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Universidade Tuiuti do Paraná
IMPÉRIO INCA E A INVASÃO ESPANHOLA (1532-1572): A concepção de J.
C. Mariátegui
CURITIBA
2014
Marcel Franco Lopes
IMPÉRIO INCA E A INVASÃO ESPANHOLA (1532-1572): A concepção de J.
C. Mariátegui
Trabalho apresentado ao componente curricular de Pesquisa Histórica do curso de História com ênfase no Bacharelado da Universidade Tuiuti do Paraná, com objetivo de adquirir nota para a conclusão do Bacharelado em História. Orientador: Profº Pedro Leão da Costa Neto
Curitiba
2014
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................01
1. O PERU E A CONQUISTA ESPANHOLA....................................02
1.1 PERU............................................................................................03
1.2 CONQUISTA ESPANHOLA.........................................................10
2. A CONCEPÇÃO DO IMPÉRIO INCAICO E DA COLONIZAÇÃO EM
J.C.MARIÁTEGUI.........................................................................17
2.1 SOBRE O AUTOR.......................................................18
2.2 O IMPÉRIO INCAICO E A COLONIZAÇÃO NOS SETE
ENSAIOS......................................................................................19
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................28
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................33
Introdução
À época das grandes navegações, a Europa passava por uma série de
transformações políticas, econômicas e sociais, era o início da Modernidade.
Diante de um contexto político-econômico em crise no final do período medieval,
no qual o continente como um todo não conseguia mais se sustentar com sua
própria produção, o investimento em novas tecnologias com os conhecimentos
adquiridos dos antigos gregos e outros sábios foi essencial. Dessa gama de
conhecimentos, surgiu a caravela. As necessidades político-econômicas do
continente foram a motivação para adentrar no oceano desconhecido. Além
disso, naquela época, a Índia era o centro econômico mais almejado pela Europa
por ter as mais valiosas especiarias, como a seda, por exemplo. No entanto, o
caminho oriental já estava sob domínio dos árabes. Além disso, os diversos
reinos que compunham a atual Espanha brigavam entre si por maior autonomia
e domínio econômico da região, além de os árabes ainda habitarem a região, os
impossibilitando de se aventurar para o desconhecido. Os reinos de Aragão e
Castela eram os que possuíam maior autonomia econômica. Desses reinos,
seus respectivos reis católicos, Fernando e Isabel, se casaram e investiram na
expulsão dos árabes da região apoiados pela Igreja.
Foram alguns anos de luta contra a invasão árabe na Península Ibérica,
além disso, a recém-unificada Espanha travava uma batalha política com o
vizinho Portugal pelo maior domínio a ser estabelecido sobre as terras que
seriam descobertas a oeste, no lado desconhecido do mar oceano, na época.
Diante disso, alguns tratados tentaram estabelecer um acordo, mas o firmado na
cidade espanhola de Tordesilhas (1494) se sobressaiu. Dessa maneira, a
Espanha ficou com a maior parte das terras sob seu domínio enquanto Portugal
ficou apenas com o lado leste e umas pequenas porções de terra. Mas, antes
desse acordo ser firmado, Espanha e Portugal ainda tentaram contratar um
navegador experiente para a “missão”. Para isso, apareceu o navegador
genovês Cristóvão Colombo que, após ter sido recusado pelas duas coroas, foi
contratado pela corte espanhola para seguir rumo às Índias pelo meio oeste, a
fim de escapar das rotas árabes. Para tanto, Colombo conseguiu juntar uma
imensa frota e navegantes experientes, para no ano de 1492, acidentalmente,
avistar uma imensa porção de terras em seu caminho, a qual denominou de
América.
Já no “Novo Mundo”, Colombo se deparou com uma nova realidade, longe
da intervenção humana, onde predominava a natureza, e na qual, inicialmente,
pensou não haver habitantes. No entanto, ao se adentrar no continente, foi
descobrindo, aos poucos, imensas construções em meio a floresta, percebendo
que se adentrava em reinos muito poderosos, dentre eles, o Império Inca. As
razões que levaram a uma supremacia, relativamente, sem sustos a favor dos
espanhóis e que acabaram por extinguir o imenso Tahuantinsuyu, serão
expostas ao longo desse trabalho.
1. O PERU E A CONQUISTA ESPANHOLA
O Peru, antes da chegada dos espanhóis, abrigava um império, o
Tahuantinsuyu1dos incas, e tinha como característica ser um território agrário.
Segundo Henri Favre2, a justificativa para tão rápido expansionismo era mais ou
menos a mesma dos espanhóis, ou seja, “(...) Diziam-se investidos de uma
missão civilizadora junto às populações dos Andes que ainda estavam
mergulhadas na barbárie”.3 Ainda segundo ele, os incas condenavam práticas
de incesto com frequência, além do consumo de carne humana e a prática
incessante da guerra. Para eles, as relações de parentesco, o cultivo do milho e
a arte de viver em paz eram conceitos que distinguiam “civilizado” e “bárbaro”.
É importante mencionar a importância peculiar que a terra tinha para este
povo, para renunciarem a tudo, menos a ela. A economia inca era sustentada
pela agricultura, da qual tiravam sempre o essencial para viver, pois, a terra
sempre fornecia uma produção eficiente. Além disso, o trabalho coletivo, a
convivência não os ensinou o que era ser individualista. No período da
Conquista, a economia no Peru passou a ser “europeizada”, priorizando a
produção excessiva não apenas para consumo próprio, mas para
1 MARIÁTEGUI, José Carlos, 2010, p. 71. 2 Nascido em 1937. É um etno-sociólogo especializado em América Latina, onde ele estudou os maias do México e os
incas do Peru. Ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Henri_Favre acesso em 24/03/2014 às 10h20.
3 FAVRE, Henri. 2004, p.24.
comercialização. No Tahuantinsuyu4·, a economia é um dos pontos mais
fortes, segundo todos os estudos. O coletivismo foi o modo de organização
social aplicado entre os índios.
“(...) quando chegaram ao Peru os conquistadores a população estava por volta dos dez milhões e que, em três séculos de domínio espanhol, baixou para um milhão. Este fato condena a colônia, e não de pontos abstratos ou teóricos ou morais, ou seja, qual for a qualificação da justiça, mas dos pontos de vista
práticos, concretos e materiais da utilidade.” 5
No entanto, a Espanha não enviou às suas colônias, inclusive ao Peru,
uma densa massa colonizadora, o que constituiu uma fraqueza, uma vez que
deu características de uma empresa militar e eclesiástica, e não política e
econômica. Assim, não houve no Peru, a formação de uma verdadeira força
colonizadora. A população de Lima estava composta por uma pequena corte,
uma burocracia, alguns conventos, inquisidores, criados e escravos. Esteve
ausente no colonizador espanhol a capacidade de criar núcleos de trabalho. Ao
invés de colonizar o índio, perseguia-o, buscando seu extermínio. Além disso,
não eram autossuficientes a ponto de criarem uma economia sólida e orgânica.
A falha na estrutura do processo de colonização estava na base. Faltava um
conhecimento demográfico. Os espanhóis eram ineficientes para a exploração
em larga escala das riquezas do território. E, posto que para o trabalho nas
fazendas litorâneas, recorreram à importação de escravos negros; aos
elementos e características de uma sociedade feudal, impuseram características
de uma sociedade escravista.
Dos que vieram ao Peru, apenas os jesuítas, com sua “metodologia
positivista”, ou seja, apoiados por métodos científicos, apesar de que o
positivismo é uma corrente do século XIX, conseguiram demonstrar no Peru e
em outras terras da América, capacidade econômica.
O principal objetivo dos colonizadores era a exploração do ouro e prata
peruanos. Os espanhóis preferiam se fixar nas terras baixas. O fato de os
espanhóis apreciarem, quase que exclusivamente, a exploração dos metais
preciosos, completou, de certo modo, a razão da conquista da serra.
4 O império dos quatro quadrantes ou quatro regiões, MANN, Charles C. 1491, p. 71. 5 MARIÁTEGUI, 2010, p. 37.
Dessa maneira, os espanhóis, diferentemente dos ingleses que colonizaram o
Norte, aplicaram o método da exploração e não o da colonização, uma vez que,
tinham por objetivo extrair as riquezas da terra, tomar posse e expulsar seus
habitantes. O método de exploração aplicado pelos espanhóis, consiste na
extração das riquezas naturais da terra estabelecendo com a colônia um
mercado no qual, esta se torna sua compradora exclusiva, sendo assim, não há
uma margem de preço a ser estabelecida tornando a margem de lucro da
metrópole bem alta. Já o da colonização estabelecido no Norte, prioriza o
povoamento das regiões e o comércio privilegia também a região colonizada, ou
seja, este método busca o desenvolvimento da colônia e não apenas o benefício
da metrópole como o primeiro.
Depois da conquista, naturalmente, essa harmonia foi destruída e, em
troca, foi aplicado o método espanhol da economia mercantilista. Desse modo,
houve a desintegração do império, uma vez que foi quebrado o vínculo de
unidade, dispersando as comunidades.
A partir do governo do Vice-Reinado, iniciou-se o difícil processo de
formação de uma nova economia. Neste período, a Espanha prezou pelo
estabelecimento de uma organização política e econômica na imensa colônia.
Deu-se início ao cultivo do solo e à exploração das minas de ouro e prata. Sobre
as ruínas da antiga economia comunista, lançaram-se as bases de uma
economia feudal.
