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO.Crianças no narcotráfico: um diagnóstico rápido. Jailson de Souza e Silva e André Urani (coordenadores); Ministério do Trabalho e Emprego – Brasília: OIT. 108p. 2002.

56

(...)O confronto entre as gangues deixou um saldo de quatro crianças baleadas

nos últimos 11 dias, duas delas ficaram feridas numa troca de tiros na madrugada da última terça-feira. Com idade entre 4 e 11 anos, elas estavam sendo usadas pelos próprios pais a serviço do narcotráfico. A denúncia feita à Gazeta foi confirmada pelo delegado Stélio Machado, titular da Delegacia de Homicídios68.

Com base em dados levantados pelo Serviço de Inteligência da Polícia Militar, o tráfico

tem um sistema organizado de atuação do qual crianças e adolescentes em situação de risco

participam em grande escala.

Vários atores desempenham papéis específicos no “Teatro de Operações do tráfico de

drogas”, começando pelos que estão no topo da estrutura:

a. O “PATRÃO” – é o fornecedor das drogas aos vendedores, o chefe do tráfico

na área considerada.

b. O “COBRADOR” – é quem cobra as dívidas adquiridas pelos vendedores.

c. O “GERENTE OU CAIXA” – é quem faz o contato entre o patrão e o

cobrador.

d. O “VENDEDOR” (“aviãozinho” ou “vaporzinho”) – é quem vende as drogas

aos viciados.

e. O “CAMPANA” – é quem avisa da chegada da polícia.

f. “NÓIA” – são os consumidores mais pobres, freqüentemente moradores da

própria favela. (uso quase que diário, em pequena quantidade);“FREGUÊS” –

as classes mais elevadas. (sempre fazendo uso de veículos, são bons

compradores);

g. “MULAS” são os transportadores da droga normalmente mulheres crianças e

adolescentes;

68 KÖNIG, Mauri. Menores de 12 anos andam armados na Vila das Torres. Gazeta do Povo.Curitiba, 17.01.2004.

57

h. “LARANJAS” são os encarregados de fazer a lavagem de dinehiro,

gerenciando empresas de fachada com a finalidade de legalizar o dinheiro

produzido pelo tráfico.

i. FINANCIADORES ou “CAIXA ALTA”: são pessoas com alto poder

aquisitivo que não se envolvem diretamente no tráfico, apenas disponibilizam

recursos financeiros ao chefe do tráfico na área considerada.

Há ainda a figura do ”PÉ DE PORCO OU SANGUE SUGA” – são os Policiais

Militares e Civis que praticam extorsão contra os envolvidos no tráfico.

As negociações para compra e venda das drogas são feitas da seguinte forma: o cliente,

ao aproximar-se do local de vendas, é de imediato abordado pelos “aviõezinhos” os quais

lhes oferecem as drogas. Após o acerto da quantidade de drogas a ser adquirida, o veículo

desloca-se voltando minutos após para a entrega da droga, sendo que o pagamento é efetuado

após a entrega da droga pelo vendedor.

Os vendedores pegam as drogas “fiado” do traficante, sendo que os valores serão

acertados ao final de uma data pré estabelecida. As vendas são feitas de modo que o vendedor

no momento da venda não dá satisfação a ninguém, somente vende para sanar suas próprias

dívidas, o que sobra é o seu lucro.

O “crack” é vendido em maior volume, dividido em dois valores: a pedra pequena

custa R$ 5.00 e a pedra grande R$ 10.00. A “cocaína” também vendida em grande escala,

custa em média R$ 10.00 o papelote ou “bucha”. A “maconha” é vendida em baixa escala e

o seu preço varia entre R$ 5.00 a R$ 50.00 dependendo da quantidade.

Os compradores normalmente utilizam veículos motorizados (devido ao fato de serem

de fácil contato e de rápida fuga), enquanto os vendedores usam bicicletas ou andam a pé e

permanecem aguardando em bares, esquinas, ou esperando em becos até a chegada de

possíveis compradores.

58

Os pagamentos sempre são feitos à vista, porém nem sempre em dinheiro, podendo

ocorrer trocas por roupas, relógios, calçados, correntes, entre outros. Porém os pagamentos ao

“patrão” sempre são feitos em dinheiro.

Quando próximo a períodos de pagamento, a procura é diária. Quando distante desses

períodos a maior procura é nas sextas feiras à noite, nos sábados e em feriados.

O nível social dos freqüentadores vai do mais alto até o mais baixo, havendo a presença

de empresários, advogados, universitários, catadores de papel, policias e outros.

Nos veículos a droga normalmente é escondida nos cinzeiros, embaixo de tapetes, porta

luvas, na pala do para sol, dentro do compartimento da buzina, entre outros.

No corpo da pessoa que carrega a droga, esta normalmente é escondida nos bolsos, na

meia, no calçado, na cueca, na boca, no cabelo. Pessoas do sexo feminino costumam

esconder a droga em partes intimas, como seios e vagina.

Enquanto a droga está em vias de ser negociada, momentaneamente é escondida no

mato, em pequenos tubos plásticos usados para embalar confeitos, em freezers (bares), luvas

de bicicletas, latas de mantimentos (em bares), em roupas de crianças quando acompanhadas

por traficantes, buracos em muros e paredes ou em arbustos próximos.

O lucro com a negociação de drogas, para aqueles que a vendem no varejo, ocorre em

geral na proporção de 5x1 (a cada cinco vendidas lucram uma).

É grande o envolvimento de crianças, adolescentes e mulheres no tráfico da droga, os

quais ocupam diversos papéis, desde o ”campana” até o fornecimento da droga ao “patrão”,

sendo que o transporte da droga ( chegada na favela) é quase sempre feito por mulheres (as

“mulas”). Crianças e adolescentes são geralmente os “aviõezinhos” (vendedores) e têm a

função de assumir a responsabilidade pelo porte da droga quando esta é localizada por

policiais.

59

Geralmente o campana, ao avistar uma viatura policial ou algo suspeito, dá um grito ou

um assovio. De imediato aqueles que estão próximos a bares entram e quem está na rua

procura “disfarçar”. Quando isto ocorre no período noturno, isqueiros são acesos.

As conseqüências para quem denuncia os vendedores e traficantes do bairro ou em caso

de envolvimento com Policiais Militares é a morte.

Os que não conseguem fugir são assassinados pelo cobrador, que é uma espécie de

justiceiro matador.

Dívidas de drogas não saldadas com dinheiro o serão “com sangue”, desde o “patrão”

até o “aviãozinho”.

Com base nestas informações as organizações policiais têm procurado combater o

tráfico de drogas com todos os recursos disponíveis, sendo que deste trabalho, principalmente

com o serviço de denúncias 181, segundo o qual, apenas no ano de 2003, foram apreendidos

40.875 Kg de maconha, 671 Kg de cocaína, 491 Kg de pasta base, 42.571 pedras de crack,

bem como foram presas 1992 pessoas por tráfico de drogas em todo o Estado do Paraná.

Lamentavelmente foram apreendidos 362 menores de dezoito anos envolvidos com o tráfico

no mesmo período, mostrando que a utilização de crianças e adolescentes neste trabalho é

grande.

A pesquisa também mostrou outras formas de ocupação ou obtenção de recursos,

conforme mostra o gráfico 17 , como a participação no projeto formando cidadão (vide item

3.5) 5% (19 entrevistados), trabalhos diversos (engraxate, auxiliar de serviços gerais em

empresas, entre outros) 3% (12 entrevistados), 3% (11 entrevistados) estudo, 3% (11

entrevistados) como guardador de carros, 1% (4 entrevistados) como malabaristas em

semáforos.

60

É importante ressaltar que todas as ocupações referidas na pesquisa não são

absolutamente fixas e estanques havendo relatos de migrações freqüentes de uma atividade

para outra ou mesmo acúmulo de mais de uma atividade.

Entre as profissões mais desejadas, houve uma dispersão muito grande nas respostas,

por ser uma pergunta aberta, conforme demonstra o gráfico 21 sendo que entre as de maior

freqüência estão: jogador de futebol com 7% (27 entrevistados), professor(a) com 6% (25

entrevistados), advogado com 5% (22 entrevistados), médico com 5% (22 entrevistados),

policial com 5% (20 entrevistados), caminhoneiro com 3% (13 entrevistados) e outras de

menor freqüência.

Quanto à preferência pela profissão de policial, vários entrevistados afirmaram que sua

vontade de ser policial, se deve ao fato de que poderiam agir de forma ilícita com mais

liberdade. Por assim dizer, vêem na autoridade que teriam como policiais, a possibilidade de

praticar atos ilícitos com maior liberdade, desfrutando de maior chance de impunidade.

61

Um aspecto que tem sido fruto de muitos debates tem sido a resiliência, que seria a

capacidade das pessoas resistirem às pressões do meio em que vivem e manterem padrões

normais de comportamento.

Segundo Isadora Garcia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

(PUCRS)69 , um número muito grande de crianças em nossa sociedade tem sido vítimas de

inúmeras formas de violência. A violência doméstica e urbana, os maus tratos e o abuso

sexual constituem-se em experiências que, pelo acúmulo de fatores de risco ocasionados,

acabam por gerar distorções na personalidade do indivíduo. Em função disto, muitos

pesquisadores tentam compreender porque crianças expostas a tais experiências conseguem

se desenvolver adequadamente, vindo a tornarem-se adultos saudáveis.

Estas crianças, que tiveram capacidade de superar as dificuldades do ambiente em que

viviam e responderam a desafios eliminando o impacto negativo dos riscos referidos , são

chamadas resilientes.

69 GARCIA, Isadora. Vulnerabilidade e resiliência. Adolesc. Latinoam., abr. 2001, vol.2, no.3, p.00-00. ISSN 1414-7130.

62

7%

6%

5%

5%

5%

3%

3%

2%

2%

2%

2%

0% 1% 2% 3% 4% 5% 6% 7%

jogador de futebol

professor (a)

advogado

médico

policial

caminhoneiro

mecanico

veterinário

cantor (a)

dentista

engenheiro

GRÁFICO 21 - PROFISSÕES MAIS DESEJADAS

FONTE: Pesquisa de campoNOTA: 52% (216) das crianças e adolescentes responderam profissões diversas e 7% não responderam

(7)

(7)

(8)

(8)

(12)

(13)

(20)

(21)

(22)

(25)

(27)

Segundo a autora, a resiliência pode ser entendida como “a capacidade dos indivíduos

de superar os fatores de risco aos quais são expostos, desenvolvendo comportamentos

adaptativos e adequados. Crianças resilientes são aquelas que, não apenas evitam os efeitos

negativos associados aos fatores de risco, mas que desenvolvem competência social,

acadêmica e vocacional. “

Em suas personalidades, complementa, essas crianças possuem um temperamento mais

flexível, uma noção de que são capazes de modificar seu ambiente e crêem que as novas

situações ou mudanças podem significar uma oportunidade para melhorarem e se adaptarem,

ao invés de perderem a esperança e a expectativa de um futuro melhor em suas vidas.

Isto, acreditamos, pôde ser comprovado em nossa pesquisa de campo, quando se

perguntou às crianças e adolescentes objeto de nosso estudo se tinham esperança de um dia

mudar de vida. Em resposta a esta questão, conforme consta no gráfico 21 “A”, 67% (280

entrevistados) afirmaram que sim, o que de certa forma também pode ser comprovado pelos

63

GRÁFICO 21 A - ENTREVISTADOS QUE TÊM ESPERANÇA DE MUDAR DE VIDA

67%

15%

17%

a. Sim b. Não c. Não respoderam

FONTE: Pesquisa de campo

(63)

(72)

(280)

resultados referidos no gráfico 21, sobre as profissões mais desejadas, onde profissões como

jogador de futebol, professor, médico ou engenheiro têm boa aceitação entre as crianças. De

uma forma geral, podemos considerar este percentual com uma boa possibilidade de que seja

composto, pelo menos em sua maioria, por resilientes, embora só o tempo possa dizer se isso

se confirmará.

Finalmente, 15% dos entrevistados (63 entrevistados) disseram que não tinham

esperança, enquanto outros 17% (72 entrevistados) não responderam, o que nos leva a crer

que neste percentual, provavelmente, estariam inclusos uma maioria de crianças e

adolescentes não dotados desta capacidade.

Obviamente este não é um estudo de psicologia, nem queremos aqui fazer devaneios

filosóficos, mas em meio a tantas informações dramáticas aquilatadas nesta pesquisa,

encontrar algum referencial que possa indicar um futuro positivo para estas crianças, é

sempre uma forma de alento.

64

3 ANÁLISE DO TRABALHO POLICIAL

3.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍCIAS MILITARES70

Segundo relata Klinger Sobreira de Almeida71, a ocupação territorial do Brasil iniciou-

se pelo litoral, e por ser este muito extenso, tornava-o alvo fácil de invasões por ingleses,

franceses, holandeses e outros povos ávidos pelas riquezas naturais, abundantes no Brasil

Colônia.

Para a segurança da colônia, principalmente de suas vilas, fez-se necessário criar um

órgão de defesa. Como não estavam disponíveis recursos suficientes para este fim, foram

contratados colonos, quase todos sem nenhuma qualificação para executarem a defesa da

comunidade. O serviço de policiamento executado pelas milícias era composto por

portugueses povoadores e seus dependentes, pertencentes ao Regimento Dom Sebastião.

Competia a esse Regimento a manutenção da vigilância e da guarda costeira, a conquista da

terra e promoção da interiorização da colônia. No desempenho de suas funções, essa guarda

percorria as vilas e cidades, garantindo a preservação da ordem social e do patrimônio.

As organizações militares, antes da criação do Exército brasileiro, eram constituídas

nas províncias. Tinham a finalidade de combater os crimes nelas existentes, dentre os quais

destacavam-se o contrabando e a exploração não autorizada de metais preciosos.

A primeira dessas organizações foi criada em 11 de dezembro de 1570. Era formada

pelas Companhias de Ordenanças (Manuelinas e Felipinas) e teve momentos de grandeza,

quando de sua participação na expulsão dos franceses e holandeses do Brasil. Nessa 70 BONDARUK, Roberson Luiz; SOUZA, César Alberto de. Polícia comunitária: polícia cidadã, para um povo cidadão. Curitiba: AVM, 2003.71 ALMEIDA, Klinger Sobreira. Organização Policial Brasileira. In Revista “O Alferes” nº 07. Belo Horizonte, PMMG, 1.985.

organização, as funções policiais eram exercidas pelo Almotacel-Mor e pelos demais

almotacéis, que possuíam os diversos encargos, confundindo as funções administrativas,

policiais e as de magistratura. Nesse último encargo tinham como auxiliares os Alcaides e os

Meirinhos.

Dessa primeira organização surgiram as tropas pagas, das quais originaram-se, em

1760, as Companhias de Dragões. Suas incumbências eram o patrulhamento local, renda e

condução de presos. Eram subordinadas aos governadores da Província.

Com o Alvará de 25 de julho de 1760, de Dom José I, de Portugal, tiveram estas

Companhias uma nova organização, com vida autônoma e própria para a instituição,

incumbida de manter a ordem pública, criando em Portugal o cargo de Intendente do Rei. Nas

colônias haveria os delegados do intendente do Rei, encarregados das questões de ordem,

normalmente juizes de comarca.

Em 1775, as províncias mais prósperas organizaram os Regimentos Regulares de

Cavalaria, também tropas pagas, a um dos quais pertenceu Tiradentes, na Província de Minas

Gerais.

Em 1808, com a vinda da Família Real para o Brasil, através de Alvará datado de 10

de maio, foi criada a Polícia Brasileira, com características iguais às da Polícia Portuguesa.

Em 13 de maio de 1809, foi criada a Guarda Militar da Polícia do Rio de Janeiro que,

juntamente com a Guarda Real de Polícia, concorreu para desobrigar o Exército das

atribuições policiais da capital.

Estes primeiros organismos policiais surgiram tendo como missão básica a proteção

necessária contra as chamadas “classes perigosas”72, que eram compostas principalmente por

escravos fugitivos ou alforriados, degredados, ou desassistidos em geral, as quais se

72 PROENÇA, Domício, palestra ao 1º Curso Nacional de Polícia Comunitária, São Paulo, Dez 2000.

66

consistiam em constante ameaça ao patrimônio e à segurança do governo e dos “homens

bons”, classe economicamente abastada.

Continuando no Brasil colônia, o desenvolvimento do serviço regular de polícia no

Brasil foi sendo objetivo dos Intendentes Gerais, que se sucediam, procurando melhorar o

desempenho de um sistema policial único e igual ao que funcionava em Lisboa, moldado na

rigidez das ordenações.

Já no Brasil Império, em 1824, assume a Intendência Geral de Polícia o

Desembargador do Paço Alberto Teixeira de Aragão. Este, em três anos de gestão, mostrou-

se um revolucionador da organização existente: planejou para o futuro, tendo uma ampla

visão das particularidades e necessidades puramente brasileiras.

Pela primeira Constituição Imperial e Unitária, a organização policial tornou-se

uniforme, ficando a chefia a cargo do Intendente Geral de Polícia. A Intendência Geral era

dividida em circunscrições e jurisdições em todo o Império, tendo tantas delegacias quantas

eram as Províncias, Distritos e Municípios.

