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Informativo 595-STJ (15/02/2017) Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Todos os julgados foram comentados. ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO PODER DE POLÍCIA Não cabe ao Banco Central fiscalizar o Serasa. DIREITO CIVIL FIANÇA Fiança limitada e honorários advocatícios. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO Súmula 586-STJ. CASAMENTO Regime da separação obrigatória de bens para idosos não se aplica se o casamento foi precedido de união estável iniciada antes da idade limite. UNIÃO ESTÁVEL Contrato de convivência não exige escritura pública. GUARDA COMPARTILHADA Aplicação obrigatória da guarda compartilhada. DIREITO EMPRESARIAL DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE Momento em que se considera dissolvida a sociedade empresária para fins de apuração de haveres. SOCIEDADE ANÔNIMA Dissolução parcial da sociedade anônima que não está gerando lucros. DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL DÚVIDA Não cabe recurso especial ou extraordinário ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE MENOR SOB GUARDA Menor sob guarda é dependente para fins previdenciários. DIREITO PROCESSUAL CIVIL EXECUÇÃO FISCAL Súmula 583-STJ.

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Todos os julgados foram comentados.

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

PODER DE POLÍCIA Não cabe ao Banco Central fiscalizar o Serasa.

DIREITO CIVIL

FIANÇA Fiança limitada e honorários advocatícios.

SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO Súmula 586-STJ.

CASAMENTO Regime da separação obrigatória de bens para idosos não se aplica se o casamento foi precedido de união estável

iniciada antes da idade limite.

UNIÃO ESTÁVEL Contrato de convivência não exige escritura pública.

GUARDA COMPARTILHADA Aplicação obrigatória da guarda compartilhada.

DIREITO EMPRESARIAL

DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE Momento em que se considera dissolvida a sociedade empresária para fins de apuração de haveres.

SOCIEDADE ANÔNIMA Dissolução parcial da sociedade anônima que não está gerando lucros. DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL

DÚVIDA Não cabe recurso especial ou extraordinário

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

MENOR SOB GUARDA Menor sob guarda é dependente para fins previdenciários.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO FISCAL Súmula 583-STJ.

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DIREITO PENAL

TRÁFICO DE DROGAS Agente que pratica delitos da Lei de Drogas envolvendo criança ou adolescente responde também por corrupção

de menores? Tráfico privilegiado não é hediondo (cancelamento da Súmula 595-STJ).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Fraudes praticadas na administração de operadora de plano de saúde que não seja seguradora. CITAÇÃO POR EDITAL Produção antecipada de provas e oitiva de testemunhas policiais. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA Não é possível a execução provisória da pena se ainda estão pendentes embargos de declaração. EXECUÇÃO PENAL Condenado tem direito à progressão a partir da data em que preenche requisitos legais. Inobservância do perímetro rastreado pelo monitoramento eletrônico não configura falta grave.

DIREITO TRIBUTÁRIO

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA Súmula 585-STJ. COFINS Súmula 584-STJ.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PENSÃO POR MORTE Menor sob guarda é dependente para fins previdenciários.

DIREITO ADMINISTRATIVO

PODER DE POLÍCIA Não cabe ao Banco Central fiscalizar o Serasa

O Banco Central tem o dever de exercer o controle do crédito e fiscalizar a atividade das instituições financeiras.

O Serasa não é uma instituição financeira, considerando que não exerce coleta, intermediação nem aplicação de recursos financeiros, nem a custódia de valor de propriedade de terceiros, seja como atividade principal ou acessória.

Logo, não é da atribuição do Banco Central a fiscalização das atividades do Serasa.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.178.768-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 1/12/2016 (Info 595).

Imagine a seguinte situação: O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra o Banco Central do Brasil - BACEN pedindo que esta autarquia federal fosse condenada a fiscalizar as atividades desempenhadas pelo SERASA relacionadas com a manutenção dos cadastros de consumidores inadimplentes.

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O pedido do MPF é acolhido pela jurisprudência do STJ? NÃO. Poder de polícia do BACEN A fiscalização feita pelo BACEN nada mais é do que o exercício do poder de polícia. Ocorre que o poder de polícia é limitado pelas regras de competência impostas pela lei. Em outras palavras, se o poder de polícia for exercido por quem não tem competência para fazê-lo, haverá excesso de poder. O Banco Central é uma autarquia federal (art. 8º da Lei nº 4.595/64) que está, portanto, submetida ao princípio da legalidade administrativa (art. 37, caput, da CF/88), significando que ela só pode fazer aquilo que a lei expressamente autorizar. Os arts. 10 e 11 da Lei nº 4.595/64 elencam as competências do Banco Central e neles não há previsão de que caiba ao BACEN a fiscalização das atividades do SERASA. Duas das principais competências do BACEN previstas no art. 10 são: "VI - Exercer o controle do crédito" e "IX - Exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas". Ocorre que o SERASA não faz a concessão de crédito nem pode ser considerado instituição financeira. Logo, a fiscalização de suas atividades não se enquadra nos incisos acima listados. Assim, o Banco Central não pode, nem que o quisesse, impor penalidades ao SERASA, pois estaria agindo com excesso de poder. Conceito de instituição financeira O art. 17 da Lei 4.595/64 traz o conceito de instituição financeira nos seguintes termos:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.

O SERASA é uma pessoa jurídica de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anônima, que tem como principal serviço manter um cadastro de consumidores contendo dados sobre dívidas não pagas (inadimplemento). Tais dados são disponibilizados para os clientes do SERASA que consultam essas informações como uma forma de decidir se irão ou não conceder créditos àquele consumidor ou, então, se aceitarão celebrar com eles determinados negócios jurídicos. É comum que muitas instituições financeiras sejam "clientes" (associados) do SERASA. No entanto, isso não torna esta empresa uma instituição financeira porque ela só organiza o cadastro, sem interferir direta ou indiretamente no deferimento do financiamento. O SERASA não decide se a linha de crédito será deferida. Não se trata, portanto, de instituição financeira considerando que não exerce coleta, intermediação nem aplicação de recursos financeiros próprios ou terceiros, nem a custódia de valor de propriedade de terceiros, seja como atividade principal ou acessória. Controle de crédito Quando o art. 10, VI, da Lei nº 4.595/64 fala em "exercer o controle de crédito", o que ela está dizendo é que o BACEN deverá fiscalizar como está sendo realizada a oferta de recursos financeiros para consumo e investimentos. Isso não significa que o BACEN tenha atribuição para controlar o que uma empresa (SERASA) diz a respeito de quem tem ou não credibilidade para tomar empréstimo.

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DIREITO CIVIL

FIANÇA Fiança limitada e honorários advocatícios

A fiança limitada decorre da lei e do contrato, de modo que o fiador não pode ser compelido a pagar valor superior ao que foi avençado, devendo responder tão somente até o limite da garantia por ele assumida, o que afasta sua responsabilização em relação aos acessórios da dívida principal e aos honorários advocatícios, que deverão ser cobrados apenas do devedor afiançado.

Por se tratar de contrato benéfico, as disposições relativas à fiança devem ser interpretadas de forma restritiva (art. 819 do CC), razão pela qual, nos casos em que ela é limitada (art. 822), a responsabilidade do fiador não pode superar os limites nela indicados.

Ex: indivíduo outorgou fiança limitada a R$ 30 mil; significa que ele não terá obrigação de pagar o que superar esta quantia, mesmo que esse valor a maior seja decorrente das custas processuais e honorários advocatícios.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.482.565-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

O que é fiança? Fiança é um tipo de contrato por meio do qual uma pessoa (chamada de “fiadora”) assume o compromisso junto ao credor de que irá satisfazer a obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra (art. 818 do Código Civil).

Características do contrato de fiança a) Acessório: pressupõe a existência de um contrato principal. Em nosso exemplo, o contrato principal é

a abertura de crédito e a fiança é um ajuste acessório a esse. b) Formal: afirma-se que a fiança é um contrato formal porque exige a forma escrita (art. 819 do CC).

Logo, não é válida a fiança verbal. Contrato formal é diferente de solene. A fiança é formal (precisa de forma escrita), mas não é solene, já que não exige escritura pública.

c) Gratuito ou benéfico: na grande maioria dos casos, a fiança é gratuita, considerando que o fiador não terá nenhuma prestação em seu favor, nada recebendo em troca da garantia prestada. Vale ressaltar, no entanto, que é possível que o fiador seja remunerado por esse serviço e, então, o contrato passa a ser oneroso (fiança onerosa). É o caso, por exemplo, da fiança bancária na qual o banco aceita ser fiador de determinada pessoa em troca de uma remuneração por conta disso.

d) Subsidiário: em regra, a fiança é subsidiária porque depende de inexecução do contrato principal. Todavia, é possível (e muito comum) que haja a previsão da cláusula de solidariedade, segundo a qual o fiador renuncia ao benefício de ordem e assume o compromisso de poder ser diretamente acionado em caso de dívida.

e) Unilateral: em regra, a fiança gera obrigação apenas para o fiador (satisfazer o credor caso o devedor não cumpra a obrigação). Normalmente, nem o credor nem o devedor possuem obrigações para com o fiador. Exceção: na fiança remunerada, o devedor tem a obrigação de pagar uma quantia ao fiador por ele ter oferecido esse serviço.

f) Não admite interpretação extensiva: as cláusulas do contrato de fiança devem ser interpretadas restritivamente. Assim, em caso de dúvida sobre a interpretação das cláusulas, a exegese deverá ser feita em favor do fiador. Isso se justifica porque a fiança, em regra, é um contrato gratuito. Logo, não seria justo que, por meio de interpretações extensivas, o fiador assumisse obrigações que ele não expressamente aceitou no pacto escrito. Desse modo, o fiador responde somente por aquilo que declarou no contrato de fiança. Ex.: Ricardo assinou contrato de fiança afirmando que pagaria os alugueis caso Fabiano (locatário) ficasse em atraso. Fabiano pagou todos os alugueis, mas, após a devolução do apartamento, o locador percebeu que ele deixou a bancada de mármore da cozinha quebrada. Se o contrato de fiança não mencionava a responsabilidade do fiador por avarias no imóvel, não será possível que o locador cobre essa despesa de Ricardo.

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Extensão da fiança (limitada ou ilimitada) Quanto à sua extensão, a fiança poderá ser classificada em:

Ilimitada: ocorre quando a garantia concedida pelo fiador abrange a integralidade da obrigação, incluindo as parcelas acessórias da dívida principal (exs: multa contratual, juros de mora e atualização monetária);

Limitada: ocorre quando o fiador manifesta, de forma expressa, que só está se responsabilizando por determinada parcela da obrigação. Na fiança limitada, o fiador poderá dizer que está se responsabilizando apenas pela obrigação principal e que não pagará despesas acessórias (ex: eu, fiador, me comprometo a pagar apenas os alugueis que o inquilino não quitar, mas não arcarei com multa ou quaisquer outras verbas acessórias). Existe também a possibilidade de a fiança limitada abranger até mesmo apenas uma parte da obrigação principal (ex1: eu, fiador, me comprometo a pagar até o máximo de 70% da dívida principal, caso o devedor não cumpra sua parte; ex2: me comprometo a pagar os alugueis que não forem quitados, desde que isso não ultrapasse R$ 30 mil).

No silêncio, a fiança é ilimitada A regra é que a fiança seja ilimitada (total, universal). Assim, se o fiador quiser se responsabilizar apenas por parte da obrigação, isso deverá ser expressamente consignado no contrato. Em caso de silêncio por parte do fiador (ou seja, se o contrato não falar nada), entende-se que a fiança foi concedida de forma ilimitada. Um exemplo típico é a fiança locatícia. Se o fiador não fizer nenhuma ressalva no contrato, a fiança por ele concedida será ilimitada, englobando todos os alugueis devidos e outras parcelas acessórias, como as taxas de condomínio, IPTU, danos provocados pelo inquilino ao imóvel, despesas judiciais com a cobrança dos alugueis e todas as demais obrigações que forem do locatário por força do contrato. Veja o que diz o Código Civil sobre o tema:

Art. 822. Não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador.

Art. 823. A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa que ela, não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada.

Feitos esses esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética: Pedro aluga seu apartamento para Rui (locatário). João, melhor amigo de Rui, aceita figurar no contrato como fiador. No ajuste, ficou consignado que o valor máximo da garantia outorgada pelo fiador seria de R$ 30 mil. Após um ano, Rui devolve o apartamento, ficando devendo, contudo, quatro meses de aluguel. Pedro ajuíza ação contra João cobrando o valor devido. O juiz condenou o réu a pagar um total de R$ 50 mil, sendo referente às seguintes parcelas:

R$ 40 mil, de alugueis atrasados (dívida principal);

R$ 5 mil de custas e despesas processuais;

R$ 5 mil de honorários advocatícios. Agiu corretamente o magistrado? NÃO. O fiador outorgou fiança limitada até R$ 30 mil. Isso significa que a sua responsabilidade pela dívida não pode ultrapassar tal quantia. O fiador de uma obrigação certa e determinada não responde por nenhuma outra obrigação. Assim, qualquer crédito do locador que supere referido valor haverá de ser cobrado unicamente do locatário.

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O credor alegou que, mesmo sendo a fiança limitada, os honorários advocatícios deveriam ser pagos pelo fiador, considerando que tal limitação não afeta a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, que tem como causa não a fiança, mas a instauração e perda da demanda. Além disso, o credor argumentou que honorários advocatícios não são o mesmo que despesas judiciais. Logo, os honorários não se enquadram no art. 822 do CC. Essa tese foi acolhida pelo STJ? NÃO. Tendo o fiador contratado uma fiança limitada, a interpretação mais consentânea com o sentido teleológico da norma é a que exclui a sua obrigação de responder tanto pelas "despesas judiciais" quanto pelos honorários advocatícios. Esse entendimento mostra-se alinhado, também, com a necessidade de que os negócios jurídicos benéficos sejam interpretados estritamente. Não admitir interpretação extensiva significa dizer que o fiador não responderá senão, precisamente, por aquilo que declarou no instrumento da fiança, razão pela qual a extensão da cobertura deverá ser sempre definida de forma prévia e expressa, porque o ato de assumir obrigação de outrem deve traduzir manifestação positiva e certa da vontade. Em caso de dúvida, a interpretação deverá ocorrer a favor de quem presta a fiança. Assim, quando o art. 822 do CC afirma que a fiança limitada não compreende os acessórios da dívida principal e as "despesas judiciais", deve-se interpretar que a fiança limitada também não abrange os honorários sucumbenciais. Em suma:

A fiança limitada decorre da lei e do contrato, de modo que o fiador não pode ser compelido a pagar valor superior ao que foi avençado, devendo responder tão somente até o limite da garantia por ele assumida, o que afasta sua responsabilização em relação aos acessórios da dívida principal e aos honorários advocatícios, que deverão ser cobrados apenas do devedor afiançado. Por se tratar de contrato benéfico, as disposições relativas à fiança devem ser interpretadas de forma restritiva (art. 819 do CC), razão pela qual, nos casos em que ela é limitada (art. 822), a responsabilidade do fiador não pode superar os limites nela indicados. Ex: indivíduo outorgou fiança limitada a R$ 30 mil; significa que ele não terá obrigação de pagar o que superar esta quantia, mesmo que esse valor a maior seja decorrente das custas processuais e honorários advocatícios. STJ. 3ª Turma. REsp 1.482.565-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO Súmula 586-STJ

Súmula 586-STJ: A exigência de acordo entre o credor e o devedor na escolha do agente fiduciário aplica-se, exclusivamente, aos contratos não vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH.

STJ. Corte Especial. Aprovada em 19/12/2016.

Sistema Financeiro de Habitação (SFH) Sistema Financeiro de Habitação é um programa do Governo Federal, criado pela Lei nº 4.380/64, com o objetivo de facilitar que pessoas de baixa renda pudessem adquirir a sua casa própria. A legislação que rege o SFH prevê condições mais favoráveis às pessoas que adquirem os imóveis porque existe um incentivo (subsídio) estatal. Em compensação, o adquirente tem que cumprir certas obrigações e, em caso de inadimplemento, são estipuladas regras mais céleres para a cobrança do débito. Empréstimo com garantia hipotecária Um tipo cada vez mais comum de mútuo é o empréstimo com garantia hipotecária.

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Neste tipo de negócio, a pessoa toma o empréstimo e oferece um imóvel como garantia de pagamento. Como a instituição financeira possui uma garantia real, o risco de prejuízo é menor e, por conta disso, os juros cobrados tendem a ser mais baixos do que em outras espécies de empréstimos. Vale ressaltar que o empréstimo com garantia hipotecária pode ser feito em contratos vinculados ao SFH, ou seja, com o objetivo de adquirir a casa própria ou, então, pode ser realizado por outros motivos (ex: a pessoa faz um empréstimo com garantia hipotecária para conseguir dinheiro para pagar um tratamento de saúde ou para fazer um curso de mestrado). Enfim, o empréstimo com garantia hipotecária pode ser para as mais diversas finalidades, não sendo necessariamente para financiamento de bens imóveis vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação. Obs: se o empréstimo com garantia hipotecária foi feito para o financiamento de bem imóvel vinculado ao SFH, então ele será regido pela Lei nº 5.741/71. Execução hipotecária Se o devedor não consegue pagar a dívida que estava garantida por meio de uma hipoteca, o credor poderá executar esta hipoteca por um meio mais célere e extrajudicial: trata-se da chamada execução hipotecária, prevista nos arts. 31 e 32 do Decreto-lei nº 70/1966. Se o empréstimo é vinculado ao SFH, o credor poderá propor a execução hipotecária do DL 70/66 ou, então, ajuizar a ação executiva prevista na Lei nº 5.741/71. Veja o que diz o art. 1º desta Lei:

Art. 1º Para a cobrança de crédito hipotecário vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação criado pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, é lícito ao credor promover a execução de que tratam os artigos 31 e 32 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, ou ajuizar a ação executiva na forma da presente lei.

Agente fiduciário O processo de execução hipotecária será promovido por uma instituição financeira, que atuará na condição de “agente fiduciário”. Confira o que diz o art. 31 do DL 70/66:

Art. 31. Vencida e não paga a dívida hipotecária, no todo ou em parte, o credor que houver preferido executá-la de acordo com este decreto-lei formalizará ao agente fiduciário a solicitação de execução da dívida, instruindo-a com os seguintes documentos: (...)

Como essa execução hipotecária é extrajudicial, é o agente fiduciário quem tomará as providências para cobrar do devedor. Depois de notificado, o inadimplente poderá purgar a mora e, caso não o faça, o agente fiduciário ficará autorizado a alienar o imóvel dado em garantia. Nesse sentido:

Art. 31 (...) § 1º Recebida a solicitação da execução da dívida, o agente fiduciário, nos dez dias subsequentes, promoverá a notificação do devedor, por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos, concedendo-lhe o prazo de vinte dias para a purgação da mora.

Art. 32. Não acudindo o devedor à purgação do débito, o agente fiduciário estará de pleno direito autorizado a publicar editais e a efetuar no decurso dos 15 (quinze) dias imediatos, o primeiro público leilão do imóvel hipotecado.

Desse modo, perceba a importância do agente fiduciário na execução hipotecária. Quem será o agente fiduciário? O art. 30 do DL 70/66 trata sobre o tema e afirma o seguinte:

No caso de hipotecas vinculadas ao SFH: o agente fiduciário será o Banco Nacional da Habitação ou alguma instituição financeira por ele designada.

