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Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 4 | n. 8 | jul./dez. 2002. 175 IMPOSSIBILIDADE DE AÇÃO MONITÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA Ailton Stropa Garcia 1 Tema que vem dividindo os juristas de todo o país, é o que trata da possibilidade do uso da Ação Monitória contra a Fazenda Pública. Por um lado, um grande número deles acha plenamente possível que se use o novo instituto legal contra a União, Estados, Municípios e Autarquias. De outro lado, outro grande número de doutrinadores acha que a nova modalidade de ação não pode ser usada contra o Poder Público. De um lado e de outro, várias são as razões, como veremos, a seguir, em algumas citações que faremos. Embora cada um tenha formado opinião a favor ou contra, não temos visto quem se dispôs a estudar o tema profundamente. Não será este, também, o objetivo de nosso trabalho. Faremos um estudo com “alguma” profundidade, já que o tema tem muitas implicações e, enveredar por todas elas, demandaria muito mais tempo do que o que temos tido. Ao final dele, esperamos, teremos convencido a todos que não há qualquer possibilidade de o particular acionar a Fazenda Pública utilizando- se do procedimento previsto nos artigos 1102a, 1102b e 1102c do Código de Processo Civil. A OPINIÃO DE ALGUNS JURISTAS O insígne mestre J. E. Carreira Alvim deixa claro em uma de suas obras 2 , que o particular pode se utilizar da Ação Monitória contra a Fazenda Pública, tanto no caso de execução para entrega de coisa, como na execução por quantia certa. Segundo ele, não há qualquer incompatibilidade entre a nova ação e as pretensões de se buscar, da Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, ou, ainda, de autarquia, pagamento de soma de dinheiro, esteja 1 Professor no Curso de Direito da UNIGRAN. Mestrando em Direito Constitucional UnB/Unigran. 2 ALVIM, J. E. Carreira. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL REFORMADO, 2ª ed. rev. e atual., Belo Horizonte, Del Rey, 1995, páginas 339 e 340.

IMPOSSIBILIDADE DE AÇÃO MONITÓRIA CONTRA A … · de cognição sumária e de execução sem título. 7 Para SIDNEI AGOSTINHO BENETI, em sua “AÇÃO MONITÓRIA DA REFORMA PROCESSUAL”,

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Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 4 | n. 8 | jul./dez. 2002. 175

IMPOSSIBILIDADE DE AÇÃO MONITÓRIA CONTRA AFAZENDA PÚBLICA

Ailton Stropa Garcia1

Tema que vem dividindo os juristas de todo o país, é o que trata dapossibilidade do uso da Ação Monitória contra a Fazenda Pública.

Por um lado, um grande número deles acha plenamente possível que seuse o novo instituto legal contra a União, Estados, Municípios e Autarquias.

De outro lado, outro grande número de doutrinadores acha que a novamodalidade de ação não pode ser usada contra o Poder Público.

De um lado e de outro, várias são as razões, como veremos, a seguir,em algumas citações que faremos.

Embora cada um tenha formado opinião a favor ou contra, não temosvisto quem se dispôs a estudar o tema profundamente.

Não será este, também, o objetivo de nosso trabalho. Faremos um estudocom “alguma” profundidade, já que o tema tem muitas implicações e,enveredar por todas elas, demandaria muito mais tempo do que o quetemos tido.

Ao final dele, esperamos, teremos convencido a todos que não háqualquer possibilidade de o particular acionar a Fazenda Pública utilizando-se do procedimento previsto nos artigos 1102a, 1102b e 1102c do Códigode Processo Civil.

A OPINIÃO DE ALGUNS JURISTAS

O insígne mestre J. E. Carreira Alvim deixa claro em uma de suas obras2 ,que o particular pode se utilizar da Ação Monitória contra a FazendaPública, tanto no caso de execução para entrega de coisa, como naexecução por quantia certa.

Segundo ele, não há qualquer incompatibilidade entre a nova ação e aspretensões de se buscar, da Fazenda Pública, seja ela federal, estadual oumunicipal, ou, ainda, de autarquia, pagamento de soma de dinheiro, esteja

1 Professor no Curso de Direito da UNIGRAN. Mestrando em Direito Constitucional UnB/Unigran.2 ALVIM, J. E. Carreira. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL REFORMADO, 2ª ed. rev. e atual., BeloHorizonte, Del Rey, 1995, páginas 339 e 340.

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ela representada por um cheque que tenha perdido a eficácia de títuloexecutivo, por um empenho ou por qualquer outro documento de créditoque atenda aos requisitos legais, a exemplo do que já se faz pela viaordinária, vez que tanto um como o outro procedimento possibilita acognição plena, a partir de quando a pessoa jurídica de direito públicointerno ofereça embargos.

Caso a Fazenda Pública não ofereça embargos, prossegue o autor, forma-se o título executivo judicial e a ação tem continuidade como execuçãopara entrega de coisa ou para pagamento de quantia certa, o que enseja apossibilidade de novos Embargos, agora nos estreitos limites do artigo741 do CPC.

O renomado professor Nelson Nery Júnior também pensa ser possívelo uso da Ação Monitória contra a Fazenda Pública, mas mostra algumareserva, tanto quando usa a expressão “em tese”, como quando não incluia execução por quantia certa3 .

O professor Vicente Greco Filho4 , que há anos se dedica ao DireitoPúblico, não concorda as opiniões acima.

Para ele, título executivo judicial apto a valer contra a Fazenda Pública,deve ter sido objeto de demanda judicial, processo de conhecimento puro,onde se tenha observado o princípio do duplo grau de jurisdição. E mais:como a Constituição Federal, em seu artigo 100, disciplina que a cobrançada Fazenda Pública se fará via ofício requisitório e por meio de dotaçãoorçamentária, não admite que se possa expedir, contra ela, ordem depagamento, assim como não se pode penhorar seus bens.

O mestre José Rogério Cruz E Tucci, da mesma opinião, afirma que oprocedimento traçado para a execução por quantia certa contra a FazendaPública não se amolda às particularidades da ação monitória e conclui

3 Este é o texto do autor ao qual nos referimos: “A ação monitória pode ser dirigida, em tese, contra a fazendapública (entrega de coisa certa ou incerta), com as limitações impostas pela CF 100 e CPC 730 ss. O óbice deque não haveria título executivo contra a fazenda não pode ser aceito porque a decisão que defere a expedição domandado tem eficácia de título executivo judicial, caso não haja interposição de embargos.” (JÚNIOR, NelsonNery. ATUALIDADES SOBRE O PROCESSO CIVIL: A REFORMA DO CÓDIGO CIVILBRASILEIRO DE 1994 E 1995, 2 ed. rev. e ampl., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1996, p.228).4 in CONSIDERAÇÕES SOBRE A AÇÃO MONITÓRIA”, Revista de Processo, Editora Revista dosTribunais, número 80, páginas 155 a 158,

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que contra ela não se expede ordem de pagamento.5 Para encerrar, anota-se a opinião de Antônio Raphael Silva Salvador6 , de extrema lucidez.

Conforme ele bem explica, a expedição de mandado de pagamentocontra a Fazenda Pública, ponto inicial da ação monitória, é o principalóbice, primeiro porque esta têm direitos indisponíveis e já se disciplinouum procedimento executivo especial para que dele se sirvam seus credorese, segundo, porque a Fazenda Pública não tem como cumprir tal mandado,já que depende de orçamento e destinação de verbas e deve observaruma ordem de precatórios.

O autor sustenta tal ponto de vista, mesmo no caso de execução paraentrega de coisa certa, porque quem recebe a ordem de entrega não temdisponibilidade do bem público, qualidade que só poderia ser retirada viasentença judicial, através de processo de cognição.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A AÇÃO MONITÓRIA

A Ação Monitória foi introduzida em nosso ordenamento jurídico, pelaLei Federal número 9.079, de 14 de julho de 1995, que acrescentou aoLivro IV, Título I, do Código de Processo Civil de 1973, o Capítulo XV,contendo os artigos 1102a, 1102b e 1102c.

