“Impossível Renová-los Para Arrependimento” – Exame, Estudo e Exegese De

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    Revista Theos Revista de Reflexo Teolgica da Faculdade Teolgica Batista de

    Campinas. Campinas: 5 Edio, V.4 - N2 Dezembro de 2008. ISSN: 1908-0215.

    Impossvel Renov-lospara Arrependimento Exame, estudo e exegese de

    Hebreus 6.4-8

    Antonio Lazarini Neto1

    Resumo

    O presente artigo examina o texto de Hebreus 6.4-8, utilizando-se deinstrumentos exegticos para analisar as hipteses de interpretao levantadas acerca

    desta complexa passagem que faz parte da composio literria de Hebreus, definida

    pelo autor da mesma como palavra de exortao (13.22) e considerada pelos

    estudiosos um escrito cujo estilo muito elevado dentre a literatura neotestamentria.

    Por esta razo, leva em conta o vocabulrio prprio de Hebreus, com toda sua linguagem

    dualista e sacrificialista, as circunstncias do autor e seus leitores e seu modo singular de

    repensar o Antigo Testamento a partir de uma interpretao que se aproxima tradio

    alexandrina ligada Filo, para elucidar o texto objeto do estudo. Analisa ainda as

    expresses gregas que compem a passagem a fim de entender a identidade, condio e

    limitaes daqueles ali considerados iluminados em queda.

    Palavras-chave: Hebreus soteriologia iluminados.

    Abstract:

    This article examines the text of Hebrews 6.4-8, making use of exegetical tools in

    order to analyze the hypotheses of interpretation raised concerning this complex passage

    that is part of the literary composition of Hebrews, defined by its author as "word of

    exhortation" (13.22), and considered by scholars a writing whose style is very elevated

    1

    Antonio Lazarini Neto Coordenador Acadmico e professor de Grego, Exegese do Novo Testamento eTeologia do NT na Faculdade Teolgica Batista de Campinas. Bacharel em Teologia e Mestre emCincias da Religio, tambm autor da MK Editora (RJ).

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    among the literature of the New Testament. For this reason, it takes into consideration

    Hebrews own vocabulary, with all its dualistic and sacrificial language, the

    circumstances of both the author and the readers, and its own unique way of rethinking

    the Old Testament starting from an interpretation that is close to the Alexandrian

    tradition related to Philo so as to shed light on the text as the object of study. It also

    analyses the Greek expressions that make up the passage in order to understand the

    identity, the condition and the limitations of those there who were considered

    "enlightened in the fall".

    Key words: Hebrews - soteriology enlightened.

    Introduo

    A problemtica que envolve o texto de Hb 6.4-8 (de forma mais especfica 6.4-6)

    est ligada a inegvel singularidade do livro de Hebreus. Para Fiorenza, nem a exegese

    histrico-crtica conseguiu lanar um pouco de luz nas sombras que envolvem a sua

    formao e a sua origem.2Esse texto enigmtico no possui suas dificuldades apenas

    relacionadas ao seu grego literrio (um estilo muito elevado comparado ao estilo dosmelhores escritos gregos e superando a linguagem fina e culta do Evangelho de Lucas 3)

    ou em determinar sua autoria e procedncia. A complexidade de Hebreus tem a ver

    tambm com sua natureza, ou seja, uma carta? uma homlia? Os primeiros versculos

    de Hebreus se aproximam mais do estilo dos ditos de sabedoria do que das tradicionais

    aberturas das epstolas, contendo a identificao usual do remetente, apresentao dos

    destinatrios, saudaes, aes de graas, etc.:

    Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos

    pais, pelos profetas, nestes ltimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu

    herdeiro de todas as coisas, pelo qual tambm fez o universo. Ele, que o

    resplendor da glria e a expresso exata do seu Ser, sustentando todas as coisas

    pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificao dos pecados,

    2FIORENZA, Elisabeth in:SHREINER, J. e DAUTZENBERG, G. Forma e Exigncias do Novo

    Testamento.So Paulo: Teolgica e Paulus, 2004, p.327.3Cf. GILLIS, Carroll Owens. Comentario sobre La Epstola a Los Hebreos. Buenos Aires: CasaPublicadora Bautista, ____.

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    assentou-se direita da Majestade, nas alturas, tendo-se tornado to superior

    aos anjos quanto herdou mais excelente nome do que eles. (Hb 1.1-4)

    Em 13.22b encontramos: eu vos escrevi resumidamente, que aparece assim

    mesmo no texto grego, sem nenhuma referncia carta ou epstola. Foi dito muitas

    vezes que Hebreus comea como um tratado, continua como um sermo e termina como

    uma carta.4O autor mesmo chama seu escrito de palavra de exortao (13.22a.: tou

    lgou ts paraklseos). Para Ben Witherington III provvel que seja uma homlia5, e

    Donald A. Hagner o chama de sermo exortativo6.

