55
In media res Mrmito

In media res

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Resumo do meu trabalho artístico desde 2009

Citation preview

Page 1: In media res

In media res Mrmito

Page 2: In media res

Lembro-me disto das aulas de português no secundário. A história começava a meio e tínhamos de

olhar para trás enquanto andávamos para a frente. Havia a sensação de se chegar a meio de uma

cena de tal forma que não ia dar para sair. Tinha mesmo de se encontrar o sentido apanhando as

pontas soltas à passagem.

O que é que isto tem a ver com o trabalho fotográfico? A questão é parecida. Chegamos com uma

ideia que temos de desenvolver, e tem de ser suficientemente nossa para que a queiramos trabalhar

por muito tempo e suficientemente comunicável para que tenha um sentido e um espaço lá fora.

Sempre me intrigou a questão da identidade na forma como as pessoas se relacionam consigo mesmas. Mais do que a questão social, é a relação pessoal de si para si que me interessa, esse espaço tão difícil de fechar num discurso formal, tão fragmentário e, no entanto, tão essencial ao nosso viver. O espaço de relação que cada um desenvolve consigo mesmo marca a relação com a “sociedade”.

Num espaço social que apenas considera o indivíduo como consumidor, essa relação de criação

consigo fascina-me. É sobre essa busca que versa o meu trabalho.

Como é que nos orientamos em nós mesmos através de todo o estímulo que nos rodeia? Que

identidade pode ser pensada quando o espaço deixado ao pensamento é tão encurtado pelos

constantes estímulos nervosos em que a cultura ocidental nos envolve?

Num espaço de reflexão estilhaçado pela insistência dos estímulos numa velocidade cada vez maior,

a fotografia tem sido uma coleção de pequenos reflexos, de fragmentos de percurso que vão

Page 3: In media res

permitindo uma articulação a posteriori, uma integração de todo o diverso de impressões, para a

construção e reconstrução de um mapa identitário.

Procuro, no meu trabalho, deixar aberto um espaço de questionamento sobre o que somos, realmente, de como definimos fronteiras e de como essas fronteiras estão, por vezes, apenas na nossa definição. É um espaço de partilha entre o fotográfico e o poético, dependente da forma como é olhado e do tempo que se dá a esse olhar, na origem e na observação.

Page 4: In media res

somarésiuQ radum

o oditnes sad sasioc

Page 5: In media res

Instalação sonora em cabine telefónica, integrada na exposição

A Bolha Invisível

Pelo Coletivo Le Journal de la Maison

Para as Tangenciais Experimenta Design 2011

Exposta na esplanada da Fábrica de Braço de Prata entre Setembro e Novembro de 2011

Page 6: In media res
Page 7: In media res

somarésiuQ radum o omur sad sasioc

Com todo o peso que temos, como é que uma bolha flutua?

Onde vai parar o peso do corpo, o peso dos gestos, o peso dos hábitos?

A bolha invisível como império inimputável: do mais simples dos gestos, de antes da nossa intenção.

A relação entre o que, no gesto, constrói e a nossa inconsciência disso.

Uma ideia como algo que está sempre por aí mas nunca se ouve bem. Tentamos parar, tentamos ouvir, formulá-la melhor, mas há sempre ruído em volta, sempre outras coisas por fazer, sempre…

Talvez nem valha a pena. E no entanto ela continua lá, praticamente inaudível, é certo, mas lá. Não é o barulho de fundo das aplicações eletrónicas, mas quase. É quase isso, mas esta procura-se. É…

Page 8: In media res

Depois, império. A cena que expande. A matéria negra. A cena que come. Como quem encena dorme e não enxerga o que se levanta. A lata deixada aberta depois de comer, como as moscas lhe invadem o espírito e comem, e sim, há uma paz que é uma guerra, porque aparentemente. Já. Parecem distâncias, quando olhas melhor, os olhos também param, ou dizem: já vi, dizem pois sim, dizem que sinto, que pronto, já está.

Page 9: In media res

Não se descrevem palavras. Não dá. Mas passamos a vida a tentá-lo. Escreverem-se dúvidas, se calhar. Por abre-latas. Talvez nem valha a pena escrever certeza ou com maiúsculas ou verter verdades por vaidade. Soma: gestos simples em tempo entendível.

Page 10: In media res

Como descrever Império. Passar a escrita inteira a tentar. Uma história que não é uma história, no fundo, porque não tem buracos. Não faz pensar. Uma lata de conserva. Um cão a vigiar o portão onde no fundo, apenas quer mijar.