O Código de Processo Criminal, de 29 de novembro de 1832, extinguiu o cargo de

Intendente-Geral de Polícia, sendo criado o de Chefe de Polícia, que seria exercido por juízes

de direito73. Manteve-se o regime centralizador, bem como o regime unitário do Império.

Novo Código foi baixado em dezembro de 1841, no qual estavam previstos a Polícia

Administrativa e Judiciária e os cargos de Desembargador, Juiz, Delegado, Subdelegado e

Escrivão. Em outubro de 1831 foi autorizada a criação de Corpos Municipais Voluntários

para o policiamento das estradas e cidades das províncias. Foram agregadas a esses corpos as

organizações dos Regimentos de Cavalaria das Tropas das Capitanias, criadas a partir de

73 O Código de Processo Criminal do Império, de 03 de dezembro de 1841, estabelecia: “ Art.6º Feita a divisão, haverá em cada comarca um juiz de direito, nas cidades populosas, porém, poderão haver até três juízes de direito com jurisdição cumulativa, sendo um deles o chefe de polícia.”(SILVA, Josino do Nascimento. Manual do cidadão Brasileiro.Rio de Janeiro: Casa dos editaes, 1860.)

67

1775. A partir de 1840, os Corpos Permanentes passaram a denominar-se Corpos Policiais,

sendo transformados em Brigadas Policiais em 1873.

Com a Guerra do Paraguai em 1865 as Polícias Militares, reuniram a maior parte de

seus efetivos nos Corpos de Voluntários da Pátria. As províncias organizaram então guardas

civis para manter a segurança da população.

Com o advento da República em 1889, fez-se a descentralização da administração

pública no Brasil, com a adoção do regime federativo. Dessa forma, tendo sido conferida aos

Estados Confederados a autonomia administrativa, cada um deles recebeu poderes para

organizar sua própria polícia.

Em 1891, as Brigadas Policiais passaram a denominar-se, também, Forças Públicas,

denominação que só foi modificada em 1934, com o advento de nova Constituição, para

Polícias Militares.

Por volta de 1905 surgiu em São Paulo a primeira polícia civil, fruto da especialização

e como auxiliar do judiciário.

Com a Lei n.º 3.216, de 1917, as forças policiais dos Estados foram vinculadas ao

Exército, como força reserva. Essa mesma Lei fixou a organização em níveis de hierarquia

das forças policiais.

Cabe lembrar que, durante o Império e a Primeira República, existiu uma organização

denominada Guarda Nacional, força de segunda linha do Exército, amparada pela Carta

Magna de 1891. Sua função era secundar a força terrestre no conflito externo, nos casos de

grave perturbação da ordem.

Com o término da Segunda Grande Guerra, a sociedade sofreu grandes transformações.

Com isso, as polícias também modificaram-se, especializando-se, o que deu razão ao

aparecimento de tipos de policiamento específicos. Eram polícias fardadas que, ao lado das

polícias militares, executaram o policiamento ostensivo, em suas diversas variáveis.

68

A Revolução de 1964 trouxe uma mudança de foco na atuação das Polícias Militares

que passaram em muitos momentos a exercer a função de Polícia Política do Regime.

No Estado do Paraná ao final da década de 60, foi criada para tal, a Ronda Ostensiva de

Natureza Especial (RONE)74, com a finalidade de capturar “elementos subversivos”,

normalmente atuando em cooperação com o temido Departamento de Operações e

Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), órgãos estes que foram

desativados durante o processo de abertura democrática a partir de 1985.

Ao longo de todo o chamado “Período da Ditadura” as Polícias Militares atuaram como

força não apenas de preservação da ordem pública, mas também da chamada Defesa Interna,

que significava a proteção da Nação contra a “ameaça comunista”, seguindo-se a política

estabelecida pela Lei de Segurança Nacional.

Não obstante o DOI-CODI fosse teoricamente um órgão do Exército, havia a

participação de policiais militares, diretamente dentro destes grupos através de

desdobramentos destes órgãos dentro da estrutura das Polícias Militares, ou mesmo através

de operações conjuntas constantes.

Manteve-se esta tônica de atuação, até que a partir de 1979, com o então Presidente

João Batista Figueiredo, inicia-se o processo de abertura política. Em seu governo é

promulgada a lei de Anistia e se restabelece o pluripartidarismo político no país. Isto ocorre

através de eleições por via indireta, onde é eleito Tancredo Neves em janeiro de 1985.

Finalmente, após a “Campanha das Diretas Já”, se restabelecem eleições pelo voto direto para

Presidente, sendo eleito Fernando Collor de Mello o primeiro presidente civil eleito pelo voto

direto após o golpe de 64.

74 Existe atualmente na PMPR a figura da Ronda Ostensiva de Natureza Especial, RONE, mas com a missão de proceder abordagens de alto risco em locais de altos níveis de criminalidade, não conservando mais a característica de polícia de repressão ideológica como sua antecessora.

69

Durante o mandato de José Sarney, que assumira a Presidência da República, pelo

falecimento ainda antes da posse de Tancredo Neves, é promulgada a Constituição Federal da

República de 1988, tendo como presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulisses

Guimarães75.

Como se pode observar, ao longo de toda a evolução policial brasileira, sua

característica principal foi mais de preservação da figura do Estado e dos seus interesses, do

que a proteção do cidadão em geral, conceito que só mais recentemente começou a ser

incorporado à cultura policial brasileira.

3.2 POLÍCIA COMUNITÁRIA

Com a Constituição Federal, a opinião pública começou a exigir o surgimento de uma

nova polícia. Uma que respeitasse os Direitos Humanos, a Lei e principalmente protegesse

efetivamente o cidadão e não mais o Estado.

Começaram então surgir novos conceitos como o e Polícia Comunitária, Polícia Cidadã

ou mesmo Polícia Interativa, onde se buscaria uma parceria definitiva com a comunidade

para a resolução dos problemas de segurança pública da comunidade.

Estes conceitos passaram a ser trabalhados em algumas Polícias a partir do final da

década de 80 e início dos anos 90. O precursor desta nova mentalidade no Brasil foi o Cel

PM Carlos Magno de Nazareth Cerqueira, da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Criado no Paraná76em Agosto de 2001, o Projeto de Polícia Comunitária iniciou-se

através de um projeto piloto em três bairros de Curitiba: Portão, Jardim das Américas e Santa

Felicidade, em fase experimental.

75 O Processo de Abertura Política Pós-Ditadura. Disponível em http://www.rolltheboneshp.hpg.ig.com.br/textos/aberturapolitica.htm . Acesso em 09.04.04.

76BONDARUK, Roberson Luiz. SOUZA, César Alberto. Polícia Comunitária: polícia cidadã para um povo cidadão. Curitiba: Ed. AVM. 2003.p.40.

70

Hoje são mais de 5.000 policiais treinados nesta nova filosofia, sendo que o projeto

abrange atualmente vários bairros de Curitiba e várias cidades do interior do Estado como

Londrina, que desenvolve projeto piloto em vários bairros. A intenção é que 100% do efetivo

da Polícia Militar passe por esse treinamento, e que brevemente este serviço seja expandido

para todos os bairros da Capital e todo o interior do Estado.

A filosofia se baseia em uma aproximação entre a polícia e a sociedade. O policial vai

de domicílio em domicílio se apresentado a cada morador e procurando estabelecer uma

parceria com a comunidade para a busca da solução problemas que geram criminalidade.

Todo o sistema gira em torno de princípios que norteiam esta filosofia:

a. Comprometimento com a concessão de poder à comunidade

Não há cidadania sem participação. A redução do medo do crime, a reversão da

decadência da vida comunitária e da qualidade geral de vida no meio urbano,

passam necessariamente por um trabalho conjunto, onde a comunidade pode

influenciar as políticas de Segurança Pública, a serem envidadas pelos órgãos

policiais.

b. Policiamento descentralizado e personalizado

Através de um contato pessoal e direto do policial comunitário, diariamente com as

pessoas da comunidade, é prestado um serviço personalizado e adaptado para a necessidade

de cada cidadão que recorre ao serviço policial comunitário, sendo ali mesmo, de forma

descentralizada do comando da Unidade Policial da área, decidida qual medida deve ser

tomada para o atendimento requerido.

c. Resolução preventiva de problemas a curto e a longo prazo

71

O trabalho do policial comunitário vai muito além do mero atendimento reativo de

ocorrências policiais. Em seus contatos diários com a comunidade, com criatividade e ajuda

desta mesma comunidade, o policial encontra soluções viáveis para problemas do dia-a-dia

das pessoas, mesmo que não sejam estes necessariamente problemas policiais, mas que em

muitas vezes viriam a ser, reduzindo ou eliminando no curto e no longo prazo as

conseqüências de tais problemas.

d. Ética, legalidade, responsabilidade e confiança

O policiamento comunitário se apóia numa relação de confiança estabelecida e

fortalecida aos poucos entre povo e polícia. Também a fixação do policial a um determinado

espaço geográfico fará com que atitudes ilegais ou arbitrárias não sejam por ele praticadas

posto que é conhecido de todos, o que reforça a importância da atuação do policial de

Unidade de Área sobre o policial de Unidade Especializada, que anônimo e alheio aos

problemas daquela comunidade, não terá o mesmo cuidado no atendimento de ocorrências

policiais. Isto despertará no policial comunitário cada vez mais um sentimento de respeito à

Ética do serviço policial. Da mesma forma os integrantes da comunidade, principalmente

jovens, por quem o Policiamento Comunitário tem especial atenção, se sentirão induzidos a

proceder com responsabilidade dentro da legalidade posto que são conhecidos pessoalmente

pelo policial.

e. Extensão do mandato policial

O policial comunitário ultrapassa sua função predominantemente reativa, atuando mais

preventivamente. A reatividade e a força repressiva de qualquer policial permanecem no

policial comunitário, posto que são indispensáveis, mas estas deixam de ser a tônica da

vivência profissional policial-militar.

72

f. Ajuda para as pessoas com necessidades específicas

O Policiamento Comunitário amplia as relações polícia-comunidade, passando a atuar

na solução de problemas que vão desde o aconselhamento e resolução de conflitos

interpessoais, até atuações na área de assistência social, no amparo daqueles mais

necessitados como jovens em conflito, velhos, pobres, deficientes, sem teto, valorizando o

respeito à vida daquelas pessoas mais vulneráveis e menos assistidas dentro do tecido social.

Aqui passa a receber especial atenção a categoria de crianças e adolescentes em situação de

risco. A título de exemplo, os policiais que trabalham nos Projetos Criança em Segurança e

Formando o Cidadão, receberam capacitação em Polícia Comunitária,.estando estes projetos

diretamente ligados à coordenação da Polícia Comunitária, dentro da Polícia Militar do

Paraná.

g. Mudança interna

A implantação do policiamento comunitário envolve o engajamento de todo o sistema

de Segurança Pública, exigindo mudanças na forma de encarar o papel da polícia dentro da

comunidade. Sem negar os benefícios do trabalho feito até agora pelas Corporações

envolvidas, busca-se atrair e convencer seus integrantes de que uma nova e revitalizada

estratégia de atendimento à comunidade urge ser implementada.

h. Construção do futuro

A valorização do sentimento de comunidade, a forma simples e criativa para a

resolução de problemas comunitários, a relação de confiança estabelecida entre povo e

polícia e principalmente a assunção definitiva da comunidade em seu posto de coadjutor nas

questões de Segurança Pública apontam para a esperança de um futuro melhor para todos.

73

3.3 A QUESTÃO DA HIERARQUIA E DISCIPLINA

As polícias militares têm sido muito criticadas pelo fato de se basearem num sistema

militarizado de prestação de serviços de segurança. Na verdade a função da hierarquia e

disciplina é absolutamente essencial a qualquer organização, seja policial ou não.

Uma organização policial, seja ela civil ou militar, necessita de um sistema escalonado

das autoridades que o compõem. A isto se dá o nome de hierarquia.

Da mesma forma, em função da autoridade para a utilização de parte do uso da força

que compete ao Estado, de que todo policial dispõe, deverá este se adstringir a normas de

conduta com base a Lei, que limitem o uso deste poder. A isto se dá o nome de disciplina.

As Polícias Militares se derivaram, como vimos acima, de corpos militares, tendo na

sua tradição, como essência corporativa, os pilares da hierarquia e disciplina.

O que precisa ser limitado sim, são os excessos na sua utilização. É a opressão

decorrente de um eventual descontrole no uso da hierarquia e da disciplina que são danosos,

não apenas à corporação policial considerada, mas principalmente à população que terá uma

polícia menos eficiente e mais propensa a abusos.

A História recente do Brasil tem mostrado o risco de polícias sem hierarquia e

disciplina. No ano de 1997, por exemplo, o Brasil foi varrido por greves nas Polícias

Militares de diversos estados, como em Pernambuco, onde unidades policiais se rebelaram ou

suspenderam suas atividades, momento em que o caos na Segurança Pública se instalou.

Rapidamente nestes locais, os índices de criminalidade atingiram níveis nunca vistos antes.

No último mês, em 13 Estados policiais militares e civis quebraram a disciplina para fazer greves e passeatas por aumentos salariais. O Exército foi acionado para garantir a ordem com três mil homens em sete Estados, o que não ocorreu nem mesmo durante o regime militar. Depois da morte de um cabo em Belo Horizonte e do confronto entre o Exército e a polícia alagoana, na quarta-feira 23 a tragédia tomou conta do Recife (PE).

74

(...)Recife estava virando uma Beirute tropical, com cenas de vandalismo,

baderna e assaltos em suas áreas mais nobres. No domingo 20, depois que gangues fizeram arrastões, arrombaram caixas eletrônicos dos bancos e incendiaram três cabines da PM, o patrulhamento do Exército foi estendido também ao centro da cidade. Não adiantou muito77.

No Paraná, em 2001, ocorreram manifestações de esposas de policiais militares que

bloqueavam as entradas de quartéis, como forma de manifestação, fato que contou com apoio

de certo número de policiais militares.

As mulheres de PMs do Paraná prometem para esta terça-feira um "apitaço" nas imediações do Palácio Iguaçu, com participação dos maridos. Elas se mobilizavam hoje para organizar uma passeata pelo centro de Curitiba, começando no quartel do Comando Geral, às 10h, e terminando às 14h, no Centro Cívico.

Os protestos em frente a quartéis do Paraná completam hoje dez dias sem sinais de atendimento, por parte do governo, de uma gratificação especial de 38% sobre os atuais salários dos policiais militares. A gratificação alcançaria 11 mil dos 18 mil PMs do Paraná. O governador Jaime Lerner (PFL) disse estar "impedido" de autorizar esse reajuste

A manhã foi tumultuada nas imediações do quartel do Comando Geral na manhã de hoje. As mulheres concentradas ali bloquearam o trânsito na avenida Getúlio Vargas, usando carros da PM que impediram de circular, esvaziando os pneus78.

Viaturas e patrimônio da Corporação foram danificadas, a eficiência do serviço

diminuiu, esposas de policiais foram processadas e policiais foram também processados,

punidos e alguns excluídos.

Assim fica fácil concluir que a hierarquia e a disciplina são características fundamentais

de qualquer órgão policial, mesmo que no nome da instituição não conste a palavra “militar”.

77 HOLLANDA, Eduardo. A crise de verdade.Revista Isto é. São Paulo. 30 07.97. http://www.terra.com.br/istoe/politica/145233.htm. Acesso em 09.04.04.78 Mulheres de PM prometem apitaço no Paraná. FOLHAONLINE.23.07.2001. http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u33518.shl. Acesso em 09.04.04.

75

3.4 ASPECTOS PSICOLÓGICOS DO SERVIÇO POLICIAL

Como não é objetivo deste trabalho apenas identificar os problemas, mas também por

que ocorrem, é imprescindível que discorramos a respeito dos aspectos psicológicos que

cercam a vida do policial e determinam a sua conduta, a fim de que se possa de forma

preventiva evitar que problemas, às vezes pequenos e de fácil solução, se tornem no futuro o

estopim de tragédias que têm ceifado vidas e produzido danos, por vezes irreparáveis ao

tecido social brasileiro.

A agressividade de policiais é uma coisa discutida desde há muito, não só no Brasil

como em todo o mundo. Muito desta agressividade é resultado de processos psicológicos que

afetam o profissional de segurança pública e que, se não tratados devidamente, podem

resultar em tragédias do cotidiano policial.

