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Indígenas Terena apresentam dança típica durante o 7º Acampamento Terra Livre, em Campo Grande, MS – Foto: Maíra Heinen ISSN 0102-0625 Ano XXXIII • N 0 327 • Brasília-DF • Agosto – 2010 R$ 3,00 Acampamento em Zé Doca, mostra a resistência indígena no Maranhão Página 5 Senado aprova criação da Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena Página 7 Cacique Babau e seus irmãos em liberdade Página 11 ACAMPAMENTO TERRA LIVRE 2010 E MOBILIZAÇÃO CONTRA BELO MONTE EM DEFESA DO RIO XINGU Indígenas se mobilizam por seus direitos e em defesa da vida! Páginas 8, 9, 12 e 13

Indígenas se mobilizam por seus direitos e em defesa da vida! 327... · 2018-09-16 · lucrassem cifras estratosféricas; taxas de juros em patamares elevados; câmbio sempre flexível;

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Ano XXXIII • N0 327 • Brasília-DF • Agosto – 2010R$ 3,00

Em defesa da causa indígena

Acampamento em Zé Doca, mostra a resistência indígena no Maranhão

Página 5

Senado aprova criação da Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena

Página 7

Cacique Babau e seus irmãos em liberdade

Página 11

AcAmpAmento terrA Livre 2010 e mobiLizAção contrA beLo monte em defesA do rio Xingu

Indígenas se mobilizam por seus direitos e em defesa da vida!

Páginas 8, 9, 12 e 13

2Agosto–2010

á passamos da metade deste ano de 2010 e, nesta edição de agosto, há alguns pontos para comemorar, outros, nem tanto. Muitas lutas seguem longas e parecem não ter fim. Mas como disse dom Pedro Casaldáliga, “somos soldados derrotados de uma causa invencível”. Lidamos com questões que ultrapassam as coisas terrenas. E assim seguimos.

E é por seguir em frente que o Porantim pode espalhar para vários cantos as boas notícias como a libertação de Babau e seus irmãos, ou mesmo a criação da Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai). Ao mesmo tempo, apresentamos as denúncias de indígenas que participaram de mobilizações por suas terras, contra os grandes empreendimentos e os desmandos do governo federal. Trazemos a luta firme contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, as batalhas contra os madeireiros ilegais que invadem terras indígenas e as opiniões de quem acompanha a luta indígena há anos.

Na conjuntura, um retrato do que se tornou o atual governo: tão esperado por todos e que acabou por manter uma política assistencialista para os pobres e de inúmeros benefícios para os grandes empreendimentos, empresários, latifundiários.

Nesta edição, o Porantim traz a dicotomia, o contraditório, a alegria e a indignação. Traz o cotidiano, quase sempre difícil, dos povos indígenas que seguem na luta pela terra tradicional, a caminho da terra sem males.

Algumas boas notícias.Já outras...

Porantinadas

Edição fechada em 06/09/2010

Permitimos a reprodução de nossas matérias e artigos, desde que citada a fonte. As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores.

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APOIADORES

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Publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à Conferência

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Na língua da nação indígena sateré-Mawé, PorANTIM

significa remo, arma, memória.

Dom Erwin Kräutler PresIDeNTe

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editoração eletrônica:Licurgo s. Botelho

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registro nº 4, Port. 48.920, Cartório do 2º ofício

de registro Civil - Brasília

CoNseLho De reDAçÃoAntônio C. Queiroz

Benedito PreziaEgon D. HeckNello Ruffaldi

Paulo GuimarãesPaulo Suess

Vida de escritor“Presidente Lula diz que pretende

escrever livro sobre impedimentos am-bientais que atrasam projetos de infraes-trutura” (Estadão On Line, 29/08/2010). De acordo com a matéria, o presidente diz que coleciona estas histórias hilariantes para escrever o tal livro. Para o presidente proteção ambiental, direitos indígenas, cumprimento de leis constitucionais pare-cem mesmo ser uma grande piada.

Monumento à pererecaContinuando na sua arte de fazer

piadas sem graça, o presidente Lula disse querer fazer um monumento à perereca. Segundo ele, a obra do viaduto da BR 101 na região de Osório (RS) foi paralisada por seis meses para que se estudasse um anfí-bio do alagado sobre o qual o viaduto pas-sa. No fim, concluiu-se que a espécie não estava ameaçada de extinção. Na opinião do presidente, todas estas questões am-bientais são entraves ao desenvolvimento do país e viram piadas... ou monumentos.

Ajudinha para um pobre homem

Recursos do BNDES foram destinados neste mês de agosto para o dito “homem mais rico do Brasil” – Eike Batista – refor-mar um hotel de luxo. Foram liberados R$ 147 milhões para a reforma do Hotel Glória, no Rio de Janeiro. Enquanto isso, as demarcações de terras indígenas encontram-se paralisadas. Dos míseros R$ 30 milhões previstos para 2010 no Orçamento Geral da União, foram gastos apenas pouco mais R$ 2,4 milhões; as comunidades sofrem com a precariedade no atendimento à saúde indígena. Dos R$ 46 milhões destinados a estruturação de unidades de saúde para atendimento a população, o governo só desembolsou pouco mais de R$ 1 milhão; entre outros pontos... Mas, as prioridades do BNDES não são voltadas para o povo? O povo então deve ocupar o hotel Glória para desfrutar desses “míseros” recursos.

MARIOSAN

Editorial

J

3 Agosto–2010

Indígena faz denúncia durante mobilização “Em defesa do Xingu: contra Belo Monte”: obra megalomaníaca de Belo Monte é apenas um dos problemas enfrentados hoje pelos povos indígenas no Brasil.

Conjuntura

Roberto Antonio LiebgottVice-Presidente do Cimi 

governança do presidente Lula está com os dias contados. Foram oito anos de grandes in-vestimentos em empreendimen-

tos econômicos e na consolidação de alianças políticas com os mais variados e antagônicos setores das sociedades capitalistas no Brasil e no exterior. E, contraditoriamente, junto à população mais carente, o governo, apesar dos altos índices de popularidade, manteve uma relação assistencialista, tornando-a quase exclusivamente dependente da “caridade” do poder público. Soma-se, neste contexto, o tratamento dado aos povos indígenas, para os quais se fez promessas de novos rumos e discursos de que seriam asseguradas ações que outros governos não realizaram.

Tendo como ponto de partida esta caracterização dos dois mandatos do presidente Lula é importante refletir sobre algumas escolhas políticas que o conduziram, durante este período, a uma lógica de governar tendo como opção pelas grandes alianças econômi-cas ao invés de ações programáticas e duradouras para todos. Portanto, foram mantidas e aprofundadas as opções pela tão falada governabilidade, com as mesmas características e dinâmicas dos governos anteriores.

No tocante às escolhas do governo Lula, pode-se dizer que o foco principal foi pela continuidade da política eco-nômica de FHC: prioridade para o setor financeiro, fazendo com que os bancos lucrassem cifras estratosféricas; taxas de juros em patamares elevados; câmbio sempre flexível; financiamentos a juros módicos, através do BNDES, aos grandes grupos econômicos na-cionais e transnacionais; dívida interna superando R$ 1 trilhão; manutenção de uma das maiores cargas tributárias do mundo; investimentos rurais pri-vilegiando abertamente a agricultura de grande por-te; prioridade à produção de agrocombustíveis, em detrimento dos alimentos; liberação de vultosos re-cursos para implementação de projetos megalomaníacos, como a transposição do São Francisco e Belo Monte, sem a realização de procedimentos impres-cindíveis para resguardar a participação e o envolvimento da população afetada;

desmonte da legislação ambiental e reestruturação do Ibama para tornar-se uma espécie de “carimbador” de licenças para grandes obras.

Adentrando numa análise indige-nista, que é a intenção desta breve abordagem conjuntural, se percebe com mais precisão o quanto as prioridades governamentais têm endereçamento certo, qual seja, o apoio a setores anti--indígenas, a oligarquias e a segmentos empresariais implicados com a geração de lucro e de um suposto desenvolvimen-to nacional. Vejamos:

Apesar de ser uma obrigação consti-tucional do governo federal, os processos demarcatórios encontram-se paralisados. Um dado expressivo é o de que, até o mês de agosto do corrente ano, o governo Lula não identificou nenhuma das 327 terras indígenas que se encontram sem provi-dências. Ao contrário disso, o governo vem suspendendo algumas portarias de-claratórias, assinadas em anos anteriores,

com o pretexto de cumprir determinações judiciais, ao invés de recorrer de tais decisões e efetivamente assegurar o procedimento de demarcação. Ao que parece, a suspensão de portarias declaratórias em pleno processo eleitoral pretende agradar segmen-tos políticos, em regiões do país em que há confli-tos de interesse sobre as terras.

Com relação aos di-reitos constitucionais dos povos indígenas se per-cebe que eles são trata-

dos, pelo poder público federal, como entraves permanentes. Tanto é assim que sistematicamente o presidente da República se refere a essa questão como se fosse um absurdo ter que demarcar as terras indígenas, embora a Constituição

assim determine. Exemplos evidentes são seus discursos propondo a compra de terras ao invés da realização de estudos para a identificação e demarca-ção, ou quando achincalha a legislação ambiental e/ou indigenista que, segundo ele, atrapalham suas pretensões desen-volvimentistas, pois impedem a constru-ção de grandes obras com a pressa que o mercado de investimentos impõe.

A execução do orça-mento indigenista, ou me-lhor, a falta de execução deste, é outro exemplo das escolhas governamen-tais, que nada tem a ver com as necessidades e direitos dos povos indí-genas. Vejamos alguns exemplos que confirmam isto: apenas 35% do total de mais de R$ 780 milhões previstos para a questão indígena foi gasto até este mês de agosto. Da rubrica Demarcação de terras a Funai utilizou até o momento apenas 8,41% dos R$ 30 milhões disponíveis; para a saúde indígena, na rubrica Es-truturação de unidades de saúde foram gastos apenas 3% do montante de mais de R$ 46 milhões; na ação, promoção, vigilância, proteção e recuperação da saúde indígena foram utilizados 34,04% dos mais de R$ 300 milhões enquanto que, para saneamento básico, funda-mental para prevenção e controle de doenças, foram gastos 1,66% dos mais de R$ 50 milhões destinados no orçamento.

Por outro lado, o governo federal tem liberado com rapidez e urgência somas vultosas de recursos para financiar empreendimentos privados, tais como o do milionário Eike Batista.

No âmbito da política de saúde in-dígena há ainda a promessa de que será criada a Secretaria de Atenção Especial. Embora tenha sido aprovada uma medida

provisória para esse fim, na prática o go-verno ainda não estabeleceu as condições necessárias para que a política passe a ser implementada. Diante disso, geram--se incertezas quanto à continuidade dos serviços aos povos indígenas e estes acompanham as notícias com impaciência e justificada preocupação. Se a saúde indígena fosse realmente uma prioridade o governo teria posto em andamento uma política de transição, até que o novo modelo pudesse dar conta de todas as demandas. No entanto, na vacância de um projeto de transição, a Funasa permanece como a executora dos serviços.

Já a Funai continua como que “con-gelada” ou adormecida, em decorrência de uma reestruturação que não agradou aos povos indígenas e os seus servido-res. Planejam agora a publicação do Regimento Interno, reformulado para atender as regras estabelecidas pelo De-creto 7056/2009. No entanto, apesar de promessas de ampla discussão sobre tal regimento, os indígenas que compõem a CNPI (Comissão Nacional de Política Indigenista) tiveram de pressionar a Fu-

nai para que esta tornasse pública uma minuta da proposta regimental.

A megalomaníaca obra de Belo Monte segue sen-do enfiada “goela abaixo” pelo governo Lula, apesar de todas as manifestações contrárias e de todos os estudos indicarem sua inviabilidade econômica e seus custos sociais. A urgência em assegurar lucratividade de empresas e setores específicos e de honrar compromissos

assumidos levou o governo a arriscar as fontes de vida de uma grande população, a desrespeitar leis ambientais, a alterar procedimentos administrativos para ace-lerar a assinatura da concessão da obra.

