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GABRIEL NUNES PEREIRA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE TEMPLOS DE QUALQUER CULTO E RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS Monografia apresentada como à Banca Examinadora da Universidade Federal da Grande Dourados, como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Mario Teixeira de Sá Junior. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS FACULDADE DE DIREITO - FADIR CURSO DE DIREITO

Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

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GABRIEL NUNES PEREIRA

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE TEMPLOS DE QUALQUER CULTO E

RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Monografia apresentada como à Banca Examinadora da Universidade Federal da Grande Dourados, como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Mario Teixeira de Sá Junior.

DOURADOS

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃOUNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS

FACULDADE DE DIREITO - FADIRCURSO DE DIREITO

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2010

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  Ficha catalográfica elaboradada pela Biblioteca Central - UFGD

Pereira, Gabriel Nunes. Imunidade tributária de templos de qualquer culto e religiões afro-brasileiras. / Gabriel Nunes Pereira. – Dourados, MS: UFGD, 2010.

62p.

Orientador: Prof. Dr. Mario Teixeira de Sá Junior. Monografia (Graduação em Direito)

– Universidade Federal da Grande Dourados.  

1. Imunidade Tributária. 2. Imunidade Tributária de templos de qualquer culto – eficácia. 3. Religiões afro-brasileiras. I. Título. 

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ATA DE DEFESA DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

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Aos amores da minha vida, minha querida mãe, Dona Glória, a minha amorosa companheira, Sandra. As minhas irmãs, Sheila e Keila, e ao meu sobrinho, Arthur.

III

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 AGRADECIMENTOS

Como tudo se inicia em casa, não poderia deixar de ser bem claro quanto à

gratidão que tenho pelo carinho, apoio e amor recebido de minha mãe, Dona

Glória, que além de tudo diante das maiores dificuldades sempre se portou de

forma ética, tornando-se para mim um exemplo a ser seguido. Agradeço minha

companheira, Sandra, pela paciência e por seu amor dispensado no nosso dia-a-

dia. Não poderia deixar de agradecer todos os docentes que participaram de

minha formação durante a graduação, em especial ao Professor Mario Teixeira Sá

Junior, que com sua extrema competência orientou este acadêmico nesta

monografia.

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

IV

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“É melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar.

É melhor tentar, ainda que em vão que sentar-se, fazendo nada até o final.

Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias frios em casa me esconder.

Prefiro ser feliz embora louco, que em conformidade viver”.

(Martin Luther King)

V

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RESUMO  

O objeto de estudo da presente monografia é a discussão sobre eficácia da aplicação da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, encontrada no artigo 150, VI, “b” da Constituição Federal de 1988, em relação às religiões afro-brasileiras. As imunidades tributárias – gênero, do qual a imunidade religiosa é espécie, se apresentam num contexto do Estado absolutista, como privilégio da nobreza e do clero, para contemporaneamente assumir o papel de garantia constitucional em razão de valores que o constituinte original entendeu que devem ser protegidos por serem a base do Estado democrático de direito, como a liberdade de crença, o respeito ao pacto federativo etc. Por seu caráter constitucional não podem as normas imunizantes sofrer afronta de outras normas infraconstitucionais, reconhecendo o STF à condição de cláusula pétrea a esse instituto. Encontramos os elementos componentes da imunidade religiosa, quais sejam: templo, culto e finalidades essenciais. Culto seria a religião, a exteriorização da fé, a veneração, sendo que a interpretação desse elemento deve ser ampliativa, com a ressalva daquelas religiões que afrontem valores constitucionais, como a vida, a liberdade nas suas várias expressões. Templo para alguns seria somente o local onde se realiza o culto, para outros seria tudo o que indiretamente ou diretamente viabiliza a realização do culto e finalmente, existem aqueles que entendem o templo como entidade, como a instituição que patrocina a propagação de determinada crença, sendo que essa última interpretação para nós atende a razão de ser da norma. As finalidades essenciais estariam relacionadas principalmente ao alcance da imunidade religiosa, encontrando, também, o principio da livre concorrência como parâmetro, para que diante do caso concreto eles sirvam como elementos de ponderação. Quanto às religiões de matriz africana percebemos a ineficácia da norma imunizante, por diversos fatores quais sejam: a não institucionalização devido à essência anárquica desses cultos, o não conhecimento da legislação pelos participantes dessas religiões, a falta de reconhecimento enquanto religião, o preconceito etc. Da falta de compreensão do que seriam essas religiões propõe-se a desburocratização para a obtenção da imunidade. O risco nessa atitude é o de facilitar o cometimento de crimes, por exemplo, mas diante dos valores defrontados o Estado deve se municiar de uma fiscalização a mais eficiente possível, para que assim possa coibir abusos e não ferir a liberdade religiosa.

Palavras chave: Imunidade religiosa – templo - culto – religiões - afro-brasileiras - eficácia.

 

VI

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LISTA DE SIGLAS

CF – Constituição da República Federativa do Brasil

CNPJ – Cadastro Nacional da pessoa jurídica

IPTU – Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana

ICMS – Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação

IOF – Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou sobre operações relativas a títulos ou valores mobiliários

IPVA – Imposto sobre a propriedade de veículos automotores

IR – Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza

ITCMD – Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos

ISS – Imposto sobre serviços de qualquer natureza

ITR – Imposto sobre propriedade territorial rural

STF – Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10

1 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ............................................................................... 12

1.1 O PROCESSO HISTÓRICO.............................................................................. 121.2 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS NAS CONSTITUIÇÕES

BRASILEIRAS................................................................................................... 181.2.1 Constituição de 1824 ........................................................................... 181.2.2 Constituição de 1891 ........................................................................... 191.2.3 Constituição de 1934 ........................................................................... 201.2.4 Constituição de 1937............................................................................ 201.2.5 Constituição de 1946 ........................................................................... 211.2.6 Constituição de 1967 ........................................................................... 221.2.7 Constituição de 1988 ........................................................................... 23

1.3 CONCEITO DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ...................................................... 251.4 ESPÉCIES DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ...................................................... 29

1.4.1 Considerações iniciais......................................................................... 291.4.2 Imunidade recíproca............................................................................. 311.4.3 Imunidade dos templos de qualquer culto ........................................ 321.4.4 Imunidade dos partidos políticos e suas fundações, entidades

sindicais de trabalhadores e instituições de educação e de assistência social ................................................................................. 32

1.4.5 Imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão ...................................................................................... 33

2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO.................................................................................................................

34

2.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 342.2 ELEMENTOS ............................................................................................... 352.2.1 Culto ....................................................................................................... 362.2.2 Templo .................................................................................................... 372.2.3 Finalidades essenciais ......................................................................... 38

VIII

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3 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO: DISCUTINDO A EFETIVIDADE....................................................................................................... 42

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 51

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 55

ANEXOS ................................................................................................................... 58

ANEXO A – Isenção para todas religiões.................................................................... 58ANEXO B – Bastam R$ 418 para criar igreja e se livrar de imposto .......................... 61

IX

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INTRODUÇÃO

Na presente pesquisa teremos como objeto de estudo a eficácia das

imunidades tributárias dos templos de qualquer culto em relação às religiões afro-

brasileiras.

A relevância para tal estudo está no questionamento inicial, qual seja, se as

religiões de matriz africana estão recebendo as benesses trazidas por aquele preceito

constitucional?

Após a promulgação da Constituição de 1988 e dos caracteres que ela

pretende dar a sociedade brasileira não é concebível que a resposta à pergunta acima

seja negativa, contudo se tem a percepção de que as religiões afro-brasileiras estão à

margem desse direito.

Diante dessa reflexão buscaremos os motivos que levam a essa possível

exclusão e que medidas poderiam ser tomadas.

No capítulo 1 tentamos decifrar o que seria “Imunidade Tributária”, pois não

poderíamos estudar a espécie “Imunidade tributária de templos de qualquer culto” sem

estudar aquela, seu gênero.

Partimos de um levantamento do processo histórico da formação das

imunidades tributárias em um âmbito mais global, buscando sua gênese, para já no

segundo momento demonstrar sua inserção ou não nas Constituições Brasileiras, desde a

Constituição de 1824 até a Constituição de 1988.

Demonstrada a forma como contemporaneamente se apresenta o instituto

buscamos conceituá-lo, digo isso, pois como explicitaremos na subseção específica a

doutrina ainda não chegou a um só termo.

Com intuito de demonstrar a importância das imunidades tributárias na vida em

sociedade citamos e comentamos, mesmo que brevemente, suas espécies. Por não ser

objeto desse estudo apenas analisamos as que entendemos mais relevantes.

No capítulo 2 foi realizada uma reflexão sobre a imunidade tributária dos

templos de qualquer culto, de início fazendo uma pequena incursão histórica para já no

momento seguinte demonstrar a justificativa constitucional para sua existência.

Indicaremos quais os elementos do instituto devem ser dissecados para que

sua melhor compreensão, pois como veremos a interpretação de cada elemento interfere

significativamente na aplicação ou não da imunidade e em sua extensão.

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O capítulo 3 traz em seu bojo a finalidade desse trabalho, ou seja, a discussão

sobre a efetividade da norma imunizadora diante das religiões de matriz africana.

Apresentamos quais fatores influem nessa relação e o que colabora para a

ineficiência na aplicação da norma. Fazemos isso através da citação de algumas

legislações e de alguns casos concretos para que diante deles formemos algumas

convicções.

Foi procurado demonstrar como as religiões afro-brasileiras se organizam para

demonstrar o quão diferente é sua estrutura.

O presente trabalho foi elaborado com base em pesquisa bibliográfica, tendo

como matriz principal autores de direito tributário quando se tratou da busca das

conceituações e aplicações inerentes à ciência jurídica, a outros autores no estudo da

questão religiosa e em artigos esparsos encontrados na internet.

Desde já, alertamos que não fecharemos o tema, pois como o leitor verá, ele é

por demais tormentoso, tudo isso em razão de ter em seu epicentro a discussão religiosa,

em seus vários aspectos, ou mais especificamente, o que consideramos ser religião e o

que não.

Apenas tentaremos confrontar a norma constitucional posta com a realidade

fática, isto é, a previsão da imunidade tributária para templos de qualquer culto e a sua

ineficácia diante das religiões de matriz africana.

Uma ressalva importante, é que da leitura do que fora dito acima, poder-se-ia

chegar à conclusão que em todas as situações as religiões afro-brasileiras não seriam

agraciadas pelas imunidades, na verdade esclarecemos que com algumas isso ocorre, e

com outras dessas religiões a dificuldade para se obter tal direito é enorme, fato que não

acontece com as religiões judaico-cristãs, por exemplo.

Acreditamos que a discussão sobre o tema, identificando sua origem, seus

fatores, e quais possíveis soluções já colabora, mesmo que minimamente, para que um

dia essa flagrante inconstitucionalidade seja sanada.

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1 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

1.1 O p rocesso h is tó r i co

O es tudo da t r ibu tação e de seus e fe i tos é tema que vem

merecendo re levada impor tânc ia no me io acadêmico . Sobre i sso

comenta Kiyoshi Harada ( 2002 , p .290 ) :

O es tudo h i s tó r i co não de i xa dúv ida de que a t r i bu tação f o i a causa d i r e ta ou i nd i r e ta de g randes revo luções ou g randes t r ans fo rmações soc ia i s , como a Revo lução F rancesa , a I ndependênc ia das Co lôn ias Amer i canas e , en t re nós , a I ncon f i dênc ia M ine i ra [ . . . ] .

Relevan te , também é o es tudo dos casos de não t r ibu tação

como é o caso das imun idades t r ibu tá r ias . Reg ina He lena Cos ta ( 2006 ,

p . 25 ) a f i rma que :

Não obs tan te se r co r re ta a asse r t i va segundo a qua l a imun idade t r i bu tá r i a , como ap resen tada no D i re i t o Pos i t i vo Pá t r i o , é i ns t i t u t o t i p i camen te nac iona l , o f a to é que as exone rações , no âmb i t o f i s ca l , possuem ra í zes h i s t ó r i cas na cu l t u ra de d i ve rsos povos [ . . . ] .

Prova d isso é que ao es tudar a e t imo log ia do vocábu lo

imun idade somos remet idos ao Impér io Romano:

Já ao t empo do Impé r i o Romano hav ia a immun i t as – vocábu lo que , e t imo log i camen te , s i gn i f i ca negação de múnus ou enca rgo - , exped ien te pe lo qua l se l i be ravam ce r tas pessoas e s i t uações do pagamen to dos t r i bu tos ex ig i dos na sus ten tação do Es tado . (COSTA, 2006 , p . 25 ) .

No Es tado abso lu t i s ta o re i e ra a represen tação de todo poder

es ta ta l , sendo que e le conced ia benesses a a lgumas c lasses em razão

de seus in te resses . Ass im era na França , a té o sécu lo XVI I I , onde se

t r ibu tavam apenas o Terce i ro Es tado , i s to é , a burgues ia , o

p ro le ta r iado e os camponeses enquanto a nobreza e o c le ro ,

represen tan tes do Pr ime i ro e Segundo Es tados respec t i vamente ,

quase não e ram t r ibu tados . Con tex tua l i zando , é que nes te per íodo a

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i g re ja e o Es tado es tavam fo r temente l i gados , a t ravés da lóg ica do

Es tado Nac iona l Abso lu t i s ta .

Nesse t ipo de Es tado a imun idade “s ign i f i cava um au tên t i co

p r i v i l ég io dos nobres e da Ig re ja f ren te ao poder do Re i ” (COSTA,

2006 , p .26) . A lu ta pe la manutenção ou ex t inção desses p r i v i l ég ios fo i

um “ fa to r que con t r ibu iu , para a de f lagração da Revo lução Francesa”

(COSTA, 2006 , p .27) . Com e la ins ta la -se o Es tado de D i re i to que tem

como pr inc ipa l ca rac te r ís t i ca a p r imaz ia da le i , que serve como

ins t rumento de p ro teção do c idadão con t ra o p rópr io Es tado .

Os revo luc ionár ios f ranceses abo l i ram rega l ias do c le ro e da

nobreza . I sso não quer d ize r que todos os hab i tan tes da França

passaram a te r d i re i tos igua is , j á que a Revo lução acabou por

p r i v i l eg ia r os se to res ma is r i cos da burgues ia . No en tan to , a par t i r

desse momento , os d i re i tos são ma is amp los , o Es tado se to rna la ico ,

i s to é , separa-se da ig re ja .

D i re i tos compreend idos como o comentá r io aba ixo :

[ . . . ] p r i nc íp i o de i gua ldade do Es tado de l ega l i dade não passava de um mero f o rma l i smo j u r í d i co , que não a l t e rava em nada a s i t uação dos des t i na tá r i os da l e i . Ao con t rá r i o , a l e i p roduz ida nesse quad ro po l í t i co co lh i a e man t i nha os c i dadãos no es tado em que se encon t ravam. A ún i ca ga ran t i a p ropo rc ionada po r esse t i po de d i r e i t o , como se sabe , e ra de uma l i be rdade nega t i va , uma abs tenção do pode r púb l i co (S ILVA , 2010 ) .