Integra um conjunto de leis oriundas do esforço de toda a comunidadejurídica do país, visando desburocratizar e racionalizar a Justiça, tornando-a mais célere e eficaz, minimizando as dificuldades que os credores, que

5 Veja na íntegra a idéia do autor: “É bem de ver, por outro lado, que, a execução contra a Fazenda Públicasomente pode lastrear-se em título judicial, de modo que o detentor de título extrajudicial, como uma verdadeiraexceção à regra geral prevista no Código de Processo Civil, mas justificada pela peculiariedade dos princípios queinformam o direito público, deve propor ação de conhecimento para a obtenção de título judicial, para, tão-só emseguida, promover a respectiva execução. A ação monitória, diante dessa orientação, seria então o remédioindicado para que o credor, portador de título extrajudicial, pudesse obter, em espaço temporal abreviado, títulojudicial contra a Fazenda, não fosse o disposto no art. 730 do Código de Processo Civil. É que o procedimentotraçado para a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública não se amolda, de modo algum, àsparticularidades que conotam o da ação ora examinada. Destarte, seria realmente impraticável admitir-se aemissão de uma ordem de pagamento, exarada no ”bojo” do procedimento monitório, dirigida à Fazenda Pública.Basta atentar-se para a regra do inciso II do apontado dispositivo, impositiva do “pagamento na ordem deapresentação do precatório”, para concluir-se pela inadmissibilidade da ação monitória em face da FazendaPública. A inadequação desse meio processual, no caso de crédito de quantia certa, resulta flagrante.” TUCCI,José Rogério Cruz e. (AÇÃO MONITÓRIA: LEI 9079, DE 14.7.1995, 1 ed., 2 tir., São Paulo, EditoraRevista dos Tribunais, 1995, p. 66/67).6 SALVADOR, Antonio Raphael Silva. DA AÇÃO MONITÓRIA E DA TUTELAJURISDICIONAL ANTECIPADA, São Paulo, Malheiros Editores Ltda, 1995, p. 27 a 29.

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possuem documento sem força de título executivo, têm com o ajuizamentode Ações de Cobrança, seja pelo Procedimento Ordinário ou Sumaríssimo.

Trata-se de procedimento intermediário entre o processo deconhecimento e o processo de execução.7 Incluída dentre os ProcedimentosEspeciais de Jurisdição Contenciosa, foi importada, com algumasadaptações, do ordenamento jurídico mundial, pois é Instituto que existedesde a Idade Média, com vigor, atualmente, nos Direitos Italiano,Austríaco, Belga, Suíço, Inglês, Francês, Português e Alemão, já tendoexistido, em certos aspectos, com outra roupagem, no próprio DireitoBrasileiro.

Para Antônio Raphael Silva Salvador8 , se o autor busca uma condenaçãoem pagamento ou entrega de coisa, a ação monitória é ação deconhecimento condenatória, cujas peculiaridades lhe impedem de seguiro procedimento comum, razão pela qual está disciplinada comoprocedimento especial de jurisdição contenciosa.

Com ele concorda Nelson Nery Júnior.9 Já para Vicente Greco Filho10 ,ela seria uma ação mista, de cognição e execução, com predominânciadesta, porque, ao invés da expedição de mandado para pagamento em 24horas, sob pena de penhora, já se expede ordem para pagamento ou entregade coisa móvel.

Acertou o legislador quando, ao incluir a ação monitória em nossoordenamento jurídico, a colocou dentre os Procedimentos Especiais deJurisdição Contenciosa, pois, sem dúvida, não se trata, nem de ProcessoComum, ordinário ou sumário, nem de Processo de Execução, nem deProcesso Cautelar.

Ao que tudo indica, na definição da natureza jurídica da ação, melhorse saiu o professor Nelson Nery Júnior, quando disse que ela é deconhecimento, tem caráter condenatório e possui procedimento especialde cognição sumária e de execução sem título.7 Para SIDNEI AGOSTINHO BENETI, em sua “AÇÃO MONITÓRIA DA REFORMAPROCESSUAL”, Revista de Processo nº 77, p. 21, R, o processo monitório propicia um “feliz encurtamentodo processo de conhecimento, de modo a prescindir do cumprimento da fase instrutória e formalização da fasedecisória”, antecipando o processo de execução, sem a necessidade de “instrumentalização por título formalmenteconstituído por intermédio da sentença ou da assemelhação na titulação pré-constituida.”8 Op. Cit., p. 18.9 Op. Cit., p. 226.10 Op. Cit., p. 155.

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Através dela, qualquer credor, que possua prova escrita de que alguémlhe deve dinheiro ou tem que lhe entregar coisa fungível ou determinadobem móvel, obtém do Judiciário a imediata expedição de um mandadopara que a parte devedora, em quinze dias, lhe pague ou entregue a coisadevida.

Vê-se, pela simples leitura do artigo 1102a do CPC, que a primeiraexigência que se faz, é a pré-existência de “prova escrita sem eficácia detítulo executivo”. Tal ocorre porque nosso país adotou, do sistema mundial,o chamado procedimento monitório documental. Por ele, a prova escritadespida de eficácia executiva11 , que anteriormente só podia instruir açãoordinária, agora também pode instruir ação monitória.

Continua apto apenas para instruir as ações ordinárias, o começo deprova por escrito, porque este é sempre complementada pela provatestemunhal, de ambas se originando o título executivo judicial.

A impossibilidade de se ajuizar ação monitória apenas com começo deprova escrita decorre da inexistência do contraditório na primeira fasedesta.

É nesse sentido que vem se direcionando a jurisprudência.12

11 “Embora a lei não conceitue a prova “escrita”, para fins monitórios, inexiste dúvida de que tal só pode serconsiderada a escrita stricto sensu, quer dizer a grafada, compreendendo tanto as provas “preconstituidas” quantoas “causais”....Ficam excluidas, assim, do âmbito da ação monitória, a prova documental lato sensu, como tal agravada em fita cassete, video-tape, enfim, todo sistema visual ou auditivo, ou produto da combinação de ambos,que faça prova em favor do titular do direito”. (conforme J. E. Carreira Alvim, obra citada, p. 315/316).12 Para exemplificar, citamos três delas: 1) a ação monitoria compete aquele que pretende, com base em provaescrita sem eficácia de título executivo, obter o pagamento de soma em dinheiro, a entrega de coisa fungivel ou dedeterminado bem móvel. reputa-se comeco de prova por escrito o documento emanado da parte contra quem sepretende utilizar o documento como prova. embora a lei não conceitue a prova escrita, para fins monitorios, so podeser considerada como tal a prova grafada, tanto a pre-constituída como a casual. no procedimento injuncional, sea incial não estiver instruida com prova escrita habil, o juiz deverá indeferi-la in limine, podendo no entanto a suainépcia ser reconhecida depois da contestação, na fase recursal e até mesmo em recurso especial. registro nº 15164(tamg - nº 2440362 - juiz de fora - rel. juiz lauro bracarense - J. 09/10/97 - Unânime - DJ 26.03.98). 2)Para viabilizar a ação monitória, a prova escrita deve ser suficiente em si mesma, não sendo hábil a tal fim o merocomeço de prova escrita. Necessidade de demonstração pelo autor, por intermédio de prova testemunhal complementar,ao menos da autorização dos serviços pelo proprietário do veículo. Recurso especial não conhecido. (STJ - recursoespecial ( RESP ) - Nº 180515 - SP - RIP: 199800485260 - rel. barros monteiro - turma: quarta turma - J.03/12/1998 - DJ. 12/04/1999 PAG. 161). 3) apelação civel. ação monitoria. contribuição sindical.comeco de prova. documento produzido unilateralmente. indeferimento liminar. recurso improvido. Sendo constituídaprova escrita, unilateralmente, tendente a demonstrar o credito do apelante-credor, impõe-se reconhecer que o graude certeza necessário a propositura da ação monitoria, resta prejudicada, sob pena de transformarmos o procedimentomonitorio que, diga-se de passagem e especial, em ordinário. (Apelação Cível - Classe B - XXI, 639454.Ivinhema. Rel. Des . Hamilton Carli. Terceira Turma Cível. Unânime. J. 14/04/1999, DJ-MS, 17/05/1999, pag. 07).

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Importante que o juiz, ao despachar a petição do autor veja, não só seestão presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, comose ela preenche os requisitos dos artigos 282 e 283 do Código de ProcessoCivil.

Trata-se de ampla análise que possibilite que a primeira decisão dojuiz, no processo, seja perfeitamente fundamentada, já que importa emuma série de conseqüências futuras para as partes.

Os juristas têm divergido sobre a natureza jurídica dessa primeiradecisão judicial.