Nos demais casos: será uma instituição financeira credenciada junto ao Banco Central.

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Art. 30. Para os efeitos de exercício da opção do artigo 29, será agente fiduciário, com as funções determinadas nos artigos 31 a 38: I - nas hipotecas compreendidas no Sistema Financeiro da Habitação, o Banco Nacional da Habitação; II - nas demais, as instituições financeiras inclusive sociedades de crédito imobiliário, credenciadas a tanto pelo Banco Central da República do Brasil, nas condições que o Conselho Monetário Nacional, venha a autorizar. (...) § 1º O Conselho de Administração ao Banco Nacional da Habitação poderá determinar que êste exerça as funções de agente fiduciário, conforme o inciso I, diretamente ou através das pessoas jurídicas mencionadas no inciso II, fixando os critérios de atuação delas.

Banco Nacional de Habitação O Banco Nacional da Habitação (BNH) era uma empresa pública que tinha como objetivo financiar a produção de empreendimentos imobiliários. Ele foi extinto em 1986 e quem o sucedeu, nos direitos e obrigações, foi a Caixa Econômica Federal. Desse modo, quando o DL 70/66 fala em Banco Nacional da Habitação, devemos agora considerar como sendo Caixa Econômica Federal. Voltando então à pergunta anterior: quem é agente fiduciário?

No caso de hipotecas vinculadas ao SFH: o agente fiduciário será a Caixa Econômica Federal ou uma instituição financeira que ela designar para exercer este papel.

Nos demais casos: será uma instituição financeira credenciada junto ao Banco Central. O devedor participa da escolha do agente fiduciário? É necessária a concordância do devedor no momento em que vai ser escolhido o agente fiduciário? Regra: SIM. Em regra, a instituição financeira que irá exercer as funções de agente fiduciário deverá ser escolhida de comum acordo entre o credor e o devedor. Essa escolha conjunta é feita no próprio contrato de hipoteca ou por meio de um aditamento. Assim, em regra, quando o contrato de empréstimo é celebrado, já consta uma cláusula prevendo quem será o agente fiduciário. Exceção: no caso de contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH, não é necessário acordo entre o credor e o devedor na escolha do agente fiduciário. Foi uma opção do legislador. Ele disse que o Banco Nacional de Habitação (leia-se: Caixa Econômica Federal) poderá exercer diretamente a função ou designar alguma outra instituição financeira para servir como agente fiduciário. Essa pessoa jurídica a ser escolhida não precisa da aprovação do devedor. Isso é o que se extrai do § 2º do art. 30 do DL 70/1966. A regra está na primeira parte do dispositivo e a exceção na parte final sombreada. Veja:

§ 2º As pessoas jurídicas mencionadas no inciso II, a fim de poderem exercer as funções de agente fiduciário dêste decreto-lei, deverão ter sido escolhidas para tanto, de comum acôrdo entre o credor e o devedor, no contrato originário de hipoteca ou em aditamento ao mesmo, salvo se estiverem agindo em nome do Banco Nacional da Habitação ou nas hipóteses do artigo 41.

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CASAMENTO Regime da separação obrigatória de bens para idosos não se aplica

se o casamento foi precedido de união estável iniciada antes da idade-limite

A proteção matrimonial conferida ao noivo, nos termos do art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916, não se revela necessária quando o enlace for precedido de longo relacionamento em união estável, que se iniciou quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.318.281-PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 1/12/2016 (Info 595).

Nubente maior de 60 anos = separação de bens O art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916, previa que se o homem, ao casar, tivesse mais que 60 anos de idade, o regime desse casamento deveria ser, obrigatoriamente, o regime da separação total de bens. A ideia do legislador era a de que se o homem estava casando com esta idade, ele poderia estar sendo “vítima” de um “golpe do baú” e, portanto, deveria ser protegido contra isso. Imagine agora a seguinte situação: Em 1990, João, na época com 52 anos de idade, começou a namorar Francisca (30 anos). Alguns meses depois, eles já estavam morando na mesma casa em um relacionamento de união estável. Em 2000, João e Francisca decidem se casar. Neste caso, como o noivo (João) é maior de 60 anos, o regime de bens deverá ser o da separação total com base no art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916? NÃO.

A proteção matrimonial conferida ao noivo, nos termos do art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916, não se revela necessária quando o enlace for precedido de longo relacionamento em união estável, que se iniciou quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens. STJ. 4ª Turma. REsp 1.318.281-PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 1/12/2016 (Info 595).

Antes do matrimônio e quando João tinha menos que 60 anos, o casal já vivia em união estável. Desse modo, neste caso, não há sentido em se aplicar a regra do art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916, porque não há necessidade de proteção do idoso, já que a união estável e seus reflexos patrimoniais começaram antes que ele tivesse 60 anos. Durante o período em que o casal estava em união estável, o regime vigente entre eles era o da comunhão parcial de bens. Quando eles decidiram converter a união estável em casamento, não haveria lógica em se obrigar o regime da separação, sob pena de se estimular que eles permanecessem na relação informal e de se punir aqueles que buscam um maior reconhecimento e proteção por parte do Estado, impossibilitando a oficialização do matrimônio. Como é a situação no Código Civil de 2002? O Código Civil de 2002 possui uma previsão semelhante, com a diferença de ter ampliado a idade para 70 anos. Confira:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

Desse modo, a decisão do STJ acima exposta (REsp 1.318.281-PE) pode ser aplicada para as situações ocorridas sob a égide do CC-2002. Assim, adaptando o entendimento, podemos afirmar o seguinte:

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A proteção matrimonial conferida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, não deve ser aplicada quando o casamento for precedido de união estável que se iniciou quando os cônjuges eram menores de 70 anos.

Esse é também o entendimento consolidado na doutrina (enunciado nº 261, da III Jornada de Direito Civil). Obs: a doutrina praticamente de forma unânime afirma que o art. 1.641, II, do CC-2002 é inconstitucional por violar a dignidade da pessoa humana e o princípio da proporcionalidade. Vale ressaltar, no entanto, que ainda não há decisão do STF sobre o tema.

UNIÃO ESTÁVEL Contrato de convivência não exige escritura pública

Importante!!!

É válido, desde que escrito, o pacto de convivência formulado pelo casal no qual se opta pela adoção da regulação patrimonial da futura relação como símil (igual) ao regime de comunhão universal, ainda que não tenha sido feito por meio de escritura pública.

Em outras palavras, um casal que vive (ou viverá) em união estável pode celebrar contrato de convivência dizendo que aquela relação será regida por um regime de bens igual ao regime da comunhão universal. Esse contrato, para ser válido, precisa ser feito por escrito, mas não é necessário que seja realizado por escritura pública.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.459.597-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1/12/2016 (Info 595).

Em que consiste a união estável? A união estável é uma entidade familiar, caracterizada pela união entre duas pessoas, do mesmo sexo ou de sexos diferentes, que possuem convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família. Previsão constitucional

Art. 226 (...) § 3º — Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Previsão no CC-2002

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Apesar da CF-88 e do CC-2002 falarem em união de homem e mulher, o STF, ao julgar a ADI 4.277-DF em conjunto com a ADPF 132-RJ, entendeu que é possível a existência de uniões estáveis homoafetivas, ou seja, entre pessoas do mesmo sexo (ADI 4277, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). Requisitos para a caracterização da união estável a) A união deve ser pública (não pode ser oculta, clandestina); b) a união deve ser duradoura, ou seja, estável, apesar de não se exigir um tempo mínimo; c) a união deve ser contínua (sem que haja interrupções constantes); d) a união deve ser estabelecida com o objetivo de constituir uma família; e) as duas pessoas não podem ter impedimentos para casar; f) a união entre essas duas pessoas deve ser exclusiva (é impossível a existência de uniões estáveis

concomitantes e a existência de união estável se um dos componentes é casado e não separado de fato).

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A coabitação é um requisito da união estável? NÃO. O CC-2002 não exige que os companheiros residam sob o mesmo teto, de sorte que continua em vigor, com as devidas adaptações, a antiga Súmula 382-STF: A vida em comum sob o mesmo teto, "more uxorio", não é indispensável à caracterização do concubinato. Se duas pessoas estão vivendo em união estável, a lei prevê regras para disciplinar o patrimônio desse casal? SIM. O Código Civil estabelece que, na união estável, as relações patrimoniais entre o casal obedecem às regras do regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725). Em outras palavras, é como se as pessoas que vivem em união estável estivessem casadas sob o regime da comunhão parcial de bens. É possível que esse casal altere isso? SIM. Os companheiros podem celebrar um contrato escrito entre si estipulando regras patrimoniais específicas que irão vigorar naquela união estável. Ex.: empresários, esportistas ou artistas milionários costumam assinar contratos com suas companheiras estabelecendo que, naquela união estável, irá vigorar o regime da separação de bens. Isso é denominado pela doutrina de "contrato de convivência" ou "contrato particular de convívio conjugal". No caso do casamento, se os nubentes desejarem fazer um pacto antenupcial, o Código Civil exige que isso seja formalizado por meio de escritura pública (art. 1.640, parágrafo único). Para o contrato de união estável exige-se esta mesma formalidade? O contrato de união estável precisa ser feito por escritura pública ou precisa ser averbado no registro de imóveis? NÃO. Diferentemente do casamento, no caso da regulação de bens envolvendo a união estável, o Código Civil exigiu apenas que isso fosse feito por contrato escrito, não obrigando a lavratura de escritura pública ou qualquer outra providência notarial ou registral. Confira o art. 1.725 do CC:

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Essa sempre foi a opinião da doutrina: "Considerando que a união estável é uma realidade fática, desprovida de formalidades legais, o contrato de convivência, por conseguinte, é um negócio jurídico informal, não reclamando solenidades previstas em lei. Apenas e tão somente exige-se a sua celebração por escrito, afastando-se a forma verbal. Assim, pode ser celebrado por escritura pública ou particular, não submetido ao registro público." (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Vol. 6. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 502). Desse modo, o contrato de união estável precisa apenas ser escrito e observar os requisitos de validade do negócio jurídico (art. 104 do CC). Nesse sentido decidiu o STJ:

(...) 1. O texto de Lei que regula a possibilidade de contrato de convivência, quando aponta para ressalva de que contrato escrito pode ser entabulado entre os futuros conviventes para regular as relações patrimoniais, fixou uma dilatada liberdade às partes para disporem sobre seu patrimônio. 2. A liberdade outorgada aos conviventes deve se pautar, como outra qualquer, apenas nos requisitos de validade de um negócio jurídico, regulados pelo art. 104 do Código Civil. 3. Em que pese a válida preocupação de se acautelar, via escritura pública, tanto a própria manifestação de vontade dos conviventes quanto possíveis interesses de terceiros, é certo que o julgador não pode criar condições onde a lei estabeleceu o singelo rito do contrato escrito. 4. Assim, o pacto de convivência formulado em particular, pelo casal, na qual se opta pela adoção da regulação patrimonial da futura relação como símil ao regime de comunhão universal, é válido, desde que escrito. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1459597/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/12/2016.

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Provimento 37/2014-CNJ Vale ressaltar que o CNJ, em 2014, editou um Provimento para dispor sobre o registro da união estável no Livro "E", por Oficial do Registro Civil da Pessoas Naturais. Este provimento deixa claro que não é obrigatório o registro do contrato de convivência nem a sua celebração por escritura pública. Confira os arts. 1º e 7º:

Art. 1º. É facultativo o registro da união estável prevista nos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil, mantida entre o homem e a mulher,ou entre duas pessoas do mesmo sexo.

Art. 7º Não é exigível o prévio registro da união estável para que seja registrada a sua dissolução, devendo, nessa hipótese, constar do registro somente a data da escritura pública de dissolução.

É possível que o casal celebre o contrato de convivência estipulando que entre eles vigora o regime da comunhão universal de bens? SIM. Não há nenhum impedimento. Quando o casal decide fazer o contrato escrito de que trata o art. 1.725 do CC, poderá adotar quaisquer dos regimes de bens previstos no Código Civil para o casamento (art. 1.658 e ss). Em suma:

É válido, desde que escrito, o pacto de convivência formulado pelo casal no qual se opta pela adoção da regulação patrimonial da futura relação como símil (igual) ao regime de comunhão universal, ainda que não tenha sido feito por meio de escritura pública. Em outras palavras, um casal que vive (ou viverá) em união estável pode celebrar contrato de convivência dizendo que aquela relação será regida por um regime de bens igual ao regime da comunhão universal. Esse contrato, para ser válido, precisa ser feito por escrito, mas não é necessário que seja realizado por escritura pública. STJ. 3ª Turma. REsp 1.459.597-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1/12/2016 (Info 595).

Não confundir contrato de convivência com contrato de namoro Por fim, uma última informação adicional: o contrato de convivência, acima explicado, não se confunde com o chamado "contrato de namoro". Contrato de namoro é um pacto escrito celebrado entre duas pessoas no qual elas declaram que mantêm entre si apenas um namoro e não uma união estável. O contrato de namoro não tem relevância jurídica, considerando que não tem a eficácia jurídica de garantir para as partes envolvidas o objetivo que elas almejavam ao celebrá-lo, qual seja, o de evitar a caracterização da união estável. Explicando melhor: mesmo que as partes tenham celebrado este contrato, o Poder Judiciário poderá reconhecer que, na prática, havia sim união estável (e não simples namoro). Isso porque a união estável é uma situação fática que acontece independentemente de acordo escrito. O contrato de namoro não pode mudar a realidade. Se, na prática, um casal vive em união estável segundo os requisitos descritos na lei, não é um contrato que vai descaracterizar esta situação. Assim, a celebração de um contrato de namoro é uma péssima providência porque gera uma falsa garantia para as partes. Se a intenção é evitar a comunhão patrimonial, logo que o namoro se tornar mais estável, o ideal é a realização de um contrato de convivência na qual seja estipulado que o regime de bens entre o casal é o da separação total.

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GUARDA COMPARTILHADA Aplicação obrigatória da guarda compartilhada

Importante!!!

REGRA: o CC determina que, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, o juiz deverá aplicar a guarda compartilhada (art. 1.584, § 2º).

EXCEÇÕES:

Não será aplicada a guarda compartilhada se:

a) um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor;

b) um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar.

O § 2º do art. 1.584 afirma que “encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar”, será aplicada a guarda compartilhada. O que significa essa expressão: “genitores aptos a exercer o poder familiar”? Quando o genitor não estará apto a exercer o poder familiar?

A guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada quando houver inaptidão de um dos ascendentes para o exercício do poder familiar, fato que deverá ser declarado, prévia ou incidentalmente à ação de guarda, por meio de decisão judicial (STJ. 3ª Turma. REsp 1.629.994-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/12/2016. Info 595).

O § 2º do art. 1.584 somente admite duas exceções em que não será aplicada a guarda compartilhada. A interpretação desse dispositivo pode ser relativizada? É possível afastar a guarda compartilhada com base em peculiaridades do caso concreto mesmo que não previstas no § 2º do art. 1.584 do CC?

O STJ está dividido, havendo decisões em ambos os sentidos:

1ª) NÃO. A guarda compartilhada apresenta força vinculante, devendo ser obrigatoriamente adotada, salvo se um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar ou se um deles declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (STJ. 3ª Turma. REsp 1626495/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/09/2016).

2ª) SIM. As peculiaridades do caso concreto podem servir como argumento para que não seja implementada a guarda compartilhada. Ex: se houver dificuldades geográficas (pai mora em uma cidade e mãe em outra, distante). Isso porque deve-se atentar para o princípio do melhor interesse dos menores. Assim, as partes poderão demonstrar a existência de impedimento insuperável ao exercício da guarda compartilhada, podendo o juiz aceitar mesmo que não expressamente previsto no art. 1.584, § 2º. A aplicação obrigatória da guarda compartilhada pode ser mitigada se ficar constatado que ela será prejudicial ao melhor interesse do menor (STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/06/2016).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.629.994-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

ESPÉCIES DE GUARDA Existem quatro espécies de guarda que serão vistas abaixo. As duas primeiras estão previstas expressamente no Código Civil e as duas outras são criações da doutrina.

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

a) Unilateral (exclusiva): Ocorre quando o pai ou a mãe fica com a guarda e a outra pessoa possuirá apenas o direito de visitas. Segundo a definição do Código Civil, a guarda unilateral é aquela “atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua” (art. 1.583, § 1º). Ainda hoje é bastante comum.

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Ex: João e Maria se divorciaram; ficou combinado que Maria ficará com a guarda da filha de 5 anos e que o pai tem direito de visitas aos finais de semana. Vale ressaltar que, mesmo sendo fixada a guarda unilateral, o pai ou a mãe que ficar sem a guarda continuará com o dever de supervisionar os interesses dos filhos. Para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos (§ 5º do art. 1.583). b) Compartilhada (conjunta): Ocorre quando o pai e a mãe são responsáveis pela guarda do filho. A guarda é de responsabilidade de ambos e as decisões a respeito do filho são tomadas em conjunto, baseadas no diálogo e consenso. O instituto da guarda compartilhada teve origem na Common Law, do Direito Inglês, com a denominação de joint custody. Porém, foi nos Estados Unidos que a denominada “guarda conjunta” ganhou força e se popularizou. Segundo o Código Civil brasileiro, entende-se por guarda compartilhada “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (art. 1.583, § 1º). É considerada a melhor espécie de guarda porque o filho tem a possibilidade de conviver com ambos e os pais, por sua vez, sentem-se igualmente responsáveis. Vale ressaltar que nessa espécie de guarda, apesar de tanto o pai como a mãe possuírem a guarda, o filho mora apenas com um dos dois. Ex: João e Maria se divorciaram; ficou combinado que a filha do casal ficará morando com a mãe; apesar disso, tanto Maria como João terão a guarda compartilhada (conjunta) da criança, de forma que ela irá conviver constantemente com ambos e as decisões sobre ela serão tomadas em conjunto pelos pais. E se os pais morarem em cidades diferentes? A Lei estabeleceu que a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos (§ 3º do art. 1.584). Tempo de convivência Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos (§ 2º do art. 1.583). Orientação técnico-profissional Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe (§ 3º do art. 1.584 do CC). Assim, com a ajuda de psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais, o juiz já deverá estabelecer as atribuições que caberão a cada um dos pais e o tempo de convivência com o filho. Ex: João irá buscar o filho no colégio todos os dias às 12h; no período da tarde, a criança continuará na companhia do pai e, às 18h, ele deverá deixá-lo na casa da mãe. c) Alternada: Ocorre quando o pai e a mãe se revezam em períodos exclusivos de guarda, cabendo ao outro direito de visitas. Em outras palavras, é aquela na qual durante alguns dias a mãe terá a guarda exclusiva e, em outros períodos, o pai terá a guarda exclusiva. Ex: João e Maria se divorciaram; ficou combinado que durante uma semana a filha do casal ficará morando com a mãe (e o pai não pode interferir durante esse tempo) e, na semana seguinte, a filha ficará vivendo com o pai (que terá a guarda exclusiva nesse período).