O dec l ín io dos abso lu t i s tas e a ascensão dos l i be ra is

demons t rou que o poder apenas t rocou de mãos , po is a ma io r ia do

povo con t inuou exc lu ída , não consegu indo usu f ru i r dos d i re i tos

pos i t i vados na leg is lação l i be ra l .

Esse Es tado mín imo t inha como pr inc íp io a l i be rdade fo rma l

fundamentada na le i , i s to é , todos e ram l i v res não se cons iderando as

d i fe renças sub je t i vas como exemplo ve jamos a segu in te s i tuação ,

todos poder iam adqu i r i r te r ras l i v remente , ocor re que somente os que

t inham cond ições f inance i ras as te r iam, essa concepção de Es tado dos

l i be ra is não ser ia capaz de con te r os r i scos soc ia is que se agravavam.

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Em razão da Revo lução Indus t r ia l i n i c iada no sécu lo XVI I I o

sécu lo segu in te teve g rande exp lo ração do p ro le ta r iado , o que se

agravou ma is com a mecan ização da indús t r ia e a subs t i tu i ção

p rogress iva das manufa tu ras , aumentando ass im o desemprego o que

g rada t i vamente p io rou a s i tuação . Da exp lo ração absurda do

t raba lhador pe lo cap i ta l , se acen tuaram os con f l i t os en t re essas duas

c lasses .

Viv ia -se sobre a ég ide do l i be ra l i smo onde as par tes poder iam

es t ipu la r nos con t ra tos , inc lus ive nos t raba lh is tas , o que bem

qu isessem. Na p rá t i ca , dev ido à s i tuação de subord inação dos

operár ios em re lação aos burgueses , es tes impunham o que lhes fosse

ma is in te ressan te .

Buscando fo rnecer uma in te rp re tação para essa rea l idade

h is tó r i ca , Kar l Marx de fendeu que sempre houve a separação en t re

t raba lhadores e donos do cap i ta l na h is tó r ia , e que para se a lcançar

uma soc iedade jus ta , se r ia necessár io que o p ro le ta r iado chegasse ao

poder. In i c ia lmente i sso ocor re r ia pe lo que e le chamou de D i tadura do

Pro le ta r iado que serv i r ia de t rans ição para depo is se e fe t i va rem as

idé ias comun is tas , que p regavam o té rmino da p ropr iedade p r i vada e o

f im do p rópr io Es tado , de fend ia a inda que cada pessoa receber ia e

v ive r ia con fo rme seus es fo rços e suas necess idades .

O ideár io marx is ta p rosperou na Un ião Sov ié t i ca e com isso

houve uma po la r i zação com o mundo cap i ta l i s ta . Os burgueses temiam

o avanço do comun ismo e com isso f i ze ram de tudo para que e le não

se espa lhasse pe lo mundo, inc lus ive permi t indo que na A lemanha o

mov imento naz is ta tomasse fo rça , po is es tes também eram con t ra o

comun ismo.

A p r ime i ra metade do sécu lo XX apresen ta um quadro de

agravamento do mundo l ibe ra l :

O mundo pós - I Gue r ra Mund ia l i ng ressava numa fase de recessão e c r i se econômica , ag ravada pe la queb ra da economia no r t e -amer i cana em 1929 . Rec rudesceu no mundo , p r i nc i pa lmen te nos me ios acadêmicos , a necess idade de uma fo r t e i n t e r venção es ta ta l . (PORTO, 2009 , p .35 ) .

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Com a der ro ta na I Guer ra Mund ia l a A lemanha fo i obr igada a

ass inar o Tra tado de Versa lhes , que impôs vár ias l im i tações ao Es tado

a lemão, que os a lemães cons idera ram humi lhan tes . A recons t rução da

A lemanha es tava sendo f inanc iada p r inc ipa lmente pe lo cap i ta l o r iundo

dos Es tados Un idos e exper imentou por um per íodo uma me lhora nas

cond ições econômicas e soc ia is .

A s i tuação mudou com a c r i se de 1929 , po is os inves t ido res

amer icanos com a quebra da bo lsa de Nova Io rque não t i ve ram ma is

como inves t i r, o que levou a uma grande c r i se nos Es tados Un idos , na

A lemanha e no res to do mundo cap i ta l i s ta . No pa ís germân ico o

desemprego aumentou imensamente e as cond ições soc ia is da

popu lação p io ra ram mu i to .

Esse con tex to fo i pe r fe i to para o nasc imento da ideo log ia

naz is ta , po is se u t i l i zando de uma ideo log ia u l t ranac iona l i s ta ,

p regavam que para a A lemanha vo l tasse a ser uma po tenc ia mund ia l ,

dever ia te r um Es tado cen t ra l i zado e fo r te , nas mãos de um governo

au to r i tá r io , que acabou sendo s imbo l i zado pe la f igu ra do l íde r, Ado l f

H i t le r.

In i c ia lmente , o par t ido naz is ta consegu iu nas u rnas a ma io r ia

das cade i ras do par lamento a lemão e co locou H i t le r como chance le r,

para em segu ida assumi r o poder to ta l de d i reção do pa ís .

Os naz is tas cometeram mu i tas a t roc idades con t ra d ive rsos

g rupos , sendo os ma is conhec idos os judeus . Tudo i sso fo i fe i to

u t i l i zando-se da c iênc ia como um todo e , de fo rma ma is espec í f i ca a

c iênc ia méd ica e a ju r íd ica . Es tas puderam reves t i r de lega l idade

esses a tos .

Na verdade e les des t ru í ram a democrac ia sob o manto da

lega l idade , ve ja o comentá r io de Franc isco Car los Távora de

A lbuquerque Ca ixe ta (2010) sobre o tema:

A história do III Reich proporciona a possibilidade de uma intensa reflexão acerca da ciência do direito e da deontologia dos juristas. Bem como os policiais, os engenheiros, os militares, os médicos, os cientistas, os juristas não se negaram a emprestar seu cabedal ao regime nazista. Conservando no regime algumas aparências de legalidade, os juristas o cobriram com

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um véu de dignidade.Não é preciso uma análise minuciosa para perceber as violações da Constituição de Weimar (uma das mais liberais da Europa) durante a ditadura nazista. O que surpreende é a preocupação dos dirigentes do regime em cobrir os atos do novo poder com um manto de aparente legalidade, apesar das mais elementares exigências de legalidade não serem satisfeitas.O método de trabalho dos juristas nazistas é esclarecido pelas condições nas quais se procedeu ao desmanche do Estado Federal. O governo conferiu uma atribuição ao chefe do Estado, graças a qualificação de "lei" dada aos atos do primeiro. Em nenhum outro sistema jurídico foi desvelada com a mesma força a aptidão da linguagem para legalizar qualquer prática efetuada.Nesse período, a lei suprema do Estado era a vontade do Führer. Então, por quê promulgar leis, qual a função dos tribunais de Justiça se a vontade de uma única pessoa pode fazer a lei, isentar dela, supri-la? A questão é que não se poderia governar um país como a Alemanha com instituições complexas apenas com as palavras de seu ditador. A supremacia da vontade de Hitler somente se deixar conciliar com a multiplicidade de leis e de regulamentos em vigor no III Reich, com atos administrativos e decisões judiciárias tomadas sem se considerar que tal aparelho burocrático do Estado apenas persiste de pé for falta de vontade oposta do ditador.

Após a der ro ta do e ixo , l i de rado pe la A lemanha, na 2 ª Guer ra

Mund ia l , pe rcebesse que a le i se não fo r leg í t ima, embasada em

va lo res ma io res , como a v ida , a mora l , os bons cos tumes, pode ser

usada como me io de cometer barbár ies , como as perpe t radas pe los

naz is tas .

A resu l tan te dessa cons ta tação mov imentou se to res das

soc iedades oc iden ta is em uma busca por um Es tado de D i re i to

Cons t i tuc iona l que co locar ia p r inc íp ios bas i la res da soc iedade

moderna nas cons t i tu i ções , para que o leg is lador in f racons t i tuc iona l ,

ao e laborar as le i s , t i vesse como rumo e como l im i tação os d i tames

cons t i tuc iona is .

O resu l tado dessas conqu is tas pode ser observado na c láss ica

aná l i se de Thomas Marsha l l (1964) que demons t ra que , os d i re i tos

fo ram ob t idos a t ravés de um processo h is tó r i co , tendo in íc io com os

d i re i tos c iv i s no sécu lo XVI I I . Es tes d i re i tos resu l ta ram de uma lu ta de

nobres e p lebeus em uma soc iedade es tamenta l . O resu l tado fo i a

conqu is ta de d i re i tos à v ida , à l i be rdade , à p ropr iedade e à igua ldade

peran te a le i . Os d i re i tos po l í t i cos , ou se ja , o d i re i to de vo ta r e se r

vo tado fo ram sendo conqu is tados a par t i r do sécu lo X IX . É no

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t ranscor re r do sécu lo XX que um te rce i ro g rupo de d i re i tos , os soc ia is ,

vão sendo ob t idos . Den t re as conqu is tas é poss íve l c i ta r o d i re i to ao

t raba lho , ao sa lá r io jus to , à saúde e à educação .

Esco lh idos esses d i re i tos que ho je cons ideramos

fundamenta is , cons ta tou-se que a s imp les pos i t i vação de les não

bas tava para e fe t i vá - los . O resu l tado dessa percepção é a cons t rução

do Es tado de D i re i to Soc ia l , onde o Es tado deve tomar med idas para a

e fe t i vação dos d i re i tos t raz idos na Car ta Magna.

Nesse con tex to a norma imun izan te en tão deve ser

reconhec ida como uma garan t ia cons t i tuc iona l para que d i re i tos

fundamenta is p rev is tos na Le i Ma io r se jam e fe t i vados . Leandro

Pau lsen (2009 , p . 241) c i tando vo to do Min is t ro do Ce lso de Me l lo

rea f i rma esse en tend imento quando d iz que as imun idades :

Cons t i t uem, po r i s so mesmo , exp ressões s i gn i f i ca t i vas das ga ran t i as de o rdem ins t rumen ta l , vocac ionadas , na espec i f i c i dade dos f i ns a que se d i r i gem, a p ro tege r o exe rc í c i o da l i be rdade s i nd i ca l , da l i be rdade de cu l t o , da l i be rdade de o rgan i zação pa r t i dá r i a , da l i be rdade de exp ressão i n te l ec tua l e da l i be rdade de i n fo rmação .

Nesse mesmo sen t ido Luc iano Amaro (2008 , p . 151) d iz que :

“O fundamento das imun idades é a p reservação de va lo res que a

Cons t i tu i ção repu ta re levan tes [...]”. A norma imun izan te é agora não

ma is um pr i v i l ég io , como esc la rece R icardo Lobo Tor res c i tado por

Reg ina He lena Cos ta (2006 , p . 27) , mas s im um ins t i tu to que “ [...]

p reex is t indo ao poder t r ibu tá r io como qua l idade essenc ia l da pessoa

humana e cor respondendo ao d i re i to púb l i co sub je t i vo que e r ige a

p re tensão à inco lumidade d ian te da o rdem t r ibu tá r ia ob je t i va ” .

Sobre o tema Gus tavo Teped ino c i tado por R icardo S i l va

( 2006 , p .10 ) a f i rma que

[ . . . ] ao concede r uma imun idade , a Cons t i t u i ção não es tá concedendo um bene f í c i o , mas t u te l ando um va lo r j u r í d i co t i do como fundamen ta l pa ra o Es tado . Da í po rque a i n te rp re tação das a l í neas do a r t . 150 , V I , da Cons t i t u i ção Fede ra l de 1988 deve se r amp la e t e l eo lóg i ca , nunca res t r i t i va e l i t e ra l .

Page 20: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

18

Ass im chegamos à acepção moderna de imun idade t r ibu tá r ia

que é um d i re i to sub je t i vo do con t r ibu in te imune, emanado da

Cons t i tu i ção , de não pagar t r ibu tos , podendo recor re r ao jud ic iá r io

con t ra quem in ten tá - lo .

1.2 Imunidades Tributárias nas Constituições Brasileiras

Não pretendemos citar todas as imunidades durante a história constitucional do

Brasil, tentaremos apenas fazer uma leitura a mais contextualizada possível de como

nossas Constituições trataram o tema e qual as peculiaridades de cada uma.

O leitor vai perceber que mesmo em períodos não democráticos a presença na

Lei Maior da época de diversas imunidades, essa discussão esta afeta a efetividade da

aplicação da norma, que abordaremos no capítulo 3 deste trabalho.

Outra percepção é a de que se trata de um processo onde no decorrer da

nossa história constitucional algumas normas imunizantes foram tomando corpo até

chegarem como estão hoje. Entendemos que esse caminhar não pode ser detido, pois a

sociedade paulatinamente se transforma, transformando assim seus regramentos,

adequando-os ao novo contexto.

1.2.1. Constituição de 1824

A Cons t i tu i ção Imper ia l de 1824 tem carac te r ís t i cas do Es tado

L ibera l e t raços abso lu t i s tas , vez que “é cóp ia da f rancesa de Lu ís

XVI I I adap tada por Ben jamin Cons tan t , reservando, tan to lá quan to cá ,

poder e a rb í t r io ao Imperador ” (PORTO, 2009 , p .28) , a t ravés da

in t rodução do Quar to Poder, conhec ido por Moderador. Por ou t ro lado :

[ . . . ] não se pode pe rde r de v i s t a , ou t ross im , que sendo f r u to de um pe r íodo h i s tó r i co bas tan te s i gn i f i ca t i vo – pós revo luções l i be ra i s – a marca da l im i t ação do Pode r Es ta ta l em nome de ga ran t i as e de te rm inados d i r e i t os do c i dadão é v i s í ve l ( I dem, p .29 ) .

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19

Essa Car ta Magna t raz ia pouco de matér ia t r ibu tá r ia , mas “ já

se encon t ram as ra ízes das noções de capac idade con t r ibu t i va e de

imun idade f i sca l ” (COSTA, 2006 , p .28) .

Para o nosso es tudo os a r t igos 178 e 179 daque la Car ta

Magna têm re levânc ia , po is o p r ime i ro “consagra p ro teção espec ia l as

garan t ias cons t i tuc iona is ” (PORTO, 2006 , p .30) em seu capu t e o

segundo assegura que “a l i be rdade , a segurança ind iv idua l e a

p ropr iedade , d i re i tos fundamenta is de p r ime i ra geração , são garan t ias

inv io láve is ” (PORTO, 2006 , p . 30) .