    Hebreus, com seu carter parentico-pastoral, conta com a eloqncia formidvel

    de um pregador usando uma linguagem sacrificialista para combater osacrificialismo, no com a pretenso de conduzir uma polmica cultual antijudaica,

    mas renovando e infundindo novo vigor lealdade f crist aparentemente j

    adormecida de seus leitores, fazendo com que o livro no seja necessariamente um

    tratado doutrinrio, mas uma palavra de exortao como o prprio autor o chama em

    13.22 envolvendo temas relacionados ao sacerdcio e ao sacrifcio.

    Na tica de MacArthur, necessrio compreender que trs grupos bsicos de

    pessoas esto em vista em toda esta epstola. Se no mantiver um destes grupos em

    mente, o livro se torna bastante confuso.7Em linhas gerais, os leitores eram judeus, que

    mantinham uma compreenso razovel da Tor e, pelo menos parte desses judeus devia

    ser composta de cristos de terceira gerao8. Todavia, o texto parece estar endereado

    basicamente a trs grupos dentre esses judeus (ou hebreus), ou seja, um primeiro

    composto por judeus que eram cristos de fato; um segundo, composto por judeus no-

    cristos que estavam intelectualmente convencidos e, um ltimo, composto por judeus

    no-cristos que no estavam convencidos. Talvez, se seguirmos a compreenso deMacArthur, aqui est a base crtica para a compreenso da epstola, e aqui onde as

    4LIGHTFOOT, Neil R.Epstola aos Hebreus. So Paulo: Editora Vida Crist, 1981, p.46.5WITHERINGTON III, Ben.Histria e Histrias do Novo Testamento. So Paulo: Edies Vida Nova,2005, p.73.6HAGNER, Donald A.Novo Comentrio Bblico Contemporneo: Hebreus. So Paulo: Editora Vida,1997, p.23.7MACARTHUR, John. The MacArthur New Testament Comentary.Chicago, USA: Moody Press, 1983,

    p.viii.8HENRICHSEN, Walter A.Depois do Sacrifcio: estudo prtico da carta aos Hebreus.So Paulo:Editora Vida, 1985, p.8.

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    pessoas freqentemente se confundem, especialmente na interpretao dos captulos 6 e

    10.9

    Todavia, a hiptese da diversidade entre os leitores de Hebreus proposta por

    MacAthur, dificilmente pode ser atestada a partir do exame do prprio texto 10. Em 13.24

    o autor pede que os seus destinatrios sadem aos seus lderes e demais membros da

    Igreja, o que pode indicar que a epstola no fora dirigida a uma comunidade ou igreja

    local como um todo (muito menos sociedade hebraica), mas a um grupo ou, at

    mesmo, uma famlia. A partir da tornariam mais compreensveis as elevadas exigncias

    espirituais que espera conscientemente de seus leitores (cf. 5.12-14). possvel que

    justamente esse grupo, que segundo Guthrie era composto de pessoas com um maior

    calibre intelectual11, estivesse abandonando a congregao (10.25) e tendodificuldades com a liderana local (13.17). Longe de ser uma carta universal direcionada

    a judeus cristos em geral, trata-se de um texto encaminhado a um grupo especfico

    para satisfazer uma necessidade especfica.12

    Sobretudo, preciso manter claro na mente que o clima em que se move o

    pensamento de Hebreus deve situar-se no mundo judaico-helenstico, de cujo

    sincretismo se aproveita para reinterpretar e reformular o querigma cristo.13

    1. A Hiptese de uma Herana Alexandrina

    Hebreus um documento marcado por uma elevada cristologia centralizada no

    sofrimento vicrio e na obedincia de Cristo, recorrendo a uma linguagem tipicamente

    dualista, como encontrada nos escritos joaninos. Considerado um tratado

    cristolgico tem sido visto por estudiosos como um texto afinado com Filo de

    Alexandria, um contemporneo de Jesus14. Este, como filsofo neoplatnico (viveu entre

    20 a.C. e 50 d.C.), harmonizou e sistematizou a filosofia grega e a teologia dos hebreus

    9MACARTHUR, John. The MacArthur New Testament Comentary.p.ix.10MacArthur faz tal distino evidentemente para fundamentar sua posio quanto aos iluminados de6.4.11GUTHRIE, Donald.Hebreus: Introduo e Comentrio. So Paulo: Edies Vida Nova, 1984, p.18.12LIGHTFOOT, Neil R.Epstola aos Hebreus. So Paulo: Editora Vida Crist, 1981, p.31.13SHREINER, J. e DAUTZENBERG, G. Forma e Exigncias do Novo Testamento.So Paulo: Teolgica

    e Paulus, 2004, p.330.14"Nos tempos deste Imperador (Tibrio) floresceu Filo, varo tido em mxima estima, no somente pormuitos dos nossos, seno tambm dos gentios..." (Eusbio de Cesaria,Histria eclesistica, II, 5).

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    em um sistema compacto e bastante consistente de crenas e prticas religiosas15 e

    desenvolveu uma perspectiva singular a respeito de arqutipos e cpias terreais16para

    repensar o Antigo Testamento a partir de uma interpretao alegrico-

    espiritualstica17.