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“Essa forma de guarda não é recomendável, eis que pode trazer confusões psicológicas à criança. Com tom didático, pode-se dizer que essa é a guarda pingue-pongue, pois a criança permanece com cada um dos genitores por períodos ininterruptos. Alguns a denominam como a guarda do mochileiro, pois o filho sempre deve arrumar a sua malinha ou mochila para ir à outra casa. É altamente inconveniente, pois a criança perde seu referencial, recebendo tratamentos diferentes quando na casa paterna e na materna.” (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. São Paulo: Método, 2013, p. 1224). d) Aninhamento (nidação): Ocorre quando a criança permanece na mesma casa onde morava e os pais, de forma alternada, se revezam na sua companhia. Assim, é o contrário da guarda alternada, já que são os pais que, durante determinados períodos, se mudam. Ex: João e Maria se divorciaram; ficou combinado que a filha do casal ficará morando no mesmo apartamento onde residia e no qual já possui seus amiguinhos na vizinhança. Durante uma semana, a mãe ficará morando no apartamento com a criança (e o pai não pode interferir durante esse tempo). Na semana seguinte, a mãe se muda temporariamente para outro lugar e o pai ficará vivendo no apartamento com a filha. Defendida por alguns como uma forma de a criança não sofrer transtornos psicológicos por ter que abandonar o meio em que já vivia e estava familiarizada. Apesar disso, é bastante rara devido aos inconvenientes práticos de sua implementação. A palavra “aninhamento” vem de “aninhar”, ou seja, colocar em um ninho. Transmite a ideia de que a criança permanecerá no mesmo ninho (mesmo lar) e os seus pais é quem se revezarão em sua companhia. Como já dito acima, o Código Civil somente fala em unilateral ou compartilhada (art. 1.583), mas as demais espécies também existem na prática. DEFINIÇÃO DA GUARDA Como é definida a espécie de guarda que será aplicada? O ideal é que a guarda seja definida por consenso entre o pai e a mãe. Por isso, o Código Civil determina que seja feita uma audiência de conciliação. A Lei também afirma que o juiz deverá incentivar que os pais façam um acordo adotando a guarda compartilhada:

Art. 1.584 (...) § 1º Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

Se mesmo assim não houver acordo, o juiz irá fixar a guarda de forma compulsória.

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

Em regra, o juiz não deve conceder a guarda sem ouvir a outra parte A decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte (art. 1.585 do CC).

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GUARDA COMPARTILHADA COMO REGRA Vimos acima que, se não houver acordo, o juiz é quem irá fixar a guarda. Neste caso, qual é a espécie de guarda que o magistrado deverá determinar? REGRA: guarda compartilhada. O Código determina que, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, o juiz deverá aplicar a guarda compartilhada (art. 1.584, § 2º). EXCEÇÕES: Não será aplicada a guarda compartilhada se: a) um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor; b) um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar. A doutrina em geral aplaude essa solução legal? Não. Isso porque a lei impõe aos pais algo que, na prática, não funciona se não for consensual. A guarda compartilhada exige como pressuposto que haja um mínimo de convivência harmônica entre os pais, já que as decisões a respeito do filho deverão ser tomadas em conjunto, com base no diálogo e consenso. Ora, se os pais da criança não gozam de uma relação harmoniosa, é extremamente improvável que consigam dialogar e decidir, de forma amistosa, pontos conflituosos em relação ao filho, como, por exemplo, a escola em que ele irá estudar, o tempo que cada um passará com a criança, as obrigações de cada genitor etc. Na guarda compartilhada muito pouco adianta que tais cláusulas sejam impostas pelo juiz porque o Poder Judiciário não terá condições de acompanhar, no dia-a-dia, o cumprimento de tais medidas e a sua efetividade será mínima se não houver disposição e compromisso dos pais em respeitá-las. Enfim, apesar de a guarda compartilhada ser a espécie ideal, ela tem que ser conquistada com a conscientização e nunca pela imposição, o que gerará um efeito inverso e talvez acirre o relacionamento já desgastado dos pais da criança. A guarda compartilhada depende da concordância dos genitores? Ex: o pai deseja a guarda unilateral e a mãe também; nenhum dos dois quer a guarda compartilhada; mesmo assim, o juiz pode determinar esta espécie de guarda? SIM. A implementação da guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores. Em outras palavras, a guarda compartilhada é a regra, independentemente de concordância entre os genitores acerca de sua necessidade ou oportunidade (STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/06/2016. O § 2º do art. 1.584 afirma que “encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar”, será aplicada a guarda compartilhada. O que significa essa expressão: “genitores aptos a exercer o poder familiar”? Quando o genitor não estará apto a exercer o poder familiar? Ainda não há uma posição tranquila sobre o tema. No entanto, segundo a Min. Nancy Andrighi, o genitor somente pode ser considerado inapto para exercer o poder familiar se, antes da ação onde se discute a guarda, tiver havido uma decisão judicial determinando a suspensão ou a perda do poder familiar. Veja:

A guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada quando houver inaptidão de um dos ascendentes para o exercício do poder familiar, fato que deverá ser declarado, prévia ou incidentalmente à ação de guarda, por meio de decisão judicial. STJ. 3ª Turma. REsp 1.629.994-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

Assim, para a Ministra, a guarda compartilhada somente não será aplicada em dois casos: 1) se o genitor declarar que não deseja a guarda do menor; 2) se houver uma decisão judicial suspendendo ou determinando a perda do poder familiar do genitor (inaptidão para o exercício do poder familiar).

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Nas palavras da Ministra, “um ascendente só poderá perder ou ter suspenso o seu poder/dever consubstanciado no poder familiar por meio de uma decisão judicial e, só a partir dessa decisão, perderá a condição essencial para lutar pela guarda compartilhada da prole, pois deixará de ter aptidão para exercer o poder familiar." (REsp 1629994). O § 2º do art. 1.584 somente admite duas exceções em que não será aplicada a guarda compartilhada. A interpretação desse dispositivo pode ser relativizada? É possível afastar a guarda compartilhada com base em peculiaridades do caso concreto mesmo que não previstas no § 2º do art. 1.584 do CC?

O STJ está dividido, havendo decisões em ambos os sentidos:

1ª) NÃO. Pela redação do art. 1.584 do CC, a guarda compartilhada apresenta força vinculante, devendo ser obrigatoriamente adotada, salvo se um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar ou se um deles declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1626495/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/09/2016. 2ª) SIM. As peculiaridades do caso concreto podem servir como argumento para que não seja implementada a guarda compartilhada. Ex: se houver dificuldades geográficas (pai mora em uma cidade e mãe em outra, distante). Isso porque deve-se atentar para o princípio do melhor interesse dos menores. Assim, as partes poderão demonstrar a existência de impedimento insuperável ao exercício da guarda compartilhada, podendo o juiz aceitar mesmo que não expressamente previsto no art. 1.584, § 2º. A aplicação obrigatória da guarda compartilhada pode ser mitigada se ficar constatado que ela será prejudicial ao melhor interesse do menor. Nesse talante: STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/06/2016. Veja outro precedente sustentando essa interpretação relativizada:

(...) 1. A guarda compartilhada deve ser buscada no exercício do poder familiar entre pais separados, mesmo que demande deles reestruturações, concessões e adequações diversas para que os filhos possam usufruir, durante a formação, do ideal psicológico de duplo referencial (precedente). 2. Em atenção ao melhor interesse do menor, mesmo na ausência de consenso dos pais, a guarda compartilhada deve ser aplicada, cabendo ao Judiciário a imposição das atribuições de cada um. Contudo, essa regra cede quando os desentendimentos dos pais ultrapassarem o mero dissenso, podendo resvalar, em razão da imaturidade de ambos e da atenção aos próprios interesses antes dos do menor, em prejuízo de sua formação e saudável desenvolvimento (art. 1.586 do CC/2002). (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1417868/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/05/2016.

Simples animosidade Vale ressaltar, ainda, e isso pode ser cobrado em sua prova, que o STJ já decidiu que

A simples animosidade entre os genitores e suas diferenças de ponto de vista sobre a criação dos filhos não são impedimento para a fixação da guarda compartilhada. STJ. 3ª Turma. REsp 1626495/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/09/2016.

E se não for possível mesmo a guarda compartilhada? Nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada, a atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor (art. 7º da Lei nº 12.318/2010). OUTROS TEMAS A guarda pode ser deferida para outra pessoa que não seja o pai ou a mãe? SIM. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade (§ 5º do art. 1.584). O exemplo mais comum dessa situação é a guarda atribuída aos avós.

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Dever de os estabelecimentos públicos e privados prestarem informações aos pais Seja na guarda compartilhada, seja na guarda unilateral, tanto o pai como a mãe possuem o direito de acompanhar e fiscalizar a educação e saúde de seus filhos. Pensando nisso, e a fim de evitar qualquer embaraço, o § 6º ao art. 1.584 do CC determinou que os estabelecimentos públicos e privados são obrigados a fornecer informações ao pai ou a mãe sobre a situação dos seus filhos. Veja:

§ 6º Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.

Essa regra vale mesmo que o pai (ou a mãe) que esteja requerendo a informação não detenha a guarda do filho. Ex: João e Maria divorciaram-se e a mãe ficou com a guarda exclusiva da criança; determinado dia, João foi até o colégio de sua filha para ter acesso às notas do boletim escolar, tendo a escola negado, afirmando que somente a mãe poderia obtê-lo. Esse estabelecimento de ensino poderá ser multado, na forma do § 6º do art. 1.584 do CC. O mesmo vale para um hospital, por exemplo. A multa deve ser cobrada na via judicial, devendo o pai (ou a mãe) comprovar que fez a solicitação não atendida. Descumprimento das regras A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor (§ 4º do art. 1.584). Ex: ficou acertado que João tem o direito de ficar com sua filha todos os sábados, devendo entregá-la à mãe no domingo às 8h; ocorre que ele sempre leva a criança atrasado, chegando por volta das 12h; neste caso, a lei prevê a possibilidade de ele ter reduzido este direito.

DIREITO EMPRESARIAL

DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE Momento em que se considera dissolvida a sociedade empresária para fins de apuração de haveres

Na hipótese em que o sócio de sociedade limitada constituída por tempo indeterminado exerce o direito de retirada por meio de inequívoca e incontroversa notificação aos demais sócios, a data-base para apuração de haveres é o termo final do prazo de 60 dias, estabelecido pelo art. 1.029 do CC/02.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.602.240-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

Dissolução de uma sociedade: A dissolução de uma sociedade pode ser: a) Parcial: quando um ou alguns dos sócios saem da sociedade, mas ela é preservada. b) Total: quando a sociedade é extinta. Dissolução parcial de sociedade Ocorre, portanto, quando um ou alguns se desligam da sociedade, mas ela continua existindo. A isso também se dá o nome de “liquidação parcial da sociedade”. Uma das hipóteses de dissolução parcial de sociedade é o direito de retirada (direito de recesso, direito de denúncia), ou seja, é a saída do sócio por iniciativa própria. Ele simplesmente não quer mais fazer parte daquela sociedade.

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

Nesse caso, o sócio que deixar a sociedade receberá a parte que lhe cabe no patrimônio social, continuando a sociedade em relação aos demais sócios. Apuração de haveres O cálculo do valor devido ao sócio que deixa a sociedade é feito por meio de um procedimento denominado de apuração de haveres e que está previsto no art. 1.031 do CC e no art. 599, III, do CPC 2015.

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. § 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. § 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.

Para que o sócio exerça seu direito de retirada é indispensável a propositura de ação judicial? Depende:

Se a sociedade empresária for por prazo determinado: SIM. Isso porque o Código Civil exige que ele prove uma justa causa (art. 1.029).

Se a sociedade empresária for por prazo indeterminado: NÃO. O sócio precisará apenas notificar extrajudicialmente os demais sócios com antecedência mínima de 60 dias (art. 1.029). Caso ele não concorde com os valores que a sociedade quer lhe pagar a título de apuração de haveres, poderá propor ação para discutir apenas isso.

Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética: Henrique é sócio de uma sociedade limitada que tem outros dois sócios: Pedro e Tiago. Vale ressaltar que se trata de uma sociedade por prazo indeterminado. Henrique decide que não quer mais participar desta sociedade e, no dia 03/03/2016, envia notificação extrajudicial para Pedro e Tiago informando que está se retirando da sociedade. Em caso de sociedade empresária criada por prazo indeterminado, o sócio poderá se retirar sem que seja necessário que informe qualquer motivo para isso. A única providência que o Código Civil exige é a notificação dos demais sócios com antecedência mínima de 60 dias. Assim, o sócio avisa e, 60 dias depois, já poderá sair normalmente. Veja:

Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa. Parágrafo único. Nos trinta dias subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.

Voltando ao exemplo: Vimos acima que Henrique notificou os sócios em 03/03/2016. Ocorre que, por questões burocráticas, só se conseguiu providenciar a alteração do contrato social para constar a retirada de Henrique em 03/09/2016, ou seja, 6 meses depois. Neste período, ou seja, entre a notificação e a alteração do contrato social, a sociedade se valorizou bastante. Isso porque ela trabalha com exportação e o valor do dólar aumentou. Logo, a sociedade se tornou muito mais valiosa. No momento da apuração dos haveres surgiu, então, a seguinte dúvida: o valor que Henrique irá receber relativo às suas cotas sociais deverá ser calculado com base na data da notificação ou tendo como referência o dia em que houve a alteração do contrato social?

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Nenhum dos dois. A data-base para apuração de haveres será o termo final do prazo de 60 dias depois da notificação exigida pelo art. 1.029 do CC. Assim, a quantia que Henrique irá receber deverá ser calculada tendo em consideração o valor da sociedade empresária no dia 03/05/2016, ou 60 dias após a notificação. O tema é tratado no art. 1.031 do Código Civil:

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. § 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. § 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.

Então, segundo o caput do art. 1.031 do CC, a liquidação da quota será feita com base na situação patrimonial da sociedade na “data da resolução”. Por “data da resolução” entende-se o termo final do prazo de 60 dias contados da notificação extrajudicial. O direito de retirada de sociedade constituída por tempo indeterminado, a partir do Código Civil de 2002, é direito potestativo que pode ser exercido mediante a simples notificação com antecedência mínima de 60 dias (art. 1.209), dispensando a propositura de ação de dissolução parcial para tal finalidade. Após o decurso deste prazo de 60 dias, o contrato societário fica resolvido, de pleno direito, em relação ao sócio retirante, devendo ser apurados haveres e pagos os valores devidos, na forma do art. 1.031 do CC, considerando-se, pois, o termo final daquele prazo como a data-base para apuração dos haveres. Resumindo:

Na hipótese em que o sócio de sociedade limitada constituída por tempo indeterminado exerce o direito de retirada por meio de inequívoca e incontroversa notificação aos demais sócios, a data-base para apuração de haveres é o termo final do prazo de 60 dias, estabelecido pelo art. 1.029 do CC/02. STJ. 3ª Turma. REsp 1.602.240-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

SOCIEDADE ANÔNIMA Dissolução parcial da sociedade anônima que não está gerando lucros

É possível que sociedade anônima de capital fechado, ainda que não formada por grupos familiares, seja dissolvida parcialmente quando, a despeito de não atingir seu fim – consubstanciado no auferimento de lucros e na distribuição de dividendos aos acionistas –, restar configurada a viabilidade da continuação dos negócios da companhia.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.321.263-PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

Dissolução de uma sociedade: A dissolução de uma sociedade pode ser: c) Parcial: quando um ou alguns dos sócios saem da sociedade, mas ela é preservada. d) Total: quando a sociedade é extinta. Dissolução parcial de sociedade Ocorre, portanto, quando um ou alguns sócios se desligam da sociedade, mas ela continua existindo. A isso também se dá o nome de “liquidação parcial da sociedade”.

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Uma das hipóteses de dissolução parcial de sociedade é o direito de retirada (direito de recesso, direito de denúncia), ou seja, é a saída do sócio por iniciativa própria. Ele simplesmente não quer mais fazer parte daquela sociedade. Nesse caso, o sócio que deixar a sociedade receberá a parte que lhe cabe no patrimônio social, continuando a sociedade em relação aos demais sócios. Apuração de haveres O cálculo do valor devido ao sócio que deixa a sociedade é feito por meio de um procedimento denominado de apuração de haveres e que está previsto no art. 1.031 do CC e no art. 599, III, do CPC 2015.

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. § 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. § 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.

Classificação das sociedades No que se refere à relevância dos sócios para a sua formação, as sociedades são divididas em:

a) Sociedade de PESSOAS (intuito personae) b) Sociedade de CAPITAL (intuito pecuniae)

São aquelas sociedades nas quais é muito importante os atributos pessoais dos sócios, ou seja, suas competências, afinidades, defeitos etc. Um terceiro somente poderá entrar em uma sociedade de pessoas se os demais sócios concordarem. Assim, por exemplo, no caso de falecimento de um sócio, o herdeiro não ingressa diretamente sem autorização dos demais sócios.

São aquelas sociedades nas quais o mais importante é o capital investido, não interessando os atributos pessoais dos sócios. Um terceiro poderá entrar em uma sociedade de capital independentemente da vontade dos demais sócios. Basta que ele pague o valor da ação ou da cota.

Sociedade em comandita por ações Sociedade de CAPITAL

Sociedade anônima

Sociedade em nome coletivo

Sociedade de PESSOAS Sociedade em comandita simples

Sociedade simples

Sociedade limitada Sociedade de capital ou de pessoas (a depender do contrato social)

SITUAÇÃO 1 Feitos estes esclarecimentos, imagine a seguinte situação: A empresa “Saúde Produtos Hospitalares S.A” é uma sociedade empresária constituída sob a forma de sociedade anônima fechada. Ela possui somente três acionistas: Hugo, José e Luis, que são irmãos. Após brigar com seus irmãos, Hugo resolve sair da sociedade. Mesmo se tratando de uma sociedade anônima (sociedade de capital), Hugo poderá ajuizar ação pedindo a dissolução parcial desta sociedade e a apuração dos haveres sob a alegação de que houve quebra da confiança entre os sócios? SIM. Realmente, as sociedades anônimas são sociedades de capital. Logo, em regra, a quebra de confiança entre os sócios (rompimento da affectio societatis) não deveria ser um motivo idôneo para a dissolução da

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sociedade. Ocorre que na prática se percebe que em muitos casos a sociedade anônima, apesar de estar constituída sob este modelo societário, na verdade está baseada na confiança entre os sócios. É o caso, por exemplo, de sociedades anônimas formadas por grupos familiares. Nesta hipótese, está presente o caráter personalíssimo e o rompimento da affectio societatis representa verdadeiro impedimento a que a companhia continue a realizar o seu fim social, sendo possível a dissolução parcial da sociedade anônima:

(...) É inquestionável que as sociedades anônimas são sociedades de capital (intuito pecuniae), próprio às grandes empresas, em que a pessoa dos sócios não tem papel preponderante. Contudo, a realidade da economia brasileira revela a existência, em sua grande maioria, de sociedades anônimas de médio e pequeno porte, em regra, de capital fechado, que concentram na pessoa de seus sócios um de seus elementos preponderantes, como sói acontecer com as sociedades ditas familiares, cujas ações circulam entre os seus membros, e que são, por isso, constituídas intuito personae. Nelas, o fator dominante em sua formação é a afinidade e identificação pessoal entre os acionistas, marcadas pela confiança mútua. Em tais circunstâncias, muitas vezes, o que se tem, na prática, é uma sociedade limitada travestida de sociedade anônima, sendo, por conseguinte, equivocado querer generalizar as sociedades anônimas em um único grupo, com características rígidas e bem definidas. Em casos que tais, porquanto reconhecida a existência da affectio societatis como fator preponderante na constituição da empresa, não pode tal circunstância ser desconsiderada por ocasião de sua dissolução. Do contrário, e de que é exemplo a hipótese em tela, a ruptura da affectio societatis representa verdadeiro impedimento a que a companhia continue a realizar o seu fim, com a obtenção de lucros e distribuição de dividendos, em consonância com o artigo 206, II, "b", da Lei nº 6.404/76, já que dificilmente pode prosperar uma sociedade em que a confiança, a harmonia, a fidelidade e o respeito mútuo entre os seus sócios tenham sido rompidos. (...) STJ. 2ª Seção. EREsp 111.294/PR, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 28/6/2006.

