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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul 1 Indeterminação, liberdade e engajamento nas fímbrias e dobras do conhecimento interdisciplinar: uma proposta de formação em Ciências Humanas Paulo J. Krischke Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas/UFSC – [email protected] Paula Brügger Profª Associada IV do Deptº de Ecologia e Zoologia/UFSC - Mestrado Profissional em Perícias Ambientais (MPPA) do Programa de Pós-Graduação em Ecologia/UFSC – [email protected] Leandro Marcelo Cisneros Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas/UFSC – [email protected] Eixo temático: Conhecimento Interdisciplinar 1. Introdução O presente artigo trata da descrição, da análise e da reflexão acerca de uma experiência de disciplina optativa realizada dentro da grade curricular do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH)/UFSC no primeiro semestre de 2013. A disciplina, cujo título foi Indeterminação, liberdade e engajamento: nas fímbrias e separações entre a sociedade e a política 1 , surgiu como reação a experiências de indeterminação que tendem a generalizar-se na área de estudos inter, trans ou multidisciplinares. Devido à formação em áreas disciplinares isoladas e rigorosamente estabelecidas, que marca a trajetória tanto de estudantes quanto docentes do PPGICH, é comum haver um estranhamento no que tange à liberdade de alternativas temáticas, teóricas e metodológicas encontradas no meio interdisciplinar. Especialmente depois que a extraordinária expansão das ofertas de pós-graduação interdisciplinar no Brasil tornou visível uma extensão quantitativa que nem sempre é sustentada no rigor e nas qualidades da inovação acadêmica, é muito importante reacender o debate relativo aos fundamentos e desdobramentos subjacentes às searas inter e transdisciplinar. É certo que as três áreas que integram o PPGICH têm escapado desses efeitos dissolventes e, ao contrário, lograram expandir e elevar a qualidade do nosso reconhecimento e avaliação institucional. Mesmo assim, o êxito e o pioneirismo do Programa vêm sendo mantidos através de 1 A disciplina foi coordenada pelo Prof. Paulo J. Krischke, professor permanente do PPGICH, mas a proposta é o resultado do trabalho conjunto do coordenador com outros docentes e egressos do PPGICH, como Paula Brügger e Alexandre Agripa; Naira Tomiello, egressa e atual pós-doutoranda do PPGICH; e Leandro Marcelo Cisneros, doutorando do PPGICH. O presente artigo trata das experiências de três dos proponentes da mencionada disciplina.

Indeterminação, liberdade e engajamento nas fímbrias e dobras do ... · necessidade de busca de novos paradigmas e racionalidades para trilhar o caminho da interdisciplinaridade

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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

1

Indeterminação, liberdade e engajamento nas fímbrias e dobras do conhecimento

interdisciplinar: uma proposta de formação em Ciências Humanas

Paulo J. Krischke Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas/UFSC – [email protected]

Paula Brügger

Profª Associada IV do Deptº de Ecologia e Zoologia/UFSC - Mestrado Profissional em Perícias Ambientais (MPPA) do Programa de Pós-Graduação em Ecologia/UFSC – [email protected]

Leandro Marcelo Cisneros

Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas/UFSC – [email protected]

Eixo temático: Conhecimento Interdisciplinar

1. Introdução

O presente artigo trata da descrição, da análise e da reflexão acerca de uma experiência de disciplina

optativa realizada dentro da grade curricular do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências

Humanas (PPGICH)/UFSC no primeiro semestre de 2013. A disciplina, cujo título foi Indeterminação,

liberdade e engajamento: nas fímbrias e separações entre a sociedade e a política1, surgiu como reação a

experiências de indeterminação que tendem a generalizar-se na área de estudos inter, trans ou

multidisciplinares. Devido à formação em áreas disciplinares isoladas e rigorosamente estabelecidas, que

marca a trajetória tanto de estudantes quanto docentes do PPGICH, é comum haver um estranhamento no

que tange à liberdade de alternativas temáticas, teóricas e metodológicas encontradas no meio

interdisciplinar.

