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23 A NOVA AÇÃO MONITÓRIA * SIDNEI AGOSTINHO BENETI Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Silo Paulo. Doutor em Di reito Processual e Professor de Prática Civil (Faculdade de Direito da USP). Professor Titular de Direito Processual Civil (Faculdade de Direito de São Bernardo). DirelOr Adjunto da Escola Nacional da Magistratura. Membro da Comissão de Reforma dos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal. Slllllúrio: 1. A ação munitória. 2. O Projeto. 3. Ação de a:o.sinação de dei' dias. 4. O processo monitório e a execução força- da. 5. O processo monitório. 6. Naturc7a da tutela nlOlJitória. 7. bpécie:o. de monitório. R. ltiJidade do processo monitóri no dirt'ito proce .. alemão moderno. 9. Perspectivas da <1,'50 monitória do Brasil. Lei D. 9.079, de 1+-7-1995. pflll1lulgallil a rcll:.u;:iu do trabalho. com redaçuo. contudo. idêntica iJ llo prnjclO In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do Código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996.

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A NOVA AÇÃO MONITÓRIA*

SIDNEI AGOSTINHO BENETI

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado

de Silo Paulo. Doutor em Di reito Processual e

Professor de Prática Civil

(Faculdade de Direito da USP).

Professor Titular de Direito Processual Civil

(Faculdade de Direito de São Bernardo).

DirelOr Adjunto da Escola Nacional

da Magistratura. Membro da Comissão

de Reforma dos Códigos de Processo

Civil e de Processo Penal.

Slllllúrio: 1. A ação munitória. 2. O Projeto. 3. Ação de

a:o.sinação de dei' dias. 4. O processo monitório e a execução força­

da. 5. O processo monitório. 6. Naturc7a da tutela nlOlJitória. 7.

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In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do Código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996.

452 A

1. A ação monitória A ação monitória, como o nome indica, é uma ação de advertência,

qualificada pelas conseqüências jurídicas do não atendimento l• Deve a ação

monitória acrescentar-se ao rol de instrumentos processuais cíveis da maior importância para a agilização da prestação jurisdicional. Integra ela o con­junto de leis de Reforma do Código de Processo Civil, resultante de proje­tos elaborados por Comissão designada pelo Ministério da Justiça, como encargo da Escola Nacional da Magistratura, sob a coordenação de seu Presidente, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira2. Ajusta-se bem aos objeti­vos da reforma, que são a modernização e a dinamização dos procedimen­tos oferecidos pelo sistema processual aos usuários da Justiça3

.

Espera-se que o procedimento de realização da ação monitória, uma vez inserido no ordenamento jurídico brasileiro, venha a receber a complementação operacional que o torne efetivamente utilizado pelo meio jurídico, mediante a necessária simplificação procedimental complemen­tar, inclusive no tocante à forma de redação das petições de processo monitório. É o que ocorre no sistema em que se revela a maior aplicabilidade prática, ou seja, no sistema alemão, no qual as petições são padronizadas,

I. Assinala o dicionário jurídico, sintetizando o uso canônico dessa ação: "Monição. Do latim monitio, de monere (advertir, avisar), na significação jurídica, e em uso antigo,

era o aviso ou o convite para vir depor a respeito de fatos contidos namonitÔria. A monilória, assim, era a carta de aviso ou de intimação para depor. Monição. Na terminologia do Direito Canônico, é a advertência feita pela autoridade eclesiástica a uma pessoa, para que cumpra celto dever ou não pratique um ato, a fim de que evite a sanção ou a penalida­de a que está sujeita, pela omissão ou ação indicadas" (De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, Rio de Janeiro, Forense, 1963, verbete "Monição").

2. Sobre a matéria, veja-se, também, "Ação monitória na reforma processual", RJE· I g TACSP, 3:73. O presente artigo refunde aludido escrito, oriundo de palestras nas Esco­las da Magistratura de Pernambuco (6-12-1991) e do Rio Grande do Sul (6-8-1993).