Há quem pensa que ela seria uma decisão interlocutória13 , assim como12 Para exemplificar, citamos três delas: 1) a ação monitoria compete aquele que pretende, com base em provaescrita sem eficácia de título executivo, obter o pagamento de soma em dinheiro, a entrega de coisa fungivel ou dedeterminado bem móvel. reputa-se comeco de prova por escrito o documento emanado da parte contra quem sepretende utilizar o documento como prova. embora a lei não conceitue a prova escrita, para fins monitorios, so podeser considerada como tal a prova grafada, tanto a pre-constituída como a casual. no procedimento injuncional, sea incial não estiver instruida com prova escrita habil, o juiz deverá indeferi-la in limine, podendo no entanto a suainépcia ser reconhecida depois da contestação, na fase recursal e até mesmo em recurso especial. registro nº 15164(tamg - nº 2440362 - juiz de fora - rel. juiz lauro bracarense - J. 09/10/97 - Unânime - DJ 26.03.98). 2)Para viabilizar a ação monitória, a prova escrita deve ser suficiente em si mesma, não sendo hábil a tal fim o merocomeço de prova escrita. Necessidade de demonstração pelo autor, por intermédio de prova testemunhal complementar,ao menos da autorização dos serviços pelo proprietário do veículo. Recurso especial não conhecido. (STJ - recursoespecial ( RESP ) - Nº 180515 - SP - RIP: 199800485260 - rel. barros monteiro - turma: quarta turma - J.03/12/1998 - DJ. 12/04/1999 PAG. 161). 3) apelação civel. ação monitoria. contribuição sindical.comeco de prova. documento produzido unilateralmente. indeferimento liminar. recurso improvido. Sendo constituídaprova escrita, unilateralmente, tendente a demonstrar o credito do apelante-credor, impõe-se reconhecer que o graude certeza necessário a propositura da ação monitoria, resta prejudicada, sob pena de transformarmos o procedimentomonitorio que, diga-se de passagem e especial, em ordinário. (Apelação Cível - Classe B - XXI, 639454.Ivinhema. Rel. Des . Hamilton Carli. Terceira Turma Cível. Unânime. J. 14/04/1999, DJ-MS, 17/05/1999, pag. 07).13 Nesse sentido, José Eduardo Carreira Alvim, que assim se manifesta: “O ato que defere a expedição domandado de pagamento ou de entrega é, sem dúvida, de índole jurisdicional, mas sua natureza jurídica não é defácil determinação ...a ação monitória se inicia por uma demanda (demanda monitória), inaugurando um“processo” de conhecimento, com rito especial (cognição sumária), na sua primeira fase, e podendo prosseguir,numa segunda fase, com o rito ordinário, dependendo do comportamento do devedor ...A especialidade doprocedimento monitório está apenas na possibilidade de o credor obter, liminarmente, um mandado de pagamentoou de entrega, que se converterá em título executivo, se não for embargado pelo devedor. Nessa primeira fase, aatividade jurisdicional se limita à verificação dos (gerais) pressupostos processuais e condições da ação, alémdaquele específico do procedimento monitório, restrito à valoração da prova escrita, em que se embasa a pretensãodo autor... Dadas as características desse procedimento, o juiz, ao reconhecer como hábil a prova exibida peloautor para instruir a ação monitória, emite decisão que importa no reconhecimento (que pode ou não ser definitiva)da existência do crédito e, portanto, do mérito da pretensão substancial. Essa decisão tem, sob o aspecto processualforma de interlocutória e conteúdo de decisão definitiva, podendo modus in rebus ser “equiparada” a umainterlocutória mista.” (ALVIM, J. E. Carreira. “Ação Monitória”, in Revista do Processo nº 79, p. 93, RT).

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há quem entenda que se trata de uma sentença.14

Ato ordinatório do juiz para uns15 , simples decisão interlocutória paraoutros16 , decisão interlocutória com força de sentença para outros tantose, até, sentença, para outros, estas são as conclusões a que têm chegadoos juristas sobre a natureza jurídica da primeira manifestação do juiz emsede de ação monitória.

Claro está que, se há indeferimento da petição inicial, deu-se sentença,cabendo, ao autor, o recurso de apelação.17

Se se concluiu por mandar pagar ou entregar a coisa no prazo de quinzedias, a questão já fica mais complicada. O autor não tem nenhum interesseem recorrer e, assim, para ele, a decisão é irrecorrível. O réu, por sua vez,poderia agravar de instrumento, mas tem a possibilidade de oporembargos.18

Pensando o processo monitório na prática, temos que ficar com a

14 “A decisão que manda expedir o mandado citatório e monitório é de suma importância. Não havendo embargos,o mandado citatório transforma-se em mandado executivo. Isso faz com que a decisão que determinou suaexpedição tenha conteúdo e eficácia de sentença condenatória, acobertada pela coisa julgada material, sendoconsiderada ex vi legis como título executivo judicial. Impõe-se, assim, cuidado extremado do juiz na suafundamentação, necessária, sob pena de nulidade (CF 93, IX). Não pode ser prolatada como mero “despacho”(v.g. “Cite-se. Expeça-se mandado monitório”). Possuindo eficácia de sentença condenatória, a decisão que deferea expedição do mandado monitório, se transitar em julgado pela não oposição de embargos, pode ser impugnadapor ação rescisória, nos casos taxativos do CPC 485" (JÚNIOR, Nelson Nery. Atualidades sobre o processocivil: a reforma do CPC brasileiro de 1994 e 1995, 2 ed. rev. e ampl., São Paulo, RT, 1996, p. 229 e 230).15 Confira-se JPARIZATTO, João Roberto, DA AÇÃO MONITÓRIA, São Paulo, LED - Editora deDireito Ltda, 1996, p. 48 e 49.16 “Esse ato é decisão interlocutória, contra a qual cabe agravo de instrumento sem efeito suspensivo.”(FILHO, Vicente Greco, CONSIDERAÇÕES SOBRE A AÇÃO MONITÓRIA, Revista de Processo,nº 80, p. 157, RT).17 “A sentença que indefere liminarmente a petição inicial da ação monitória é impugnável pelo recurso deapelação. Da decisão que deferir a expedição do mandado não pode o réu interpor recurso de agravo, pois não teráinteresse recursal, já que sua defesa será feita nos embargos.” (JÚNIOR, Nelson Nery, Atualidades sobre oprocesso civil: a reforma do CPC brasileiro de 1994 e 1995, 2 ed. rev. e ampl., São Paulo, RT, 1996, p. 229)18 Assim entendem João Roberto Parizatto (“Tratando-se de ato ordinatório do juiz, determinando a expedição demandado de pagamento ou de entrega da coisa, não caberá qualquer recurso de tal determinação, cabendo ao réu,unicamente, se opor à ação, através de embargos, desde que o faça a tempo e modo, sob pena de preclusão,constituindo-se de imediato o título executivo judicial em favor do autor, com a conversão do mandado inicial emmandado executivo.” – obra citada, p. 48 e 49) e Antonio Raphael da Silva Salvador (“Quando o juiz defere ainicial, fundamentando a sua decisão, para determinar a expedição do mandado de pagamento ou de entrega dacoisa, estará proferindo decisão interlocutória, capaz de atingir o direito do réu. Este, se o desejar, poderá agravarde instrumento, mesmo ainda não citado, pois pode preferir atacar desde logo a decisão, não aguardando o momentoem que poderia discutir o direito do autor através dos chamados embargos.” – obra citada p. 23 e 24)

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posição daqueles que entendem que não há recurso contra a decisão quedefere a expedição do mandado para que o réu pague ou entregue a coisa.É que este, que poderia utilizar-se do segundo grau de jurisdição, nãoprecisa dele, porque pode defender-se através dos embargos previstos noartigo 1102c do CPC, que suspendem a eficácia do mandado inicial.

Com efeito, a parte devedora, no prazo assinalado, tanto pode pagar odébito ou entregar a coisa, obtendo o benefício de isenção de custas ehonorários advocatícios, como pode, independentemente de segurar oJuízo, oferecer Embargos ao Mandado, que independem da segurança doJuízo, devem ser processados pelo Procedimento Ordinário e não podemser confundidos com os Embargos do Devedor.

Se a parte ré não se utiliza dos Embargos, nem paga o dinheiro ouentrega a coisa, a prova escrita que houvera juntado com a petição inicial,transforma-se em título executivo judicial, podendo o Processo prosseguirna forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV, do CPC.

Atente-se que, neste caso, aquela primeira manifestação do juiz noprocesso passa a ter força de sentença condenatória e o que lhe dá essaforça é justamente essa inércia do devedor.19

Ora, se tem força de sentença, poderíamos concordar, como pensamalguns, que é sentença. E, se é sentença, poderíamos avançar nessa linhade raciocínio para dizer que, então, o recurso cabível contra ela seria o deapelação.