    Cabe lembrar que Hebreus recorre muitas vezes a uma exegese mais tipolgica,

    atentando-se para pessoas, eventos, lugares e instituies como objetos da sua exegese e

    no apenas aos textos aos quais o escrito se refere, como por exemplo, o tractatus de

    fidede Hb 11, um catlogo de figuras vtero-testamentrias em sua maioria, que tem o

    propsito de demonstrar o que f.18Hebreus cita o Antigo Testamento de um jeito que

    remete ao modo de expressar-se das sinagogas helensticas, fazendo falar Deus, Cristo,

    o Esprito Santo, como sujeitos diretos19 sem determinar de modo exato o autor ou afonte da citao, o que pode indicar certa coerncia com a nfase dada no primeiro verso

    do texto acerca das variadas formas como Deus fala (cf. 1.1-2), alm de demonstrar

    considervel independncia do seu contexto histrico, somada ao emprego de tradies

    crists litrgicas.

    Outros escritos cristo-primitivos como 1Clemente e Barnab (documento

    preservado na ntegra no codex sinaiticus) tambm pertencem a tradio Alexandrina

    ligada a Filo e chamada por alguns estudiosos de escolasticismo cristo-judaico.

    Todavia, quando comparado a eles, Hebreus tem bem mais semelhana com Filo no

    modo de pensar do que aqueles. Os estudos mais recentes mostram em todo caso que,

    do ponto de vista histrico-comparativo das religies, Hebreus se encontra num

    complexo sistema de referncias em que alternativas simplrias no bastam.20

    2. Iluminados em Queda: Hebreus 6.4-6

    15Cf.Livro de Urantia. Chicago, USA, Urantia Foundation, documento 121, p. 1338.16HAGNER, Donald A.Novo Comentrio Bblico Contemporneo: Hebreus. So Paulo: Editora Vida,1997, p.28.17SHREINER, J. e DAUTZENBERG, G. Forma e Exigncias do Novo Testamento.p.331.18VIELHAUER, Philipp.Histria da Literatura Crist Primitiva.So Paulo: Academia Crist, 2005,p.274.19

    SHREINER, J. e DAUTZENBERG, G. Forma e Exigncias do Novo Testamento.p.331.20VIELHAUER, Philipp.Histria da Literatura Crist Primitiva.So Paulo: Academia Crist, 2005,p.279.

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    Os problemas na compreenso de Hebreus 6 acaloraram ao longo dos anos a

    discusso soteriolgica e uma quantidade muito significativa de interpretaes do texto

    tem surgido. Sendo, como na concepo de Barclay, uma das mais terrveis passagens

    nas Escrituras, que comea com uma espcie de lista dos privilgios da vida crist21

    sem dvida essa uma das pores neotestamentrias que mais tem desafiado os

    estudiosos.

    2.1. A Identidade dos Iluminados

    A identidade daqueles que o autor de Hebreus tem em mira na passagem precisa

    ser identificada. Eles so descritos em cinco oraes subordinadas consecutivas22,

    identificados como aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial,e se tornaram participantes do Esprito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os

    poderes do mundo vindouro (cf. Hb 6.4-5). Deve-se notar, no entanto, que o autor

    distancia tais declaraes dos seus leitores, ou seja, se tais caractersticas descrevem o

    grupo para o qual ele escreve, o faz discretamente e de modo muito indireto. Observe

    que no final do captulo 5 o texto foca diretamente os leitores originais:

    A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difceis de explicar,

    porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir. Pois, com efeito, quando deveis

    ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de

    algum que vos ensine, de novo, quais so os princpios elementares dos orculos

    de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e no de alimento

    slido. (cf. Hb 5.11-12)

    Aps o texto alvo de nosso exame aqui, o autor se volta novamente de forma

    mais direta aos destinatrios de suaparentica: Quanto a vs outros, todavia, amados,estamos persuadidos das coisas que so melhores e pertencentes salvao, ainda que

    falamos desta maneira (cf. Hb 6.9). No que a experincia em pauta no seja a dos

    leitores, mas que o autor se utiliza da experincia daqueles, que parecem pessoas

    imaginrias como meio de ilustrar, para exortar a vida destes, a quem o texto

    endereado. Assim, deve-se entender que a deciso do escritor foi a de no declarar

    abertamente que os seus leitores originais haviam cado e estavam impossibilitados de

    21

    BARCLAY, William. The Letter to the Hebrews.Filadlfia (USA): The Westminster Press, 1976, p.56.22HAGNER, Donald A.Novo Comentrio Bblico Contemporneo: Hebreus, p.107.

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    serem renovados para arrependimento, e sim, de despert-lospara um perigo iminente e

    motiv-los perseverana na vida crist. Todavia, ainda que a queda no fosse a

    experincia plenamente concreta daqueles leitores, o autor admitia tal possibilidade, seja

    na vida destes ou de quaisquer outros.