Um rápido olhar para a questão indí-gena mostra, de modo incontestável, o desenrolar de uma política que prioriza segmentos que já são, historicamente, privilegiados. O bônus desse conjunto de ações de caráter desenvolvimentista vai para as empresas, para os bancos, para produtores rurais que se dedicam ao monocultivo. Já o ônus é distribuído “de-mocraticamente” entre os trabalhadores, os segmentos mais empobrecidos, os po-vos indígenas, os pequenos produtores, todos aqueles que, num governo focado apenas em aspectos econômicos, são tidos como improdutivos e, portanto, sem relevância no cenário das decisões e dos rumos nacionais. n

As escolhas políticas do governo Lula e a causa indígena

“O governo vem suspendendo

algumas portarias declaratórias,

assinadas em anos anteriores, com o

pretexto de cumprir determinações

judiciais, ao invés de recorrer de tais decisões

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procedimento de demarcação

“A megalomaníaca obra de Belo Monte segue sendo enfiada

‘goela abaixo’ pelo governo Lula, apesar de todas

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4Agosto–2010

Encontro marca os 3 anos de

resistência e luta dos

povos Truká e Tumbalalá

contra os grandes projetos

governamentais

Retomadas

4Agosto–2010

Cimi Regional Nordeste

o mês de junho, as duas re-tomadas ao longo do Rio São Francisco - a retomada do povo Tumbalalá na Bahia e a retomada

do povo Truká de Pernambuco - come-moraram 3 anos de resistência e de luta contra os grandes projetos governamen-tais que impactam seus territórios.

A retomada Truká, na margem per-nambucana do rio, na altura de Cabrobó, e a retomada Tumbalalá, do lado baiano nos municípios de Abaré e Curaçá, co-meçaram logo depois da ocupação dos canterios das obras da transposiçao do rio São Francisco, em junho de 2007. Nessa época, os povos indígenas desta bacia e os demais movimentos sociais que lutam pela revitalização deste rio, ocuparam os canteiros das obras do eixo norte, em pleno territorio Truká, e enterraram os primeiro buracos cavados pelas máquinas, como forma de protesto. Com essas e outras mobilizações, os ribeirinhos reivindicaram seu direito ao reconhecimento e respeito de seus terri-tórios, exigindo a efetivação das políticas de acesso à água em todo o semi-árido nordestino, na visão da “convivência com o semi-árido” e não no marco das gran-des obras do alto custo socioambiental, que só proporcionam um “desenvolvi-mento” devastador e excludente.

Atualmente o processo de reconhe-cimento das terras Truká e Tumbalalá é vítima dos grandes interes-ses políticos que apontam a região como alvo pela ex-pansão da agroindústria e pelo grande capital, tendo o governo como incentiva-dor. De fato, além do pro-jeto de transposiçao do rio São Francisco, existem três projetos de barragens hi-drelétricas, que se somam às sete que já existem, aos projetos de usinas nucleares ao longo do São Francisco e a mais um desvio de uma parcela de água do rio através do canal do Sertão, em Alagoas, também impactando várias terras indígenas.

Nesse cenário, os povos tradicionais da região são considerados empecilhos aos planos governamentais e da elite econômica que passa, como um rolo compressor, em cima das comunidades e de seus territórios, negando seus di-reitos. De fato, não são raros os casos denunciados de “recorte instituicional” dos territórios indígenas com o objetivo de favorecer os grandes empreendi-mentos, as tentativas de cooptação das lideranças e de negociação das identi-dades étnicas em troca de benefícios, com o objetivo de fragilizar a unidade territorial.

Haroldo HelenoCimi Regional Leste/ Equipe Itabuna

pós três dias de ricas reflexões, espiritualidade e troca de expe-riências, as mulheres indígenas do Regional Leste, reunidas na

Aldeia Caramuru, município de Pau Brasil (BA), deram por encerrado o II Encontro Regional das Mulheres Indígenas. Ao final do encontro foi lançado um docu-mento, onde expressam suas angústias, esperanças e exigências, sobretudo sobre os seus direitos, condenam a per-seguição sistemática e histórica contra seus povos e denunciam o intenso pro-cesso de discriminação e criminalização de suas lutas.

Aliadas às companheiras quilom-bolas, trabalhadoras rurais e lutadoras urbanas, elas refletiram sobre o tema “A luta das mulheres indígenas pela

de troca de saberes entre os grupos e rearticulação da Comissão de Or-ganização das Mulheres Indígenas no Leste (Comil).

Ao final do encontro, as indígenas, trabalhadoras rurais, quilombolas e re-presentantes de trabalhadoras urbanas deram um grito de basta a todo e qual-quer tipo de violência e discriminação contra seus povos e suas lutas: “Nós mulheres não queremos violência. Nossa igualdade está em nossa consciência”.

ParticipaçãoParticiparam do encontro cerca de

250 mulheres das diversas comunidades indígenas dos estados da Bahia (Pataxó Hã-Hã-Hãe, Tupinambá de Olivença, Pataxó do extremo sul, Tupinambá do Jequitinhonha e Tuxá), de Minas Gerais (Xakriabá, Aranã, Kaxixó) e do Espírito Santo (Tupiniquim e Guarani). n

Tumbalalá e Truká comemoram três anos de resitência

Além disso, os processos de reconhe-cimento oficial são lentos e caracteriza-dos pelas omissões, como no caso dos Truká, cujo território tradicional ainda não foi identificado.

Seminário do povo TrukáNos dias 28 e 29 de julho o povo

Truká realizou um seminário de dis-cussão, cujo tema foi “os projetos de barragens no rio São Francisco e o ter-ritório Truka”, discutindo as obras do PAC que impactam seu território. O rio São Francisco já é fortemente impactado pelas barragens existentes e pelo desma-tamento. A população da região aponta como graves as condições do rio onde já não existe vazante e os 75% da fauna e da flora foram destruídas, podendo até afir-mar que “o Velho Chico está morrendo”.

Portanto, como explicitaram os Truká no documento final do encontro, os povos indígenas da região não concordam com os projetos impostos para seu território e denunciam a falta de diálogo e de par-ticipação nas políticas que atingem suas áreas e seu rio sagrado, pai das nações indígenas. Mais uma vez o governo viola o princípio da consulta prévia, livre e infor-mada aos povos indígenas, fortalecendo a proposta desenvolvimentista “a qualquer custo”, que para os povos tradicionais é uma grave ameça para a sobrevivência física e cultural, para a vida espiritual e para “a saúde da natureza sagrada”.

As retomadas dos povos Tumbalalá e Truká, além de serem estratégia de reivindicação do próprio território tra-dicional e de ser símbolo de luta contra as grandes obras que ameaçam o rio e os territórios indigenas, são símbolos de resistência ao modelo de desenvol-vimento que só favorece os interesses de uma elite econômica, prejudicando os demais. Portanto é mais um grito de denúncia desse modelo de desenvolvi-mento e fortalece as propostas e as alter-nativas que os povos indígenas sempre percorreram, promovendo o modelo do bem viver, da reciprocidade e da justiça sócio-ambiental. n

A luta pela igualdade de direitos e qualidade de vida

igualdade de direitos e qualidade de vida de seus povos”. Durante o encontro, somando forças com seus aliados e par-ceiros, discutiram soluções para resolver os graves problemas enfrentados com as invasões ou até mesmo negação de seus territórios tradicionais.

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O encontro teve por objetivo prin-cipal contribuir com o processo de participação das mulheres indígenas e suas organizações, visando o forta-lecimento das lutas pela recuperação dos seus territórios, possibilitando momentos de formação, informação,

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Encontro de Mulheres Indígenas do Regional Leste

Aliadas às companheiras

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urbanas, as mulheres indígenas refletiram

sobre o tema “A luta das

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igualdade de direitos e qualidade de vida de seus

povos”

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5 Agosto–2010

O acampamento foi palco de palestras e denúncias sobre a situação de invasões de Terras Indígenas no Brasil, em especial as do povo Awá, no Maranhão

Mobilização

Diego JanatãJornalista/ MA

a região conhecida como Alto Turiaçu, no noroeste Mara-nhense, mais uma parte da Amazônia brasileira é destruída. Diariamente, caminhões saem

lotados da mata, roubando e matando os povos indígenas que sofrem com o drama da derrubada de madeira em seus territórios.

Mas, em busca de aliados, o povo Awá Guajá sai da mata e com a cantoria dos karawaras, viajam para o céu e des-cobrem do alto um novo horizonte de destruição e aterrissam de volta com o grito: “Nós existimos”.

O Conselho Indigenista Missionário e o Povo Awá--Guajá, em parceria com a CNBB Regional Nordeste V, Diocese de Zé Doca, pasto-rais e movimentos sociais, realizaram o grande acampa-mento “Nós existimos: terra e vida para os caçadores e coletores Awá-Guajá”.

O evento que aconteceu entre os dias 1º e 3 de agosto na cidade de Zé Doca, loca-lizada a 400 quilômetros da capital, São Luiz e também contou com a participa-ção de lideranças indígenas de outras etnias como os Guajajara e os Ka’apor.

O acampamento foi palco de pa-lestras e denúncias sobre a situação de invasões de Terras Indígenas no Brasil, em especial as do povo Awá, bem como outros informes sobre o atual momento do povo.

Funai tenta atrapalhar reencontro

A princípio, o acampamento contaria com a presença dos representantes das quatro aldeias do povo Awá-Guajá: Tira-cambu, Awá, Guajá e Juriti. Mas na última hora a Funai, que seria a responsável pelo transporte dos indígenas da aldeia Juriti para o lugar do evento, alegou que não mandaria os índios e nenhum representante do órgão, pois, segundo a sede de Brasília, a cidade de Zé Doca estaria controlada por madeireiros e não oferecia segurança para os participantes. Entretanto, para os indígenas presentes, o órgão não participou porque não tem interesse em ajudar.

O Acampamento é um espaço ne-cessário para compreender e apoiar as lutas dos povos indígenas, de maneira concreta, pela garantia de seus direitos e proteção de suas terras e por uma po-lítica indigenista voltada às verdadeiras necessidades das comunidades indíge-nas. No encontro é possível perceber as relações do “bem viver” estabelecidas pela maioria dos povos indígenas fun-damentadas na reciprocidade entre as

pessoas, na amizade fraterna, na convi-vência com outros seres da natureza e num profundo respeito pela terra.

O grande encontroEm um primeiro momento antes do

Acampamento que aconteceu na Praça Matriz da cidade, os Awá Guajá das al-deias Tiracambu, Guajá e Awá estiveram no Centro Diocesano de Zé Doca e cele-braram com muita cantoria o reencontro dos parentes que há muito tempo não se viam. Na manhã seguinte, os Awá se reuniram para traçar estratégias para o Acampamento. Na pauta de discussões, a questão da madeira foi a mais debatida, pois se trata da mesma realidade para todo o território Awá.

Itati, liderança da aldeia Awá, falou a respeito da vida de seu povo, mostrou como vivem os Awá, os utensílios que utilizam. “Tudo isso aqui quem fez foi Awá, branco não deu nada pra índio. E eu acho muito bom”, orgulha-se a jovem liderança que também reclamou a ausên-cia da Funai no encontro, mas destacou o apoio dos aliados. “Como vamos fazer para resolver nossos problemas? O Cimi pode nos ajudar! Vamos nos organizar para nos encontrar outras vezes, dessa vez com os nossos parentes do Juriti.”

Saulo Feitosa, secretário adjunto do Cimi, afirmou que o momento dos Awá é histórico e muito significativo. “Vocês mostram que querem resolver seus problemas. Fiquei impressionado com a força da sua cultura, isso é um projeto de vida”. Saulo também comentou a res-peito da dificuldade dos Awá deixarem as

suas aldeias, as suas famílias e seus bichos. “É um esforço de vocês para mostrar para a população brasileira que o povo Awá Guajá existe”, afirmou.

O AcampamentoNa manhã do dia 2, os

Awá Guajá saíram em direção à Praça Matriz, onde se reali-zou o Acampamento. Sob o olhar curioso da população

local, os indígenas cruzaram a praça entoando os cânticos dos karawaras.

Carlo Ellena, bispo da diocese de Zé Doca, responsável pela abertura do evento, deu as boas vindas a todos os presentes. Na oportunidade ele destacou a preocupação da Igreja com relação à situação dos povos indígenas, que é uma realidade de muita luta e resistência, lembrou que os povos indígenas estão presentes na mente e no coração da Igreja do regional e conhecem as dificul-dades que os indígenas passam em suas aldeias. ”Eu fico muito feliz em encontrar vocês, meus irmãos. Hoje é um dia muito importante e vocês devem expressar suas vontades, dificuldades e desejos”.

Don Xavier, presidente do Regional, leu para os participantes uma mensagem da XV Assembléia Regional de Pastoral da CNBB Nordeste V sobre a situação dos po-vos indígenas do Maranhão. “Deixam-nos perplexos as intervenções do governo federal que, em nome do progresso regio-nal, financia projetos de grande impacto social e ambiental sobre as comunidades indígenas e seus territórios sem consulta prévia, inclusive pelo artigo 169 da Orga-nização Internacional do Trabalho”.