Preferimos, no entanto, ficar com a posição de que se trata de decisãoirrecorrível, mesmo neste caso, porque, se fosse sentença e contra elacoubesse o recurso de apelação, tal recurso deveria ser interposto no prazode 15 dias, ou seja, no mesmo prazo para os Embargos ao Mandado. Se oréu tem dita defesa em primeiro grau de jurisdição, não possui interesserecursal para ir ao segundo grau. É obrigado a embargar e, assim, nãopoderia apelar, mesmo que quisesse.

Se a parte ré se utiliza dos Embargos, tanto pode obter sentençafavorável, que já desconstitui a dívida ou a obrigação de entregar a coisa,como pode obter sentença desfavorável, que transformará a prova escritajuntada em título executivo judicial, podendo o Processo prosseguir naforma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV, do CPC.19 Assim também pensa JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (obra citada p. 63 e 64).

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No caso do acolhimento dos Embargos, haverá condenação do autornas despesas processuais e honorários advocatícios. No caso de rejeição,a sucumbência ficará a cargo do réu.

Em ambos os casos, a sentença faz coisa julgada material, só podendoser desconstituida via ação rescisória e isso se padecer de algum dos víciosenumerados no artigo 485 do CPC.

PLENA VIGÊNCIA DOS ARTIGOS 100 DA CF E 475,II, 730 E731 DO CPC

Continuando nossos estudos sobre o tema, haveremos que ver se osartigos da Ação Monitória, recentemente introduzidos em nosso Códigode Processo Civil, revogam alguns dos artigos que interessam à presentequestão.

A primeira informação que se quer dar, é que a lei que introduziu aAção Monitória é norma ordinária e, portanto, na hierarquia das leis, perdepara as normas constitucionais (artigo 100 da Constituição Federal) eestá no mesmo grau das demais normas do Código de Processo Civil, quetambém são ordinárias (artigos 475, II, 730 e 731 do CPC):

MARIA HELENA DINIZ deixa isso bem claro, ao afirmar que, quantoà sua hierarquia, as normas se classificam em constitucionais, leiscomplementares e leis ordinárias20 .

É o artigo 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº4.657, de 4 de setembro de 1942), que trata da vigência das leis.

A mesma MARIA HELENA DINIZ21 , ao explicar o que seja revogação,deixa claro que tal não ocorreu neste caso pelo que, concluímos, os artigosde lei citados devem conviver harmonicamente entre si:

Para ela, “revogar é tornar sem efeito uma norma, retirando suaobrigatoriedade. A revogação é o gênero, que contém duas espécies: a ab-rogação e a derrogação. A ab-rogação é a supressão total da norma anterior

20 As Normas constitucionais são as relativas aos textos da Constituição Federal, de modo que as demais normasda ordenação jurídica deverão ser conforme a elas. As Leis complementares ficam entre a norma constitucionale a lei ordinária. São inferiores à Constituição Federal, que lhes confere essa qualidade, não podendo, portanto,apresentar contradições com os textos constitucionais, sob pena de serem declaradas inconstitucionais e superioresàs leis ordinárias, que por sua vez não as podem contrariar, sob pena de invalidade (CF, arts. 59, parágrafo único,61 e 69). As Leis ordinárias: são as elaboradas pelo Poder Legislativo. (DINIZ, Maria Helena. CURSO DEDIREITO CIVIL BRASILEIRO, São Paulo, Saraiva, 1989, vol. l, p. 31).

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e a derrogação torna sem efeito uma parte da norma. Logo, se derrogada,a norma não sai de circulação jurídica, pois somente os dispositivosatingidos é que perdem a obrigatoriedade. A revogação pode ser, ainda,expressa ou tácita. Será expressa quando o elaborador de norma declarara lei velha extinta em todos os seus dispositivos ou apontar os artigos quepretende retirar. Será tácita quando houver incompatibilidade entre a leinova e a antiga, pelo fato de que a nova passa a regular inteiramente amatéria tratada pela lei anterior (LICC, art. 2º, § 2º).”

Para que essa harmônica convivência possa existir, há que se fazeruma perfeita interpretação do conjunto dos dispositivos legais, porque,só assim se saberá como aplicá-los.22

TRATAMENTO QUE SE DÁ À FAZENDA PÚBLICA EMJUÍZO

Vistas as características da nova Ação e estudada a vigência dos váriosartigos de lei que vão interessar à nossa análise, necessário é, também,que se faça um breve estudo sobre a maneira como a Fazenda Pública, aolitigar em Juízo, é tratada.

Embora goze de alguns privilégios (possui prazos em quádruplo paracontestar e em dobro para recorrer, sendo dispensada dos preparos,inclusive para recorrer23 ), a Fazenda Pública litiga em juízo como separticular fosse.24

21 Obra acima citada, p. 63/64.22 “A doutrina e a jurisprudência estabeleceram vários e preciosos critérios interpretativos: a) - na interpretaçãodeve sempre preferir-se a inteligência que faz sentido à que não faz; b) - deve preferir-se a inteligência que melhoratenda à tradição do direito; c) - deve ser afastada a exegese que conduza ao vago, ao inexplicável, ao contraditórioe ao absurdo; d) - há que se ter em vista o eo quod plerumque fit, isto é, aquilo que ordinariamente sucede no meiosocial; e) - onde a lei não distingue, o intérprete não deve igualmente distinguir; f) - todas as leis excepcionais ouespeciais devem ser interpretadas restritivamente; g) - tratando-se, porém, de interpretar leis sociais, preciso serátemperar o espírito do jurista, adicionando-lhe certa dose de espírito social, sob pena de sacrificar-se a verdade àlógica; h) - em matéria fiscal, a interpretação se fará restritivamente, i) - urge se considere o lugar onde estácolocado o dispositivo, cujo sentido deve ser fixado.” (MONTEIRO, Washington de Barros. CURSO DEDIREITO CIVIL, 25 ed., rev. e atual., São Paulo, Saraiva, 1985, p. 37)23 O insígne Mestr e HELY LOPES MEIRELLES, em sua consagrada obra DIREITOADMINISTRATIVO BRASILEIRO (19 ed., atual, São Paulo, Malheiros Editores Ltda, 1990, p. 619/627, também dizendo que “a Fazenda Pública litiga em situação idêntica à do particular” cita algumas de suasoutras prerrogativas, como a necessidade de intervenção do Ministério Público (CPC, art. 82, III) e o recurso deofício ou reexame obrigatório para sujeitar a sentença ao duplo grau de jurisdição sempre que a decisão lhe sejacontrária (CPC, art. 475, II e III).24 Conforme GASPARINI, Diógenes, DIREITO ADMINISTRATIVO, S.P., Saraiva, 1989, p. 395.

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Claro que se é o Estado quem detém a jurisdição, quando ele compareceem Juízo, se trata do Estado sob julgamento do próprio Estado.25

Qualquer sentença emitida contra a Fazenda Púbica, portanto, por forçado artigo 475, II26 , do Código citado que, como já vimos, não foi revogadopela nova lei, estaria obrigatóriamente sujeita ao duplo grau de jurisdição.

Não importa se a União, o Estado, ou o Município, recorreramvoluntariamente. O juiz deve ordenar a remessa dos Autos ao Tribunal adquem, para defender os superiores interesses da coletividade, pois, quandoo Poder Público é derrotado, é a coletividade quem, em última instância,sofre diminuição em seu patrimônio.27

Tal privilégio, atualmente, encontra-se muito bem consolidado pelajurisprudência pátria, que entende que a sentença contra a Fazenda Públicasó terá eficácia e produzirá seus efeitos se for, obrigatóriamente, submetidaà consideração do duplo grau de jurisdição.28

IMPOSSIBILIDADE DA AÇÃO MONITÓRIA CONTRA AFAZENDA PÚBLICA ANTE OS LIMITES A ELA IMPOSTOSPELAS LEIS CONSTITUCIONAIS E ORDINÁRIAS

É importante que se registre que a Fazenda Pública não pode pagar,voluntariamente, dívida que não esteja incluída em seu orçamento, sobpena de infringir o artigo 167, inciso II, da Constituição Federal.