SITUAÇÃO 2 Imagine agora uma segunda situação hipotética: João é detentor de 10% do capital social da empresa “Arado Produtos Agrícolas S.A”, uma sociedade empresária constituída sob a forma de sociedade anônima fechada. Além de João, a empresa conta com dezenas de outros acionistas que não mantêm entre si qualquer relacionamento pessoal. Aliás, alguns acionistas da empresa são outras pessoas jurídicas. Enfim, a “Arado” é realmente uma sociedade de capital, com nítido intuito pecuniae, composta por investidores institucionais. João ajuizou ação de dissolução parcial de sociedade anônima contra a “Arado” e demais sócios buscando o direito de retirada da sociedade, com a apuração de seus haveres. Em outras palavras, João pediu para deixar a sociedade recebendo em dinheiro a parte que lhe cabe no patrimônio social. Como argumento, o autor alegou que a empresa não tem auferido lucros nem distribuído dividendos aos acionistas e que isso demonstra que ela não tem condições de cumprir a sua finalidade. Logo, deve-se aplicar a hipótese prevista no art. 206, II, “b”, da Lei nº 6.404/76:

Art. 206. Dissolve-se a companhia: (...) II - por decisão judicial: (...) b) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social;

Conforme narrou João na petição inicial, em 12 anos a companhia somente gerou lucros em três exercícios e só distribuiu os dividendos em um deles. Além disso, ele apresentou um parecer de um economista demonstrando que não há previsão de lucros para a empresa nos próximos anos.

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A tese invocada pelo autor foi aceita pelo STJ? Se uma sociedade anônima de capital fechado não está auferindo lucros nem distribuindo dividendos aos acionistas será possível decretar a sua dissolução parcial com base no art. 206, II, “b”, da Lei nº 6.404/76? SIM. O que a Lei quis dizer com “preencher o seu fim”? O significa essa palavra “fim”? A palavra “fim” está empregada no sentido de “finalidade” e possui duas acepções: 1ª) cumprir o objeto social da companhia; e 2ª) gerar lucros. Assim, a sociedade anônima não está preenchendo o seu fim (sua finalidade) quando não está realizando seu objeto social ou quando não gera lucros. A finalidade lucrativa faz parte da essência da sociedade por ações. Assim, ausente o lucro, fica autorizada a dissolução da sociedade anônima por decisão judicial. Veja o que diz a doutrina: “(...) a lucratividade compatível com a atividade empresarial exercida e a capacidade de compensar proporcionalmente os acionistas nesses resultados constituem requisitos fundamentais para a continuidade da existência da companhia. Se esta não puder produzir lucros, cabe dissolvê-la. O termo “fim” tem duplo alcance, querendo, de um lado, significar a atividade empresarial estabelecida no estatuto (objeto social), e, no sentido teleológico, a meta de toda companhia, qual seja, a produção de lucros compatíveis e distribuíveis aos acionistas. Tanto na primeira hipótese como na segunda, não alcançando a companhia o seu fim, cabe o pedido judicial de sua dissolução. Temos, assim, dois elementos fundamentais para a permanência da companhia: o primeiro, de natureza objetiva, de ser ela lucrativa. O segundo, de ser a companhia capaz de atender ao direito subjetivo do acionista de receber parcela compatível e proporcional ao lucro apurado, sob a forma de dividendos. A insatisfação desse direito subjetivo de receber dividendos compensatórios e compatíveis com o lucro apurado, na forma estabelecida nos estatutos sociais e na lei (art. 17, na redação dada pela Lei 9.457⁄1997, e arts. 201 a 205), outorga ao acionista, dentre outros direitos, o de requerer a dissolução da companhia.” (CARVALHOSA, Modesto. Tratado de Direito Empresarial. Vol. III. Sociedades Anônimas. São Paulo: RT, 2016, p. 1.158-1.159). O art. 206 da Lei nº 6.404/76 trata sobre dissolução total (e não parcial). Aliás, em nenhum momento a Lei das SA fala em dissolução parcial... Mesmo assim, é possível determinar esta providência? SIM. Embora a Lei das SA somente tenha disciplinado a dissolução total, a jurisprudência não veda que ocorra a dissolução apenas parcial. O fundamento é o princípio da preservação da empresa. A dissolução parcial, além de resguardar o interesse público na manutenção das empresas e geração de empregos, protege também o interesse dos demais acionistas, contrários à sua dissolução. Assim, a dissolução parcial é a solução menos gravosa, assegurando aos acionistas que entendem ser possível uma reviravolta na sorte da companhia a continuação de suas atividades. Resumindo:

É possível que sociedade anônima de capital fechado, ainda que não formada por grupos familiares, seja dissolvida parcialmente quando, a despeito de não atingir seu fim – consubstanciado no auferimento de lucros e na distribuição de dividendos aos acionistas –, restar configurada a viabilidade da continuação dos negócios da companhia. STJ. 3ª Turma. REsp 1.321.263-PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

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DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL

DÚVIDA Não cabe recurso especial ou extraordinário

Importante!!!

Não cabe recurso especial contra decisão proferida em procedimento de dúvida registral, sendo irrelevantes a existência de litigiosidade ou o fato de o julgamento emanar de órgão do Poder Judiciário, em função atípica.

O procedimento de dúvida registral tem, por força de expressa previsão legal, natureza administrativa (art. 204 da LRP), não se qualificando como prestação jurisdicional.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.570.655-GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 23/11/2016 (Info 595).

Imagine a seguinte situação hipotética: João decidiu alienar seu imóvel para Pedro. Para tanto, foram até um tabelionato de notas e ali foi lavrada uma escritura pública na qual João aliena o bem a Pedro. Isso, contudo, não é suficiente. Será necessário, ainda, fazer o registro desta escritura pública no Registro de Imóveis. Essa exigência está prevista no Código Civil:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. (...)

Em razão dessa necessidade de registro do título translativo, a doutrina afirma que o Brasil adotou o modelo romano de sistema registral. Segundo este sistema romano, o contrato de compra e venda, por si só, não transfere a propriedade da coisa. Ele apenas gera uma obrigação de que o vendedor faça a transferência. Além de assinar o contrato, a efetiva transferência da propriedade ainda dependerá: • No caso de bem móvel: da tradição (entrega). • No caso de bem imóvel: do registro do título aquisitivo (contrato) no RI. Voltando ao nosso exemplo: De posse da escritura pública, Pedro (comprador) foi até o Registro de Imóveis solicitar o registro do título translativo. Para que seja feito o registro de uma escritura pública de compra e venda são necessários diversos documentos. O Oficial do Registro atendeu Pedro, examinou todos os papéis que ele levou, mas não fez o registro porque alegou que faltava mais um documento que seria necessário. Pedro, que é advogado, não concordou com o documento exigido afirmando que ele não está previsto na legislação. O que fazer diante desta situação de impasse? O apresentante do título (no caso, Pedro) deverá requerer ao Oficial do Registro que ele suscite "dúvida" e encaminhe a questão para que o Juiz da Vara de Registros Públicos decida se a exigência é devida ou não. Inicia-se, aqui, o chamado procedimento de dúvida. O que é o procedimento de dúvida? A dúvida é um procedimento administrativo iniciado pelo titular da serventia extrajudicial, a requerimento

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do apresentante, nas situações em que houver divergência sobre alguma exigência que seja feita pelo Oficial e com a qual o apresentante não concorde. Neste caso, esta discordância deverá ser encaminhada ao juiz competente (em regra, o Juiz da Vara de Registros Públicos) para que este decida sobre a legalidade da exigência que foi feita pelo titular como condição para o registro. Vale ressaltar que as exigências do Oficial devem ser feitas por escrito. A isso chamamos de “nota de devolução”. Quem suscita a dúvida? O Oficial (Registrador). É ele quem suscita a dúvida (a requerimento do interessado). Denominação O termo "dúvida" é utilizado pela legislação. No entanto, vale ressaltar que dúvida, aqui, não está empregada no sentido de ignorância. Em outras palavras, o Oficial não suscita a dúvida porque ele não sabe o que fazer, ou seja, por estar em dúvida. Não é isso. Ele sabe o que fazer, exige determinado documento do apresentante, mas este não concorda. Daí se inicia o procedimento. Assim, a palavra "dúvida" é utilizada no sentido de "objeção, discordância, impugnação". Procedimento: Encontra-se previsto no art. 198 da Lei nº 6.015/73. Se o Oficial entender que existe exigência a ser satisfeita, ele deverá indicá-la por escrito para que o apresentante atenda. Caso o apresentante não se conforme com a exigência feita, ou se não puder atendê-la, ele poderá requerer que o título e a declaração de dúvida sejam remetidos ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte: I - o Oficial anotará no Protocolo, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida; Il - após certificar, no título, a prenotação e a suscitação da dúvida, o Oficial deverá rubricar todas as suas folhas; III - em seguida, o Oficial:

dará ciência dos termos da dúvida ao apresentante, ou seja, fornecerá a ele, por escrito, as razões pelas quais não aceitou fazer o registro; e

notificará o apresentante para, no prazo de 15 dias, impugnar essas razões, ou seja, para apresentar os argumentos pelos quais não concorda com a exigência feita.

IV - certificado o cumprimento do disposto no item III, as razões da dúvida e o título deverão ser remetidos ao juízo competente, mediante carga. Documentos que devem ser apresentados pelo Oficial ao juízo competente: • Requerimento escrito da dúvida; • Comprovante do protocolo (com prenotação vigente); • Título original; • Documentos que acompanham; • Razões do Oficial; • Nota devolutiva; • Prova da intimação do interessado. Caso o interessado não impugne a dúvida no prazo de 15 dias: não há problema

Art. 199. Se o interessado não impugnar a dúvida no prazo referido no item III do artigo anterior, será ela, ainda assim, julgada por sentença.

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Oitiva do MP (prazo: 10 dias)

Art. 200. Impugnada a dúvida com os documentos que o interessado apresentar, será ouvido o Ministério Público, no prazo de dez dias.

Diligências

Art. 201. Se não forem requeridas diligências, o juiz proferirá decisão no prazo de quinze dias, com base nos elementos constantes dos autos.

Produção de provas: Não é possível a dilação probatória, pois se trata de procedimento especial e sumário (posição da maioria da doutrina). Assim, o exame de questões mais complexas, que envolvam produção de provas deverá ser resolvida pela jurisdicional adequada. É possível a intervenção de terceiros no procedimento de dúvida? NÃO.

Não é cabível a intervenção de terceiros em procedimento de dúvida registral suscitada por Oficial de Registro de Imóveis (arts. 198 a 207 da Lei nº 6.015/73). STJ. 4ª Turma. RMS 39.236-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 26/4/2016 (Info 582).

Não existe previsão legal para a intervenção de terceiros na dúvida, que possui, na verdade, natureza de procedimento administrativo (não jurisdicional), agindo o juiz singular ou o colegiado em atividade de controle da Administração Pública. Poder-se-ia argumentar, entretanto, que casos existem em que a dúvida registral se reveste de caráter contencioso, em razão do nascimento de uma pretensão resistida e, portanto, de uma lide, o que conferiria, em tese, a possibilidade de intervenção de terceiros. Contudo, referida possibilidade só poderá ocorrer entre sujeitos que defendam interesses próprios, nunca podendo ser reconhecida entre o registrador e o apresentante do título a registro, pois o Oficial não é titular de interesse próprio, não sustentando pretensão alguma. Sentença: A dúvida é decidida por sentença, que deverá ser prolatada no prazo de 15 dias. Apesar de o art. 202 da LRP utilizar o nome "sentença", a doutrina e a jurisprudência entendem que não se trata de uma sentença igual àquela prevista no art. 203, § 1º, do CPC/2015:

Art. 203 (...) § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.

A sentença do procedimento de dúvida (art. 202 da LRP) é um ato decisório administrativo, que não se reveste das mesmas características da sentença judicial, não resultando de quaisquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487 do CPC/2015. Juízo competente: O juízo competente é previsto na Lei de Organização Judiciária. Em geral, é o Juiz da Vara de Registros Públicos. A doutrina aponta uma situação excepcional em que o procedimento de dúvida será decidido por um Juiz Federal. Trata-se da hipótese prevista na Lei nº 5.972/73, que regula o procedimento para o registro da propriedade de bens imóveis discriminados administrativamente ou possuídos pela União.

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

Resultado da sentença (art. 203): Transitada em julgado a decisão da dúvida, proceder-se-á do seguinte modo: I - se for julgada PROCEDENTE (o Oficial tinha razão): não é efetuado o registro. Os documentos são devolvidos à parte, independentemente de translado, dando-se ciência da decisão ao Oficial, para que a consigne no Protocolo e cancele a prenotação. II - se for julgada IMPROCEDENTE (o Oficial não tinha razão): é efetuado o registro. O interessado apresentará, de novo, os seus documentos, com o respectivo mandado, ou certidão da sentença, que ficarão arquivados, para que, desde logo, se proceda ao registro, declarando o oficial o fato na coluna de anotações do Protocolo. Recurso cabível contra a sentença: APELAÇÃO. Aqui também é importante esclarecer que esta "apelação" prevista no procedimento de dúvida não é igual à apelação do art. 1.009 do CPC/2015. A apelação do procedimento de dúvida (art. 202 da LRP) tem natureza administrativa e a apelação do CPC é recurso judicial. Quem julga apelação no procedimento de dúvida: Depende da Lei de Organização Judiciária. Em regra é a Corregedoria Geral de Justiça. Inexistência de coisa julgada Qualquer que seja a decisão proferida no procedimento de dúvida, sobre ela não pesarão os efeitos da coisa julgada judicial. Isso significa dizer que a discussão pode ser reaberta no campo jurisdicional, por meio de um processo judicial. É cabível RE ou Resp contra a decisão proferida na apelação do procedimento de dúvida? NÃO, uma vez que o procedimento de dúvida reveste-se de caráter administrativo, conforme previsto no art. 204 da LRP:

Art. 204. A decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente.

O procedimento de dúvida consiste em atividade atípica desempenhada pelo Poder Judiciário, exercida em caráter correcional a fim de fazer o controle de legalidade dos atos praticados pelo delegatário da atividade estatal. Desse modo, não se pode dizer que no procedimento de dúvida ocorra a prestação jurisdicional stricto sensu. O procedimento de dúvida ocorre porque a Constituição Federal determinou que o Poder Judiciário deve fazer a fiscalização dos serviços notariais e de registro (art. 236, § 1º, parte final). Ocorre que, no exercício dessa atividade, o julgador não desempenha sua função típica (a jurisdição), mas sim uma atividade meramente correcional. Na "dúvida", o magistrado não atua com a finalidade de solucionar litígios, tampouco de garantir a pacificação social. Seu objetivo ali é simplesmente o de verificar se estão sendo cumpridas as normas que disciplinam o sistema de registros públicos, visando a assegurar a "autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos" (LRP, art. 1º). Vale ressaltar que não importa que o interessado não concorde com a posição do Oficial de Registro ou com a sentença proferida pelo magistrado. Mesmo assim o procedimento de dúvida continuará tendo natureza administrativa. Assim, tratando-se de procedimento de inequívoca natureza administrativa, circunscrito à análise de questões formais do pedido de registro ou averbação a decisão que julga a dúvida não pode ser qualificada como "causa decidida em única ou última instância", que autoriza a interposição de recurso especial (art. 105, III, da CF/88). Quando o constituinte falou em "causa" no art. 105, III, ele quis restringir às decisões proferidas no exercício de atividade jurisdicional stricto sensu (processo judicial), não se

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

admitindo a possibilidade de recurso especial (ou extraordinário) para se discutir um julgamento de conflito administrativo, ainda que tenha sido realizado por órgão colegiado formado por membros do Poder Judiciário. Em suma:

Não cabe recurso especial contra decisão proferida em procedimento de dúvida registral, sendo irrelevantes a existência de litigiosidade ou o fato de o julgamento emanar de órgão do Poder Judiciário, em função atípica. O procedimento de dúvida registral tem, por força de expressa previsão legal, natureza administrativa (art. 204 da LRP), não se qualificando como prestação jurisdicional. STJ. 2ª Seção. REsp 1.570.655-GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 23/11/2016 (Info 595).

ECA

MENOR SOB GUARDA Menor sob guarda é dependente para fins previdenciários

Importante!!!

Ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei nº 9.528/97 na Lei nº 8.213/91.

O art. 33, § 3º do ECA deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da Previdência Social, em homenagem ao princípio da proteção integral e preferência da criança e do adolescente (art. 227 da CF/88).

STJ. Corte Especial. EREsp 1.141.788-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 7/12/2016 (Info 595).

Veja comentários em Direito Previdenciário.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO FISCAL Súmula 583-STJ

Súmula 583-STJ: O arquivamento provisório previsto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, dirigido aos débitos inscritos como dívida ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, não se aplica às execuções fiscais movidas pelos conselhos de fiscalização profissional ou pelas autarquias federais.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 14/12/2016.

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional é o órgão integrante da AGU que tem a competência para representar privativamente a União na execução de sua dívida ativa de caráter tributário (art. 12, I, da LC

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

73/93). Em outras palavras, se a União irá propor uma execução fiscal cobrando do devedor um débito que ele tenha com a União, isso será feito por meio da PGFN. Vale ressaltar que a PFN somente é responsável pelas execuções fiscais propostas pela União. Se a execução fiscal será manejada por autarquia ou fundação pública federal, isso será feito pela Procuradoria Geral Federal (PGF), conforme previsto no art. 10 da Lei nº 10.480/2002. Sintentizando:

Execução fiscal referente à dívida ativa da União: PGFN.