Especialmente depois que a extraordinária expansão das ofertas de pós-graduação interdisciplinar no

Brasil tornou visível uma extensão quantitativa que nem sempre é sustentada no rigor e nas qualidades da

inovação acadêmica, é muito importante reacender o debate relativo aos fundamentos e desdobramentos

subjacentes às searas inter e transdisciplinar. É certo que as três áreas que integram o PPGICH têm escapado

desses efeitos dissolventes e, ao contrário, lograram expandir e elevar a qualidade do nosso reconhecimento

e avaliação institucional. Mesmo assim, o êxito e o pioneirismo do Programa vêm sendo mantidos através de

1 A disciplina foi coordenada pelo Prof. Paulo J. Krischke, professor permanente do PPGICH, mas a proposta é o

resultado do trabalho conjunto do coordenador com outros docentes e egressos do PPGICH, como Paula Brügger e Alexandre Agripa; Naira Tomiello, egressa e atual pós-doutoranda do PPGICH; e Leandro Marcelo Cisneros, doutorando do PPGICH. O presente artigo trata das experiências de três dos proponentes da mencionada disciplina.

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esforços especiais resultantes do trabalho cotidiano de todos – não somente durante os relatórios para a

CAPES, mas no seu interregno também. É por essa razão que a optativa em questão voltou-se aos atuais

doutorandos do PPGICH: como uma oportunidade de intercâmbio entre docentes e egressos do Programa,

atuantes na UFSC e em outras universidades, dispostos a expor e debater com os demais suas trajetórias

temáticas, teóricas e metodológicas.

2. Objetivos

Nossos objetivos gerais foram analisar algumas discussões teóricas, epistemológicas, éticas e

políticas a partir das experiências concretas das/os coordenadoras/es da disciplina para refletir sobre

questões relativas à indeterminação, à liberdade e ao engajamento nas pesquisas científicas

interdisciplinares em ciências humanas. No decorrer na disciplina – como componente inextricável dos eixos

temáticos escolhidos por cada docente – foram discutidas as inter-relações entre método e

interdisciplinaridade, fazendo dialogar autores provenientes de áreas distintas e enfocando diferentes

premissas relativas às possibilidades e aos limites de abordagens interdisciplinares do conhecimento. Foram

realizadas diversas reflexões sobre diferentes formas de conhecer e construir conhecimento e sobre a

necessidade de busca de novos paradigmas e racionalidades para trilhar o caminho da interdisciplinaridade.

Destacou-se também a importância de, nesse caminhar, resgatar as dimensões políticas, éticas, estéticas e

outras que foram banidas do corpus formal do conhecimento científico.

Os objetivos específicos foram: a) oferecer subsídios, através de elementos teóricos e contextos

práticos, para a elaboração e o desenvolvimento de projetos de pesquisa; b) identificar algumas das opções

teóricas que se apresentam, ou que podem ser construídas/trilhadas, no trabalho de pesquisa interdisciplinar

em ciências humanas; c) estimular o aprofundamento do debate na interface das áreas de concentração

Condição Humana na Modernidade e Meio Ambiente.

3. Procedimentos metodológicos

Os objetivos específicos mencionados no item anterior possibilitaram a utilização de recursos

técnicos e didáticos variados, como vídeos, exposições em PowerPoint, trechos de filmes, músicas,

entrevistas e outros materiais selecionados, que foram amplamente utilizados em aula e como objeto de

pesquisa pelos participantes. O compromisso coletivo de docentes e estudantes permitiu o seu

funcionamento como um grupo de estudos eficiente, apesar da diversidade de temas, da formação e do nível

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de inserção protocolar no Programa (alunos/as e/ou docentes regulares, especiais, ouvintes, desta e de outras

universidades).

4. Interfaces entre indeterminação, liberdade e engajamento

4.1. Políticas culturais: o caso do carnaval

As primeiras sessões estiveram sob a responsabilidade de Paulo Krischke, com a colaboração de

Leandro Marcelo Cisneros, e abordaram o tema da política e do carnaval, versando sobre a nova proposta de

políticas culturais neste programa (localizada no LET), como exemplo das condições de indeterminação,

liberdade e engajamento enfrentadas pelos projetos interdisciplinares em âmbito nacional. Esse projeto foi

apresentado em 2012 à área de Ciência Política do CNPq, como pesquisa comparativa interdisciplinar e

interinstitucional da UFSC com a UERJ, comparando as possíveis variações de conteúdo dos desfiles de

Escolas de Samba no Rio de Janeiro e em Florianópolis, durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva.

O alvo principal da pesquisa foi examinar a usual atribuição de dependência cultural entre o carnaval

brasileiro e a centralidade suposta dos desfiles do Rio. Por certo, essa centralidade existe, mas talvez ela não

seja imposta apenas pelo controle unilateral da cobertura na televisão. Podemos supor que nessa festa há

uma sinergia cultural entre o centro e a periferia do País, que poderia relacionar-se a mudanças no contexto

político brasileiro. Por isso, essa pesquisa propôs um exame interdisciplinar revendo Teoria

Político/Sociológica; História Cultural; e Literatura (Semiótica), para o estudo comparativo desses desfiles.