Reg ina He lena Cos ta (2006 , p .28) a f i rma encon t ra r a semente

das normas imun izan tes cons t i tuc iona is no a r t igo 179 , inc iso XVI , po is

o leg is lador acaba com pr i v i l ég ios , mas en tende que ex is tem

“p r i v i l ég ios essenc ia is ” os qua is não podem ser abo l idos em razão

p r inc ipa lmente de sua u t i l i dade púb l i ca .

1.2.2 Constituição de 1891

Durante a primeira República, ainda sob influência do liberalismo, é produzida

a constituição de 1891, fruto desse contexto liberal. Sobre esse período, Porto chama a

atenção para o fato de que “a nota essencial que permeia o constitucionalismo brasileiro

nas suas duas primeiras constituições é, sem dúvida alguma, a forte influência liberal”

(2009, p. 31). Se a Carta Imperial trouxe limitações à competência tributária, a

“Constituição de 1891 disciplinou de forma expressa as condições ao exercício da

tributação” (PORTO, 2009, p.32). Como no artigo 9º, §2 º, diz que é “isenta de impostos,

no Estado por onde se exportar, a produção de outros Estados”. E ainda em seus artigos

10 e 11:

Art. 10. É proibido aos Estados tributar bens e rendas federais ou serviços a cargo da União, e reciprocamente.Art. 11. É vedado aos Estados, como à União: (1º) criar impostos de trânsito pelo território de um Estado, ou na passagem de um para outro, sobre produtos de outros Estados de República ou estrangeiros, e, bem assim, sobre os veículos de terra e água que os transportem;(2º) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos;

Page 22: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

20

(3º) prescrever leis retroativas. (ARRUDA, 2008, p.08)

Da leitura acima observamos que no artigo 11, 2º a primeira Constituição

Republicana proíbe que o Estado patrocine ou embarace o livre exercício de cultos

religiosos, artigo que serviria de inspiração ao artigo 19 da Lei Maior de 1988.

1.2.3 Constituição de 1934

A Constituição de 1934 demonstra a existência de um novo contexto histórico

no Brasil. Influenciada pela Constituição da República Alemã de Weimar, ela reflete o

entendimento do grupo liderado por Vargas, de que o Estado precisa intervir, precisa ser

positivo na busca dos direitos sociais e nela “há nítido aumento das limitações impostas

ao poder de tributar, conferindo maior status e importância ao Estado de Direito que a

partir daquele momento ganhava o adjetivo de social” (PORTO, 2009, p. 39).

Comparativamente ao texto constitucional anterior no que tange as imunidades,

Regina Helena Costa (2006, p.28) afirma:

A Constituição de 1934, por sua vez, reitera a vedação ao embaraço aos cultos (art.17, II), outorgando a exoneração tributária aos “combustíveis produzidos no país pra motores de explosão” (art. 17, VIII). Abriga, outrossim, a proibição de cobrança, sob qualquer denominação, de tributos interestaduais, intermunicipais, de viação ou de transporte, ou quaisquer tributos que, no território nacional, gravem ou perturbem a livre circulação de bens ou pessoas e dos veículos que os transportem (art. 17, IX).Pela vez primeira o texto constitucional estampa a imunidade recíproca entre as pessoas políticas, incluídos Municípios (art. 17, X, e parágrafo único).

O momento histórico parecia convergir cada vez mais para um Estado

brasileiro democrático, mas infelizmente como veremos adiante, não foi o que ocorreu.

1.2.4 Constituição de 1937

O contexto histórico dessa Carta Magna é declínio da democracia e surgimento

de um Estado ditatorial, comandado por Getúlio Vargas, que buscou na Constituição

Polonesa inspiração para essa norma constitucional. Sendo por isso apelidada por alguns

de ‘A Polaca’.

Page 23: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

21

Em decorrência dessa aproximação do estado varguista com modelos

fascistas, se constata que “O convívio do Estado Totalitário da ditadura de Vargas com um

sistema jurídico somente poderia ser conciliado como o Estado de Direito ao se fazer um

resgate da concepção formalista-positivista que restringia o Estado de Direito apenas a

um Estado de legalidade” (PORTO, 2006, p. 41).

Segundo Costa (2006, p. 29) “a Carta de 1937 foi a que menos se preocupou

com o tema, prevendo, originariamente, apenas a vedação ao embaraço aos cultos (art.

32, “b”), somente vindo a hospedar a imunidade recíproca com o advento da Emenda

Constitucional 9, de 1945 (art. 32, “c”)”.

Em matéria tributária segundo Porto (2009, p.41):

Consiste em marca registrada do período autoritário a criação da chamada “garantia fiscal” do solve ET repete. Segundo Aliomar Baleeiro: ‘provavelmente por imitação do Direito Fiscal italiano, que, àquele tempo, foi fonte de inspiração do novo ’Estado Autoritário’: o contribuinte deverá pagar e depois acionar a União para anulação do débito e repetição do tributo indevidamente pago. O período ditatorial, além do “solve et repete’, usou e abusou das nefastas sanções políticas com o fim exclusivo de coagir o contribuinte a adimplir os tributos.

Período da Era Vargas conhecido como Estado Novo que teve como principal

nuance a forte repressão a imprensa e a liberdade de pensamento em geral, como todo

Estado não democrático não tem como objetivo a justiça social, mas sim a vontade do

grupo que domina o poder.

Como relatada na citação acima o uso da força estatal contra os cidadãos não

era exceção e sim quase uma regra, fato esse percebido em todos os aspectos da vida na

sociedade da época.

1.2.5 Constituição de 1946

Após a queda de Vargas, e o fim do período de exceção do Estado Novo, e sob

influência do fim da Segunda Guerra Mundial, o espírito democrático influencia a

Constituição de 1946, percebendo-se que ela “tinha como grande compromisso restaurar

conquistas das Constituições de 1891 e 1934, tolhidas com o regime ditatorial de 1937”

(PORTO, 2009, p.42).

Com esse espírito:

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22

[...] em sua redação original, previa a isenção do imposto de consumo em relação aos artigos que a lei classificasse como o “mínimo indispensável” a habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas restritas de capacidade econômica (art. 15, § 1º), a imunidade recíproca (art. 31, V, “a”), a imunidade dos templos, partidos políticos, instituições educacionais e de assistência social (art. 31, V, “b”) e do papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros (art. 31, V, “c”) (COSTA, 2006, p.29).

Nesse momento as imunidades tributárias assumem o aspecto de garantia de

valores, que durante o período ditatorial tinham sido tolhidos, como a liberdade em seu

sentido lato por exemplo. Por isso esta Carta Magna influenciou a maioria das normas

imunizantes encontradas na Constituição Cidadão de 1988.

1.2.6 Constituição de 1967

Antes dessa Carta Magna, a Emenda Constitucional de 18 de 1965 institui pela

primeira vez um capítulo que tratava somente do Sistema Tributário Nacional, sendo que

na elaboração da Constituição de 1967 essa emenda serviu de base com algumas

modificações.

Aqui estamos em Estado Ditatorial, comandado pelos militares que através de

um golpe no ano de 1964 assumiram o poder e como todo regime não democrático

padece de legitimidade e não realiza a justiça.

Sob essa questão Porto (2009, p. 46) escreve que:

Sob o ponto de vista da evolução das idéias sobre o Estado de Direito no Brasil, o período foi de retrocesso e atraso. Como referido em relação à Constituição de 1937, o regime ditatorial é um Estado de (não) Direito, somente podendo ser compatibilizado com uma visão estritamente legalista do conceito acerca do tema. Todavia, no campo tributário houve inegável consolidação de conceitos e institutos que vigoram até os dias atuais.

Conforme Regina Helena Costa (2006, p. 30):

O Texto Fundamental de 1967 não trouxe modificações de relevância nesse âmbito, mantendo, basicamente, as mesmas imunidades da Constituição de 1946[...] Institui a imunidade do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural sobre pequenas glebas (art. 22, § 1º), a imunidade do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis sobre direitos

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23

reais de garantia (art. 24, I) e a imunidade dos proprietários na transferência da propriedade desapropriada para fins de reforma agrária (art. 157, § 6º).

A conclusão sobre o papel das imunidades tributárias nesse período é de que

era letra morta, pois esse período foi um dos mais vergonhosos da história do Brasil, onde

vidas eram retiradas nos porões da ditadura dentre outras selvagerias perpetradas pelos

militares. Tratava-se apenas de vernáculo que subsistiu apenas porque não era

respeitado ou porque não colidia com os interesses do governo central.

1.2.7 Constituição de 1988

A Constituição Cidadã, como é conhecida, foi elaborada em um contexto de

retorno a democracia onde segundo Porto (2009, p. 47):

As experiências totalitárias vivenciadas tanto no exterior quanto no Brasil deixaram lições que jamais serão apagadas da história, assim como importaram em forte influência no aprimoramento da concepção de Estado de Direito.O Estado de Direito passa a exigir instituições legitimadas democraticamente, reconhecimento de pluralismo político e garantia de direitos políticos, bem como livre manifestação de orientação ideológica.

O texto constitucional que agora vigora “instituiu formalmente um Estado

Democrático de Direito cuja implementação fática está condicionada, fundamentalmente,

à busca de uma igualdade substancial, não meramente formal” (BUFFON, 2009, p. 109).

Decorre daí que as ações devem ser positivas no sentido de amenizar as desigualdades

sociais e econômicas do país.

No sistema constitucional atual “[...] os princípios constitucionais são, a um

tempo, direito positivo e guias seguros das atividades interpretativa e judicial. Em outros

termos, são fonte de direito (Esser) e idéias-base de normas jurídicas” (CARRAZZA,

2009, p. 60).

Quanto à matéria tributária “[...] Percebe-se que o texto vigente tornou-se ainda

mais minudente, o que demonstra a preocupação cada vez maior com a precisa

identificação das situações de intributabilidade contempladas na Constituição” (COSTA,

2006, p. 31).

Encontramos os casos de imunidade tributária principalmente nos artigos 150,

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151 e 152 da Constituição Federal. Regina Helena Costa (2006, p. 30) diz que “[...] a

Constituição de 1988, em seu art. 150, VI, “a” a “d”, e §§ 2º a 4º, apresenta novidades no

que tange a inclusão de outros sujeitos imunes e de dispositivos que aperfeiçoam a

compreensão do perfil dessas exonerações tributárias”.

Concluindo Regina Helena Costa (2006, p.31) discorrendo sobre a evolução das

imunidades nas Constituições brasileiras:

Desse breve retrospecto histórico podemos concluir que, ao lado do gradativo aperfeiçoamento da disciplina da organização política do Estado, caminhou-se também para uma valorização do instrumento de exoneração tributária por excelência – a imunidade -, positivando-se, cada vez mais, a idéia segundo a qual determinadas pessoas, bens e situações – dada a sua natureza jurídica, ou à vista de sua importância para a sociedade – merecem tratamento diferenciado e, portanto, devem ser mantidos incólumes ao alcance da tributação. No Brasil tal tendência, como visto, se fez sentir a partir da democrática Constituição de 1946, texto na qual as imunidades tributárias ganharam destaque e perfil normativo semelhantes aos que ora ostentam.

Agora a Lei das Leis Brasileira tem um forte caráter social, de intervenção estatal

no sentido de promoção do bem comum e de dirigismos da vida em sociedade, para que

os fins do Estado sejam atingidos, tendo como principal alicerce a dignidade humana.

E como já dissemos anteriormente, as imunidades são verdadeiras garantias

constitucionais, direito subjetivos de todos, sabemos que a simples positivação delas não

garante sua efetividade, mas como parte de um processo entendemos que são

importantes. Salientando, que a efetividade de direitos, deve ser uma busca incessante,

sob pena do próprio direito sucumbir diante de sua ineficácia.

Discutiremos a efetividade da norma imunizante quanto às religiões afro-

brasileiras no Capítulo 03 desse estudo, mas desde já adiantamos que elas têm muitas

dificuldades para serem agraciadas pela imunidade tributária, clara demonstração da

ineficiência da aplicação do instituto ora estudado.

Acreditamos que o constituinte ao minuciosamente descrever as imunidades

tentou assim torná-las eficazes e de aplicação imediata, mas em razão delas precisarem

de regulamentação do legislador infraconstitucional para o caso concreto, parece-nos que

por meios marginais algumas entidades religiosas não estão tendo seu direito

constitucional respeitado.

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25

1.3 Conceito de Imunidade Tributária

Antes de in ic ia rmos a conce i tuação do ins t i tu to , teceremos

a lguns comentá r ios sobre o tema. O leg is lador cons t i tu in te de 1988 ,

in f luenc iado pe lo con tex to h is tó r i co da época , o recém re to rno à

democrac ia , e laborou uma cons t i tu i ção democrá t i ca que

[ . . . ] consag rou como fundamen tos des te Es tado , que t em o d i r e i t o como no r te , a sobe ran ia , a c i dadan ia , a d i gn idade da pessoa humana , os va lo res soc ia i s do t r aba lho e da l i v re i n i c i a t i va , ass im como o p lu ra l i smo po l í t i co (PORTO, 2009 , p .53 ) .

Cabe aqu i uma pergun ta : como e fe t i va r esses p r inc íp ios

bas i la res t raz idos pe la Cons t i tu i ção? Para ta l , deve o Es tado te r

recursos necessár ios para a consecução de seus ob je t i vos . I sso só é

poss íve l a t ravés da t r ibu tação . E , de ou t ro lado , como pro teger o

ind iv íduo dos excessos que o Es tado possa cometer na busca desses

recursos .

A so lução encon t rada pe lo leg is lador fo i cons t i tuc iona l i za r a

maté r ia t r ibu tá r ia , ca rac te r ís t i ca essa s ingu la r da nossa le i ma io r em

re lação a cons t i tu i ções de ou t ros pa íses . Ass im, os d i re i tos t r ibu tá r ios

fo ram e levados a p r inc íp ios cons t i tuc iona is .

As imun idades t r ibu tá r ias surgem nesse momento , ve r i f i cando

d i re i tos que em razão de sua impor tânc ia necess i tam de ma io r

p ro teção e a té pa t roc ín io para que rea lmente se e fe t i vem. Exemplo é o

a r t igo 150 , inc iso V I , a l ínea “b ” da car ta magna que vedou a

ins t i tu i ção de impos tos sobre temp los de qua lquer cu l to pa t roc inando

para que se e fe t i ve o a r t igo 5º , i nc iso V I da Cons t i tu i ção Federa l de

1988 , que p rece i tua “é inv io láve l a l i be rdade de consc iênc ia e de

c rença , sendo assegurado o l i v re exerc íc io dos cu l tos re l ig iosos e

garan t ida , na fo rma da le i , a p ro teção aos loca is de cu l to e as suas

l i t u rg ias ” .