Execução fiscal referente à dívida ativa de autarquias/fundações: PGF. Custo/benefício de ajuizar uma execução fiscal e art. 20 da Lei 10.522/2002 Existe uma grande quantidade de créditos a serem executados pela Procuradoria da Fazenda Nacional e muitos deles referem-se a dívidas de pequeno valor. Como um processo de execução fiscal gera despesas, algumas vezes ajuizar a ação contra o contribuinte sai mais “caro” do que o valor que seria cobrado. Para se ter uma ideia, segundo estudo realizado pelo IPEA, em 2011, o custo médio total provável do processo de execução fiscal na Justiça Federal era algo em torno de R$ 4.368,00 (sem contar embargos e recursos). Ora, considerando esta despesa, não é eficiente, sob o ponto de vista econômico, ajuizar execução fiscal cobrando uma dívida de R$ 4 mil, por exemplo. Mesmo que o Fisco conseguisse receber, ele ainda teria um prejuízo. Pensando nisso, o legislador resolveu estabelecer um valor mínimo para se ajuizar execuções fiscais. Isso foi previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, que afirmou que os valores abaixo de R$ 10 mil não precisariam ser cobrados judicialmente, podendo ser arquivados. Veja o texto legal:

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Obs: em 2012, o Ministro da Fazenda editou um ato (Portaria nº 75/2012) ampliando esse valor mínimo para R$ 20 mil. Assim, atualmente, em regra, não se ajuíza execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20 mil. Isso, contudo, não interessa para entender a súmula em questão. Essa exigência de valor mínimo para se ajuizar uma execução fiscal (prevista no art. 20 da Lei nº 10.522/2002 e na Portaria nº 10.522/2012) é aplicável também para as execuções fiscais propostas pelas autarquias federais (ex.: IBAMA)? NÃO. O art. 20 da Lei nº 10.522/2002 refere-se unicamente aos débitos inscritos na Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados. Desse modo, somente abrange as execuções fiscais propostas pela PGFN, ou seja, envolvendo a dívida ativa da União. A jurisprudência entende que não é possível aplicar este dispositivo, por analogia, para as execuções fiscais propostas por autarquias e fundações públicas federais. Isso porque os seus créditos são cobrados pela Procuradoria-Geral Federal (art. 10 da Lei nº 10.480/2002). As atribuições da Procuradoria-Geral Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional são distintas, razão pela qual não se pode equipará-las para os fins do art. 20 da Lei nº 10.522/2002. Em suma: o art. 20 da Lei nº 10.522/2002 não se aplica às execuções de créditos das autarquias federais, cobrados pela Procuradoria-Geral Federal. Nesse sentido: STJ. 1ª Seção. REsp 1.343.591-MA, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 11/12/2013 (recurso repetitivo) (Info 533).

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

Essa exigência de valor mínimo para se ajuizar uma execução fiscal é aplicável para as execuções fiscais propostas por Conselhos Profissionais (ex: CREA)? Claro que não. Os Conselhos de Fiscalização Profissional possuem natureza jurídica de autarquia. Logo, seus créditos não são cobrados pela PGFN. Vale ressaltar, no entanto, que a responsabilidade pela cobrança também não é da PGF. Os créditos dos Conselhos Profissionais são cobrados por corpo jurídico próprio (advogados do próprio Conselho). Assim, o art. 20 da Lei nº 10.522/2002 também não se aplica para as execuções fiscais movidas pelos Conselhos de Fiscalização Profissional.

DIREITO PENAL

TRÁFICO DE DROGAS Agente que pratica delitos da Lei de Drogas envolvendo criança ou adolescente

responde também por corrupção de menores?

Importante!!!

Caso o delito praticado pelo agente e pelo menor de 18 anos não esteja previsto nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, o réu responderá pelo crime da Lei de Drogas e também pelo delito do art. 244-B do ECA (corrupção de menores).

Caso o delito praticado pelo agente e pelo menor de 18 anos seja o art. 33, 34, 35, 36 ou 37 da Lei nº 11.343/2006: ele responderá apenas pelo crime da Lei de Drogas com a causa de aumento de pena do art. 40, VI. Não será punido pelo art. 244-B do ECA para evitar bis in idem.

Na hipótese de o delito praticado pelo agente e pelo menor de 18 anos não estar previsto nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, o réu poderá ser condenado pelo crime de corrupção de menores, porém, se a conduta estiver tipificada em um desses artigos (33 a 37), não será possível a condenação por aquele delito, mas apenas a majoração da sua pena com base no art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.622.781-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/11/2016 (Info 595).

DELITO ENVOLVENDO MENOR DE 18 ANOS E CONCURSO COM CORRUPÇÃO DE MENORES Imagine a seguinte situação hipotética: João (com 20 anos de idade) e Maikon (com 16 anos), mediante grave ameaça, subtraem a carteira de uma vítima. Vale ressaltar que, antes desse evento, Maikon já respondia a cinco ações socioeducativas pela participação em outros atos infracionais equiparados a roubo. O Promotor de Justiça oferece denúncia contra João pela prática de dois crimes em concurso: • Roubo circunstanciado (art. 157, § 2º, II, do CP); e • Corrupção de menores (art. 244-B do ECA). Veja os dispositivos legais:

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. (...) § 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade: II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31

Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Agiu corretamente o Ministério Público? O agente que utiliza uma criança ou adolescente para a prática de crime poderá responder pelo delito praticado em concurso com o de corrupção de menores? SIM. A defesa de João pediu a sua absolvição quanto ao delito do art. 244-B do ECA, argumentando que o tipo penal fala em “corromper” menor de 18 anos. No entanto, no caso concreto, o adolescente já estaria “corrompido”, considerando que tinha participado de outros atos infracionais equiparados a crime (era infrator contumaz). Logo, disse o advogado, não foi o réu (João) quem corrompeu o menor. A tese defensiva é aceita pela jurisprudência? NÃO. A configuração do crime previsto no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal (Súmula 500 do STJ). Assim, pouco importa se houve ou não a corrupção efetiva do menor. CRIMES DA LEI DE DROGAS ENVOLVENDO MENOR DE 18 ANOS E INEXISTÊNCIA DE CORRUPÇÃO DE MENORES Imagine agora a seguinte situação hipotética: Pedro, conhecido traficante do bairro, convenceu Lucas (17 anos) a entregar, de bicicleta, 100g de cocaína na casa de Maurício, que havia encomendado a droga do traficante. Pedro foi denunciado pela prática de dois crimes em concurso: • Tráfico de drogas (art. 33 c/c art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006); e • Corrupção de menores (art. 244-B do ECA). Relembre a redação da Lei de Drogas:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: (...) VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;

Agiu corretamente o Ministério Público? O agente que utiliza uma criança ou adolescente para a prática do crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 poderá responder pelo tráfico praticado em concurso com a corrupção de menores? NÃO. Não cabe concurso neste caso porque senão haveria bis in idem. Quando o agente envolve uma criança ou adolescente na prática de:

tráfico de drogas (art. 33);

tráfico de maquinários para drogas (art. 34);

associação para o tráfico (art. 35);

financiamento do tráfico (art. 36); ou

informante do tráfico (art. 37).

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32

... o legislador estabeleceu que ele deverá responder pelo crime praticado com a pena aumentada de 1/6 a 2/3 pelo fato de ter se utilizado de um menor de 18 anos para o cometimento do delito. Isso foi previsto expressamente no art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006. Se o julgador, além de aplicar a causa de aumento do art. 40, VI, da Lei de Drogas, condenar o réu também pela prática do crime de corrupção de menores (art. 244-B do ECA), estará punindo duas vezes o agente pela mesma circunstância (utilizar menor de 18 anos na prática de um crime). Qual deverá ser a imputação neste caso? O agente responderá apenas pelo crime previsto na Lei de Drogas com a causa de aumento do art. 40, VI. Em nosso exemplo, Pedro responderia apenas pelo art. 33 c/c art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006. Por que o art. 244-B do ECA deverá ser afastado? Como vimos acima, o juiz não pode aplicar o art. 40, VI, da LD e também o art. 244-B do ECA porque estaria punindo duas vezes o réu pela mesma circunstância. Logo, só uma delas deverá prevalecer. No caso, deverá incidir o art. 40, VI, por ser esta previsão específica para os crimes envolvendo drogas. Assim, prevalece o art. 40, VI, em atenção ao princípio da especialidade. Resumindo:

Réu praticou arts. 33, 34, 35, 36 ou 37 da LD com a participação de 18 anos: ele não responderá também pelo art. 244-B do ECA. Isso porque o fato de haver criança ou adolescente é punido pelo art. 40, VI, da LD.

Réu praticou outro crime que não seja dos arts. 33 a 37 da LD com a participação de menor de 18 anos: ele responderá pelo crime praticado e mais por corrupção de menores (art. 244-B do ECA).

Na hipótese de o delito praticado pelo agente e pelo menor de 18 anos não estar previsto nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, o réu poderá ser condenado pelo crime de corrupção de menores, porém, se a conduta estiver tipificada em um desses artigos (33 a 37), não será possível a condenação por aquele delito, mas apenas a majoração da sua pena com base no art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006. STJ. 6ª Turma. REsp 1.622.781-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/11/2016 (Info 595).

TRÁFICO DE DROGAS Tráfico privilegiado não é hediondo (cancelamento da Súmula 595-STJ)

O chamado "tráfico privilegiado", previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), não deve ser considerado crime equiparado a hediondo.

STF. Plenário. HC 118533/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/6/2016 (Info 831).

O tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo e, por conseguinte, deve ser cancelado o Enunciado 512 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

STJ. 3ª Seção. Pet 11.796-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/11/2016 (recurso repetitivo) (Info 595).

O que dizia a Súmula 512-STJ: "A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas."

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33

NOÇÕES GERAIS

Tráfico de drogas O delito de tráfico de drogas está previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Tráfico privilegiado A Lei de Drogas prevê, em seu art. 33, § 4º, a figura do “traficante privilegiado”, também chamada de “traficância menor” ou “traficância eventual”:

Art. 33 (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Qual é a natureza jurídica deste § 4º? Trata-se de uma causa de diminuição de pena. O CRIME DE TRÁFICO PRIVILEGIADO DE DROGAS NÃO TEM NATUREZA HEDIONDA

Surgiu uma tese defensiva sustentando que o art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006 não seria tão grave e, por isso, não poderia ser equiparado a hediondo. A jurisprudência atual acolhe esta posição? SIM.

O chamado "tráfico privilegiado", previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), não deve ser considerado crime equiparado a hediondo. STF. Plenário. HC 118533/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/6/2016 (Info 831).

Apenas as modalidades de tráfico de entorpecentes definidas no art. 33, caput e § 1º, da Lei nº 11.343/2006 são equiparadas aos crimes hediondos. Principais argumentos: Para que um crime seja considerado hediondo ou equiparado, é indispensável que a lei assim o

preveja. Ao se analisar a Lei nº 11.343/2006, percebe-se que apenas as modalidades de tráfico de entorpecentes definidas no art. 33, caput e § 1º são equiparadas a crimes hediondos.

O art. 33, § 4º não foi incluído pelo legislador como sendo equiparado a hediondo. O legislador entendeu que deveria conferir ao tráfico privilegiado um tratamento distinto das demais modalidades de tráfico previstas no art. 33, caput e § 1º.

A redação dada ao art. 33, § 4º demonstram que existe um menor juízo de reprovação nesta conduta e, em consequência, de punição dessas pessoas. Este tipo apresenta contornos mais benignos, menos gravosos. Não se pode, portanto, afirmar que este crime tem natureza hedionda.

Os Decretos 6.706/2008 e 7.049/2009 beneficiaram com indulto os condenados pelo tráfico de entorpecentes privilegiado, a demonstrar inclinação no sentido de que esse delito não é hediondo.

A Constituição Federal (art. 5º, XLIII) equiparou o delito de tráfico ilícito de drogas aos crimes hediondos, prevendo a insuscetibilidade de graça ou anistia e a inafiançabilidade, além de outras medidas previstas na Lei nº 8.072/1990. No entanto, nem toda transação ilícita com drogas deve necessariamente submeter-se ao regime dos crimes hediondos, como a conduta de quem oferece droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34

consumirem (art. 33, § 3º, da Lei nº 11.343/2006), bem como a de quem, de forma episódica, pratica o denominado tráfico privilegiado de drogas (art. 33, § 4º). Cumpre consignar, nessa linha de raciocínio, que o artigo 44 da Lei de Drogas, ao estabelecer que os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 da Lei "são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", conferiu ao tráfico privilegiado (art. 33, § 4º) tratamento especial ao que o legislador atribuiu ao caput e ao § 1º do artigo 33, a reforçar a tese de que não se trata de delito hediondo.

Vale ressaltar, ainda, que o crime de associação para o tráfico, que exige liame subjetivo estável e habitual direcionado à consecução da traficância, não é equiparado a hediondo. Dessa forma, afirmar que o tráfico minorado é crime equiparado a hediondo significaria concluir que a lei conferiu ao traficante ocasional tratamento penal mais severo que o dispensado ao agente que se associa de forma estável para exercer a traficância de modo habitual.

Houve uma mudança de entendimento? SIM. Houve um overruling, ou seja, a superação de um entendimento jurisprudencial anterior da Corte. Antes deste julgamento, o STF decidia que o § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 era também equiparado a hediondo. O argumento do STF era o de que a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º não constituía tipo penal distinto do caput do mesmo artigo, sendo o mesmo crime, no entanto, com uma causa de diminuição. Em outras palavras, o § 4º não era um delito diferente do caput. Logo, também deveria ser equiparado a hediondo. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. RHC 114842, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/02/2014. E o STJ? O STJ seguia o mesmo entendimento anterior do STF, ou seja, também decidia que o § 4º do art. 33 seria equiparado a hediondo. A posição era tão consolidada que havia um enunciado nesse sentido:

Súmula 512-STJ: A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 11/06/2014.

O que aconteceu com a Súmula 512 do STJ? O STJ, acompanhando a decisão do STF, decidiu cancelar formalmente a Súmula 512.

O tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo e, por conseguinte, deve ser cancelado o Enunciado 512 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. STJ. 3ª Seção. Pet 11.796-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/11/2016 (recurso repetitivo) (Info 595).

Os julgamentos proferidos pelo STF em habeas corpus, ainda que decididos pelo Plenário da Corte, não têm efeito vinculante nem eficácia erga omnes. No entanto, o STJ decidiu seguir a posição em homenagem aos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, nos termos do art. 927, § 4º, do CPC, bem como a fim de evitar a prolação de decisões contraditórias. Na prática, o que muda para o réu condenado por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da LD)? Podemos apontar três mudanças principais:

Segundo a posição anterior Conforme o entendimento ATUAL

Não tinha direito à concessão de anistia, graça e indulto.

Passa a ter, em tese, direito à concessão de anistia, graça e indulto, desde que cumpridos os demais requisitos.

Para a concessão do livramento condicional, o Para a concessão do livramento condicional, o

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35

condenado não podia ser reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados e teria que cumprir mais de 2/3 da pena.

apenado deverá cumprir 1/3 ou 1/2 da pena, a depender do fato de ser ou não reincidente em crime doloso.

Para que ocorresse a progressão de regime, o condenado deveria cumprir: 2/5 da pena, se fosse primário; e 3/5 (três quintos), se fosse reincidente.

Para que ocorra a progressão de regime, o condenado deverá cumprir 1/6 da pena.

Vale ressaltar, por fim, que a tese defensiva acolhida pelo STF e acima explicada foi levada à Corte pela DPU.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Fraudes praticadas na administração de operadora de plano de saúde que não seja seguradora

Importante!!!

Compete à justiça estadual o processamento e julgamento de ação penal que apura supostas fraudes praticadas por administrador na gestão de operadora de plano de saúde não caracterizada como seguradora.

A Lei nº 9.656/98 autoriza que os planos de saúde possam ser constituídos por diferentes formas jurídicas. Existem planos de saúde que são cooperativas, outros que são sociedades empresárias, entidades de autogestão etc. A Lei nº 10.185/2001 permite que sociedades seguradoras possam atuar como "plano de saúde". Dessa forma, existem alguns planos de saúde que são "entidades seguradoras". Outros planos, no entanto, são cooperativas, entidades de autogestão etc. Se a operadora de plano de saúde for uma "seguradora", aí sim ela será considerada como instituição financeira. Caso contrário, ela não se enquadrará no art. 1º, caput ou parágrafo único, da Lei nº 7.492/86.

STJ. 3ª Seção. CC 148.110-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/11/2016 (Info 595).

Imagine a seguinte situação adaptada: João é sócio-administrador da sociedade limitada "Saúde Mil", uma operadora que oferece serviços de plano de saúde. Na administração da operadora, João praticou diversas irregularidades contábeis e fiscais, dentre elas: ausência de contabilidade organizada e regular, falta de planejamento financeiro, descumprimento de diversas normas editadas pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), como não constituição de garantias ou a sua constituição com disponibilidades insuficientes, inúmeros empréstimos tomados pelos administradores da operadora, excesso de saques por parte dos seus sócios gestores, pagamento de despesas pessoais dos sócios administradores com recursos da sociedade. Alguns desses atos foram praticados durante o período em que a empresa estava sob liquidação extrajudicial conduzida pela ANS. Diante disso, o Ministério Público Federal denunciou João pela prática do crime de gestão fraudulenta, previsto no caput do art. 4º da Lei nº 7.492/86:

Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36

Segundo alegou o MPF, a "Saúde Mil", enquanto operadora de plano de saúde, poderia ser enquadrada como instituição financeira por equiparação, nos termos do art. 1º, parágrafo único, I, da Lei nº 7.492/86. Isso porque ela seria equiparada a uma empresa de seguro. De acordo com a denúncia, as operadoras de planos de saúde captam recursos do público e os administram com vistas ao eventual fornecimento do serviço, que pode acontecer ou não, dependendo do surgimento da efetiva necessidade, consistente na ocorrência de moléstia coberta pelo plano respectivo. Nesse sentido, não há, por parte do plano de saúde uma simples prestação de serviços médicos. O que existe é um verdadeiro seguro. Em suma, para o MPF, as operadoras de plano de saúde consistem, em última análise, em sociedades seguradoras, sendo, portanto, equiparadas à instituição financeira, de acordo com o art. 1º, parágrafo único, I, da Lei nº 7.492/86. No caso concreto, a tese do MPF foi acolhida pelo STJ? NÃO. Conceito de instituição financeira A Lei nº 7.492/86 traz os chamados "crimes contra o sistema financeiro nacional". Antes de tratar sobre os crimes, a lei define, no art. 1º, caput, o que é instituição financeira e no parágrafo único apresenta entidades que devem ser a ela equiparadas:

Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários. Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira: I — a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros; II — a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.

INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM SENTIDO PRÓPRIO (ART. 1º, CAPUT) Instituição financeira é a pessoa jurídica que realize

I — a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros.

II — a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

Comentários: Essa é a atividade típica dos bancos comerciais. Atenção: os recursos financeiros devem ser de terceiros. Para fins penais, se uma determinada pessoa jurídica realiza aplicação de recursos financeiros próprios, ela não realiza ato típico de instituição financeira.

Comentários: Valores mobiliários são títulos emitidos por sociedades empresariais e negociadas no mercado de capitais (bolsa de valores ou mercado de balcão). Para a sociedade que emite (vende), é uma forma de obter novos recursos. Para a pessoa que adquire, trata-se de um investimento. O exemplo mais conhecido de valor mobiliário são as ações. Podemos citar também as debêntures e os bônus de subscrição.

Exemplos: bancos, cooperativas de crédito, sociedades de crédito.

Exemplos: bolsas de valores, sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários.

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37

INSTITUIÇÃO FINANCEIRA POR EQUIPARAÇÃO (ART. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO) Equipara-se à instituição financeira

I — a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros; e

II — a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades próprias de instituição financeira, ainda que de forma eventual.

Comentários: Importante gravar as atividades equiparadas, quais sejam, seguro, câmbio, consórcio e capitalização.

Comentários: Repare que, para fins de crimes contra o SFN, a pessoa natural pode ser equiparada a uma instituição financeira.

Exemplos: agência de turismo que faz operações de câmbio, fundos de pensão, empresas de consórcio.

Exemplo: pessoa física que exercia atividade de consórcio sem autorização do BACEN.