João Cavalim de Lima79 cita como fatores que influem na psicologia do homem

policial:

a. O temor da morte, citando Gregory Zilboorg,

(...) o medo da morte está presente universalmente, pois por trás do sentimento de desencorajamento e depressão, sempre está escondido o medo básico da morte, um medo que sofre as mais complexas elaborações e manifesta-se de muitas maneiras indiretas (...) as neuroses, as angústias, mesmo um considerável número de estados depressivos suicidas, muitas esquizofrenias, amplamente demonstram o onipresente medo da morte entrelaçado nos principais conflitos das condições psicológicas citadas.

b. A constante tensão do serviço policial80:

(...) pouca literatura em nosso país sobre essa tensão e sobre o estresse na vida dos policiais e quando se pergunta fica explícita, que a despeito dos conceitos de estresse e seus efeitos serem aplicáveis a todos de forma indistinta,

79 LIMA, João Cavalim de. Estresse Policial. 1ª ed. Curitiba: AVM. 2002. P.30 ss.80 LIMA, op.cit. p.33.

76

o trabalho policial está no topo das profissões consideradas mais estressantes do mundo, competindo diretamente com os controladores de vôo e mineiros, com a significante diferença que esta é uma profissão com altíssimo risco de vida. O trabalho de manutenção da ordem é de estresse absoluto (...)

c. Complexo de “super homem”81, definido como “conjunto de idéias e impulsos,

caracterizado pela perda parcial da noção de realidade, sentimento de superioridade

e de poder em relação aos demais homens”. Segundo Lima, este estado se

caracteriza principalmente por: alteração do estado de julgamento (o policial

desenvolve um julgamento mais pulsional do que racional); alteração da percepção

da auto-crítica (o indivíduo inflaciona sua auto estima, deixando de aceitar objeções

de terceiros) e a alteração na consciência dos riscos (diminuição da consciência dos

fatores de risco).

d. Síndrome de burn out, citando PINES, ARONSON e KAFRY82 “Um estado de

esgotamento físico, emocional e mental, caracterizado por um abatimento físico,

um sentimento de desespero e fragilidade, perda dos recursos emocionais,

desenvolvimento de atitudes negativas para com o trabalho, para a vida e para

outras pessoas”.

3.5 DIFICULDADES DO SERVIÇO POLICIAL

A atividade policial possui muitas dificuldades na sua aplicação, posto que sua atuação

no modelo tradicional, age nos efeitos dos conflitos sociais gerados pela sociedade como um

todo. As causas de tais problemas normalmente estão distantes da atuação policial.

81 LIMA, op.cit p.37.82 LIMA op.cit. p. 43 e 44.

77

Não obstante isto, existem problemas próprios da atividade de segurança pública,

enfrentados pelo policial no seu dia a dia, profissional e pessoal, que reduzem a eficiência do

serviço policial, dos quais citamos os mais importantes:

a. Difíceis condições de trabalho: os locais em que tem de trabalhar são ambientes de

grande nível de pressão psicológica (penitenciárias, delegacias ou o contato

constante com criminosos) onde a certeza de que é odiado e que no primeiro

momento será atacado por alguém é constante;

b. A sensação de impotência perante a criminalidade que vê crescer a cada dia;

c. O retrabalho: o policial se esforça em prender o criminoso, arriscando sua própria

vida e a facilidade com que o criminoso volta para as ruas, seja pela falta de vagas

nas delegacias e no sistema prisional, a recusa de vítimas e testemunhas se

apresentarem para autuações, deficiências na lei, e outras, fará com que tenha que

fazer o mesmo serviço muitas vezes, com a sensação de que isto será inútil;

d. Acúmulo de horas de trabalho, resultante de uma demanda muito grande por

serviços a serem prestados pela polícia, fazendo com que as escalas de serviço, por

vezes, superem a carga máxima aceitável para a manutenção da sua saúde física e

psicológica;

e. Pressões constantes da sociedade para que resolva os problemas de Segurança

Pública, aliadas a constantes ataques de alguns órgãos de Imprensa que sempre o

78

colocam na condição de mau profissional, não obstante as boas ações que venha a

praticar em seu trabalho;

f. Pressões da própria família que necessita da sua presença e o provimento dos

recursos necessários a qualquer família; sem que isto seja sempre possível;

g. Em alguns casos, a opressão exercida por pessoas despreparadas em função de

comando, que sob o pretexto de estarem “cobrando a disciplina e a hierarquia”,

extrapolam em muito os níveis aceitáveis de pressão disciplinar, acabando por

sujeitá-lo a humilhações e situações de estresse excessivo e desnecessário.

h. O contato constante com dramas da população, vítima da ação de criminosos, faz

com que muitas vezes o policial sinta o desejo de “punir” o criminoso sempre que

possível; aplicando “corretivos” ou seja, agressões a presos já dominados;

i. Despreparo para a função: as horas de reciclagem na instrução policial, muitas

vezes são substituídas por tempo de aplicação nas chamadas “escalas

extras” (policiamento em campos de futebol, greves, rebeliões em presídios), dada a

demanda de serviço policial ser superior à capacidade de aplicação de efetivo das

corporações policiais, em regra.83 Pode-se citar ainda, o alto custo de insumos

necessários ao treinamento de policiais como armamento e munição, o que faz com

que o número de vezes que ele possa treinar, praticando técnicas de tiro, por

exemplo, seja muito variável e irregular, nem sempre permitindo uma perfeita

manutenção da habilitação do policial para o seu trabalho, principalmente quanto ao

83 Apenas a título de exemplo, o efetivo de policiais militares previsto para Curitiba é de 5.400 homens, havendo neste momento apenas cerca de 3.900 disponíveis.

79

uso de armas de fogo. No Paraná tem se procurado intensificar e melhorar a

qualidade das instruções que o policial recebe, sendo fundamental que tal tendência

permaneça.

j. Características da personalidade: obviamente não se descartam características

subjetivas da personalidade do indivíduo, não detectáveis nos exames de admissão à

corporação policial considerada e durante a realização do seu treinamento. Por isso,

só tardiamente tais problemas acabam sendo constatados, normalmente após o

cometimento de grandes falhas técnicas, dolosas ou culposas (tendência à

corrupção, propensão a atos de violência, descontroles emocionais freqüentes e

outros).

Tudo isso acaba gerando casos de policiais muito estressados, sujeitos a explosões

emocionais, atos de violência gratuita e propensos a abusos, quando o policial pelas próprias

características da sua personalidade, não possui o grau de profissionalismo e espírito público

necessários em tais momentos, para não descarregar sobre o cidadão seus problemas

emocionais e psicológicos.

Para tentar reduzir os efeitos danosos desta conjuntura surgiu o Serviço de Ação Social

da Polícia Militar do Paraná.

A Assistência Social da PMPR foi criada em 18 de julho de 1962, em Curitiba no

Comando do Cel. Orlando Xavier Pombo, onde recebeu o nome de Cruzada Social Cosme e

Damião, formada por esposas de oficiais que objetivavam ajudar os militares carentes.

Hoje o Serviço Social está sendo reestruturado para poder atender as

necessidades, cada vez maiores, dos integrantes da Policia Militar.

80

Dentro desta reestruturação está previsto a criação de um Centro de Atenção

Psicossocial, contando com Centro de Triagem, Casa de Apoio para albergar policiais

abandonados entre outros.

Dentre os projetos desenvolvidos pelos SAS estão o PROAAR – Programa de

atendimento ao Policial/bombeiro envolvido em ocorrência de alto risco; APOIO AO

DEPENDENTE QUÍMICO atua no atendimento ao dependente de álcool e outras drogas,

desde abordagem técnica, internamento e atendimento ambulatorial; APOIO

PSICOSSOCIAL : atua nas diversas situações específicas de cada área ao militar e sua

família, em tratamento com equipe multidisciplinar de médico, psicólogo, psiquiatra,

psicopedagogo e assistente social,

O trabalho do SAS visa exatamente apoiar através de atendimento profissional, o

policial que seja vítima dos altos níveis de estresse que adquire no seu dia a dia profissional.

Não podemos nos furtar, neste momento, de comentar a questão de problemas crônicos

de instituições policiais, não apenas no Paraná, mas também no Brasil e no mundo, das quais

crianças e adolescentes podem ser vítimas, que são a corrupção policial, a violência gratuita e

a discriminação.

3.6 CORRUPÇÃO POLICIAL

Não apenas no Brasil, como em outros países a corrupção permeia a cultura (ou

subcultura) policial de forma marcante.

As “modalidades” são várias: desde liberações de condutores com irregularidades em

seu veículos, mediante o pagamento do ”cafezinho”84, envolvimento com tráfico de drogas

ou mesmo a extorsão de traficantes, ou de familiares de usuários de droga, principalmente

84 Termo usado por policiais corruptos que pedem para que o extorquido deixe uma quantia em dinheiro sob o pretexto de que isto seria utilizado para pagar um café.

81

nos chamados bolsões de pobreza, liberações de pessoas presas com base no pagamento de

propinas e até mesmo a exploração sexual de menores, entre outras.

“Só vejo três tipos de pessoas ganhando dinheiro com o tráfico de drogas: mulheres, polícia e advogados. Os traficantes são perdedores, nunca acumulam nada.”

(César, irmão de um dos maiores traficantes da cidade do Rio de Janeiro, Manguinhos)85

A corrupção cria ainda, inúmeras dificuldades e pressões para os bons policiais, os

quais acabam sendo pressionados de diversas formas para passarem a fazer parte do esquema

de corrupção. Tais pressões vão desde a oferta de dinheiro e determinados favores, por parte

do corruptor, até ameaças à integridade física e à vida do policial e de seus familiares.

Não obstante o número de policiais envolvidos em tais práticas seja minoritário nas

corporações policiais, o efeito danoso que produzem, acaba por desmerecer o trabalho de

milhares de bons profissionais de segurança pública e das corporações policiais, muitas delas

centenárias, em seu mister.

Apenas o combate sistemático a atos de corrupção, através da aplicação das medidas

legais cabíveis, principalmente com base numa parceria definitiva com a comunidade, para a

obtenção de informações fidedignas a respeito de desvios de conduta policial, pode reduzir o

número de casos observado hoje no cenário policial brasileiro.

3.7 VIOLÊNCIA GRATUITA

A violência gratuita tem também papel de destaque nesta análise. É importante

observar que o herói e o covarde por vezes fazem parte da personalidade do mesmo policial.

Em um momento o herói enfrenta quadrilhas de traficantes, salva vítimas das mãos de

85 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO.Crianças no narcotráfico: um diagnóstico rápido./ Jailson de Souza e Silva; André Urani (coordenadores); Organização internacional do trabalho; Ministério do Trabalho e Emprego. Brasília: OIT. 20002.

82

assaltantes, retira de circulação estupradores e homicidas. Mas em seguida o covarde pratica

atos absolutamente desumanos contra pessoas indefesas, como meninos de rua ou moradores

de vilas pobres. ou manifestantes que, detidos em tumultos, são agredidos a golpes de

cacetete por vários policiais ao mesmo tempo, não obstante estejam dominados, caídos, por

vezes até algemados. Estas cenas são comuns nas imagens do cotidiano policial, imagens

estas freqüentemente retratadas por integrantes da imprensa ou por pessoas do povo, que com

câmeras em mãos, registram outro grave sinal do despreparo de uma polícia que,

urgentemente, “precisa rever os seus conceitos”.

Um caso emblemático foi o incidente ocorrido na Favela Naval, em Diadema, na

Grande São Paulo, em 1997:

O bairro em forma de favela urbanizada ganhou notoriedade na noite de 31 de março de 1997, no "Jornal Nacional", da Rede Globo.

As imagens eram fortes: policiais espancavam moradores e um deles, o soldado Otávio Lourenço Gambra, o Rambo, atirou contra um carro, matando o conferente Mário José Josino86.

Casos assim marcam o mundo policial brasileiro, sendo que o Paraná, Curitiba e

Região Metropolitana, não estão ilesos de tal crítica, embora tais atos sejam em menor

número, se comparados com as boas atuações da polícia e não retratados ou divulgados pela

imprensa.

3.8 DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO

A discriminação e o preconceito assumem também um importante ponto de discussão

neste trabalho.

Neste diapasão, constatamos que a cultura policial é muito determinada pelas bases

culturais da própria sociedade. Em verdade as atitudes desviantes da polícia, não apenas no

Brasil, mas em todo o mundo, seguem padrões comportamentais subjacentes à própria 86 FOLHA DE SÃO PAULO.Diadema tem nome ligado à violência. 18.04.2003. Disponível em.http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u73329.shtml. Acesso em 10.04.04.

83

sociedade, servindo a atividade policial apenas como um catalizador de tais padrões,

negativos no caso. Assim como a corrupção e a violência, o preconceito que permeia o

serviço policial também faz parte da cultura geral da sociedade. A única diferença é que pelo

fato desta atividade ser altamente eivada de poder decisório, na utilização dos instrumentos

de repressão disponíveis ao policial, os efeitos desta cultura de discriminação se tornam mais

agudos, perceptíveis e, por conseguinte, mais lesivos ao tecido social.

Chegamos então á questão do preconceito propriamente dito.

Não obstante o Brasil se diga um país sem preconceito, não é o que a realidade dos

fatos mostra. O país é assolado por constantes relatos e até mesmo escândalos, envolvendo

diversos tipos de discriminação, sendo o mais freqüente contra afro-descendentes. Tal

discriminação também ocorre contra a mulher, índios, homossexuais, contra pobres e, em

particular, contra meninos de rua.

Esta discriminação vai muito além de meras demonstrações de má vontade contra estas

pessoas, chegando a casos de agressões com gravidade variável e, até mesmo, morte de

representantes destes grupos, sem que tenha havido por parte destes, em muitos casos, a

prática de atos que justificassem tais agressões.

Este problema não é de hoje e nem está restrito às fronteiras do nosso país, estando a

História Universal recheada por eventos que revelam a incapacidade do ser humano em

aceitar a grande diversidade que compõe a raça humana.

A este respeito, a Cartilha “Cidadania para todos”, publicada no Estado da Paraíba87

afirma que “o Estado brasileiro foi constituído a partir de diferentes matrizes étnicas e

culturais, formando, assim, uma sociedade multicultural. As desigualdades sociais,

87PROCURADORIA GERAL DA DEFENSORIA PÚBLICA et alii. Preconceito, racismo e discriminação social. Cartilha cidadania para todos. João Pessoa. Disponível em http://www.dhnet.org.br/w3/ceddhc/bdados/cartilha14.htm. Acesso em 15.04.04.

84

construídas historicamente com base na exploração econômica, violência e escravidão

gerou um modo de pensar e agir desiguais.”

Partindo do tempo dos grandes descobrimentos, podemos citar um caso emblemático

logo na chegada de Cristóvão Colombo à América, quando seu irmão Bartolomeu,

inaugurando a pena de morte no “Novo Mundo”, mandou queimar vivos seis indígenas,

acusados de sacrilégio: os condenados haviam enterrado pequenas estampas católicas, para

que os novos deuses trazidos pelos colonizadores, abençoassem a terra, tornando-a fecunda

através das colheitas que viriam88.

Depois houve o extermínio e sufocação cultural dos povos indígenas que se seguiram

nos países colonizados, com o Brasil ocupando posição de destaque. “O processo de

colonização, pacificação, doutrinação religiosa e escravização resultou numa frontal violência

contra estes povos milenares. Aproximadamente 700 povos foram extintos, suas riquezas

culturais destruídas e milhões de vidas dizimadas89”. Estima-se o extermínio de 70 milhões de

índios no continente americano, dos quais mais de seis milhões no Brasil.

Para os povos indígenas, até hoje a injustiça social é das mais marcantes. Crianças

indígenas são freqüentemente objeto de notícias trágicas no cenário nacional:

As aldeias Guaranis (Nhandéva e Mbyá), do litoral Sul de São Paulo, precisam urgente de alimentos básicos para nutrição das crianças indígenas. A comida é escassa no local e há dois meses, uma menina faleceu por conseqüência da desnutrição. Outra indígena vítima da falta de proteínas, Shirley, de 4 anos, conseguiu sobreviver após passar alguns dias no hospital e, hoje, vive aos cuidados do professor indígena Sebastião, encarregado de cuidar dos órfãos dentro da aldeia.

Para amenizar a situação, a comunidade indígena do litoral, segundo o Cacique da aldeia do Rio Branco - em Itanhaém/SP -, Alcides Mariano, está

88 GALEANO, op.cit.p.47.89

COMUNICADO DO CIMI (Conselho Indigenista Missionário) À 37ª ASSEMBLÉIA GERAL DA CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). A Questão Indígena no Brasil. http://www.cimi.org.br/itaici99.htm. Acesso em 09.04.04.

85

transferindo as crianças para outras comunidades Guaranis, onde há mais alimentos. O rodízio foi a única estratégia que restou para que as crianças não passem fome90.

Quando a mão de obra indígena “não deu certo”, partiu-se para a escravidão negra, de

integrantes de povos trazidos da África. Condições sub humanas do transporte marítimo,

faziam com que grande parte das ”cargas” de escravos, não sobrevivessem nem à viagem até

o país de destino. Depois, a exploração do comércio escravagista, onde o ser humano negro

era comercializado como gado, se encarregava de dizimar milhares de vidas humanas por não

suportarem a carga de trabalho e privações a que eram submetidos. E quando negros ou

índios se recusavam a aceitar a escravidão e os trabalhos forçados, eram acusados de

subversão contra a organização do universo91. “Assim a desigualdade social e a discriminação

racial integram a harmonia do cosmo desde os tempos coloniais”92.