Takaiju, liderança Awá, comentou a relação do índio no mundo dos brancos e do branco no mundo indígena, que é a realidade da mata. “Nós chegamos na cidade e não roubamos nada. Não faze-mos mal a ninguém. Se tiver dinheiro, índio compra. O karaí (não índio)chega na mata e corta madeira, rouba a mata da gente, que somos os donos da terra. Parente não gosta disso”, afirma.

O jovem cacique da aldeia Awá, Manãxika, falou do seu avô, que não vive mais. “O branco veio para terra dos índios e colocou roça. Branco botou roça dentro da terra do índio e o ma-deireiro chegou também. Estamos aqui na cidade para mostrar que Awá existe. Eu sou Awá e estou aqui com os meus parentes. Venho mostrar que eu estou vivo e madeireiro não vai acabar com a gente”, afirma.

A busca de aliadosPara o combate aos madeireiros que

devastam seus territórios e a retirada dos invasores, os Awá perceberam que é necessário muito apoio. As entida-des presentes no evento e também os Ka’apor e os Guajajara firmaram o com-promisso com a causa Awá, se mostraram parceiros para eventuais campanhas e outras manifestações de apoio. “É ver-gonhoso para o Governo Brasileiro que seja preciso que os índios montem um acampamento para provar que existem. A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos se coloca à disposição para trabalhar em parceria com o Cimi e os povos indígenas”, prometeu Vicente, representante da SMDH.

A linguista e professora da Univer-sidade de Brasília (UnB), Marina Maga-lhães, que trabalha com o povo Awá estudando sua língua materna, destacou a importância do encontro e considera os indígenas seus professores na arte de viver em harmonia com a natureza. “Vocês podem contar com a gente, estou propondo um grupo de pesquisa e de apoio entre os estudantes da UnB para contribuírem com o povo Awá”, disse.

De acordo com o professor István Varga, da Universidade Federal do Mara-nhão, boa parte da população sertaneja que é jogada contra os índios tem sangue indígena e não se dá conta disso. “Aqui na região do alto Turiaçu houve no passado aliança entre os negros quilombolas e as populações indígenas para controlarem o avanço das frentes agrícolas”, comentou.

De acordo com cacique Ceron Ka’apor, esse tipo de reunião é muito boa para os índios, pois têm a oportunidade de conhecer a história de outros povos. “Estamos aqui também junto com os pa-rentes Awá-Guajá para dizer que do jeito que está é muito difícil. O problema da madeira é muito grave. Madeireiro quer destruir tudo. Não pode deixar. Lá em nossa aldeia não deixamos madeireiro entrar”, afirma.

Segundo Saulo Feitosa o Acampa-mento teve várias conquistas. A própria realização do evento, por si só, já é uma delas, pois se trata de uma região de conflito. “Foi um evento importante para a mudança de paradigma da população local, pois existe no imaginário popular uma visão muito distorcida dos povos indígenas”, afirmou Saulo. n

Povo Awá-Guajá: Acampamento “Nós existimos”

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6Agosto–2010

Análise

Para Lula, povos indígenas

e questões ambientais são

empecilhos para o “desenvolvimento”

do país. Para os povos

indígenas, esse “desenvolvimento”

é um empecilho à vida

Saulo Ferreira FeitosaSecretário Adjunto do Cimi

or várias vezes, nos discursos proferidos em defesa do seu Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, o presidente

Lula tem se referido às exigências do respeito à legislação ambiental e aos direitos dos povos indígenas e popu-lações tradicionais como um grande obstáculo a ser superado. Em face disso, tem elegido em suas falas alguns exemplos daquilo que considera ser o maior dos absurdos. Assim sendo, de maneira recorrente, tem citado índios e pererecas como fatores de tensão permanente nos canteiros de obras. Recentemente, num curto intervalo de cinco dias, por duas vezes denunciou publicamente esses vilões do PAC. A primeira por ocasião da assinatura do contrato de concessão da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em 26 de agosto, em Brasília e a segunda durante abertura da XVIII Feira Internacional da Indústria Sucroalcooleira (Fenasucro) em Sertãozinho-SP, no dia 31 do mesmo mês. Além da impropriedade da fala, chama-nos atenção a maneira como expressa sua indignação: com desdém e agressividade. Talvez essa recorrência ao tema e a repetida associação entre índios e pererecas carecesse uma análise psicanalítica por parte de profissional devidamente qualificado. Mas como esse não é nosso caso, limitaremo-nos apenas a expressar também a nossa in-dignação diante de tal comportamento. Em seu último livro publicado no Brasil, O Medo dos Bárbaros, para além do choque das civilizações, Tzvetan Todorov, um dos mais importantes pensadores da atua-lidade, desenvolve uma profunda reflexão sobre o conceito de barbárie e civilização. Segundo o autor, “os atos e atitu-des é que são bárbaros ou civilizados, e não os indivíduos ou os povos”. Dessa forma, é possível identificarmos uma atitu-de civilizada por parte de um membro de um povo indígena vivendo ainda em situação de isolamento e uma atitude bárbara pra-ticada por um habitante natural de Paris.

Para Todorov, “a recusa de considerar visões de mundo diferentes da nossa separa-nos da universalida-de humana e mantém-nos mais perto do pólo da barbárie”. Numa de suas recentes declarações, o presidente revelou sua incapacidade de reconhecer o direito à diferença. Ao se referir à construção da Hi-

drelétrica de Belo Monte, obra que provo-cará um impacto de grandes proporções no rio Xingu e reduzirá drasticamente seu potencial hídrico, afetando diretamente a vida dos povos indígenas da região, mais uma vez se reportou aos índios nos se-guintes termos: “precisamos mostrar aos irmãos índios que não precisam pescar de flecha, podem criar em tanques”.

Alguns meses atrás Lula havia afirma-do “que ninguém fez mais pelos nossos irmãos índios do que o nosso governo”. Ao que estaria se referindo ao afirmar que “fez mais”? Somos sabedores que durante seus dois mandatos os pro-cedimentos de demarcação de terras indígenas ficaram paralisados, salvo raras exceções. As políticas de atenção à saúde indígena e educação escolar indígena, somente agora, ao término do segundo mandato, começam a dar sinais de reação. Por outro lado, a construção de empreendimentos que impactam territórios tradicionais indígenas e os atos de violência praticados por agentes do poder público contra comunidades

indígenas continuam em elevado grau. Talvez esse “mais” refira-se às ações mitigatórias dos impactos causados pelas grandes obras, distribuição de ces-tas básicas nas aldeias, Bolsa Família etc.

O discurso presiden-cial parece traduzir uma compreensão de que “ín-dio tem direito, mas tem que ser do meu jeito”. Uma expressão popular muito comum no agreste pernambucano, região em que nasceu o presidente, traduz bem esse entendi-mento: “cavalo dado não se olha os dentes”. Foram essas compreensões que

marcaram as relações estabelecidas entre o Estado brasileiro e os povos indígenas desde o início da colonização.

Por outro lado, não podemos negar que o mesmo necessita abrir os olhos aos

outros, ao diferente. Precisa entender que os costumes dos povos indígenas, os jeitos próprios de pescar, de caçar, de coletar, também se constituem em direitos, devidamente assegurados pela Constituição brasileira. A forma de fazer assegura a autonomia para poder fazer sempre. Por isso, é mais importante ter a terra indígena demarcada, com seus recursos naturais preservados do que a distribuição de cestas básicas nas comu-nidades indígenas.

Precisa entender ainda que pescar no rio é com-pletamente diferente de pegar o peixe no tanque. Esses modos traduzem diferentes formas de pen-sar o mundo. O primeiro revela uma preocupação com a sobrevivência das futuras gerações e do próprio Planeta Terra. O segundo atende aos di-tames do capital, onde o peixe se converte em mercadoria. Para tanto, é necessário ter dinheiro para adquirir o material necessário para fabricar o tanque e comprar os alevi-nos e daí segue-se a cadeia mercadológica. Como vemos, apesar da boa vontade e do grande conhecimento demonstrado em várias áreas, Lula ne-cessita ser auxiliado a empreender um processo de aprendizagem intercultural e dialógica, mesmo porque administra um país que se destaca por sua diversi-dade étnica e cultural.

Durante a cerimônia de assinatura do contrato de concessão de Belo Mon-te, no momento em que fazia citações jocosas sobre a cultura indígena, tinha ao seu lado o presidente da FUNAI, o antropólogo Márcio Meira, que também é presidente da Comissão Nacional de Política Indigenista - CNPI. Destaque--se que naquela mesma hora, a referida comissão estava realizando mais uma de suas reuniões ordinárias. Márcio Meira abandonou a mesma para ir prestigiar

a assinatura do contrato. Podemos concluir, então, que acima dos direitos indígenas estão os interesses governa-mentais.

E para não dizer que não falamos das pererecas, poderíamos recomendar ao Sr. Presidente que procurasse acompanhar os debates hoje existentes em torno da compreensão especista de mundo. Cada vez mais, nós humanos estamos percebendo a importância do valor da

vida dos demais seres. Ademais, somos também sabedores do importante papel que cumprem nos-sas irmãs pererecas (um apanágio franciscano) para a manutenção do equilí-brio ecológico.

Por fim, cabe dizer que não se tem conhecimen-to de que qualquer obra tenha sido paralisada em razão da identificação da presença de pererecas ou indígenas em sua área de abrangência. Aliás, nem mesmo as várias mortes de operários ocorridas nos canteiros de obras das Usinas Hidrelétricas do Rio Madeira, a exemplo

do que ocorreu com Francisco da Silva Melo, que em 21 de julho foi tragado pelas engrenagens de uma máquina da Usina Jirau, são considerados motivos suficientemente fortes para interromper qualquer obra do “todo poderoso” PAC.

Enquanto as obras prosseguem, novos relatos de violência vão surgin-do, alguns deles sem comprovação até agora, como a notícia de que um trabalhador teria caído no meio da concretagem do vertedouro da Usina de Santo Antônio, ficando seu corpo con-cretado no paredão de cimento diante da recusa da empresa em suspender os serviços. Relatos como esse, trazem--nos imediatamente à memória a antiga prática de emparedamento que levou à morte milhares de pessoas ao longo da história da humanidade. n

Lula, os Índios e as Pererecas

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“Tzvetan Todorov, um dos mais importantes pensadores

da atualidade, desenvolve uma

profunda reflexão sobre o conceito

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“Pescar no rio é completamente

diferente de pegar o peixe no tanque.

Esses modos traduzem diferentes

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primeiro revela uma preocupação com a sobrevivência das futuras gerações e do próprio Planeta Terra. O segundo

atende aos ditames do capital, onde o peixe se converte em mercadoria.

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Indígenas comemoram a aprovação do PLV 08/2010, que cria a Secretaria de Saúde Indígena

7 Agosto–2010

Equipe Xakriabá Cimi Regional Leste

oi realizada no dia 18 de julho, em Januária – MG, a 14ª Romaria das Águas e da Terra. A Romaria é

uma oportunidade de anúncio e denúncia. Este grande momento celebrativo teve como anfitriã a Diocese de Januária no norte de Minas Gerais.

Romeiros e Romeiras vindos de diversos lugares puderam conhecer a realidade das comu-nidades rurais e urbanas desta região. Nesta importante ação da Igreja, os mais de 3 mil romeiros caminharam por quatro km ao som do batuque dos tambores dos quilombolas e o ressoar dos maracás dos indígenas. Um caminhar que trouxe para o ce-nário do norte mineiro todas as suas comunidades tradicionais e suas lutas por uma revitalização popular do rio São Francisco.

Os participantes puderam presenciar a cada dia a des-truição do São Francisco, rio da integração nacional, pai dos indígenas, quilombolas, varzan-teiros, pescadores, ribeirinhos e toda uma população que sempre rendeu seu imenso respeito às suas águas.

Hoje se pode dizer que este também é o rio que pede socor-ro, que grita em defesa de sua própria vida... rio do esgoto, do agrotóxico, do lixo, do assorea-mento. Rio da transposição, um projeto ganancioso, bancado pelo governo federal e que causará ainda mais destruição e morte, em nome da ganância de poucos.

Foi o rio que contribuiu e ainda garante a sobrevivência

Senado aprova PLV 08/2010, que cria a Secretaria de Saúde Indígena

Cleymenne CerqueiraRepórter

s senadores aprovaram, no dia 3 de agosto, o Projeto de Lei de Conversão 08/2010 da Medida Provisória nº 483, que cria a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). O projeto segue agora para

sanção do presidente da República, que poderá apreciá-lo em um prazo de 30 dias.