    No juzo de MacArthur, devemos notar que esta passagem no faz qualquer

    referncia a salvao de todos. No h meno de justificao, santificao, novo

    nascimento, ou regenerao. Daqueles que uma vez foram iluminados no se falou de

    como nasceram de novo, se fizeram santos, ou foram feitos justos23. Para ele, nenhuma

    terminologia habitual do Novo Testamento para salvao aqui usada. Assim, conclui

    que a iluminao aqui falada tem a ver com a percepo intelectual do espiritual, a

    verdade bblica24. Chafer tambm considera que as expresses utilizadas no texto sosem dvida (...) totalmente inadequadas para descrever o verdadeiro filho de Deus 25.

    Todavia, preciso levar em conta que Hebreus tem o seu caminho prprio no

    que tange ao vocabulrio e que o autor, com toda sua enrgica pastoral, est ansioso

    pelo bem-estar final de seus leitores26 demonstrando claramente que deseja v-los

    restaurados do estado em que naquele momento se encontravam. Encontramos a

    expresso iluminados (photizo, que conta com 11 ocorrncias no NT) outra vez em

    Hebreus 10.32 aplicada diretamente aos leitores: Lembrai-vos, porm, dos dias

    anteriores, em que, depois de iluminados, sustentastes grande luta e sofrimentos.

    Nesse contexto a expresso parece estar relacionada experincia concreta de f em

    Cristo, o que no de forma alguma uma idia estranha ao Novo Testamento se for

    observado textos como Joo 1.9, Efsios 1.18 e 2 Timteo 1.10. Ademais, segundo o

    Apstolo Paulo em Atos, sua vocao apostlica s naes tinha por propsito lhes

    abrires os olhos e os converteres das trevas para a luz e da potestade de Satans para

    Deus, a fim de que recebam eles remisso de pecados e herana entre os que so

    santificados pela f em mim (26:18). Assim, a iluminao da qual Hebreus trata no

    pode de forma alguma ser confinada a uma mera convico ou um entusiasmo religioso

    temporrio.27

    23MACARTHUR, John. The MacArthur New Testament Comentary.p.123.24Ibid.25

    CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemtica vol. 3 e 4.So Paulo: Editora Hagnos, 2003, p. 289.26HAGNER, Donald A.Novo Comentrio Bblico Contemporneo: Hebreus, p.107.27TAYLOR, Richard S. in: Comentrio Bblico Beacon vol.10. So Paulo: CPAD, 2006, p.58.

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    Ser iluminado, mesmo antes do Novo Testamento e a parte do contexto

    judaico-cristo, indicava uma experincia e uma relao com o universo das divindades

    que, mormente estava relacionado metfora da luz. Na antiga religio grega

    sustentava-se a crena de que os deuses viviam num mundo de brilho, justamente no

    mundo de onde Prometeufurtou o fogo. Corridas com tochas eram feitas como parte da

    venerao cultual dos deuses, e, em certas seitas de mistrios, o efeito purificador e

    refinador do fogo (como o da gua) desempenhava um papel de destaque.28

    Posteriormente, o gnosticismo tornou-se religio da luz, pois via uma diferena

    bsica e essencial entre a luz e as trevas que se opunham mutuamente como potnciashostis, sendo que cada uma era suprema na sua prpria esfera29, sendo a luz

    considerada matria de outro mundo que se derramava sobre as pessoas desejosas de

    receb-la, libertando-as das trevas e fazendo-as ter contato com o mundo sobrenatural ao

    qual realmente pertencem para alcanar a verdadeira vida.

    Finalmente, tambm importante considerar que no segundo sculo, pelo

    menos na poca de Justino, a palavra iluminado veio a ser usada como sinnimo de

    batismo30 e parece ser esta a razo pela qual a verso peshita siraca traduz a

    expresso como aqueles que de uma vez por todas desceram ao batismo31. Champlin

    ainda considera que o uso de iluminao em aluso ao batismo, era bastante comum

    na poca de Tertuliano (160-220 a.D.), talvez como termo tomado por emprstimo das

    religies misteriosas, que assim denominavam seus ritos de ablues e lavagens.32

    As demais expresses provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do

    Esprito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro (cf.6.4-5) s no podem ser entendidascomo descrio de uma experincia crist concreta

    com relativo esforo. Em 3.1, o autor de Hebreus chama seus leitores de santos irmos

    (adelfoi hagioi), reconhecendo-os como cristos genunos e ali afirma que eles foram

    28COENEN, Lottar e BROWN, Colin.Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento.SoPaulo: Edies Vida Nova, 2004, p.1220.29Ibid.30JUSTIN,Apology1.61.65 apud: LIGHTFOOT, Neil R.Epstola aos Hebreus, p.145.31 Cf. CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versculo Por Versculo. So

    Paulo: Millenium, 1985, p.539 e LIGHTFOOT, Neil R. Epstola aos Hebreus, p.145 (nota de rodap n10).32CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versculo Por Versculo, p.539.

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    participantes da vocao celestial (kleseos epouraniou), expresso essa que lembra

    dom celestial (doreas epouraniou) que o grupo chamado de aqueles em 6.4 provou,

    sendo que o termo metochos, traduzido como participantes o mesmo utilizado na

    prxima expresso relacionada ao Esprito Santo.