E esta desigualdade e discriminação permanece até hoje, não apenas nas estatísticas,

mas também nas manchetes dos jornais. Em abril de 1997, Galdino Jesus dos Santos, um

chefe indígena em visita em Brasília para reivindicar assuntos indígenas referente à tribo

Pataxó, a que pertencia, foi queimado vivo enquanto dormia em um ponto de ônibus, por

cinco rapazes de classe média alta, que lhe jogaram álcool e atearam fogo. Depois se

justificaram dizendo: - pensamos que fosse um mendigo93. Também cabe lembrar que são

negros, oito de cada dez meninos de rua assassinados por grupos de extermínio no Brasil.94

Alexander Humbolt, cientista alemão, há duzentos anos, vendo a realidade hispano-

americana afirmava que ”a pele mais ou menos branca determina a classe a que pertence o

homem na sociedade”.95

90 GUIMARÃES, Cláudio. Criança Indígena morre de desnutrição em Itanhaém. Disponível em http://www.cave.org.br/guarani.asp. Acesso em 09.04.04.91 GALEANO, op.cit .p.54.92 GALEANO, op.cit .p.54.93 GALEANO, op.cit .p.101.94 GALEANO, op.cit .p. 65.95 GALEANO, op.cit .p.66.

86

Nos Estados Unidos da América, a National Criminal Justice, estima que no ritmo

atual de crescimento da população carcerária, no ano de 2020, de cada dez homens negros,

seis estarão atrás das grades.96

A mulher também tem sido vítima de discriminação pela cultura social, do Brasil e do

mundo. O filósofo Auguste Comte, um dos fundadores da sociologia moderna, ainda no

século XIX, apregoava a “superioridade da raça branca e a perpétua infância da mulher”97.

Assim é fácil constatar, que todo um sistema de valores discriminatórios está embutido

na cultura geral dos dias de hoje. A utilização da figura da mulher como mero objeto de

desejo, por exemplo, está nos comerciais, nos out doors, na Internet e na beleza das

representantes comerciais, enquanto as “não-belas” ficam relegadas a segundo plano, como

sobras de uma linha de produção desumana e que a cada dia se desumaniza mais e mais.

A discriminação contra estes grupos está por toda parte, não apenas na violência e nas

mortes, mas também nos baixos salários que representantes deste grupos recebem, quando

recebem, comparativamente aos demais grupos, na dificuldade de acesso para vagas no

mercado de trabalho, no menor acesso nos níveis superiores de ensino (aqui havendo um

ponto de exceção para a condição feminina, por seu próprio esforço), nas anedotas sujas do

cotidiano de um povo que traz escrito com fogo em seus valores éticos e morais, a

discriminação, embora não admita.

A consciência racista mundial vem se sofisticando a cada dia a ponto de se

oficializarem organizações destinadas a todo o tipo de discriminação, como a já tradicional

Ku Klux Klan, os Neo Nazistas, os Skin Heads e muitos outros grupos que se dedicam a todo

o tipo de ato discriminatório contra afro-descendentes, judeus, homossexuais, ciganos e, no

Brasil, até contra nordestinos. Isto está estampado não apenas nas manchetes dos jornais, mas

também nas centenas de sites da Internet mantidos por tais grupos.

96 GALEANO, op.cit .p. 116.97 GALEANO, op.cit .p.54.

87

Ao analisarmos o mandamento constitucional, constante do art. 5º que trata dos

direitos e garantias individuais, a referência contra o racismo e a discriminação é explícita:

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,

sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

Há também disposições no Código Penal no que tange à injúria, quando aborda a

questão de raça, cor, etnia, religião ou origem:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:Pena - detenção, de 1 ( um) a 6 (seis) meses, ou multa.(...)§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem:Pena: reclusão de um a três anos e multa.”(inserido pela Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997)

Ao falarmos em discriminação, cabe lembrar ainda que existe legislação específica que

trata do assunto através da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes

resultantes de preconceito de raça ou de cor, alterada que foi pelas Leis nº 8.081/90 e 9.459

que qualifica como crime todo o tipo de discriminação, estabelecendo penas que podem

chegar até 5 anos de reclusão, sendo imprescritíveis e inafiançáveis.

No caso específico de crianças e adolescentes, existe inclusive referência específica

quanto à discriminação na Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia das

Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil; através do art. 84, inciso

XXI, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos arts. 1º da Lei nº 91, de 28 de agosto de

1935, e 1º do Decreto nº 50.517, de 2 de maio de 1961, que em seu art. 1º estabelece :

88

Art. 1º A criança gozará de todos os direitos enunciados nesta Declaração. Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.

Não obstante todo o aparato legal citado, demonstrando repúdio pelo racismo, existe

como vimos acima uma cultura de discriminação da qual a polícia, obviamente, não está

isenta. Na sub cultura policial isto fica muito mais evidenciado, e as notícias do dia a dia

demonstram esta distorção:

Os anos passam, mas parece que a prática usada por alguns policiais do Rio para resolver crimes é prender logo os primeiros suspeitos, mesmo que não se tenham provas. Assim, é resposta rápida para a Secretaria de Segurança Pública e para a população. Quem analisou o caso da prisão dos moradores de rua do Leblon, apontados como responsáveis pelos arrastões, houve preconceito dos policiais.

A prisão se deu pela reunião de pessoas pobres, negras, desempregadas, em uma praça em local nobre da cidade, onde estas pessoas são mal vistas, rejeitadas e apontadas como perigosas - avaliou o juiz da 23ª Vara Criminal, Antônio Carlos Amado, no despacho que pedia a liberdade do grupo.98

Esta cultura costuma não se limita a humildes cidadãos anônimos, podendo também

atingir até autoridades públicas:

Em 1997, um automóvel de placa oficial trafegava em velocidade normal por uma avenida de São Paulo. No carro que era novo e caro, iam três homens. Num cruzamento, um policial mandou o carro parar. Fez com que os três homens desembarcassem e os manteve durante uma hora de mãos para cima, e de costas, enquanto os interrogava insistentemente, querendo saber onde tinham furtado o veículo.

Os três homens eram negros. Um deles, Edivaldo Brito, era o Secretário de Justiça do governo de São Paulo. Os outros dois eram funcionários da Secretaria. Para Brito, aquilo não era novidade. Em menos de um ano, já lhe acontecera cinco vezes a mesma coisa.

O policial que os deteve também era negro.99

98 Polícia erra por preconceito. JBONLINE. 04.01.04. Disponível em http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cidade/2004/01/03/jorcid20040103010.html. Acesso em 15.04.04.99 GALEANO, op.cit.p.59.

89

Sendo a categoria social, entre todas, a mais vulnerável, crianças e adolescentes em

situação de risco se vêm freqüentemente sendo vitimizadas por esta sub cultura perversa.

Na pesquisa de campo conforme já referido acima, a insegurança que crianças e

adolescentes sentem com a presença da polícia é muito grande, conforme mostra o gráfico 6,

sendo que entre meninos pardos e negros o medo é proporcionalmente maior, do que em

relação aos meninos brancos, ou seja meninos negros e pardos temem mais a polícia ou são

mais vitimizados por ela.

Tentando mudar uma realidade policial tão distante do que se pretende para um Estado

Democrático de Direito, foi promovido nas dependências do Quartel do Comando Geral da

Polícia Militar, em Curitiba, o I Seminário em Defesa da Vida, contra o Racismo e a

Violência Policial.

Numa parceria entre o Fórum de Entidades Negras do Paraná e a Polícia Militar do

Paraná, nos dias 11, 12 e 13 de maio de 2004, foram debatidas as mais importantes questões a

respeito do tema racismo e violência pessoal, com a participação de diversas autoridades em

nível nacional sobre o assunto. Para Maria de Lourdes “Santa” de Souza, representante do

Fórum, que atuou na coordenação do evento, é fundamental a discussão destes temas para a

eliminação de tais problemas da nossa sociedade.

Para o Prof Pedro Bodê de Moraes do Centro de Estudos da Violência da Universidade

Federal do Paraná, palestrante no evento, o racismo e o preconceito fazem parte da estrutura

social que determina os comportamentos da sociedade. Assim, todas as instituições sociais

desta mesma sociedade apresentam, por extensão, esta discriminação e este preconceito,

mesmo aquelas instituições que deveriam estar acima disto, como a igreja, a universidade e a

polícia.

90

De toda esta conjuntura adversa, resulta um recrudecimento da violência. Desta

violência, vítimas freqüentes são os meninos de rua. Aliando casos de desvios de conduta

policial ao preconceito que pesa contra a população de rua, o resultado são relatos de abusos

contra crianças e adolescentes em situação de risco.

Prova disso, como se vê no gráfico 22, na pesquisa de campo, 55% dos entrevistados

(227), afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência por parte da polícia.

Quando inquiridos aqueles que afirmaram ter sido agredidos, conforme gráfico 23 a

respeito de quantas vezes o foram, 14% (59 entrevistados) afirmaram que de uma a três

vezes, 13% (53 entrevistados) afirmaram que mais de três vezes e 27% (111 entrevistados)

afirmaram que muitas vezes. Constatou-se também que a maior parte destas agressões não foi

ligada a apreensões ou no momento de encaminhamentos em ocorrências policiais, mas em

meras abordagens para verificações de rotina.

GRÁFICO 22- ENTREVISTADOS QUE JÁ SOFRERAM ALGUM TIPO DE VIOLÊNCIA POR PARTE DA POLÍCIA

55%

45%

a.Sim b.Não

FONTE: Pesquisa de campo

(227)

(188)

91

Há ainda casos mais graves ocorridos em todo o país, como o famoso Massacre da

Candelária, onde adolescentes foram mortos pela polícia:

A chacina da Candelária aconteceu há dez anos e teve repercussão internacional. Oito meninos de rua foram mortos por policiais militares, que teriam agido por vingança.

No dia anterior à matança, um dos menores teria jogado uma pedra em um microônibus da PM. Três policiais foram condenados a cerca de 200 anos de prisão. O quarto PM acusado já morreu.100

Também na realidade paranaense e curitibana especificamente, há relatos de

violência:“Na rua, a gente tinha muitos problemas com os policiais. Quando eles pegavam a

gente, batiam muito, pegavam nosso dinheiro, o que a gente tivesse, passavam cola no nosso

cabelo, pediam gorjeta. Se a gente não desse dinheiro para eles, levavam para o módulo e

batiam muito.”101

100.Sobrevivente da Chacina da Candelária pede cirurgia plástica. FOLHAONLINE 24.07.03. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u78989.shtml. Acesso em 10.04.04.101 História de nossas vidas: os meninos de Quatro Pinheiros. Curitiba: Fundação Educacional Profeta Elias, 1999.p.37.

GRÁFICO 23 - QUANTAS VEZES FORAM VÍTIMAS DE AGRESSÃO PELA POLÍCIA

27%

13%

14%

a. de 01 a 03 vezes b. mais de 03 vezes c. muitas vezes

FONTE: Pesquisa de campo

NOTA: 46% (192) não responderam

( 111)

(53)

(59)

92

Muitas vezes, é óbvio, existe a prática de delitos por crianças e adolescentes em

situação de risco, os quais muitas vezes se comportam de forma desrespeitosa e agressiva

contra o policial que aborda a situação, por vezes tentando se prevalecer do fato de serem

menores de dezoito anos. Isto torna tais situações de difícil solução pelo policial de rua, o

qual precisaria nesta hora ser um misto de psicólogo (para compreender todas as ações e

reações do abordado), de juiz (para ter todo o conhecimento da lei necessário) e de um

sacerdote religioso (para agir com toda a paciência e caridade exigida naquele momento),

qualidades que é difícil se reunir em uma única pessoa. Devemos lembrar que o policial de

rua normal está preparado mais para ações contra criminosos de alto poder de agressividade

como assaltantes, traficantes e homicidas, do que para lidar com crianças e adolescentes em

situação de risco. Tal situação poderia ser melhorada se se procurasse capacitar melhor o

profissional de segurança pública em tais aspectos, como tem sido feito com policiais da

Polícia Comunitária, Patrulha Escolar Comunitária e o PROERD, já comentados acima.

Infelizmente, a primeira reação do policial em muitos casos é a agressão, humilhações e

abusos contra meninos e meninas de rua.

Como resultado de todo este processo, seja por qualquer das questões referidas acima, a

polícia acaba sendo, por vezes, um “perigo social” para crianças e adolescentes em situação

de risco, ao invés de promover a sua segurança. Infantes e jovens, como elos mais fracos da

“corrente social”, acabam por serem vitimizados freqüentemente.

A Organização das Nações Unidas recentemente revelou relatório elaborado a este

respeito102:

102 DIMENSTEIN, Gilberto. ONU culpa polícia e Justiça por sexo infantil no Brasil. Folha de São Paulo, Jornalismo comunitário. São Paulo, 19.02.2004.

93

“Relatório da missão especial da Organização das Nações Unidas sobre exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, divulgado ontem, em Genebra, responsabiliza a polícia e o Poder Judiciário pelo problema, apontado como "somente a ponta de um grande iceberg", e cobra reformas imediatas nas duas instituições.

(...)No caso da polícia, o relator da ONU se mostra preocupado com as

acusações de corrupção e de envolvimento dos próprios policiais na exploração sexual. Na avaliação da organização, isso representa um risco grande de corporativismo e impunidade.

Como solução, as Nações Unidas recomendam a adoção de programas de capacitação profissional dos policiais sobre direitos humanos e maior interação com a sociedade.

O que se percebe, numa análise mais atenta é que o policial médio, via de regra, não

está devidamente preparado para lidar com “pessoas especiais em fase de desenvolvimento”

como estabelece o ECA. Não obstante, na pesquisa de campo, uma maioria de policiais

afirmou que se sentem bem ou razoavelmente bem preparados (gráfico 31). Como frisamos

acima, é necessário um preparo especial, baseado na sensibilização do policial, para a

situação dessas pessoas, para os Direitos Humanos, para toda a gama de conhecimentos que

deveria ter para administrar corretamente tais situações. estará fadado a manter a senda de

verdadeiras tragédias envolvendo policiais, crianças e adolescentes, no cenário da Segurança

Pública brasileira.

O alto nível de violência que o policial de rua enfrenta no seu dia a dia, faz com que

seja difícil ter a sensibilidade necessária para lidar com esta questão. O policial para

sobreviver nas ruas das grandes cidades hoje, precisa estar preparado para ações que

necessitem alto nível de agressividade, como, por exemplo, enfrentar uma quadrilha de

traficantes. Isto acaba fazendo com que para outras ações, não tão violentas, que necessitem

algum tipo de sutileza no trato, não recebam este tratamento, como, por exemplo, atender

uma ocorrência envolvendo crianças e adolescentes, as quais necessitam altos níveis de

preparação, pela complexidade de que muitas vezes se revestem, e, principalmente,

paciência.

94

Esta dificuldade aliada à desestrutura dos órgãos de atendimento de crianças e

adolescentes, conforme o que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente, gera uma

grande ineficiência do sistema em administrar tais situações.

3.9 A OPINIÃO DOS POLICIAIS

No mesmo período em que se realizavam pesquisas entre crianças e adolescentes em

situação de risco (março e abril de 2004), realizou-se pesquisa similar entre policiais

militares.

Foram entrevistados 330 policiais militares de diversas unidades da Polícia Militar do

Paraná, a saber, 29 policiais do Batalhão de Policia de Trânsito (BPTran), 25 do Batalhão de

Polícia Rodoviária (BPRv), 32 do 12º Batalhão de Policia Militar (12º BPM ), 72 do 13º

Batalhão de Polícia Militar, 34 do Regimento de Polícia Montada (RPMon), 46 da

Companhia de Polícia de Choque (Cia P Chq), 29 do 17º Batalhão de Polícia Militar, 42

2925

32

72

34

46

29

42

25

0

10

20

30

40

50

60

70

80

BPTRAN BPRV 12º BPM 13º BPM RPMON CIA P CHQ 17º BPM OFICIAIS P/5 1º BPM

GRÁFICO 24 - POLICIAIS MILITARES ENTREVISTADOS POR UNIDADE POLICIAL

FONTE: Pesquisa de campo - PMPR

95

Oficiais de 5ª Seção(relações públicas) de todas as unidades da Capital e interior do Estado e

25 policiais do 1º Batalhão de Polícia Militar, conforme mostra o gráfico 24.

A pesquisa foi realizada através do preenchimento de questionários com perguntas

sobre o tema objeto do presente estudo, principalmente no que diz respeito ao estatuto da

Criança e do Adolescente, e se desenvolveu nos meses de março e abri de 2004.

Conforme mostra o gráfico 25, quando perguntou-se sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente, 43% dos entrevistados afirmaram que o consideram com algumas dificuldades

para a sua aplicação, 41% consideraram que o Estatuto possui muitas dificuldades para a sua

96

aplicação e apenas 5% o consideraram com plenas condições de aplicação, o que mostra que

a grande maioria dos policiais entrevistados considera que há dificuldades na aplicação do

Estatuto.

Conforme gráfico 26, quando inquiriu-se sobre quais seriam estas dificuldades, 22%

(74 entrevistados) afirmaram que não há estrutura no poder público para o cumprimento das

exigências do Estatuto, 15% (51 entrevistados) afirmaram que é o desconhecimento da lei por

funcionários que devam se envolver em tais situações (representantes dos Conselhos

Tutelares, outros policiais, entre outros), 17% (55 entrevistados) responderam aspectos

legais do próprio Estatuto, 19% (64 entrevistados) condutas dos próprios jovens e infantes,

18% (59 entrevistados) comportamento dos pais ou responsáveis, 13 % (43 entrevistados)

conduta de outras pessoas envolvidas em tais situações, como representante dos Conselhos

Tutelares, advogados dos envolvidos e outros e 4% (12 entrevistados) citaram outras

condutas.