Com a aprovação do PLV, todas as ações de atendimento à saúde indígena e de saneamento básico nas comunidades indígenas serão transferidas da Fundação Nacional de Saú-de (Funasa) para o Ministério da Saúde (MS). Assim, o MS terá a possibilidade de contratar funcionários por período determinado em caso de emergência na saúde pública. O desafio agora é definir as competências da secretaria, sua estrutura de organização e execução descentralizada, dentre outras questões.

Para a senadora Lúcia Vânia, relatora do processo, esse projeto retrata uma vitória da luta do movimento indíge-na e também uma atenção especial a essas comunidades tradicionais no que diz respeito aos direitos humanos.

Cerca de 80 lideranças indígenas, representantes de diversos povos do país, acompanharam a votação do PLV no plenário do Senado Federal. O grupo esteve reunido desde o dia 2 de agosto, em Brasília, para reforçar as articulações a favor desse projeto de lei. Também estiveram presentes os representantes de organizações sociais e indigenistas.

Após a aprovação final do projeto, enviado pela Câmara Federal no último dia 7 de julho, os indígenas festejaram, colocaram seus adornos típicos, fizeram orações em agra-decimento ao deus Tupã, se cumprimentaram com abraços e dançaram toré na parte exterior do órgão.

Para Anastácio Peralta, Guarani Kaiowá que saiu da ses-são radiante como todos os outros parentes, a aprovação do PLV é um fôlego novo na luta pelos direitos indígenas. “Podemos dizer que esta é a nossa primeira grande vitória nestes oito anos de governo Lula. Isso mostra que não podemos nunca perder a esperança”, ressalta. n

PaísAfora

OPovo Xakriabá marca presença na 14ª Romaria das Águas e da TerraTerra e Água Partilhada, Herança de Deus Resgatada. Nas terras e águas dos gerais, a memória da resistência dos nossos ancestrais.

do nosso povo ribeirinho. Foi também às margens do São Francisco que os índios Xakriabá viveram o seu martírio, con-viveram com a perseguição e sobreviveram para contar a sua história, uma história de luta e resistência na defesa do Velho Chico, na proteção da natureza e na defesa dos seus direitos. Uma população que quase foi dizima-da pelo avanço destruidor do capital financeiro. Uma longa e constante luta em defesa da vida, baseada no principio do direito e em defesa dos seus projetos de vida. Povo que vive hoje em 32 aldeias com cerca de 9 mil pes-soas, sobrevivendo em apenas um terço de seu território e que está travando uma nova luta para ter acesso às riquezas do rio São Francisco, espaço este até então negado pela demarcação defici-tária de seu território.

Diante desta triste realidade, o que herdará o povo Xakriabá ao final dessa nova batalha? Dada a importância dos Xakriabá no povoamento da região, como compreender a histórica moro-sidade do Estado brasileiro em reconhecer a intrínseca relação entre rio e povo?

A luta de Rosalino Gomes de Oliveira, grande liderança

Xakriabá, assassinado em 1987, está viva na resistência dessas comunidades tradi-cionais. O exemplo de sua luta, demonstran-do assim a importân-cia do caminhar, do enfrentamento aos projetos de morte, utilizando-se de duas armas essenciais para a sua sobrevivência:

Fé e Vida.As terras continuam invadi-

das e obrigam o povo Xakriabá a ocupar apenas 1/3 do seu ter-ritório tradicional, aguardando a morosidade do governo federal e ao mesmo tempo sofrendo com a possibilidade de expulsão, ex-pondo as famílias nas periferias da cidade a todo tipo de violên-cia e exclusão.

Na Romaria puderam de-nunciar o financiamento dos grandes projetos pelo capital do Estado brasileiro, coordenados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que ex-pulsou e continuará expulsando milhares de famílias pobres de suas comunidades. A exemplo da hidrelétrica de Belo Monte, a transposição do rio São Fran-cisco, as hidrovias e ferrovias trazem a falsa propaganda do desenvolvimento a serviço das grandes empresas.

Diante de todos os projetos de destruição, pode-se ver a resistência das comunidades tradicionais do norte de Minas Gerais, que lutam pela defesa do rio São Francisco e um projeto de revitalização que contemple os seus projetos de vida e que possibilite o resgate da vida do Velho Chico. n

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8Agosto–2010

Acampamento Terra Livre 2010

Maíra HeinenEditora do Porantim

aldeia urbana Marçal de Souza, em Campo Grande, se transfor-mou em comunidade indígena multiétnica, com povos de todos os cantos do país entre os dias 16 e 19 de agosto. Foi a sétima edição do Acampamento

Terra Livre (ATL), oportunidade para colocar os problemas vividos para debate e buscar soluções. Nos momentos de denúncia, os indígenas reforçaram a importância da demarcação das terras para a preservação da cultura, da vida em comunidade e da auto-sustentação. Seguindo a tradição dos outros encontros realizados em Brasília, o evento terminou com uma caminhada de dois quilômetros pelas ruas de Campo Grande.

No primeiro dia do ATL, em coletiva de imprensa, as lideranças colocaram para as mídias presentes os anseios dos povos in-dígenas do Brasil e, dentre eles, o principal, que é a conquista da sua terra tradicional com a demarcação de seus territórios. Os coordenadores do encontro reafirmaram que esta é uma necessidade de todo o país e que a Constituição Federal não é respei-tada quando se fala em direitos indígenas.

Anastácio Peralta, como representante do povo Guarani Kaiowá, exemplificou o enorme preconceito existente no estado do Mato Grosso do Sul. “Aqui, um boi vale mais do que uma criança! Este estado precisa ser reeducado!”. Ao ser questionado sobre as principais necessidades dos indígenas tratadas no acampamento, ele enumerou terra, educação e saúde.

Romancil Kretã, coordenador da Ar-ticulação dos Povos Indígenas do Sul, destacou fortemente o direito à terra. “É preciso mostrar a realidade de que somos estrangeiros em nossas próprias terras, muitos de nós ficam à beira das estradas e os projetos de leis são criados para nos marginalizar cada vez mais”, afirmou.

Em nome dos indígenas nordestinos, o representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Mi-nas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Irajá Pataxó, deu destaque à criminalização de lideranças. “Nós, que somos os verdadeiros

donos desta terra, temos três presos políti-cos que estão atrás das grades por defender e reivindicar suas terras tradicionais”, disse lembrando da prisão do Cacique Babau e de seus irmãos. No dia seguinte a esta de-claração é que o evento soube da soltura das lideranças que estavam presas na Bahia.

Histórico de confinamentos no Mato Grosso do Sul

O procurador do Ministério Público Federal do MS, Marco Antônio Delfino, participou do segundo e terceiro dias do evento e relatou um pouco do histórico dos povos indígenas no estado, além de mostrar alguns dados atuais e assustadores da grande aglomeração de indígenas em espaços diminutos, discriminação e vio-lência contra os Guarani Kaiowá, os Terena, os Guató, os Guarani Ñandeva, Kadiwéu, entre outros.

Segundo o procurador, 68 mil indíge-nas vivem em 0,5 % do território do MS e o embate pela terra tem sempre o agro-negócio como ator principal. São várias comunidades no estado que vivem em beira de estradas e em terras diminutas, sem oportunidade de auto-sustentação, de disseminação da cultura tradicional. De acordo com o procurador, as terras indígenas muito pequenas ocasionam uma grande desorganização social. “A violência fica muito grande, surge a criminalização interna, a saída dos jovens para a cidade sem perspectiva de vida”, afirmou.

O cenário de violência é pesado. Delfino informou que são 140 homicídios para 100 mil habitantes na terra indígena de Dourados. Um número extremamente alto, que chega a ser maior que os índices de Estados em guerra civil, como o Iraque.

DescasoFarid, uma liderança da comunidade

Laranjeira Ñanderu, informou com tristeza a situação de seu povo que está a cerca de um ano e meio na beira da BR que liga Campo Grande a Dourados. “Muitos bebês morreram, muita gente passou mal porque não tem água, alimentos...estamos morrendo ali!”.

A falta de demarcação de terras foi o principal assunto debatido. Eliseu Guarani falou da importância da demarcação de

terras para a diminuição da violência contra os povos indígenas no MS. “Sofremos muita violência, matam nossas lideranças, mas o único jeito de acabar com isso é indo para nossa terra. E nós não vamos parar de lutar. Vamos retomar a nossa terra sim!”.

Já Elvisclei Polidoro, Terena da Comu-nidade Cachoeirinha, fez várias denúncias sérias em relação à Funai e ao governo do estado. “A Funai aqui age de acordo com a política do estado. A Funai é anti-indígena e o coordenador já chegou a fazer denúncia na Polícia Federal contra os indígenas que fazem retomadas e lutam por suas terras!”, afirmou.

Mas a questão da terra não fica apenas no Mato Grosso do Sul. Indígenas Kaingang que participavam do ATL também relataram a triste situação dos que ficam numa longa

O Acampamento Terra Livre 2010 aconteceu em Campo Grande (MS) e reuniu lideranças indígenas de diversas regiões do país para discutir questões relacionadas à saúde, educação e demarcação de territórios tradicionais

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O grito indígena pela garantia de direitos

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espera por suas terras, nas BRs do sul do país. Antônio Vicente, que está acampado com sua comunidade na BR 308, reclama da demora da Funai em resolver as pendências dos estudos para demarcação. “O Grupo de Trabalho (GT) até hoje não chegou e assim sem nossas terras ficamos com a higiene precária, dependemos sempre de cestas básicas, pois não temos terra para plantar e o que ainda entra de recurso é da venda de nossos artesanatos”,lamenta.

Dorvalino Joaquim vive situação pare-cida. Ele também é Kaingang e vive na BR 285, município de Mato Castelhano. “O GT já terminou os estudos de nossa área, mas terminou em março e até agora não teve nada de avanço, a Funai ainda não auto-rizou o levantamento fundiário e a gente fica nessa espera sem fim!”, diz. Para as lideranças, o sentimento é de que estão en-gessados pela burocracia. “A nossa vontade é de ir lá e trabalhar, resolver as coisas que estão pendentes. Quando é que teremos nosso espaço?”, declara Dorvalino.

Violência sistemáticaEm documento que será enviado aos

candidatos à Presidência da República e a organismos nacionais e internacionais que trabalham em prol da garantia dos direitos humanos, os participantes do ATL citam um slogan que tem sido amplamente divulgado no estado: “produção sim, demarcação não”. Isso confirma, mais uma vez, o que

7º Acampamento Terra Livre contou com a presença de indígenas de várias partes do país, além do apoio da CNBB com a presença do Bispo de Três Lagoas, dom Moreira. O evento foi oportunidade de apresentar reivindicações e manter a mobilização indígena viva

9 Agosto–2010

a doutora em Educação, Iara Tatiana Bonin, caracteriza como racismo institucional. “A violência sistemática registrada nos últimos anos permite que nesse estado se configure um tipo de racismo institucional, materializado com ações de grupos civis e omissões do poder público”.

Os casos de violações de direitos entre as populações indígenas do MS demons-tram a opção feita pelo governo federal ao tratar as questões intimamente ligadas a esses povos, como a demarcação dos territórios tradicionais, atitude que tem ignorado ou até facilitado as investidas de grandes latifundiários e até da própria população local contra os indígenas.

De acordo com o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2009, somente no ano passado 33 indígenas foram assassinados em Mato Grosso do Sul, o que representa 54% do total de 60 casos apresentados pela publicação, que é organizada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

De acordo com o coordenador do Cimi Regional MS, Egon Heck, a opção política do Estado tem sido de omissão. “O estado apresenta o maior número de ocorrências desde 2003 e nada tem sido feito para transformar essa realidade. O que prospe-ra na região são as usinas de etanol que incidem sobre as terras indígenas, tanto as já demarcadas quanto as que aguardam identificação”.

cação das terras indígenas nas bacias dos rios que cortam o estado, mas a atividade é impedida por meio de recursos judiciais dos fazendeiros que disputam a área. “Essa é a última estratégia para inviabilizar a identificação”, aponta Egon Heck.

Mas durante o Acampamento, uma notícia chegou para dar ânimo e esperança aos Guarani no MS: o presidente do Supre-mo Tribunal Federal, ministro Cezar Pelu-so, suspendeu três liminares que impediam a demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul. Em uma delas, um Mandado de Segurança ajuizado pela Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso do Sul (Famasul), os trabalhos da Fundação Nacional do Índio (Funai), como estudos antropológicos e demais trabalhos para demarcar terras reivindicadas pelos Guarani Kaiowá, estavam condicionados à notificação prévia dos ocupantes dessas áreas.