3. Cf. Sálvio de Figueiredo Teixeira, A efetividade do processo e a reforma proces­sual, Ajuris, 59:258; "0 aprimoramento do processo civil como pressuposto de uma justiça melhor" e. em colaboração com Athos Gusmão Carneiro. "A reForma do processo civil: simplificação e agilização", ambos os estudos em ADV-Advococia Dinâmico, fev. 1993, p. 3 e Il. A instituição da ação monitória foi apoiada, em conclusão unânime, em Simpósio da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco, realizado em 6-12-1991, sendo relator o Juiz Jones de Figuerêdo Alves, admitindo-se maior amplitude. na ação monitória documen­tai, do que a constante do Anteprojeto, exposta no texto deste trabalho.

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.

4. Veja-se o modelo de impresso que se encontra em GUIes Deutsch Gute Briefe: Fachbuch für Schriftverkehr in Wirtschajr und Verwallung, Braunschweig, Westermann Schulbuch GmbH, 1987, p. 151.

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5. A padronização de petições. ou, ao menos, de dedicatória e preâmbulo, com os dados das partes tão completos como possível, será. nos tempos atuais da informatização

454 Anovo ação monilÓfio

2. O Projeto o Projeto de Lei n. 3.805/936 acrescenta um artigo n. 1.l02a ao Códi­

go de Processo Civil, com a seguinte redação: "A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título execu­tivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou ele de­terminado bem móvel". É uma modalidade restrita de ação monitória, a monitória documental, modalidade que se examinará no seguimento desta exposição.

Aprofunda, o Projeto, antiga sugestão dos autores do Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Civil de 19857 e, ainda, de grupo de estu­dos composto de magistrados e processualistas de Minas Gerais, sintetiza­da por Humberto Theodoro J r., que propunha a criação do processo monitório para as pretensões fundadas em duplicatas não aceitasB

3. Ação de assinação de dez dias Na tradição do direito processual brasileiro, ressurge, com nova rOll­

pagem de atualização, observada a experiência estrangeira, a ação de assinação de dez dias.

de serviços de registro, essencial. Pense-se no proveito para evitar a homonímia na expe­dição de certidões de distribuição e para a caracterização de conexão, continência, litispendência, coisa julgada e, por fim, para o estabelecimento de prevenção, com o quc se frustrará em definitivo a renitente distorção de ajuizamento de vários processos com a mesma ação, para subsistência, apenas. do que se distribua a Vara de orientação mais favorável à pretcnsão do autor. Se o Mahnvel.1áhren brasileiro vier a inaugurar a padroni­z:tção, já terá cumprido inestimável trabalho na melhoria prática da atividade jurisdicional. Sobre a praticidade do processo monitório, veja-se Günter Huber, Das erfolgreiche Mahllverfahren. WRS Verlag Wirtschaft-Recht und Steuem, 5. Auflage, p. lO.

6. Ver o texto da proposta da Comissão em Sálvio de Figueiredo Teixeira, Eslallllli da magíslralllro e rejimna do processo civil. Belo Horizonte, Del Rey, 1993, p. 149; () texto do Projeto de Lei n. 3.805/93 foi transcrito por José Rogério Cruz e Tucci, Processo Civil - Realidade e justiça, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 154.

7. O Anteprojeto de 1985 propunha o acréscimo do Capítulo XV, art. 1.102-A. B e C e seus parágrafos. A Comissão redatora desse Anteprojeto foi constituída pellos profes­sures Luiz Antonio de Andrade, José Joaquim Calmon de Passos, Kazuo Watanabc, Joa­quim Correia de Carvalho Júnior e Sérgio Bermudes

8. Humberto Theodoro Jr. O procedimento monitório como possível solução para o problema da execução da duplicata sem aceite. Rel'isw Brasileira de Direito Processulll. Uberaba, 7:69; O procedimento monitório e a conveniência de sua introdução no processo civil brasileiro. RF, 271:71.

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Sidnei Agostinho Beneri 455

4. O processo monitório e a execução forçada

o processo civil moderno oferece três espécies de processos a deter­minar o tipo de ação correspondente: o de conhecimento, o de execução e o cautelar. Posto à parte o processo cautelar, que se norteia pela urgência e, conseqüentemente, pela provisoriedade, as pretensões satisfativas concen­tram-se nos processos de conhecimento e de execução, de interesse, agora, para a exata compreensão do processo monitório.