GRÁFICO 26 - DIFICULDADES PARA O COMPRIMENTO DO ESTATUTO NA OPINIÃO DOS ENTREVISTADOS:

13% 4%

18%

19% 17%

15%

22%

a) Não há estrutura no poder público para ocumprimento das exigências que o ECAestabelece;

b) O desconhecimento da Lei por funcionários doEstado, que devam seenvolver em tais situações(representantes dos conselhos tutelares, outrosPoliciais, Assistentes Sociais, etc);c) Aspectos legais do próprio ECA ;

d) Condutas dos próprios infantes ou jovens;

e) Condutas dos pais ou responsáveis;

f) Condutas de outras pessoas envolvidas(representantes de Conselhos Tutelares,Advogados, etc, por favor descreva aseguir)_____g) Outros

FONTE: Pesquisa de campo - PMPR

GRÁFICO 25 - NA OPINIÃO DOS POLICIAIS ENTREVISTADOS O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE É UMA LEGISLAÇÃO:

5%

43%

41%

11%

a.Com plenas condições de aplicação; b.Com algumas dificuldades na sua aplicação;c.Com muitas dificuldades na sua aplicação. d.Outros

FONTE: Pesquisa de campo - PMPR

97

Quando inquiridos sobre quais seriam as deficiências na estrutura de atendimento a

situações envolvendo crianças e adolescentes, 27% responderam ausência de locais de

abrigamento, 25% ausência de locais de internação, 22% responderam insuficiente número

de funcionários para atendimento e 16% ausência de equipamentos, conforme gráfico 27.

Quando perguntou-se, conforme gráfico 28, quais seriam os aspectos com relação ao

Estatuto que apresentam problemas, 16% afirmaram que a este é muito brando com os

infratores, 20% afirmaram que muitos aspectos legais contidos nele não são observados, 12%

citaram a ausência de divulgação pela mídia quanto a deveres e responsabilidades de crianças

e adolescentes, 4% acreditam que é uma legislação desatualizada, 17% que exige estruturas

não disponíveis para a sua aplicação como locais de abrigamento, número adequado de

funcionários e outros, 5% citaram desestrutura familiar, 5% referiram que o Estatuto deveria

prever a maioridade penal aos 16 anos e 20% dos entrevistados não responderam esta

pergunta.

GRÁFICO 27 DEFICIÊNCIAS NA ESTRUTURA DE ATENDIMENTO, NA OPINIÃO DOS POLICIAIS

27%

25%22%

16%

10%

a.Ausência de locais de abrigamento; b.Ausência de locais de internação;c.Insuficiente número de funcionários; d.Equipamento insuficiente;e.outros

FONTE: Pesquisa de campo - PMPR

98

Quanto à pergunta sobre quais seriam as condutas dos envolvidos em ocorrências com

crianças e adolescentes, que dificultam o serviço policial, conforme gráfico 29, 7%

afirmaram que é a falta de orientação dos pais, 30% citaram a impunidade decorrente da falta

de estrutura para cumprimento da lei, 9% citaram a falta de interesse de funcionários dos

Conselhos Tutelares e Juizados de Infância e Adolescência, 22% acreditam que os pais estão

deixando a responsabilidade pela educação dos filhos por conta do estado( Escola, polícia,

etc). Os itens e, f ,e g ficaram prejudicados, pois as respostas fugiram do teor da pergunta.

Quando se pediu sugestões para resolver o problema de crianças e adolescentes em

situação de risco, conforme gráfico 30, 23% citaram reorganização social (o Estado fazer o

seu papel, com educação, saúde, empregos, etc), 14% citaram ensino profissionalizante, 10%

16%

20%

12%

4%

17%

5% 5%

20%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

GRÁFICO 28 - PROBLEMAS COM REFERÊNCIA AO ESTATUTO, NA OPINIÃO DOS POLICIAIS:

a) "ECA" é brando para os infratores;

b) aspectos legais não são observados;

c) divulgação do ""ECA" pela mídia quanto as responsabilidades e deveres das crianças e adolescentes ;

d) desatualizado;

e) dificuldade de aplicação (estrutura, condução, funcionários, abrigos);

f) falta de estrutura familiar;

g) maioridade penal aos 16 anos;

h) em branco.

FONTE: Pesquisa de campo - PMPR

7%

30%

9%22%

6%

9%1%

2%14%

GRÁFICO 29 - CONDUTAS QUE DIFICULTAM O ATENDIMENTO DE OCORRÊNCIAS NA OPINIÃO DOS POLICIAIS ENTREVISTADOS

a) falta de orientação aos pais de crianças/adolescentes infratores;

b) im punidade por falta de estrutura do sistema para aplicação da Lei;

c) falta de interesse dos funcionários dos Cons.Tutelares e Juiz. da Inf. e Juv;

d) pais deixam responsabilidade educação filhos por conta do Estado (polícia, escola, etc);

e) dificuldade de aplicação (estrutura, condução, funcionários, abrigos);

f) falta de referência - Jovens tendo com o referência nas gangues;

g) maioridade penal aos 16 anos;

h) condições econom icas e sociais precárias;

I) em branco.

FONTE: Pesquisa de campo - PMPR

(22)

(101)

(29)(72)

(21)

(29)

(4)

(8)(48)

99

responderam melhorar a estrutura para aplicação da lei, 15% responderam dar mais

referências aos jovens, através de incentivos à auto estima, participação em cursos, senso de

limites, participar de campanhas antidrogas, 4% citaram a maioridade penal aos 16 anos, 9%

citaram a necessidade de maior integração entre o poder público e a comunidade, 17%

sugeriram mudanças no estatuto e 7% não responderam a esta pergunta.

Concluindo a pesquisa, conforme gráfico 31, se perguntou se ele como policial se

considerava bem preparado para a atividade policial no que tange a crianças e adolescentes,

isto é suficiente conhecimento do Estatuto, 61% afirmaram que se consideravam

razoavelmente preparados, 27% se consideram bem preparados e apenas 12% se consideram

despreparados.

1%

23%

14%

10%

15%

4%

9%

17%7%

GRÁFICO 30 - SUGESTÕES QUE CONSIDERE QUE RESOLVERIAM OS PROBLEMAS ENFRENTADOS POR CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO

a) incentivo ao esporte;

b) reorganização social (empregos, escolas, moradia, estruturas para aplicação da Lei, etc.);

c) ensino profissionalizante em escolas públicas, estudo em horário integral;

d) melhorar as condições de aplicação da Lei (estrutura, condução, funcionários, abrigos);

e) dar referência aos Jovens, através de cursos, melhora da auto-estima, limites, campanhas contra as drogas;

f) maioridade penal aos 16 anos;

g) maior integração dos órgãos públicos e a comunidade, "Segurança não é só problema de Polícia";

h) mudança no "ECA";

i) em branco.FONTE: Pesquisa de campo - PMPR

(5)

(77)

(46)

(34)(49)

(14)

(31)

(56)

(22)

100

3.10 PROJETOS SOCIAIS DA PMPR

Por outro lado, existem muitas formas de se trabalhar para melhorar tal situação. Já

existem há vários anos, diversos projetos desenvolvidos, através de parcerias entre os

diversos órgãos governamentais e não-governamentais, para melhorar a condição de vida de

crianças e adolescentes estejam em situação de risco ou não, como a Polícia Comunitária, o

PROERD, o Projeto Formando o Cidadão e o Projeto Criança em Segurança, que buscam

reverter este quadro de vitimização de crianças e adolescentes pela polícia e pela própria

sociedade como um todo.

O projeto Formando o Cidadão, criado a mais de 10 anos visa atender adolescentes em

situação de risco, que estejam abrigados nos abrigos da Prefeitura Municipal de Curitiba.

Para fazer parte do projeto, o menino precisa estar freqüentando a escola e se comportar bem

na sua convivência com outros meninos no abrigo. A partir do momento em que é

selecionado para o projeto, ele passa a participar de atividades esportivas, lúdicas e de

aprendizagem em quartéis da Polícia Militar ou do Exército Brasileiro. Sua família receberá

GRÁFICO 31 - COMO OS POLICIAIS SE SENTEM QUANTO À SUA PREPARAÇÃO EM RELAÇÃO AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

27%

61%

12%

a) bem preparado b) razoalvelmente preparado c) despreparado

FONTE: Pesquisa de campo - PMPR

101

cestas básicas ou um pequeno numerário em dinheiro por conta de sua participação no

projeto. A demanda para participar do projeto é grande e cada unidade atende 25

adolescentes. Atuam neste trabalho cinco quartéis do exército Brasileiro e dois da Polícia

Militar em Curitiba.

Centenas de adolescentes passaram pelo projeto ao longo desse tempo, sendo que

muitos conseguiram se inserir no mercado de trabalho em função deste projeto e muitos

foram reencaminhados para as suas famílias.

O Projeto Criança em Segurança busca retirar os meninos da rua, através de uma

parceria entre a Polícia Militar e a Prefeitura Municipal de Curitiba, onde crianças e

adolescentes são abordados por educadores civis, da Fundação da Ação Social de Curitiba

(FAS) e educadores policiais militares treinados para esta finalidade.

Os meninos então são encaminhados para locais onde receberão alimentação, higiene e

participarão de atividades recreativas, no intuito de que eles, por si próprios queiram

permanecer nos locais de atividade, posto que não podem ser constrangidos a isto.

Ao longo do três anos de existência do projeto, milhares de atendimentos já foram

realizados, inclusive com reencaminhamento de crianças e adolescentes em situação de risco

para suas famílias ou para os abrigos da FAS.

102

4 ESTRUTURAS DE PROTEÇÃO

4.1 CONSELHOS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Segundo Tânia da S. Pereira103, tais conselhos têm sua base legal na Constituição

Federal de 1988, nos arts. 227, § 7º, e 204, onde este diploma legal estabelece como diretriz

das ações governamentais na área da criança e do adolescente, a descentralização político-

administrativa e a participação da população.

Também o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 88, I,II e IV, prevê

a municipalização, a criação dos Conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da

criança e do adolescente, e, ainda, a manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais

vinculados aos respectivos Conselhos.

“As diretrizes de descentralização e municipalização acham-se diretamente

relacionadas, na medida em que a criança, o jovem e sua família vivem, efetivamente, na

comunidade e devem ter, na esfera municipal, o desenvolvimento dos principais projetos e

programas de proteção e atendimento”, afirma.

Em função disto foi criada uma série de órgãos para garantir a proteção dos direitos de

crianças e adolescentes, nos níveis federal, estadual e municipal.

4.2 ÓRGÃOS FEDERAIS

A Secretaria Especial dos Direitos Humanos - SEDH104, criada pela Lei nº 10.683, de

28 de maio de 2003, é o órgão da Presidência da República encarregado da articulação e

implementação de políticas públicas que visem a promoção e proteção dos direitos humanos.

A SEDH tem como unidades os seguintes órgãos:

103 PEREIRA, op.cit., p.588.104PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Disponível em http://www.presidencia.gov.br/sedh/. Acesso em 23.03.04.

Colegiados:

• Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - CDDPH

• Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA

• Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNCD

• Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE

• Conselho Nacional dos Direitos do Idoso - CNDI

Executivos:

• Subsecretaria de Articulação da Política de Direitos Humanos

• Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente

• Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos

Assessorias:

Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência

A SEDH é composta ainda, de grupos de trabalho temáticos que têm por função

auxiliar o Secretário Especial dos Direitos Humanos a implementar a política nacional de

direitos humanos, conforme as diretrizes do Programa Nacional de Direitos Humanos -

PNDH.

Dentro da estrutura federal há também o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e

do Adolescente – CONANDA, é subordinado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos –

SEDH.

104

O Conselho Nacional dos direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, foi

estabelecido pelo art. 89 do Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo este sido

regulamentado efetivamente pela Lei n. 8.242 de 1991105.

Ainda dentro do sistema federal, o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente

(FNCA)106, foi instituído pelo art. 6° da Lei n° 8.242, de 12 de outubro de 1991, lei que criou

o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), estabelecendo

ainda outras providências à implantação e implementação da Política Nacional de

Atendimento aos Direitos da Criança e do Adolescente, nos termos da Lei n° 8.069, de 13 de

julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Este fundo foi em seguida regulamentado Decreto N° 1.196, de 14 de julho de 1994

que dispõe sobre a gestão e administração deste fundo.

4.3 ÓRGÃOS ESTADUAIS

O CEDCA (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do

Paraná)107 é um órgão deliberativo, autônomo, formulador e controlador das ações e/ou

políticas de atendimento e proteção à criança e ao adolescente no Paraná.

Este importante conselho, é composto paritariamente por 12 representantes eleitos pela

sociedade civil organizada e por 12 representantes governamentais. O Conselho Estadual de

Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente foi criado pela Lei n° 9.579, de 22 de março

de 1991, e alterado pela Lei n° 10.014, de 1º de julho de 1992, Lei n° 11.136, de 18 de julho

105 CHAVES, op.cit.,p. 380.106 http://www.mj.gov.br/sedh/ct/conanda/dec_1196.htm. Acesso em 25.03.04.

107 CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em http://www.setp.pr.gov.br/setp/conselhos/cedca/. Acesso em 23.03.04.

105

de 1995, Lei n° 11.361, de 12 de abril de 1996, Lei nº 12.458, de 16 de janeiro de 1999, e Lei

nº 13.278, de 10 de outubro de 2001.

O Conselho distribui às Câmaras os assuntos que lhe são apresentados, conforme a sua

competência, sendo nelas discutidos e relatados para posterior deliberação do Plenário,

reunindo-se ordinariamente o seu plenário uma vez ao mês.

Dentro da estrutura estadual há o Instituto de Ação Social do Paraná - IASP108 é

constituído na forma de uma autarquia estadual com personalidade jurídica, patrimônio e

receita próprios e com autonomia administrativa, financeira e técnica.

Vinculado à Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social – SETP,

atende a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e/ou social, que tenham direitos

ameaçados ou violados, direitos estes reconhecidos pela lei como o próprio Estatuto da

Criança e do Adolescente ou mesmo a Constituição Federal, sejam tais violações por ação,

omissão da sociedade ou do Estado, por omissão, falta ou abuso dos pais ou responsáveis ou

em razão da sua própria conduta.

A clientela atendida por este órgão é composta de crianças e adolescentes em situação de

orfandade e abandono familiar, e adolescentes em conflito com a lei.

É responsabilidade do IASP também, a operacionalização administrativa e financeira

dos recursos do Fundo da Infância e Adolescência - FIA, estando o Conselho Estadual de

Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - CEDCA, encarregado da gestão de tais

recursos.

108 INSITUTO DE AÇÃO SOCIAL DO PARANÁ( IASP) . Disponível em http://www.pr.gov.br/iasp/apresentacao.html. Acesso em 24.03.04

106

O Fundo para Infância e Adolescência constitui-se num Fundo Especial, conforme

preceitua a Lei Federal 4320/64, art. 71, sendo este o "produto de receitas especificadas, que

por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de

normas peculiares de aplicação". Este importante fundo está previsto no Art. 88, inciso IV do

Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e Art.14 da Lei Estadual 10.014/92, que institui

o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente - CEDCA/PR e cria o FIA,

Captar e aplicar recursos destinados às ações de atendimento à criança e ao adolescente

é a função deste fundo, ações estas que se destinem a Programas de Proteção Especial à

criança e ao adolescente em situação de risco pessoal e social. Em caráter excepcional, o FIA

atenderá também a projetos de assistência social, que tenham por objetivo o atendimento

crianças e adolescentes que necessitem de tais ações, em caráter supletivo, obedecendo às

deliberações do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente - CEDCA.

O Fundo para Infância e Adolescência é administrado pelo CEDCA/PR. Este órgão

define os critérios para que os Municípios se habilitem aos seus recursos, bem como para a

execução do plano de aplicação. Em relação às operações de controle e execução de despesas

dos recursos relativos ao FIA, contará o CEDCA com operacionalização técnico-

administrativa do Instituto de Ação Social do Paraná - IASP, segundo o que estabelece

Decreto Estadual 3963, de 29 de agosto de 1994, decreto este que aprovou o regulamento do

fundo em questão.

4.4 ÓRGÃOS MUNICIPAIS

Criado pela Lei Municipal nº 7829 de 17 de dezembro de 1991, o Conselho Municipal

dos Direitos da Criança e do Adolescente de Curitiba109- Comtiba, é um órgão de apoio às

109PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA Cassio empossa conselhos do Comtiba e do CMAS. Disponível em http://www.curitiba.pr.gov.br/pmc2002/asp/home/noticia.asp?ncod=6430. Publicado em:

25/11/2003 19:34 Acesso em 25.03.04.

107

políticas de promoção e defesa da criança e do adolescente, sendo responsável também, pela

regulamentação e fiscalização das ações que venham a beneficiar crianças e adolescentes. O

Conselho também procede ao registro das entidades sociais que atuem nesta área.

O COMTIBA é composto de doze membros, sendo seis representantes governamentais

indicados pelo Prefeito Municipal e seis representantes da sociedade civil organizada, eleitos

estes por entidades registradas.