Ao suspender as liminares, Peluso disse que não se pode impedir o processo de demarcação “o prosseguimento do procedimento demarcatório do território indígena Guarani Kaiowá acautelará o interesse público e a efetividade do texto constitucional”. Em Campo Grande, as lideranças comemoraram a decisão.

Apoio da CNBBAlém da presença das lideranças, do

procurador da república, os indígenas também contaram com a presença de Dom Moreira, bispo de Três Lagoas - MS. O representante da CNBB ressaltou a impor-tância de um evento deste porte acontecer em Campo Grande. “É só encontrando gente com as mesmas questões e a mesma vontade de lutar é que a gente consegue seguir na luta! Só assim sabemos que so-mos sujeitos da história e é isso que estes indígenas fazem aqui neste momento!”, afirmou.

Segundo ele, a CNBB manifesta solida-riedade e procura alertar as autoridades dos problemas vivenciados por estes povos no estado. “Temos grande preocupação e reconhecemos o valor da luta destes índios aqui. E como cristãos, pedimos que olhem com atenção para os indígenas porque eles vivem situações muito complicadas aqui no Mato Grosso do Sul.”, declarou.

Documento finalNa manhã do último dia foi aprovado

um documento em que os participantes reafirmam solidariedade aos povos do MS. “Unidos pela mesma história, os mesmos problemas, as mesmas ameaças, os mes-mos desafios, a mesma esperança e a mes-ma vontade de lutar por nossos direitos, viemos das distintas regiões do país para nos solidarizar com os povos indígenas deste estado, que de forma incansável lu-tam, resistem e persistem na defesa de seus mais sagrados direitos, principalmente, à vida e à mãe terra”.

O documento final apresenta as prin-cipais reivindicações dos diferentes povos do país em relação à saúde, educação, direito à terra e grandes empreendimen-

tos. Entre os pontos principais estão: situação de abandono e miséria vivida pela maioria dos povos como no Mato Grosso do Sul, discriminação, criminalização de lideranças e assassinatos dos que lutam pela terra.

De acordo com o texto, o crescimento econômico almejado pelo governo não condiz com a situação em que vive a maioria dos povos no Brasil. “Em regiões como Mato Grosso do Sul, as comunidades Guarani Kaiowá vivem confinadas em ter-ritórios diminutos ou acampadas na beira de rodovias, aguardando a demarcação de suas terras, invadidas ou submetidas sob pressão do latifúndio e do agronegócio, da pecuária e das grandes plantações de cana de açúcar e de eucalipto, sob olhar omisso, a cumplicidade ou a morosidade dos órgãos públicos”.

Entre as reivindicações em relação à demarcação de terras estão: criação de um Grupo de Trabalho (GT) para acelerar o processo de identificação e demarcação; garantia de segurança nas terras indígenas, na posse e permanência dos indígenas no território ocupado; articulação junto ao Ministério Público Federal (MPF) para entrada de agravo de instrumento para garantia de posse dos indígenas nas áreas ocupadas, entre outras.

Outras reivindicaçõesOs participantes ainda pedem que o

atendimento à saúde indígena seja estendi-do a toda a população independentemente do local em que moram (terras demarca-das, aldeias urbanas ou acampamentos), bem como que durante esse atendimento sejam respeitados os conhecimentos e a medicina tradicional dos pajés e parteiras, além do uso de plantas medicinais durante o tratamento.

Quando se voltaram ao tema educação, eles reivindicaram que o acesso à educação de qualidade aconteça nas próprias comu-nidades ou em áreas próximas às mesmas e de forma permanente e diferenciada, atendendo as necessidades de cada povo, com condições apropriadas de infra-estru-tura, recursos humanos, equipamentos e materiais.

“Que seja implementada a escola in-dígena em todas as aldeias, com projeto político-pedagógico próprio, calendário e currículo diferenciado, conforme a tradição e a cultura dos nossos povos e de acordo coma Resolução nº 3, do Conselho Nacional de Educação (CNE), assegurando apoio operacional técnico, financeiro e político”.

No documento, ainda tratam das ques-tões e discussões que envolvem o Decreto 7.056/2009, que estrutura a Fundação Na-cional do Índio (Funai) e sobre os grandes empreendimentos previstos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Eles cobram respeito às leis brasileiras e internacionais que tratam dos direitos dos povos indígenas, como a Constituição Federal, a Declaração Univer-sal dos Direitos Humanos e a Convenção 169 da Organização Internacional do Tra-balho (OIT). n

Para o Cimi, há lentidão e omissão do governo federal em identificar, demarcar e homologar as terras indígenas. Somente em Mato Grosso do Sul, há cerca de 20 áreas em processo de regularização, que deveria ter sido concluído há mais de um ano, conforme Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pela Funai.

Seis grupos de trabalho foram esca-lados pela Fundação para fazer a identifi-

Poder popular

10Agosto–2010

Indígenas Kaimbé, em SP, também

participaram da preparação

para o Plebiscito

pelo Limite da Propriedade

da Terra

Beatriz Catarina MaestriCimi Sul – Equipe São Paulo

epresentantes de 33 movimen-tos e entidades do estado de São Paulo estiveram reunidos no dia 31 de julho, no Sindicato

dos Bancários, no centro de São Paulo, para participar da Plenária Estadual do Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra, organizado pela Assembleia Popular.

A Plenária tratou do plebiscito e suas implicações no campo e na cidade e contou com a assessoria de Gilberto Portes, coordenador do Fórum Nacional da Reforma Agrária, entidade que está à frente da organização do Plebiscito.

Gilberto aprofundou aspectos da realidade agrária do país, com ênfase em dados estatísticos sobre a distribuição de terras no Brasil e mais especificamente em São Paulo. Um dos principais fatores responsáveis pela miséria que se expan-de mundo afora é a desigualdade social. E o Brasil bate recordes neste aspecto.

Desde a chegada dos portugueses ao país, avançando território adentro e dizimando populações indígenas, se inicia o processo de concentração da

Haroldo Heleno Cimi Regional Leste - Equipe Itabuna

Fórum de Luta por Terra, Tra-balho e Cidadania da Região Cacaueira (FLTTC) promoveu no ultimo dia 31 de julho, na

sede das Pastorais Sociais da Diocese de Itabuna, no Bairro Santo Antônio, uma Oficina Regional de preparação para a Campanha e o Plebiscito Popular a ser realizado no período de 1º a 7 de setem-bro, para definir o limite da propriedade da terra no Brasil.

Participaram cerca de 60 lideranças de 15 municípios (Itabuna, Ilhéus, Euna-polis, Porto Seguro, Coaraci, Arataca, Jequié, Ubaitaba, Camacan, Maraú, São João do Paraíso, Almadina, Uruçuca, Barra do Rocha e Salvador) represen-tando mais de 30 entidades (Pastorais da Igreja Católica, Congregações Religiosas, Movimentos de Luta pela Terra, Povos Indígenas, Estudantes, Movimentos ambientalistas, Sindicatos, Fóruns de articulações, Quilombolas, Movimento de mulheres, e outros).

A Fase fez um breve histórico da luta pela terra no Brasil, ressaltando que a Campanha enfatiza a existência do prin-

terra. Assim, segundo dados do IBGE de 2006, quase 50% dos estabelecimentos agropecuários do país têm menos de 10 hectares (ha) e ocupam somente 2,36% da área, enquanto menos de 1% dos estabelecimentos rurais têm área acima de mil ha cada e ocupam 44% das terras. No Pará, por exemplo, só um proprietário detém mais de 4 milhões de ha de terra.

O modelo de desenvolvimento atual, que privilegia o agronegócio com suas imensas extensões de monocultura, gera um crescimento econômico desordena-do e cruel que empobrece e expulsa do campo os pequenos produtores, fazendo inchar as grandes cidades. Já em relação à produção, a agricultura camponesa é a que mais produz para o consumo da população brasileira, sendo responsável pela maioria dos produtos que vão para a mesa do povo, enquanto que o agro-negócio, com largas extensões de terra, produz prioritariamente para exportar, como é o caso da soja, cana-de-açúcar e eucalipto.

Diante deste quadro desigual e injus-to, é preciso mudar a estrutura agrária do país, tendo presente a reforma agrária, a soberania alimentar e territorial. Isso significa mexer com o modelo econômi-

cípio da “função social da propriedade da terra” explicitado pela primeira vez em 1964, na Lei do Estatuto da Terra, e mais tarde assumido na Constituição Federal de 1988. Para a Campanha, “a terra é um meio fundamental para a reprodução da vida e não apenas uma mercadoria”.

A Campanha quer animar um debate aberto na sociedade brasileira sobre as desigualdades na distribuição da proprie-dade da terra, e combate ao latifúndio. Já o Plebiscito, alinhado com a Campanha, vai consultar os(as) cidadãos(ãs) sobre a proposta da Campanha de limitar o ta-manho máximo da propriedade da terra em 35 módulos fiscais (no sul da Bahia, o módulo fiscal é de 20 hectares). Para as organizações integradas à Campanha e ao Plebiscito, estas são iniciativas ca-pazes de contribuir para tornar realidade

Plebiscito Popular sobre o limite da propriedade da terraAssembleia Popular prepara Plebiscito em São Paulo

co agrícola. É o que propõe o Plebiscito: estabelecer um limite para a proprieda-de da terra como um mecanismo que garanta cidadania e desenvolvimento econômico e social, acabando com os latifúndios e disponibilizando terras para milhares de famílias sem-terra.

Neste ano, o plebiscito acontece nos dias 1º a 7 de setembro, quando também se realiza o Grito dos Excluídos. O tema teve indicação nas reflexões da Campa-nha da Fraternidade – 2010. Movimentos sociais, entidades, Igrejas e partidos políticos de todo o país estão engajados nesta luta pela justa distribuição das terras brasileiras.

Em São Paulo, os povos indígenas também se engajaram nesta campanha participando de várias atividades organi-

zadas pela Assembleia Popular. Durante a Plenária a líder do povo Kaimbé, Magna Silva Gonçalves, recordou a história e as lutas de seu povo, originário da Bahia, para ver suas terras garantidas: “Nós lutamos muito pela nossa terra na aldeia. Hoje estamos aqui, somando com vocês nesta luta para que a terra seja direito de todos!”.

É importante participar desse pro-cesso mobilizando e animando as comu-nidades, assinar o abaixo-assinado que acompanha toda campanha e votar no período indicado. É fundamental cobrar dos candidatos de nossa região a sua adesão ao Plebiscito. O abaixo-assinado e outras informações estão disponíveis na internet, no site www.limitedapro-priedade.org.br . n

o disposto no artigo 3º, inciso III da Constituição que é “erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades regionais” e ainda de garantir o desenvolvimento econômico e social através de reforma agrária.

Dentre os encaminhamentos do encontro ficou definido que os ativistas presentes farão parcerias em cada mu-nicípio para operacionalização da Cam-panha e Plebiscito; no dia 6 de agosto, delegados(as) da região participarão da Plenária Estadual em Feira de Santana, e no dia 25 de agosto haverá uma reunião em Itabuna, para socialização das ações e planejamento do Grito dos Excluídos.

HistóricoO FLTTC reúne entidades e movimen-

tos sociais populares desde 1997 com

o objetivo de trocar experiências sobre lutas e atividades que cada organização integrante desenvolve além de promover eventos de capacitação e planejamento de ações consensualmente definidas como prioritárias, a exemplo do Grito dos Excluídos.

Durante 13 anos de vida o FLTTC promoveu os plebiscitos populares sobre a Divida Externa, o da Alca e da privatização da Vale do Rio Doce. O FLTTC também se engajou na coleta de assinaturas em apoio ao projeto Ficha Limpa. Realizou seminários regionais sobre juventude, lutas indígenas, movi-mentos negros e de mulheres, políticas públicas e desenvolvimento, entre outros temas de interesse nacional e local que refletem alguma demanda por soberania popular e inclusão social. n

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OA Campanha quer animar

um debate aberto na

sociedade brasileira sobre as

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Oficina Regional sobre a Campanha do Limite da Propriedade da Terra

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11 Agosto–2010

Liberdade

Cacique Babau e Givaldo em Brasília, logo após a libertação. Abaixo, o encontro de Babau com o sobrinho Eruthawã e sua irmã Glicéria: alegria multiplicada

Saulo Ferreira FeitosaSecretário Adjunto do Cimi

o dia 16 de agosto foram liber-tados os irmãos Rosival (cacique babau), Givaldo e Glicéria, três importantes lideranças da co-

munidade indígena de Serra do Padeiro, do povo Tupinambá. Os dois primeiros permaneceram presos por mais de cin-co meses, enquanto a última ficou sob custódia durante dois meses e meio, acompanhada de seu filhinho Eruthawã, que à época da prisão encontrava-se com apenas dois meses de nascido. As motivações para suas prisões foram eminentemente políticas, em razão da disputa pela posse do território tradi-cional tupinambá, localizado entre os municípios de Buerarema e Ilhéus, no sul do estado da Bahia.