O foco principal seria utilizar o conceito de “carnavalização” (Mikhail Bakhtin) como sinônimo e

acompanhamento de “polifonia” – ou seja, formas de linguagem que ultrapassam e condicionam o discurso e

os interesses racionais/instrumentais dominantes. Essa ênfase é consentânea com a linha de pesquisa traçada

por Herschmann (2011), que sublinha a criatividade dos grupos e indivíduos na atividade artística/cultural,

em contraste com a promoção e o patrocínio oficial e institucional. Por essa razão, nossa pesquisa sobre o

carnaval irá além da premiação oficial das escolas de samba, buscando captar as inovações do Carnaval

onde quer que surjam na criatividade social.

Outras pesquisas históricas, principalmente as realizadas sobre os efeitos da censura do regime

militar nos festejos carnavalescos, têm partido de uma expectativa de influência unilateral da política sobre

as escolas de samba. Tais estudos constataram que essa censura efetivamente influenciou e limitou os temas

e os procedimentos adotados pelos grupos carnavalescos, mas não conseguiu anular inteiramente sua

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liberdade de expressão. De fato, a pesquisa revelou que as escolas de samba encontraram e inovaram vários

modos de resistência, inclusive adotaram formas de autocensura que permitiram uma crítica indireta e

irônica do autoritarismo e da violência então dominante no País (cf. CRUZ, 2010).

Em razão dos resultados obtidos nos estudos acerca de situações políticas extremas da ditadura,

pensamos que será mais proveitoso sugerir agora a existência de formas de relacionamento mais complexas

e recíprocas entre os processos políticos e as formas de expressão artística da cultura carnavalesca.

Admitindo, portanto, mútuas influências, que podem ser tanto de reforço da legitimidade política desta ou

daquela tendência em competição na esfera pública, como, ainda, outras consequências possíveis desses

debates sobre o caráter e demais transformações na orientação dos festejos carnavalescos.

Esse projeto foi comentado e analisado em sala de aula, principalmente, à luz do texto de Wall

(2010), que propõe que as já conhecidas categorias de carnaval e dialogismo de Bakhtin (1995) não sejam

interpretadas como habitualmente acontece, isto é, como duas correntes independentes nos seus escritos,

mas como dois conceitos intimamente ligados um ao outro, explorando diversas ligações entre carnaval e

dialogismo, que o autor afirma serem, até agora, insuspeitas.

Tanto a temática de pesquisa quanto a perspectiva teórica e, também, as estratégias metodológicas

foram recepcionadas pelas/os estudantes com grande interesse e curiosidade, manifestando sua surpresa a

respeito da riqueza de reflexões teórico-político-epistemológicas que o fenômeno do carnaval pode albergar

de maneira insuspeita para cidadãos que apenas o vivem como um evento social e cultural habitual.

Essa perplexidade nos permitiu explorar e refletir sobre algumas interfaces conceituais e

metodológicas possíveis para uma pesquisa interdisciplinar em ciências humanas. Isso tem se manifestado

altamente estimulante para as/os estudantes, visando os objetivos da disciplina.

4.2. Fundamentos éticos, ambientais, sociais e epistemológicos subjacentes à relação entre seres

humanos e outros animais

Nas duas sessões denominadas Nas fímbrias e separações entre sociedade, política, epistemologia e

meio ambiente, sob a responsabilidade de Paula Brügger, foram abordados alguns aspectos econômicos,

ambientais, sociais, políticos, éticos e epistemológicos subjacentes à relação sociedade–natureza na

sociedade industrial. Na segunda, especificamente, o foco, ou tema gerador, foi direcionado para o setor

pecuário e sua conexão com a sustentabilidade nas dimensões elencadas no início deste parágrafo. A ideia

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foi compor uma rede de argumentos que, para além de suas origens multidisciplinares, oferecessem um

arcabouço teórico capaz de aglutinar fatos e ideias numa racionalidade contra-hegemônica.

O que se encontra hoje banalizado na expressão “crise ambiental” é, na verdade, uma crise mais

profunda que envolve um determinado paradigma social e de ciência2, um projeto de mundo e um modelo de

sociedade que emergiram a partir desse paradigma. Em termos de pensamento sistêmico e interdisciplinar,

não existe, portanto, uma crise ambiental tout court – no sentido naturalista e/ou técnico do termo e, assim,

para lançar luzes sobre quaisquer facetas que integram a chamada problemática ambiental, é preciso

compreendê-la em sua “espessura” espacial e temporal. Isso implica levar em conta os acontecimentos

históricos e, sobretudo, as questões epistemológicas presentes na tessitura da “ideologia da sociedade

industrial” – parafraseando Herbert Marcuse (1982) – que é onde se encontra, em última instância, a origem

de tal crise.