    A afirmao de que provar tanto o dom celestial, quanto a boa palavra e os

    poderes do mundo vindouro significa to somente sentir o gosto ou experimentar e

    no uma experincia crist vivenciada na sua totalidade e de forma plena, parece no

    levar em conta a semntica deste verbo no prprio escrito de Hebreus. certo que o

    verbo provar (geuomai) traz esse sentido de um experimento parcial e no completo,

    como pode se ver em Mateus 27.34, onde aqueles que crucificaram Jesus deram-lhe a

    beber vinho com fel; mas ele, provando-o, no o quis beber. Mas em Hebreus 2.9 omesmo verbo utilizado para afirmar que a Jesus convinha que, pela graa de Deus,

    provasse a morte por todo homem e, evidentemente, a morte um estado impossvel de

    ser pensado como um experimento de modo parcial (cf. tambm Joo 8.52). Alm disso,

    deve-se considerar que geuomai, segundo Champlin (citando Moffatt), uma metfora

    grega helenista contempornea para indicar experincia e o termo provar, nos escritos

    rabnicos, significa participao, experincia em,33o que impe mais dificuldade

    aceitao de uma interpretao que proponha apenas um contato superficial ou umaexperincia rasa das pessoas que o autor de Hebreus tinha em mente. No Antigo

    Testamento, na maioria das passagens, geuomai usada no sentido literal e encontramos

    poucas ocorrncias da palavra no sentido figurado, mais precisamente em trs: Sl 34.8;

    J 20.18 e Pv 31.18. No AT, o sentido figurado sempre expressa o elemento da

    experincia. Traduz o Heb. tam, provar, perceber.34

    Um ltimo termo a ser considerado na composio da descrio da experincia

    daqueles a quem o autor de Hebreus se refere em 6.4-5 participantes. dito que eles

    se tornaram participantes do Esprito Santo. Como j mencionado acima, a expresso

    grega utilizada foi metochos (participante), um termo quase exclusivo de Hebreus que

    conta com cinco ocorrncias (2.14, 3.1, 3.14, 6.4 e 12.8), havendo apenas mais uma em

    todo Novo Testamento35, em Lucas 5.7, traduzido como companheiros. A palavra

    33Ibid.34

    COENEN, Lottar e BROWN, Colin.Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento.p.851.35Em Efsios 5.7 encontramos a expresso symmetochos, composta de

    metochose da preposio syn[com]

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    possui uma ampla gama de significados e pode sugerir participao e apego bem

    ntimos, ou ento meramente uma associao mais tnue com a outra pessoa ou pessoas

    citadas.36Alm de 3.1 onde se considerava os leitores participantes de uma vocao

    celestial, encontramos em 3.14 o autor dizendo que temos tornado participantes de

    Cristo (metochoi to christo), o que dificilmente torna a descrio a que se refere 6.4

    de pessoas que, sem uma experincia mais profunda com a f crist, apenas se

    associaram ao Esprito Santo, isto , tiveram da parte dele alguma influncia. O verbo

    metecho, segundo Eichler, se emprega virtualmente como sinnimo de koinoneo37,

    verbo amplamente usado no Novo Testamento para expressar comunho, sociedade e

    parceria (cf. por exemplo 2Co 6.14, onde se usa a forma substantiva de koinoneo

    koinonia).

    Portanto, parece razovel concluir que o autor de Hebreus usou uma terminologia

    em 6.4-5 que no seu contexto imediato caracterizava f genuna e experincia real com o

    cristianismo daquela gerao justamente por conhecer o mortio estado da f em que se

    encontravam seus leitores. Quanto a este estado de f, Elizabeth Fiorenza o resume

    muito bem:

    As mos se entorpeceram, os joelhos se enfraqueceram (12.2). Os

    cristos, que j deviam ser mestres e, como adultos, capazes de

    distinguir o bem e o mal, tornaram-se tardos para ouvir e tm necessidade

    de serem novamente instrudos nos rudimentos da palavra de Deus (5.11-

    14). O sofrimento e a perseguio, a dificuldade em divisar o caminho a

    trilhar e, sobretudo, a incompreensibilidade e aparente ineficcia da

    mensagem, na qual crem, fizeram vacilar a sua firme confiana e

    convico (12.12). A comunidade corre, pois, o risco de recusar o

    oferecimento da graa de Deus, de prevaricar (6.6) e de perder, como

    Esa, os direitos de primogenitura (12.16). A ameaa, como se v, no

    constituda pela presso positiva de alguma heresia agressiva ou pela

    fascinao do culto judaico, mas pela atrofia geral da f e pelo

    conformismo, que a acompanha: a tenso escatolgica da primeira

    gerao se afrouxou, o ativismo da primeira hora esmoreceu. Tentam de

    36

    GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemtica. 1 Edio. So Paulo, Edies Vida Nova, 1999. p. 664-671.37COENEN, Lottar e BROWN, Colin.Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento.p.376.