1.1 Peru pré-conquista
O território peruano tinha como sua principal característica ser um território
agrário. O povo incaico era um povo de camponeses, dedicados habitualmente
à agricultura e ao pastoreio. (...) No Peru dos incas enxergava-se, com maior
clareza que em outros povos, sua dependência da terra. Além disso, o povo
incaico trabalhava como uma comunidade, ou seja, não conhecia os princípios
que, posteriormente seriam aplicados pelos europeus, do individualismo. Suas
obras públicas e coletivas tinham finalidade militar, religiosa ou agrícola. Para os
incas, segundo Luís Eduardo Valcárcel Vizcarra6, na obra Del Ayllu al Império,
“A terra na tradição reinícola, é a mãe comum: das suas entranhas emergem não apenas os frutos, mas o próprio
6 Foi um investigador pré-hispânico e um dos protagonistas da corrente indigenista peruana, era historiador,
antropólogo e escritor peruano, além da obra citada a seguir, escreveu De la vida incaica; Tempestad en los Andes; Mirador Índio; Gracilaso el Inca, entre outras. Ainda manteve relações estreitas com o pensador José Carlos Mariátegui
e o grupo ligado à revista Amauta. Faleceu em 26 de dezembro de 1987.
homem. A terra proporciona todos os bens. O culto da Mama Pacha é irmão da heliolatria, e como o sol não é de ninguém em particular, também o planeta não o é(...)”7
Entre os incas, o regime político em vigor era o comunismo8 embora diferente
do comunismo do século XX, prezava, entre outros fatores, o trabalho coletivo e
o bem comum, era chamado de comunismo agrário. Segundo César Antônio
Ugarte9,o que define o processo econômico peruano desse período é:
“Propriedade coletiva da terra cultivável pelo ayllu, ou
conjunto de famílias aparentadas, embora divididas em lotes individuais e intransferíveis; propriedade coletiva das águas, terras de pastoreio e bosques pela marca ou tribo, ou seja, a federação de ayllus estabelecidos em torno de uma mesma aldeia: cooperação comum no trabalho; apropriação individual das colheitas e frutos.”10
Com a Conquista e, consequentemente, a Colonização, houve a
desorganização, aniquilamento e substituição da economia agrária incaica por
uma economia feudal e mercantilista dos europeus. Mas essa mudança não se
limitou apenas à economia, mas também aos aspectos sociais, uma vez que,
noventa por cento da população nativa foi dizimada em três séculos de
dominação espanhola.
O “sistema de trocas” entre os incas funcionava apenas entre as classes mais
baixas, não satisfazendo toda população. Estava fundamentado nas relações de
parentesco, sendo um modelo político-econômico bem eficaz, pelo fato de ao
mesmo tempo trazer benefícios aos aldeões com terra e alimentos próprios e
beneficiar ao Estado destinando a maior parte dessa produção. Isso não
implicava na concentração dos grupos consanguíneos em lotes específicos, eles
poderiam estar espalhados, o fundamental era ter relações de parentesco,
serem do mesmo grupo familiar.
7 VALCÁRCEL, Luis E. Apud. MARIÁTEGUI, 2010, p. 71. 8 Uma doutrina social segundo a qual é possível e necessário reestabelecer o que se chama de “estado natural”,
permitindo que todos tenham acesso à tudo, através da abolição da propriedade privada. Nos séculos XIX e XX o termo foi usado para qualificar um movimento político. http://www.significados.com.br/comunismo/ acesso em:
24/03/2014 às 9h17 9 Nascido em 26 de dezembro de 1895, foi economista, historiador e professor universitário peruano. Foi o primeiro a
elaborar um estudo sobre a história econômica do país, bem como a primeira Superintendência de Bancos do Peru. Chegou a fazer amizade e publicar escritos de Mariátegui, entre outros. http://es.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9sar_Antonio_Ugarte acesso em: 24/04/2014 às 9h30. 10 Idem.
A organização política e social do Império tinha, além do Inca como principal
representante divino, os curacas, funcionários responsáveis pelas regiões do
império.
Fundamental para a expansão incaica, a reciprocidade da qual se utilizava o
Inca para com os chefes dos ayllus permitiu a dominação sem o derramamento
de sangue. Porém, nem todos os povos, seja por desconhecimento do sistema
político ou por outras razões mais específicas como a rivalidade existente contra
os incas, aceitaram essa submissão.
A reciprocidade se dava basicamente de duas maneiras: por meio de
presentes oferecidos pelo soberano em troca de trabalho e submissão, ou por
meio do casamento dele com uma das filhas desses curacas. Ela ainda
determinava a divisão das terras entre os curacas e os membros do ayllu. Essa
divisão era bem organizada privilegiando a produção e o armazenamento dos
produtos, sendo o restante distribuído para a população. Segundo Maria
Rostworowski Canseco11, a formação do Império se deu dessa maneira, pois, na
medida em que se ampliava seu território, o Inca tinha mais curacas como
aliados, resultando no aumento da força de trabalho e aumento da produção
gerando excedente de produção necessário para manutenção das relações
recíprocas com o ayllu. Embora tenha sido essencial para a formação do império,
as relações de reciprocidade acabaram se tornando ineficazes com a imensa
extensão territorial que o Tahuantinsuyu atingiu. Essa ineficiência talvez seja
fruto do quadro ambicioso que o império demonstrou com seu tamanho, tornando
as alianças um método ineficiente de relação, pois, agora, os incas eram uma
civilização grandiosa. Assim, foi a mesma reciprocidade que, mais tarde, acabou
corroendo a estrutura do império, promovendo abalos fundamentais que
condenaram ao Tahuantinsuyu.
Porém, esse efeito não foi imediato. Antes disso, mediante à ineficácia da
reciprocidade em razão da extensão territorial, o Inca enviava um funcionário de
confiança para estabelecer suas regras organizativas, ou seja, seu domínio. O
aumento territorial ocasionou o aumento da produção para redistribuí-la através
11 Nascida em Barranco em 8 de agosto de 1915, filha de um aristocrata polonês Jan Jacek Rostworowski e Ana Tovar
Valley, recebeu educação europeia, e é uma das mais influentes pesquisadoras do Peru. http://es.wikipedia.org/wiki/Mar%C3%ADa_Rostworowski acesso em: 24/03/2014 às 9h50
da reciprocidade. Segundo John Murra12 , a reciprocidade era utilizada pelos
incas para manter a coesão no império. No entanto, a expansão territorial mudou
a forma pela qual se dava as relações de reciprocidade. Inicialmente, ela se dava
por meio das relações de parentesco, entre os chefes dos ayllus e seus
membros, agora, são produzidas por relações político-religiosas entre os
membros dos ayllus e o Estado inca.
Em relação aos ayllus, durante a dominação inca, eles se mantiveram como
grupos ligados por relações familiares com os que detinham a posse das terras,
depois, perderam-na para o Estado que as dividiu em terras do Sol, do Estado e
do povo. “Cada ano se fazia a distribuição de terras para o povo, suficientes para
o sustento das famílias, assim como era feita a distribuição das tarefas de
produção estatal, a mita,” tributo que o Estado exigia à população em troca de
benefícios coletivos e individuais”.13 Isso permitiu a reutilização do sistema
comunitário de produção fundamentado nas relações de parentesco do ayllu no
Estado Inca, para o expansionismo. Prova disso, foi a necessidade cada vez
maior que os incas tiveram de satisfazer os curacas com presentes e regalias,
embora não eram todos que estavam contentes com essa dominação. Esse
descontentamento vai gerar, mais tarde, as alianças desses curacas com os
espanhóis, a fim de se libertarem do julgo incaico e buscarem novas relações de
reciprocidade.
A relação de reciprocidade foi a principal forma utilizada pelos incas para
estabelecerem relações de dominação, sem utilizar a guerra. Teve sucesso que
consolidou a imensa expansão territorial que caracterizou o império como o
maior da região na época. Tal sucesso se deu devido às estratégias utilizadas
por eles que incluía presentes e mulheres em troca de submissão, sem, no
entanto, estabelecer forte influência nos costumes dos povos conquistados.
12 Nascido em 24 de agosto de 1916 e faleceu em 2006. Foi pesquisador sobre o Império Inca e professor de
antropologia. http://en.wikipedia.org/wiki/John_Victor_Murra acesso em: 24/03/2014 às 10h15.
13 PORTUGAL, Ana Raquel M., 1999, p.13, Professora da graduação e pós-graduação em História na UNESP/Franca.
Possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1990), mestrado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1995), doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2003), pós-doutorado pela UFRuralRJ (2005) e pós-doutorado pela Pontifícia Universidad Catolica del Peru (2011).
Apesar de condenarem as práticas de guerra constante, os incas a
praticaram em algumas oportunidades, como por exemplo, contra os chancas14.
Nesses casos, as relações de reciprocidade não tinham sido suficientes para
demonstrar superioridade. Foi desses casos, em geral, que com a chegada dos
espanhóis, o império sofreu desintegração. Segundo os cronistas que estudaram
sobre a organização política do império, há semelhanças entre o conhecido
regime monárquico europeu e o poder centralizado nos Andes. Uma das quais
foi atribuir origens patrilineares ao poder incaico, o classificando como rei.
Porém, as origens do poder incaico são matrilineares. No que diz respeito ao
valor dos metais preciosos, precisamente o ouro, os incas o tinham como objeto
de adoração por razões divinas, desconhecendo seu valor financeiro.
Dessa maneira, a dominação incaica foi superficial, ou seja, baseava-se nas
relações de reciprocidade. No auge, seu território envolveu o atual Equador ao
noroeste da Argentina passando por Chile, Peru e Bolívia. Falavam o idioma
quéchua15, mas havia outros idiomas que também eram falados, como por
exemplo, o aimará16. Sua organização política estava fundamentada no ayllu.17
É necessário constatar que, segundo a autora Ana Raquel Portugal, houve
alguns equívocos por parte dos cronistas espanhóis na definição da organização
política do império.18. Um deles, por exemplo, foi estabelecer o império inca com
intuito político monárquico. Além disso, a razão na qual se sustentava a
sucessão imperial era pelo filho “mais hábil” e não pela “primogenitura” como
definiram os cronistas, baseando-se no que ocorria na Europa. O conjunto de
tribos conquistadas pelos incas através da reciprocidade aumentou
consideravelmente o território sob seu domínio, mas ainda não constituiu um
império, uma vez que não havia homogeneidade. Nesse período, o Império ainda
estava se consolidando. Imperadores como Inca Roca, Wayar Capac e
14 Caracteriza-se como uma aldeia pré-incaica que se instalou nas atuais regiões de Apurimac, Ayacucho e
Huancavelica . http://es.wikipedia.org/wiki/Chanca acesso em: 24/03/2014 às 10h30. 15 Importante família de línguas indígenas da América do Sul. http://pt.wikipedia.org/wiki/Qu%C3%ADchua acesso em:
26/03/2014 às 9h. 16 O aimará pertence ao grupo linguístico indígena do quéchua.
http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_aimar%C3%A1 acesso em 09/04/14 às 11h05. 17 “O ayllu era uma rede de família extensa, dispersa em um espaço que possuía referências simbólicas entre si”.