Desse modo, a revolução científica, as ideias que marcaram o conceito de modernidade –

independentemente de quando ou onde se estabeleça historicamente seu início (veja, por exemplo,

CERTEAU, 1996, p.221), a filosofia iluminista e a revolução industrial, enfim, todos esses acontecimentos

histórico-culturais interagiram dinamicamente para forjar uma marca indelével na cultura da sociedade

industrial: sua racionalidade essencialmente instrumental (ARENDT, 1983; MARCUSE, 1982). Alicerçada

em dois de seus traços culturais mais marcantes, que são o antropocentrismo e o caráter pragmático que o

conhecimento adquire (GONÇALVES, 1989), essa racionalidade instrumental vem tornando possível o

ideal de produtividade máxima através da incessante modificação dos espaços naturais e do uso intensivo

dos chamados recursos naturais e recursos humanos. Fica clara, com isso, a necessidade do resgate da

dimensão ética – excluída da ciência hegemônica – no sentido de ethos, de expressão de princípios morais e

comportamentais que estão na base de nossas relações com o entorno (BRÜGGER, 2006).

Praticamos, hoje, uma intervenção na natureza sem precedentes históricos, que tem levado ao

esfacelamento de outras racionalidades e contribuído para a diminuição das diversidades (culturais,

genéticas, étnicas etc.) e, consequentemente, para uma completa insustentabilidade ecológica, social,

política, cultural, e mesmo econômica, ainda que muitos discordem. Esse processo, que também tem nos

2 Capra (1996, p.24-25) argumenta que Thomas Kuhn definiu paradigma científico basicamente como “uma constelação

de realizações – concepções, valores, técnicas etc. – compartilhada por uma comunidade científica e utilizada por essa comunidade para definir problemas e soluções legítimos”. Capra generalizou a definição anterior para paradigma social e propôs a seguinte formulação: “uma constelação de concepções, de valores, de percepções e de práticas compartilhadas por uma comunidade, que dá forma a uma visão particular da realidade, a qual constitui a base da maneira como a comunidade se organiza”.

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conduzido a um alto grau de ruptura com o entorno (SANTOS, 1994), reforçou ainda mais a dicotomia entre

nós e a natureza, já presente em outro traço marcante de nossa cultura cientificista: a dicotomia sujeito–

objeto. A profunda dicotomia sociedade-natureza que impregna das mais variadas formas o nosso mundo

vivido – e limita a possibilidade de um campo de experiência mais abrangente – se faz presente, como não

poderia deixar de ser, na forma como construímos teorias para conhecer nosso mundo. É preciso, portanto,

transcender a visão compartimentalizada, reificada e fragmentada de ver o mundo, característica da

abordagem disciplinar hegemônica, calcada na mera a aquisição de habilidades técnicas, sejam elas

relacionadas a áreas tecnológicas stricto sensu ou não.

O conteúdo em questão se propôs, portanto, a examinar de que forma as múltiplas facetas que

compõem o tema “pecuária” encontram-se concertadas entre si como fios que tecem uma determinada

relação sociedade–natureza. As questões que elencaram a multiplicidade de vetores que analisam a pecuária

em sua (in)sustentabilidade abrangeram o clássico tripé que compreende as dimensões econômica, ambiental

e social e uma quarta dimensão: a ética. O termo sustentabilidade, apesar de muito polissêmico, engloba

pelo menos essas três dimensões, além de possíveis outras, como a geográfica, a política ou a cultural.

Defende-se aqui a inclusão de uma dimensão ética, pois as propostas relativas ao chamado desenvolvimento

sustentável – tanto teóricas quanto de ordem prática – encontram-se imersas numa cultura cientificista que

deriva do paradigma de ciência que baniu de seu corpus formal tudo o que era subjetivo e/ou

incomensurável.