Todos são vítimas do famigerado processo de criminalização das lutas do campo, estratégia utilizada pelos grupos políticos dominantes no intuito de evitar qualquer possibilidade de mudança na injusta estrutura fundiária, política e eco-nômica que lhes favorece. Essa crimina-lização ocorre de maneira generalizada por todo o continente latino americano, razão pela qual há um sem número de lideranças indígenas, camponesas e de populações tradicionais encarceradas e ou respondendo a vários processos criminais.

Não é demais lembrar que essa tentativa de desmobilização das lutas populares na América Latina faz parte de uma ofensiva internacional onde os povos indígenas são identificados como uma ameaça constante aos interesses imperialistas. Por essa razão, na imple-mentação das ações criminalizantes(1) operam agentes privados e agentes do poder público vinculados aos mais variados órgãos estatais, principalmente integrantes dos sistemas de polícia e de justiça. Há, portanto, um confronto ideo-lógico muito bem delimitado, chegando inclusive às disputas pelos modelos de projetos políticos, a exemplo do que ocorre hoje em países como Bolívia e Equador, onde os povos indígenas aportam formas alternativas de governo, questionam a globalização e apontam

Para o povo Tupinambá fazer mais festa

o Bem Viver como uma alternativa ao modelo neoliberal.

O embate que acontece atualmente no Sul da Bahia envolvendo o povo Tupinambá, de maneira especial a co-munidade de Serra do Padeiro, não pode ser compreendido fora desse contexto maior. Ali se conflitam modelos anta-gônicos de projetos de vida que têm em sua base propostas distintas sobre a forma de ocupação e uso das terras. De um lado os indígenas, em processo de mobilização constante pela recuperação de seu território tradicional, destinado à posse coletiva e usufruto exclusivo dos membros daquela etnia, e de outro lado os fazendeiros e plantadores de cacau historicamente responsáveis pela concentração fundiária, detentores de latifúndios constituídos à custa de inva-são dos territórios indígenas e expulsão

de pequenos agricultores e populações tradicionais de suas terras. Somam-se a esses os empresários do turismo cujos empreendimentos (hotéis luxuosos) invadem a faixa litorânea do território Tupinambá.

A história de violência contra os povos habitantes nas proximidades de Ilhéus remonta aos tempos coloniais. Os registros historiográficos feitos pelos próprios protagonistas dos crimes cruéis são apresentados em um estilo textual que evidencia certo requinte sádico, revelando assim toda a crueldade dos massacres de indígenas, como se pode constatar em texto escrito pelo terceiro governador geral do Brasil, Mem de Sá: “Na noite em que entrei em Ilhéus fui a pé dar em uma aldeia que estava a 7 léguas da vila em um alto pequeno, todo cercado de água, ao redor de lagoas. E a

destruí e matei todos os que quiseram resistir e na vinda vim queimando todas as aldeias que ficaram para trás”.(2)

Em meio ao conflito hoje instalado existe uma realidade que se tenta ocultar a todo custo. É o recente processo de construção da autonomia da Comuni-dade de Serra do Padeiro, em avançado estágio de gestação. Passados mais de 500 anos do início da frustrada emprei-tada de extermínio do povo Tupinambá, o mesmo permanece vivo graças à sua longa trajetória de resistência. À me-dida que foram retomando parcelas de seu território tradicional, os indígenas começaram a desenhar uma experiência organizativa comunitária e participativa: as roças são cultivadas coletivamente em regime de mutirão, o excedente é comercializado e os recursos obtidos são distribuídos equitativamente através da associação. As decisões são tomadas em grupo, aproximando-se de um modelo de democracia participativa próprio das comunidades ameríndias.

Adotando um padrão de vida sim-ples, sem apego aos bens de consumo facilmente identificados nas várias al-deias indígenas e comunidades rurais do Brasil, os habitantes da Serra do Padeiro prezam pela mesa farta. Comer bem é sinônimo de vida boa e saudável. Aos que ali chegam pode até causar estranheza o fato de viverem sempre sorrindo em meio a toda sorte de violência a que estão submetidos. Para alguns, talvez fique a ligeira impressão de que os habitantes da Serra “vivem rindo à toa”. Ledo engano! O riso contagiante dos que lá vivem é a expressão plena da proposta de vida por eles defendida. Certamente poderiam ter servido de inspiração ao compositor Gonzaguinha quando nos convida a “viver e não ter a vergonha de ser feliz”.

Com o retorno de Babau, Givaldo, Glicéria e Eruthawã, certamente muitas novas histórias passarão a ser contadas à beira da fogueira que todas as noites é acesa no pátio central da aldeia. A alegria da volta e o reencontro com os parentes é, sem sombras de dúvida, mais um bom e importante motivo para o guerreiro Povo Tupinambá celebrar a vida e fazer mais festa. n

Ouça o Potyrõ Todos os sábados e domingos, às 12h35,dentro do Programa Caminhos da Fé, na rádio Aparecida. A transmissão é para todo o Brasil.

Ouça o Potyrõ

820 kHz

www.a12.comTambém estamos on line pelo portal www.a12.com

(1) Expressão intencionalmente utilizada com o intuito de diferenciar de “criminais” e traduzir o conteúdo político e simbólico das ações de criminalização.(2) Carta de Mem de Sá ao rei de Portugal, de 31/03/1560, em Silva Campos. Crônica da Capitania de São Jorge de Ilhéus. Rio de Janeiro, MEC, Conselho Federal de Cultura, 1981,

pág. 44. Apud Prezia & Hoonaert. Esta Terra Tinha Dono. 6. ed. rev. São Paulo: FTD, 2000.

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12Agosto–2010

Grandes obras

Por Cleymenne Cerqueira*Repórter

quem realmente interessa a construção da hidrelétrica de Belo Monte? Como a população local enfrentará as consequên-cias dessa obra? Para refletir

sobre estas e outras questões que envol-vem a hidrelétrica, cerca de 500 pessoas, entre lideranças indígenas, ribeirinhos, pescadores, agricultores e represen-tantes de movimentos sociais de várias regiões do Pará e de outros estados do Brasil se reuniram entre os dias 9 e 12 de agosto na cidade de Altamira (município localizado no sudoeste do Pará, a 454 quilômetros da capital, Belém).

Nas primeiras horas do dia 9, a paisa-gem da cidade já dava sinais de mudança. Na Orla do Cais do Porto, onde o grupo ficou acampado, se via um emaranhado de redes coloridas sob construções sim-ples de madeira e lonas azuis. Na Praça Dom Eurico, localizada entre o prédio da Prelazia do Xingu e a Escola Maria de Matias, também se viam redes estendidas e boas rodas de conversas e cantos. À noite, no auditório da Paróquia de São Sebastião, o evento foi oficialmente ini-ciado com a recepção dos participantes e manifestações culturais.

O acampamento contra a construção de Belo Monte trouxe um forte debate sobre os impactos dos grandes projetos do governo federal para as populações indígenas, ribeirinhas e rurais do Brasil. Embora as discussões fossem focadas em Belo Monte, vale destacar que o encontro foi um momento para as populações discutirem sobre as obras previstas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para todo o país, como as hidrelé-tricas, as estradas e a mineração.

Durante o evento, especialistas, pes-quisadores e membros de movimentos sociais e indigenistas que atuam na luta contra a usina fizeram ponderações, apresentaram dados e estudos. Os cerca de 500 participantes do encontro também tiveram voz. Eles dividiram com os demais

as experiências e dificuldades vividas ao longo dos anos pelas inúmeras obras do governo, como as hidrelétricas de Itaipu, de Estreito e de Tucuruí, entre outras.

Alguns impactosA hidrelétrica de Belo Monte, que

poderá custar até R$ 30 bilhões, inun-dará uma área superior a 500 km2 para gerar pouco mais de 11 mil megawatts de energia elétrica. A área inundada afe-tará diretamente nove povos indígenas, além de comunidades ribeirinhas e agri-cultores familiares. O empreendimento ainda secará parte do rio Xingu, de onde muitas famílias retiram seu sustento; au-mentará a temperatura das águas, o que impossibilitará a sobrevivência de várias espécies de peixes, e causará enorme desmatamento e extinção de animais e plantas raras, encontrados somente nessa região.

De acordo com a pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Dra. Janice Muriel-Cunha, o povo precisa decidir se o que quer é o desenvolvi-mento proposto pelo governo brasileiro, aos moldes do modelo europeu, ou um desenvolvimento limpo e justo. “O modelo de desenvolvimento adotado pela Europa destruiu cerca de 99,2% da vegetação natural e dos recursos ambien-tais daquele continente. É o mesmo que queremos?”, indagou Janice.

Para o pesquisador Rodolfo Salm, também da UFPA, Belo Monte não passa de uma aventura eleitoreira porque o Brasil não precisa desse empreendimen-to para se desenvolver e ser feliz. “É uma manobra da senhora Dilma Rousseff para se promover e de outros ‘malandros’ do sistema energético brasileiro”.

Janice acredita que Belo Monte é apenas uma das lutas que o povo bra-sileiro terá que enfrentar. “Esse projeto de barragem é apenas mais um que nós cientistas, ribeirinhos, indígenas e população urbana precisamos aprender a combater. Como esses virão outros tantos, todos inviáveis do ponto de vista social, econômico, ambiental e cultural”.

Apoio popular reforça luta contra Belo Monte

Representantes de diversos povos indígenas do país prestaram apoio e solidariedade às comunidades da região. “Estamos aqui para somar com nossos parentes. A luta não é somente contra Belo Monte, mas contra todas as grandes obras do governo federal que invadem e destroem o meio ambiente”, afirmou Sandro Kaiapó.

Josinei Arara, liderança da Volta Gran-de do Xingu, convocou os parentes para a “guerra” contra Belo Monte. “Somos guerreiros e estamos na luta para o que der e vier. Estamos juntos. Se o governo pensa que pode chegar fazendo o que quer sem respeitar nossos direitos ele vai descobrir que não é bem assim. Estamos fortes, vivos até o último suspiro contra essa usina e a favor do rio Xingu”.

Já o cacique Amiot, da aldeia Gorotire (PA), disse claramente por que os povos indígenas não querem a hidrelétrica. “Não queremos Belo Monte porque essa obra vai acabar com a riqueza das nossas terras, vai acabar com as nossas formas de bem viver, de nos relacionar com o meio ambiente e com a nossa medicina natural”.

Matudjo Kayapó, por sua vez, denun-ciou as tentativas do governo federal e da Eletronorte de cooptar lideranças indígenas com falsas promessas. “Eles estão fazendo a cabeça dos nossos pa-

rentes e estes dizem que têm medo de ficar sem saúde, educação, e por isso, apoiam o empreendimento. Isso é tudo mentira, temos esses direitos garantidos em leis e não precisamos ceder a essas chantagens”.

Sheila Juruna chamou os parentes à luta contra o empreendimento. “Quero deixar claro aqui que nós, os Juruna de Paquiçamba, e os povos indígenas do rio Xingu, estamos sim contra Belo Monte. Não vamos nos vender para o coloniza-dor, não vamos vender nossa vida a esses grandes projetos”.

Felipe, morador da região paraense de Gurupá, confirmou as falas de Sheila quando disse que a luta não é somente dos povos indígenas de Altamira, mas de todos os povos do país. Para ele, somen-te a junção de forças e a mobilização da opinião pública poderá frear o projeto de Belo Monte.

Ele indaga aos participantes para onde vai o povo do Xingu, caso a obra seja construída e utiliza uma passagem biblíca para confirmar sua fala de luta e esperança. “Somos poucos sim para essa luta, mas Deus disse: ‘o pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada’, então tendo fé e lutando vamos conseguir barrar essa obra e todas as outras propostas mentirosas do governo brasileiro, que só lembra dos povos indígenas e nos procura de quatro em quatro anos quando quer o nosso voto”.