Nas ações condenatórias, o processo de conhecimento visa à forma­ção de título, que, por sua vez, fornece base de liquidez e certeza ao proces­so de execução, ou seja, à incidência da sanção pelo descumprimento da nonna no caso concreto, autorizando o inÍCio da agressão ao ativo patrimonial do devedor, para a satisfação da condenação.

É longo e fatalmente custoso o procedimento do processo de conheci­mento para a formação do título, não se distinguindo as maiores ou meno­res dimensões de conhecimento de cada caso, para a segurança do título, conquanto possível a atuação de formas de encurtamento procedimental, como o julgamento antecipado da lide9 e a decisão de antecipação dos efei­tos da tl'1tela Jo.

O processo monitório vem a colocar-se entre o processo de conheci­mento e o processo de execução, em feliz encurtamento do processo de conhecimento, de modo a prescindir do cumprimento da fase instrutória e formalização da fase decisória e em adequada antecipação do processo de execução, mediante a desnecessidade de instrumentalização por título for­malmente constituído por intermédio da sentença ou da assemelhação na titulação pré-constitu ída 11.

Autoriza-se, no processo monitório, o início da execução forçada, sem a formalização prévia do título por intemlédio da sentença. Aí o maior mérito instrumental: grande economia processual e apreciável celeridade na instrumentalização da execução forçada, ante a deformalização do procedi­mento do processo de conhecimento e do processo de execução.

9. Código de Processo Civil. art 330

10. Código de Processo Civil, art 273. com a redação da Lei n. 8.Sl52. de 13 de dezembro de 1994.

11. Títulos executivos extrajudiciais (CPC, art. 585).

456 Anovo açào momlório

5. O processo monitório Salvatore Satta, em texto muitas vezes lembrado, caracterizou com

clareza o processo monitório, chamado ingiunzione no Direito italiano: "O procedimento injuntivo consiste na emanação de uma ordem do Juiz con­forme o pedido do credor, para que o devedor pague uma importância em dinheiro (ou uma quantidade certa de coisas fungíveis), no prazo estabele­cido, facultando-se embargos ao devedor, a cuja falta a ordem adquirirá o valor de uma sentença condenatória passada em julgado"12.

Aqui a essência da ação, do processo e do procedimento monitório '): realizada a postulação e cumprido o contraditório com a citação do deve­dor, à ausência de contrariedade, executa-se, sem sentença condenatória, a dívida inicialmente exigida. Instrumento de enorme simplicidade, que não pactua com formalidades desessenciais da satisfação jurisdicional e não se deforma pelos labirintos de procediment dispensáveis; um quase-mila­gre da ciência processual, a resgatá-la do obscurantismo formalista que tantas vezes a torna instrumento de não realização da Justiça.

6. Natureza da tutela monitória

Calamandrei viu no processo monitório "uma forma de processo de cognição especial e extraordinária (processo sumário qualificado); pode-se também considerar como expressão de uma ação especial, distinta da ação ordinária de condenação (ação sumária)"I4, ou "um tipo de procedimento único (procedimento com inversão da iniciativa do contraditório)"".

12. Salvatore Salta, Direito processual civil, Rio de Janeiro, Borsoi, 1973, v, 2, p. 685.

13. Ação. processo ou procedimento~ Não cumpre, aqui, esmiuçar a análise, mas, sem dúvida, está-se diante de uma espécie bem demarcada dos três institutos - ação, processo c procedimento. As observações sobre o processo (n. 3 da exposição) transmigram no sentido da ação, levando-a 11 categorização especial, e, evidentemente. não pode haver dúvida a respeito da especificidade do procedimento. Sobre o procedi­mento monitório, ver José Rogério Cruz e Tucci, Apontamentos sobre o procedimento monitório, in Devido processo legal e lulela jurisdicional, São Paulo, Revista dos Tri­bunais, 1993, p. 155

14. Calamandrei, El procedimien/o monilOrio, Buenos Aires, Ed. Bibliográfica Ar­gentina, 1946, p. 48.

15. Calamandrei, EI procedimien/o monitorio, cit., p. 49.

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Carnelutti caracterizou o processo monitório como "um 'tertium genus', que se coloca como intermediário entre a cognição e a execução forçada"!6, ou "processo sem lide", "processo impróprio" ou "processo de contraditó­rio eventual"'7. E Humberto Theodoro Jr., entre nós, expõe: "Ao Jado do processo de execução e do processo de cognição, em sua pureza, existe, portanto, um procedimento intermediário, de larga aplicação prática e de reconhecida eficácia para abreviar a solução de inúmeros litígios; trata-se do procedimento monitório ou de injunção"'s.