Page 11: In media res

Cabeleireiro. Estádio. Supermercado. A senhora parada enformando o cabelo e o cão nervoso, à porta, a atentar na cadela que mija na árvore. Os cães a revistar adeptos na entrada para o estádio, diligentemente, a senhora na fila do peixe. O cesto das compras. O atum e o pente do cão. Lá fora, na árvore, indecentemente…Um tempo de espera ou um tempo de cão. E o som da lata a abrir, duplo, o estalo e o rasgo, o escorrer do óleo e as moscas entrando na cena por magicação e o zumbido daquilo que me lembra o cão, à entrada, e a dona aprumada e as moscas… ela não repara, tem perfume, mas o cão não percebe de impérios e a escrita das patas é desajeitada e por dentro da trela ele só ladra, não corre.

Page 12: In media res

Um castelo a visitar fantasmas e o tempo dos instantes segue, lá em baixo, por reflexo ou imaginação. As mãos feitas de cabeça a fazer sombra de percursos, as constelações repetidas, o desenho decalcado. As latas todas iguais. Conserva. Ligação com nada em tudo. Nem distinção. Isso. Acho que isso: Império da não distinção imensa, e separadamente, um mapa que conquista tudo.

Page 13: In media res

Correr por sobre o ar quando se expira. Equilibrismo por medida: existir. Talvez. A cena da obsessão. O cão outra vez. A perseguir a cauda. A loja dos perfumes, intensidade tanta coisa misturada… O óleo da lata talvez consiga reconverter-se. Talvez perfume a cena com a nossa passagem por lá. A dona não nota e o mijo do cão entretém-se com as moscas.

Page 14: In media res

Convém descrever: a vida do avesso. O império conserva. O mapa desfere outros mapas na ferida, o cão segue de guarda e os uivos dos lobos convidam, na televisão. Há uma imagem da faca na mão mas não corta a bandeira. E o carrossel sempre fervilha nos extremos. A fórmula é simples: ouvir cantar. O tom a olear fantasmas.

Page 15: In media res

Versos do cinema:

O herói sentiu claustrofobia por sair demais da cena.

A senhora ficou indignada com o cão. E as moscas:

As sombras na tela. O enorme de um raide ocorrer por sobre-projeção.

Depois, um ruído de fundo tipo insecticídio.

A lata de spray.

Page 16: In media res

A vida do avesso: Procura-se dentro.

E barcos. barcos bolha, como num desfile virgem, presos por anseio, por memória. Por vaidade. O cão tosquiado e o osso de plástico vitaminado. Remar por ansiar o toque.

Page 17: In media res

Ou uma paz estrangeira ao pensamento, somando em respirando; não poder dizer-se nada. Ou apenas o sentir dos gestos na confirmação do tempo. Sem sal nas articulações.

Page 18: In media res

E de repente não haver procurar norte, nem partes melhores nem destinos com sorte; não haver pão com mijo nem moscas rondando as feridas no mapa; nem facas abrindo estúpidos sulcos de sombra para o sangue. Calarem-se os monstros por resignação. A procissão dispersou, corpo por corpo. O cão mijou na própria trela e o cabeleireiro fechou.

Page 19: In media res

É tarde. Corro, talvez nervosamente, entre o zumbido branco das aplicações. Corro. As montras fechadas. Corro à procura de tempo. Corro ligar-te e dizer-te que esperes e corras, também. Corro, e amplamente, o silêncio vai surgindo entre subúrbios. Parece que a cena expande novamente. Espanta. Primeiro a pulsação parece um eco: já cá esteve, ainda foi nossa antes do espelho. Primeiro. Depois amplia-nos. Depois sabemos que conquista, sim, que é dentro do sangue que o tempo fervilha.

Page 20: In media res

Há-de haver sempre alguém que tente plantar latas, ter medidas, certas como sombras, sempre naquele ruído estúpido do frigorífico ou da televisão. E um mapa feito faca a fazer sombra, a fazer peso sobre o que é próprio dos gestos…

Page 21: In media res

Há-de haver sempre quem viva em conserva, quem sempre se admire com a face lustrosa dos acabamentos, com a forma como a forma permanece, por medida. Sempre assim, acorrendo ao seu próprio grito com mordaças, com fórmulas prontas, com horas marcadas só para aproveitar o tempo.

Corro. Corro ligar-te, dizer sentir liga, apesar do cansaço, soprar-te este tempo na ponte dos dedos, rasgar as facas aos gestos, somar constelações por desmesura, e contar tudo:

Um.

Page 22: In media res

Gravado na Academia de Artes de Lisboa,

Mrmito: Texto e voz

Gonçalo Kotowicz: Guitarra

Ricardo Ribeiro: Clarinete

Agradecimento especial a Pedro Limpo Rodrigues e a Rui Guerr

Page 23: In media res
Page 24: In media res

O tempo no imediato

Page 25: In media res

O Tempo no Imediato

Imagine o seu trajecto diário para casa, Aquela cena sempre igual… quantas vezes se

lembra de ter olhado esse percurso? Ah, os caminhos sabidos de cor!