Re fo rçando esse en tend imento o Supremo Tr ibuna l Federa l ,

como ass ina la Eduardo Sabbag ( 2009 , p .242 ) , de te rminou que :

[ . . . ] as imun idades e os p r i nc íp i os t r i bu tá r i os são

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l im i t ações cons t i t uc i ona i s ao pode r de t r i bu ta r, ganhando a es ta tu ra de c l áusu las pé t reas – l im i t es não sup r im íve i s po r emenda cons t i t uc i ona l , uma vez assegu rado res de d i r e i t os e ga ran t i as i nd i v i dua i s ( a r t . 60 , §4 º , IV, CF ) , ap tos ao resgua rdo de p r i nc íp i os , i n t e resses e va lo res t i dos como fundamen ta i s pe lo Es tado .

Tendo em v is ta o expos to ac ima in ic ia remos a compreensão

do que ser ia imun idade t r ibu tá r ia . Ve jamos como P lác ido e S i l va ( 2007 ,

p .718 ) de f ine imun idade :

Do l a t im immun i t as ( i senção , d i spensa ) , en tende -se p r i v i l ég io ou to rgado a a lguém, pa ra que se l i v re ou se i sen te de ce r t as impos i ções l ega i s , em v i r t ude do que não é ob r i gado a f aze r ou a cumpr i r ce r t os enca rgos ou ce r t a ob r i gação , de te rm inada em ca rá te r ge ra l . Em p r i nc íp i o , é a t r i bu ída a ce r t as pessoas , em face de f unções púb l i cas exe rc i das (pa r l amen ta res , cong ress i s tas , d i p l oma tas ) . E , po r e l a , é assegu rada às mesmas uma soma de rega l i as , e p re r roga t i vas excepc iona i s em re lação às dema is pessoas . A imun idade co loca as pessoas , a quem se a t r i buem seme lhan tes p re r roga t i vas ou rega l i as , sob p ro teção espec ia l .

Trazendo para nosso tema, P lác ido e S i l va (2007 , p .718) , d iz

que imun idade t r ibu tá r ia , “des igna as vedações ao p r inc íp io ju r íd ico da

t r ibu tação obr iga tó r ia , o r iundas de expressos e inex tens ivos p rece i tos

cons t i tuc iona is (ve r CF/88 , a r ts . 150 /152) ” .

Impor tan te sa l ien ta r que a dou t r ina não chegou a uma

conce i tuação unân ime, consagrada do ins t i tu to . Segundo C lé l io Ch iesa

( 2002 , p .106 -112 ) , os dou t r inadores se d iv idem em t rês p r inc ipa is

co r ren tes , os que :

[ . . . ] en tendem se r as imun idades casos de não i nc idênc ia cons t i t uc i ona lmen te qua l i f i cada ; ou t ros , as en tendem como exc lusão ou sup ressão ao pode r de t r i bu ta r ; há , a i nda , os que de fendem se r uma l im i t ação cons t i t uc i ona l à compe tênc ia t r i bu tá r i a , den t re ou t ras pos i ções dou t r i ná r i as .

Para o es tudo de nosso ob je to ana l i sa remos, mesmo que

super f i c ia lmente , essas t rês pos ições c i tadas .

Para José Souto Ma io r Borges e Ami lca r de Araú jo Fa lcão

(CHIESA, 2002 , p . 106) as imun idades são casos de não inc idênc ia

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cons t i tuc iona lmente qua l i f i cada , se de fende a tese de que a não

inc idênc ia ocor re por duas mane i ras ; a p r ime i ra é a não inc idênc ia

pura e s imp les , uma vez que não ocor reu o fa to r gerador t r ibu tá r io , a

segunda é a não inc idênc ia ju r id i camente qua l i f i cada , ou imun idade

t r ibu tá r ia onde ocor re a competênc ia t r ibu tá r ia de impor o t r ibu to é

exc lu ída .

C lé l io Ch iesa (2002 , p .112) c r i t i ca essa pos ição . Em pr ime i ro

lugar d iz que na seara da car ta magna o cons t i tu in te t ra tou apenas de

de l im i ta r as competênc ias dos en tes po l í t i cos não t ra tando do

fenômeno da inc idênc ia . Ava l ia a inda que o te rmo não inc idênc ia não

se ja cor re to para o ins t i tu to , po is as normas imun izan tes são de

inc idênc ia , i s to é , se de te rminado fa to , pessoa p reenchem os

requ is i tos cons t i tuc iona is , e les te rão o d i re i to sub je t i vo de não serem

t r ibu tados .

Já Ruy Barbosa Nogue i ra e Bernardo de R ibe i ro de Moraes

(CHIESA, 2002 , p . 109) de fendem a imun idade como exc lusão ou

supressão ao poder t r ibu tá r io também, segundo Ch iesa (2002 , p .11) se

equ ivocam, po is ao admi t i rem essa conce i tuação , es ta r iam supondo

c rono log ia en t re a de l im i tação de competênc ias na Cons t i tu i ção e

imun idades t r ibu tá r ias , porque em um pr ime i ro momento o leg is lador

a t r ibu i r ia competênc ia a um en te po l í t i co e em um segundo a exc lu i r ia

ou supr im i r ia . O leg is lador cons t i tuc iona l quando a t r ibu iu as

competênc ias e apresen tou qua is se r iam as imun idades , o fez no

mesmo momento , en tão são normas con temporâneas com mesma

e f i các ia e ap l i cab i l i dade .

E f ina lmente Hugo de Br i to Machado, Rubens Gomes de Sousa

e A l iomar Ba lee i ro (CHIESA, 2002 , p .111) conce i tuam a imun idade

t r ibu tá r ia como uma l im i tação cons t i tuc iona l à competênc ia t r ibu tá r ia .

C lé l io Ch iesa ( 2002 , p . 111 ) a f i rma que essa tese :

[ . . . ] é bas tan te ca t i van te , en t re tan to padece do mesmo equ ívoco daque la que ap resen ta a imun idade como uma exc lusão ou sup ressão do pode r t r i bu tá r i o , ha ja v i s t a que t ambém p ressupõe a ex i s tênc ia de c rono log ia en t re as no rmas de ou to rga de compe tênc ia e as que con temp lam h ipó teses de imun idades .

Page 30: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

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Embasado nas de f in ições dou t r iná r ias de Roque An ton io

Car raza , Pau lo de Bar ros de Carva lho e José Souto Ma io r Borges ,

Ch iesa ( 2002 , p .123 ) de f ine imun idades t r ibu tá r ias :

[ . . . ] como um con jun to de no rmas j u r í d i cas con temp ladas pe la Cons t i t u i ção Fede ra l que es tabe lecem a i ncompe tênc ia das pessoas po l í t i cas de d i r e i t o cons t i t uc i ona l i n t e rno pa ra i ns t i t u í r em t r i bu tos sob re ce r t as s i t uações ne la espec i f i cadas .

Eduardo Sabbag (2009 , p . 240) também compac tua com o

en tend imento de que “as imun idades t r ibu tá r ias deno tam uma

incompetênc ia t r ibu tá r ia ” .

Reg ina He lena Cos ta ( 2006 , p . 52 ) def ine imun idade t r ibu tá r ia :

[ . . . ] como a exone ração , f i xada cons t i t uc i ona lmen te , t r aduz ida em no rma exp ressa imped i t i va da a t r i bu i ção de compe tênc ia t r i bu tá r i a ou ex t ra í ve l , necessa r i amen te , de um ou ma is p r i nc íp i os cons t i t uc i ona i s , que con fe re d i r e i t o púb l i co sub je t i vo a ce r t as pessoas , nos t e rmos po r e l a de l im i t ados , de não se su je i t a rem a t r i bu tação .

Por f im, como esc la rece A ldemár io Araú jo Cas t ro (2009 , p .

02) :

[ . . . ] o Tex to Ma io r não u t i l i za a pa lav ra ‘ imun idade ’ , ou a exp ressão ‘ imun idade t r i bu tá r i a ’ , pa ra i ns t i t u i r exone rações nesse campo . As f ó rmu las l i ngü í s t i cas são as ma is d i ve rsas ( ‘ é vedado . . . i ns t i t u i r impos tos ’ , ‘ não i nc id i r á ’ , ‘ i ndependen temen te do pagamen to ’ , ‘ são i sen tas ’ , en t re ou t ra r s ) . As imun idades t r i bu tá r i as es tão concen t radas no a r t . 150 , i nc i so V I , da Cons t i t u i ção . Ou t ras es tão d i spe rsas no t ex to da Cons t i t u i ção (a r t . 5 º , XXX IV; a r t . 153 , pa rág ra fo t e r ce i r o , a r t . 195 , I I ; a r t . 195 , pa rág ra fo sé t imo , po r exemp lo ) .

Estando na Cons t i tu i ção qua lquer l im i tação nega t i va de

competênc ia t r ibu tá r ia dos agen tes po l í t i cos , não impor tando o te rmo

u t i l i zado se t ra ta de imun idade t r ibu tá r ia . Como a f i rma C lé l io Ch iesa

(2002 , p . 102 ) :

As imun idades são no rmas j u r í d i cas con temp ladas no t ex to cons t i t uc i ona l que es tabe lecem a i ncompe tênc ia dos en tes t r i bu tan tes pa ra a t i ng i r de te rm inados f a tos , bens ,

Page 31: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

29

pessoas ou s i t uações . An tecedem o p róp r i o exe rc í c i o das compe tênc ias t r i bu tá r i as , são no rmas de es t ru tu ra que aux i l i am no de l i neamen to do campo impos i t i vo .

Leandro Pau lsen (2009 , p . 240) sobre o tema d iz que :

As reg ras nega t i vas de compe tênc ia t r i bu tá r i a são cons ide radas como no rmas de imun idade , po i s a fas tam a poss ib i l i dade de t r i bu tação de de te rm inadas pessoas ou bases econômicas .

E como já fo ra d i to an te r io rmente as imun idades são

cons ideradas c láusu las pé t reas pe lo Supremo Tr ibuna l Federa l não

podendo “ser supr im idas , a l te radas , ou mod i f i cadas pe los en tes

t r ibu tan tes , sa lvo se houver uma emenda à Cons t i tu i ção” (CHIESA,

2002 , p . 103) .

Por tudo ac ima expos to chegamos à compreensão de que as

imun idades t r ibu tá r ias são ho je fe r ramentas para a garan t ia de d i re i tos

fundamenta is e o que ab in i t i o era um pr i v i l ég io de poucos ho je deve

ser en tend ido como garan t ia de todos .

E mesmo não encon t rando uma conce i tuação unân ime en t re os

dou t r inadores en tendemos que as imun idades t r ibu tá r ias são par te da

competênc ia t r ibu tá r ia cons t i tuc iona l , em seu aspec to nega t i vo , onde

por va lo res que o cons t i tu in te o r ig inár io en tendeu necessár ios a

p rópr ia subs is tênc ia do Es tado democrá t i co de d i re i to , reso lveu

p ro tegê- los , sendo en tão para ta l as normas imun izan tes ins t rumentos .

1 .4 Espéc ies de Imun idades Tr ibu tá r ias

1.4 .1 Considerações in ic ia is

Antes de ind ica rmos as espéc ies de imun idades t r ibu tá r ias ,

en tendemos necessár io esc la recer que a dou t r ina d iscu te se esse

p rece i to cons t i tuc iona l abrange todos os t ipos de t r ibu tos ou apenas

os impos tos , sobre o tema Eduardo Sabbag (2009 , p . 245) comenta :

Page 32: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

30

“ [ . . . ] j á se to rna poss íve l observar que as imun idades a t ingem t r i bu tos

var iados , e não apenas uma espéc ie de les , v.g . , os impos tos [ . . . ] ” .

P rec ip i tadamente a lguns l i gavam as imun idades somente aos

impos tos , po is cons ideravam apenas o a r t igo 150 da Car ta Magna para

aná l i se da maté r ia .

Com a percepção de que toda p ro ib ição ao en te es ta ta l de

t r ibu ta r p rev is ta na Le i Ma io r é cons iderada imun idade , caminhamos

para o en tend imento de que todas as espéc ies de t r ibu tos são

a t ing idas pe lo ins t i tu to , como demons t ra Reg ina He lena Cos ta (2006 ,

p .44) no tex to aba ixo :

Trad i c i ona lmen te , as imun idades são conceb idas como exone rações t r i bu tá r i as que respe i t am tão -somen te as impos tos . Todav ia , t emos que as imun idades são no rmas que não se re fe rem apenas as impos tos como também não se resumem às chamadas “ imun idades gené r i cas ” . I s t o po rque a exone ração t r i bu tá r i a em re lação a t axas e a con t r i bu i ções , ass im como espec i f i camen te a um ou a lguns impos tos , t ambém pode se r imp lemen tada cons t i t uc i ona lmen te , não ex i s t i ndo ób i ce a lgum pa ra t an to .

Ércias Rodrigues de Sousa (2007, p. 120) sobre o tema também defende a

extensão da imunidade religiosa a outros tributos, como segue:

A noção ínsita às imunidades constitucionais, comporta, em seu gênero, a limitação estendida a qualquer das espécies tributárias, como se verá mais adiante, ao tomarmos as demais normas imunizantes, localizadas topograficamente fora do art. 150, inc. VI da Constituição Federal de 1988.

Comungam com o entendimento acima exposto Roque Carrazza, Paulo de

Barros Carvalho e Luciano Amaro todos citados por Regina Helena Costa (2006, p. 210).

Ao estudarmos a Constituição de 1988 encontramos “nada menos que 33

hipóteses de imunidades em relação às diversas espécies tributárias” (Idem, p. 134).

Um exemplo de imunidade de taxa é a prevista no artigo 5º, XXXIV, da Lei

Maior, in verbis:

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;

Page 33: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

31

Quanto às contribuições podemos citar o artigo 195, II, da Constituição Federal

que preceitua:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: [ . . . ] II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; [ . . . ]

Encerrada essa discussão, comentaremos apenas as imunidades de impostos,

trazidas nas alíneas e parágrafos do artigo 150, VI da Carta Magna em razão do objeto

deste trabalho ser encontrado na alínea “b” e § 4 º desse texto constitucional, conforme

demonstraremos a seguir.

1.4.2 Imunidade Recíproca

Essa norma imunizante está positivada na Carta Magna no artigo 150, VI, “a”, e §

§ 2º e 3 º, in verbis :

Art. 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:[ . . . ] V I – i ns t i t u i r impos tos sob re : a ) patrimônio, renda ou serviços uns dos outros; [ . . . ]§ 2º A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou dela decorrentes. § 3 º As vedações do inciso VI, a e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

A principal finalidade do texto constitucional acima é a manutenção do

equilíbrio entre os entes políticos da federação brasileira, preservando-se o pacto

federativo. Nas palavras de Eduardo Sabbag (2009, p. 250) “O elemento teleológico que

justifica a norma em comento atrela-se ao princípio federativo (art. 60, § 4 º, I, CF), como

cláusula pétrea, à luz do postulado da indissolubilidade do pacto federativo [ . . . ] ” .