De qualquer forma, como anota Edoardo Garbagnati, é possível quali­ficar procedrmentos, como o monitório, diferentemente dos procedimentos cautelares, como "procedimentos (especiais) de cognição: pois a cognição do juiz não pode confundir-se com o provimento que expede, depois de haver exaurido a atividade intelectual em que consiste a jurisdição; e pro­cesso de cognição (ordinariamente regulado no seu desenvolvimento no segundo livro do Código de procedimento) é, propriamente, sobretudo, aquele tipo de processo no qual a cognição do juiz constitui uma premissa para o concreto exercício, de sua parte, da jurisdição declarativa"'9.

Como se vê, a dissensão doutrinária a respeito do instrumento monitório, a partir da ênfase como ação, processo ou mero procedimento, revela a dificuldade de ubicação do instituto. O anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil contentou-se em destacar-lhe o aspecto de ação, sem, evidentemente, afastar as demais conotações que enseja. Basta, de qualquer forma, a instrumentalização legal, para a colocação à disposição do usuário da jurisdição cível.

Sem dúvida é instrumento de "formação de um título executivo, sem que a ação de condenação seja exercitada nos moldes da cognição em con­traditório"20. Instrumento de maior celeridade do que o procedimento co­

16. Carnelutlí, insliluciones de/ procc,\() cil'i/, 1973, v. 1, p. 83.

17. Carneluni, Nota intorno alia natura dei processo monitoria, Rivisli1 di Dirillo

Proccssua/e, 1924, J:270.

18. Humberto Theodoro lI'., RF. 27/:70.

J9. Edoardo Garbngnatí. Os pmcedimell/()s de injunç(/(J e p()r c()l1jirmaçc7o de des­

pejo, Milão, Giufrré, 1970, p. 6.

20. Enrico Redenti, DirillO processll({/e cil'ile, 1954, v. 3. p. 14.

l1lum na formação do título executivo, para, no dizer de alamandrei. "in­verter, fazendo-a passar do autor ao demandado, a iniciativa do contraditó­rio (pelo que podemos, em geral, denominá-los proc dimentos com 'inver­são da iniciativa do contraditório') "21, ou, com CarnelultÍ, de "eventualida­de do contraditório"!!.

7. Espécies de processo onitório o processo monitório, visto na experiência de outros povos, pode ser

de duas espécies. bem caracterizadas no direito positivado da Alema­nha, Áustria e Itália: em primeiro lugar, o proc sso monitório puro (Mahnverfahren), consistente em alega<rões unilaterais, que cedem diante da simples oposição do devedor, por embargos Oll contestação, e, em se­gundo lugar, o monitório documental (Mandatsveljúhrell), previsto nos parágrafos 688 a 700 da Zivilprozessordlllwg e art. 663 do Código de Pro­cesso Civil italiano.

anteprojeto brasileiro atual atém-se, centrad na ação, ao processo monitório documental e mais restrito do que a previsão estrangeira, ou seja. casos de "prova escrita sem eficácia de título executivo", para exigir "paga­mento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel".

8. Utilidade do processo monitóri no direito processual alemão moderno

Na Alemanha, o Mahnverfahrell vem da Zivilprozessordnung de j 877 - Código de Processo Civil, em vigor desde t 879, com mais de uma cen­tena de modificações, decorrentes das denominadas Revisionsnovelle, es­pecialmente as de 1905, 1909 e 1910 (Amtsgerichtsnovelle, organizando Tribunais inferiores), 1924 (Emminger-Novelle, reduzindo o poder dispo­sitivo das partes), 1933 (princípio da lealdade processual), 1957 (Rechtspflegernovelle), 1974 (desafogo dos Landgerichte, Tribunais Esta­duais) e 1976 (Vereinfachungsnovelle).