A tessitura que emerge a partir do tema pecuária mostra que, no âmbito da sociedade industrial,

temos, do ponto de vista ambiental, um processo produtivo responsável por inúmeras externalidades

negativas3. Há danos importantes à biodiversidade; impactos negativos sobre a estabilidade climática;

comprometimento da qualidade e estoques de recursos hídricos; deflagração de processos de

empobrecimento de solos e desertificação; e, claro, um permanente estímulo ao desmatamento de florestas

primárias, como é o caso da amazônica4. No que tange aos trabalhadores – seja no campo, seja nos

frigoríficos – frequentemente são encontradas situações laborais de semiescravidão. Tal fato encontra-se

fartamente documentado em pesquisas recentes realizadas tanto pelo MTE quanto por organizações

3 Segundo Pindyck & Rubinfeld (2002, p.597) “uma externalidade ocorre quando alguma atividade de produção ou de

consumo possui um efeito direto sobre outras atividades de consumo ou de produção, que não se reflete diretamente nos preços de mercado. O termo ‘externalidade’ é empregado porque os efeitos mencionados (tanto de custos como de benefícios) são externos ao mercado”.

4 Ver: SCHLESINGER, S. Onde pastar? O gado bovino no Brasil. Rio de Janeiro: FASE, 2010. Ver também o relatório da FAO intitulado Livestock´s Long Shadow: environmental issues and options, disponível em: <http://www.fao.org/docrep/010/a0701e/a0701e00.HTM>.

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independentes, como a ONG Repórter Brasil5. Ainda na dimensão social, cabe citar o impacto sobre a

diversidade cultural, uma vez que perdas de território não implicam somente erosões genéticas, mas também

étnicas. Quanto aos animais não humanos, estes são encarados como meros produtos, reforçando o

preconceito especista6 que mantém esses seres sencientes como partes produtivas das cadeias do setor

alimentício, sendo que, sequer são uma fonte de alimentos indispensável à saúde humana. Estudos recentes

mostram a viabilidade de dietas inclusive totalmente isentas de itens de origem animal e ainda destacam a

nocividade de muitos componentes de animais na alimentação humana7.

Muitos outros aspectos nefastos da pecuária poderiam ser trazidos aqui, mas, para os propósitos deste

artigo, seriam considerados digressivos, uma vez que esse tema gerador não é objeto deste texto. Apenas, à

guisa de conclusão dessas duas sessões, destaca-se que os argumentos expostos no parágrafo anterior

formam um constructo inteligível por meio das categorias propostas: a racionalidade instrumental; a

produtividade como ícone, a despeito dos danos que esta possa causar; o antropocentrismo (e o especismo);

e o caráter pragmático que o conhecimento adquire, se consubstanciam em uma relação sociedade–natureza

insustentável em todos os planos, inclusive o ético.

4.3 Academia x Ativismo ou pesquisa colaborativa e (co)produção do conhecimento?

Sob esse título foram organizadas duas sessões a cargo do doutorando Leandro Marcelo Cisneros, as

quais visaram levantar, principalmente, duas questões que se entendem como transversais e constituintes do

currículo oculto na formação de estudantes e pesquisadores de doutorado. A primeira tem a ver com a

dicotomia Academia x Ativismo Militante, que se tem alastrado de maneira hegemônica, até chegar ao

ponto de se naturalizar na academia e na sociedade. No entanto, esse espaço de análise e debate se propôs

para questionar tal naturalização, por entendermos que essa dicotomia é tão contingente e (in)conveniente

5 Ver: <http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/>. Ver também a investigação de 2012 intitulada Moendo gente, sobre as

condições de trabalho em frigoríficos, conduzida pela Repórter Brasil. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2012/09/quot-moendo-gente-quot-mostra-as-condicoes-de-trabalho-nos-frigorificos-do-brasil/>; <http://reporterbrasil.org.br/trabalhoinfantil/violencia-crua-um-flagrante-de-trabalho-infantil-em-matadouro/>.

6 O termo “especismo” diz respeito à crença de que somos superiores aos outros animais e que, portanto, temos o direito de fazer com eles o que bem entendermos. Essa palavra foi cunhada originalmente pelo psicólogo britânico Richard Ryder, em 1970, em uma analogia ao racismo e ao sexismo, que são preconceitos também baseados em diferenças físicas moralmente irrelevantes. Ver: RYDER, Richard. All beings that feel pain deserve human rights - Equality of the species is the logical conclusion of post-Darwin morality. 2005. Disponível em: <http://www.guardian.co.uk/uk/2005/aug/06/animalwelfare>. Ver também SINGER, Peter. Ética prática. 2 ed. Trad. Jefferson L. Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

7 Ver, por exemplo: <http://www.vrg.org/nutrition/2009_ADA_position_paper.pdf>. Ver também o parecer do Conselho Regional de Nutricionistas sobre as dietas vegetarianas. Disponível em: <http://www.crn3.org.br/legislacao/doc_pareceres/parecer_vegetarianismo_final.pdf>.