Repetindo regra paralela da Constituição Federal de 1967, o artigo 167,inciso II, da Constituição atual, a ela acrescentou, além da impossibilidadede realização de despesas, a impossibilidade de assunção de obrigaçõesdiretas que excedam os créditos orçamentários adicionais.29

Para compatibilizar essa norma com as ordens de pagamentos oriundasdo poder Judiciário, a Constituição Federal estabeleceu também, no § 1º,do artigo 100, da Carta Magna, a obrigação de que se inclua no orçamento

25 Conforme NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso De Direito Adm, 8 ed., rev., atual, e aum., RJ,Forense, 1989 p. 527/528.26 Conforme bem explica SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários Ao Código De P. Civil, Vol IV, Arts.332 a 475, RJ, Forense, 1989, página 468, o dispositivo protege interesses de ordem pública, seja da família,da União, do Estado ou do Município e da Fazenda Pública, que não tenham prevalecido na sentença.27 Conf. Bernardi, Ovídio. O Município e o N. Código De P. Civil, 1ª edição, SP, Ed. S. Lit., 1976, pg 124.28 Conforme RT 688/134.29 Conforme JÚNIOR, José Cretella. Comentários À CF De 1988, RJ, F.U., 1992, volume VII, p. 3818.

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da entidade de Direito Público devedora, a verba necessária para atenderos precatórios judiciários que lhe forem apresentados até 1º de julho.

E mais, só se pode pagar, voluntariamente, dívida que tenha sidoconstituída através da normal tramitação legal, como ensina Hely L.Meirelles30 .

Há, portanto, que haver, para toda aquisição de bens por parte da pessoajurídica de direito público interno, o correspondente prévio empenho quedecorra, quando for o caso, de licitação e, sempre, de regular processo,onde esteja especificado que bem está sendo adquirido, qual sua destinação,qual seu preço e condições de pagamento e de que dotação orçamentáriasairá a verba destinada ao pagamento, tudo com observância dos artigos60 e 70, da L.F. no. 4.320/64.

Sem nos esquecermos que tem que existir, entre as partes, uma relaçãojurídica contratual que obedeça certos parâmetros legais, como ensina oreferido Mestre31 .

Assim, se se trata de uma declaração do Prefeito, por exemplo, dizendoque o Município deve à determinada empresa, certa quantia, pela aquisição30 Obra citada, p. 455.

31 Obra citada, p. 194/196 (“Embora típica do Direito Privado, a instituição do contrato é utilizada pelaadministração pública na sua pureza originária (contratos privados realizados pela administração) com asadaptações necessárias aos negócios públicos (contratos administrativos propriamente ditos). Daí porque a teoriageral do contrato é a mesma tanto para os contratos privados (cíveis e comerciais) como para os contratos públicos,de que são espécies os contratos administrativos e os acordos internacionais. Todavia, os contratos públicos sãoregidos por normas e princípios próprios do Direito Público, atuando o Direito Privado apenas supletivamente,jamais substituindo ou derrogando as regras privativas da Administração....O contrato administrativo é sempreconsensual e, em regra, formal, oneroso, comutativo e realizado intuito personae. É consensual porque substanciaum acordo de vontades, e não um ato unilateral e impositivo da Administração; é formal porque se expressa porescrito e com requisitos especiais; é oneroso porque remunerado na forma convencionada; é comutativo porqueestabelece compensações recíprocas e equivalentes para as partes; é intuito personae porque deve ser executado pelopróprio contratado, vedadas, em princípio, a sua substituição por outrem ou a transferência do ajuste. Além,dessas características substanciais, o contrato administrativo possui uma outra que lhe é própria, embora externa,qual seja, a exigência de prévia licitação, só dispensável nos casos expressamente previstos em lei. Mas o querealmente o tipifica e o distingue do contrato privado é a participação da Administração na relação jurídica comsupremacia de poder para fixar as condições iniciais do ajuste. Desse privilégio administrativo na relaçãocontratual decorre para a Administração a faculdade de impor as chamadas cláusulas exorbitantes do DireitoComum. Não é, portanto, o objeto, nem a finalidade pública, nem o interesse público que caracterizam o contratoadministrativo, pois o objeto é normalmente idêntico ao do Direito Privado (obra, serviço, compra, alienação,locação) e a finalidade e o interesse público estão sempre presentes em quaisquer contratos da Administração,sejam públicos ou privados, como pressupostos necessários de toda atuação administrativa. É a participação daAdministração, derrogando normas de Direito Privado e agindo públicae utilitates causa, sob a égide do DireitoPúblico, que tipifica o contrato administrativo).

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de bens ou serviços, o pagamento voluntário, já extra-judicial e, por muitomaior razão, judicial, depende das condições acima ditas.

Se as condições acima ditas (previsão orçamentária, licitação - se for ocaso, pedido, nota fiscal, prévio empenho etc), já estavam preenchidas, oautor da Ação Monitória não precisa dela, pois tem título executivoextrajudicial em mãos, qual seja, a duplicata que, se não emitiu, colocouem cobrança e protestou, pode emitir, colocar em cobrança e protestar,podendo se utilizar diretamente do Processo Executivo previsto nos artigos730 e 731 do CPC.

Nesse caso, por força do artigo 267, VI, do CPC, c.c. o seu § 3º, o juizdeve extinguir o processo sem julgamento do mérito por falta de interesseprocessual.

Por outro lado, se se trata de escrito onde, por exemplo, o Ministro daFazenda declara que a União deve ao autor certa quantia, a título deindenização, porque aquela determinada pessoa foi atropelada por umveículo de seu Ministério, estamos no campo da responsabilidade civil daadministração pública (artigos 15, do Código Civil e 37, § 6º, daConstituição Federal) e o pagamento voluntário depende, ou decomposição extra-judicial amigável, que tenha obedecido à uma série deformalidades legais, ou de Processo de Conhecimento onde tenha havidosentença sujeita ao reexame obrigatório pelo 2º grau de jurisdição.32

Se as condições acima ditas (regular processamento de pedido deindenização amigável), já estavam preenchidas, o autor da Ação Monitórianão precisava dela, pois tem título executivo extrajudicial em mãos, qualseja, o ato administrativo, podendo se utilizar diretamente do ProcessoExecutivo previsto nos artigos 730 e 731 do CPC.

Nesse caso, por força do artigo 267, VI, do CPC, c.c. o seu § 3º, o juizdeve extinguir o processo sem julgamento do mérito por falta de interesseprocessual.

32 Assim nos orienta GASPARINI, Diógenes –obra citada, p. 405/406: “O pedido de indenização amigávelprocessa-se perante a Administração Pública responsável pelo agente público causador do dano e, obviamente, pelaindenização....Tal pedido é examinado pelos orgãos públicos que, pela natureza da solicitação, devem sobre elemanifestar-se....Verificada a correção do direito pleiteado quanto à lei, ao mérito e ao montante, determina-se opagamento....A ação de indenização deve ser proposta pela vítima...A ação é de rito ordinário e pode ser ajuizadacontra a entidade responsável pelo ressarcimento...Se dirigida contra a Administração Pública, deve o agentepúblico causador do dano ser denunciado à lide...”.

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IMPOSSIBILIDADE DA EXPEDIÇÃO, CONTRA A FAZENDAPÚBLICA, DE MANDADO DE PAGAMENTO, PRIMEIRO ATODA AÇÃO MONITÓRIA

Não é possível, ante o que dispõe o artigo 100, da Constituição Federal,observados os artigos 730 e 731, do CPC, cumprir, quanto às FazendasPúblicas, o disposto no artigo 1102b do Estatuto Adjetivo Civil, ou seja,deferir, de plano, a expedição de mandado de pagamento no prazo dequinze dias.

Pensa-se, erradamente, a nosso sentir, que a ordem judicial para pagar,sendo facultativa, porque cabem Embargos, como explica o artigo 1102c,do CPC, e podendo beneficiar o Poder Público que, conforme o artigo1102c, § 1º, do CPC, fica isento de custas e honorários advocatícios,pode ser emitida pelo Juízo.

Porém, se assim se faz e o ordenador de despesas da Fazenda Pública,muitas vezes não cercado de Assessoria Jurídica, como no caso dospequenos Municípios, concluindo que se trata de ordem judicial obrigatória,paga, pode estar havendo desobediência ao artigo 100 da ConstituiçãoFederal, que manda que os pagamentos sejam feitos, em ordemcronológica, via precatórios requisitórios.

É certo que os artigos 730 e 731 do CPC estão inclusos na seção III,integrando o Livro II, Capítulo IV, do Código de Processo Civil, donde sepoderia concluir que o legislador talvez quisesse que as Ações Monitóriasfossem viáveis quando o particular tivesse crédito junto à Fazenda Pública.