Resumo:

Instituição financeira em SENTIDO PRÓPRIO

é a pessoa jurídica (de direito privado ou público) que realiza, como

atividade principal ou acessória

I — a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros;

II — a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

Instituição financeira POR EQUIPARAÇÃO é

I — a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros; e

II — a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades próprias de instituição financeira, ainda que de forma eventual.

José Paulo Baltazar Jr. (Crimes Federais. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, pp. 313-323) fornece uma classificação um pouco diferente da acima mencionada. Para ele, as instituições financeiras dividem-se em: a) Instituições financeiras em sentido próprio ou estrito (art. 1º, caput, primeira parte); b) Instituições financeiras atuantes no mercado de capitais (art. 1º, caput, segunda parte); c) Instituições financeiras por equiparação (art. 1º, parágrafo único) As operadoras de plano de saúde são instituições financeiras em sentido próprio (art. 1º)? NÃO. Não há dúvidas de que as operadoras de plano de saúde não se enquadram no conceito trazido pelo caput do art. 1º. Isso porque as operadoras de planos de saúde não captam, intermediam ou aplicam recursos financeiros de terceiros (art. 1º, primeira parte). Além disso, elas não fazem a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários (art. 1º, segunda parte). As operadoras de plano de saúde podem ser consideradas "seguradoras" e, assim, ser enquadradas como instituições financeiras por equiparação (art. 1º, parágrafo único)? Depende. A Lei nº 9.656/98 autoriza que os planos de saúde possam ser constituídos por diferentes formas jurídicas. Existem planos de saúde que são cooperativas, outros que são sociedades empresárias, entidades de autogestão etc. A Lei nº 10.185/2001 permite que sociedades seguradoras possam atuar como "plano de saúde". Dessa forma, existem alguns planos de saúde que são "entidades seguradoras". Outros planos, no entanto, são cooperativas, entidades de autogestão etc. Se a operadora de plano de saúde for uma "seguradora", aí sim ela será considerada como instituição financeira. Caso contrário, ela não se enquadrará no art. 1º, caput ou parágrafo único, da Lei nº 7.492/86. Vale ressaltar que “somente poderão operar como sociedades seguradoras especializadas em saúde as

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 38

pessoas jurídicas constituídas sob a forma de sociedade anônima que observarem a legislação específica em vigor” (Resolução RDC nº 65, de 16 de abril de 2001 - ANS). Assim, para que a seguradora seja plano de saúde, ela precisa estar constituída sob a forma de sociedade anônima. A diferença fundamental entre as seguradoras e as demais operadoras de plano de assistência à saúde consiste na possibilidade que lhes é franqueada de negociarem um serviço chamado de "seguro-saúde". As operadoras de plano de assistência à saúde oferecem a contratação de "plano de saúde", cuja natureza jurídica é de um contrato de prestação de serviço. Já as sociedades seguradoras especializadas em seguros de assistência à saúde, disponibilizam seguro saúde, cujo reembolso das despesas médico-hospitalares é feito por meio de apólices – que representa uma cobertura contratada em face do pagamento do que se denomina prêmio, que é a mensalidade. O seguro-saúde é um tipo de contrato celebrado com a seguradora por meio do qual são previstas diversas doenças e lesões na apólice e, se ocorrer alguma delas, a seguradora será obrigada a reembolsar o segurado despesas de natureza médico-hospitalar que resultem da ocorrência dos eventos (sinistros) cobertos.

Voltando à situação concreta: A "Saúde Mil" foi constituída sob a forma de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, tendo por objeto social a prestação de serviços assistenciais na área de saúde. A "Saúde Mil" nunca foi uma sociedade seguradora e isso fica claro por dois motivos: ela não está constituída sob a forma de sociedade anônima e ela não comercializa seguros-saúde. Logo, não é possível que João responda por gestão fraudulenta (art. 4º da Lei nº 7.492/86), considerando que a empresa por ele administrada não é instituição financeira. No direito penal, é vedada a analogia in malan partem, por afronta ao princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX, CF/88, e art. 1º do Código Penal), de modo que não é legítimo que se pretenda promover a equiparação das demais operadoras de planos privados de assistência à saúde às seguradoras para justificar uma imputação penal.

E os fatos praticados por João? A prática de fraudes à frente da "Saúde Mil" pode, em tese, caracterizar crimes contra o patrimônio – como estelionato e apropriação indébita – ou crimes falimentares, mas jamais um crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Neste caso, a competência para apurar estas condutas é da Justiça Estadual.

CITAÇÃO POR EDITAL Produção antecipada de provas e oitiva de testemunhas policiais

A oitiva das testemunhas que são policiais é considerada como prova urgente para os fins do art. 366 do CPP?

O STJ entende que sim. É justificável a antecipação da colheita da prova testemunhal com arrimo no art. 366 do CPP nas hipóteses em que as testemunhas são policiais. O atuar constante no combate à criminalidade expõe o agente da segurança pública a inúmeras situações conflituosas com o ordenamento jurídico, sendo certo que as peculiaridades de cada uma acabam se perdendo em sua memória, seja pela frequência com que ocorrem, ou pela própria similitude dos fatos, sem que isso configure violação à garantia da ampla defesa do acusado.

Obs: o STF possui julgado em sentido contrário, ou seja, afirmando que não serve como justificativa a alegação de que as testemunhas são policiais responsáveis pela prisão, cuja própria atividade contribui, por si só, para o esquecimento das circunstâncias que cercam a apuração da suposta autoria de cada infração penal (STF. 2ª Turma. HC 130038/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/11/2015. Info 806).

STJ. 3ª Seção. RHC 64.086-DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 23/11/2016 (Info 595).

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 39

NOÇÕES GERAIS SOBRE CITAÇÃO O que é a citação no processo penal? Citação é o ato por meio do qual o Poder Judiciário... • comunica ao indivíduo que foi recebida uma denúncia ou queixa-crime ajuizada contra ele; e • convoca o acusado para ingressar no processo e se defender. O que acontece se não houver a citação válida do réu? O processo será nulo desde o seu início, nos termos do art. 564, III, “e”, do CPP, havendo, neste caso, violação ao art. 5º, LV, da CF/88 e ao artigo 8º, 2, “b”, da Convenção Americana de Direitos Humanos. Vale ressaltar, no entanto, que a falta ou a nulidade da citação estará sanada, “desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de argui-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte” (art. 570 do CPP). Relação angular Antes da citação, temos apenas a figura do acusador e do juiz. Depois deste ato, forma-se uma relação angular na qual existirão três personagens: o acusador, o juiz e o acusado. Assim, após ser realizada a citação do acusado, o processo completa a sua formação (art. 363 do CPP). Espécies de citação Existem duas espécies de citação: 1) Citação real (pessoal) 2) Citação ficta (presumida) Citação REAL (pessoal) É aquela na qual o acusado é citado pessoalmente, ou seja, ele mesmo recebe a comunicação. A citação pessoal pode ser dividida em subespécies: a) Citação por mandado (art. 351); b) Citação por carta precatória (art. 353); c) Citação do militar (art. 358); d) Citação do funcionário público (art. 359); e) Citação do acusado que estiver preso (art. 360); f) Citação do acusado no estrangeiro (art. 368); g) Citação em legações estrangeiras (art. 369). Citação FICTA (presumida) Ocorre quando o acusado não é encontrado para ser comunicado pessoalmente da instauração do processo. Apesar disso, se forem cumpridos determinados requisitos legais, a lei presume que ele soube da existência do processo e, por isso, autoriza que a marcha processual siga em frente. Existem duas subespécies de citação ficta: a) Citação por edital (art. 361); b) Citação por hora certa (art. 362). Formas de citação que não são admitidas no processo penal • Citação por via postal (correios); • Citação eletrônica; • Citação por e-mail; • Citação por telefone.

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 40

CITAÇÃO POR EDITAL Em que hipótese o CPP autoriza que o denunciado seja citado por edital? Segundo o texto do CPP, será realizada a citação por edital quando o acusado não for encontrado (§ 1º do art. 363). Se o acusado é citado por edital, mesmo assim o processo continua normalmente? O art. 366 do CPP estabelece que: se o acusado for citado por edital e não comparecer ao processo nem constituir advogado o processo e o curso da prescrição ficarão suspensos. Se o réu comparecer ao processo ou constituir advogado, o processo e o prazo prescricional voltam a correr normalmente. O objetivo do art. 366 é garantir que o acusado que não foi pessoalmente citado não seja julgado à revelia. Produção antecipada de provas urgentes e prisão preventiva O art. 366 do CPP afirma que se o acusado, citado por edital, não comparecer nem constituir advogado, o juiz poderá determinar:

a produção antecipada de provas consideradas urgentes e

decretar a prisão preventiva do acusado se estiverem presentes os requisitos do art. 312 do CPP (obs: o simples fato do acusado não ter sido encontrado não é motivo suficiente para decretar sua prisão preventiva).

Produção antecipada das provas consideradas urgentes No caso do art. 366 do CPP, o juiz poderá determinar a produção antecipada de provas consideradas urgentes. Para que o magistrado realize a colheita antecipada das provas, exige-se que seja demonstrada a real necessidade da medida. Assim, a produção antecipada de provas realizada nos termos do art. 366 do CPP está adstrita à sua necessidade concreta, devidamente fundamentada. Nesse sentido, existe, inclusive, entendimento sumulado do STJ:

Súmula 455-STJ: A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.

A oitiva de testemunhas pode ser considerada prova urgente para os fins do art. 366 do CPP? Sim, mas desde que as circunstâncias do caso revelem a possibilidade concreta de perecimento. Ex: a testemunha possui idade avançada e se encontra enferma, com possibilidade concreta de morte. O juiz não pode autorizar a produção antecipada valendo-se do simples argumento genérico de que as testemunhas podem esquecer detalhes dos fatos com o decurso do tempo, sendo necessária uma fundamentação para o caso concreto, sob pena de ofensa à garantia do devido processo legal. Existe um argumento no sentido de que se as testemunhas forem policiais, deverá ser autorizada a sua oitiva como prova antecipada, considerando que os policiais lidam diariamente com inúmeras ocorrências e, se houvesse o decurso do tempo, eles poderiam esquecer dos fatos. Esse argumento é aceito pela jurisprudência? A oitiva das testemunhas que são policiais é considerada como prova urgente para os fins do art. 366 do CPP?

SIM. É a posição do STJ. NÃO. Julgado do STF.

É justificável a antecipação da colheita da prova testemunhal com arrimo no art. 366 do CPP nas hipóteses em que as testemunhas são policiais. O atuar constante no combate à criminalidade

É incabível a produção antecipada de prova testemunhal fundamentada na simples possibilidade de esquecimento dos fatos, sendo necessária a demonstração do risco de perecimento da prova a

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 41

expõe o agente da segurança pública a inúmeras situações conflituosas com o ordenamento jurídico, sendo certo que as peculiaridades de cada uma acabam se perdendo em sua memória, seja pela frequência com que ocorrem, ou pela própria similitude dos fatos, sem que isso configure violação à garantia da ampla defesa do acusado. A antecipação do depoimento de policial é considerado como sendo uma fundamentação concreta, não havendo ofensa à Súmula 455-STJ. STJ. 3ª Seção. RHC 64.086-DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 23/11/2016 (Info 595).

ser produzida (art. 225 do CPP). Não serve como justificativa a alegação de que as testemunhas são policiais responsáveis pela prisão, cuja própria atividade contribui, por si só, para o esquecimento das circunstâncias que cercam a apuração da suposta autoria de cada infração penal. STF. 2ª Turma. HC 130038/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/11/2015 (Info 806).

A produção antecipada de provas, por si só, viola o direito à defesa? NÃO. A produção antecipada de provas, se feita segundo a legislação vigente, não ofende a Constituição Federal nem traz prejuízos à defesa. Isso porque esta produção antecipada é realizada na presença de defensor nomeado e se o réu posteriormente comparecer ao processo será permitido que ele requeira a produção das provas que julgar necessárias para sua defesa e até mesmo que requeira a repetição da prova produzida antecipadamente, desde que apresente argumento idôneo para isso.

EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA Não é possível a execução provisória da pena se ainda estão pendentes embargos de declaração

Não é possível a execução provisória da pena se foram opostos embargos de declaração contra o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal de 2ª instância e este recurso ainda não foi julgado.

A execução da pena depois da prolação de acórdão em segundo grau de jurisdição e antes do trânsito em julgado da condenação não é automática quando a decisão ainda é passível de integração pelo Tribunal de Justiça.

STJ. 6ª Turma. HC 366.907-PR, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA Imagine a seguinte situação hipotética: João foi condenado a uma pena de 8 anos de reclusão, tendo sido a ele assegurado na sentença o direito de recorrer em liberdade. O réu interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a condenação. Contra esse acórdão, João interpôs, simultaneamente, recurso especial e extraordinário.

João, que passou todo o processo em liberdade, deverá aguardar o julgamento dos recursos especial e extraordinário preso? É possível executar provisoriamente a condenação enquanto se aguarda o julgamento dos recursos especial e extraordinário? É possível que o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena mesmo sem ter havido ainda o trânsito em julgado? SIM.

A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência. STF. Plenário. HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016 (Info 814).

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 42

A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88) e não viola o texto do art. 283 do CPP. STF. Plenário. ADC 43 e 44 MC/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgados em 05/10/2016 (Info 842).

EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA E PENDÊNCIA DO JULGAMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Imagine agora uma situação ligeiramente diferente: Maria foi condenada a uma pena de 8 anos de reclusão, tendo sido a ela assegurado na sentença o direito de recorrer em liberdade. A ré interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a condenação. Contra esse acórdão, Maria opôs embargos de declaração. O Ministério Público pediu que o Tribunal de Justiça determinasse imediatamente a prisão de Maria, considerando que os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo, devendo, portanto, haver o início da execução provisória da pena. O pedido do Ministério Público deverá ser acolhido? É possível executar provisoriamente a condenação enquanto se aguarda o julgamento de embargos de declaração opostos contra o acórdão condenatório do Tribunal de 2ª instância? É possível que o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena mesmo havendo ainda embargos de declaração pendentes? NÃO.

Não é possível a execução provisória da pena se foram opostos embargos de declaração contra o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal de 2ª instância e este recurso ainda não foi julgado. STJ. 6ª Turma. HC 366.907-PR, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

Como ainda está pendente o julgamento dos embargos de declaração, o acórdão condenatório ainda é passível de integração. Desse modo, pode-se dizer que não houve esgotamento da jurisdição ordinária. Isso porque não houve, ainda, pronunciamento definitivo do Tribunal de Justiça passível de ser impugnado por meio de recurso especial ou recurso extraordinário. Realmente os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e apenas interrompem o prazo para a interposição dos recursos cabíveis. No entanto, dada a falibilidade que é característica do ser humano, excepcionalmente, a jurisprudência admite que sejam atribuídos efeitos infringentes aos embargos declaratórios. Assim, em casos de réus que responderam a ação penal ou recorreram da sentença condenatória em liberdade, soa desarrazoado determinar a prisão de forma automática, antes de possibilitar a integração do acórdão, quer para sanar eventuais vícios ou para afastá-los, sendo prudente aguardar-se a confirmação da condenação, em última análise, pelo Tribunal de Justiça. Então, nas hipóteses de acusados que responderam soltos ao processo ou recorreram em liberdade, estes devem assim permanecer até que o Tribunal de segunda instância julgue os embargos de declaração opostos contra o acórdão condenatório.

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EXECUÇÃO PENAL Condenado tem direito à progressão a partir da data em que preenche requisitos legais

Importante!!!

A data-base para subsequente progressão de regime é aquela em que o reeducando preencheu os requisitos do art. 112 da LEP e não aquela em que o Juízo das Execuções deferiu o benefício.

A decisão do Juízo das Execuções que defere a progressão de regime é declaratória (e não constitutiva). Algumas vezes, o reeducando preenche os requisitos em uma data, mas a decisão acaba demorando meses para ser proferida. Não se pode desconsiderar, em prejuízo do reeducando, o período em que permaneceu cumprindo pena enquanto o Judiciário analisava seu requerimento de progressão.

STF. 2ª Turma. HC 115254, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 15/12/2015.

STJ. 6ª Turma. STJ. 6ª Turma. HC 369.774/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 22/11/2016 (Info 595).

NOÇÕES GERAIS SOBRE A PROGRESSÃO DE REGIME Existem três regimes de cumprimento de pena: a) Fechado: a pena é cumprida na Penitenciária. b) Semiaberto: a pena é cumprida em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. c) Aberto: a pena é cumprida na Casa do Albergado. Progressão de regime No Brasil, adota-se o sistema progressivo (ou inglês), ainda que de maneira não pura. Assim, de acordo com o CP e com a LEP, as penas privativas de liberdade deverão ser executadas (cumpridas) em forma progressiva, com a transferência do apenado de regime mais gravoso para menos gravoso tão logo ele preencha os requisitos legais.

Requisitos para a progressão

Os requisitos para que a pessoa tenha direito à progressão de regime estão previstos na Lei n. 7.210/84 e também no Código Penal. Veja um resumo: Requisitos para a progressão do regime FECHADO para o SEMIABERTO:

Requisito OBJETIVO

Crimes comuns: cumprimento de 1/6 da pena aplicada. Crimes hediondos ou equiparados (se cometidos após a Lei 11.464/07):

Cumprimento de 2/5 da pena se for primário.

Cumprimento de 3/5 da pena se for reincidente.

Requisito SUBJETIVO

Bom comportamento carcerário durante a execução (mérito).

Requisito FORMAL

Oitiva prévia do MP e do defensor do apenado (§ 1ºA do art. 112 da LEP).

Requisitos para a progressão do regime SEMIABERTO para o ABERTO:

Requisito OBJETIVO

Crimes comuns: cumprimento de 1/6 da pena RESTANTE. Crimes hediondos ou equiparados (se cometidos após a Lei 11.464/07):

Cumprimento de 2/5 da pena se for primário.

Cumprimento de 3/5 da pena se for reincidente.

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Requisito SUBJETIVO

Bom comportamento carcerário durante a execução (mérito).

Requisito FORMAL

Oitiva prévia do MP e do defensor do apenado (§ 1ºA do art. 112 da LEP).

Requisitos ESPECÍFICOS

do regime aberto

Além dos requisitos acima expostos, o reeducando deve: a) Aceitar o programa do regime aberto (art. 115 da LEP) e as condições especiais

impostas pelo Juiz (art. 116 da LEP); b) Estar trabalhando ou comprovar a possibilidade de trabalhar imediatamente quando

for para o regime aberto (inciso I do art. 114); c) Apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi

submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime (inciso II do art. 114).

Requisito OBJETIVO adicional no caso de condenados por crime contra a Administração Pública: No caso de crime contra a Administração Pública, para que haja a progressão será necessária ainda:

a reparação do dano causado; ou

a devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.

Isso está previsto no § 4º do art. 33 do Código Penal:

§ 4º O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.