Page 34: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

32

1.4.3 Imunidade dos templos de qualquer culto

Encontrada no artigo 150, VI, “b”, e § 4 º da Lei Maior esta proibição de tributar

encontra respaldo no artigo 5º, VI, da Constituição Federal, “que assegura a liberdade de

crença e o livre exercício de cultos religiosos densificando-os” (COSTA, 2006, p. 156).

Delimitando a extensão da norma o § 4 º acima prevê: “As vedações expressas

no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços,

relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. Alguns

autores, citados por Eduardo Sabbag (2009, p. 286), defendem que essa norma

imunizante, também, tem seus limites ligados ao princípio da livre concorrência, tema que

discutiremos adiante no item 2.2.3 desse estudo.

Buscaremos no capítulo seguinte esmiuçar este preceito constitucional, por

hora nos atemos apenas a vinculá-lo a seu objetivo como explanado acima.

1.4.4 Imunidade dos partidos políticos e suas fundações, entidades sindicais de

trabalhadores e instituições de educação e de assistência social

Várias são as imunidades trazidas pelo artigo 150, VI, “c”, da Constituição por

isso o desmembraremos para uma melhor compreensão.

A norma imunizante dos partidos políticos e suas fundações tem sua base e

seu fim, como demonstra Ercias Rodrigues de Sousa (2007, p. 136): [...] no próprio

Estado Democrático, erigido já a partir do art. 1 º da Constituição Federal de 1988,

segundo o qual é fundamento da República Federativa do Brasil, o pluralismo político [...].

Já as entidades sindicais de trabalhadores foram imunizadas por ter o

legislador entendido que diante da hipossuficiência do trabalhador, este precisa ter um

sindicato para defesa de seus direitos, veja que o texto legal é taxativo que a norma

atinge apenas o sindicato dos trabalhadores e não o sindicato patronal, “[...] em clara

opção pelo arrimo da sindicalização laboral, em atenção à natural desproteção e carência

do trabalhador, quando em confronto com o titular do capital” (SOUSA, 2007, p.148).

A imunidade das instituições de educação tem seu fundamento na própria Lei

Maior em seu artigo 205 que preceitua:

Page 35: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

33

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Então essa norma imunizante tem segundo Ercias Rodrigues de Sousa (2007,

p. 149): “[...] por escopo incentivar a prestação desse serviço público, em regime de

colaboração, por entidades privadas, as quais se vêem desoneradas de impostos, em

suas atividades essenciais, desde que atingidos os requisitos da lei [...]”.

A imunidade das instituições de assistência social tem em sua essência a

mesma finalidade da imunidade das instituições educacionais, que é o levar que a

iniciativa privada através desse “patrocínio” ajude o Estado na consecução de seus

objetivos.

Como na imunidade dos templos de qualquer culto essas normas imunizantes

tem como limite constitucional o § 4 º do artigo 150 da Carta Magna transcrito no estudo

daquela.

1.4.5 Imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão

Prevista na alínea “d” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal essa

imunidade está ligada a circulação do conhecimento e a liberdade de se expressar como

direito subjetivo de todos, por esse motivo para que livros e similares fossem mais

acessíveis o constituinte entendeu por bem retirar-lhes a carga tributária.

Nesse sentido Sabbag (2009, p. 322) afirma:

[...] que a melhor exegese vem sinalizando, no campo da interpretação, que o importante é prestigiar a liberdade de expressão, independentemente do suporte físico do difusor do conhecimento (papel, celulóide, plástico) ou a forma de transmissão (caracteres alfabéticos, signos, braile, impulsos magnéticos etc).

Esse entendimento é importante, pois com a mudança da transmissão de

conhecimento, novos meios tecnológicos que sirvam a esse fim, também devem ser

imunizados.

Page 36: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

34

2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

2.1 Introdução

Essa norma imunizante foi introduzida no Brasil com o advento da República

que separou o Estado brasileiro da religião, isto é, não haveria mais uma religião oficial,

como era a Igreja Católica, até aquele momento. Assim assevera Eduardo Sabbag (2009,

p. 278):

Curiosamente, até a proclamação da República, o catolicismo era a religião oficial no Brasil, com total restrição à laicidade consoante o art. 5 º, da Carta Magna de 1824, que apontava a religião ”Catholica Apostolica Romana” como a “Religião do Império”.

Nesse contexto republicano na Carta Magna de 1891 em seu artigo 11, § 2 º

previa que: É vedado aos Estados, como à União: [(...] 2º) estabelecer, subvencionar ou

embaraçar o exercício de cultos religiosos [...], sendo que nas Constituições posteriores,

especificamente a de 1934 e de 1937, essa norma continuou com o mesmo aspecto.

Para Regina Helena Costa (2006, p. 156) a forma moderna dessa imunidade

veio com a Constituição de 1946 que:

[...] tornou imunes os templos de qualquer culto (art. 31, V, “b”) – norma que foi mantida nos sucessivos Textos Fundamentais [...]. A imunidade em referência teve seu conteúdo aclarado pela CF de 1988, pois compreende agora o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais da entidade beneficiada (art. 150, §4º).

Não poderíamos deixar de transcrever aqui o artigo 5º, VI e o artigo 19, I da

Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...] VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações

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35

de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Percebemos que esses artigos estão intimamente ligados a imunidade

religiosa, sendo sua ratio essendi, o primeiro estabelece a liberdade religiosa e o segundo

prega a neutralidade do Estado em relação às diversas crenças.

Da leitura dos artigos acima percebemos que o Estado brasileiro quanto às

religiões deve agir de maneira imparcial, não pode tomar medidas que impeçam ou

patrocinem a profusão de qualquer fé.

Nada impedindo que quando houver interesse público relevante o Estado faça

convênios ou isente as instituições religiosas, como naqueles casos em que elas prestam

serviços a comunidade, um bom exemplo dessa situação são as clínicas de recuperação

de viciados mantidas por grupos religiosos.

Outra consideração relevante é que a norma imunizante dos templos de

qualquer culto somente atinge impostos, pois o texto legal é claro e não deixa abertura

para interpretação diferente, isto é, facilmente verificado com a leitura do inciso VI do

artigo 150 da Lei Maior. Decorre daí, então, que as entidades religiosas devem pagar as

taxas e contribuições instituídas pelos entes políticos.

2.2 Elementos

Como dito anteriormente, a imunidade de templos de qualquer culto é

encontrada no artigo 150, VI, “b” da Constituição Federal e delimitada pelo § 4 º do

mesmo artigo, conforme segue:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:[...] VI - instituir impostos sobre:[...] b) templos de qualquer culto;[...] § 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Abaixo discutiremos o que seria culto, templo e quais seriam as finalidades

essenciais descritas no texto constitucional.

Page 38: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

36

2.2.1 Culto

Em seu Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva (2007, p. 403) conceitua culto

da seguinte forma:

Derivado do latim cultus, de colere, possui variedade de sentidos, seja como adjetivo ou substantivo. Como adjetivo, é o que se entende cultivado, esmerado e educado. Como substantivo, no entanto, possui, genericamente, o sentido de veneração mantida acerca de Deus e dos Santos ou mesmo dos antepassados. Ou, mais estritamente, todos os atos exteriores relativos às homenagens prestadas aos mesmos, em face dos quais testemunhamos os nossos sentimentos de veneração e respeito.Por vezes, é empregado na mesma equivalência de religião e de sua prática.

Da leitura da citação acima, nos interessa para esse estudo, o culto enquanto

substantivo, no sentido de veneração, exteriorização da fé e também como equivalente de

religião.

Para Eduardo Sabbag (2009, p. 281):

[...] culto é a manifestação religiosa cuja liturgia adstringe-se a valores consonantes com o arcabouço valorativo que se estipula, programática e teleologicamente, no texto constitucional.Assim, o culto deve prestigiar a fé e os valores transcedentais que a circundam, sem colocar em risco a dignidade das pessoas e a igualdade entre elas, além de outros pilares de nosso Estado. Com efeito, é imprescindível à seita a obediência aos valores morais e religiosos, no plano litúrgico, conectando-se a ações calçadas em bons costumes (arts. 1 º, III, 3 º, I e IV; 4º, II e VIII, todos da CF), sob pena do não-reconhecimento da qualidade de imune.

Paulo de Barros Carvalho, citado por Sabbag (2009, p. 281) afirma que ‘cabem

no campo de sua irradiação semântica todas as formas racionalmente possíveis de

manifestação organizada de religiosidade, por mais estrambólicas, extravagantes ou

exóticas que sejam’.

Então, culto para nosso estudo deve ter interpretação ampliativa, isto é,

qualquer manifestação religiosa deve ser considerada, excluindo-se apenas aquelas cujo

objetivo e prática atentem contra valores consagrados pela Constituição, como a vida, as

diversas liberdades, a dignidade da pessoa humana entre outros.

Importante, essa conclusão, pois dela decorre que todas as religiões,

respeitadas as ressalvas acima, tem direito a essa imunidade assegurado pela Carta

Magna.

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37

2.2.2 Templo

De Plácido e Silva (2007, p.1371) assim define “templo”:

Do latim templum (terreno consagrado, santuário), é geralmente empregado, no sentido religioso, para indicar o local, em que se celebram cultos, ou cerimônias religiosas. Dir-se-à, então, templo católico, templo protestante. Correntemente, porém, templo é mais empregado para designar o edifício destinado ao culto protestante, em oposição à igreja, reservada ao culto católico. Mas, é igualmente empregado para designar as sedes, ou os locais, em que se encontram as lojas maçônicas. (grifado no original)

Tormentosa a definição do conceito de templo para a doutrina, Eduardo

Sabbag (2009, p. 283) pedagogicamente divide em três teorias para essa conceituação, a

saber: teoria clássico-restritiva, teoria clássico-liberal e teria moderna as quais citamos

abaixo:

1 Teoria Clássico-restritiva (Concepção do Templo-coisa): conceitua o templo como o local destinado à celebração do culto. Pauta-se na coisificação do templo religioso (universitas rerum, ou seja, o conjunto de coisas), que se prende, exclusivamente, ao local do culto. Exemplo: não deve haver incidência de IPTU sobre o imóvel – ou parte dele, se o culto, v.g., ocorre no quintal ou terreiro da casa – dedicado à celebração religiosa; não deve haver incidência de IPVA sobre o chamado templo-móvel (barcaças, caminhões, vagonetes, ônibus etc.); entre outras situações. Como defensores dessa concepção, aproximam-se Pontes de Miranda, Paulo de Barros Carvalho e Sacha Calmon Navarro Coêlho;2 Teoria Clássico-liberal (Concepção do Templo-atividade): conceitua o templo como tudo aquilo que, diretamente ou indiretamente, viabiliza o culto. Nessa medida, desoneram-se de impostos o local destinado ao culto e os anexos deste (universitas júris, ou seja, o conjunto de relações jurídicas, afetas a direitos e deveres)Como defensores dessa concepção, aproximam-se Aliomar Baleeiro, Roque Antonio Carrazza e Hugo de Brito Machado [...]. 3 Teoria Moderna (Concepção do Templo-entidade): conceitua o templo como entidade, na acepção de instituição, organização ou associação, mantenedoras do templo religioso, encaradas independentemente das coisas e pessoas objetivamente consideradas. No sentido jurídico, possui acepção mais ampla que pessoa jurídica, indicando o próprio “estado de ser”, a “existência”, vista em si mesma.[...] Como defensores dessa concepção, aproximam-se José Eduardo Soares de Melo, Marco Aurélio Greco, Celso Ribeiro Bastos, entre outros. (grifado no original)

Ives Gandra da Silva Martins citado por Paulsen (2009, p. 246) defendendo a

concepção do templo-entidade conclui:

Page 40: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

38

‘Ora, os templos de qualquer culto não são, de rigor, na dicção constitucional, os prédios onde os cultos se realizam, mas as próprias Igrejas. O que o constituinte declarou é que, sem quaisquer restrições, as Igrejas de qualquer culto são imunes de todos os impostos. Não o prédio, mas a instituição. É de se lembrar que o vocábulo igreja tanto serve para designar a instituição como o prédio, o mesmo se podendo dizer do vocábulo prédio...’

A escolha da definição de templo implica na amplitude da norma imunizante,

pois ao adotarmos a teoria clássico-restritiva estaríamos reduzindo a aplicação da

imunidade, adotando a teoria moderna claramente teríamos uma ampliação da norma

constitucional.

Entendemos que para essa escolha deve-se buscar a intenção do legislador ao

criar a norma, especialmente o artigo 5º, VI e o artigo 19, I, ambos da Constituição

Federal, que trazem respectivamente, a liberdade religiosa e a neutralidade do Estado

quanto às diversas crenças. Então se busca a razão de ser da lei para que tenhamos a

interpretação mais coerente com o seu fim.

Nessa linha Eduardo Sabbag (2009, p. 284) conclui:

Ao nosso sentir, a concepção moderna tem-se mostrado a mais adequada à satisfação da problemática que circunda a tributação dos templos religiosos que, em virtude do dinamismo que tem orientado a atividade, com questões jurídicas as mais variadas possíveis, requerem do exegeta um certo desprendimento das estruturas formais, a fim de atingir a ratio legis e propor a justiça fiscal aos casos concretos.

E ao defender os templos de qualquer culto como entidade, a qual a imunidade

deve agraciar, estaríamos atingindo os objetivos buscados pelo legislador constitucional,

isto é, possibilitar o exercício de qualquer religião.

2.2.3 Finalidades essenciais

Aqui encontramos o delimitador para a aplicação da imunidade religiosa, mais

uma vez, a doutrina e a jurisprudência ainda não chegaram a um consenso sobre o tema.

Outra limitação encontrada por vários autores citados por Sabbag (2009, p.

286) é que na análise do caso concreto a aceitação da norma imunizante não deve ferir o

principio da livre concorrência.

Já citamos o parágrafo abaixo anteriormente, mas entendemos ser necessário

Page 41: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

39

relembrá-lo:

[...] § 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

A celeuma se instala quando alguns defendem que mesmo em atividades

atípicas a entidade religiosa será imune se aplicar os rendimentos em atividades

relacionadas com os fins dessa instituição. Outros concluem que somente serão atingidas

pela imunidade aquelas atividades típicas.

Atividade típica seria o batismo dos fiéis, por exemplo, então sobre os valores

resultantes do serviço prestado e para manutenção dele não poderia incidir nenhum

imposto, aqui não há o que se discutir sobre a aplicação da norma imunizante.

Já atividade atípica seria, por exemplo, a produção de roupas para venda no

comércio local, a renda obtida se revertida para as finalidades da entidade religiosa seria

imunizada?

Vanessa Siqueira (2009, p. 194) cita a jurisprudência do STF sobre o tema,

especificamente no Recurso Extraordinário 325.822-SP, onde o Egrégio Tribunal:

[...] decidiu, por maioria, que a imunidade tributária concedida aos templos de qualquer culto abarca o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as atividades essenciais da pessoa imune, afastando, inclusive, os impostos incidentes sobre lotes vagos e prédios comerciais de entidades religiosas quando a renda decorrente dos aluguéis destinar-se integralmente à manutenção das finalidades essenciais das aludidas entidades.