Num primeiro momento, não há dúvida, acaba-se chegando a pensarexatamente isso, ou seja, que a Ação Monitória é cabível contra as pessoasjurídicas de direito público interno.

No entanto, há total incongruência entre essa possível vontade dolegislador e as normas pré-existentes sobre o assunto.

Ora, se quando alguém apresenta ao juiz uma sentença transitada emjulgado, regularmente liquidada, ou, se quando alguém comparece a Juízo,munido de um título de crédito revestido de todas as formalidades legais,liquidez e certeza, não pode o magistrado mandar pagar, como, quandoalguém vem com prova escrita, sem eficácia de título executivo, poderiao juiz expedir mandado para que a Fazenda Pública pague ?

O artigo 100 da Constituição Federal, acima citado, que vem sendomantido e aperfeiçoado, desde quando foi introduzido na Carta Magna de

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1934, bem afirma que:“à exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentosdevidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtudede sentença judiciária far-se-ão exclusivamente na ordem cronológicade apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos,proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotaçõesorçamentárias e nos créditos adicionais abertos para esse fim.”.

Depreende-se do § 2º do dispositivo constitucional, c.c. o inciso I, doartigo 730, do CPC, que o credor dirige requerimento ao juiz e este, porsua vez, dirige-se ao Tribunal, que detém a competência originária paratal fim, para que este requisite o pagamento.33

A Fazenda Pública, portanto, paga na ordem de apresentação dosprecatórios, não havendo, então, privilégio de credores, exceto daquelesque detém crédito alimentício. Para os demais, é o tempo que dita apreferência, conforme se vai solicitando e obtendo os créditos.34

Os créditos de natureza alimentícia não estão dispensados do precatório,apenas não integram a mesma ordem de preferência dos demais.35

Devem, assim, ser pagos mediante prévia dotação orçamentária, ouseja, tão logo os precatórios alimentícios são apresentados ao T. de Justiça,seu Presidente (ou vice), oficia a autoridade pública para que a providenciee, feita a inclusão no orçamento, o pagamento é imediatamente feito.36

33 Assim nos explica JÚNIOR, Humberto Theodoro (CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL,Rio de Janeiro, Forense, 1993, volume II, p. 259): “O juiz de primeiro grau não requisita diretamente opagamento, mas dirige-se, a requerimento do credor, ao Tribunal que detém a competência recursal ordinária.”34 Conforme J. CRETELLA JUNIOR, obra citada, p. 3054.35 Assim já decidiu o STF, conforme publicação na RT 693/271: “O Plenário desta Côrte, ao julgar aADInconst 47, decidiu, por maioria de votos, que a exceção estabelecida no art. 100, “caput”, da CF, em favordos denominados créditos de natureza alimentícia, não dispensa o precatório, mas se limita a isentá-los daobservância da ordem cronológica em relação às dívidas de outra natureza, porventura mais antigas”.36 Assim também já decidiu o STF (Rec. Extraordinário n. 173.047-1 - São Paulo - Ac. 1a. T. - unân. - Rel:Min. Ilmar Galvão - j. em 29.03.94 - Fonte: DJU I, 02.09.94, pág. 22734): “Precatório. Créditodecorrente de acidente do trabalho. Art. 100 da Constituição Federal. A exceção estabelecida pelaConstituição Federal em favor dos chamados créditos de natureza alimentícia não chega ao pontode abolir, em relação a eles, os princípios orçamentários inerentes à despesa pública, limitando-seapenas a isentá-los da observância da ordem cronológica em relação aos de natureza geral. Precedentedo Supremo Tribunal Federal: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 47. Recurso extraordinárioconhecido e provido”.

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Em função, portanto, do preceito constitucional, há um tipo especialde execução contra a Fazenda Pública.

Tal Execução há que obedecer os artigos 730 e 731 do CPC, nãohavendo penhora de bens, mas sim, após a citação da devedora para oporembargos em 10 dias e, não opostos, ou, julgados improcedentes estes,requisição de pagamento, pelo juiz, por intermédio do Presidente doTribunal competente.37

A Fazenda Pública, então, ao invés de ser citada para pagar em 24horas, sob pena de penhora, é citada para opor Embargos em 10 dias. Talocorre porque a segurança do Juízo, via apreensão e depósito de bens, éincompatível com o princípio da impenhorabilidade dos bens de domíniopúblico, inclusive os de uso particular.38

A Jurisprudência segue essa mesma linha de raciocínio.39

Resta isolada, então, a opinião do Mestre PONTES DE MIRANDA40 ,quando afirma que a ordem judicial é mandamental, para que a FazendaPública pague ou oponha Embargos, vez que, além da expressão “pagar”não integrar a redação do artigo 730, do CPC, o juiz, como já se viu, nãopode dar essa ordem, posto que o pagamento é requisitado via Tribunalde Justiça.

Na linha de nosso raciocínio, não estamos querendo dizer que a FazendaPública, citada para opor Embargos, ou em qualquer outro tipo de ação,esteja proibida de fazer transação ou vir a Juízo quitar seu débito.

A Fazenda Pública, citada para opor Embargos, pode comparecer aJuízo e pagar voluntáriamente seu débito.

37 Conforme PAULA, Alexandre de, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, 5 ed. rev. eatual., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1992, volume III, p. 730.38 Conforme NEVES, Celso. COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 3 ed., Rio deJaneiro, Forense, 1988, volume VII, p. 205.39 “A citação é para opor embargos à execução, e não para pagar (RTFR 121/185, 135/17, maioria,136/13, 147/139)” (NEGRÃO, Theotônio. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 27 ed., São Paulo,Saraiva, 1996, p. 512)40 “Em vez de ser citada a Fazenda Pública para pagar ou sofrer a penhora de seus bens, há a citação para oporembargos do devedor, ou (entenda-se, a despeito da falta de explicitude) pagar. Se não opõe embargos do devedore não paga, o juiz, que deferiu o pedido da citação na ação executiva de título judicial ou de título extrajudicial,requisita (= precata) o pagamento por intermédio do Presidente do tribunal competente. Trata-se, portanto, de atoprocessual mandamental, razão por que não se faz direta - do juiz à Fazenda Pública - a requisição.”(COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, R.J., Forense, 1976, tomo X, p. 471).

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Não está o agente público, nesse caso, obedecendo qualquer ordemjudicial para pagar, porque esta não foi dada, mas sim comando de interesseda administração.

E só fará o pagamento, é claro, se este foi antecedido, ou de todas asformalidades e exigências ditadas pela Constituição Federal e pelas leisordinárias, ou seja, previsão orçamentária, licitação, prévio empenho,etc...(o que normalmente ocorreu quando a parte está de posse de títuloexecutivo extrajudicial - cheque, duplicata, etc..), ou de procedimentoadministrativo que as tenha suprido (seja no caso de título executivoextrajudicial ou no caso de sentença judicial), tudo sob pena de serresponsabilizado civil e criminalmente.

Ora, se o serviço foi executado, se os materiais foram entregues, se ospreços não foram superfaturados e se não existe qualquer falha de naturezaadministrativa, exceto ausência de licitação ou de prévio empenho, quenão é culpa do particular, o Poder Público pode pagar até antes dainstauração da cobrança judicial, o que vale dizer que quem pode o menospode o mais, ou seja, pagar voluntariamente após a citação. Relativamenteaos funcionários que fizeram a aquisição sem as formalidades legais,deverão ser efetivamente responsabilizados.41

Caso a Fazenda Pública compareça e faça composição amigável, cabeao Juízo, antes da homologação desta, verificar se a mesma não esbarranos artigos 1035 do Código Civil e 351 do Código de Processo Civil.

É claro que o magistrado não pode, simplesmente, homologar atransação, sem realizar indagações e pesquisas e tomar as precauçõesnecessárias no que tange à validade da confissão, que deve ser antecedidados atos administrativos formais. A omissão do Poder Público ou a simplespalavra de seu representante não podem dar razão ao autor.42

Não concordamos, por outro lado, com o Professor Vicente Greco

41 Conf. Ovídio Bernardi (obra citada, p. 90), acrescentando: Aguardar a instauração da cobrança judicial para,ao depois, pagar o valor, mais juros, custos, despesas e correção monetária, não é, positivamente, uma condutacorreta. A Pref. teria, nessa hipótese, de confessar a dívida, e eis uma espécie de confissão que deve ser evitada,não porque não tenha valor jurídico, mas porque seria simplesmente vexatória. Que culpa tem o fornecedor dosmateriais ou o prestador de serviços, se os canais burocráticos internos da Pref. não foram regularmente percorridos?”(Ovídio Bernardi - O Mun. e o Novo C. De P. Civil, 1ª edição, SP, Ed. Sugestões Literárias, 1976, pg 90)42 Conf. OVÍDIO BERNARDI, obra citada, p. 68 e 69.