(PORTUGAL, Ana Raquel M. da C. M. p. 3). 18 PORTUGAL, Ana Raquel M. da C. M. p. 15 In: DUVIOLS, Pierre. "La dinastía de los Incas: Monarquia o Diarquía?
Argumentos heurísticos a favor de una tesis estructuralista" In Journal de la Société des Américanistes. Tomo LXVI,
Paris, 1979. _____. "Algunas reflexiones acerca de las tesis de la estructura dual del poder incaico".
Viracocha, antecessores imediatos do período a que se atribui a consolidação
do império, tiveram papel essencial para esse processo.
Foi sob o governo de Pachacuti19 que, na verdade, surgiu o Império. Ou seja,
foi o auge das conquistas territoriais incaicas. Um sistema federalista cuja sede
do poder se localizava em Cusco, a capital do Império. Tahuantinsuyu significa
a Terra das Quatro Partes, desse modo, o império se dividia em quatro regiões:
Chinchansuyu (Norte); Antisuyu (Leste); Contisuyu (Oeste) e Collasuyu (Sul).
Assim como a maioria dos imperadores, Pachacuti utilizou, como tática militar,
as relações de reciprocidade, conquistando vastas terras.
Sua ascensão ao trono se deu em razão de uma crise militar de 1438, que
de fato, foi quando os incas foram guerrear ao norte sob o reinado de Viracocha
Inca, e este acabou morrendo, de uma grave doença20 .
Sua tática militar a cujo se atribui tamanho sucesso em tão pouco tempo
se fundamentou nas relações de reciprocidade que se estabeleciam entre os
chefes dos ayllus e os líderes das comunidades a serem conquistadas. No
entanto, nem sempre essas relações se mostraram vantajosas para os incas
uma vez que, por meio delas, se deu o início da decadência do mesmo. No
entanto, mesmo com o predomínio do multiculturalismo, em razão de os incas
não terem se imposto culturalmente, o Império inca atingiu grandes proporções,
o que, pode-se dizer, também contribuiu para a ineficiência das relações
recíprocas. Ou seja, os chefes tribais estavam cansados de receber presentes
em troca de ceder suas mulheres, além das terras, em uma relação da qual
sairiam em desvantagem.
De fato, poucas foram as vezes em que os incas precisaram guerrear para
conquistar territórios, sendo uma delas, por exemplo, contra os Chancas. Isso
mostra que, por mais que a guerra não constituísse um instrumento civilizador
para os incas, eles sabiam como utilizá-la. Mas, o principal instrumento utilizado
por eles, foi as relações de reciprocidade.
Mas, em tão pouco tempo, tamanho foi o sucesso alcançado pelos incas os
transformando no maior império do continente antes da chegada dos europeus.
19 “Pachacuti ou Pachacuteq, foi o nono rei do Cusco e o primeiro imperador do Tahuantinsuyu. Filhos de Viracocha
Inca e Mama Runtu Kayan (...)” (CARRASCO, Julio Valdivia. Los Reyes Incas del Perú, p. 135) 20 “Finalmente fue desterrado por su victorioso hijo Kusi a Calca donde, enterado de la muerte de Urko, su hijo más
amado, se deprimió rápidamente, enfermó de gravedad y falleció.”(idem, p.119).
O que ajuda a entender o processo de formação do império inca sem depender
da guerra é a sua forte relação com os mitos. A começar pelo seu mito de origem.
Sendo assim, a cada conquista por meio de relações de reciprocidade, construía-
se um novo mundo, ou segundo Mircea Eliade21 “(...) todo novo aparecimento-
um animal, uma planta, uma instituição- implica a existência de um Mundo.”22
Ainda segundo Eliade, “todo mito de origem conta e justifica uma “situação
nova”- nova no sentido de que não existia desde o início do Mundo”.23 Ou seja,
cada nova conquista inca implicava na existência de um mundo, uma nova
situação. Dessa maneira, cada conquista os renovava, fortalecendo seu ímpeto
de conquista, sem, necessariamente, utilizar o “espírito guerreiro”. Vale ressaltar
que, o mundo concebido nas concepções simbólicas trabalhadas por Eliade é
relacionado ao mundo em que se vive, ou seja, são concepções inseridas no
contexto do seu próprio tempo. Dessa maneira, as concepções em relação ao
mito de origem inca são de grande importância para a compreensão de sua visão
de mundo, mesmo que, tal concepção tenha sido destruída pela europeização
cultural no período da conquista.
A compreensão dos mitos é essencial para entender os incas. Pois, além
de representar sua origem, diz respeito a sua concepção de desenvolvimento
político. Apesar de seu intuito de conquista ter se engrandecido à medida que
mais tribos eram conquistadas por meio da reciprocidade, seu mito de origem
sempre foi o modelador de sua visão de mundo.
De fato, o que desintegrou o império foi a ineficiência das relações de
reciprocidade, visto que, em razão da grande ambição conquistadora dos incas,
acabou por não ser o método que garantia uma formação imperial bem
sustentada. É fato também que, em razão do multiculturalismo existente, uma
vez que, os incas não se impuseram culturalmente, permitiu uma dominação
menos rígida, dessa maneira, a chegada dos espanhóis foi a “força divina” (uma
vez que os próprios incas pensaram ser a volta do deus Viracocha, que era
branco, tal como os espanhóis), portanto, a força maior que os motivou a
21 Professor, historiador das religiões, mitólogo, filósofo e romancista romeno. http://pt.wikipedia.org/wiki/Mircea_Eliade
acesso em: 26/03/2014 às 9h35.
22 ELIADE, Mircea. 2010, p. 25. 23 Ibid. p. 26.
concretizarem uma “rebelião” em busca da libertação do domínio incaico. Esse
fato mostra uma unidade religiosa, pelo menos em torno do deus Viracocha, visto
que, por imposição cultural dos incas ou não, este deus era cultuado pelos povos
que formavam o império e não somente pelos incas.
Da mesma forma, com o aparecimento dos espanhóis, eles pensaram ser
a volta do seu deus Viracocha, consequentemente, o início de um novo tempo.
Pois, como acreditavam estar vivendo no quarto mundo, a vinda do deus
Viracocha representava o fim do mesmo e o início de outro. No caso dos incas,
seu mito de origem se enquadra, segundo Eliade, nos “mitos de cataclismos
cósmicos”24, pois, ao final, somente dois dos quatro irmãos (Manco Capac e
Mama Ocllo), sobrevivem para fundar o império, tal como concebe os mitos
acima mencionados. Da mesma forma, dá-se com a chegada dos espanhóis,
pois, ainda segundo Eliade, os mitos de Fim de mundo “relatam a destruição da
humanidade por cataclismos de proporções cósmicas: tremores de terra,
incêndios, desabamento de montanhas, epidemias, etc.”25 Dessa maneira, seria
o início do quinto mundo para eles, uma vez que os anteriores foram destruídos
por catástrofes cósmicas, e não diferente, foi esse, com as epidemias trazidas
pelos espanhóis.
1.2 A CONQUISTA ESPANHOLA
A Espanha no período conhecido como a “Era dos Descobrimentos” (período
referente ao início da modernidade, quando, em razão da crise do Feudalismo e
da alta taxa de mortalidade trazida pela peste negra, foi necessária a busca por
novas terras) sofreu um marco importante na sua história em razão da unificação
dos reinos de Castela e Aragão proporcionada pelo casamento dos reis Isabela
e Fernando com o intuito de reestabelecer a hegemonia espanhola sob os
mouros que, desde 711, haviam conquistado boa parte da Península Ibérica.
Esse contexto está inserido dentro de um contexto maior: contornar a crise do
feudalismo no final do século XIV. Todos os setores foram direta, ou
indiretamente afetados por ela, desde a economia até a religião. Trata-se de um
movimento de longa duração,
“É possível, grosso modo, situar seu início no século XIV, com a crise geral do feudalismo europeu, e avançar até o século XVIII,
24 Ibid. p. 53. 25 Ibid. p. 54.
quando as revoluções burguesas sancionaram juridicamente as estruturas do capitalismo.”26
Não constituiu um processo linear, ou seja, uma simples passagem de um
sistema a outro. Na verdade, foi um processo que envolveu várias rupturas,
descontinuidades, recuos, variações temporais e espaciais. Nesse processo
está a expansão marítimo-comercial europeia dos séculos XV e XVI, vivenciado
pela Espanha e motivado por diversos fatores.
O primeiro deles, é a busca por metais preciosos em outros continentes
diante da desmonetarização da economia europeia. Tal fato foi ocasionado pelo
esgotamento das reservas minerais mais superficiais do continente, acessíveis
à tecnologia da época, apesar da busca dos navegadores fora de seus Estados,
principalmente no Oriente como artigos de luxo e especiarias, “Pimenta,
corantes, cravos, etc.”27, produtos que representavam altos valores unitários e
que propiciavam grandes lucros.
Além disso, deve-se destacar também o desenvolvimento de um setor
mercantil na economia do continente, desde a Baixa Idade Média, especialmente
nas cidades do norte da Itália (Gênova e Veneza). Dali vieram homens com
experiência nos negócios e na navegação, com o intuito de enriquecer e
dispostos “a cruzar por mares nunca dantes navegados” 28
A formação das monarquias nacionais, ou seja, o fortalecimento de novos
Estados também teve importante papel nesse processo. Pois, houve o
investimento dos monarcas nas grandes navegações com intuitos comerciais e,
no caso espanhol, obtiveram imensa quantia lucrativa.