O Comtiba tem por função também, analisar os projetos relativos à criança e ao

adolescente apresentados pela Prefeitura e por organizações não governamentais, as

chamadas ONGs, analisando as condições destes para eventual implementação. É também

responsável pela gestão dos recursos do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

Já o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente visa atender às necessidades de

crianças e adolescentes dentro do município:

“Através da destinação de parte do imposto de renda devido, empresas e cidadãos repassaram ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente R$ 1,3 milhão. Com este recurso, a Prefeitura e entidades sociais executam projetos que atendem 11 mil meninas e meninos110.

4.5 OS CONSELHOS TUTELARES

Os Conselhos Tutelares foram criados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e

constam dos arts. 131 a 140, dos quais citamos os primeiros, posto serem explicativos quanto

à concepção que rege este importante instituto protetivo do direito de crianças e adolescentes:

110PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA.Disponível em http://www.curitiba.pr.gov.br/. Publicada em:13/03/2004 . Acesso em 25.03.04.

108

Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não

jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos

da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

Art. 132. Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução. (Redação dada pela Lei nº 8.242, de 12.10.1991).

Art. 133. Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, serão exigidos os seguintes requisitos:

I - reconhecida idoneidade moral;II - idade superior a vinte e um anos;III - residir no município. Art. 134. Lei municipal disporá sobre local, dia e horário de

funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive quanto a eventual remuneração de seus membros.

Na análise destes artigos, é importante destacar o fato e serem os Conselhos órgãos

autônomos, isto e sem qualquer subordinação a outro órgão no que tange à proteção dos

direitos de crianças e adolescentes, o que os faz livres para reivindicar, criticar, exigir tudo o

que disser respeito à preservação dos interesses de crianças e adolescentes

independentemente de contra qual pessoa ou autoridade devam ser feitas.

Sobre isso a Resolução nº 75 de 22 de outubro de 2001, do Conselho Nacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) estabelece:

Art. 5º O Conselho Tutelar, enquanto órgão público autônomo, no desempenho de suas atribuições legais, não se subordina aos Poderes Executivo e Legislativo municipais, ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público.

Paulo Nogueira111 ao comentar a respeito dos conselhos, coloca dúvidas quanto à

constituição e funcionamento de tais órgãos ”principalmente numa sociedade desinteressada,

indiferente e apática diante dos problemas sociais, ainda que lhe digam respeito”.

Prossegue o mesmo autor afirmando, que se, por exemplo, não houver remuneração, ninguém

111 NOGUEIRA, op.cit.p.190.

109

se disporá a ser candidato, principalmente nos pequenos municípios, atendendo o que o art.

134 estabelece.

Quanto a questão de remuneração que ocorrerá ou não com base na lei municipal de

criação do conselho, a Resolução 75 do CONANDA assevera:

Art. 4o Considerada a extensão do trabalho e o caráter permanente do Conselho Tutelar, a função de conselheiro, quando subsidiada, exige dedicação exclusiva, observado o que determina o art. 37, incs. XVI e XVII, da Constituição Federal.

Apenas a título de esclarecimento ao art 37 da Constituição Federal e seus incisos XVI

e XVII trata da administração pública direta e indireta e dá outras providências:

Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98:"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"

(...)Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98:

"XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

a) a de dois cargos de professor;b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 13/12/2001:c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (NR)Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98:

"XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;'

Todas estas medidas visam dar aos conselhos tutelares todas as condições para atuarem

como membros efetivos na luta por uma melhor qualidade de vida para crianças e

adolescentes, estejam em situação de risco ou não.

110

Muito já se tem obtido acerca disto, mas ainda há um longo caminho a percorrer no

país quanto ao fortalecimento dos conselhos tutelares. Um exemplo disto é o número de

conselhos já criados em todo o país:

Entre as medidas no ECA não cumpridas, está a implementação dos conselhos tutelares. Deveria haver pelo menos um em cada cidade, mas, segundo a ONU, apenas 3.477 de 5.578 municípios têm essas entidades.”112

Para Graziella Nunes113, coordenadora executiva da rede ANDI, (Agência de Notícias

dos Direitos da Infância), mesmo constando do texto legal do Estatuto da Criança e do

Adolescente, os Conselhos Tutelares ainda são muito pouco utilizados pela população, pois

poucas pessoas que participam da escolha dos Conselheiros, o que freqüentemente resulta na

eleição de pessoas pouco preparadas para a função, que nem ao menos conhecem Estatuto da

Criança e do Adolescente. A coordenadora afirma ainda que "a principal conseqüência desse

desconhecimento geral da população, é que esta simplesmente não sabe a quem recorrer

quando alguma criança tem seus direitos violados".

O Conselho Tutelar de Curitiba, foi criado em 05.06.97, pela Lei Municipal nº 9.008 e

complementado pela Lei Municipal n° 9086, de 17.06.97. Atua através de 8 Conselhos

Tutelares que acompanham a divisão administrativa das Administrações Regionais da

Prefeitura, a saber:

a. Conselho Tutelar do Boqueirão

b. Conselho Tutelar do Pinheirinho

c. Conselho Tutelar do Bairro Novo

d. Conselho Tutelar do Portão

112 DIMENSTEIN, Gilberto. ONU culpa polícia e Justiça por sexo infantil no Brasil. Folha de São Paulo. Jornalismo Comunitário. São Paulo, 19.02.04.113 RIBEIRO, Cássia Gisele. Campanha quer garantir à população o acesso a Conselhos Tutelares. Disponível em http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_noticias/fazendo_diferenca/id300703.htm . Acesso em 09.05.04.

111

e. Conselho Tutelar de Santa Felicidade

f. Conselho Tutelar do Cajuru.

g. Conselho Tutelar da Boa Vista.

h. Conselho Tutelar Matriz

São ao todo 40 Conselheiros, cinco em cada conselho, eleitos pelo voto direto em suas

próprias comunidades.

A Fundação de Ação Social de Curitiba, tem por responsabilidade o trato das questões

de assistência social, em nome da Prefeitura Municipal de Curitiba.

Participa de parcerias com a Polícia Militar nos Projetos Formando e Criança em

Segurança, neste último caso, como parte integrante do Resgate Social, programa que procura

prestar assistência à população de moradores de rua de Curitiba.

4.6 O PODER JUDICIÁRIO

A autoridade judiciária tem papel de destaque na preservação dos direitos e garantias

de crianças e adolescentes, não se restringindo unicamente à aplicação de medidas sócio-

educativas, mas também de outras situações como adoções, por exemplo.

No decreto nº 17943-A, de 12 de outubro de 1927, do jurista Mello Mattos, reunindo

toda a legislação, na Consolidação das Leis de Menores, considerada esta o primeiro Código

de Menores (ver item 1.1, supra), a autoridade judiciária responsável era referida como a

“autoridade a quem incumbir a assistência e proteção aos menores”114, embora o termo “juiz

de menores” já fosse de uso corrente no meio jurídico.

Com o advento do Código de Menores de 1979, sacramentou-se no texto legal o termo

Juiz de Menores, tendo este sido ab rogado apenas no novo Estatuto.

114 BRASIL. Congresso. Senado Federal. Subsecretaria de Edições Técnicas. Código de menores: Lei 6.697/79, comparações, anotações, histórico, por Ana Valderez A.N. Alencar e Carlos Alberto de Souza Lopes. Brasília, 1982. P.350.p.141.

112

Não obstante, a especialização deste magistrado era aspiração dos menoristas da época,

sendo o Código de Menores de 1979, considerado um avanço neste sentido, conforme destaca

o parecer do Relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos

Deputados115, Deputado Claudino Sales:

“A uniformização e a especialização dos Juizados é aspiração antiga de todos os Juízes de Menores, e, por sinal, refletida pelo Projeto, em seu art.119. Uma maneira de ser obtida é assegurar-se que as decisões dos Juízes de Menores, no segundo grau de Jurisidição, sejam examinadas por um corpo de julgadores o mais estável possível. Esse corpo estável, nos tribunais, é o Conselho da Magistratura, existente na organização judiciária de todos os Estados. (DCN – S.I – 17-8-1979, pág. 8.045)”

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente o magistrado designado para

esta função, passou a utilizar a denominação de Juiz da Infância e da Juventude, com base

que estabelece o Capítulo II, “Da Justiça da Infância e da Juventude”, em seu art. 145,

especificamente.

Paulo Nogueira116 destaca que a nova legislação não recepcionou o termo menor, por

considerá-lo estigmatizante, preferindo a ele o termo criança e adolescente. Considera ainda

que não foi coerente utilizar a denominação juventude, no que tange à justiça especializada,

posto o mesmo Estatuto ter fixado o início da adolescência aos 12 anos, o que o autor

considera impróprio, dizendo que tecnicamente a adolescência se inicia aos 14 anos. Se assim

o fez, utilizar o termo juventude, mais abrangente, é chamar de jovem uma criança de apenas

12 anos.

Tânia da Silva Pereira117, afirma que o Estatuto da Criança e do Adolescente rompeu

com a Doutrina Jurídica da Situação Irregular, do anterior Código de Menores, cristalizando

neste a Doutrina Jurídica da Proteção Integral, seguindo a orientação de documentos

115CÓDIGO DE MENORES, op.cit. p.330.116 NOGUEIRA, op.cit.203117 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p.405.

113

internacionais para proteção à criança, como a Convenção Internacional sobre os Direitos da

Criança, ratificada pelo Brasil através do Decreto 99.710/90.

A respeitável professora da PUC do Rio de Janeiro e filha do festejado autor Caio

Mário da Silva Pereira, prossegue salientando, que na vigência da Lei anterior Lei nº

6.697/79 (Código de Menores), estavam sob proteção especial apenas os ditos “menores”

que se enquadrassem dentro de uma das seis hipótese do art.2º do mesmo diploma, que

seriam o abandono material, abandono moral, menor vítima, abandono jurídico, desvio de

conduta e infração penal, atentando apenas para os efeitos de tais “irregularidades”, exceto

algumas poucas medidas especiais de prevenção.

Em Curitiba, é competente para a questão de crianças e adolescentes em situação de

risco a 1ª Vara da Infância e Juventude, que ora se encontra sob a presidência da Juíza Titular

Drª Lídia Munhoz Matos Guedes.118

A vara tem sob sua responsabilidade 670 processos envolvendo crianças e adolescentes

em situação de risco. Para ela, tais processos não se resolvem apenas com uma única decisão

judicial, pois estes têm um forte entrelaçamento com a questão social. Não é apenas o

problema de crianças e adolescentes, mas suas famílias, seu futuro, seu passado. Tudo deve

ser levado em conta no momento de se tomar uma decisão judicial, o que jamais permite

soluções prontas ou rápidas.

A partir do momento em que o procedimento a ser adotado no processo envolva a

necessidade de colocar a criança ou adolescente sob os cuidados de família substituta, na

forma de guarda, tutela ou mesmo o caso de adoção, é competente a 2ª Vara da Infância e da

Juventude.

Aquela representante do Poder Judiciário, considera como principal dificuldade em seu

trabalho, a falta de estrutura dos órgãos de apoio, estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do

118 GUEDES, Lídia Munhoz Matos. Entrevista concedida em 04 mar 2004.Curitiba.

114

Adolescente. A lei determina uma série de medidas que visam a preservação de direitos e

garantias dessas pessoas, estabelecidas não apenas no Estatuto, mas na própria Constituição

Federal.

Com sua experiência, esta juíza afirma que o grande problema hoje em tais questões, é

a questão social por trás delas. Não apenas a miséria ou a desestrutura sociais atuais, mas

muitas questões comportamentais como, por exemplo, a postura dos pais em relação aos

filhos. Muitos deles simplesmente repassam a responsabilidade de dar a educação para os

seus filhos. Alguns, por exemplo, deixam tal mister a cargo da escola, quando esta na verdade

é apenas complementar a tal processo. Tudo isto faz com que tenhamos um estado geral de

má formação da educação da criança e do adolescente, estejam estes em situação de risco ou

não. É mais grave o problema neste último caso, pois muitas vezes as crianças vivem nas

ruas, não têm ou não conhecem seus pais, e mesmo que vivam com eles, estes na maioria dos

casos terão sido criados com uma educação muito precária, pelo ambiente em que tiveram de

se desenvolver.

A magistrada em questão, destaca ainda que, infelizmente, aqueles pais que tiveram

uma boa educação, principalmente nas classes média e alta, também não estão assumindo sua

responsabilidade como educadores de sua prole, permitindo todo o tipo de liberalidade,

havendo inclusive muitas vezes uma inversão do controle dentro do lar, onde os filhos

acabam por determinar aos pais como as coisas devam acontecer. O que dizer então das

crianças e adolescentes que crescem nas ruas? Indaga.

Segundo a entrevistada, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe muitos avanços

ao corrigir falhas do anterior Código de Menores de 1979. Possibilitou a conquista de muitos

direitos, inclusive procurando tutelar não apenas infratores (os “menores”) como o Código

anterior, mas todas as crianças e adolescentes, o que é uma coisa muito importante.

115

Por outro lado houveram falhas, prossegue a Dra Lidia M. Guedes. Muitas disposições

ali contidas são de difícil ou mesmo impossível aplicação, na conjuntura social brasileira do

momento.

Citando um caso prático, afirma que, por exemplo, um adolescente que seja encontrado

fazendo uso de substância tóxica deverá ser recolhido para local adequado. E aí, indaga:

recolhê-lo onde, se não há locais apropriados ou ainda como, pois se o mesmo jovem

simplesmente quiser ir embora do local onde seja posto (uma Casa do Piá119, por exemplo)

ninguém poderá impedi-lo pois o Estatuto proíbe tal impedimento.

Concluindo, como destaca Tânia da Silva Pereira120, a adoção da nova doutrina que

inspirou não apenas a Constituição Federal de 1988, mas também o próprio Estatuto da

Criança e do Adolescente, focou principalmente a questão da determinação da competência,

posto que o novo sistema se aplica à toda a infância e adolescência brasileira, sendo as

medidas de caráter geral e, especialmente, de proteção, incluindo ainda medidas de

prevenção conforme estabelecem os Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente,

preconizados no art. 227 de nossa Constituição.

4.7 O MINISTÉRIO PÚBLICO

O primeiro documento da legislação menorista a citar em capítulo especial o Ministério

Público foi o Código de Menores de 1979, posto que o anterior de 1927, não fazia tal

referência. Nos seus arts. 99 a 92 de forma suscinta citava as atribuições do parquet como

órgão fiscalizador, fazendo referência ao Curador de Menores de forma explícita121. Este

Curador era uma pessoa do povo designada para tal mister, sem ter a mesma preparação

técnica de um Promotor de Justiça. Os críticos do Código de Menores afirmavam que isto

119 Abrigos mantidos pela Fundação de Ação Social da Prefeitura Municipal de Curitiba.120 PEREIRA, op.cit. p.406.121 CODIGO DE MENORES. p.350.

116

reduzia a autoridade de tais promotores: “Exercendo o Curador de Menores as funções do

Ministério Público, importante seria que se exigisse dele a formação especializada,

conforme o fez o art.16 do Substitutivo da Comissão Especial do Senado ao Projeto Nelson

Carneiro.”

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o grande salto ocorrido nas funções

do Ministério Público também se estendeu à legislação específica, tanto que no Estatuto da

Criança e do Adolescente recebeu capítulo específico (cap. V), como já ocorria no Código de

Menores anterior, abrangendo este os arts. 200 a 205, mas também várias outras citações no

Estatuto ampliando em muito suas atribuições.122 O Estatuto não cita mais o Curador de

Menores, exercendo tais funções o representante do MP, quando necessário.

Paulo Nogueira123a este respeito afirma que no que tange à legislação menorista, o

Ministério Público sempre funcionou como curador de menores, revestindo-se tal função de

caráter eminentemente assistencial e fiscalizatório, embora propusesse em alguns casos a

internação do menor em estabelecimento adequado quando tivesse praticado ato infracional

grave ou revelasse periculosidade, o que era perfeitamente justificável, devendo, segundo

relata, prevalecer sempre o interesse social, ainda que tal situação envolvesse criança ou

adolescente.

Prossegue o eminente magistrado, citando o Procurador de Justiça Munir Cury que ”

bem comum e interesse público, sendo expressões que se identificam e se incorporam

reciprocamente, são a grande ânsia finalística do Ministério Público na luta pelo resgate

dos direitos humanos violados, no esforço permanente e na esperança inabalável de

construção de uma sociedade mais justa e fraterna”.

Antonio Chaves citando Antonio Fernando do Amaral e Silva124, assevera que o

Ministério Público não é apenas um órgão de acusação ou defesa, transcendendo tais funções 122 CHAVES, op.cit. p.714 a 730. 123 NOGUEIRA,op.cit. p.269.124 CHAVES, op.cit. p.714.

117

ao mero interesse de uma medida a um jovem ou infante específico, galgando o posto de

responsável pela defesa da ordem jurídica, dos direitos sociais e individuais que são

indisponíveis.

Jeferson Moreira de Carvalho125 afirma que além de ter sua função perfeitamente

definida no Estatuto da Criança e do Adolescente, exercendo suas funções como parte na

defesa ou interesse da criança ou adolescente e de forma mais ampla, tratará de todos os

direitos e interesses de que cuida a lei. Para tanto obedecerá a Lei Orgânica respectiva.

O Estatuto da Criança e Adolescente trouxe, por outro lado, limitações à atuação do

Ministério Público, referidas pelos doutrinadores. É, por exemplo, o fato de poder aforar

demanda a respeito de alimentos, de suspensão e destituição do pátrio poder, de nomeação de

tutores, de curadores e de guardiões, não tratando, porém, da adoção. Poderá obviamente

acompanhar o andamento de tal demanda, mas não propô-la.