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    novo inserir-se no mundo e conformar-se com ele. O autor procura, como

    pastor, trazer remdio a essa fraqueza profunda da comunidade na sua

    f e, para isso, exorta e censura, adverte e ameaa, louva e promete, mas

    tambm, e sobretudo, analisa a situao com profunda agudeza teolgica,

    para manifest-la aos leitores.38

    2.2.A Condio dos Iluminados

    Aos leitores, cuja f entrou em crise por causa da contradio entre realidade

    vivida e crida 39, o autor de Hebreus escreve que h uma impossibilidade de renovar

    para arrependimento aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom

    celestial, e se tornaram participantes do Esprito Santo, e provaram a boa palavra de

    Deus e os poderes do mundo vindouro porque os tais experimentaram uma queda, isto

    , caram (do gregoparapipto).

    Kistemaker considera que este composto no aoristo ativo particpio

    [parapesntas, deparapipto] ocorre uma vez no Novo Testamento (... e) um sinnimo

    do verbo apostenai(desviar-se) em Hebreus 3.1240

    aparecendo na LXX duas vezes emEzequiel 14.13 e 15.8, sendo traduzido geralmente nas verses em portugus por

    rebeldia ou graves transgresses. Por se tratar de uma ocorrncia nica, natural

    encontrar certa dificuldade por entender o uso do verbo aqui. No entanto, a expresso faz

    parte do grupo de palavras cuja raiz pipto, verbo utilizado at mesmo na descrio de

    colapsos de construes (cf. Hb 11.30). Em 4.11, o leitor exortado a se esforar para

    entrar naquele descanso para que, fugindo daquele exemplo negativo de Israel

    desobedecendo a Deus no deserto, ningum caia (pipto). Uma vez que parapipto usada como equivalente de apostenai de onde se deriva nossa palavra apostasia

    entender a queda como desero da f parece ser consensual entre os estudiosos do

    Novo Testamento.

    38SHEREINER, J. e DAUTZENBERG, G. Forma e Exigncias do Novo Testamento, p.338.39

    Ibid, p.349.40KISTEMAKER, Simon. Comentrio do Novo Testamento: Hebreus.So Paulo: Editora Cultura Crist,2003, p.233.

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    Todavia, tal queda no deve ser tomada numa esfera hipottica, traduzindo o

    particpio grego como condicional, mas seguir a forma como o autor se expressa

    mediante uma srie de particpios por todo o texto (foram iluminados, provaram,

    tornaram, etc.) que comumente se traduz no passado. Desse modo, devemos adotar a

    traduo caram mesmo e no se carem. Lightfoot conclui que parece mais

    razovel, portanto, que o autor esteja descrevendo uma condio que ele considera

    perfeitamente possvel, apesar de persuadido das cousas que so melhores com respeito

    a seus leitores (v.9).41

    2.3.A Impossibilidade de Renovao dos Iluminados

    Acerca daqueles apresentados pelo autor de Hebreus como iluminados, e que

    provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Esprito Santo, e provaram a

    boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro e caram (parapipto) de fato,

    apostatando da f crist, como j abordamos acima, dito ser impossvel (adynaton)

    renov-los para arrependimento.

    Na verdade, adynaton o ponto de partida do texto. O verso 4 se inicia com aexpresso para compor uma frase consideravelmente longa que se estende at o verso 6.

    por esta razo que as verses em portugus trazem diferenas no modo de construo

    dessa extensa passagem. A verso do Almeida Revista e Atualizada (ARA) precisou

    repetir a expresso impossvel no verso 6 para facilitar ao leitor a compreenso:

    impossvel, pois, (v.4) ... sim, impossvel outra vez renov-los para arrependimento

    (v.6). A Nova Verso Internacional (NVI), por sua vez, jogou a expresso impossvel

    para o verso 6, reorganizando totalmente a forma em que o texto grego se expressou:Ora, para aqueles que uma vez foram iluminados, (v.4)... impossvel que sejam

    reconduzidos ao arrependimento (v.6). A verso do Almeida Revista e Corrigida

    (ARC) preservou como no texto grego, mantendo impossvel apenas no verso 4.

    O importante neste caso a compreenso de que adynaton aparece uma vez

    apenas no verso 4 e trata-se da primeira palavra da passagem e que o complemento, ou a

    exposio acerca do que o autor de Hebreus considera impossvel est no verso 6.

    41LIGHTFOOT, Neil R.Epstola aos Hebreus. So Paulo: Editora Vida Crist, 1981, p.148.

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    Desse modo, o adjetivo adynaton (impossvel) est ligado ao infinitivo anakainizein

    (renovar), separados tanto pela descrio daqueles aos quais impossvel uma

    renovao, quanto pela causa em que existe tal impossibilidade, ou seja, porque

    caram. Tudo isso eleva a importncia de adynatonna passagem, pois ao que parece, o

    autor de Hebreus ao escrever desse modo quis de forma enftica chamar a ateno para

    tal impossibilidade.