Como objetivo mais coletivo, mas não menos importante, a persistência do
espírito cruzadista, proveniente da crise espiritual do final da Idade Média,
também teve grande importância. O prolongamento da fé católica por meio da
evangelização, e a busca por novos territórios, também serviram de motivação
para os espanhóis.
Um dos conceitos econômicos base desse período, o mercantilismo, é o
conjunto de ideias e práticas econômicas29, característico da história europeia e
26 SCHMIDT, Benito Bisso. A Espanha e a América no final do século XV: o descobrimento e a conquista. IN:
WASSERMAN, Claudia. História da América Latina: cinco séculos. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2000). 27 Idem. 28 Idem. 29 Ibid. p.13.
principalmente da política econômica. No entanto, não se pode considerar o
mercantilismo como um sistema econômico coerente e articulado. Pelo contrário,
as ideias e práticas mercantilistas sofreram variações no espaço e no tempo, de
acordo com as necessidades concretas dos Estados emergentes
europeus30.Segundo Novais:
(...) a doutrina mercantilista tem o imediato objetivo de formular normas da política econômica, parte dessa problemática, e só para justificar o seu receituário é que se alça à formulação de uma teoria explicativa da vida econômica como tal. Não parte de conceitos puros e de uma sistemática explicação da economia para deduzir normas de intervenção nesta realidade, senão que percorre quase o caminho inverso; paralelamente, as preocupações de seus doutrinadores não ultrapassam as fronteiras de suas respectivas nações.31
Mas, apesar das indefinições e ambiguidades do mercantilismo, é possível
determinar algumas de suas características gerais: a ideia de um mercado
mundial inelástico; a busca de uma balança comercial favorável; a procura de
metais preciosos, vistos como símbolos de riqueza do Estado que o possuía; o
estímulo à produção de artigos de alto valor unitário (industrialismo) em
detrimento da agricultura e o protecionismo alfandegário.32
A partir desse contexto da transição feudal-capitalista, é possível sintetizar
um pouco da história espanhola no período que antecedeu viagem de Colombo.
O território que hoje se conhece por Espanha, passou toda a Idade Média
lutando contra os mulçumanos que, desde o século VIII, dominavam a Península
Ibérica. O processo conhecido como Reconquista, exigiu constante formação
militar, o repovoamento e a defesa das regiões conquistadas. Destas demandas,
formaram-se diversos reinos autônomos na região, conferindo especificidades
ao feudalismo espanhol. Conforme Anderson, “os monarcas desses reinos
possuíam uma autonomia excepcional para a época devido à sua função militar
suprema, à cruzada permanente no sul e à pequena superfície dos seus estados
(...)”33
A nobreza cristã que lutou na Reconquista buscava tanto a aquisição de
novas terras e honrarias, como a ampliação das fronteiras da fé católica,
30 Ibid. p.14. 31 NOVAIS, 1986, p.60 IN: SCHMIDT, 2000, p. 14. 32 Idem. 33 Ibid. p.15.
imbuídos de um autêntico espírito cruzadista.34 A mescla entre interesse material
e fé, naquela época não era contraditória, tendo seu prolongamento na conquista
da América. Dessa maneira, a América se constituiu como uma continuação do
território espanhol, sendo uma colônia de povoamento. Assim, desde o início a
Espanha instituiu a religião católica como a única da colônia e não só por meio
da construção de igrejas e envio de religiosos para catequizar os índios, mas
também ao instituir as universidades, inclusive, as primeiras do Novo mundo.
Em meio a todo contexto que construiu o panorama da conquista do Novo
Mundo, e nela, a conquista do Império dos Incas, está a relação entre o capitão
espanhol Francisco Pizarro35 e o soberano dos incas, Atahualpa36. Dessa
maneira, tal relação não foi simplesmente um confronto consequência do
encontro entre os dois mundos, mas, é digna de um estudo específico.
Um dos principais fatores desse episódio, diz respeito ao imenso tesouro
guardado por Atahualpa: “Dias mais tarde, uma notícia correu entre os homens:
Atahualpa propusera a Pizarro, em troca de sua liberdade, encher com peças de
ouro o quarto em que estava preso.”37
34 Idem. 35 Nascido em Trujillo de Extremadura Espanha em 1478 , Francisco Pizarro teve uma infância humilde, o que o levou a
tentar a sorte na América em1502 na expedição do frei Nicolás de Ovando, o novo governador de La
Española.Participou de diversas viagens à Tierra Firme e foi companheiro de Vasco Núñez de Balboa na jornada que
terminaria no descobrimento do Mar del Sur em 1513, onde teve as primeiras notícias sobre o Tahuantinsuyu Pizarro
tinha uns 50 anos e era um dos homens mais ricos do Panamá quando se associou a Diego de Almagro e ao clérigo
Hernando de Luque para fazer três viagens em busca do Levante, ou seja, os territórios que ficavam ao sul do
Panamá.A primeira foi feita em 1524, mas diante de várias dificuldades só conseguiram chegar ao norte da Colômbia e
regressaram às proximidades do Panamá. Na segunda viagem em 1526, conseguiram confirmar a existência do
domínio Inca, porém passaram por graves problemas, fome, doenças, ataques de tribos indígenas e dos 300 homens
que haviam saído do Panamá, grande parte tinha perecido, o que levou a um episódio famoso na história da conquista.
http://www.academia.edu/2388582/HERNAN_CORTES_E_FRANCISCO_PIZARRO_HISTORIA_E_MEMORIAS
acesso em: 09/04/14 às 12h05.
36 Atahualpa foi um imperador inca que nasceu em março de 1502 em Quito, atual capital do Equador. Era filho do imperador
Huayna Cápac, famoso por manter uma política rígida e cruel com seu povo, com a princesa Tocto Pala.Com a morte de Huayna e, não muito tempo depois, a morte de seu filho primogênito que iria substituí-lo no cargo de imperador, havia dúvidas sobre quem seria o novo imperador inca. Huascar, que dominava Cusco, histórica sede imperial, estava decidido de que seria o novo rei, mas sentia-se inseguro com as grandes terras deixadas para seu meio-irmão.Atahualpa contava com uma grande vantagem: em seu exército, reuniu diversas sociedades que pretendiam acabar com o domínio cruel exercido pelos incas, lutando com muito mais homens a seu favor que Huascar. Historiadores avaliam que durante essa batalha, que ficou conhecida como Guerra dos Dois Irmãos, cerca de cem mil pessoas pereceram.Naquele momento, corria um boato de que havia estrangeiros que pretendiam acabar com todo o Império Inca, que já estava bem enfraquecido após a batalha entre os irmãos. Atahualpa, que se tornara imperador, resolver apurar essa história e dirigiu-se até Cajamarca, no Peru, onde recebeu um convite do líder das tropas
espanholas, Francisco Pizarro, para um jantar. http://www.infoescola.com/civilizacao-inca/atahualpa/ Acesso em:
09/04/14 às 12h10. 37 RODRIGUES, Lúcio M. 2011, p.138.
Este tesouro serviu como moeda de troca para o resgate do soberano
Inca, que tinha sido aprisionado38pelos espanhóis na tentativa de se estabelecer
um domínio sobre os incas, uma vez que, eles obedeciam a qualquer ordem do
soberano. Mas, enquanto esteve preso, Atahualpa ainda controlava a situação.
Embora seu aprisionamento agradasse aos partidários de Huáscar39.
Em relação ao resgate do soberano, ele prometera que os espanhóis teriam o
tesouro em dois meses, no entanto, o ritmo de entrega era bem devagar. Isso
causou certa revolta em alguns espanhóis, trazendo a ideia de assassiná-lo40.
No entanto, o soberano contou aos espanhóis onde estava todo o ouro41,
fazendo com que Pizarro convocasse, por meio de escolha aleatória, quem se
dispusesse a buscar o tesouro. Atahualpa tratava com desprezo os curacas e
demais inferiores, em virtude de, com relação aos primeiros, por não serem
confiáveis42 e aos outros, para demonstrar superioridade. Mesmo preso, o
soberano ainda mantinha suas regalias, recebia diversas mulheres, suas meia-
irmãs, com quem dormia, horrorizando aos freis espanhóis43 O Inca ainda
continuava bastante influente em todo império, a ponto de quem o desafiasse
pagaria com a própria vida44. Mandou aprisionar e apedrejar até a morte os
curacas de tribos que, ao saberem de sua captura, se insurgiram contra seu
poder45, o que descontentou Pizarro, que o ameaçou: “Se fizer isso de novo, eu
o queimarei vivo”.46
Mesmo com as eventuais desavenças, ambos desenvolveram certa
amizade, tanto que, com certa frequência, Pizarro convidava o soberano para
jantar com ele. Para Pizarro, o Inca poderia ser útil para manipular o povo e,
assim, conseguir dominar o Império sem precisar guerrear, o que, de fato,
poderia ser bem desvantajoso para os espanhóis, em razão do número de
soldados. Para os demais espanhóis, inclusive os padres como Frei Valverde, a
punição ao Inca deveria ser imposta.
38 Ver: RODRIGUES, Lúcio M., 2011, pgs. 69-138. 39“ Irmão e inimigo do soberano para governar o império.”Idem. 40 Ibid. p.139. 41 RODRIGUES, Lúcio M., 2011. pgs 139-140. 42RODRIGUES, Lúcio M., 2011. p. 139. 43 Idem. 44 Ibid. p. 139. 45 Idem. 46 Idem.
“Pizarro, que já se acostumara com o Inca, relutava em aceitar sua
execução, mas cada vez mais espanhóis eram favoráveis à sua morte. (...) Frei
Valverde também desejava punir o soberano (...)”47
O fato de Pizarro ter desenvolvido alguma amizade com Atahualpa serviu
para amenizar as diferenças entre as duas culturas, uma vez que, o inca faria a
vontade dos espanhóis, não sem aplicar algum tipo de vantagem, mas cederia
por não ter escolha. De fato, libertar o soberano após o pagamento do resgate,
poderia representar o fim dos espanhóis, além de que a opinião do frei
influenciava a todos, em razão da forte influência da Igreja. Além disso, os
problemas internos que diziam respeito à disputa com Huáscar pelo trono
quitenho se voltaram ainda mais contra Atahualpa.