O tempo imediatamente após sair e até entrar…

O Tempo no Imediato

É uma questão visual, é o tempo e os espaços em que seguimos entre dois pontos e não

olhamos em volta; o piloto automático. É um desafio a tudo o que entra em cena, de imediato,

quando pensamos mais chegar do que caminho. E um apelo à atenção visual.

Escolhi a Freguesia de Benfica, onde vivo, por ser o meu espaço e tempo imediatos por

excelência. Porque é a distância toda da proximidade.

O Tempo no Imediato

Um amigo brasileiro falou-me um dia de um poema de outro amigo*

“A Poesia não compra sapatos,

Page 26: In media res

Mas como andar sem poesia??”

Saí à rua, imediatamente. Andei, vi e fotografei o tempo todo, até chegar a casa e reparar que os

disparos tinham derrubado todas as referências automáticas.

De repente, um espaço tão óbvio tornou-se uma coisa imensa, e eu perdi forma de encontrar-lhe um

nexo. Andei por todo o lado, recolhi impressões de tudo, e no fim, não sobrou nada, só instantes

afectivos que pareciam dizer Benfica só porque lá estava.

Até olhar os sapatos descalços na varanda e lembrar o poema outra vez, pequeno e enorme, e começar

a ver a freguesia em tudo à minha volta. E aquele eco das botas do camponês na tela de Van Gogh. A

rua, o pão, a roupa, a fruta, tornaram-se a sensação de a casa ser a soma dos percursos que trazemos.

Tudo ressurgido imediatamente ali, até ficar apenas isso, a rua de trás, com aquela sensação de barreira

que as árvores impõem entre o ruído da rua e o resguardo calmo da casa, e o espaço exterior a ressurgir

desse tempo maior, lá dentro.

O Tempo no Imediato

A poesia de andarmos atentos. E se até já sabemos o caminho de cor, porque não apreciar a paisagem?*Emmanuel Marinho

Page 27: In media res
Page 28: In media res
Page 29: In media res
Page 30: In media res
Page 31: In media res
Page 32: In media res
Page 33: In media res
Page 34: In media res
Page 35: In media res
Page 36: In media res
Page 37: In media res
Page 38: In media res
Page 39: In media res
Page 40: In media res
Page 41: In media res
Page 42: In media res

O tempo no imediato

2009

Série de 15 imagens

Mancha de impressão de 18x24cm em papel A3+ - jacto de tinta sobre papel Fine Art

Page 43: In media res

In Between

Page 44: In media res

Entre qualquer coisa e uma coisa qualquer.

Isto começou na procura de sentido para o excesso de informação à nossa volta. Por considerar a

poluição visual nos sítios onde vivo e passo, vendo-a como um elemento exterior que nos agride.

No entanto, o tempo passou e fui-me dando conta que essa fronteira não é tão explícita assim – às

tantas, vamos integrando tudo e deixa de haver excesso. Apenas mais informação entrando mais

rapidamente, constantemente. Dentro como fora.

À distância, pareciam camadas chegando de tempos diferentes a ritmos diferentes, pedindo

respostas diferentes. No entanto, a experiência não é um pensamento distante, é uma vivência

imediata que integra tudo e responde, momento a momento. Embalados ou contrariados por este

assombro visual, vivemos lá todos, absorvendo tudo e respondendo tudo, mesmo quando não

queremos.

Pensei nisto, mais do que escolher, propus-me mesclar. A fotografia é um jogo de espelhos e

reflexos, uma máquina de mistura instantânea. Como tal, é o instrumento indicado. Não é o bisturi

analítico do pensador racional, frio e preciso, isso não é aqui. É mais como a trituradora, uma

moulinex visceral intuitiva, juntando os planos que o bisturi separou.

Page 45: In media res

Assim, a resposta pomposa e distante para a poluição visual passa a exercício estético de descoberta

da forma como esta se integra e organiza no seu jogo de reflexos connosco e vê os seus limites

transpostos, abrindo de um trabalho concreto e limitado, para um processo contínuo, um work in

progress, do qual sai agora esta apresentação.

Page 46: In media res
Page 47: In media res
Page 48: In media res
Page 49: In media res
Page 50: In media res
Page 51: In media res
Page 52: In media res
Page 53: In media res
Page 54: In media res
Page 55: In media res

In Between

2010

Seleção de nove imagens criada para apresentação online no ciclo de exposições virtuais do coletivo

Le Journal de la Maison, dedicado ao tema Fronteiras.