A decisão acima demonstra uma interpretação, segundo Eduardo Sabbag

(2009, p. 286):

[...] dita “ampliativa”- prevalecente na doutrina brasileira -, que tende a desconsiderar a origem do patrimônio, renda de serviço, vem prestigiar a atuação das entidades em ações correlatas com as “atividades essenciais”, desde que se revertam a tais pessoas jurídicas os recursos hauridos na citadas atividades conexas e que não se provoque prejuízo à livre concorrência.Esse entendimento tem sido esposado por autores respeitáveis, quais sejam: Regina Helena Costa, Luciano Amaro, Hugo de Brito Machado, José Eduardo Soares de Melo, Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra da Silva Martins e outros.

O problema na adoção dessa interpretação é a dificuldade em se comprovar no

caso concreto se a renda obtida por determinado investimento foi revertido à consecução

dos fins da entidade religiosa.

Page 42: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

40

Aqui cabe frisar que as entidades religiosas são imunes aos impostos, mas

devem cumprir as obrigações acessórias, que seriam aquelas instrumentais, como a

escrituração contábil dos valores doados pelos fiéis ou os obtidos pelos alugueres de

imóveis, por exemplo.

Dessa maneira o Estado deve criar essas obrigações instrumentais para que

exerça um controle da aplicação desses recursos, e constatando que fora aplicado na

atividade essencial da instituição deve imunizá-lo, caso contrário deve tributá-lo.

Deve-se ter cautela extrema na análise da situação fática, pois ao confrontar o

direito à imunidade e o princípio da livre concorrência, constatando-se que a atividade da

entidade religiosa estiver causando impacto na economia local, como falência das

empresas têxteis da cidade no exemplo dado acima, entendemos cabível a mitigação da

norma imunizante.

Eduardo Sabbag (2009, p. 287-288) encontra dois requisitos elementares para

a solução da celeuma:

1º Requisito elementar: é fundamental o reinvestimento integral do montante pecuniário, oriundo das atividades conexas ou correlatas, na consecução dos objetivos institucionais da Igreja, em prol de uma correspondência fática, que utilize a destinação dos recursos como fator determinante. [...]2º Requisito elementar: é vital a inexistência de prejuízo à livre concorrência, vedando-se o cunho empresarial na atividade econômica desempenhada. (grifado no original)

Chegamos à conclusão de que somente na aplicação ao caso concreto

poderemos ter elementos para basear qualquer decisão. Devendo a administração

tributária obrigatoriamente verificar, primeiramente, se os valores levantados pela

instituição religiosa são revertidos para as finalidades essenciais dessa entidade, sendo a

resposta positiva, deverá agora observar, se a contemplação pela imunidade tributária

não causaria afronta ao principio da livre concorrência, sendo a resposta negativa, a

religião é imunizada, sendo a resposta positiva instaura-se a celeuma, pois estão se

confrontando dois institutos constitucionais, quais sejam, a imunidade religiosa- art. 150,

VI, “b” e § 4º, CF - e o princípio da livre concorrência – art. 170, IV c/c art. 173, § 4º, CF.

Pensamos que aqui devemos aplicar o principio de interpretação constitucional

da proporcionalidade ou razoabilidade, que Pedro Lenza (2008, p. 73) citando Karl Larens

assim define:

Page 43: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

41

‘em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana

diretamente das idéias de justiça, equidade, bom senso, prudência,

moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores

afins; precede e condiciona a posição jurídica, inclusive de âmbito

constitucional; e, ainda, enquanto principio geral do direito, serve de regra

de interpretação para todo o ordenamento jurídico’.

Alexandre Araújo Costa (2008) identifica os elementos do princípio da

proporcionalidade, na concepção constitucional moderna, como abaixo:

a) Adequação

O primeiro subprincípio estabelece a exigência da conformidade ou

adequação entre meios e fins, segundo a qual o ato deve ser apropriado

para a realização das finalidades a ele subjacentes. [...]

[...] b) Necessidade

O segundo subprincípio é o da exigibilidade ou necessidade, que traduz o

direito do cidadão à menor restrição possível ao seu direito. [...]

[...] c) Proporcionalidade em sentido estrito

O terceiro subprincípio é o da justa medida ou da proporcionalidade em

sentido estrito. [...]

Então, diante do fato da vida, de imunizar ou não em relação à livre

concorrência, deve o ente estatal pautar-se pelo principio acima, fazendo-se os seguintes

questionamentos: A decisão se é a mais adequada ao caso? Ela é a menos gravosa para

quem pleiteia o direito? E finalmente, se a medida da decisão é a mais justa?

Não respondendo afirmativamente qualquer das perguntas acima, a decisão

deve ser revista por não ser razoável/proporcional. Em sendo afirmativa justiça,

provavelmente, foi feita.

Page 44: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

42

3 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS E IMUNIDADE DOS TEMPLOS DE QUALQUER

CULTO: DISCUTINDO A EFETIVIDADE

Não basta que a Constituição do Brasil positive a imunidade dos templos de

qualquer culto, mas como a sociedade reconhece o que é religião e o que deve ser

imunizado.

Dentro dessa escolha e como em todas as outras o papel do etnocentrismo é

de suma relevância.

Etnocentrismo é a visão de mundo que uma pessoa tem sob a ótica de sua

cultura, seria como uma “lupa” pela qual vemos a realidade, daí decorre que tendo

alicerces culturais diversos duas pessoas podem diante de um mesmo fato terem

compreensões bem diferentes.

Para tornar mais claro, o que dissemos acima, Juliana de Paula Batista citando

Everardo Rocha explana sobre o tema:

Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc. [...] Como uma espécie de pano de fundo da questão etnocêntrica temos a experiência de um choque cultural. [...] este ‘outro’ também sobrevive à sua maneira, gosta dela, também está no mundo e, ainda que diferente, também existe. Este choque gerador do etnocentrismo nasce, talvez, na constatação das diferenças.[...] A diferença é ameaçadora porque fere nossa própria identidade cultural (BATISTA, 2010).

Isso na interpretação do que é religião ou não fica claro, senão vejamos que

em alguns momentos o que para alguns é religião para outros é crime.

Se de um lado o Estado Republicano pregava a separação entre o Estado e a

Igreja, de outro tornava ilícito penal alguns tipos de culto, pois sob a ótica desse legislador

aquilo que ele não considerava religião, ou melhor, a religião do outro, muito diferente da

sua, não poderia ser aceita pela sociedade. Exemplo disso foi o Decreto de 11 de outubro

de 1890 que nos artigos 156, 157 e 158 “[...] criou mecanismos reguladores de combate

aos feiticeiros, instituindo o Código Penal” (MAGGIE, 1992, p. 22).

Apenas para melhor compreensão do acima exposto, transcrevemos abaixo os

artigos acima do Código Penal de 1890 (MAGGIE, 1992, p. 22 e 23):

Page 45: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

43

Art. 156 – Exercer medicina em qualquer dos seus ramos e a arte dentária ou farmácia: praticar homeopatia, a dosimetria, o hipnotismo ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as leis e regulamentos.

Penas – prisão celular por um a seis meses e multa de 100$ a 500$000.Parágrafo Único – pelos abusos cometidos no exercício ilegal da medicina em geral, os seus autores sofrerão, além das penas estabelecidas, as que forem impostas aos crimes a que derem causa.Art. 157 – Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio e amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim para fascinar e subjulgar a credulidade pública.Penas – prisão celular por um ano a seis meses e multa de 100$ a 500$000.§ 1 º - se por influência ou em conseqüência de qualquer desses meios resultar ao paciente privação ou alteração temporária ou permanente das faculdades físicas.Penas – prisão celular por um a seis meses e multa de 200$ a 500$000.§ 2 º - em igual pena, e mais na privação do exercício da profissão por tempo igual ao da condenação incorrerá o médico que diretamente praticar das artes acima referidas ou assumir responsabilidade por elas.Art. 158 – Ministrar, ou simplesmente prescrever, como meio curativo para uso interno ou externo e sob qualquer forma preparada, substância de qualquer dos reinos da natureza, fazendo, ou exercendo assim, o ofício denominado de curandeiro.Penas – prisão celular por um a seis meses e multa de 100$ a 500$000.Parágrafo Único – se do emprego de qualquer substância resultar à pessoa privação, ou alteração temporária ou permanente de faculdades físicas ou funções fisiológicas, deformidade, ou inabilitação do exercício de órgão ou aparelho orgânico, ou, em suma qualquer enfermidade:Penas – prisão celular por um a seis anos e multa de 200$ a 500$000.Se resultar morte: Pena – prisão celular por seis a vinte e quatro anos.

Outro bom exemplo de como o legislador não aceitava o diferente, não

respeitava a cultura dos negros brasileiros são os artigos 402, 403 e 404 do Código Penal

de 1890 que criminalizavam a prática da capoeira, abaixo transcrevemos os referidos

artigos:

Art. 402. Fazer nas ruas e praças publicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumultos ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal:Pena - de prisão celular por dois a seis meses.Parágrafo Único. É considerado circunstancia agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta.Aos chefes, ou cabeças, se imporá a pena em dobro.Art. 403. No caso de reincidência, será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a pena do art. 400.Parágrafo Único. Se for estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.

Page 46: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

44

Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor publico e particular, perturbar a ordem, a tranqüilidade ou segurança publica, ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes.

Quanto aos artigos acima, devemos fazer a consideração de que há época da

escravidão, a sua proibição seguia uma lógica, pois através dela os negros adquiriam

habilidades físicas que poderiam ser usadas contra seus senhores.

Agora, em um contexto republicano, onde já não existia mais a escravidão,

qual a justificativa para que tal prática fosse criminalizada, não vemos outra senão o

preconceito diante dessa expressão cultural.

Como, então, considerarmos a cultura africana e as religiões afro-brasileiras

iguais as outras, se há pouco as tratávamos como crime?

Ao lermos o texto “Isenção para todas as religiões” de autoria de Marcus

Bennett no Informe Palmares – número 42 – ano 3 -1 a 28 de Fevereiro de 2009,

publicado no sitio eletrônico palmares. gov.br, temos várias constatações importantes para

a discussão do tema, razão pela qual o reproduzimos em sua totalidade no anexo A deste

trabalho, e abaixo discutiremos alguns trechos os quais achamos de relevância para

nosso estudo.

Primeiramente, encontramos uma falta de técnica no título do texto e em

alguns outros momentos, pois os templos de qualquer culto são imunes e não isentos aos

impostos, pois como explicitamos no item 1.2 desse estudo, qualquer proibição de tributar

com status constitucional, é imunidade e não isenção. Ademais, devemos nos recordar

que a própria Lei Maior por diversas vezes comete a mesma atecnia, então devemos ser

compreensivos com o autor para que não cometamos injustiças.

O assunto tratado é, especificamente, o da imunidade tributária dos templos de

qualquer culto em relação ao IPTU – imposto sobre a propriedade predial e territorial

urbana – das religiões de matriz africana. Este imposto é de competência dos Municípios,

conforme o art. 156, I, da Constituição Federal de 1988. Cabendo a esses entes políticos

através de lei ordinária municipal a regulamentação desse imposto (SABBAG, 2009).

No texto a vereadora da cidade de Salvador, Olivia Santana, afirma que 80%

dos terreiros da capital baiana não são imunizadas, o que segundo ela não ocorre com

outras religiões. Identifica, ainda, que em razão da maioria dos templos dessas religiões

serem arrendados não conseguem as benesses da norma imunizante.

Entende a nobre legisladora, que o Estado deve se abrir para que todas as

Page 47: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

45

religiões usufruam de seus direitos, pois nas suas palavras:

“As instituições sempre estiveram afastadas das religiões de matriz africana, agora elas devem se abrir para que todos possam ter a mesma oportunidade de acesso. Religiões como o candomblé, são formadas por pessoas de baixa renda, sem instrumentos legais necessários para obter informações e ter acesso ao aparato jurídico e advogados, como em outras religiões” (BENNETT, 2010).

Da leitura do texto podemos concluir que as principais dificuldades na obtenção

da imunidade pelas religiões afro-brasileiras estão na falta de alvará para funcionamento,

na falta de personalidade jurídica, na situação fundiária indefinida, na falta de

conhecimento do direito por seus participantes e, é óbvio, no preconceito.

O artigo em seu parágrafo final, citando ato da administração da cidade de São

Paulo, que levou a desburocratização para a obtenção da imunidade, parece ser uma boa

atitude para a resolução do problema.

Percebe-se que as religiões afro-brasileiras não são institucionalizadas como

as outras, e será que sua institucionalização não lhes desfiguraria, retirando sua própria

essência, e que para alguns é notadamente anárquica (SÁ JUNIOR, 2004). Esse é um

aspecto que deve ser bastante apreciado no que diz respeito ao direito a imunidade

religiosa. Os templos de cultos afro-brasileiros – Candomblés, Voduns, Tambor de Mina,

Batuques, Umbanda etc – muitas vezes e historicamente não se submetem à igrejização,

ou seja, a se colocar em uma submissão hierárquica e mesmo as tentativas de formação

de federações e confederações tem sido, ao longo de mais oitenta anos um processo de

difícil adesão por parte de muitas casas religiosas (BIRMAN, 1985). Muitos resistem a

esse modelo de organização.

Compreender a forma de organização dessas casas de culto afro-brasileiras

requer outra lógica para além do modelo ocidental que predomina em nossa doutrina

jurídica. Normalmente um templo tem início com a saída de um membro – filho/a de

santo/a - de outra casa, que existia previamente, para a constituição de uma nova. Esse

processo se dá de diversas formas. As principais são, seguindo os preceitos do

Candomblé, por exemplo, um iniciado na religião faz um recolhimento, chamado saída de

santo, e fica um número de dias, geralmente vinte e um, recolhido em um espaço sagrado

– a camarinha. Após esse período se realiza uma cerimônia conhecida como saída de

santo em que adquire um novo status no grupo como um filho/a feito/a. Essa feitura é

realizada sob a égide de um/a líder religioso/a – chamado/a informalmente de pai ou mãe

Page 48: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

46

de santo. Estabelece-se uma filiação entre o iniciado e sua mãe ou seu pai de santo. Uma

família de santo. Após sete anos dessa feitura o iniciado pode abrir uma nova casa de

culto.

Nessa lógica vai sendo estruturada uma ligação entre as casas através de uma

organicidade não burocrática. Não há documentos escritos que demonstrem ligações

entre as casas. A tradição oral e consuetudinária, da tradição, é que legitimam essas

ligações.