Acampamento em defesa do Xingu repudia construção de Belo Monte!Mobilização em repúdio à construção da usina aconteceu entre os dias 9 e 12 de agosto e reuniu cerca de 500 pessoas, entre lideranças indígenas, ribeirinhos, pescadores, agricultores e comunidade local de Altamira

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Discussões, desabafos e passeata marcaram a Mobilização em Defesa do Xingu: Contra Belo Monte, em Altamira, PA.Indígenas, ribeirinhos, pescadores e trabalhadores continuam sua luta contra a obra gigantesca

13 Agosto–2010

Padre Flávio Lazzarin, da Comis-são Pastoral da Terra (CPT) Nacional, chamando a todos de companheiro, reforça a luta dos movimentos sociais do país contra Belo Monte. “Reafirma-mos nosso compromisso com a terra, com o meio ambiente e trazemos nosso apoio aos povos indígenas e suas lutas contra essas grandes obras”. Ele ainda afirmou que toda luta tem que trilhar o caminho jurídico, mas também o da marra, das mobilizações e das pressões sociais. “Temos esperança que os dois caminhos um dia andem juntos e sirvam à vida das culturas, dos povos e não ao grande capital”.

Outra representante da região de Gurupá, a professora Silvana, disse aos participantes que sua comunidade também será atingida pela hidrelétrica, e que, como os indígenas, precisam da terra, do meio ambiente, inclusive como meio de sobrevivência. Para ela, eles partilham a mesma realidade e, por isso, somam forças contra a obra. “Dizer não a Belo Monte é dizer sim à vida”.

Lutarei até o último dia da minha vida!

O cacique Raoni Metuktire, liderança Kayapó de Mato Grosso, manifestou mais uma vez seu apoio às lutas contra Belo Monte. Em um ambiente cheio, com diversas lideranças de outros povos e representantes da comunidade local, ele resgatou um pouco da luta dos povos

da região contra grandes projetos e cobrou da mídia apoio para mobilizar o movimento.

Para Raoni, essa briga não é só de um povo, de uma nação, mas da sociedade como um todo. “Nunca devemos desis-tir. Temos que erguer a cabeça porque estamos brigando por um direito que é nosso. Temos que mostrar ao povo brasileiro que nossa luta é autêntica para que respeitem nossos direitos, nossas tradições”, afirmou.

Segundo ele, os povos indígenas não devem aceitar as imposições do presi-dente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ou de qualquer outro que venha a governar o país. “Não temos que aceitar imposições de ninguém. Eu sou contra tudo que o governo está querendo co-locar em nossas terras, BRs, barragens. Eu sempre lutei pelo meu povo, ao lado de vocês, e vou continuar lutando até o último dia da minha vida”.

Raoni convocou os parentes para reforçar a luta contra Belo Monte e os demais grandes projetos. “Toda vez que nos unimos reforçamos nosso movimen-to. Não devemos ter medo da polícia, do fazendeiro, de ninguém que está ameaçando nossa reserva, a natureza. Natureza é vida, ela nos sustenta até hoje, por isso, temos que defendê-la como pai e mãe que nos dá vida”.

Ao final de sua fala, Raoni indagou: “É isso mesmo que nós queremos, parentes? Estamos juntos contra Belo Monte?” Ao que foi respondido com uma afirmação em coro pelos presentes, seguido de aplausos.

Para onde vai o povo do Xingu?

Essa é uma das principais indagações que a população de Altamira faz e sobre a qual continua sem respostas. “O que será feito com as cerca de 30 mil pessoas que serão atingidas pela obra? Para onde irão, onde e como viverão?”, indagou dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Dom Erwin tem acompanhado as lutas contra Belo Monte desde 1975, período do regime ditatorial no país, quando o governo apresentou a proposta de construir seis barragens no rio Xingu e uma no rio Iriri. De acordo com ele, após pressão política e social, o povo

e os movimentos sociais conseguiram barrar o projeto, que acreditavam estar abandonado, esquecido.

No entanto, o governo Lula surpre-ende a população brasileira novamente ao trazer à cena o mesmo projeto, que antes era chamado de Kararaô. “Mudou apenas o nome, mas a intenção continua a mesma: acabar com o meio ambiente e com os povos do Xing”, declarou.

Para o bispo, o governo mente quan-do diz que somente essa barragem será construída na região. “Depois dessa pronta ele sempre dirá que para gerar a energia necessária para a população do país terão que ser construídas mais e mais hidrelétricas”.

Principais questionamentosAlém de se perguntarem diariamente

para onde irão os povos do Xingu e o que acontecerá com o meio ambiente dessa região, outras preocupações afligem os moradores de Altamira. De que viverão as famílias que tiram o sustento dos rios e das matas? Como viverão sem água aquelas comunidades cuja vazão do rio vai diminuir?

“Esse povo, acostumado a viver do trabalho de suas próprias mãos, da caça, da pesca, da agricultura, como viverá em casas com móveis bons, energia elétrica, água encanada, eletrodomésticos, mas sem sua principal fonte de sobrevivên-cia? De que viverão? Como criarão seus filhos e netos?”, indaga dom Erwin.

Até o momento, a população de Altamira não sabe o real tamanho desse reservatório. Todos os dias mudam-se as dimensões da obra e o povo não é sequer comunicado. Para Dom Erwin e diversos especialistas que realizaram estudos sobre a viabilidade do empreendimento, o reservatório será como um lago podre, morto, um viveiro de pragas e doenças endêmicas, às margens do qual ficarão inúmeras famílias, sujeitas à própria sorte.

“O mesmo governo que proibiu a pesca e a comercialização de peixes ornamentais na região liberou o projeto de Belo Monte. Que contradição!”, con-testou Dra. Janice.

O projeto, a exemplo de outros grandes empreendimentos no país, trará diversos trabalhadores e famílias atrás do sonho de um eldorado, o que aumentará em números absurdos a população de Al-tamira, que hoje gira em torno de 100 mil

pessoas. A região não tem condições de recebê-los, o que gerará conflitos, violên-cias e problemas de atendimento básico em saúde e educação, entre outros.

Serão necessárias mais Belo Monte

O histórico de lutas e resistências em relação à construção da hidrelétrica de Belo Monte demonstra o descaso do governo federal para com os povos indígenas. Falta de consulta prévia e desrespeito a convenções internacionais marcam as idas e vindas desse projeto planejado para ser construído no rio Xingu e que afetará milhares de famílias da região de Altamira, no Pará.

Diversos estudos e pareceres de especialistas já comprovaram a inviabi-lidade econômica, social e ambiental do empreendimento, como também suas consequências desastrosas para o meio ambiente, a cultura e as tradições das comunidades da região. No entanto, o Estado desconsidera essas informações e ignora as ações de diversos movimen-tos sociais contra o empreendimento.

“A grande crítica que se faz é que Belo Monte não será única. Pelo contrário, o governo continuará dizendo que mais e mais barragens serão necessárias para gerar energia para o país. Na verdade, o objetivo é transformar o Xingu em uma grande hidrovia, exterminando assim prá-ticas de sobrevivência e geração de renda para diversas famílias, como a pesca”, dis-se Guilherme de Carvalho, representante da Federação de Orgãos para Assistência Social e Educacional (Fase).

Para ele, é importante destacar que a luta contra Belo Monte é a luta contra um bloco (governo, parlamento, alguns movimentos sociais, ONGs e lideranças) que apregoa o projeto desenvolvimen-tista do governo.

“Diante da negativa do governo, da grande mídia, de todo esse bloco, o que nos resta é nos reunir, mobilizar lideranças e exercer pressão social, que é justamente o que está acontecendo aqui. Não somos contra o desenvolvimento do país, somos contra esse modelo de desenvolvimento que coloca nas mãos de poucos os muitos recursos naturais do país, que atropela os direitos humanos”, afirmou Carvalho. n

* Colaborou J. Rosha

14Agosto–2010

Acima, indígenas em momento de

descontração pelo Dia do

Índio. Abaixo,

momento de concentração

e estudo com os

missionários

Ética e regulamentação na pesquisa antropológica

Leda BosiSedoc

livro é produto de um seminário realizado na UnB, em novembro/2009, como atividade do Departamento de Antro-pologia da universidade, com alguns dos seguintes objetivos: promover a discussão sobre ética, a partir das especificida-

des da antropologia; agregar ao debate as experiências concretas de antropólogos que passaram por fóruns de regulamentação da pesquisa (Comitês de Ética, Departamentos da Funai, do Ministério Público etc.) para coletivizar dúvidas e ansiedades individuais de cada pesquisador, de forma a configurar uma perspectiva analíti-ca sobre o assunto; conhecer melhor as regulamentações éti-cas que orientam as pesquisas no país, as práticas e expectati-vas de instituições que regulamentam as pesquisas; suscitar uma reflexão sobre ética que não parta das experiências de regulamentação, mas que entrecruze as particularidades dos desafios em pesquisa antropológica com as normativas éticas, buscando um amadu-recimento discipli-nar na relação com as regulamentações éticas.

O texto se compõe de três partes e tem a participação de 19 pesquisadores e colaboradores. Na primeira parte apresenta um “Panorama da discussão sobre ética em pesquisa na Antropologia”. Na segunda, temos “Experiências concretas com a regulamentação externa à pesquisa em Antropologia e Sociologia” e, na terceira, há uma reflexão sobre “A Perspectiva dos órgãos regulamentadores”.

Conforme as palavras do Professor titular de Antropologia, Gustavo Lins Ribeiro, o aprofundamento do debate sobre a ética na pesquisa em ciências sociais é cada vez mais necessário, pois, ao contrário do que se possa pensar, muitas vezes, seus impactos, diretos ou indiretos, têm um grande alcance em política públicas e em ideologias em geral. Visto as mudanças constantes nos campos das questões sociais, políticas, culturais e econômicas, é preciso estar constantemente retomando os termos do debate para aperfeiçoá-lo, difundi-lo e contribuir para a incorporação prática dos seus resulta-dos por parte dos pesquisadores e das instituições. n

Relato Missionário

P r E ç O S Ass. anual: R$ 40,00 *Ass. de apoio: R$ 60,00 América Latina: US$ 40,00 Outros países: US$ 60,00

* Com a assinaTura de aPoio voCê ConTribui Para o envio do jornal a diversas Comunidades indígenas do País.

Solicite Sua aSSinatura pela internet:[email protected] o

se preferir pode enviar CHeQue por carta registrada nominal aoConselHo indigenisTa missionÁrio, para o endereço:sds – ed. venâncio iii, salas 309/314 – CeP: 70393-902 – brasília-dF– Para a sua segurança, se for enviar cheque, mande-o por carta registrada!– Comunique sempre a finalidade do depósito ou cheque que enviar.– Inclua seus dados: nome, endereço, telefone e e-mail.

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Formas de Pagamento:

Ir. Nilvo Luiz FavrettoCimi Regional Norte I

esde o dia 8 de março eu, Ir. Nilvo, juntamente com o Ir. Eder estamos vivendo entre os Marubo, povo de língua Pano na terra indígena Vale do

Javari – Amazonas. Nossa principal missão é colaborar com os professores na melhoria da qualidade da educação escolar indígena. O que temos visto e sentido é que uma educação de não-índios é imposta, com uma única diferença que era dada na língua indígena pelo menos no período da alfabetização.

As lideranças perceberam que não daria mais para viver isolado num mundo globaliza-do e que o caminho mais fácil para lidar com o mundo não-indígena passaria pelo proces-so educacional, na aprendizagem da língua portuguesa, da matemática. Mas não se deve esquecer também a língua materna, os usos e costumes tradicionais.

Diríamos: educação escolar indígena e educação indígena. É perfeitamente possível e enriquecedor que estes dois modelos estejam entrelaçados. É por isso que estamos com esse povo. Nossa principal atividade é acompanhar os professores em seu exercício da docência para que a cultura tradicional, os ensinamen-tos orais que foram passados de geração em geração até o presente não se percam. Em sala de aula, a presença dos sábios e sábias, anci-ãos da comunidade, se faz sentir nas histórias contadas, nas falas sobre os contatos com os brancos, repassando seus conhecimentos so-bre as plantas medicinais, a arte de caçar e de fazer artesanato e, para as mulheres, a arte de se pintar, fazer os adornos (artesanato) para se enfeitarem e participarem das festas do povo.

No dia 19 de abril, a comunidade em seu calendário escolar, celebrou a festa do povo

com muitas atividades recreativas, culturais e esportivas durante o dia, mais especificamente para as crianças e jovens. À noite, na grande ma-loca, aconteceram danças do povo. As crianças e jovens, todos pintados e enfeitados com colares se alegraram comunitariamente. Ao término da festa, os mais velhos em roda, com todos os presentes, iam cantando os cânticos tradicionais e os mais jovens, mulheres, homens e crianças, iam repetindo, reiterando com muita ênfase a educação oral da cultura marubo.