Carvalho126 assevera ainda, com referência a isto, que quando foi editado o Estatuto,

foram algumas demandas desta ordem aforadas pelo Ministério Público, mas sua

ilegitimidade ativa era remansada, pela óbvia falta de supedâneo estatutário.

Antonio Chaves, referindo-se à jurisprudência correlata, cita outras limitações127. É o

caso, por exemplo, da capacidade postulatória para requerer em mandado de segurança

perante órgão jurisdicional superior.128

Outra limitação é a de impor sanções, ato característico da atividade jurisdicional.

Mesmo uma simples advertência por escrito, feita pelo Ministério Público já foi considerada

ilegítima.129

125 CARVALHO, op.cit. p.38.126 CARVALHO, op.cit. p.39.127 CHAVES, op.cit.128 RMS 1.456-SP, ADV66.174. 5ª Turma STJ, publ. Em 30.05.1994.129 CHAVES, op.cit. p.725.

118

Para o Dr Olimpio de Sá Sotto Maior130, Procurador de Justiça do Estado do Paraná e

um dos especialistas que trabalhou na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente,

esta nova lei trouxe uma enorme gama de avanços para a correta atenção que devem receber

crianças e adolescentes, da parte do próprio Estado, da sua família e da sociedade em geral.

O novo Estatuto, prossegue o Dr Olímpio, rompeu com a “doutrina da situação

irregular”, adotando a “doutrina da proteção integral”, a qual incumbe á lei assegurar os

direitos de crianças e adolescentes, isto por decorrência do art.227 da Constituição Federal,

priorizando a criança e o adolescente em particular e, de forma genérica, a família.

Considera ainda, que num país como o Brasil, país de extrema desigualdade social e

concentração de riqueza, uma legislação como a anterior que desobrigava o Estado de suas

responsabilidades para com crianças e adolescentes e a família, não poderia dar a devida

proteção a estas pessoas, de modo que sua inadequação era patente.

Proliferavam, afirma, unidades de regime fechado (as FEBEMs). Era possível a

internação sem cometimento de ato infracional, bastando apenas um ato considerado desvio

de conduta. Bastava alguma criança criar algum tipo de problema e estaria ela sujeita à

internação em tais locais.

Com o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, prossegue aquele

procurador, foram estabelecidos não apenas direitos, alguns dos quais já criados pela

Constituição Federal de 1988, mas também mecanismos para a sua execução.

É o caso, por exemplo, das Ações Civis Públicas, que atuarão para a proteção dos

direitos coletivos de crianças e adolescentes, complementa.

O Estatuto, assevera o Dr Olímpio, trouxe uma nova proposta de políticas públicas para

esta categoria de pessoas. É o caso, por exemplo, da Municipalização das ações, buscando-se

a descentralização e fazendo com que tais medidas se regionalizassem, para que as

130 SOTTO MAIOR, Olimpio de Sá. Entrevista concedida em 23.03.04. Curitiba.

119

especificidades de cada parte do país, que é tão grande e tão pluralizado em sua diversidade

cultural, fossem respeitadas, pois estas influem diretamente na vivência de crianças e

adolescentes.

Surgem com a nova lei, continua, os Conselhos de Direitos, em cada localidade, com

representantes de entidades governamentais e da sociedade civil organizada. Busca-se assim,

uma Democracia Participativa: em co-gestão passa-se a estabelecer políticas públicas que

realmente atendam as necessidades de seu público alvo.

Surgem os Conselhos Tutelares, prossegue o Dr Olímpio, os quais passam a fiscalizar o

fiel cumprimento dos ditames estatutários.

Um dos pontos marcantes do novo Estatuto, afirma, é a “regra de ouro” nele contida, de

que toda a criança e adolescente têm o direito de serem criados dentro de sua família de

origem. Apenas a carência material que aflija a família de determinada criança ou

adolescente, não é mais razão para que estes sejam colocados em família substitua, cuidado

que o antigo Código de Menores não tinha. Não se admite mais, por conseguinte, a perda do

poder parental (antigamente chamado pátrio poder), pela simples dificuldade de manutenção

financeira da família considerada, complementa. A responsabilidade de amparar tal família

agora é imputada ao Estado, que deverá, através de programas específicos, dar o devido

atendimento nestes casos. Desta forma o Estatuto da Criança e do Adolescente deixa por

conta de uma excepcionalidade absoluta, a colocação de crianças e adolescentes sob a

responsabilidade de família substituta.

Com referência à questão da escola, o ilustre Procurador coloca, que um ponto crucial é

a inexistência de uma cobertura total à educação infantil. A criança pobre, afirma, tem

dificuldades de inserção no ensino fundamental.

A falta de creches e pré-escola continua aquele procurar-, é um grave problema, posto

que apenas 18% da população tem possibilidade de acesso a estas entidades. Na idade de 3 a

120

4 anos, fase fundamental para a formação da criança, surgem as “ janelas de oportunidades”

que são momentos especiais para o correto desenvolvimento psicológico da criança, os quais

se não forem devidamente aproveitados, por um bom processo de educação, poderão gerar

conseqüências para o resto de suas vidas.

Quanto à questão das chamadas janelas de oportunidades referidas, Maria Clotilde

Rossetti-Ferreira131, Professora titular do Departamento de Psicologia e Educação da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – USP – e coordenadora do

Centro de Investigações sobre Desenvolvimento Humano e Educação Infantil, em trabalho

intitulado “Políticas de atendimento à criança pequena nos países em desenvolvimento”, ao

comentar investimentos feitos por organismos internacionais na educação afirma:

A justificativa científica para a implantação de programas do que passou a ser denominado desenvolvimento infantil, parte de pesquisas baseadas nas neurociências, que sugerem que o potencial de uma criança é definido pelas suas experiências durante os primeiros anos de vida. O Banco Mundial apropriou-se do discurso de que investir no desenvolvimento da criança pequena abre " janelas de oportunidade " (grifo nosso) para o indivíduo posteriormente. Se esse período não for aproveitado, as possibilidades de desenvolvimento ficarão prejudicadas.

Nesta fase também, comenta o eminente procurador, é grave o problema causado pela

desnutrição, que retardará o desenvolvimento intelectual da criança, reduzindo as

possibilidades de que venha a ter um bom rendimento escolar.

O Dr Olímpio cita ainda, algumas afirmações clássicas de crianças pobres, como

“estudei até o primeiro ano porque a tia disse que não adiantava eu continuar na escola” ou

ainda “saí da escola porque a cabeça não ajuda”, entre outras, o que confirma a tese de que a

dificuldade no rendimento escolar de crianças e adolescentes pobres é marcantemente

influenciada pela desnutrição.

131ROSSETI-FERREIRA, Maria Clotilde et alii. Políticas de atendimento à criança pequena nos países em desenvolvimento. Disponível em http://www.scielo.br/scielo. Acesso em 26.03.04.

121

Comenta também, que o FUNDEF apóia o ensino, mas não há apoio ao

desenvolvimento com boa nutrição, creches e pré-escola.

Apenas a título de esclarecimento cabe destacar, que o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF)132 foi

instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei

n.º 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997. A

implantação deste fundo nacionalmente, ocorreu em 1º de janeiro de 1998, momento em que

foi implementado o novo sistema de redistribuição dos recursos destinados ao Ensino

Fundamental. A principal inovação trazida por este novo sistema é a mudança da estrutura

para o financiamento do Ensino Fundamental no Brasil, que vincula a este nível de ensino,

uma parte dos recursos destinados à educação, com base o que estabelece a Constituição

Federal de 1988. Assim, 25% das receitas dos estados e Municípios são destinados à

educação. Com o advento da Emenda Constitucional 14/96, 60% destes recursos,

representando este montante 15% da arrecadação total dos Estados e municípios, ficam

reservados para o Ensino Fundamental (1ª a 8ª série do antigo 1º grau).

Quanto à questão do trabalho infantil, acredita que se houvesse pleno emprego, renda

familiar mínima e assistência social como fala a Constituição Federal, seriam eliminados

90% dos problemas.

No que tange ao trabalho infantil, prossegue, há um componente cultural forte. Há uma

série de equívocos que norteiam a postura da sociedade em relação ao trabalho de infantes e

adolescentes. É o caso, cita, da idéia de que “é melhor trabalhar do que roubar”, quando se

deveria, isto sim, se oportunizar melhores condições de estudo. Outro equívoco é o de que o

trabalho precoce pode mudar a condição social da criança ou adolescente. Isto gera uma série

132MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. http://www.mec.gov.br/sef/fundef/funf.shtm. Acesso em 26.03.04.

122

de deficiências no seu desenvolvimento, reduzindo sua capacidade laborativa no presente e

no futuro, quando então farão parte de uma legião de indigentes que perambulam pelas

cidades, sem condição de se auto sustentarem.

Há ainda, complementa, a questão de que o trabalho infantil é mão de obra barata que

substitui a mão de obra adulta, o que incentiva por parte da sociedade a constante

realimentação do sistema por cada vez mais crianças e adolescentes, sendo explorados no

trabalho que venham a desempenhar.

Com referência ao papel da polícia na questão de crianças e adolescentes em situação

de risco, afirma que os problemas são vários.

Primeiramente lembra que não há delegacias especializadas para tratar de crianças

vítimas de crimes. Seria um grande passo a sua criação, posto se poderia dar um tratamento

mais adequado a tais situações.

O Dr Olímpio entende ainda que há uma grande ignorância quanto ao Estatuto, não

apenas por parte de policiais, mas também da sociedade como um todo. As pessoas são

contra o Estatuto sem conhecê-lo. É freqüente, segundo ele, ouvir-se dizer que o “o policial

está de mão atadas” no que diz respeito a crianças e adolescentes envolvidos em ocorrências

policiais. Cita inclusive o caso de pessoas que procuraram policiais após serem vitimas de

crianças ou adolescentes e receberam a resposta do policial de que não poderia fazer nada

porque o Estatuto não permitia. Há um imobilismo gratuito, afirma, como se a lei assim o

determinasse.

Há também o fato, prossegue, de que as pessoas do povo e a própria polícia nutrem um

sentimento de revolta contra crianças e adolescentes, como se fossem responsáveis pela

criminalidade.

O Dr Olímpio conclui, comentando que o papel fundamental da sociedade seria, antes,

pressionar o Poder Público a dar melhores condições para crianças e adolescentes ao invés de

123

apenas recriminá-los. Também uma melhor capacitação do policial para esta finalidade, nos

cursos de formação e reciclagem da polícia, seria fundamental para termos melhores

resultados em situações envolvendo crianças e adolescentes e a polícia.

Como salienta Paulo Nogueira133, com a criação do Estatuto da Criança e do

Adolescente as funções do Ministério Público foram bastante ampliadas. Busca-se assim a

proteção do interesse público e social, pano de fundo do qual se destaca a figura de crianças e

adolescentes, os quais são merecedores de toda a atenção e cuidado das autoridades

representantes do Poder Público. Ressalta ainda, que não seria pelo fato de por vezes ter de

representar contra um adolescente infrator, propugnando pela aplicação de medida sócio-

educativa, que seu mister como fiscalizador e protetor estará desfigurado, pois ainda que em

caso de processo crime contra adulto, pode e tem pedido a absolvição, assim como o próprio

magistrado tem buscado suprir falhas da defesa em nome de uma possível absolvição. Como

agente do Poder Público, prossegue134, que busca a punição da pessoa que praticou delito, sua

função reveste-se de características reeducativas, sociais e intimidativas, que se destinam

diretamente ao reeducando e de forma indireta à sociedade.

Para o representante do Ministério Público junto à 1ª Vara da Infância e Juventude da

Comarca de Curitiba, Dr Marco Aurélio São Leão, o advento do novo Estatuto da Criança e

do Adolescente trouxe uma gama muito grande de avanços para os direitos das crianças e

adolescentes.

Entre os avanços está a criação dos Conselhos Tutelares, que na sua opinião dividem

com a sociedade a responsabilidade pela administração das situações envolvendo crianças e

adolescentes. Lamenta, no entanto, que o número de Conselhos e Conselheiros disponíveis

ainda esteja longe do número ideal.

133 NOGUEIRA, op.cit. p. 269.134 NOGUEIRA, op.cit. p. 270.

124

Outro avanço importante, segundo esse Promotor de Justiça, foi a exigência para que as

Varas de Infância e Juventude não apenas se especializassem em tal mister, mas se

aparelhassem para tanto, com a presença de assistentes sociais, psicólogos, pedagogos,, entre

outros.

O mesmo representante do Ministério Público afirma ainda que o novo Estatuto tem

sido vítima de interpretações errôneas a respeito de aspectos importantes ali contidos. Um

dos casos seria a acusação freqüente de que a nova legislação teria gerado prejuízos à família

brasileira estabelecendo direitos excessivos para crianças e adolescentes, o que seria

responsável, segundo os críticos, pela desagregação familiar em muitos casos. O Dr Marco

Aurélio rebate tal afirmação, lembrando que a crise na instituição familiar é uma decorrência

da própria crise de valores que atravessa não só a sociedade brasileira mas também a

sociedade mundial. Ainda que o Estatuto não tivesse sido promulgado, salienta, teríamos tal

crise. Afirma também, que realmente o que está causando desagregação familiar é o

desemprego, a dificuldade de ingresso do jovem no mercado de trabalho, falta de assistência

à família. Isto sim estaria provocando a “quebra” da instituição familiar brasileira.

Outra coisa importante trazida pelo novo Estatuto, prossegue, seria o fato de ser esta lei

uma das primeiras a incorporar os direitos de 3ª geração, direitos sociais, no Ordenamento

Jurídico pátrio. Cita especificamente o caso, por exemplo, da mãe que dá à luz a uma criança,

ter direito a permanecer com esta em seus aposentos durante todo o período de internação

hospitalar decorrente do parto.

Aquele promotor ainda comenta, que a própria concepção do dever do pai em relação

aos filhos teve uma mudança radical desde o tempo do pater famílias do Direito Romano,

onde o chefe da família tinha apenas direitos em relação aos filhos inclusive direito de morte

sobre estes. Tal concepção veio se alterando na legislação e já ao tempo do Código Civil de

1916 esta já fora mudada havendo, dos pais para com os filhos, não apenas direitos mas

125

também deveres. Isto foi ainda mais ampliado após o novo Estatuto, no intuito de se garantir

a crianças e adolescentes, como pessoas especiais em situação de desenvolvimento, todas as

condições de um desenvolvimento saudável.

A respeito do trabalho da polícia, ressalta que o policial de hoje está preparado para

outro tipo de ação, que não situações envolvendo crianças e adolescentes. Normalmente em

uma ocorrência policial, prossegue, a principal arma do adolescente infrator é afrontar o

policial, ao que o policial muitas vezes responderá com o uso de força, o que muitas vezes

não seria a medida adequada. Lembrou ainda, que crianças e adolescentes em situação de

risco não estão cometendo atos infracionais pelo simples fato de estarem em tal situação, o

que por vezes não é observado por policiais no momento em que abordam tais pessoas.

Conclui aquele representante do Ministério Público, afirmando que para o

enfrentamento dos problemas envolvendo crianças e adolescentes em situação de risco, são

necessárias estratégias globais, que envolvam tanto o governo como todos os setores

sociedade organizada.

4.8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Tendo em vista a grande preocupação com o trabalho infantil e com seus efeitos

nefandos para o desenvolvimento e gozo de direitos e garantias de crianças e adolescentes,

constitui-se como de fundamental importância a figura do Procurador do Trabalho, órgão do

Ministério Público Federal, que presta especial cuidado à esta questão. Além das disposições

constitucionais e estatutárias, este órgão conta, como aparato legal, com disposições na

Consolidação das Leis do Trabalho.

Na área abrangida por Curitiba e Região Metropolitana, foco central deste trabalho,

acha-se exercendo esta função a Procuradora do Trabalho Margaret Mattos135, a qual a exerce

135 Entrevista...

126

há cerca de dois anos. Seu trabalho, segundo relata, é bastante intenso, tendo em vista não

apenas a fiscalização das relações trabalhistas de todo o cidadão dentro da circunscrição

referida acima, mas também de crianças e adolescentes, os quais conforme o sistema legal

vigente, merecem especial atenção como “pessoas especiais em fase de desenvolvimento”.

Seu trabalho, nesta área, visa principalmente o combate ao trabalho infantil, pelos

efeitos nefandos que acarreta ao desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Entre os muitos dados apresentados por aquela procuradora, estão documentos

produzidos pela Organização Internacional do Trabalho que relatam que cerca de 250

milhões de crianças entre 5 a14 são economicamente ativas em todo o mundo136, em

desacordo com a legislação internacional e nacional dos países pesquisados, recebendo ou

não salário por tal empreitada. Este salário, quando é percebido, está bem abaixo dos valores

pagos a adultos, ainda que exerçam as mesmas funções. As meninas normalmente se ocupam

de tarefas domésticas enquanto os meninos exercem atividades diversas, freqüentemente

exaustivas, insalubres, sendo estas um dos grandes fatores de evasão escolar. Ocorrem ainda

outros problemas, como o abandono familiar por parte destes, violência física ou mesmo

sexual no local de trabalho, havendo também freqüentes relatos de escravidão ou semi-

escravidão, principalmente em países subdesenvolvidos

136ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Crianças no narcotráfico: um diagnóstico rápido. Jailson de Souza e Silva e André Urani (coordenadores). Organização Internacional do Trabalho; Ministério do Trabalho e Emprego. Brasília:OIT. 2002. 108p.