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Filho43 , que pensa que os artigos 730 e 731 do CPC só se aplicam para oscasos de título executivo judicial.

A argumentação do mestre é no sentido de que o detentor do títuloexecutivo extrajudicial deva propor, antes, ação de conhecimento, queverificará a regularidade e a procedência do crédito, obtendo, então, apósa necessária submissão da decisão ao obrigatório duplo grau de jurisdição,sentença passível de execução.

Ora, nem se pode negar vigência ao artigo 585 do CPC, nem se podeatribuir ao particular, que negocia com o Poder Público, a obrigação defiscalizar os procedimentos que não lhe são inerentes.

Ademais, os títulos executivos extrajudiciais têm liquidez, certeza eexigibilidade até que tal não seja derrubado via Embargos, faculdade quea Fazenda Pública possui e que, caso seja derrotada, ensejará a submissãoobrigatória ao duplo grau de jurisdição.

A fiscalização do poder Público, como se sabe, não é feita pelo particulare só em última instância pelo Poder Judiciário, mas, sim, pelos Tribunaisde Contas.

Vários outros autores têm se manifestado no sentido de que os títulosexecutivos extrajudiciais emitidos pela Fazenda Pública são passíveis deexecução especial, aquela dos artigos 730 e 731 do CPC.44

A jurisprudência, por sua vez, está dando guarida à essas últimas

43 Da Execução Contra A Fazenda Pública, São Paulo, Saraiva, 1986, p. 59..44 1) “a) Seja judicial ou não o titulo executivo, a citação da Fazenda Pública será feita sem cominação de penhora,limitando-se à convocação para opor embargos em dez dias.” (JÚNIOR, Humberto Theodoro, obra citada,volume II, p. 260) – 2) “No Código de 1973, eliminada a ação executiva e unificada a via executória, já agorahábil tanto para os casos de sentença condenatória quanto para os títulos extrajudiciais dotados de executividade,a disciplina do art. 730 atende às particularidades de um processo executório em que não pode haver a penhorade bens sobre os quais verse a atividade juris-satisfativa que lhe é própria.” (NEVES, Celso, obra citada, volumeVII, p. 206/207) – 3) “O artigo 117, caput, da CF alude à condenação imposta por “sentença judiciária”.Assim, o título executivo hábil para submeter a Fazenda Pública estaria restrito à sentença condenatória (artigo584, I a III, do CPC), mas o artigo 730, caput, do CPC permite a execução com base em título extrajudicial.Só uma interpretação estreita da norma constitucional conduziria ao absurdo de obrigar o credor ao processo deconhecimento por que o sujeito passivo da relação jurídica creditícia de direito material é a Administração. ParaPontes de Miranda a lei processual fez bem em silenciar quanto à natureza do título. De modo geral, a doutrinae a jurisprudência admitem a execução baseada em documentos, à feição do artigo 585 do CPC.” (ASSIS,Araken de. Manual Do Processo De Execução, Porto Alegre, Letras Jurídicas, 1987, p. 707).

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opiniões.45

Somos, porém, daqueles que entendem, também, que, no caso deExecução contra a Fazenda Pública com base nos artigos 730 e 731, doCPC, entre o silêncio desta (ou seja, quando o Poder Público não ofereceEmbargos) e a requisição do pagamento, o juiz deve emitir uma sentença,submetendo-a ao duplo grau de jurisdição.

Aplica-se, aqui, por analogia, o inciso III, do artigo 475, do CPC, queusa a expressão “que julgar improcedente a execução”.

O Mestre THEOTÔNIO NEGRÃO46 justifica a necessidade dessasentença, dizendo que o executado que não embarga e não é merecedorde uma sentença que determine o prosseguimento da execução, está emsituação “pior que a do revel no processo de conhecimento, porque este,como se sabe, algumas vezes pode vencer a ação”.

Enumera ele algumas razões pelas quais tal sentença deve ser proferida:a) Não há preclusão das matérias previstas no § 3º, do artigo 267, do

CPC;b) A inicial da execução não pode ter autoridade compatível, se não

superior, à da coisa julgada;c) Pode ter havido vício de citação;d) O juiz pode e deve conhecer de toda a matéria que a lei lhe faculta

apreciar de ofício: artigos 13, 113, 267, § 3º, 295, 301 § 4º c.c. 598 e 618;e) Há necessidade de uma decisão quanto aos honorários, juros,

eventual taxa de permanência ou correção monetária.Podemos até aceitar que, contra o particular, a maioria dos doutrinadores

e da jurisprudência esteja com a razão, ou seja, não haja necessidade daemissão dessa sentença.

Não concordamos, no entanto que, contra a Fazenda Pública, talsentença, ou mesmo uma decisão interlocutória (como admitiu-se por45 1) “A execução por quantia certa contra a Fazenda Pública pode fundar-se em título executivo extrajudicial.”(1º TACivSP - RT 704/136) – 2) “A execução contra a Fazenda Pública obedece ao procedimento previsto noart. 730 do CPC, quer se funde em título judicial, quer em título extrajudicial.” - TFR - 2ª Seção, El no REO104.540-MG, rel. Min. Torreão Braz, receberam os embargos, maioria, DJU 4.9.89, p. 14.026, lª col, em.- (NEGRÃO, Theotônio, obra citada, p. 511).46 NEGRÃO, Theotônio, obra citada, p. 492.

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unanimidade no VI Encontro Nacional Dos Tribunais De Alçada, emjunho de 1983 (conclusão nº 16 - AJURIS 28/128), não seja obrigatória.

É nela que o magistrado vai, necessáriamente, analisar uma série defatores, submetendo sua decisão ao crivo do Tribunal superior, em reexamenecessário.47

O USO DA AÇÃO MONITÓRIA CONTRA O PODERPÚBLICO IMPEDE O REEXAME NECESSÁRIO DASDECISÕES DE 1º GRAU

Outra razão pela qual não se admite a Ação Monitória contra a FazendaPública é esta: há frontal colisão entre a segunda parte do artigo 1102c eo artigo 475, II, ambos do CPC.

O artigo 1102c está assim redigido em sua parte final: “Se os embargosnão forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivojudicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo eprosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II eIV.”

Vemos aqui que, se citada, a Fazenda Pública não opõe Embargos, háa conversão do mandado inicial em mandado executivo.

Essa transmudação da prova escrita em título executivo judicial se dápor força da lei e não por força de uma sentença, como nós já vimosanteriormente.

Como, então, se aplicaria o artigo 475, inciso II, do Código citado, quediz: “Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão

47 “Descabe, reitere-se, em perspectiva de interpretação sistemática, a antecipação da tutela quando, no polopassivo, figurar a União, os Estados-membros, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, posto que, sea própria sentença proferida contra estas entidades de direito público está sujeita ao reexame necessário, nãoproduzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal (art. 475, II, do CPC), a medida antecipatória,concedendo o próprio direito afirmado pelo autor, consubstanciando mera decisão interlocutória, a fortiori, não tem,na espécie, aptidão para produzir qualquer efeito. A eficácia do apêndice (decisão interlocutória) não pode sermaior do que a do próprio corpo (sentença). A decisão interlocutória, na espécie, não tem a virtude de produzir osefeitos interditados, ex-vi do disposto no artigo 475, II, do CPC, ao pronunciamento jurisdicional mais importanteque é a própria sentença. Veja-se, a propósito, o entendimento dos nossos Tribunais do qual constitui amostraexpressiva e eloquente o acórdão, unânime, da 6ª T. do TFR, Ag. 46.666-PR, sendo relator o Min. EduardoRibeiro, publicado no DJU de 17.10.85, p. 18.835, encimado da seguinte ementa: “Submetida a sentença, pelojuiz, ao duplo grau de jurisdição, são ineficazes os atos tendentes à sua liquidação antes do pronunciamento doTribunal”. (RT 718/18 - FRANCESCO CONTE, Procurador do Estado - RJ, A FAZENDA PÚBLICAE A ANTECIPAÇÃO JURISDICIONAL DA TUTELA)

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depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: ...II- proferida contra aUnião, o Estado e o Município”?

Uma lei nova, no caso a que criou a Ação Monitória, não pode afrontaro artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, que diz: que “a lei nãoprejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Nem o artigo 6º e seu § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, queafirma que “A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o atojurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.”