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como qualquer construção de conhecimentos historicamente determinada e situada. A segunda questão tem a

ver com a construção coletiva e colaborativa do conhecimento, nas quais os sujeitos propostos como objeto

de conhecimento não sejam assumidos dessa forma, como “objetos”, nem sequer como meras/os

“informantes”, e sim como sujeitos que desde seu espaço específico também contribuem de maneira

diferenciada e colaborativa na construção desse conhecimento, que também não “pertence” apenas ao/à

pesquisador/a. Essa perspectiva de (co)produção é a que daria fundamento a propostas de práticas teórico-

políticas engajadas, que visam agir e transformar a realidade.

O levantamento dessas questões teve como marco referencial os objetivos da disciplina, mediante o

qual nos propusemos analisar discussões teórico-epistemológicas, que também são problemáticas éticas e

políticas. Isso, para podermos refletir sobre questões relativas à indeterminação, à liberdade e ao

engajamento nas pesquisas científicas interdisciplinares em ciências humanas.

Nesse sentido, os documentos produzidos pela Red Transnacional de Otros Saberes – RETOS (2009,

2011) e os textos de Leyva Xochitl (2010) e Castellanos Domínguez (2011) forneceram os elementos

teóricos e contextos teórico-práticos que serviriam de subsídios para as análises, os debates e a elaboração

ou o aprimoramento dos projetos de pesquisa das/os estudantes matriculadas/os.

Esses textos também permitiram identificar algumas das opções teóricas que se apresentam, ou que

podem ser construídas/trilhadas no trabalho de pesquisa interdisciplinar em ciências humanas.

Isso, com a intencionalidade de estimular e aprofundar o debate nas interfaces possíveis em/entre

duas das áreas de concentração do PPGICH, a saber: Condição Humana na Modernidade e Meio Ambiente.

Tanto Leyva, como Castellanos são duas investigadoras-ativistas mexicanas, cujos trabalhos de

pesquisa e debate teórico-epistemológico-ético-político estão fortemente influenciados pelos

questionamentos levantados pelo Movimento Zapatista. Mais concretamente, a partir de “las muchas

reflexiones y acciones colectivas que hemos realizado desde 1994 desde nuestras redes altermundistas y más

recientemente desde La Otra Campaña convocada en junio de 2005 por el Ejército Zapatista de Liberación

Nacional (EZLN) a través de la Sexta Declaración de la Selva Lacandona” (XOCHITL, 2010, p.1).

Por esse motivo, na primeira dessas sessões, as/os estudantes já tinham lido o texto de Leyva, sem

qualquer informação prévia, foi necessária uma introdução, na qual se apresentaram algumas informações

fundamentais sobre o movimento zapatista e o contexto social, histórico e político em que ele surgiu. Por

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outro lado, a apresentação dessas temáticas relacionadas a essa realidade tem a ver com o Movimento

Zapatista, que é o objeto de pesquisa de doutorado de Cisneros. Após a apresentação do contexto a partir do

qual surgem esses textos e essas problemáticas, foram consultadas as dúvidas a respeito tanto do movimento

e sua luta como da relação que as pesquisadoras estabelecem entre a realidade e a produção de

conhecimento científico dentro da academia. Principalmente, colocando seu eixo na interpelação que os

Zapatistas fazem à academia e à sociedade mexicana (e mundial) a respeito da utilidade e dos benefícios que

as pesquisas científicas oferecem às pessoas concretas da sociedade, a essas que em muitos casos apenas

servem de “objetos” de pesquisa ou, até, de meros detalhes folclóricos nos trabalhos acadêmicos.

Após essa introdução, centramos as análises, primeiramente nos textos citados e, depois, nos

documentos da rede RETOS. A escolha desses textos teve a ver com a intenção de complementar leituras

teórico-epistemológicas e políticas com uma proposta concreta de ação política de pesquisadores de

diferentes países, que disputam com a academia regular de cada um desses países a compreensão sobre o

que é/deveria ser uma pesquisa científica que envolva agentes e/ou movimentos sociais, sujeitos concretos

com uma biografia concreta, protagonistas de suas histórias pessoais, locais, regionais e, até, nacionais e

internacionais.

É nas interfaces dessas leituras, discussões e ações que se entende quando Leyva diz: “trabajamos

cotidianamente para construir otra forma de hacer política [...] luchas de resistência contra el neoliberalismo

y por la humanidad […] [pensando e discutindo] ¿cómo estamos construyendo La Otra Política y La Otra

Teoría como parte de muestras luchas anticapitalistas?” (XOCHITL, 2010, p.1).