127

5 CONCLUSÃO: O FUTURO DE NOSSAS CRIANÇAS

Como parte final deste trabalho, apresentamos a seguir as principais conclusões a que

chegamos, bem como propostas para a resolução dos problemas aqui levantados.

5.1 NO QUE TANGE À POLÍCIA

a. Não obstante os policias entrevistados se considerem em sua maioria razoavelmente

ou bem preparados com relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, observa-se

que necessitam de uma maior esclarecimento a respeito do que esta lei estabelece.

b. Nesta esteira, o treinamento e capacitação dados ao policial militar no que tange á

questão dos direitos humanos, legislação em geral e procedimentos gerais de serviço,

na questão específica de crianças e adolescentes “de rua”, não estão atingindo seus

objetivos. Os fatos apontados na pesquisa pelas crianças e adolescentes entrevistados,

mostram que, via de regra, alguns policiais, principalmente quando atuam

isoladamente, não se atêm a aspectos legais ou procedimentais de forma condizente.

c. Mais do que apenas uma mudança no que tange ao sistema de atuação da polícia, tudo

deve começar por uma mudança na cultura do serviço policial, que em alguns

aspectos é ultrapassada, mostrando-se, por vezes, violenta, corrupta e preconceituosa.

Há assim a necessidade de adaptar-se à nova mentalidade necessária aos dias de hoje,

posto que a Corporação não pode depender apenas da fiscalização para não enveredar

para o campo da ilegalidade. Isto deve em verdade, ser uma concepção própria do

policial, mostrando que ele realmente está consciente do seu papel como protetor da

sociedade (da qual também fazem parte crianças e adolescentes em situação de risco)

e não um perpetrador de ações abusivas, cada vez que lhe pareça que “não há

ninguém olhando”.

d. As pressões e tensões que o policial enfrenta em seu trabalho, precisam ser

trabalhados por serviço profissional adequado, haja vista um certo número de

policiais não se encontrar em condições psicológicas e emocionais adequadas de

prestar serviços de segurança pública, a exemplo do que já ocorre através dos serviços

do SAS, já descrito. Neste caso se propõe a expansão de tal atendimento ;

e. A estrutura corporativa, por suas limitações de recursos humanos e materiais,

dispende grande esforço em dar capacitação plena ao policial militar, ou pelo menos,

mantê-la em níveis de excelência, esmagada que sempre acaba, sob o peso da

urgência da missão policial em contraposição á grande demanda por tais serviços.

5.2 NO QUE TANGE ÀS DEMAIS INSTITUIÇÕES

a. O Poder Público ainda não adequou a realidade estatal para as disposições do

Estatuto da Criança e do Adolescente. Número insuficiente de abrigos, de

funcionários nos setores afins, de conselhos tutelares e muitas outras

disposições estatutárias essenciais não cumpridas, fazem morrer na letra da lei

muitas das vantagens que esta procurou criar, principalmente a respeito de

direitos e garantias de crianças e adolescentes.

b. O Poder Público não está exercendo sua função como promotor do bem estar

social, na medida das demandas atuais, de molde que a desestrutura de outras

instituições correlatas como a família, a escola e o trabalho, entre outras, acaba

gerando conseqüências negativas para crianças e adolescentes, fazendo deles as

grandes vítimas da incompetência governamental.

c. O desconhecimento das disposições estatutárias gera mitos, dificuldades e

distorções, fazendo com que, em função disso, acabe patrocinando impunidade,

indisciplina infanto-juvenil e má-vontade contra esta lei, que se bem aplicada

129

pode ajudar a reverter o quadro social trágico a envolver a clientela objeto

deste estudo.

5.3 PROPOSTAS

Um passo importante para os avanços pretendidos seria a melhoria da qualidade da

instrução na formação e manutenção dos conhecimentos, atitudes e habilidades do policial,

na questão da infância e adolescência em situação de risco.

A Academia Policial Militar do Guatupê, como grande Centro de Formação,

Especialização e Aperfeiçoamento de Policiais Militares, encontra-se estruturada em

departamentos que englobam assuntos afins de interesse, para a melhor capacitação destes

para a sua missão legal.

Ocorre que disciplinas que abordam a questão Estatuto da Criança e do Adolescente,

dos Direitos Humanos e Polícia Comunitária, dispõem de cargas reduzidas, que acabam

tendo mais a função de dar se noções a respeito de tais matérias ao policial em treinamento e

não sua formação efetiva nestas. Propõe-se assim, o estudo do Estatuto da Criança e do

Adolescente como disciplina própria, com instrutores treinados e não apenas como parte da

disciplina de Direito Penal como ora acontece.

É fundamental assim, no nosso humilde entender, fomentar a difusão de tal tecnologia

no seio corporativo policial militar, propondo o aumento de cargas horárias em tais

disciplinas, a sua inclusão nos cursos que ainda não as possuem, bem como fomentar debates,

promover encontros, simpósios e conferências.

Outra proposta seriam incentivar, intercâmbios com outros estados e países sobre tais

assuntos, com apoio de entidades da comunidade, conforme já ocorreu, como o Rotary Club,

Lions, além de ONGs no Brasil e no mundo, intercâmbios estes que raramente têm

acontecido na Corporação.

130

Como avanço necessário para atingirmos níveis de excelência no trabalho policial, urge

a evolução da cultura policial, hoje existente, para a Filosofia e Estratégia de Polícia

Comunitária na PMPR.

Tal filosofia, por ser altamente arraigada ao respeito aos direitos humanos, deve ser

definitivamente implementada. Até o momento cerca de 5.000 policiais foram treinados em

tal filosofia, como já se disse anteriormente. É fundamental que os 20.000 homens previstos

para a Corporação Policial Militar recebam tal capacitação, para que isso signifique uma

mudança cultural no policial militar e não apenas mais um rótulo de policiamento eleitoreiro,

que venha a desaparecer na próxima mudança de bandeira política do governo, como muitas

vezes aconteceu em nosso Estado e em outras unidades da Federação.

Mais do que apenas investir em armamento, munição, viaturas e equipamento, mas

acima de tudo é fundamental investir no ser humano policial, fortalecendo sua auto estima e

lhe dando condições físicas e psicológicas para bem desempenhar seu trabalho. Isto já tem

sido praticado pelo atual Comando da Corporação, no que este trabalho pretende apenas

colaborar com dados científicos, para apoiar e respaldar tais ações.

Outra meta a ser alcançada seria a ampliação do Serviço de Ação Social da Polícia

Militar. O correto tratamento dos problemas emocionais e psicológicos enfrentado pelo

policial, conforme descrito neste trabalho, poderão fazer com que se reduza o número de

casos de violência policial, entre outros.

O aumento do número de profissionais que hoje atendem no Serviço de Ação Social da

PMPR, bem como ampliação das suas instalações, equipamentos e recursos investidos, no

sentido de aumentar a capacidade de atendimento bem como a sua qualidade, não só na

Capital do Estado, mas também estendendo este serviço para o Interior do Paraná, é fator

fundamental para uma boa infra-estrutura de apoio para o policial militar, no afã de que ele

não apenas se preserve como ser humano preserve a integridade da sua família e, em função

131

disto, se torne mais eficiente e eficaz como prestador de serviços de segurança pública à

comunidade paranaense. Esta é outra meta buscada pelo Comando Geral da PMPR, na pessoa

do Cel QOPM Davi Antonio Pancoti, o qual prepara uma expansão deste serviço, conforme a

pesquisa indicou ser medida acertada.

Também a ampliação dos Projetos Formando o Cidadão e Criança em Segurança se

apresenta como proposta viável.

Estes projetos têm demonstrado sua eficiência no atendimento a crianças e adolescentes

em situação de risco. Ocorre que a estrutura de que dispõe não está adequada às demandas

para abrangência de uma fatia maior da clientela necessitada de tal serviço. Sua ampliação,

com o aumento da participação do governo e da população civil é indispensável, posto que o

número de atendimentos oscila em função da dificuldade de recursos, bem como é limitado o

número de vagas para crianças e adolescentes, o que deveria ser aumentado com urgência.

Paralelamente a ações preventivas no atendimento a crianças e adolescentes em

situação de risco, é fundamental a intensificação de ações repressivas contra aqueles que se

locupletam pela exploração desta clientela em todas as suas formas.

Não apenas a questão de exploração sexual, mas também na questão de exploração do

trabalho infantil urgem de medidas enérgicas dos órgãos responsáveis em ações encetadas

por equipes multidisciplinares, no estilo de atuação da Ação Integrada de Fiscalização

Urbana (AIFU). Esta é composta por integrantes da Polícia Militar do Paraná, Prefeitura

Municipal, Corpo de Bombeiros, Conselhos Tutelares, Ministério Público, Ministério Público

do Trabalho, entre outros, onde cada integrante executa sua missão legal específica em cada

local ou situação abordada, consistindo-se numa das formas mais efetivas de resposta a este

tipo de ilícito.

132

É importante também a intensificação das operações de combate ao tráfico de drogas

principalmente na periferia de Curitiba, principalmente nos chamados bolsões de pobreza,

bem como nos municípios da Região Metropolitana.

O cenário do tráfico de drogas não apenas em Curitiba e no Estado do Paraná, mas

principalmente em Estados como Rio de Janeiro e São Paulo, tem demonstrado os riscos da

ausência de uma política realmente eficaz de combate a este tipo de ilícito. As ações

repressivas ao narcotráfico não são apenas uma questão de importância para a preservação

dos direitos de crianças e adolescentes em situação de risco, mas para a própria preservação

dos direitos de cada cidadão, principalmente no aspecto direito à vida, freqüentemente posto

à prova, toda vez que o tráfico de drogas espraia seus tentáculos nas cidades brasileiras.

Paralelamente a trabalhos preventivos de apoio ao bom profissional de polícia é

indispensável a intensificação das ações repressivas contra a corrupção e a violência policial,

através da aplicação de medidas penais e administrativas cabíveis, não apenas no que diz

respeito a serem os responsáveis por tais práticas condenados, mas também excluídos

sumariamente do estado ativo na Corporação, para que se estirpe tais perpetradores do seio da

força policial, a exemplo do que já vem ocorrendo, na Polícia Militar do Paraná.

Também seriam importantes projetos de popularização do Estatuto da Criança e do

Adolescente. Com apoio de todos os segmentos da sociedade (governo, polícia,

universidades, empresários, comunidade, imprensa) se faria um trabalho amplo de divulgação

e esclarecimento das disposições estatutárias em vocabulário simples, através de palestras em

escolas, cartilhas, folderes, nos jornais, revistas, na televisão e no rádio.

Também a criação de Centros Regionais de Atendimento à Criança e ao Adolescente

em Situação de Risco e a suas famílias seria uma medida de relevo para a solução dos

problemas aquilatados ao longo deste estudo.

133

A importância de que crianças e adolescentes em situação de risco sejam atendidas em

suas necessidade básicas de forma regionalizada é marcante. Para isso seriam constituídos

estes centros regionais de atendimento, para que essas pessoas fossem atendidas na região

onde moram.

Também a necessidade de que tais centros fossem construídos em número adequado

deve ser levada em conta, o que aponta para uma maior participação da iniciativa privada,

das ONG e da população em geral. Isto poderia ser feito a través de programas

governamentais de incentivo ao voluntariado, como, por exemplo, a possibilidade de que o

serviço militar obrigatório fosse substituído por um período igual de prestação de serviço a

programas de assistência social, remunerado pelo governo, ao invés de se investir em grandes

contingentes de tropas federais que permanecem aquarteladas e ociosas em grande parte do

tempo de serviço militar, só sendo usados em serviços comunitários excepcionalmente, o que

na atual conjuntura é um prejuízo enorme para o interesse público.

Estes centros contariam com estrutura física adequada, profissionais do serviço público

e voluntários da comunidade para acolher esta clientela, bem como dispensar-lhe

atendimento de qualidade, com atividade de saúde, laser, capacitação em artes e ofícios entre

outros.

Como proposta fundamental, o incentivo à participação da comunidade na resolução

dos problemas sociais se assevera como indispensável.

Somente a participação comunitária pode reverter o quadro social que hoje

enfrentamos. Somente parcerias entre o Poder Público e todos os outros setores da sociedade

terão a eficiência necessária que o momento conjuntural brasileiro e mundial exige.

Toda e qualquer iniciativa na busca das soluções para os problemas que hoje

enfrentamos deve começar pela participação social, o que deve ser incentivado não apenas

pelo poder estatal, mas por todo o cidadão.

134

Concluindo, de tudo que aqui se expôs, está claro que a urgência na luta pela mudança

da realidade social que envolve crianças e adolescentes se impõe.

E como é fácil deduzir de tudo o que aqui se expôs, mais do que nunca, o Poder Público

e a Sociedade como um todo, precisam compreender que apenas cobrar mudança de

comportamento dos protagonistas deste estudo, isto é crianças e adolescentes de um lado e

policiais de outro é uma postura comodista e absolutamente ineficaz. Isto porque os

verdadeiros responsáveis por tais comportamentos indesejáveis não estão nas ruas. Não é

culpa exclusiva do policial de rua seu comportamento impróprio e sim, de todo o Sistema de

Segurança Pública e de órgãos de governo afins, que determinam a política institucional

deste. Não é culpa exclusiva de crianças e adolescentes em situação de risco sua conduta

marginalizada e por vezes violenta. Em verdade pouca ou nenhuma culpa lhes cabe, e sim á

Sociedade que fecha os olhos para os seus filhos excluídos, abandonados, esquecidos, como

lixo que se tenta varrer para debaixo do tapete da hipocrisia de uma sociedade que cobra o

que nega: cobra respeito mas não respeita, cobra padrões de conduta de retidão e lisura, mas

não se porta dentro destes padrões. É culpa uma vez mais de uma tradição de políticas

públicas imediatistas e eleitoreiras, onde as ações positivas dos governos estão apenas nos

discursos e não na prática estatal.

De toda uma tradição histórica, social e policial como descrevemos, resultou a

realidade das ruas brasileiras: o império do abandono, o “Império das Casas Abandonadas”.

Um mundo paralelo com todo um sistema de valores próprio, ditado não pelos princípios de

ética e moral convencionais, mas sim pela ética da luta pela sobrevivência a qualquer custo.

Uma simples casa abandonada pode ser um castelo, um abrigo, um esconderijo. Um lugar

onde crianças e adolescentes “de rua” podem encontrar descanso, lazer, proteção, sofrimento

escravidão ou mesmo a morte. Os mais fortes dominarão aquele lugar como puderem, como

imperadores de um império maldito. Os fracos serão dominados e se sujeitarão ao que for

135

preciso para sobreviver. Nos chamados “mocós”, casas abandonadas no meio urbano, é assim

que a vida é. É assim que “dá para ser”.

Estes lugares de abandono e horror, são o ponto central em torno do qual gira a vida de

crianças e adolescentes que realmente vivem “na rua”, ponto central de nosso estudo.

Como nas grandes guerras, os responsáveis pelo confronto urbano que vemos, não

estão nestes campos de batalha em que nossas ruas se transformaram. Estão nos gabinetes

públicos e particulares, onde o chão sempre é acarpetado, o café quente e o ar condicionado.

Quem está nas ruas de ambos os lados deste confronto, entre policiais de rua e os excluídos

do sistema, marginalizados ou não, são as vítimas de um sistema que tem transformado

nossa terra e nossa gente, nosso Brasil amado, tão maravilhoso e cheio de possibilidades,

num lugar com as nuances de um Inferno, muito pior do que o concebido por Dante.

Uma drástica mudança de toda a estrutura social e comportamental brasileira é

fundamental e indispensável, antes que percamos todas as chances de restabelecer nosso

caminho de superação de tais problemas. Ainda não é tarde. Ainda há tempo.

Entre tais mudanças radicais, o efetivo apoio à infância e à adolescência e a

reestruturação e humanização da polícia, são condições sine qua non para que as cifras

negras retratadas neste trabalho se revertam em níveis aceitáveis.

Se não a sociedade não der a devida atenção àqueles que são meninos de rua hoje, num

futuro não muito distante, pagará um preço muito alto por essa omissão.

Nós também amamos a vida

Para vocês vida bela/ Para nós favelaPara vocês carro do ano/ Para nós resto de panoPara você luxo/ Para nós lixoPara vocês escola/ Para nós pedir esmolaPara vocês ir à lua/ Para nós morar na ruaPara vocês coca-cola/ Para nós cheirar colaPara vocês avião/ Para nós camburão

136

Para vocês academia/ Para nós delegaciaPara vocês piscina/ Para nós chacinaPara vocês imobiliária/ Para nós Reforma AgráriaPara vocês compaixão/ Para nós organizaçãoPara vocês tá bom, felicidade/ Para nós...igualdade

Nós também queremos viver !

Fundação Educacional Meninos e Meninas Profeta Elias(Casa dos Meninos de Quatro Pinheiros)

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