Há muito por avançar. Infelizmente, da parte do Estado e do município faltou em-penho e envio de material para podermos desempenhar, a contento, o trabalho educa-tivo. Não havia pincéis para quadro branco, e nem quadro negro. O jeito, para o brasileiro criativo, foi inventar. Escrevemos em folhas de papel ofício, cartolina ou papel pardo.

Na saúde, acompanhamos de perto o sofri-mento do povo e o descaso da Fundação Nacio-nal de Saúde (Funasa). O povo ficou 32 dias sem nenhum profissional. Não havia remédios, nem os mais básicos como dipirona, agulhas para seringas e antibióticos. Aconteceu um surto de gripe muito forte e os casos de malária ainda continuam elevados. Nós também acabamos ficando doentes e o caso foi denunciado junto ao Ministério Público Federal. No segundo semestre continuamos aqui. n

Resenha

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Soraya Fleischer e Patrice Schuch (Orgs.)Brasília : Letras Livres : Editora UnB, 2010248 p.

Primeiro semestre entre os Marubo

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No Fórum, pode-se sentir o pulsar forte do coração do continente em busca dos novos caminhos que vão sendo feitos, caminhando, debatendo, somando, sonhando, partilhando e construindo

15 Agosto–2010

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Egon HeckCimi Regional Mato Grosso do Sul

Eles estão aí com suas múltiplas cores, línguas, artes, vestimentas, mos-trando a bela diversidade do continente americano, Abya Yala. Os povos indí-genas originários deram um tom todo especial ao Fórum Social das Américas. E o fizeram não mais com o assento na denúncia da dominação e massacre secular do projeto colonizador, mas a partir das propostas de vida emergidas de sua sabedoria milenar, de suas raízes profundas, de seus projetos de vida. Da resistência, das sementes lançadas nas brechas dos muros do sistema colonial, capitalista, neoliberal, nasce uma nova matriz civilizatória, o bem viver.

Num momento de profunda crise planetária, política, econômica, social e ambiental, a América Latina é o solo fecundo, de onde emerge e se gesta uma verdadeira revolução, uma nova matriz civilizatória vai sendo construída. Conforme diz Irene Leon, “Isto é patente tanto nos enfoques de refundação sus-tentados em torno do Sumak Kawsay (Bem Viver) Suma Qamaña (Viver Bem), Ñandereko (Vida harmoniosa), como aqueles que se fazem em torno ao So-cialismo Comunitário e do Século 21”, (Alai, julho 2010).

O Bem Viver como Boa Notícia

Nesta verdadeira primavera latino--americana, no coração do continente - o Paraguai - se ouviu o grito plural de uma nova América. Uma Abya Yala não só possível, necessária e urgente, mas em construção, em caminho, aflorando das raízes indígenas originárias, afrodescen-dentes e campesinas deste continente. Recolhe, como as águas da resistência, dos milhares de vidas ceifadas, dos he-róis e mártires da justiça, dos ideários e

testemunhos revolucionários, que pas-sam por Martí, Che Guevara, Sepé Tiaraju e milhões de lutadores e guerreiros da justiça, da igualdade e da vida solidária e fraterna no continente latino-americano.

O Bem Viver é mais do que uma inspiração, um novo paradigma de vida e sociedade. É uma raiz milenar e plural que torna as experiências históricas dos povos deste continente, suas relações com a Pacha Mama (mãe terra), suas di-versidades, como base para desconstruir o projeto colonial e atual modelo neolibe-ral, e construir novos projetos de sociedade, no início deste século XXI.

Nos vários espaços desse IV Fórum Social das Américas, pode-se sentir o pulsar forte do coração do conti-nente em busca dos novos caminhos que vão sendo feitos, caminhando, debatendo, somando, sonhando, partilhando e construindo. A caminhada de abertura, por mais de três horas pelas ruas de Assunción, simbolizou a determinação e necessi-dade de avançar na construção de redes dos movimentos sociais do continente, que sustentem e impulsionem a árdua luta contra o sistema que celeremente destrói o planeta Terra e ameaça a sobrevivência da vida dessa nossa casa comum. O caminho poderá ser duro, sofrido e longo, mas é urgente e convoca todos os povos para se unirem em torno desse grande mutirão da vida e nova civilização.

Os processos de mudanças no con-tinente latino-americano são molas propulsoras da esperança. Não são apenas sonhos, mas são propostas sendo construídas em meio a inúmeras contradições, avanços e recuos, mas com

a firme determinação de enfrentar toda forma de imperialismo e dominação. E sentimos nesse pulsar o néctar do Bem Viver, como bem o define Rene Ramirez “um conceito complexo, não linear, his-toricamente construído e em constante ressignificação ... identifica como fina-lidades: a satisfação das necessidades, a conquista de uma qualidade de vida e morte digna, o amar e ser amado/a, o florescimento da saúde para todos e to-das, em paz e harmonia com a natureza, e a prolongação indefinida de culturas, ... o tempo livre para a contemplação e a emancipação, e que as liberdades e oportunidades, capacidades e potencia-lidades se ampliem e floresçam.” (Alai, julho 2010)

Um Fórum em GuaraniOs grandes anúncios do Fórum são

também feitos em Guarani, uma das línguas oficiais do país anfitrião – ñane

Maria Petronila NetoCimi Regional Rondônia

ona Suzana tinha mais de 80 anos e nos últimos dois anos sofreu várias crises de saúde, dentre elas um der-rame em 2008 que a fragilizou com-

pletamente. Ela era a única falante da língua de seu povo e partiu deixando para trás sua irmã Francisca com mais de 70 anos e que também fala um pouco a língua, porém com dificuldade para lembrar as palavras. Suzana tinha três filhas e um filho e vários netos e bisnetos. Ela nasceu na maloca Cujubim no rio

Cautário, hoje atual reserva extrativista. Após o contato e depois de ter se casado foi morar e trabalhar com um seringalista na localidade de Porto Acre, na margem direita do rio Guaporé logo acima da boca do rio Cautário, próximo ao Forte Príncipe da Beira, município de Costa Marques. O sobrenome “Laia” vem da família desse seringalista que registrou os dois, tanto ela como seu marido dando os nomes em português e o seu sobrenome “Laia”.

Com a desativação do seringal e após a morte de seu marido, Pedro Laia Cujubim, ela teve que sair do local e passou a morar em Costa Marques com as filhas. Ora morava em Costa

Marques, ora em Guajará-Mirim, tendo que enfrentar ainda mais uma série de dificuldades. E somente no ano de 2002, com apoio do Cimi, o povo Cujubim conseguiu realizar a sua primei-ra assembleia, onde demonstraram a grande vontade de voltar para a sua terra tradicional.

Dona Suzana faleceu nos dias em que seu povo estava se articulando para sua VII Assem-bleia que se realizou nos dias 26 e 27 de julho último. Para os missionários do Cimi é muito triste ver pessoas lutadoras e esperançosas partirem sem ter a alegria de pisarem nova-mente em seu chão sagrado. E se perguntam: até quando Meu Deus? n

Morre Suzana Laia, indígena mais velha do povo Cujubim

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FóRuM SOCIAL DAS AMÉRICAS

um fórum originárioAmeríndia

Amerika tee oñemongu’ehína! – nossa América está no caminho!

Porém, os povos Guarani presen-tes em cinco países deste continente esperam que esse Fórum também seja um momento importante para ser não apenas conhecido seu idioma, sistema de vida e rica cultura, mas principalmente que haja um posicionamento quanto à urgente devolução de seus territórios tradicionais, condição indispensável para continuarem vivendo enquanto povos que contribuem para a construção dessa nova América possível. Em vários mo-mentos foram debatidas e apresentadas estas realidades do povo Guarani. Houve uma palestra e debate sobre o Bem Viver do povo Guarani, apresentação e debate sobre o mapa Guarani Retã, debate sobre os impactos das grandes obras sobre esses povos, especialmente a construção de Itaipu, que inundou o território de 34 comunidades Guarani e até hoje não lhes restituiu as terras.

Ainda assim, nesses dias, o povo Guarani no Paraguai teve uma pequena, mas significativa vitória. A comunidade de Cerro Puytã, depois de ficar acampa-da com mais de cem pessoas numa das praças centrais da capital, teve final-mente conquistado o título de parte de sua terra. Os 2.350 hectares significam uma possibilidade de sobrevivência com mais dignidade para esta comunidade Guarani. n

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Homenagem

16Agosto–2010

APOIADORES

Benedito PreziaHistoriador

omo em outras regiões do Brasil, os Borun tiveram sua história marcada com sangue e lágrimas. Estes indígenas, conhecidos no Brasil como Botocudos, eram os mesmos guerreiros Aimoré, que nos séculos 16 e 17 tanto amedronta-

ram os portugueses do sul na Bahia. Por terem uma vida de perambulação, sem

aldeias estruturadas, seu território era extenso, indo do sul da Bahia à calha sul do rio Doce, o que impedia a ligação entre o Rio de Janeiro e Salvador. Isto levou Dom João VI, ao chegar ao Brasil em 1808, a declarar a famosa Guerra aos Botocudos, criando batalhões repressivos que levaram ao extermínio de muitos grupos.

Para maior eficiência, alguns destes bata-lhões contrataram indígenas que se tornavam tão sanguinários ou piores que seus chefes. Em muitas ações repressivas, esses soldados traziam as orelhas das vítimas como prova da ação encomendada. As crianças, os kruk ou ku-ruka, passaram a ser mercadoria cobiçada, pois valiam cem mil réis ou uma espingarda. Isto foi causa de muitos ataques indígenas, como ocorreu com o cacique Jiropok que desfechou

uma violenta ação contra a fazenda de José Viola, em 1845, tentando resgatar dois de seus filhos.

Além da morte por armas de fogo, esses batalhões não hesitavam em en-tregar roupa contaminada com sarampo que se tornava arma mortal.

Sem alcançar a colonização da região, o gover-no imperial mudou de estratégia. Decidiu trazer imigrantes europeus e implementar, a partir de 1852, a Companhia de Comércio e Navegação do Rio Mucuri, que foi dada em concessão ao mineiro Teófilo Otoni. O projeto de navegação não surtiu o efeito esperado, mas levou ao surgimento de alguns núcleos populacionais, como Filadélfia, hoje Teófilo Otoni, em pleno território dos Borun. Vários sub-grupos, como os Krakatã, Mokurin, Nhanhã, Katolé, Poton, Poté, Nakrehé e Pojichá sentiram-se atingidos. Mas Teófilo Otoni, com sua habilidade, conseguiu a confiança de alguns líde-res, como o capitão Timóteo, da nação Nak-Nanuk, e que se tornou seu grande aliado. Por isso existe hoje a cidade de Nanuque, em sua homenagem.

Outros se mostraram resistentes, como os caciques Inhome, Jukirana, Imá e Ninkate. Este chegou a dizer ao Capitão branco que “os portu-gueses deviam se contentar com as terras que já tinham tomado”, sem invadir mais.

Para este novo empreendimento foram leva-dos operários alemães, belgas, suíços, portugue-ses e chineses, auxiliados por escravos negros, que trabalhavam não apenas no transporte fluvial, como também na abertura de estradas.

Incomodados com aquela invasão, os Borun passaram a atacar as moradias que surgiam à beira dos novos ca-minhos, como ocorreu, em 1853, quando uma família foi morta pelos Pojichá, em Jucupem-ba. Outros confrontos, desfechados pelo gru-po do cacique Imá,

atingiram novas famílias da região. O medo foi tanto, que as pessoas que precisavam viajar, não o faziam de dia, preferindo a noite, quan-do esses guerreiros se recolhiam. A cada ação indígena, havia sempre uma reação violenta dos brasileiros.

Isto levou ao fracasso da Companhia, com a saída em massa de estrangeiros que se recusavam a permanecer na região. A implantação de postos militares também não foi suficiente para conter os grupos rebelados.

Por isso o governo imperial, no final de 1869, pediu aos frades capuchinhos para fundar uma missão, semelhante àquela implantada às mar-gens do rio Doce, entre os Aranã. Em fevereiro de 1873 surgiu a missão em Itambacuri, a 30 quilômetros de Teófilo Otoni.

Os indígenas se dividiram: uma parte apoiou os padres, como Pahók, que levou para lá os sub-grupos Krakatã e Nhanhã. Outra parte se re-cusou, como os Jerunhim, Nherinhim, Hen, Jakjat, Rimré, Kremun, Pojichá, Pmakgiraun, Ponchon, Pmak e Nakre-Hé. Com o tempo se aproximaram, mas não se instalaram na missão, pois sabiam que era seu fim, como se verá mais tarde. n

Os Borun do Mucuri: entre a espingarda e a cruz

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