DATA-BASE PARA SUBSEQUENTE PROGRESSÃO DE REGIME Imagine a seguinte situação hipotética: João foi condenado a 6 anos de reclusão em regime fechado pela prática de um crime “comum” (não hediondo ou equiparado). Segundo o requisito objetivo acima explicado, ele terá que cumprir 1/6 da pena (1 ano) para ter direito de ir para o regime semiaberto. Em 02/05/2015, João completou 1 ano de pena. Ocorre que, devido à grande quantidade de processos, somente em 02/10/2015, ou seja, 5 meses depois, o juiz conseguiu proferir a decisão determinando a progressão de regime. João está, portanto, agora no regime semiaberto. Para ter direito de progredir ao regime aberto, ele terá que cumprir mais 1/6 da pena remanescente. A dúvida, no entanto, diz respeito à data-base que deverá ser considerada para este novo cumprimento do requisito objetivo:

O início do cumprimento do requisito objetivo (1/6 da pena) para a nova progressão deverá ser considerado na data em que o apenado preencheu os requisitos da progressão anterior (02/05/2015) ou na data em que o juiz proferiu a decisão deferindo a progressão (02/10/2015)? Em nosso exemplo, João ficou 5 meses a mais no regime fechado aguardando a decisão da progressão; este período já conta como tempo de pena cumprido no regime semiaberto para fins de nova progressão (agora para o aberto)? SIM.

A data-base para subsequente progressão de regime é aquela em que o reeducando preencheu os requisitos do art. 112 da LEP e não aquela em que o Juízo das Execuções deferiu o benefício. A decisão do Juízo das Execuções que defere a progressão de regime é declaratória (e não constitutiva). Algumas vezes o reeducando preenche os requisitos em uma data, mas a decisão acaba demorando meses para ser proferida. Não se pode desconsiderar, em prejuízo do reeducando, o período em que permaneceu cumprindo pena enquanto o Judiciário analisava seu requerimento de progressão. STJ. 6ª Turma. HC 369.774/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 22/11/2016. STF. 2ª Turma. HC 115254, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 15/12/2015.

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 45

Em nosso exemplo, quando o juízo for analisar o requisito objetivo para João progredir do semiaberto para o aberto, deverá computar o tempo de cumprimento de pena no semiaberto a partir de 02/05/2015 (e não de 02/10/2015). Assim, deve-se considerar os meses em que o apenado ficou aguardando deliberação (maio a outubro) como sendo de cumprimento da pena em regime semiaberto, mesmo ele estando no fechado. O período de permanência no regime mais gravoso, por mora do Judiciário em analisar requerimento de progressão ao modo intermediário de cumprimento da pena, deverá ser considerado para o cálculo de futuro benefício, sob pena de ofensa ao princípio da dignidade do apenado, como pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), e prejuízo ao seu direito de locomoção.

EXECUÇÃO PENAL Inobservância do perímetro rastreado pelo monitoramento eletrônico não configura falta grave

Importante!!!

A não observância do perímetro estabelecido para monitoramento de tornozeleira eletrônica configura mero descumprimento de condição obrigatória que autoriza a aplicação de sanção disciplinar, mas não configura, mesmo em tese, a prática de falta grave.

Não confundir:

• Apenado que rompe a tornozeleira eletrônica ou mantém a bateria sem carga suficiente: falta grave.

• Apenado que descumpre o perímetro estabelecido para tornozeleira eletrônica: não configura a prática de falta grave.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.519.802-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 10/11/2016 (Info 595).

Imagine a seguinte situação hipotética: João está cumprindo pena em regime semiaberto. O juiz autorizou que ele gozasse do benefício da saída temporária. O magistrado, contudo, determinou que, durante a saída, o condenado ficasse utilizando um equipamento de monitoração eletrônica (“tornozeleira eletrônica”). Isso é permitido pelo art. 122, parágrafo único e pelo art. 146-B, II, da Lei nº 7.210/84 (LEP). Condições A LEP (art. 124, § 1º) determina que o juiz, ao conceder a saída temporária, deverá impor ao beneficiário três condições legais (obrigatórias): I – o condenado deverá fornecer o endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; II – o condenado deverá se comprometer a ficar recolhido na residência visitada, no período noturno; III – o condenado não poderá frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres. Além dessas, o juiz pode fixar outras condições que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado. Nesse caso, chamamos de condições judiciais (ou facultativas). Voltando ao exemplo: João informou que, no período noturno, ficaria recolhido na casa da mãe, na Rua Rui Barbosa, nº 13, Centro. Ocorre que o sistema de rastreamento detectou que João não cumpriu esta condição e, no período

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noturno dos dias em que esteve fora, ficou em outro endereço, fora do perímetro estabelecido (fora da área de inclusão da tornozeleira eletrônica). Este descumprimento da condição praticada por João configura a prática de falta grave? NÃO. Falta grave O art. 50 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) prevê as situações que configuram falta grave para os réus que estejam cumprindo pena privativa de liberdade:

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; II - fugir; III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; IV - provocar acidente de trabalho; V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas; VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei. VII - tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.

Para o STJ, o descumprimento da condição imposta na saída temporária não se enquadra em nenhuma das hipóteses de falta grave acima listadas. Vale ressaltar que o rol do art. 50 é taxativo. Assim, se a conduta praticada pelo apenado não está elencada neste dispositivo, não pode ele ser punido por prática de falta disciplinar grave, sob pena de afronta ao princípio da legalidade. Consequências decorrentes da prática de falta grave:

EXECUÇÃO PENAL Consequências decorrentes da prática de FALTA GRAVE:

ATRAPALHA NÃO INTERFERE

PROGRESSÃO: interrompe o prazo para a progressão de regime.

REGRESSÃO: acarreta a regressão de regime.

SAÍDAS: revogação das saídas temporárias.

REMIÇÃO: revoga até 1/3 do tempo remido.

RDD: pode sujeitar o condenado ao RDD.

DIREITOS: suspensão ou restrição de direitos.

ISOLAMENTO: na própria cela ou em local adequado.

CONVERSÃO: se o réu está cumprindo pena restritiva de direitos, esta poderá ser convertida em privativa de liberdade.

LIVRAMENTO CONDICIONAL: não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional (Súmula 441-STJ).

INDULTO E COMUTAÇÃO DE PENA: não interfere no tempo necessário à concessão de indulto e comutação da pena, salvo se o requisito for expressamente previsto no decreto presidencial.

Mesmo sem ser falta grave, o fato de o apenado ter descumprido a condição imposta pode ensejar a ele algum tipo de punição? SIM. O STJ entende que, neste caso (descumprimento de condição obrigatória), é possível que o juiz revogue a monitoração eletrônica e aplique as seguintes sanções: a) regressão do regime; b) revogação da autorização de saída temporária;

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 47

c) revogação da prisão domiciliar; d) advertência

Apesar de eu não concordar, o fundamento para isso está nos arts. 146-C e 146-D da LEP:

Art. 146-C. O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres: I - receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações; II - abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça; Parágrafo único. A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa: I - a regressão do regime; II - a revogação da autorização de saída temporária; (...) VI - a revogação da prisão domiciliar; VII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo.

Art. 146-D. A monitoração eletrônica poderá ser revogada: I - quando se tornar desnecessária ou inadequada; II - se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave.

Resumindo:

A não observância do perímetro estabelecido para monitoramento de tornozeleira eletrônica configura mero descumprimento de condição obrigatória que autoriza a aplicação de sanção disciplinar, mas não configura, mesmo em tese, a prática de falta grave. STJ. 6ª Turma. REsp 1.519.802-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 10/11/2016 (Info 595).

Uma última pergunta muito importante: se o reeducando rompe a tornozeleira eletrônica ou mantém a bateria sem carga suficiente para o uso normal, isso configura falta grave? SIM. O STJ entende que, neste caso, configura falta grave, com base no art. 50, VI c/c art. 39, V, da LEP:

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei. (...) Art. 39. Constituem deveres do condenado: V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;

Descumprida a condição da prisão domiciliar, diante do rompimento da tornozeleira, configurado está o cometimento da falta grave, nos termos dos artigos 146-C, inciso II e parágrafo único, inciso I c/c 50, inciso VI, todos da Lei de Execução Penal, autorizando a regressão do regime e alteração da data-base para nova progressão. STJ. 5ª Turma. HC 304.614/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 26/04/2016.

Ao deixar de carregar a bateria da tornozeleira eletrônica e circular pela cidade livremente, longe da esfera de vigilância das autoridades competentes, o condenado desobedeceu à ordem de manter o aparelho em funcionamento, incidindo na hipótese do art. 50, inciso VI, c/c o art. 39, inciso V, da Lei de Execução Penal. STJ. 6ª Turma. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 02/06/2016.

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 48

Não confundir:

Apenado que rompe a tornozeleira eletrônica ou mantém a bateria sem carga suficiente: falta grave.

Apenado que descumpre o perímetro estabelecido para tornozeleira eletrônica: não configura a prática de falta grave.

DIREITO TRIBUTÁRIO

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA Súmula 585-STJ

Súmula 585-STJ: A responsabilidade solidária do ex-proprietário, prevista no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, não abrange o IPVA incidente sobre o veículo automotor, no que se refere ao período posterior à sua alienação.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 14/12/2016.

Dever do comprador do veículo providenciar novo CRV O art. 123, I e § 1º do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) determinam que, depois que a pessoa comprar um carro, ela deverá providenciar junto ao DETRAN, no prazo de 30 dias, a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo (CRV). Dever do vendedor de comunicar ao DETRAN alienação do carro Por outro lado, o art. 134 do CTB determina que a pessoa que vendeu o veículo deverá encaminhar ao DETRAN, também no prazo de 30 dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado. Esse “comprovante de transferência da propriedade” é chamado popularmente de DUT (documento único de transferência) e consiste em uma espécie de “recibo de compra e venda” que consta na parte detrás do CRV. Lá existem alguns campos que são uma autorização para a transferência de propriedade do veículo e que deverão ser preenchidos e assinados pelo vendedor e comprador na frente do tabelião de notas a fim de que possa ser dado o reconhecimento de firma por autenticidade nas assinaturas. Veja um exemplo na imagem abaixo:

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 49

Assim, depois de alienar o veículo, o vendedor deverá entregar ao comprador o CRV assinado, mas, antes disso, é recomendável que tire uma cópia autenticada do documento preenchido, datado e assinado para que possa comunicar a venda ao DETRAN. Veja, então, que temos duas obrigações distintas:

Comprador: tomar as providências junto ao DETRAN para a expedição de novo CRV (art. 123);

Vendedor: encaminhar ao DETRAN cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado (art. 134).

O que acontece se o comprador não cumprir a obrigação acima explicada? Ele praticará infração grave, podendo receber multa, além de o veículo ser retido para regularização (art. 233 do CTB). O que acontece se o vendedor não fizer a comunicação ao DETRAN? Neste caso, o vendedor (antigo proprietário) poderá ser responsabilizado solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação. Em outras palavras, se houver alguma multa, o DETRAN considerará o nome do “antigo” proprietário que ainda consta em seus arquivos como sendo o dono do veículo multado. Veja a redação do art. 134 do CTB:

Art. 134. No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação. Parágrafo único. O comprovante de transferência de propriedade de que trata o caput poderá ser substituído por documento eletrônico, na forma regulamentada pelo Contran.

IPVA IPVA é a sigla de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores. Como se sabe, trata-se de imposto estadual, previsto no art. 155, III, da CF/88. Pois bem. O Fisco estadual passou a defender a tese de que, se o antigo proprietário não comunicar ao DETRAN a alienação do veículo no prazo de 30 dias, ele passaria a ter responsabilidade solidária pelos débitos de IPVA relativos a esse automóvel. Ex: em setembro de 2015, João vendeu seu carro a Pedro; ocorre que João nunca enviou ao DETRAN o comprovante de transferência da propriedade. Pedro não pagou o IPVA relativo ao ano de 2016. O Fisco sustenta o argumento de que, como não houve a comunicação de que trata o art. 134 do CTN, a responsabilidade pelo pagamento do IPVA caberá solidariamente tanto ao atual como ao antigo proprietário. A tese defendida pelo Fisco estadual foi aceita pelo STJ? A responsabilidade solidária de que trata o art. 134 do CTB engloba o IPVA relativo ao período posterior à alienação do veículo? NÃO. A responsabilidade solidária do ex-proprietário, prevista no art. 134 do CTB, não abrange o IPVA incidente sobre o veículo no que se refere ao período posterior à sua alienação. Art. 134 refere-se a infrações de trânsito O art. 134 é expresso ao se referir a “penalidades”. Assim, a responsabilidade solidária prevista neste dispositivo abrange apenas as penalidades administrativas, ou seja, as infrações de trânsito, não sendo possível fazer uma interpretação ampliativa para criar uma responsabilidade tributária para o antigo proprietário, não prevista no CTN, em relação a imposto ou taxa incidente sobre veículo automotor, no que se refere ao período posterior à alienação. O art. 134 do CTB é norma relativa a trânsito e não pode ter seu âmbito de aplicação extrapolado para criar hipótese de responsabilidade tributária.

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Propriedade não se transfere com a providência do art. 134 Vale ressaltar que a propriedade do veículo automotor não se transfere com a comunicação de que trata o art. 134 do CTB. Assim, a exigência de encaminhamento do comprovante de transferência não se caracteriza como condição nem como ato constitutivo da transferência da propriedade. Logo, mesmo sem a comunicação do art. 134, o domínio do carro já é do novo proprietário e, portanto, ele é o contribuinte do IPVA.

COFINS Súmula 584-STJ

Súmula 584-STJ: As sociedades corretoras de seguros, que não se confundem com as sociedades de valores mobiliários ou com os agentes autônomos de seguro privado, estão fora do rol de entidades constantes do art. 22, § 1º, da Lei n. 8.212/1991, não se sujeitando à majoração da alíquota da Cofins prevista no art. 18 da Lei n. 10.684/2003.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 14/12/2016.

Lei nº 10.684/2003 A Lei nº 10.684/2003 aumentou a alíquota da COFINS de 3% para 4% para determinados contribuintes:

Art. 18. Fica elevada para quatro por cento a alíquota da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social — COFINS devida pelas pessoas jurídicas referidas nos §§ 6º e 8º do art. 3º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998.

Lei nº 9.718/98 O § 6º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, por sua vez, remete ao § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212/91. O § 8º fala em pessoas jurídicas que tenham por objeto a securitização de créditos imobiliários, financeiros e agrícolas. Veja:

§ 6º Na determinação da base de cálculo das contribuições para o PIS/PASEP e COFINS, as pessoas jurídicas referidas no § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, além das exclusões e deduções mencionadas no § 5º, poderão excluir ou deduzir: (...)

§ 8º Na determinação da base de cálculo da contribuição para o PIS/PASEP e COFINS, poderão ser deduzidas as despesas de captação de recursos incorridas pelas pessoas jurídicas que tenham por objeto a securitização de créditos: I - imobiliários, nos termos da Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997; II - financeiros, observada regulamentação editada pelo Conselho Monetário Nacional; III - agrícolas, conforme ato do Conselho Monetário Nacional.

Conjugando os dispositivos acima listados, pode-se concluir que o art. 18 da Lei nº 10.684/2003 aumentou a alíquota da COFINS para as entidades constantes do art. 22, § 1º, da Lei nº 8.212/91. São elas:

bancos comerciais;

bancos de investimentos;

bancos de desenvolvimento;

caixas econômicas;

sociedades de crédito, financiamento e investimento;

sociedades de crédito imobiliário;

sociedades corretoras;

distribuidoras de títulos e valores mobiliários;

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 51

empresas de arrendamento mercantil;

cooperativas de crédito;

empresas de seguros privados e de capitalização;

agentes autônomos de seguros privados e de crédito; e

entidades de previdência privada abertas e fechadas.

Tese da Fazenda Nacional A Fazenda Nacional defendeu a tese de que a alíquota majorada de 4% de COFINS deveria ser aplicada também para as sociedades corretoras de seguros. O Fisco alegava dois argumentos: 1) sociedade corretora de seguro é uma espécie do gênero “sociedades corretoras” e esta última expressão consta expressamente na lista do art. 22, § 1º, da Lei nº 8.212/91; 2) caso assim não se entenda, as sociedades corretoras deverão pagar a alíquota de 4% porque são equiparadas a “agentes autônomos de seguros privados”, que estão presentes na lista.

Os argumentos da Fazenda Nacional foram acolhidos pelo STJ? As sociedades corretoras de seguros estão incluídas no rol do art. 22, § 1º, da Lei nº 8.212/91? As sociedades corretoras de seguros sofreram aumento da alíquota da COFINS promovida pelo art. 18 da Lei nº 10.684/2003? NÃO. As "sociedades corretoras de seguros" estão fora do rol de entidades constantes do art. 22, § 1º, da Lei nº 8.212/91. Assim, o aumento de 3% para 4% da alíquota da COFINS promovido pelo art. 18 da Lei nº 10.684/2003 não alcança as sociedades corretoras de seguros. A lista do art. 22, § 1º da Lei nº 8.212/91 inclui “sociedades corretoras” e “agentes autônomos de seguros privados”. No entanto, estas duas expressões não abrangem as sociedades corretoras de seguros.

“Sociedades corretoras” X sociedades corretoras de seguros Quando o art. 22, § 1º fala em “sociedades corretoras” a expressão ali empregada está restrita às “sociedades corretoras de valores mobiliários” regidas pela Resolução BACEN n. 1.655/89. Essa conclusão se extrai pelo fato de o legislador ter listado uma série de empresas pertencentes ao sistema financeiro e, dentre elas, incluiu as sociedades corretoras.

“Agentes autônomos de seguros privados” X sociedades corretoras de seguros Também não se pode dizer que “sociedades corretoras de seguros” são equiparadas a “agentes autônomos de seguros privados”. As atividades desempenhadas possuem natureza diferente:

Sociedades corretoras de seguros Agentes autônomos de seguros privados

Têm por função fazer a intermediação a fim de permitir que terceiros celebrem contratos de seguro com a seguradora, atuando no interesse dos segurados. Sua comissão é paga pelo segurado, em percentual calculado sobre o prêmio, e não pela seguradora.

São pessoas físicas ou jurídicas representantes da seguradora e autorizadas a intermediar operações de seguro diretamente com os interessados. O agente de seguros tem interesse direto na colocação de determinadas apólices de seguros, as quais são emitidas pela seguradora que ele representa e de cuja venda sai sua remuneração.

Não possuem relação empregatícia, societária ou de subordinação com as seguradoras.

São representantes da seguradora.

Seu contrato com o cliente é o de corretagem regido pelo art. 722, do CC.

Sua relação com a seguradora rege-se pelo contrato de agência, previsto no art. 710, do CC.

Assim, por ausência de enquadramento legal, as "sociedades corretoras de seguros" estão fora do rol de entidades constantes do art. 22, § 1º, da Lei nº 8.212/91. Nesse sentido: STJ. 1ª Seção. REsp 1.391.092-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/4/2015 (recurso repetitivo) (Info 576).

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 52

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PENSÃO POR MORTE Menor sob guarda é dependente para fins previdenciários

Importante!!!

Ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei nº 9.528/97 na Lei nº 8.213/91.

O art. 33, § 3º do ECA deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da Previdência Social, em homenagem ao princípio da proteção integral e preferência da criança e do adolescente (art. 227 da CF/88).

STJ. Corte Especial. EREsp 1.141.788-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 7/12/2016 (Info 595).

BENEFICIÁRIOS

Em um regime de previdência, seja o regime geral (administrado pelo INSS), seja o regime próprio (destinado aos servidores públicos), quando falamos em “beneficiários da previdência”, essa expressão abrange duas espécies: segurados e dependentes.