As características principais do processo monitório alemão são as se­guintes: a) competência do Amlsgericht, Tribunal de 1ª Instância de âmbito

21. Calamandrei. El procedimiento l11onúorio. ril.

22. Carnelutti, El procC'dillliCl/IO monitoria, cito

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ão as se­e âmbito

Sidnei Agoslinho Beneti 459

municipal, não importando o valor da causa (embora a competência do Amlsgerichl normalmente seja para valores até DM 3.000; b) facultatividade da escolha pelo interessado; c) não processamento pelo juiz, mas, sim, pelo Rechlsp.fleger, espécie de prático judicial. que atua nos Juízos, despachan­do, em nome próprio. os casos até a colocação em pontos de decisão jurisdicional; d) utilização de impresso para a notificação e envio e, tam­bém, para a contranotificação, caso o destinatário deseje contrariar o pedi­do; e) prazo de duas semanas para a contranotificação; j) no caso de contranotificação, desloca-se o caso para a esfera jurisdicional (Amlsgericht); g) caso não haja contranotificação, segue-se a ordem de execução (Vollslreckungsbescheid), independentemente de outras fonnalidades; h) processamento totalmente informatizado, por computadores; i) desnecessidade de advogado para a notificação e para a contranotificação; j) casos mais usuais: compras a varejo, cobrança de serviços, posse de bens referentes a fornecimentos e semelhantes.

Importa, realmente. enfatizar a experiência alemã. Adolf Shonke, em 1937, calculava o uso do Mahl1\!ojahren em 4.515.82/ contra 2.654.957 casos de utilização do processo comum. Fritz Baur prestigiou a aplicação do Mahl1\Jerfahren na "Novela de Simplificação Processual", de 1976, aprofundando e consolidando a profícua experiência da 20i! Câmara do Landgerichl de Stuttgarl. de 1967, iniciativa do Juiz Bender23

.

ma realidade irrecusável, de qualquer modo, a utilização do proces­so monitório na Alemanha - processo simples, rápido, de uso absoluta­mente difundido, a ponto de ü interessado poder adquirir formulários de ajuizamento nas papelarias. para propositura direta, independentemente de Advogado. Os números da evolução do uso, publicados no Münchner Kommentar, são irrespondíveis"4

.

23. Ver, entre nós. Francisco de PauJ~ Xavier Neto. No/as sobre a jlls/iça 110 A lema­11//{{, Ed. Ajuris, v. 61. Fritz Baur. professor de Tübingen e juiz. do Superior Tribunal de Justiça (Bunde.lgerich/shoj): Wei tere Anrc,gllngen zur BeschJeunigung der ZiviJrcChtspflege, .Il1ri.I!eJ):eilung, v. 69.

24. Vej~m-se os números, rcspectivamente. de processos monitórios. processos co­1Tl1ln~elTl vez do monitório e percentuais destes em relação àqueles: 1975: 4.916.141 > 541.927=1 le;;: 1976: 4.660.31 I> 545.253=11,7%; 1977: 4.408.659> 517.399=14,70i; 1978: 4237.605> 457.204=108%; lY79: 4319733> 427.616=9,9%; 198(): 4.652.215 > 443345=9.5%: 1981: 5275.629 "> 543.729= I0.3%; 1982: 5.699.485 > 641.463= 11.2%; 1983: 5.852.927 > 679590=11.6'/c; 1984 5.898.632 > 671.831=11,4%; 1985: 6.085.363

>668.285= 1J%; 198ó: 6.100.865> 704.610= /1,6%; 1987: 5.609.RO 1 > 696.18J =12,4%;

460 Anovo oçóo monilório

9. Perspectivas da ação monitória no Brasil É benvinda a tcntativa de instituição do procedimento, facultativa­

mente, no sistema processual vigente. O sucesso experimentado em países como a Alemanha recomenda a tentativa. Postas à parte, evidentemente, as diferenças culturais e jurídicas entre os povos, a verdade é que a tentativa é válida. Melhor, de qualquer modo, do que o imobilismo das formas, que impede a experimcntação de caminhos novos na busca de melhoria da pres­tação jurisdicional no pais.

1988: 5.492.183 > 666.778=12,1 'li: 1989: 5.323.288 > 613145=11.5%: 199U: 5.145.256 > 578.346= 11 ,2'!c (Georg Holch, Miinchner Kommenlar 21"0, München, 1992, p. 310-455).