    A expresso adynatonpertence famlia de palavras gregas que tem sua origem

    em dynamis(poder), tendo o sentido de impotente, sem poder, utilizada para apontar

    para um fato inslito e improvvel na natureza, como a incapacidade para andar do coxo

    de nascena em Listra, curado por Paulo em Atos 14.8. Por 4 vezes o autor de Hebreus

    se utiliza dessa expresso: 6.4; 6.18; 10.4 e 11.6. Dentro do mesmo captulo 6, no verso18, adynaton foi usada em contraste a no permanncia dos iluminados (6.4) e

    denotando a impossibilidade de haver em Deus tal no permanncia, por ele se

    mostrar sempre fiel.

    O verbo anakainizein que junto metania (v.6) compe a expresso renovar

    para arrependimento, sendo este o escopo do que impossvel, ocorre to somente aqui

    em 6.6 em todo Novo Testamento. O verbo mais prximo deste anakainooque ocorre

    no NT apenas em duas passagens e, em ambas na voz passiva. Em 2 Corntios 4:16,

    Paulo escreveu que o nosso homem interior se renova de dia em dia e em Colossenses

    3.10 que vos revestistes do novo homem que se refaz [ou se renova]42 para o pleno

    conhecimento.

    No caso de anakainizein, o verbo est no infinitivo presente e na voz ativa,

    fazendo com que a melhor opo de traduo permanea assim: renovar para

    arrependimento e no: ser renovado para arrependimento ou renovar-se paraarrependimento. No estamos afirmando que a preferncia do autor pela voz ativa neste

    caso significa que desejasse dizer que aos iluminados, por eles mesmos, fosse impossvel

    a renovao, mas to somente que sua opo parece-nos ter a inteno de evitar

    transparecer que seja impossvel serem renovados por um agente externo (e, sem

    dvida, Deus!) ou se renovarem a partir de uma iniciativa prpria de mudana interna.

    42N.A.

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    Desse modo, alguns estudiosos tm notado que o infinitivo anakainizeinno tem

    sujeito e at sugerem a adio de palavras para cunhar um sentido. No entanto, adynaton

    (nominativo na voz ativa que pode fazer a funo de sujeito) acaba funcionando como

    sujeito da renovao, querendo ele somente dizer que impossvel renovar, no

    porque Deus no possa faz-lo ou porque os iluminados no tenham condies em si

    mesmos para uma mudana de opinio, mas que em face das prprias circunstncias

    torna-se impossvel uma transformao. Tais circunstncias esto descritas a seguir, ou

    seja: visto que, de novo, esto crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-

    o ignomnia. Lightfoot pondera que existe uma linha alm da qual, quando

    ultrapassada pelo indivduo, ele no pode ser recuperado.43 Pessoas com uma f

    genuinamente crist podem tomar caminhos sem volta, a semelhana de Himeneu44 e

    Alexandre, os quais Paulo entregou a Satans, para serem castigados (cf. 1Tm 1.20),

    pois certamente estavam dentre aqueles que tendo rejeitado a boa conscincia, vieram a

    naufragar na f (1Tm 1.19). Os leitores originais de Hebreus j haviam sido alertados

    acerca desse perigo:

    Tende cuidado, irmos, jamais acontea haver em qualquer de

    vs perverso corao de incredulidade que vos afaste do Deus

    vivo; pelo contrrio, exortai-vos mutuamente cada dia, durante otempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vs seja

    endurecido pelo engano do pecado. Porque nos temos tornado

    participantes de Cristo, se, de fato, guardarmos firme, at ao fim, a

    confiana que, desde o princpio, tivemos. (3:12-14)

    necessrio, pois, que haja um entendimento de que metania no precisa ser

    tomada rigidamente, relacionando-a a experincia salvfica. As preocupaes do autor de

    Hebreus parecem estar muito mais relacionadas vivncia diria e as conseqncias das

    prticas no cotidiano, do que em divisar o destino dos leitores. Pelo contedo de sua

    parentica, pressupomos que sua inquietao tinha a ver com a desobedincia (4.6-11),

    com a imaturidade que os caracterizava (5.11-14), com a fraqueza profunda da f,

    expressa na falta de perseverana mui especialmente no convvio com a congregao

    (10.23-25) e com destemor e retrocesso em face da terrvel possibilidade do julgamento

    43

    LIGHTFOOT, Neil R.Epstola aos Hebreus. So Paulo: Editora Vida Crist, 1981, p.149.44Em 2 Tm 2:17-18, Himeneu apontado dentre os que se desviaram da verdade, asseverando que aressurreio j se realizou, e esto pervertendo a f a alguns.

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    de Deus (10.29-39). Visto que tais debilidades poderiam lev-los a um estgio vivencial,

    de onde encontrar o caminho de volta poderia ser algo impossvel, o autor continua

    exortando e requerendo, pois no considera tudo perdido e ainda pode lhes ajudar 45j

    que somente aqueles que cassem na apostasia que de fato estariam totalmente

    impossibilitados de retornar ao caminho.