Ora, é direito adquirido da Fazenda Pública que as sentenças que nãodêem guarida às suas pretensões, sejam obrigatóriamente submetidas aoduplo grau de jurisdição.48

Ora, antes da existência da Ação Monitória, quem tivesse prova escrita,sem eficácia de título executivo, de dívida da Fazenda Pública, estavaobrigado a ingressar com Ação de Cobrança, fosse pelo ProcedimentoOrdinário ou Sumaríssimo.

Se, citado, o Poder Público Federal, Estadual ou Municipal, nãooferecesse resposta, seria considerado revél (artigo 319, do CPC).

Contudo, sendo o Direito Público muitas vezes, indisponível, os efeitosda revelia não ocorreriam, como bem diz o artigo 320, II, do Código deProcesso Civil.

A ação seria processada e haveria a emissão de uma sentença, que deveriasubmeter-se ao crivo do 2º grau de jurisdição.

Como se aceitar, pois, que, sem que se tenha submetido a decisão aoTribunal ad-quem, se possa dar ao particular, contra o Poder Público,ganho de causa que ele só teria se tivesse se sujeitado ao Procedimentopróprio da Ação de Cobrança, obtendo uma sentença que só entraria emvigor depois de passar pelo reexame necessário ?

Não se pode, no presente caso, fazer vistas grossas ao Direito pré-existente.

48 “O segundo, direito adquirido, in genere, abrange os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer,como aqueles cujo começo de exercício tenha termo prefixado ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítriode outrem. São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio de seu titular, sejam os já realizados, sejamos que simplesmente dependem de um prazo para seu exercício, sejam ainda os subordinados a uma condiçãoinalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retroatividade.” (PEREIRA, Caio Márioda Silva, INSTITUIÇÕES DE DIREITO CIVIL, Rio de Janeiro, Forense, 1989, volume 1, p. 115).

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FACE ÀS CARACTERÍSTICAS DOS BENS PÚBLICOS,INCABÍVEL AÇÃO MONITÓRIA, TAMBÉM, PARA ENTREGADE COISA FUNGÍVEL OU BEM MÓVEL

Os artigos que tratam da Ação Monitória prevêem, também, que aqueleque possua prova escrita sem eficácia de título executivo, pode pleitear aexpedição do mandado judicial de entrega de coisa fungível ou dedeterminado bem móvel, no prazo de 15 dias.

Devido às peculiariedades que caracterizam os bens públicos, estesnão podem ser simplesmente apreendidos pelo particular.

Portanto, se alguém tem um escrito do Prefeito Municipal, por exemplo,declarando que a ambulância da Prefeitura lhe deve ser entregue, não temcomo se utilizar da Ação Monitória contra o Município, para que tal veículovenha às suas mãos.

Imagine-se que tal pudesse ocorrer e o Município, citado, fizesse aentrega do bem, com base na “ordem judicial”, sem que tivesse havidoautorização legislativa para tal. Estaria havendo uma ilegalidade acobertadapelo Poder Judiciário.

Por outro lado, imagine-se que o Município nem fizesse a entrega dobem e nem apresentasse Embargos ao Mandado. Independentemente desujeição da decisão inicial ao reexame necessário, a simples declaração doalcaide se transformaria em título executivo extrajudicial, a ensejar aexecução com base nos artigos 621 e seguintes do CPC.

Como, nesse caso, o Município, se agora quisesse apresentar Embargos,seguraria o Juízo, se os bens públicos são impenhoráveis, inalienáveis, ouindisponíveis, sem que certos atos administrativos ocorram ?

De outra sorte, se o Município não apresentasse estes Embargos àExecução, como se daria cumprimento ao artigo 625 do CPC, com aexpedição do Mandado de busca e Apreensão do bem ?

Aqui, podemos pensar como Vicente Greco Filho49 , que só admite aexecução contra a Fazenda Pública quando esta está lastreada em TítuloExecutivo Judicial.

E se tem título executivo judicial, não tem necessidade da A. Monitória.49 “No caso de execução para entrega de coisa, o bem objeto da entrega foi reconhecido, por sentença, depropriedade do particular e, portanto, sua entrega não interfere no patrimônio público, seguindo, pois, as mesmasregras da execução comum dessa natureza.” (Obra citada, p. 34).

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A questão passa pelo conceito de bem público e por suas peculiaridades,muito bem explicadas por José Cretella Júnior.50

O INGRESSO DE AÇÃO MONITÓRIA CONTRA A FAZENDAPÚBLICA ACARRETA EXTINÇÃO DO PROCESSO PORINDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL

De acordo com o artigo 267, inciso I, do C.P.C., o processo é extinto,sem julgamento do mérito, quando o juiz indeferir a petição inicial.

Dispõe o art. 295 do C.P.C., que a petição inicial será indeferida quandoo tipo de procedimento escolhido pelo autor não corresponder à naturezada causa, salvo se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal.

De acordo com nosso estudo, se a parte autora não escolheuacertadamente o tipo de procedimento e a inicial não comporta adaptaçãoao procedimento correto, a petição inicial deve ser, de plano, indeferida eo processo, deve ser, via de consequência, extinto sem julgamento domérito.51 ART 1.6

50 “Os bens públicos, especialização da categoria bens, constituem não só um tipo de domínio do Estado, de que se utiliza opovo e o próprio Estado, como também formam o instrumental que permite à administração atingir os fins que têm em mira...Os bens públicos, embora aparentemente objetivem fins diversos, convergem todos para o mesmo campo, formando umaunidade, subordinada a regime jurídico especial - o regime jurídico de direito administrativo - inconfundível com o paralelo, masbem nítido regime jurídico de direito privado, peculiar aos bens particulares... Os princípios informativos dos bens públicosformam um bloco preciso e coerente, que fundamenta o regime da dominialidade pública... Na escala da dominialidade pública,há graus, o que não altera, em substância, a própria essência dos bens públicos, cujo conceito unitário em regime diferenciado,diferente do direito comum, cabe à teoria geral do direito administrativo.” (JÚNIOR, José Cretella. Bens Públicos”, 2ª ed., SP,LEUD - Livraria Editora Universitária de Direito Ltda, 1975, p. 390).51 Nesse sentido há várias jurisprudências: “Ação monitória. Procedimento. Sua inviabilidade contra as pessoas jurídicas dedireito público. Processo extinto. Sentença reformada. - À luz das normas contidas no art. 1.102, letras “a” a “c”, introduzidono Estatuto Processual Civil pela Lei n. 9.079, de 14.07.95, impõe-se ao magistrado que, ao receber a inicial da açãomonitória, uma vez verificada a sua possibilidade na hipótese, determine a expedição de mandado para que a parte requeridapague o valor pretendido no prazo de 24 horas, entregue a coisa fungível pedida ou o bem móvel reclamado pelo postulante, ouembargue a pretensão no prazo de quinze dias. Subvertido restará o procedimento a ser adotado, quando o julgador, ao invésde assim agir, designa data para audiência de conciliação, instrução e julgamento, esta estranha ao processo de injunção. - Aação monitória ou de injunção tem, como escopo exclusivo, a transmudação, em título executivo, de documentos representativosde crédito aos quais a lei não confere características de liquidez, certeza e exigibilidade. Formado o título executivo perseguido,mercê da falta de insurgimento do devedor, ou da rejeição dos embargos pelo mesmo opostos, a execução prosseguirá nos própriosautos do procedimento monitório, com a penhora, avaliação e arrematação de bens do requerido. Face o preceituado no art. 730do CPC, a Fazenda Pública tem direito a execução especial, não lhe alcançando as normas previstas para as execuções comuns,sendo vedada a penhora em bens seus, a avaliação desses bens e o respectivo praceamento. Além do que, é essencial, para aformação de título sentencial contra os entes públicos, a obediência ao duplo grau de jurisdição. Mutatis, mutantis, se assimé, indevido faz-se expedir em detrimento das pessoas jurídicas de direito público, mandado para que, no prazo de 24 horas,paguem elas os valores reclamados, como é da essência da ação monitória. Nesse contexto, então, de todo inviável é omanejamento, contra as Fda Públicas, de ação monitória, objetivando a formação de título executivo. (TJ/SC - Ap. C. n.96. 001214-1 - Com. de S.Joaquim - Ac. unân. - 1a. Câm. Cív. - Rel: Des. T. dos Santos - F.: DJSC, 01.10.96, pág. 36)”.

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