“Para piorar a situação do Inca, os curacas de Cusco, partidários do
falecido Huáscar, também começaram a acusar o prisioneiro de ter ordenado a
seus oficiais arregimentar tropas em Quito.”48
Tanto a influência da Igreja como as desavenças internas entre os dois
partidários ao poder incaico, contribuíram para que o processo de conquista
fosse favorável aos espanhóis. O primeiro devido ao fato da grande influência
que a Igreja exercia não somente sobre a Espanha, mas sobre toda Europa. O
segundo, pois, era sinal de instabilidade política, ou seja, o império já
apresentava sinais de ruptura, uma vez que, do ponto de vista político, já não
havia unanimidade. De fato, tais problemas internos estremeceram a relação,
até ali amistosa, entre o soberano e o espanhol. Pizarro passou a desconfiar da
traição do Inca, principalmente depois da confirmação de Calcuchímac ”General
das tropas de Atahualpa.”49, em relação à formação das tropas para atacar os
espanhóis. Desse fato em diante, a amizade passou a troca de ameaças por
parte de Pizarro. Assim, o comandante espanhol passou a aceitar a ideia de
executar o Inca. Em razão do repúdio à verdadeira fé, logo que encontrou os
espanhóis, além da prática de incesto, bastante condenada pela Igreja,
Atahualpa foi condenado à morte. Mesmo assim, ele ainda relutou,
argumentando ser inocente e ter pago seu resgate, mas não adiantou. Sabia,
por outro lado, que os partidários de Huáscar teriam influenciado os espanhóis
47 RODRIGUES, Lúcio M., 2011, p. 139. 48 Ibid., p. 139. 49 Idem.
a decidir por sua execução.50 Com medo de ser condenado ao inferno, pouco
antes de morrer, Atahualpa se converteu ao cristianismo: “Já amarrado ao poste,
quando se conscientizou de que não escaparia à execução, Atahualpa
perguntou ao frei Valverde para onde iam os cristãos (...)”51
Após saber que, se não se convertesse iria para o inferno e não teria um
enterro digno, Atahualpa aceitou a fé cristã, aliviando sua pena de morte da
fogueira para o garrote vil. 52
Dessa maneira, Atahualpa tornou-se um inca cristão, mesmo tendo se
convertido para aliviar sua pena de morte.
Pizarro, no entanto, apoiou mesmo a contragosto, a morte do soberano inca,
com quem chegou a desenvolver amizade. Os espanhóis ficaram de luto, usando
roupas negras, por ter sido um rei.
Como exemplo de soberania e inspirar respeito à autoridade de Carlos V,
o corpo permaneceu abandonado no pátio durante toda a noite. Mas, pela
manhã, o levaram para a igreja garantindo seu direito a uma sepultura cristã53.
Como se não bastasse as práticas de incesto, as irmãs e concubinas do
falecido soberano inca interromperam a cerimônia fúnebre pedindo que fossem
enterradas com ele54.
Além da parcela do resgate vinda de Cajamarca, somavam-se as riquezas
trazidas de Cusco e as que Hernando saqueara no templo de Pachacámac55.
De fato, a quantidade de ouro superou as expectativas dos espanhóis.56
Nesse ponto, a influência da Igreja foi determinante para que o processo
de colonização tivesse sucesso. Pois, além de dominar a cultura espanhola, e,
assim, ser essencial para a dominação da Espanha na região, a Igreja ainda
aumentava o próprio poderio, uma vez que difundia sua doutrina para além da
Europa.
50 Ibid. p. 139. 51 Idem. 52 “O condenado morre sufocado”. Ibid., p. 139 53 Idem. 54 “Era costume entre os incas, pois, aquelas que se suicidaram queriam servi-lo após a morte.” Ibid. p. 139. 55 Idem. 56 Cada soldado seria recompensado com quantidade de ouro suficiente para viver uma vida tranquila. O tesouro
saqueado dos templos peruanos foi repartido entre todos, inclusive os que nem participaram efetivamente da conquista,
como os homens que ficaram em San Miguel e os covardes. Fazia parte dos planos de Pizarro iniciar uma colonização, para qual manteve nobres capturados sendo prisioneiros, a fim de conhecer melhor os incas e ter alguns para a difusão
do espanhol. Esta ideia teve apoio da Igreja, que queria fazer do Peru, uma colônia cristã. Ibid. p. 139.
Seja por problemas internos ou pela influência da Igreja, o fato é que a
desintegração do Império inca foi um processo lento, mas gradual, que começou
e, talvez, tenha se consolidado, algumas décadas antes da chegada dos
espanhóis. Em razão da instabilidade política, que estremeceu a estabilidade do
império, fazendo com que, por exemplo, houvesse desunião por parte das tribos
conquistadas, os incas já começaram a ser prejudicados por problemas que eles
próprios causaram.
2. A CONCEPÇÃO DO IMPÉRIO INCAICO E DA COLONIZAÇÃO EM
J.C.MARIÁTEGUI
Para José Carlos Mariátegui, o Império incaico constituía um agrupamento de
comunidades agrícolas e sedentárias, em cujo aspecto mais interessante era a
economia. Os incas era um povo agrário que vivia da agricultura, assim sendo,
atribuíam uma singular importância ao cultivo da terra, “a vida vem da terra”57.
Seu desenvolvimento estrutural, ou seja, a construção das obras públicas e
coletivas mais expressivas tinha por finalidade militar, ou ainda, religiosa ou
agrícola. Concebiam a terra como uma divindade, Mama Pacha, assim
estabeleciam grande importância tal como o faziam para o sol, do qual se
consideravam filhos. Sendo o comunismo agrário o sistema político, por se
desenvolver sob o regime autocrático dos Incas, os princípios que definiam sua
economia eram:
Propriedade coletiva da terra cultivável pelo ayllu, ou conjunto de famílias aparentadas, embora divididas em lotes individuais intransferíveis; propriedade coletiva das águas, terras de pastoreio e bosques pela marca ou tribo, ou seja, a federação de ayllus estabelecidos em torno de uma mesma aldeia: cooperação comum no trabalho: apropriação individual das colheitas e frutos.58
É necessário salientar que, a visão de Mariátegui é fundamentada em um
marxismo diferente, ou seja, algo “vivo, ativo e atual”, dessa maneira, que não
fosse de consequências rígidas, compreendia-o como um método de
interpretação da realidade e de ação política, indissoluvelmente conectados.
57 MARIÁTEGUI, J. C. 1975, p. 36. 58 VALCÁRCEL, Luís E. Del Ayllu al Império, p. 166 IN: MARIÁTEGUI, J. C. 1975, p. 36.
2.1 Sobre o autor59
José Carlos Mariátegui nasceu em 1894, na cidade de Moquégua no Peru.
Trabalhou com o jornalismo de 1908 a 1919, com publicações como La Prensa
e El Tiempo. Publicou também poemas e revistas de humor e arte, no entanto,
a partir de 1918, estabeleceu ligações com o socialismo, viajando pela Europa,
para escrever como correspondente. Retorna ao Peru três anos mais tarde e cria
muitas publicações com forte conteúdo de crítica social, dentre as quais, a
importante revista Amauta60 e que se tornou fundamental para o próprio
Mariátegui. No Peru, fundou em 1928 o Partido Socialista Peruano, escreveu
reportagens e artigos sobre a situação europeia, e iniciou seu trabalho de
investigação da realidade peruana com uma análise marxista. Morreu em 1930,
sua obra teórica e sua visão sobre a formação social e étnica da indo-américa
influenciou desde a revolução cubana e Che Guevara até os zapatistas de
Chiapas, e seguem inspirando movimentos que lutam pela igualdade e pela
emancipação em toda a América Latina. Dentre os vários livros que escreveu,
destacam-se Siete Ensayos de interpretación de la realidad peruana (1928) e La
escena contemporânea61(1928). Publicou ainda Do sonho às coisas (2005), pela
Boitempo.
Pouco conhecido no Brasil, José Carlos Mariátegui tem sua linha de pensamento
marxista advinda das fontes “clássicas”, numa ambiência cultural em que as
contaminações positivistas eram objeto de crítica e rechaço. O marxismo de
Mariátegui se singulariza pela simpatia por autores e ideias estranhas ao seu
horizonte; admirado por todos os que recusam uma versão doutrinária e
dogmática do marxismo, mas também alvo de críticas, sendo algumas
procedentes, por apresentar alguns elementos ecléticos. Sua concepção
empregava o marxismo como algo “vivo, ativo e atual”, por outro lado, recusando
59 Ver: MARIÁTEGUI, J. C. 2010; http://es.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Carlos_Mari%C3%A1tegui acesso em:
05/03/2014 às 9h. 60 Palavra quéchua que se traduz como “sábio sacerdote”. 61 Além das já citadas, Mariátegui ainda escreveu: El Ama matinal (1919); La novela y la vida (1921); Defensa del
Marxismo (1959); El artista y la época (1923); Signos y obras (1930); Historia de la crisis mundial (1922); Poemas a Mariategui (s/d); Jose Carlos Mariategui (1922); Peruanicemos al Peru (1923); Temas de Nuestra America (1928); Ideologia Y Politica (1930); Temas de Educación (1928); Cartas de Italia (1922); Figuras y aspectos de la vida mundial
vol. I (1922); Figuras y aspectos de la vida mundial vol. II (1925); Figuras y aspectos de la vida mundial vol. III (1929); Amauta y su influencia sintesis (s/d); Mariategui y su tempo (s/d). Ver: http://www.patriaroja.org.pe/docs_adic/obras_mariategui/ acesso em: 30/04/2014 às 9h40.
o mesmo como “um corpo de princípios de consequências rígidas”,
compreendeu-o como um método de interpretação da realidade e de ação
política, indissoluvelmente conectados.
Em relação à sua obra-prima, os Sete ensaios de interpretação da realidade
peruana, publicado em 1928, tinha por objetivo “ser uma contribuição à crítica
socialista dos problemas e da história do Peru”. Por outro lado, tornou-se mais
abrangente: constituiu-se na primeira análise histórico-concreta de uma
formação econômico-social latino-americana processada essencialmente com
os recursos heurísticos do marxismo.