Nesse modelo cultural, herdado de diversas culturas africanas –

majoritariamente sudanesas e bantos – a hierarquia é feita através de uma família de

santo. É bastante comum algum iniciado se remeter a sua avó de santo, mesmo sem

conhecê-la para fortalecer a sua genealogia religiosa. Ser neto de uma grande Yalorixá –

Yao [zeladora]; Orixá [divindade da natureza de culto sudanês] é um feito bastante

proclamado por muitos filhos de santo.

Outra forma de abertura de casas de culto afro-brasileiras é a que se dá

através da saída de um grupo de filhos de uma casa por problemas de conflitos e disputas

das mais variadas naturezas (MAGGIE, 1992). Nesse sentido a filiação familiar religiosa

fica enfraquecida ou mesmo quebrada, mas as origens servem de base para a

continuidade de um modelo.

Ainda dentro dessa lógica é importante ressaltar que o que mantém uma casa

dessa natureza em funcionamento é a existência de clientes que frequentam as seções –

reuniões – com finalidades variadas como a solução de problemas familiares, afetivos,

sexuais, profissionais etc. A presença ou ausência desse público é de fundamental

importância para a sobrevivência da casa. Apesar de muitos não fazerem parte do corpo

religioso da casa muitos conhecem o “código de santo”. A não identificação de uma casa,

ou seja, a ausência desse código traz um descrédito na comunidade religiosa levando a

uma desqualificação daquela casa, principalmente da figura do/a líder religioso/a que está

a sua frente.

A questão do “código de santo” merece uma atenção especial no que diz

respeito à organicidade anárquica das casas religiosas afro-brasileiras. As religiões afro-

brasileiras, como todas as outras religiões abordadas por uma análise não ocidental,

possuem uma complexidade para além daquela percebida pelos estudos referentes às

religiões chamadas de universais (BERGER, 1985; ADRIANI, 1999). Elementos como o

espaço físico, disposição arquitetônica da casa, locais de construções, vestimentas,

cantos, instrumentos musicais, rituais de cada manifestação de uma entidade, dentre

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47

muitos outros sinais diacríticos apontam uma maior credibilidade daquela casa religiosa.

Esse código de santo não é único, como não são únicas as formas de

organização das casas de religiões afro-brasileiras. Grosso modo, é possível posicioná-

las em um continuum religioso (CAMARGO, 1961) que em uma extremidade estariam os

modelos mais ocidentalizados e do outro os modelos mais africanizados. Muitos terreiros

de umbanda em um forte diálogo cultural com a Doutrina Espírita – Kardecismo, e o

catolicismo popular, acabaram por romper com muitas das marcas de africanidade em

seus rituais religiosos com as matrizes dos ancestrais bantus e seus cultos aos inkices –

divindades antepassadas (MATA E SILVA, 1996). Outros terreiros de Umbanda, ao

contrário, buscam sua afirmação em um discurso que os aproxime mais de suas raízes

africanas (PINTO). Mais ainda a oriente desse continuum estão os terreiros de

candomblé, Xangô e tambor de mina.

Dentro desse leque é possível perceber que as casas de culto mais

aproximadas do modelo ocidental conseguem se adaptar melhor ao código burocrático

exigido para fazer uso da imunidade religiosa. Algumas possuem CNPJ, conselhos,

dirigentes e documentação, como atas, que lhes permitem pleitear o referido direito. No

entanto, nem mesmo esses grupos obtêm sucesso com facilidade devido a um não

entendimento dessas religiões como tais, tendo em vista que a lente dos poderes

constituídos é transpassada por valores culturais de matriz ocidental judaico cristã, uma

visão etnocêntrica, como já disssemos. Em muitos discursos o termo seita serve de

elemento desqualificador de determinadas religiões. O modelo é o judaico-cristão. Os que

estão mais próximos desses modelos são identificados como religiões, os que estão mais

afastados como seita.

Pelo acima exposto, a desburocratização é medida razoável, pois diante da

nossa falta de compreensão da religião e da cultura do outro, fica difícil estabelecermos

parâmetros justos e equânimes para que todas as religiões sejam realmente imunizadas.

E como se trata de matéria constitucional não pode o legislador infraconstitucional

suprimi-la, diminuí-la, deve apenas e somente regulamentá-la.

Mas com a desburocratização poderíamos estar facilitando o cometimento de

fraudes, pois pessoas mal intencionadas poderiam criar religiões de fachada apenas para

enriquecimento a custa da não tributação.

Importante demonstrar que mesmo diante de diversos procedimentos

administrativos para conseguir a imunidade para uma instituição religiosa, em reportagem

publicada no jornal Folha de São Paulo de 29 de novembro de 2009 de autoria de Hélio

Page 50: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

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Schwartsman, intitulada “Bastam R$ 418 para criar igreja e se livrar de imposto”, que o

autor juntamente com equipe do jornal fundou uma igreja chamada por eles de

Heliocêntrica e obteve facilmente as benesses da imunidade religiosa, ora estudada.

Nesse artigo que segue no anexo B deste estudo, o articulista ao final

demonstra o que chamou de “Via crucis” burocrática para legalizar uma instituição

religiosa, sendo que reproduziremos essa parte abaixo por considerarmos relevante e

exemplificativa:

PASSOS PARA ABRIR UMA IGREJA E ATINGIR O NIRVANA TRIBUTÁRIO1) AssembléiaConvocai vossos irmãos de fé para assembléia de constituição; que deve aprovar a criação do culto, discutir e votar seu estatuto social e eleger seus administradores;2) EstatutoRedigi cautelosamente o estatuto e a ata da assembléia de constituição. Modelos podem ser encontrados até na internet. Os documentos precisam ser assinados pelos administradores, e as firmas, reconhecidas;3) CartórioLevai três vias dos originais a um cartório. Se nenhum administrador tiver problemas com o fisco ou a polícia e não houver manifestas ilegalidades na documentação, o cartório deverá liberar o registro em dois ou três dias úteis;4) GovernosNa Receita Federal, para obter o CNPJ, que é uma espécie de carteira de identidade da igreja, necessário para tudo, desde abrir conta em banco até requerer os demais registros;Na prefeitura, para pedir alvará de funcionamento e exorcizar de vez o IPTU e o ISS;No governo estadual, para que não se cobre IPVA sobre os veículos e iates em nome da igreja.5) BancoDepois de abrirdes a conta-corrente da igreja, vós devereis pedir ao banco as instruções de como proceder para que a instituição não recolha IR ou IOF sobre vossas aplicações financeiras;6) ImunidadeAgora vós já podeis gozar plenamente do júbilo proporcionado pela imunidade tributária.

O autor na enumeração acima, em tom jocoso, narrou o processo pelo qual

teve que passar uma pessoa ou grupo de pessoas que querem oficializar perante os

órgãos públicos a sua fé.

A reportagem exalta a facilidade para se obter a imunidade religiosa, com o que

concordamos se tomarmos como parâmetro pessoas culturalmente insertas nas

possibilidades da vida em sociedade. Para sermos mais claros, exemplificamos que

algumas religiões são ágrafas e orais por sua tradição, exigir delas assembléia de

Page 51: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

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constituição para elaborar estatuto, entre outras burocracias, poderia lhes parecer meio

que fora de sua realidade, ou de sua compreensão. Como já dissemos são códigos

diferentes que muitas vezes não reconhecem.

Percebe-se que para ser agraciado pela norma imunizante necessário se faz

que a entidade religiosa seja institucionalizada, isto é tenha CNPJ, e como já citamos

anteriormente não ocorre com a maioria das religiões afro-brasileiras.

E diante do conflito entre burocratização e a obstrução ao gozo do direito que

atitude deve tomar o Estado?

Sobre o tema Roque Carrazza (2009, p.731) faz a seguinte consideração: “[...]

nem mesmo o louvável propósito de evitar a fraude e a evasão tem força bastante para

anular o direito constitucional à imunidade”.

Entendemos que cabe ao Estado aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização

na medida de que as fraudes sejam combatidas, sem jamais se utilizando desse objetivo

criar empecilhos a livre manifestação religiosa.

Como já dissemos na seção 2.2.3 desse estudo, as entidades religiosas são

imunes aos impostos nos termos ora estudados, mas não o são em relação às chamadas

obrigações instrumentais ou acessórias. Deveres estes como a escrituração contábil dos

valores que recebidos dos fiéis, por exemplo. Entendemos ser este um componente para

a solução do problema, sendo que o poder público deve aperfeiçoar estes meios de

fiscalização para não permitir irregularidades e através deles, identificar aquelas religiões

que necessitem de tratamento diferenciado. Pois como abaixo narra Roberta de Fátima

Alves Pinheiro (2010):

O princípio da igualdade é um dos primeiros direitos individuais, almejados pela Revolução Francesa de 1789 e que equivale aos direitos de primeira geração ou dimensão dos Direitos e Garantias Fundamentais.Sendo um dos primeiros Direitos Fundamentais almejados pelos seres humanos acostumados a serem tratados com discriminação, privilégios, desrespeito, sofreu uma progressão de sentido e atualmente vigora a máxima de ARISTÓTELES de que ‘pessoas desiguais são tratadas com desigualdade’, no afã de atingir uma igualdade material, de fato, não alcançada com igualdade formal que existiu nos tempos do Estado Liberal.Neste sentido, eis as palavras de HANS KELSEN, representante da fase positivista do Direito, em “O problema da Justiça”: o princípio, plenamente formulado, diz: ‘quando os indivíduos são iguais – mais rigorosamente: quando os indivíduos e as circunstâncias externas são iguais – devem ser tratados igualmente, quando os indivíduos e as circunstâncias externas são desiguais, devem ser tratados desigualmente.

No decorrer do nosso estudo demonstramos as diferenças entre as religiões

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afro-brasileiras e as de inspiração judaico-cristã, que como, também, já expusemos são

tomadas como base de comparação. Muito diferente dessas aquelas não são

consideradas como religião. Em um modelo ideal o fisco, através de meios de fiscalização

eficientes, conseguiria identificar no caso concreto essas diferenças, e diante dessa

constatação deveria propugnar pelo tratamento diferenciado da entidade religiosa, numa

lógica que os “administradores” dessa fé compreendessem o rito burocrático imposto pelo

ente estatal e assim pudessem usufruir das normas imunizantes.

Page 53: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

51

CONSIDERAÇÕES F INAIS

Discu t imos no p r ime i ro cap í tu lo a Imun idade t r ibu tá r ia , em

pr ime i ro lugar, demons t ramos seu p rocesso h is tó r i co , onde em um

con tex to abso lu t i s ta a norma imun izan te t inha um cará te r de p r i v i l ég io

da nobreza e do c le ro , com a rup tu ra p roporc ionada pe la Revo lução

Francesa , os a to res do poder mudam e ins t i tu i -se a separação do

Es tado e da ig re ja , agora se v ive sob a ég ide da Le i . A p r inc ipa l

ca rac te r ís t i ca de t ipo de Es tado l i be ra l é o absen t i smo, i s to é , o

Es tado não in te r fe re na v ida das pessoas de ixando que e las exerçam

suas von tades , po is todos são igua is .

Igua ldade fo rma l , onde não se cons iderava aspec tos

sub je t i vos dos envo lv idos , o que leva a uma inamov ib i l i dade soc ia l ,

num pr ime i ro momento e no segundo, em razão da exp lo ração do

p ro le ta r iado pe lo cap i ta l , a uma grande c r i se soc ia l . Demons t ramos

que a t ravés da Revo lução Indus t r ia l com a subs t i tu i ção da mão-de-

obra pe la mecan ização agravou-se a inda ma is esse quadro .

C i tamos Kar l Marx que ana l i sa que a d iv i são naque le momento

en t re t raba lhadores e a burgues ia sempre ex is t iu duran te a h is tó r ia ,

p regando que para uma soc iedade ma is jus ta os p ro le tá r ios te r iam que

assumi r o poder. Essa in te rp re tação marx is ta p rospera p r inc ipa lmente

na Un ião Sov ié t i ca o que leva uma po la r i zação com o mundo

cap i ta l i s ta .

Após a p r ime i ra guer ra a A lemanha en t ra numa c r i se soc ia l

enorme, sendo que no p r ime i ro momento os Es tados Un idos

pa t roc inam sua recons t rução , mas em razão da c r i se de 1929 , não tem

ma is d inhe i ro para fazê- la . A s i tuação to rna-se p rop ic ia para o

surg imento do mov imento u l t ranac iona l i s ta , l i de rado por Ado l f H i t le r,

conhec ido como naz ismo.

Os naz is tas se u t i l i zando da c iênc ia , p r inc ipa lmente a c iênc ia

méd ica e a ju r íd ica , cometeram vár ias barbár ies con t ra d ive rsos

g rupos , p r inc ipa lmente os judeus .

Com a der ro ta naz is ta na segunda guer ra mund ia l percebesse

que se a leg i t im idade da le i deve es ta r l i gada a va lo res ma io res .

Page 54: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

52

Valo res esses t raz idos pe las cons t i tu i ções . Aqu i encon t ramos as

imun idades t r ibu tá r ias , po is são garan t ias cons t i tuc iona is para a

p ro teção de va lo res , ta i s como a l i be rdade re l ig iosa , o pac to

federa t i vo e tc .

Fazemos uma re t rospec t i va das imun idades t r ibu tá r ias nas

cons t i tu i ções b ras i le i ras ten tando con tex tua l i zá - las ao momento

h is tó r i co em que se inserem, percebemos que a acepção moderna

desse ins t i tu to faz par te de um processo que se in i c iou na

Cons t i tu i ção Imper ia l de 1824 e con t inua na Cons t i tu i ção C idadã de

1988 . Sendo que o cons t i tu in te de 1988 t ra tou minuc iosamente sobre

as normas imun izan tes , po is con temporaneamente e las são

ins t rumentos para consecução dos ob je t i vos do Es tado democrá t i co de

d i re i to .

Ten tamos conce i tuar o ins t i tu to das imun idades t r ibu tá r ias , e

d ian te das vár ias in te rp re tações dou t r ina r ias , percebemos que a

me lhor compreensão é de que as normas imun izan tes são par te da

competênc ia t r ibu tá r ia , em seu aspec to nega t i vo , onde por va lo res que

o cons t i tu in te en tendeu necessár ios a p rópr ia ex is tênc ia do Es tado

democrá t i co de d i re i to , reso lveu p ro tegê- los , se u t i l i zando das

imun idades como ins t rumentos para consecução desse ob je t i vo .

Demons t ramos as espéc ies de imun idades t r ibu tá r ias do

a r t igo 150 , V I , da Cons t i tu i ção Federa l , po is o ob je to do es tudo desse

t raba lho es ta r na a l ínea “ b ” desse inc iso , com a ressa lva de que as

imun idades a t ingem ou t ros t r ibu tos e não somente os impos tos .

D iscor remos no cap í tu lo 2 sobre a Imun idade t r ibu tá r ia dos

temp los de qua lquer cu l to , para demons t ra r que sua ra t io essend i são

os a r t igos 5 º , V I e 19 , I , ambos da Cons t i tu i ção de 1988 , po is o

p r ime i ro es tabe lece a l i be rdade re l ig iosa e o segundo a neu t ra l idade

es ta ta l d ian te das d ive rsas re l ig iões .