Segurados Dependentes

São pessoas que, em razão de exercerem um trabalho, emprego ou cargo, ficam vinculadas diretamente ao Regime de Previdência.

São as pessoas que recebem uma proteção previdenciária pelo fato de terem uma relação com o segurado.

Estão vinculados diretamente ao Regime de Previdência.

Estão vinculados de forma reflexa, em razão da relação que possuem com o segurado.

Ex: o servidor público federal, em virtude do cargo por ele desempenhado, vincula-se ao regime próprio de previdência dos servidores federais.

Ex: a esposa do servidor público federal é beneficiária do regime previdenciário próprio na qualidade de dependente.

DEPENDENTES

O que são os dependentes para fins previdenciários? Os dependentes são pessoas que, embora não contribuindo para a seguridade social, podem vir a receber benefícios previdenciários, em virtude de terem uma relação de afeto (cônjuge/companheiro) ou parentesco com o segurado. Quais os benefícios que os dependentes receberão? Quem define isso é a lei. Em geral, todos os regimes de previdência preveem a pensão por morte como um benefício que os dependentes recebem quando ocorre o falecimento do segurado. É o segurado quem escolhe quem são seus dependentes para fins previdenciários? NÃO. A relação dos dependentes é definida pela legislação previdenciária. Assim, não é o segurado quem os indica. É a própria lei quem já prevê taxativamente quem tem direito de ser considerado dependente (art. 16 da Lei nº 8.213/91). Os dependentes precisam se cadastrar no INSS? Somente no momento em que forem receber o benefício. Antes de terem direito ao benefício, os dependentes do segurado não se inscrevem na autarquia previdenciária.

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Classes de dependentes: A Lei divide os dependentes em três classes:

1ª CLASSE a) Cônjuge b) Companheiro (hétero ou homoafetivo) c) Filho menor de 21 anos, desde que não

tenha sido emancipado; d) Filho inválido (não importa a idade); e) Filho com deficiência intelectual ou mental

ou deficiência grave (não importa a idade).

Para que recebam os benefícios previdenciários, os membros da 1ª classe NÃO precisam provar que eram dependentes economicamente do segurado (a dependência econômica é presumida pela lei).

2ª CLASSE Pais do segurado. Para que recebam os benefícios previdenciários, os membros da 2ª e 3ª classes PRECISAM provar que eram dependentes economicamente do segurado.

3ª CLASSE a) Irmão menor de 21 anos, desde que não tenha sido emancipado; b) Irmão inválido (não importa a idade); c) Irmão com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (não importa a idade).

GUARDA

Concessão da guarda para pessoa diversa dos pais A legislação prevê algumas hipóteses em que a criança ou o adolescente pode ser colocado sob a guarda de uma pessoa que não seja nem seu pai nem sua mãe. A concessão da guarda é uma das formas de colocação do menor em família substituta, sendo concedida quando os pais não apresentarem condições de exercer, com plenitude, seus deveres inerentes ao poder familiar, seja por motivos temporários ou permanentes. A concessão da guarda para terceiros implica, necessariamente, a perda do poder familiar pelos pais? NÃO. A concessão da guarda, diferentemente da tutela, “não implica em destituição do poder familiar, mas sim, transfere a terceiros componentes de uma família substituta provisória a obrigação de cuidar da manutenção da integridade física e psíquica da criança e do adolescente.” (ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente. Comentado artigo por artigo. 6. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 187). Hipóteses Existem três hipóteses em que a guarda poderá ser deferida a outras pessoas que não sejam os pais da criança ou adolescente: a) quando tramitar processo judicial para que a criança ou adolescente seja adotado ou tutelado, situação

em que poderá ser colocado, liminar ou incidentalmente, sob a guarda do adotante ou tutor (art. 33, § 1º do ECA). Nesse caso, a guarda destina-se a regularizar juridicamente a situação de quem já está, na prática, cuidando do menor. O ECA fala que a guarda “destina-se a regularizar a posse de fato”;

b) quando essa transferência da guarda for necessária para atender a situações peculiares ou para suprir a falta eventual dos pais ou responsável (art. 33, § 2º do ECA). Ex: pais irão fazer uma longa viagem para o exterior, ficando a criança no Brasil;

c) quando o juiz verificar que nem o pai nem a mãe estão cumprindo adequadamente o dever de guarda do filho, situação em que deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade (art. 1.584, § 5º do CC).

Responsabilidades do guardião A pessoa que recebe a guarda, chamada de “guardião” (ou “detentor da guarda”), tem a obrigação de prestar assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente.

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 54

O guardião, no exercício de suas responsabilidades inerentes à guarda, tem o direito de fazer prevalecer suas decisões em relação ao menor, podendo, para isso, opor-se em relação a terceiros, inclusive aos próprios pais da criança ou adolescente (art. 33, caput, do ECA). GUARDA E EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS

A criança ou adolescente que está sob guarda é considerada dependente do guardião? Para responder a esta pergunta é necessário fazer um histórico da legislação. Lei 8.069/90 Em 1990, foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) prevendo que sim. Veja o que estabelece o § 3º do art. 33 do ECA:

§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.

Redação original da Lei 8.213/91 Em 1991, foi publicada a Lei nº 8.213/91, que trata sobre os Planos de Benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Essa Lei elencou, em seu art. 16, quem seriam as pessoas consideradas dependentes dos segurados. O § 2º do art. 16 previu que o menor que estivesse sob guarda judicial deveria ser equiparado a filho e, portanto, considerado como dependente do segurado. Em outras palavras, a redação original da Lei nº 8.213/91 dizia que o menor sob guarda era considerado dependente previdenciário do guardião. MP 1.523/96 e Lei 9.528/97 Em 1996, foi editada a MP 1.523/96, que alterou a redação do § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes. A justificativa dada para esta alteração foi a de que estavam ocorrendo muitas fraudes. O avô(ó), já aposentado, obtinha a guarda de seu neto(a) apenas para, no futuro, deixar para ele(a) pensão por morte, quando falecesse. A criança continuava morando com seus pais e esta guarda era obtida apenas para fins previdenciários. Dessa forma, a intenção do Governo foi a de acabar com os efeitos previdenciários da guarda. A referida MP foi, posteriormente, convertida na Lei nº 9.528/97. ECA não foi alterado, o que gerou polêmica Ocorre que o legislador alterou a Lei nº 8.213/91, mas não modificou o § 3º do art. 33 do ECA. Assim, os advogados continuaram defendendo a tese de que o menor sob guarda permanece com direitos previdenciários por força do ECA. O INSS, por sua vez, argumentava que o art. 33, § 3º do ECA foi derrogado implicitamente pela Lei nº 9.528/97. Segundo a autarquia, a Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.528/97, é lei posterior e mais especial do que o ECA. Assim, no conflito entre a atual redação do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e o art. 33, § 3º da Lei nº 8.069/90 deveria prevalecer o primeiro diploma, ante a natureza específica da norma previdenciária. A jurisprudência oscilava, ora em um sentido, ora em outro. A questão, no entanto, foi agora pacificada pela Corte Especial do STJ. A criança ou adolescente que está sob guarda é considerada dependente do guardião? A guarda confere direitos previdenciários à criança ou adolescente? Se o guardião falecer, a criança ou adolescente que estava sob sua guarda poderá ter direito à pensão por morte? SIM.

Ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei nº 9.528/97 na Lei nº 8.213/91. O art. 33, § 3º do ECA deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da

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Previdência Social, em homenagem ao princípio da proteção integral e preferência da criança e do adolescente (art. 227 da CF/88). STJ. Corte Especial. EREsp 1141788/RS, Min. Rel. João Otávio de Noronha, julgado em 07/12/2016.

O ECA não é uma simples lei, uma vez que representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento do mandamento previsto no art. 227 da CF/88. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico. Desse modo, embora a lei previdenciária seja norma específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente contam com proteção de norma específica que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários. Logo, prevalece a previsão do ECA trazida pelo art. 33, § 3º, mesmo sendo anterior à lei previdenciária. Este entendimento vale também para o Regime Próprio de Previdência Social? SIM. Mesmo antes da decisão Corte Especial acima explicada, já havia precedentes do STJ neste sentido:

(...) 1. O menor sob guarda judicial de servidor público do qual dependa economicamente no momento do falecimento do responsável tem direito à pensão temporária de que trata o art. 217, II, b, da Lei 8.112/90. 2. O art. 5º da Lei 9.717/98 deve ser interpretado em conformidade com o princípio constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente (CF, art. 227), como consectário do princípio fundamental da dignidade humana e base do Estado Democrático de Direito, bem assim com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90, art. 33, § 3º). (...) STJ. Corte Especial. MS 20.589/DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 03/06/2015.

(...) 1. Caso em que se discute a possibilidade de assegurar benefício de pensão por morte a menor sob guarda judicial, em face da prevalência do disposto no artigo 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, sobre norma previdenciária de natureza específica. 2. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida com as regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. A Lei 8.069/90 representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento da ordem constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 dispor que é dever do Estado assegurar com absoluta prioridade à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 4. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico. 5. Embora a lei complementar estadual previdenciária do Estado de Mato Grosso seja lei específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente tem norma específica, o Estatuto da Criança e do Adolescente que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei n.º 8.069/90), norma que representa a política de proteção ao menor, embasada na Constituição Federal que estabelece o dever do poder público e da sociedade na proteção da criança e do adolescente (art. 227, caput, e § 3º, inciso II). (...) STJ. 1ª Seção. RMS 36.034/MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/02/2014.

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Exemplo: João, avô de Beatriz, de 10 anos, tem a guarda de sua neta, concedida judicialmente. Vale ressaltar que João é servidor público do Estado do Mato Grosso. O Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Mato Grosso, editado em 2004, traz, em seu art. 245, a relação das pessoas que podem ser consideradas dependentes dos servidores. O art. 245 não incluiu no rol de dependentes para fins previdenciários o menor sob guarda. João morreu. Beatriz terá direito à pensão por morte. Se ocorrer o óbito do segurado de regime previdenciário que seja detentor da guarda judicial de criança ou adolescente, será assegurado o benefício da pensão por morte ao menor sob guarda, ainda que este não tenha sido incluído no rol de dependentes previsto na lei previdenciária aplicável.

EXERCÍCIOS

Julgue os itens a seguir: 1) O Banco Central tem o dever de exercer o controle do crédito e fiscalizar a atividade das instituições

financeiras. Logo, é da atribuição do BACEN a fiscalização das atividades do Serasa. ( ) 2) A fiança limitada decorre da lei e do contrato, de modo que o fiador não pode ser compelido a pagar

valor superior ao que foi avençado, devendo responder tão somente até o limite da garantia por ele assumida, o que afasta sua responsabilização em relação aos acessórios da dívida principal e aos honorários advocatícios, que deverão ser cobrados apenas do devedor afiançado. ( )

3) A fiança não pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas. ( )

4) A exigência de acordo entre o credor e o devedor na escolha do agente fiduciário aplica-se, exclusivamente, aos contratos não vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH. ( )

5) É obrigatório o regime da comunhão de bens no casamento da pessoa maior de 70 (setenta) anos. ( ) 6) A proteção matrimonial conferida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, não deve ser aplicada

quando o casamento for precedido de união estável que se iniciou quando os cônjuges eram menores de 70 anos. ( )

7) É válido, desde que feito por escritura pública, o pacto de convivência formulado pelo casal no qual se opta pela adoção da regulação patrimonial da futura relação como símil ao regime de comunhão universal. ( )

8) A vida em comum sob o mesmo teto é indispensável à caracterização da união estável, no que a diferencia de um mero namoro. ( )

9) (DPE/AL 2009 CESPE) É possível que homem e mulher que resolvam manter união estável estabeleçam entre si regime de bens por meio de um contrato de convivência, negócio jurídico que poderá, inclusive, ser formalizado por meio de instrumento particular e cuja falta acarretará a aplicação das regras atinentes ao regime da comunhão parcial. ( )

10) (Juiz TJ/PA 2012 CESPE) Para que o contrato de convivência tenha validade perante terceiros, os companheiros deverão celebrá-lo por escrito e registrá-lo no cartório competente. ( )

11) (Juiz TJ/CE 2012 CESPE) Considere que Carlos e Regina convivam em união estável e decidam celebrar contrato de convivência. Nessa situação, A) o contrato somente produzirá efeitos patrimoniais. B) o contrato pode ser celebrado por meio de escritura particular, desde que atestado por duas testemunhas e levado a registro. C) se o casal já tiver filhos, o contrato não produzirá efeitos. D) celebrado o contrato, este não poderá ser modificado antes de cinco anos. E) o regime de bens escolhido no contrato terá efeitos retroativos.

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12) (DPE/ES 2012 CESPE) De acordo com a jurisprudência, não se deve declarar a união estável entre duas pessoas que celebrem expressamente contrato de namoro no qual esclareçam o propósito de não viverem em união estável, sob pena de se violar a boa-fé da parte inocente. ( )

13) (Juiz TJRS 2016 FAUGRS) A aplicação da guarda compartilhada, em razão de o divórcio usualmente coincidir com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, constitui medida excepcional, inviável quando ausente o consenso. ( )

14) (DPE/SP 2015) Analise os seguintes enunciados a respeito da guarda: I. guarda alternada é aquela que confere a cada genitor períodos de exclusividade com o filho, alternando-se os períodos de convívio, podendo ser entendida como uma modalidade de guarda compartilhada. II. na guarda nidal ou aninhamento, os filhos permanecem na residência original e são os pais que realizam um revezamento, ou seja, a cada período um dos genitores ficará com os filhos na residência original da família, modalidade vedada em nosso ordenamento atual. III. a guarda compartilhada, que constitui a regra geral e preferencial de nosso ordenamento atual, é aquela exercida conjuntamente pelos pais, podendo ser deferida também em favor de pai (mãe) e avô (avó). IV. a guarda compartilhada é tida como regra mesmo na hipótese de não haver consenso entre os pais, traduzindo-se em uma quebra da ideia de poder advinda da guarda unilateral e visando o melhor interesse dos filhos, de modo a funcionar como antídoto à alienação parental. V. nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada, a lei determina que a atribuição ou alteração da guarda darse-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor. Está correto o que se afirma APENAS em A) I, III e V. B) I e IV. C) II e IV. D) III, IV e V. E) I, II e V.

15) (PGE/PR 2015) A Lei 13.058/2014, que alterou o Código Civil para disciplinar a guarda compartilhada dos filhos menores de casais separados, objetiva que o tempo de convivência com os filhos seja dividido de forma equilibrada entre pai e mãe. Isso se alcança através da convivência e moradia alternadas durante os dias da semana, o que inviabiliza a aplicação da guarda compartilhada quando os pais moram em cidades diferentes. ( )

16) (Juiz Federal TRF1 2013) É incabível, por ser a lei regente omissa, a dissolução parcial de sociedade anônima fechada, de cunho familiar, por quebra da affectio societatis. ( )

17) (Juiz Federal TRF4 2013 banca própria) Segundo a jurisprudência prevalente, é possível a dissolução parcial de sociedade anônima com a retirada dos sócios dissidentes, após a apuração de seus haveres. ( )

18) (Promotor MP/RO 2010 CESPE) É possível a dissolução parcial da sociedade anônima familiar fechada quando houver quebra da affectio societatis, ainda que tal requisito não esteja necessariamente conjugado com a perda de lucratividade e a ausência de distribuição de dividendos. ( )

19) Na hipótese em que o sócio de sociedade limitada constituída por tempo indeterminado exerce o direito de retirada por meio de inequívoca e incontroversa notificação aos demais sócios, a data-base para apuração de haveres é o termo final do prazo de 60 dias, estabelecido pelo art. 1.029 do CC/02. ( )

20) É possível que sociedade anônima de capital fechado, ainda que não formada por grupos familiares, seja dissolvida parcialmente quando, a despeito de não atingir seu fim – consubstanciado no auferimento de lucros e na distribuição de dividendos aos acionistas –, restar configurada a viabilidade da continuação dos negócios da companhia. ( )

21) (Juiz TJ/PA 2012 CESPE) A sociedade em nome coletivo é sociedade de capital, pois a contribuição material é mais importante que as características subjetivas dos sócios. ( )

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Informativo 595-STJ (15/02/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 58

22) Somente cabe recurso especial contra decisão proferida em procedimento de dúvida registral, se existir litigiosidade na causa. ( )

23) O arquivamento provisório previsto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, dirigido aos débitos inscritos como dívida ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, não se aplica às execuções fiscais movidas pelos conselhos de fiscalização profissional ou pelas autarquias federais. ( )

24) Na hipótese de o delito praticado pelo agente e pelo menor de 18 anos não estar previsto nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, o réu poderá ser condenado pelo crime de corrupção de menores, porém, se a conduta estiver tipificada em um desses artigos (33 a 37), não será possível a condenação por aquele delito, mas apenas a majoração da sua pena com base no art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006. ( )

25) (Defensor DPE-RN 2015 CESPE) De acordo com o STJ, o crime de corrupção de menores é de natureza formal, bastando a participação do menor de dezoito anos de idade na prática de infração penal para que haja a subsunção da conduta do agente imputável ao correspondente tipo descrito no ECA. ( )

26) Compete à justiça federal o processamento e julgamento de ação penal que apura supostas fraudes praticadas por administrador na gestão de operadora de plano de saúde se esta atuar como seguradora. ( )

27) Para o STJ, é justificável a antecipação da colheita da prova testemunhal com arrimo no art. 366 do CPP nas hipóteses em que as testemunhas são policiais. ( )

28) (DPE/AM 2013 FCC) A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do Código de Processo Penal deve ser fundamentada, justificando-a unicamente o decurso do tempo. ( )

29) A execução da pena depois da prolação de acórdão em segundo grau de jurisdição e antes do trânsito em julgado da condenação não é automática, quando a decisão ainda é passível de integração pelo Tribunal de Justiça. ( )

30) A data-base para subsequente progressão de regime é aquela em que o Juízo das Execuções deferiu o benefício. ( )

31) A não observância do perímetro estabelecido para monitoramento de tornozeleira eletrônica configura mero descumprimento de condição obrigatória que autoriza a aplicação de sanção disciplinar, mas não configura, mesmo em tese, a prática de falta grave. ( )

32) Se o reeducando rompe a tornozeleira eletrônica ou mantém a bateria sem carga suficiente para o uso normal, isso configura falta grave. ( )

33) A responsabilidade solidária do ex-proprietário, prevista no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, abrange o IPVA incidente sobre o veículo automotor, no que se refere ao período posterior à sua alienação. ( )

34) As sociedades corretoras de seguros, que não se confundem com as sociedades de valores mobiliários ou com os agentes autônomos de seguro privado, estão fora do rol de entidades constantes do art. 22, § 1º, da Lei n. 8.212/1991, não se sujeitando à majoração da alíquota da Cofins prevista no art. 18 da Lei n. 10.684/2003. ( )

35) Ao menor sob guarda não deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei nº 9.528/97 na Lei nº 8.213/91. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. E 4. C 5. E 6. C 7. E 8. E 9. C 10. E

11. Letra A 12. E 13. E 14. Letra D 15. E 16. E 17. C 18. C 19. C 20. C

21. E 22. E 23. C 24. C 25. C 26. C 27. C 28. E 29. C 30. E

31. C 32. C 33. E 34. C 35. E