Sua linha de força interpretativa apoia-se na seguinte tese: a revolução da
independência peruana, da qual derivou a república, não realizou sua tarefa
elementar: a liquidação do feudalismo, herança da colônia. A hipoteca de que a
república, que, no Peru, deveria constituir o regime burguês por excelência, foi a
portadora, constituiu justamente na conservação do gamonal e contra a massa
da população, o índio.
Mariátegui foi o primeiro a se expressar por esse caminho. A pesquisa da
história, a determinação das causas passadas, permite-lhe interpretar o
presente: ele descobre a particularidade histórica da formação econômico-social
peruana- a peculiar articulação do comunismo agrário herdado dos incas com o
feudalismo da colônia, sobredeterminados pelo “capitalismo retardado”.
É sobre as bases da análise concreta da realidade que pensa o processo
revolucionário. Ao mencionar o projeto socialista como “missão digna de uma
geração”, afirmando que “o problema da nossa época” é a alternativa entre
“capitalismo ou socialismo”, ele anota: “Não queremos, certamente, que o
socialismo seja, na América, cópia ou decalque. Deve ser criação heroica.” O
processo e o caráter revolucionário peruano é pensado em proporções
continentais: “A revolução latino-americana será nada mais, nada menos, que
uma etapa, uma fase da revolução mundial. Será, simples e puramente, a
revolução socialista. A essa qualificação, acrescente-se todos os adjetivos que
quiser: “anti-imperialista”, “agrarista”, “nacionalista-revolucionária. O socialismo
os supõe, os antecede, abarca-os a todos”.
Sua obra lhe confere uma substancial contemporaneidade: assume o marxismo
para compreender a realidade com vistas à sua transformação revolucionária. A
teoria marxista é um meio, instrumento de um conhecimento comprometido com
a transformação social revolucionária; sua atitude de investigação, de pesquisa
e de indagação à realidade. A realidade é interpelação, desafio à razão, enigma
a ser decifrado; sua atitude diante da natureza da ação política. Pensava e
praticava a intervenção política a partir da não aceitação da mentira, da
demagogia.
A seguir, será feita uma análise mais específica da obra Sete ensaios de
interpretação da realidade peruana com o propósito de compreender melhor a
história do Tahuantinsuyu e da colonização do Peru sob a análise marxista de
Mariátegui.
2.2 O Império Incaico e a Colonização nos Sete ensaios
Nos Sete Ensaios (1928), Mariátegui privilegia sua análise do Império
Incaico sob o ponto de vista econômico.
A população do Império Incaico estava estimada em 10 milhões de pessoas, mesmo que haja fontes que aumentem para 12 ou 15 milhões. O processo de Conquista foi, sobretudo, uma grande carnificina.62
Assim, o processo foi um genocídio generalizado, em razão da
quantidade de índios mortos pelos espanhóis. Ao conquistador e colonizador
espanhóis, não havia outro método de impor domínio se não, pela aplicação do
“medo”, ou seja, aterrorizando os índios com seus cavalos, além do uso de
armas, pois, principalmente os animais, produziam uma impressão
supersticiosa, dando aos espanhóis, uma caracterização sobrenatural.63 Dessa
maneira, a inserção do desconhecido para a cultura do Novo Mundo, foi um dos
fatores que, desde o início, já influenciou em favor dos espanhóis. A economia
do Império Incaico era agrária, vinha diretamente da terra. As comunidades eram
agrícolas e sedentárias, mas laboriosas, disciplinadas e panteístas, pois,
gozavam sempre de bem-estar material. A terra sempre retribuía com
abundância de alimentos, contribuindo para o crescimento populacional. Sua
organização era coletivista, enfraquecendo nos índios o conceito de
individualismo, desenvolvendo, por outro lado, o hábito de uma humilde e
62 MARIÁTEGUI, 2010, p. 61. 63 Idem.
religiosa obediência ao seu dever social. Eles aproveitavam essa virtude com a
valorização de seu território, mediante a construção de estradas, canais, etc.,
estendiam sua autoridade às tribos vizinhas.
Seu regime político em vigor era o comunismo64, embora, diferente do
comunismo do século XX, o contemporâneo, pois, aquele prezava, entre outras
coisas, o trabalho coletivo e o bem comum, era chamado de comunismo agrário.
Dessa maneira, o trabalho coletivo e a harmonia com a terra, exerciam, do ponto
de vista econômico, a estabilidade dos incas.
De fato, ainda segundo Mariátegui, após a Conquista, a harmonia dos
índios foi quebrada, e, dessa forma, houve a desvinculação política do Império,
mediante a fuga das diversas tribos que o compunham. Nota-se, dessa maneira,
que só o fato de os espanhóis terem adentrado em terras indígenas, foi o
suficiente para a desestabilização da estrutura do Império, como um todo. Desse
modo, não foi em razão da violência ou, necessariamente do contato com os
espanhóis, que o Império se desestabilizou, mas pelo fato do não conhecimento
entre as culturas, haja vista a atribuição sobrenatural a que os incas
caracterizaram os espanhóis. Movidos pelo intuito de conquista, os espanhóis
não hesitaram em anexar o Novo Mundo como um prolongamento de seu
território, seja do ponto de vista político-econômico, seja do religioso ou cultural.
Assim, sob esse ponto de vista , a Conquista inseriu o método de produção
europeu, o mercantilismo, que visava à exploração do território em benefício
próprio, ou seja, da metrópole, uma vez que, entre os primeiros espanhóis que
aportaram nas novas terras, estavam os conquistadores.
Ainda segundo Mariátegui, o desenvolvimento do processo colonial no
Peru deve-se muito ao problema da terra. Estão nele as principais lacunas a
serem preenchidas, pois, ele ajuda a esclarecer “a atitude vanguardista, diante
das sobrevivências do vice-reinado.”65
As raízes do feudalismo aplicado pela Espanha como método de
exploração, além de ser herança da Idade Média, assim como o são a religião
católica e a Inquisição, por exemplo, influenciaram diretamente na destruição do
império inca, pelo fato de ser um dos fatores que ajudaram a acabar com sua
universalidade, ou seja, sua homogeneidade.
64 Ver: http://www.significados.com.br/comunismo/ acesso em: 24/03/2014 às 9h17. 65 MARIÁTEGUI, José Carlos. 2010, p. 70.
No Peru incaico, o princípio fundamental estava vinculado à terra, “a vida
vem da terra”66.Todas as obras, inclusive as que representavam o
desenvolvimento incaico, tinham relações com a terra. Isso mostra que, os incas
tinham bases econômicas agrícolas.
A terra-escreve Valcárcel estudando a vida econômica do Tawantinsuyo, na tradição reinícola é a mãe comum: de suas entranhas saem não somente os frutos alimentícios, mas também o próprio homem. A terra representa todos os bens. O culto da Mama Pacha é paralelo ao da heliolatria, e como o sol não é de ninguém em particular, tampouco o é o planeta. Irmanados os dois conceitos na ideologia aborígene, nasceu o agrarismo, que é a propriedade comunitária dos campos e religião universal do astro do dia.67
Aliado ao comunismo agrário, regente entre os incas, suas características
fundamentais, segundo César Ugarte citado por Mariátegui, são:
Propriedade coletiva da terra cultivável pelo ayllu ou conjunto de famílias aparentadas, ainda que dividida em lotes individuais intransferíveis; propriedade coletiva das águas, terras de pasto e bosques pela marca ou tribo, ou seja, uma federação de ayllus estabelecidos ao redor de uma mesma aldeia; cooperação em comum no trabalho; apropriação individual das colheitas e frutos.68
Conforme Mariátegui, a própria desvinculação da unidade dos incas tal
como aconteceu, é um dos fatores menos passíveis de discussão do período
colonial. Isto em razão de tal processo não ter formalizado a destruição de
formas autóctones, mas por ter acarretado na substituição por formas
superiores. Ou seja, não houve uma aculturação por parte dos espanhóis sobre
os incas, mas uma completa destruição de seus costumes e modelo econômico
e implantação de costumes e modelo econômico espanhóis.
O colonialismo espanhol foi incapaz de organizar no Peru uma economia
essencialmente feudal. É pouco provável que uma economia seja organizada
sem o discernimento objetivo e concreta análise seja de seus princípios ou, pelo
menos, de suas necessidades. Já uma economia agrária, forma-se sem precisar
desse processo. Suas determinações são espontâneas. Diferentemente, uma
economia colonial estabelece raízes sobre bases construídas, dependentes do
interesse do colonizador. Seu desenrolo depende do desempenho regular nas
66 Ibid. p. 71. 67 Idem. 68 UGARTE . Apud. MARIÁTEGUI, p. 71.
adaptações nas condições naturais ou em manipulá-las. Eis um quesito
essencial que esteve ausente no colonizador espanhol. Para ele, estava
disponível uma noção básica sobre os valores econômicos dos tesouros
naturais, entretanto, pouco conheciam o valor do homem. Assim sendo, viram o
nativo como um obstáculo ao seu projeto de colonização, cabendo, portanto,
exterminá-lo, seja pelo homicídio generalizado, ou pela completa manipulação
de seu povo sob seus interesses, o trabalho escravo.
Diferentemente do critério adotado no Norte, em que, segundo um estadista
americano formulou um princípio: “Governar é povoar”69, o colonizador espanhol
contrastou perfeitamente, aplicando o regime de despovoamento. Os espanhóis
não souberam aproveitar a quantia de homens ou braços, estando a mão de
obra cada vez mais carente, eles acabaram adotando outro critério, o de
importação de escravos. Esta mudança de critério se deve à renúncia ao
empreendimento de assimilação indígena. Os escravos trazidos tinham, entre
outras funções, a de equilibrar a imensa divergência demográfica entre branco e
índio.
Em razão da indisponibilidade econômica da colônia de mandar outros
produtos à metrópole, a prática da exploração dos metais preciosos se tornou a
ocupação primária entre os colonizadores. Dessa maneira, seus interesses se
convergiam em tornar o povo, inicialmente agrário, em povo de mineradores. Foi
dessa prática, essencialmente, que surgiu a escravidão na América espanhola.