A partir das definições de academia hegemônica e ativismo político, Leyva analisa as tensões entre

esses dos termos da relação, se posicionando desde o Já basta! epistêmico, influenciado pelas/os Zapatistas,

o que significa um compromisso com o que elas/es deram em chamar La otra teoría. Tal posicionamento

significa entender, junto a Aubry, que o sistema acadêmico e a classe acadêmica são parte do sistema

mundo moderno e, como tal, sua função tem sido a de manter o status quo, assim como “controlar e

adestrar as classes perigosas” (cf. XOCHITL, 2010, p.6-7).

Nesse sentido, a discussão se centra sobre o fenômeno das/os cientistas sociais cooptadas/os,

dominadas/os ou condicionadas/os pelo poder estatal, que aspiram a desenvolver pesquisas a partir das

definições do mainstream, sem se preocupar ou atender às demandas e aos benefícios que as populações

solicitam mais ou menos explicitamente. Essa é a razão do Já basta! epistêmico, ou seja, a urgência de

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contestar a dominação de alguns setores da sociedade, também, desde e através do conhecimento (o

científico especialmente).

Leyva acha importante acrescentar que as controvérsias surgidas entre membros comprometidos da

academia e ativistas políticas/os têm gerado certos interstícios, novas relações sociais que permitem afirmar

que apesar das tensões há dobras, superposições de agendas acadêmico-políticas. Isso tem gerado a

possibilidade de outros tipos de processos de construção do conhecimento, de práticas de conhecimento,

que estão interferindo, alterando e desafiando, de maneiras diferentes em espaços diferentes as fronteiras

rígidas e conflitivas estabelecidas entre academia e ativismo, ocorrendo convergências epistêmico-ético-

políticas.

Esses desafios têm a ver com o desenvolvimento de práticas de conhecimento que se posicionem

desde um pensamento pós-abismal, a partir do qual os movimentos sociais deixam de ser apenas os

produtores de ações, e a academia, a teorização dos mesmos. Essa perspectiva nos encoraja a ver os

movimentos sociais como espaços e processos em que o conhecimento é gerado, modificado e mobilizado

por atores sociais diversos.8

Esse tipo de propostas visa confrontar as inércias institucionais, procurando a descolonização das

ciências sociais e do saber, favorecendo o avanço de pesquisas colaborativas e a (co)produção do

conhecimento. Isso, para desenvolver pesquisas que sejam de alguma utilidade e tragam benefícios mais ou

menos concretos e imediatos para a sociedade, a partir do que ela solicita explicitamente. Ou seja, se

afastando desse tipo de produção de conhecimento encapsulado nas meras demandas institucionais.

Essa luta epistêmica deve ser entendida como uma das dimensões particulares das redes, dos

movimentos e dos coletivos sociais ativistas políticos que, denunciando ou agindo de forma direta,

reclamam por uma justiça epistêmica. Estamos falando de uma disputa pelo que seja aceitável considerar

como justo, na configuração dos diversos regimes de verdade nos diferentes campos de saber, entendido isso

como luta política entre relações de poder.

Castellanos, continuando nessa perspectiva descolonizadora do conhecimento e de luta contra as

hegemonias da academia, da política e do mercado, aprofunda nas categorias de pesquisas colaborativas e

(co)produção do conhecimento. Ela afirma que, na sua própria experiência, essas características se

8 Para essa afirmação, Leyva segue Casas-Cortés, Osterweil e Powel, cf. XOCHITL, 2010, p.10, nota 17.

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evidenciaram no trabalho conjunto permanente entre a pesquisadora e as/os integrantes da cooperativa

pesquisada.

Os procedimentos da pesquisadora, sua maneira de estabelecer o contato e a abordagem das questões

do seu interesse, estabelecem diferenças na direção anteriormente descrita. Por exemplo, desde o início, o

projeto foi apresentado para que as/os integrantes da cooperativa o avaliassem e fizessem suas intervenções,

por exemplo, para definirem as estratégias e objetivos que fossem de interesse comum e em benefício

mútuo. Portanto, é desde essa perspectiva que Castellanos entende a responsabilidade social e coletiva de

uma pesquisa descolonizada ativista9 e em (co)produção colaborativa.