Encon t ramos, para me lhor compreensão do ins t i tu to , t rês

e lementos , a saber : temp lo , cu l to e f ina l idades essênc ias .

Cu l to se r ia toda man i fes tação de fé , que não a ten te con t ra

va lo res cons t i tuc iona is , mesmo sendo esqu is i to mu i to d i fe ren te .

Templo ser ia a p rópr ia ins t i tu i ção re l ig iosa a qua l a imun idade

Page 55: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

53

deve agrac ia r.

F ina l idades essenc ia is se r iam aque las que têm como in tu i to a

manutenção da en t idade re l ig iosa , é um l im i tador inser to na p rópr ia

Cons t i tu i ção . Nesse tóp ico temos a d iscussão se as a t i v idades

a t íp icas gozam das benesses da norma imun izan te , no p r ime i ro

momento en tendemos que se os va lo res dessa a t i v idade rever te rem

para a en t idade é cab íve l a imun idade . No segundo momento

percebemos que a dou t r ina co loca ma is uma res t r i ção , o p r inc ip io

cons t i tuc iona l da l i v re concor rênc ia . Da í , ac rescen tamos na aná l i se

ac ima, ma is essa ver i f i cação .

Em havendo con f l i t o en t re o d i re i to à imun idade e o da l i v re

concor rênc ia p ropusemos a u t i l i zação do p r inc ip io de in te rp re tação

cons t i tuc iona l da p roporc iona l idade ou razoab i l i dade , por ass im

en tendermos ser o caminho para a e fe t i va jus t i ça , sabendo que

somente d ian te do caso concre to poderemos u t i l i zá - lo .

No cap í tu lo 3 d iscu t imos o ob je to de nosso es tudo , i s to é , a

e fe t i v idade da imun idade t r ibu tá r ia dos temp los de qua lquer cu l to em

re lação às re l ig iões a f ro -b ras i le i ras .

No p r ime i ro momento demons t ramos a d i f i cu ldade de

compreensão do d i fe ren te , po is temos uma v isão e tnocên t r i ca , que

demons t ramos ser uma espéc ie de “ lupa” pe la qua l v i sua l i zamos a

rea l idade u t i l i zando como parâmet ros a cu l tu ra do g rupo cu l tu ra l que

es tamos inser tos .

Como exemplo dessa v isão tu rva c i tamos os a r t igos 156 , 157 e

158 do Cód igo Pena l de 1890 que c r im ina l i zam as re l ig iões de mat r i z

a f r i cana , e a inda os a r t igos 402 , 403 e 404 do mesmo cód ice que

to rnava i l ega l a capoe i ra em um momento h is tó r i co , que não hav ia

lóg ica para ta l , em demons t ração a fa l ta de respe i to à cu l tu ra dos

a f ro -b ras i le i ros .

Ques t ionamos, en tão , como se há pouco c r im ina l i závamos as

re l ig iões a f ro -b ras i le i ras como agora poderemos compreendê- las como

ta l?

Trouxemos para d iscussão o a r t igo “ I senção para todas as

re l ig iões” de onde podemos re t i ra r vá r ios exemplos da ine f i c iênc ia da

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norma imun izan te peran te as re l ig iões de mat r i z a f r i cana , percebemos

que a fa l ta de ins t i tuc iona l i zação dessas c renças , o p reconce i to , as

leva a não usu f ru i r desse d i re i to cons t i tuc iona l .

Observamos a p resença de um aspec to anárqu ico nessas

re l ig iões , demons t rando o quão d i fe renc iado é sua es t ru tu ra , e que

para sua compreensão p rec isamos não u t i l i za r dos padrões oc iden ta is

como parâmet ro de comparação .

D iscu t imos ou t ro a r t igo , nominado “ Bastam R$ 418 para criar igreja e

se livrar de imposto”, trazendo exemplificativamente a par te onde o au to r

demons t ra os passos burocrá t i cos para a ob tenção da imun idade

re l ig iosa . Esse tex to , em tom jocoso , passa a mensagem que é fác i l

se r imun izado , com o que concordamos se tomarmos por base a lguém

que compreenda os cód igos burocrá t i cos .

E agora , do con f l i t o en t re a desburocra t i zação e a obs t rução

para que se exerça o d i re i to . En tendemos que o Es tado deva

aper fe içoar os mecan ismos de f i sca l i zação na med ida em que co íba

f raudes e cons iga iden t i f i ca r essas re l ig iões “d i fe ren tes ” para ass im

t ra tá - las de modo d i fe ren te , para que não se jam produz idas

des igua ldades , e ass im todas as re l ig iões rea lmente se jam

imun izadas .

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55

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Page 60: Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras

58

ANEXO A – Artigo “Isenção para todas as religiões”

Brasília - A Constituição Federal brasileira estabelece que é proibido à União, aos

Estados ou Municípios cobrar impostos sobre templos religiosos de qualquer culto. No

entanto, essa é uma prática não muito respeitada por alguns governantes municipais, que

insistem em cobrar o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), principalmente, de

templos religiosos de matriz africana.

A Câmara de Vereadores da cidade de Salvador, Bahia, debateu o direito de isenção do

imposto a essas religiões. A vereadora Olívia Santana (PCdoB) é a autora da emenda ao

Código Tributário do Município de Salvador que estende o benefício para os templos

situados em terrenos arrendados. De acordo com a vereadora, a resolução beneficia

principalmente os templos das religiões de matriz africana, pois cerca de 80% deles não

usufruíam o benefício da isenção já alcançado por outras religiões, entre outros motivos,

por estarem localizados em terrenos arrendados.

O templo religioso é o espaço físico, a edificação, a casa destinada ao culto, na qual são

realizadas as cerimônias, práticas, ritos e deveres religiosos. Para funcionar legalmente, o

templo necessita de alvará de funcionamento expedido pela Prefeitura do município onde

esteja localizado. Apenas a Prefeitura pode expedir o alvará de funcionamento e nenhum

outro documento o substitui. O documento deve ser requerido independente do imóvel ser

próprio ou alugado.

A grande dificuldade das religiões de matriz africana obterem isenção do IPTU deve-se à

falta de documentação e registro dos terreiros. Segundo levantamento feito pela

Secretaria Municipal da Reparação de Salvador, cerca de dois mil terreiros de diversas

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nações foram encontrados no município, sendo que mais de 80% deles estão em situação

fundiária irregular.

Muitas vezes falta estrutura jurídica para que os templos se constituam, pois muitos não

possuem atas e estatutos registrados em cartório para que possam ser isentos do IPTU,

conforme previsto na Constituição. A vereadora lembra que as instituições públicas devem

se abrir para que todos tenham acesso. "As instituições sempre estiveram afastadas das

religiões de matriz africana, agora elas devem se abrir para que todos possam ter a

mesma oportunidade de acesso. Religiões como o candomblé, são formadas por pessoas

de baixa renda, sem instrumentos legais necessários para obter informações e ter acesso

ao aparato jurídico e advogados, como em outras religiões", afirma. E complementa: "Não

se pode esquecer que essas religiões constituem a marca do povo brasileiro, com a sua

afirmação de cidadania, mas ainda lidam com a carga do preconceito e do racismo, ainda

carregam o peso do colonialismo e da escravidão".

O vice-prefeito soteropolitano, Edivaldo Brito, participou do debate na Câmara e se

prontificou a colocar a Secretaria da Fazenda à disposição dos terreiros para o devido

esclarecimento e cadastramento, a fim de agilizar o processo na Prefeitura. Edivaldo

lembrou que o tombamento de um terreiro significa proteção e respeito, não devendo ficar

limitado apenas ao barracão, mas sim ampliado às demais áreas, normalmente zonas de

matas.

Mas não só as questões jurídicas impedem a garantia do direito. O preconceito também é

uma das maiores razões da recusa em se aceitar os terreiros como templos religiosos.

Reconhecimento histórico - Para o antropólogo Ordep Serra, pesquisador e professor

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da Universidade Federal da Bahia, "a dificuldade do processo de tombamento passa pelo

reconhecimento histórico e pelo valor da religião de matriz africana. Os terreiros são

símbolos culturais e devem tomar cuidado para não perderem suas áreas verdes por

conta das forças econômicas".

O professor Ordep foi relator do processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca do

Engenho Velho, Ilê Axé Iyá Nassô Oká, um dos mais antigos e conhecidos templos da

Bahia. Na época, a Prefeitura de Salvador exigia o pagamento de uma dívida de mais de

800 mil reais por impostos vencidos, ameaçando levar a Casa para leilão. Contudo, após

uma imensa mobilização da sociedade baiana e de órgãos não-governamentais, a

Prefeitura acabou por reconhecer a imunidade tributária. O Terreiro da Casa Branca foi o

primeiro templo afro-religioso a ser tombado como patrimônio histórico do Brasil.

A falta de conhecimento das leis é também um grave problema. Conforme explica Ricardo

Barreira, presidente da Umbanda Fest, que acontece em Bauru, a falta de informação do

povo de matriz africana é grande, pois muitos nem sabe que seus direitos são garantidos

pela Constituição. Ele comenta: "Grande parte dos templos e sacerdotes não exercem

seus direitos porque não sabe que eles existem. Todos os templos religiosos são isentos

desse imposto. Em Bauru, nós temos cerca de 800 templos de umbanda e a maioria paga

IPTU".

Outras cidades já possuem leis regulamentando a isenção de imposto para todas as

religiões, algumas até ressaltando a inclusão de terreiros como templos sagrados.

O prefeito de Aracaju, Marcelo Déda, assinou em maio de 2002, o decreto municipal que

isenta templos afro-religiosos da cobrança da taxa do Imposto Predial Territorial Urbano.

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"Esse decreto é, sobretudo, para aqueles que têm dificuldade, pela perseguição e

preconceito, em praticar sua fé", afirmou na época. Déda lembrou que a isenção é

estendida para outras religiões, como por exemplo, a espírita kardecista.

Em Manaus, o prefeito Serafim Corrêa assinou em 2007, decreto concedendo imunidade

tributária aos templos religiosos, inclusive, aos imóveis alugados para qualquer religião.

Em São Paulo, a ex-prefeita Marta Suplicy realizou até cerimônia multirreligiosa, em 2004,

reunindo líderes de várias denominações e cerca de 700 pessoas no Teatro Municipal,

para assinar a sanção de uma lei que desburocratiza a isenção do IPTU a aposentados e

templos religiosos em São Paulo. (grifado no original)

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ANEXO B – “Bastam R$ 418 para criar igreja e se livrar de imposto”.

Bastaram dois dias úteis e R$ 218,42 em despesas de cartório para a reportagem da

Folha criar uma igreja. Com mais três dias e R$ 200, a Igreja Heliocêntrica do Sagrado

Evangélio já tinha CNPJ, o que permitiu aos seus três fundadores abrir uma conta

bancária e realizar aplicações financeiras livres de IR (Imposto de Renda) e de IOF

(Imposto sobre Operações Financeiras).

Seria um crime perfeito, se a prática não estivesse totalmente dentro da lei. Não existem

requisitos teológicos ou doutrinários para a constituição de uma igreja. Tampouco se exige

um número mínimo de fiéis.

Basta o registro de sua assembléia de fundação e estatuto social num cartório. Melhor

ainda, o Estado está legalmente impedido de negar-lhes fé. Como reza o parágrafo 1º do

artigo 44 do Código Civil: "São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o

funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes

reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento". 

A autonomia de cada instituição religiosa é quase total. Desde que seus estatutos não

afrontem nenhuma lei do país e sigam uma estrutura jurídica assemelhada à das

associações civis, os templos podem tudo.

A Igreja Heliocêntrica do Sagrado Evangélio, por exemplo, pode sem muito exagero ser

descrita como uma monarquia absolutista e hereditária. Nesse quesito, ela segue os

passos da Igreja da Inglaterra (anglicana), que tem como "supremo governador" o

monarca britânico.

Livrar-se de tributos é a principal vantagem material da abertura de uma igreja. Nos

termos do artigo 150, VI, “b” da Constituição Federal de 1988, templos de qualquer culto

são imunes a impostos que incidam sobre o patrimônio, a renda e os serviços,

relacionados com suas finalidades essenciais. 

Isso significa que, além de IR e IOF, igrejas estão dispensadas de IPTU (imóveis

urbanos), ITR (imóveis rurais), IPVA (veículos), ISS (serviços), para citar só alguns dos

vários "Is" que assombram a vida dos contribuintes brasileiros. A única condição é que

todos os bens estejam em nome do templo e que se relacionem a suas finalidades

essenciais -as quais são definidas pela própria igreja.

O caso do ICMS é um pouco mais polêmico. A doutrina e a jurisprudência não são

uniformes. Em alguns Estados, como São Paulo, o imposto é cobrado, mas em outros,

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como o Rio de Janeiro e Paraná, por força de legislação estadual, igrejas não recolhem o

ICMS nem sobre as contas de água, luz, gás e telefone que pagam.

Certos autores entendem que associações religiosas, por analogia com o disposto para

outras associações civis, estão legalmente proibidas de distribuir patrimônio ou renda a

seus controladores. Mas nada impede -aliás é quase uma praxe- que seus diretores

sejam também sacerdotes, hipótese em que podem perfeitamente receber proventos.

A questão fiscal não é o único benefício da empreitada. Cada culto determina livremente

quem são seus ministros religiosos e, uma vez escolhidos, eles gozam de privilégios

como a isenção do serviço militar obrigatório (CF, art. 143) e o direito a prisão especial

(Código de Processo Penal, art. 295). 

Na dúvida, os filhos varões dos sócios-fundadores da Igreja Heliocêntrica foram sagrados

minissacerdotes. Neste caso, o modelo inspirador foi o budismo tibetano, cujos Dalai

Lamas (a reencarnação do lama anterior) são escolhidos ainda na infância.

Voltando ao Brasil, há até o caso de cultos religiosos que obtiveram licença especial do

poder público para consumir ritualisticamente drogas alucinógenas.

Desde os anos 80, integrantes de igrejas como Santo Daime, União do Vegetal, A

Barquinha estão autorizados pelo Ministério da Justiça a cultivar, transportar e ingerir os

vegetais utilizados na preparação do chá ayahuasca -proibido para quem não é membro

de uma dessas igrejas.

Se a Lei Geral das Religiões, já aprovada pela Câmara e aguardando votação no Senado,

se materializar, mais vantagens serão incorporadas. Templos de qualquer culto poderão,

por exemplo, reivindicar apoio do Estado na preservação de seus bens, que gozarão de

proteção especial contra desapropriação e penhora.

O diploma também reforça disposições relativas ao ensino religioso. Em princípio, a Igreja

Heliocêntrica poderá exigir igualdade de representação, ou seja, que o Estado contrate

professores de heliocentrismo.