Se fosse mantida sua origem, ou seja, a prática de trabalhos na terra, o índio
teria sido um servo, mas diante da mudança de trabalho, o índio tornou-se um
escravo. Esse é, essencialmente, o que constitui a mita, o trabalho forçado que
arranca o índio das suas origens.
A importação de escravos, além de cobrir as diferenças demográficas,
ainda serviu para que a Espanha não percebesse seu erro político-econômico,
ou seja, o escravagismo se adaptou ao regime, viciando-o e enfermando-o.
Segundo Mariátegui, o professor Javier Prado em seu estudo sobre a situação
do Peru na época colonial:
Os negros (...) considerados como mercadoria comercial, e importados para a América como máquinas humanas de trabalho, deviam regar a terra com o suor de seus rostos; mas sem fecundá-la, sem deixar frutos proveitosos. É a liquidação
69 MARIÁTEGUI, 2010 p. 73.
constante, sempre igual, que a civilização faz com a história dos povos: o escravo é improdutivo no trabalho, como foi no império romano e como tem sido no Peru; e é um câncer no organismo social, que vai corrompendo os sentimentos e os ideais nacionais. Dessa maneira, desapareceu o trabalho escravo no Peru, sem deixar os campos cultivados; e depois de ter se vingado da raça branca, misturando seu sangue com o desta e rebaixando nesse contubérnio o critério moral e intelectual dos que foram no princípio seus amos cruéis e mais tarde seus padrinhos, seus companheiros, seus irmãos.70
Não é consequência de implantações do regime colonial a vinda de uma
raça inferior, mas o fato de ter trazido escravos, iniciado a escravidão e,
consequentemente, ter o fracassado o meio de exploração e organização
econômica da colônia, além de reforçar um regime imposto apenas baseado na
conquista e na força71. Isto é consequência da renegação da mão de obra
indígena disponível para suprir as diferenças com os brancos.
Em relação ao colonizador espanhol ele era incapaz de organizar a
sociedade peruana se baseando apenas nos meios oferecidos pela própria terra,
agrícolas. Em contraposição o Norte, por exemplo, a colonização depositou
sementes de um espírito econômico europeu. Já os espanhóis, trouxeram uma
economia que estava em declínio, uma ideia velha.
Segundo Mariátegui, José Vasconcelos no livro Indologia:
Se não houvesse tantas outras causas de ordem moral e ordem física (...) que explicam perfeitamente o espetáculo aparentemente desesperado do enorme progresso dos saxões no Norte e o lento e desorientado passo dos latinos do Sul, apenas a comparação dos dois sistemas, dos dois regimes de propriedade, bastaria para explicar as razões do contraste. No Norte não houve reis que andassem dispondo de terra alheia como de coisa própria. Sem maiores graças de parte de seus monarcas, e até mesmo de certo estado de rebelião moral contra o monarca inglês, os colonizadores do Norte foram desenvolvendo um sistema de propriedade privada no qual cada um pagava o preço de sua terra e ocupava somente a extensão que pudesse cultivar. Foi assim, que em vez de encomendas, houve cultivos. E em vez de uma aristocracia guerreira e agrícola, com selos de avoengos reais manchados, avoengos cortesãos de abjeção e homicídio, se desenvolveu uma aristocracia de aptidões, que é o que se chama democracia que nos começos não reconheceu mais preceitos que os do lema francês: liberdade, igualdade, fraternidade72.
70 PRADO, Javier. Apud. MARIÁTEGUI, p. 74. 71 Ibid. p. 74. 72 VASCONCELOS, José. Apud. MARIÁTEGUI, José C. p. 76.
Ainda segundo Vasconcelos, o feudalismo é o “peso” deixado pelo regime
colonial. Os países que, depois da independência, conseguiram se livrar dele,
progrediram. Já os que ainda convivem com essa realidade, são os
retardatários.73 E, em relação ao Peru, já se sabe a realidade posterior que
resultou desse convívio.
Em relação às condições de colonização entre o Norte e o Sul, é necessário
pontuar que não eram iguais. Em relação ao Norte, foi estabelecida pelo pioneer,
o legítimo colonizador. Mas a Espanha não enviou nada mais além de nobres,
clérigos e vilãos. Ou seja, enviou os conquistadores, que vieram para saquear
as riquezas e tomar posse das terras. Assim, o sistema de colonização
estabelecido pelos espanhóis foi totalmente prejudicial para o desenvolvimento
da economia colonial.
Inclusive, a própria iniciativa espanhola pela mineração, segundo
Mariátegui, “O colonizador que em vez de se estabelecer nos campos se
estabeleceu nas minas tinha a psicologia do buscador de ouro. Não era, por
conseguinte, um criador de riqueza”.74é consequência do método de exploração
das terras, extraindo suas riquezas, o espanhol tomou posse da colônia, mas
apenas para benefício próprio, sendo o contraste com o princípio do Peru dos
Incas, do qual a terra era o bem mais importante.
Para Mariátegui, os únicos espanhóis que visaram o desenvolvimento
colonial, mesmo que culturalmente, foram os jesuítas e dominicanos,
especialmente aqueles. Foi dos jesuítas que surgiu interessantes núcleos de
produção, estabelecendo relação com o fator religioso, político e econômico,
sempre de acordo com seus princípios. Além disso, essa iniciativa jesuítica não
só tem relação com sua política na América espanhola, mas segue também a
tradição dos monastérios medievais, que, entre outros papéis, exerceu função
econômica.75
Em relação ao comunismo agrário do ayllu, após a desintegração total do
Império inca, serviu para fins de catequização. Nesse aspecto, o regime feudal,
na teoria e na prática, seguia a mesma linha dos índios. O conjunto de
ordenações espanholas elaboradas para suas colônias dava apoio à
73 Idem. 74 MARIÁTEGUI, p. 77. 75 Idem.
propriedade indígena, reconhecendo sua organização comunista. Em relação às
elaboradas para as “comunidades” indígenas, sofreu adaptações às
necessidades de não atacar nem as instituições e nem os costumes indiferentes
ao espírito religioso e ao caráter político do regime colonial.
O reconhecimento das comunidades e seus costumes econômicos pela
Espanha representa, sobretudo, o ajuste total às práticas feudais. As disposições
das leis coloniais sobre a comunidade, que mantinha seu caráter econômico,
reformavam os costumes contrários à Igreja, com tendência a transformar a
mesma em uma parte de sua máquina administrativa e fiscal. Dessa maneira, a
comunidade deveria prestar total serviço para maior glória e proveito do rei e da
Igreja.
O fato é que, tal legislação ficou em sua maioria no papel. A terra indígena
não teve total apoio recebido, por razões relacionadas à prática colonial, todos
os testemunhos apontam para este fato. Segundo Mariátegui, a análise de
Ugarte diz:
Nem as medidas previsoras de Toledo, nem as que, em diferentes oportunidades, tentaram colocar em prática, impediram que uma grande parte da propriedade indígena passasse, legal ou ilegalmente, às mãos dos espanhóis ou criollos. Uma das instituições que facilitou esse despojo dissimulado foi a das encomendas. Segundo o conceito legal da instituição, o encomendero era um encarregado da cobrança dos tributos e da organização e cristianização de seus tributários. Mas, na realidade das coisas, era um senhor feudal, dono de vidas e bens, pois dispunha dos índios como se fossem árvores do bosque e, mortos ou ausentes estes, se apossava de uma ou outra maneira de suas terras. Em resumo, o regime agrário colonial determinou a substituição de uma grande parte das comunidades agrárias indígenas por latifúndios de propriedade individual, cultivados pelos índios sob uma organização feudal. Esses grandes feudos, longe de se dividirem no transcorrer do tempo, se concentraram e consolidaram em poucas mãos devido a que a propriedade imobiliária estava sujeita a inúmeras travas e encargos perpétuos que a imobilizaram, tais como os morgadios, as capelanias, as fundações, os patronatos e outras vinculações de propriedade.76
O problema da terra é o último ensaio que apresenta as bases da
colonização espanhola antes da Independência peruana no século XIX. Assim
sendo, se pôde constatar que as raízes feudais espanholas, herdadas de seu
longo período de lutas por sua unificação territorial, exerceram profunda
76 UGARTE apud. MARIÁTEGUI, 2010, p. 79.
influência em todo processo de colonização, o transformando em um processo
de exploração. É possível dizer ainda que, esta forma adotada pelos espanhóis
serve de contraponto à valorização que os índios tinham para com a terra, isso
foi, do ponto de vista econômico e cultural, um choque de dois mundos. Além
disso, os espanhóis não aproveitaram a mão de obra dos índios, preferindo por
sua execução, recorrendo à importação de escravos, trazendo também a
miscigenação com os escravos africanos. Outra ‘herança’ espanhola é a
miscigenação entre europeus e indígenas, não só para aumentar a população
de linhagem europeia como também proporcionar o acesso à educação superior,
ou seja, uma aculturação europeia. Não foram poucos os mestiços que foram
para a Europa para adquirir uma educação mais adequada, europeizada, dentre
os quais está Gracilaso de la Vega. Ele, além de ser um dos primeiros incas a
irem a Europa, foi o primeiro a ser batizado no Cristianismo.
O fato de se ocorrer o batismo cristão na Europa implicava na alteração
dos pilares, logo, serviam como justificativa para a conquista colonial77.
A principal característica do problema da terra está na sua relação com o
feudalismo. Ou seja, não é possível liquidá-lo, sem, no entanto, acabar com o
feudalismo no Peru.78Além disso, tal ação deveria ter sido aplicada pelo regime
democrático-burguês, estabelecido pela revolução da independência. Nota-se,
diante disso, que no primeiro século de república do Peru, não houve uma
verdadeira classe capitalista. Houve, pelo contrário, a estagnação social da
antiga classe feudal disfarçada de burguesia republicana.