O trabalho teórico-prático de Castellanos reafirma os pressupostos analisados por Leyva, a respeito

da necessidade de uma crítica, desde dentro, às ciências sociais hegemônicas, mas, descentrada. Isso implica

o questionamento de pretensos conhecimentos “neutros”, vinculados a verdades universais absolutas e

inquestionáveis, elaborados por pequenos, seletos e privilegiados grupos de intelectuais, que impõem uma

distribuição vertical desse conhecimento nascido nos centros hegemônicos. Essa contestação, além de ser

importante para os próprios processos de elaboração do conhecimento, também tem seu valor estratégico-

político, se ele serve aos interesses da população comum (que na sua maioria não tem acesso a esse tipo de

saber) para o melhor conhecimento das suas próprias realidades, para poder agir nelas e, com isso,

desenvolver processos emancipatórios. É por isso que Castellanos afirma que:

[la] investigación descolonizada [es] como un hacer-conocimiento desde nuestra posición de género, clase, cultura, ideología, posición política, etc., y en beneficio de una lucha o un movimiento social, en contraposición a la investigación de corte hegemónica colonialista que pretende producir-conocimiento neutral, universal y desde los centros de poder, que generalmente son del exterior. (CASTELLANOS DOMÍNGUEZ, 2011, p.17)

A autora também destaca como importante não apenas o momento de desconstrução e

desmantelamento do conhecimento colonial, mas, também, a relevância e a urgência na construção e na

criação de conhecimentos outros.

Seguindo a Mignolo e Castro-Gómez, Castellanos argumenta a favor de uma desobediência

(epistêmica). Essa proposta sugere uma (re)construção do conhecimento local, desde os próprios

movimentos, procurando um fazer-conhecimento, e não um produzir-conhecimento. Isto é, fazer-

9 Para essa categoria de pesquisa ativista, a autora segue a Hale, Leyva e Masson, entendendo-a como o tipo de pesquisa

que se desenvolve com fins políticos explícitos, junto a um movimento ou organização.

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conhecimento a partir das experiências de vida. Assim, Castellanos também chama essa perspectiva de

“giro epistêmico descolonial”.

Dito em poucas palavras, e a modo de fechamento das considerações sobre essas sessões, o que está

em xeque é a finalidade, as consequências e a utilidade social do conhecimento científico, mais

especificamente, das ciências sociais, já questionadas tanto por Leyva como por Castellanos. Esse

questionamento é uma cabal manifestação de resistência e de rebeldia a certa maneira de estruturar a

academia e, dentro dela, os processos de elaboração do conhecimento. Isso nos permite perceber a largura e

a profundidade do questionamento lançado pelas/os Zapatistas com seu Já basta!

Precisamos refletir sobre nossa academia, sua função e nossa responsabilidade nessa construção.

Com esse intuito, é que foram propostas essas sessões com tais problemáticas, dentro de uma disciplina,

cujo público-alvo são estudantes de pós-graduação, em vias de formação como pesquisadoras/es dentro de

uma universidade pública federal.

5. Justificativa do eixo escolhido

O objeto da nossa análise e reflexão interdisciplinar está ancorado em dois fóruns de construção do

conhecimento que estão no eixo deste Simpósio: o ensino e a pesquisa. O material trabalhado versou

basicamente sobre Teoria e Prática da Interdisciplinaridade, mas nosso foco pendeu mais claramente para as

questões relativas ao Conhecimento Interdisciplinar.

6. Considerações finais

Com base no feedback proveniente dos alunos, avaliamos que a proposta – em todas as suas etapas e

elementos apresentados – provocou os estudantes no sentido de interagirem, analisarem, criticarem e

refletirem sobre seus projetos de tese, sobre si próprios/as e acerca de questões interdisciplinares e de

assuntos que particularmente lhes interessam pesquisar.

Todas as sessões foram muito bem recebidas e muito ricas em diálogos, análises e debates,

justamente, sobre a importância de pensar sobre essas questões nas nossas pesquisas e, no geral, dentro do

atual modelo de academia da qual somos parte. Isso nos levou a uma reflexão acerca da nossa

responsabilidade como agentes geradores de conhecimento (ou meros reprodutores), questionando ou

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reproduzindo um determinado status quo e, com isso, também, sobre a nossa responsabilidade com o nosso

presente.

Como coordenadores sentimo-nos gratificados com essa recepção positiva à nossa proposta e temos,

por conta disso, a intenção de continuar promovendo regularmente optativas semelhantes, que visem ao

aprofundamento e à expansão do conhecimento interdisciplinar, na interface entre as áreas de pesquisa desse

Programa. Essa continuidade também daria suporte ao fortalecimento e à consolidação do Laboratório de

Estudos Transdisciplinares (LET), uma vez que nossa proposta pedagógica básica encontra-se em

consonância com os objetivos previamente traçados para aquele laboratório.

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