    Concluso

    Nossa abordagem procurou mostrar que, a semelhana da compreenso de

    Charles Trentham, o autor de Hebreus estava procurando instruir os cristos no

    contexto de uma situao especfica46e, para tanto, lana mo de um vocabulrio bem

    caracterstico do universo do seu escrito e peculiar aos seus leitores, que primariamente

    precisa ser considerado na exegese, a despeito do campo semntico neotestamentrio

    envolto nas palavras no texto objeto deste exame.

    Por mais que se tenha tentado suavizar a severidade de Hebreus 6.4-6, ao

    minimizar e enfraquecer a experincia anterior destes apstatas, fazendo parecer que

    foram apenas simpatizantes do Evangelho47

    , os indcios apontam para o fato de que oautor considerava as pessoas caracterizadas como iluminadas como portadoras de uma

    experincia genuna de f.

    Faz-se importante ter a percepo de que tais iluminados so imaginrios,

    no no sentido de que o fato em questo fosse hipottico, mas que aindano se tratava

    da experincia concreta dos leitores de Hebreus e, alm da f ter sido tomada como

    pressupostamente veraz, a queda tambm o foi. Os iluminados de fato caram, um

    indcio de apostasia.

    Finalmente, a expresso adynaton fundamental na compreenso do texto, pois

    acerca daqueles de f genuna e que se apostataram, diz o autor ser impossvel

    renov-los para arrependimento. Torna-se importante entender que o autor de Hebreus,

    45KUSS, Otto e MICHEL, Johann. Carta a Los Hebreos e Cartas Catolicas.Barcelona, Editorial Herder,1977. p.112.46

    ALLEN, Clifton J. (Editor Geral). Comentrio Bblico Broadman vol.12.Rio de Janeiro: JUERP,1987, p.60.47TAYLOR, Richard S. in: Comentrio Bblico Beacon, p.58.

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    presume-se que propositadamente, buscou distanciar 6.4-6 dos leitores originais,

    referindo-se a aqueles (diferente de vs, amados, por exemplo) porque toda sua

    linguagem na passagem visava chocar seus leitores, a fim de que no continuassem

    trilhando por um caminho que culminasse num lugar sem volta. A perseguio e o

    sofrimento tornaram sua f anmica, fazendo balanar a firme confiana e convico

    na mensagem que outrora haviam aderido, o que justifica o uso de uma abordagem to

    chocante, tendo em vista que o autor se mostra desejoso por ver seus leitores

    alcanarem, atravs de resistente perseverana, a completa cura: Por isso, restabelecei

    as mos descadas e os joelhos trpegos; e fazei caminhos retos para os ps, para que

    no se extravie o que manco; antes, seja curado.(12:12-13)

    Destarte, os versos seguintes fazem analogia frutificao: Porque a terra queabsorve a chuva que freqentemente cai sobre ela e produz erva til para aqueles por

    quem tambm cultivada recebe bno da parte de Deus; mas, se produz espinhos e

    abrolhos, rejeitada e perto est da maldio; e o seu fim ser queimada(6:7-8). A

    associao desta passagem com Joo 15 torna-se inevitvel, pois ali Jesus teria

    asseverado num discurso a seus discpulos: Se algum no permanecer em mim, ser

    lanado fora, semelhana do ramo, e secar; e o apanham, lanam no fogo e o

    queimam (Joo 15:6).

    As consideraes do autor de Hebreus em 6.4-6 teve, por meio da exposio de

    uma possibilidade real, impulsionar seus leitores permanncia no caminho de Deus. A

    partir do verso 9 seu olhar se volta diretamente para aqueles a quem estava se dirigindo

    como pastor:

    Quanto a vs outros, todavia, amados, estamos persuadidos das

    coisas que so melhores e pertencentes salvao, ainda quefalamos desta maneira. Porque Deus no injusto para ficar

    esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para

    com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos.

    Desejamos, porm, continue cada um de vs mostrando, at ao

    fim, a mesma diligncia para a plena certeza da esperana; para

    que no vos torneis indolentes, mas imitadores daqueles que, pela

    f e pela longanimidade, herdam as promessas.(6:9-12)

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    Ele sabia que seu modo de se expressar iria chocar o grupo em mira (observe:

    ainda que falamos desta maneira), porm, o anseio maior que movia sua exortao era

    faz-los entender que o efeito do sacrifcio de Jesus deveria incidir sobre a sua vida

    cotidiana, levando-os a uma nova relao com Deus, relao que o culto precedente,

    com as suas instituies, no estava em condies de estabelecer. Por isso tambm esta

    relao no se efetua no culto, mas na prtica da vida crist48, para qual deveriam

    buscar inspirao nos modelos de f veterotestamentrios (Cap.11), imitando a conduta

    de seus lderes (13.7) e renunciando a segurana e a santidade que os ritos cultuais

    procuravam conferir para to somente se agarrarem esperana de uma cidade celestial

    e futura (13.14).

    48SHEREINER, J. e DAUTZENBERG, G. Forma e Exigncias do Novo Testamento, p.347.