A relação entre o problema da terra e o do índio é diretamente influenciada
pelos efeitos da colonização espanhola. Pois, segundo Mariátegui, o problema
do índio assim como o da terra é emergente da economia79. Além disso, sofre
profunda influência dos latifundiários ou grandes proprietários de terra que
anulam qualquer lei de proteção indígena. Em relação ao senhor feudal, a lei
escrita é imponente o suficiente para ir contra sua autoridade. Mesmo estando
proibido por lei, o trabalho gratuito, muitas vezes até forçado, está presente no
latifúndio. Em geral, os cargos administrativos do Estado têm profunda relação
com a grande propriedade.
77 STOLCKE & COELLO, 2008 apud. ARAÚJO, Lorena G. 2011 p. 11. 78 Ibid. p. 68. 79 MARIÁTEGUI, 2010, p. 67.
Uma nova análise do problema do índio, portanto, dá ênfase muito maior
às consequências do regime agrário do que às questões gerais da legislação
tutelar. Segundo o doutor José A. Encinas em seu estudo, “Contribuición a uma
legislación tutelar indígena”, de 191880, defende essa ideia que até hoje se
debate. No entanto, segundo seu critério, o doutor Encinas não poderia elaborar
um programa econômico-social. Portanto, suas propostas deveriam ter,
exclusivamente, um objetivo jurídico.
Mas, em relação à época colonial, do ponto de vista moral e racional,
segundo Mariátegui, o principal fator que influenciou a colonização foi o religioso.
No entanto, sua influência serviu mais para elaborar leis e determinações
racionalmente inspiradas. Não houve influência substancial sobre os índios. Para
Gonzáles Prada, a explicação do fracasso econômico pode estar na questão:
Não podia acontecer de outra maneira: oficialmente se ordenava a exploração; pretendia-se que humanamente se cometessem iniquidades ou que injustiças se consumassem equitativamente. Para extirpar os abusos, teria sido necessário abolir os repartimientos (era como se chamavam as atribuições de responsabilidades a fazendeiros sobre comunidades indígenas. Era um instrumento jurídico colonial), e as mitas (nome dado à obrigação de trabalho gratuito dos índios para com os senhores), em duas palavras, mudar todo o regime colonial. Sem as fainas dos índios americanos as arcas do tesouro espanhol teriam se esvaziado.81
Assim, percebe-se que a influência não só da exploração, mas da aplicação
do trabalho servil e da importação de escravos, aliada à extração das riquezas
foi determinante para o sucesso da operação. Esse sucesso demonstra, do
ponto de vista político-econômico, o grande poderio que a Espanha exerceu
sobre a colônia, levando-se em conta, o impacto que as aplicações desse
mesmo ponto de vista, tiveram sobre o já desintegrado Império Inca. Ou seja, o
método de colonização espanhol serviu para consolidar a posse da terra e o
domínio político na região e não como fator que determinou a desintegração do
Império. Mesmo assim, não deixou de ser fundamental para o sucesso espanhol,
seja do ponto de vista político-geográfico e econômico, seja do ponto de vista
religioso.
80 MARIÁTEGUI, 2010, p.55. 81 PRADA, Apud. MARIÁTEGUI, p. 59.
A Espanha consolidou no Peru uma continuidade de seu território na
América, uma vez que, aplicado o regime de produção asiático, em
favorecimento próprio, não houve desenvolvimento para a colônia. Além disso,
inclusive no aspecto religioso que, do ponto de vista cultural, foi o que mais
beneficiou a colônia, foi de interesse somente da aliança entre a Igreja e a
Espanha, em razão da grande influência que aquela exercia na Europa.
A principal razão que motivou a Espanha a prosseguir com sua missão
religiosa no Novo Mundo está relacionado ao estatuto Limpeza de Sangue
“concepção genealógica da condição sociopolítica que teve um papel primordial
no ordenamento da sociedade hispânica já a partir do século XV”.82
Dessa maneira, como consequência da Inquisição, os espanhóis aplicaram
na colônia uma conversão em massa ao catolicismo, tendo em vista que, aqueles
que eram cristãos tinham o sangue puro, livre das impurezas. Já em relação às
colônias, o estatuto tinha por objetivo:
(...) submeterem os indivíduos a um exame de pureza de
sangue visavam, na maioria dos casos, garantir o direito dos filhos legítimos herdarem as encomiendas de seus pais, assim como de obterem acesso a determinados cargos públicos e religiosos, sem esquecer das oportunidades matrimoniais.83
Dessa maneira, foi uma imposição não só religiosa, mas cultural, mais uma
destruição da uniformidade do império que garantia sua estabilidade.
Assim, a integridade do Tahuantinsuyu foi totalmente destruída pela
imposição cultural, mais do que territorial, dos espanhóis. Pois, tendo como
justificativa a difusão da fé católica por suas colônias, a Espanha exerceu
profunda influência sob os costumes e religião nativos, os destruindo sem,
praticamente, deixar vestígio. Nota-se, portanto, que houve uma dominação
total, o que se iniciou como uma aculturação, terminou como uma sobreposição
cultural, uma vez que não há “diálogo” entre as duas culturas, mas uma
substituição de uma pela outra, transformando em todos os aspectos a realidade
peruana.
82 STOLCKE & COELLO, 2008. Apud. ARAÚJO, Lorena G. 2011, p. 01. 83 STOLCKE & COELLO, 2008: 19-58. Apud. ARAÚJO, Lorena G. 2011 p. 08.
Considerações finais
Dois mundos completamente diferentes que se encontraram devido aos
interesses europeus, mas acidentalmente. Com base na análise dos
pensamentos de José Carlos Mariátegui na sua principal obra “Sete Ensaios de
interpretação da realidade peruana”, é possível dizer que, do ponto de vista
político-econômico, a conquista europeia do novo continente foi um choque de
dois mundos, uma vez que, tirou a homogeneidade do império inca, inserindo
conceitos europeus em todos os aspectos. Vale ressaltar que, não foi devido à
chegada dos espanhóis que o império foi destruído, mas pela instabilidade
política por problemas internos, uma vez que, dada a proporção continental
geográfica atingida pelos incas no seu auge, algumas tribos conseguiram se
rebelar e lutar por sua liberdade, “ruindo” com a estabilidade do império. Era o
início da decadência do Tahuantinsuyu.
Mesmo assim, Mariátegui considera que o principal fator europeu que
contribuiu para a instabilidade do império foi o religioso. No entanto, a análise de
Mariátegui é marxista, assim sendo, ele foca no campo político-econômico.
Desse modo, a Conquista espanhola trouxe uma profunda alteração na
estabilidade política dos incas, sem ser o fator determinante, mas contribuindo
profundamente para a mudança do cenário político da região.
Assim, as principais razões que desencadearam a decadência do
Tahuantinsuyu foram, na análise de Mariátegui, político-religiosas. Pois, embora
sua análise marxista privilegie o campo político-econômico, levantando razões
que, de uma maneira geral, foram cruciais após o início da colonização, ele cita
o fator religioso como o principal, em razão da forte influência da Igreja na época.
Em linhas gerais, o processo de descoberta e colonização da América
teve profunda contribuição da unificação espanhola. Esta, por sua vez, só foi
possível pelo casamento dos reis Fernando de Aragão e Isabela de Castela, que
unificaram não só a Espanha, como a religião católica como oficial do reino.
Dessa maneira, sem o apoio da Igreja, todo esse processo não teria sido
desenvolvido pela Espanha. O fator religioso, dentre os que influenciaram o
processo de conquista da América espanhola, foi o único que, desde antes da
viagem de Colombo, já influenciava, uma vez que, a Igreja buscava mais almas
para Deus.
O Tahuantinsuyu enquanto reinava, tinha como principal regime de
governo o comunismo, mesmo que diferente daquele construído no século XX.
O dos incas privilegiava a terra, estava nela o bem mais importante, pois, além
de fornecer a fartura de alimentos, ainda dava vida aos homens. Assim, a divisão
das terras era igualitária entre a maioria da população, mas inferior em relação
às destinadas ao soberano. Assim, se constata que, entre os Incas, a divisão de
classes era um importante fator de definição da posição social que era definida
pela quantia de terras. Por outro lado, não significava que havia desigualdade na
qualidade da terra, pois, todas produziam o suficiente para o sustento das
famílias.
Os efeitos trazidos pela conquista e colonização europeias foram, em
todos os aspectos, um choque entre dois mundos. Primeiro porque, não houve
uma aculturação europeia sobre os nativos, nada da cultura local foi assimilada,
pelo contrário, foi inserida a cultura europeia, seja do ponto de vista religioso ou
cultural, seja do político-econômico. Os únicos que foram “aproveitados” foram
os próprios índios, mas para serem catequizados pela verdadeira fé. Assim, a
Igreja também se estabeleceu de maneira definitiva sobre a América, apagando
definitivamente o paganismo arcaico que por aqui existia.
Como tentativa de diminuir o enorme “vazio” deixado pela carnificina
aplicada pelos europeus, foi implantada a escravidão negra na América. Além
disso, os negros ainda trouxeram a possibilidade de miscigenação racial e a
criação de uma nova raça, os pardos.
Outro grande efeito deixado pelas mesmas foi econômico. Em razão da
grande quantidade de metais preciosos existentes e que, entre os incas,
constituíram como objetos de adoração por razões religiosas, os europeus não
hesitaram em tornar a exploração de metais preciosos sua principal atividade
econômica. Para isso, recorreram não só aos índios, mas ao trabalho do escravo
africano.
Não que a miscigenação tenha sido exclusivamente entre brancos e
negros, mas esta se tornou a principal, uma vez que noventa por cento da
população indígena foi dizimada ou por epidemias trazidas pelos europeus, ou
pelas armas de fogo.
E, falando das epidemias, trata-se de uma das principais consequências
que reduziu bastante a população indígena no Novo Mundo. Doenças como
febre amarela, levaram a um genocídio generalizado, influenciando diretamente
no processo de conquista e colonização, uma vez que, ajuda a explicar porque
a conquista espanhola foi possível, levando-se em conta a diferença
populacional, pois, eram 10 milhões de índios à época da chegada dos
espanhóis, contra menos de 200 europeus, sendo alguns soldados.
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